Depoimento de Maria da Saúde de Souza
Entrevistada por Márcia Trezza
Juruti, 17 abril de 2010
Realização Museu da Pessoa
Entrevista MB_HV099
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
Revisado por Fernanda P. Prado
Tags: filhos, casamento, escola, comércio, trabalho na infância, brincadeiras, catolicismo,família, subsistência, festa de São João, barro, argila, sonhos
P/1 – Dona Maria, a senhora pode falar o seu nome completo, por favor?
R – O meu nome é Maria da Saúde de Souza.
P/1 – Onde a senhora nasceu e quando?
R – Eu nasci no Largo das Piranhas, município de Juruti e eu nasci dia 17 de junho de 1952.
P/1 – A senhora poderia falar o nome dos seus pais?
R – Francisco, o meu pai é Francisco Aragão Batista e a minha mãe é Maria Antônia de Souza.
P/1 – Como eles eram, dona Maria?
R – A minha mãe era uma mulher mulata e meu pai era mais claro do que a minha mãe.
P/1 – O que eles faziam? Qual era a atividade deles?
R – Olha, tinham diversos tipos de trabalho que a gente fazia. Pelo menos plantio de juta, trabalhavam em juta, em roça. Quando completei cinco anos de idade, o meu pai morreu, ficou só eu, minha mãe e um irmão. Nos meus sete anos, eu já comecei a trabalhar junto com a minha mãe, era plantando roça, trabalhando em juta e trabalhando com os outros pra ajudá-la e a ela me ajudar também. Quando ela ia trabalhar, nós tirávamos semanas para trabalhar nas louças do bar. Eu ia ajudar a minha mãe, tirava lenha. Depois que a gente já estava com todas as louças prontas pra queimar, a gente ia tirar a lenha, queimava, pra poder vender.
P/1 – A senhora trabalhou na juta?
R – Trabalhei bastante.
P/1 – Como é esse trabalho da juta?
R – A gente... É na várzea que a gente trabalha, né? Fazer roçado pra plantar. A juta é uma planta que veio da Índia, quando chegou aqui no Brasil, a gente trabalhou também muito nela, que tira a fibra pra fazer o tecido. Aí quando deu um tempo, a gente parou de trabalhar no negócio da juta, ficamos na roça e no barro, fazendo louça.
P/1 – Na roça vocês plantavam o quê?
R – Mandioca.
P/1 – Trabalhavam com mandioca?
R – Com mandioca. Fazer farinha, fazer tudo que sai da mandioca: beiju, carimã, essas coisas que a gente tira, né?
P/1 – Desde que idade a senhora já trabalhava com a juta?
R – Com sete anos eu comecei com a minha mãe que ela não me deixava pra em casa assim. Eu comecei com ela.
P/1 – Conta um pouquinho, como é fazer essa juta, dona Maria?
R – A juta... A gente fazia o roçado, fazia o plantio dela. Quando o terreno já ia fundo, quando ela já estava boa de corte, a gente cortava toda a juta, fazia aqueles feixes e afogava. Afogava. Com uns 15 dias, 20 dias, a fibra já estava soltando do pau. Aí, a gente lavava tudinho, enxugava, empacotava e vendia por quilo.
P/1 – Ao mesmo tempo, trabalhava também com a farinha?
R – Com a farinha. A gente tinha diversos trabalhinhos assim que ajudavam a gente...
P/1 – As crianças, na juta, faziam o mesmo trabalho que os adultos? Quando a senhora tinha sete anos.
R – Eu tinha sete anos. É, fazia o mesmo trabalho, mas só que trabalhava pouco.
P/1 – E com a farinha, com a mandioca, as crianças faziam alguma parte assim que era mais às crianças, a outra mais que os adultos faziam ou era tudo igual?
R – Os adultos traziam pra casa, que a gente ia à roça com a mãe da gente cortar a mandioca do tronco pra eles colocarem na saca ou então no paneiro e trazer pra casa. Em casa, a gente ajudava a descascar. Descascava toda a mandioca, muitas vezes, até lavava, colocava lá no depósito onde tinha que colocar pra serrar e, de lá, eram os mais velhos que faziam, os adultos.
P/1 – A senhora sempre morou aqui em Juruti?
R – Não. Eu morei aqui depois que eu casei. Casei-me com 18 anos, eu me casei muito nova, né? Dezoito anos, depois a gente se mudou de lá pra cá.
P/1 – E quando a senhora era criança nessa casa que a senhora falou que tinha roça, tinha a juta, a senhora se lembra de como era?
R – Lembro-me. Lembro muito bem.
P/1 – Conta então.
R – Nossa casa era coberta de palha e embarreada. Não era com tijolo, era com barro mesmo, com terra, com barro. Fazia aquele barro e colocava pra fazer a parede. De lá, a gente fazia uma pintura, uma coisa, aí ficava bonito.
P/1 – A senhora tem lembranças assim, a senhora brincava?
R – “Ish.” Brincava.
P/1 – Conta para a gente.
R – Brincava. Tinham minhas primas que a metade delas até já morreram, né? Minhas primas, meus primos todos... A gente trabalhava junto e também tinha brincadeira, íamos pra escola juntos. A minha infância não foi muito ruim, não.
P/1 – Que brincadeira vocês faziam?
R – Muita coisa de brincadeira assim, quando era dia de... No final de escola, a gente fazia apresentação e poesia. Essas coisas que sempre de primeiro tinha, né? Muita apresentação de brincadeira mesmo. Dia sete de setembro sempre tinha também. Apresentava tudo, negócio de Dom Pedro, essas coisas todinhas que se passam na escola.
P/1 – Tinham outras brincadeiras, não só na escola, mas...
R – Tempo de pastorinha, tempo de fogueira de São João. Essas coisas todinhas. Tudo a gente fazia festinha... Eu me lembro muito bem, sempre conto pros meus filhos que nós tínhamos, meus colegas, minhas colegas, nós fazíamos... Tem uma bebida que o nome dela é, a gente chama pajiroba, mas muitas pessoas conhecem como caxiri que é tirado da mandioca e batata, essas coisas que fazem essa bebida. A gente fazia pra animar a festa, fazia a fogueira... Muita coisa bonita tinha.
P/1 – Danças?
R – Danças também.
P/1 – Que músicas? A senhora se lembra?
R – A música eram essas músicas antigas mesmo. Viola, violão, cavaquinho, banjo. Essas coisas assim.
P/1 – A senhora se lembra de alguma música daquela época dona Maria? Que a senhora canta pros seus netos.
R – Não. Eu não me lembro bem delas mesmo mais porque de um certo tempo a minha cabeça fica meio zuada, porque depois de um certo tempo, eu me envolvi também direto na religião... Eu já deixava as músicas já de lado e já me envolvia em negócio de igreja. Graças a Deus até hoje eu me sinto assim, eu tenho minha religião que eu nasci e me criei que é a religião católica, né?
P/1 – E a senhora continua na religião católica?
R – Eu continuo graças a Deus.
P/1 – Quando a senhora era criança, vocês iam à igreja? Como era? Tinha igreja perto?
R – Íamos, bastante. Tinha igreja perto. Nas comunidades sempre tem. A gente fazia todos esse movimentos na igreja, no dia do catecismo, doutrina, primeira eucaristia. Todas essas coisas, eu graças a Deus fiz.
P/1 – A senhora morou numa comunidade, como a senhora falou, a senhora nasceu nessa comunidade...
R – Nasci.
P/1 – Ainda tinham grupos, havia algum grupo ainda indígena nessas comunidades, dona Maria? Perto de onde a senhora morava ou que a senhora soubesse?
R – Olhe, não. A gente via só o movimento assim, de lá onde era a maloca deles que é em cima de uma serra. Lá, apareciam todos os indícios de onde eles trabalhavam, né? Pedaço de louça, mas eles mesmos a gente não viu porque eles saíram, foram embora pra Andirá, por aí.
P/1 – Quando a senhora era criança, não chegou a conviver com algum grupo, com algum grupo deles, algum grupo indígena? Chegava a conviver? Tinha algum vizinho?
R – Não.
P/1 – A senhora falou que ia pra escola.
R – É.
P/1 – Que lembranças a senhora têm da escola? Tem alguma coisa que a senhora lembra quando pensa naquela escola?
R – Ah, eu penso muito assim, nos meninos, nas meninas que a gente brincava, estudava. Muitas coisas mesmo. Estou me lembrando ainda mais no dia, a tabuada, aquelas coisas. Tempo da tabuada, sempre naquele tempo, quem não acertava, ia pra palmatória, né? Tinham pessoas boas de matemática que metiam a gente no bolso e aí o jeito era pegar uma embolada pra poder aprender melhor. Eu me lembro dos meninos que tinham lá, de duas meninas que eram boas mesmo de matemática e dois meninos que o nome de um é Cipriano e do outro era Manuel. Esses aí eram perigosos pra dar trancada na gente. Quando chegava o dia de tabuada, eu já fazia promessa... (risos) Eu me lembro dessas coisas, certas coisas boas mesmo que a gente aprendia na escola.
P/1 – Que mais além da tabuada?
R – Tem muitas coisas, mas eu já nem estou mais lembrando, tanta coisa...
P/1 – A senhora levou alguma vez a palmatória?
R – Ah, levava. Levava porque tinha vez que eu não acertava mesmo a resposta e tinha que apanhar.
P/1 – E alguma professora a senhora marcou, aquela professora que a senhora nunca mais esqueceu.
R – Duas professoras.
P/1 – Conta pra gente.
R – Duas professoras. Uma é mãe da Ariadne que ela mora bem ali, a Dona Lourdes. Ela foi minha professora, muito boa, até hoje, nunca deixei de falar com ela. Ela foi muito boa para a comunidade, pra nós. Outra é a Elvira, a professora Elvira. Professora que deixou saudade pra gente, pra mim. Elas eram muito atenciosas, elas faziam muita coisa com a gente. Para a pessoa que elas viam que tinha dificuldade de aprender, elas arrumavam um jeitinho da gente entender, né? E todas essas coisas, eu me lembro delas. Graças a Deus, o que eu aprendi com elas já me valeu muito e me vale sempre.
P/1 – Era perto a escola da sua casa, dona Maria?
R – Não. A gente atravessava o lago, ia de canoa.
P/1 – Ia de canoa?
R – É. Ia de canoa.
P/1 – E assim, cada família levava seus... Iam as crianças sozinhas na canoa? Como que era? A família levava?
R – Vinha da cabeceira, uma senhora tinha uma canoa grande, de lá, os filhos dessa senhora vinham pegando tudo quanto era aluno. Passava em casa, a gente ia com eles. Quando eles não vinham, que não dava pra pegar a gente lá, nós íamos na nossa canoa também, que nós tínhamos uma canoa.
P/1 – As crianças mesmo que iam?
R – A gente mesmo que ia. Os mais velhos levavam os menores.
P/1 – A senhora hoje dirige bem uma canoa, dona Maria?
R – Eu acho que ainda dirijo bem. (risos)
P/1 – Tem algum segredo pra manejar uma canoa?
R – Não.
P/1 – Eu tenho curiosidade.
R – Não tem. Só que tem... Tem segredo sim que se a senhora não souber pegar um remo pra remar acabou com a viagem! (risos) É isso aí. Mas se aprendeu a remar, pronto. Pilotar uma canoa não tem tanto segredo, não.
P/1 – E a senhora foi crescendo e continuou nessa comunidade.
R – É. Eu continuei lá, eu fiquei lá até os meus 47 anos.
P/1 – E a sua juventude foi lá também?
R – Foi. Foi lá.
P/1 – Era uma comunidade grande, dona Maria?
R – Ela não é muito pequena. Ela tem muitas famílias lá e agora eu acho que ainda tem até mais do que tinha porque já chegou muita gente pra morar lá e...
P/1 – E na sua época de juventude? Como é que a senhora se divertia?
R – Festa.
P/1 – Ah é? Conta...
R – Tinham festas, mas poucas também. Eu também nunca fui uma pessoa de muita festa.
P/1 – Essas festas eram que época?
R – É festa mesmo, de dançar... Tinha festa de dança e tinha festa de religião.
P/1 – As festas de religião eram geralmente em que época?
R – Dia 27 de maio era a festa de religião lá. Agora eu não sei se já trocou, mas era a data que era a festa lá.
P/1 – A senhora se lembra de alguma coisa que aconteceu numa festa dessas de interessante? Alguma vez que a senhora queria muito ir a alguma festa dessas?
R – Sempre a gente estava entrosada na festa.
P/1 – Como assim?
R – Assim, a gente trabalhava lá na comunidade, né? E sempre a gente estava dentro do trabalho lá e dentro do movimento. Nunca deu numa coisa assim de eu querer ir e que não desse pra ir. Sempre a gente estava lá.
P/1 – As festas, a igreja que organizava?
R – É. A festa que é da igreja que a gente organizava lá.
P/1 – Conta um pouquinho, dona Maria, da sua participação na igreja que a senhora falou que sempre foi na igreja católica. Como que a senhora começou a ir pra igreja, como que foi depois?
R – Eu sempre fui. A minha mãe, a minha família, era muito chegada à religião mesmo. Quando não tinha, quando ainda não tinha movimento nenhum na comunidade, a gente vinha para a cidade. A primeira sexta-feira do mês tinha o apostolado da oração, aí, a gente era envolvido nessas coisas. A cruzada, nesse tempo, que é uma congregação, um grupo de pessoas que já fizeram a primeira eucaristia, que recebem uma fita amarela. Assim que é da cruzada, né? E a gente tinha que se apresentar aí. Tinham os dias certos que a gente ia à reunião.
P/1 – A senhora era da cruzada?
R – Eu era. Depois eu passei pra postulado da oração que a gente recebe uma fita vermelha, né? Sagrado Coração de Jesus. A gente vinha também, tinha que estar aí, prestando trabalho.
P/1 – Esse trabalho, como era? Ou como é, porque a senhora continua?
R – Na evangelização, aprendendo, estudando mais pra evangelizar as pessoas.
P/1 – Desde quando a senhora era jovem, a senhora já fazia esse trabalho de...
R – Evangelização.
P/1 – Fazia já?
R – A gente fazia. A gente tinha que fazer a celebração dos cultos na igreja, ler evangelho, ler todinho o ritual da igreja, da missa, do culto. Aí tinham grupos de pessoas que faziam isso aí.
P/1 – Esse grupo ainda continua se reunindo, dona Maria?
R – Reúnem-se. Agora eu vou à igreja só na missa, eu não estou envolvida em grupo nenhum.
P/1 – Mas na sua juventude tinham bastante jovens que faziam
R – Tinha. Catequese. Muitas e muitas vezes, eu vim fazer cursos em Santarém, Óbidos, por aí. A gente fazia curso de religião.
P/1 – A senhora falou que fazia evangelização. Conta como era. O que seria, como que acontecia isso? Quando a senhora era jovem, como que era essa evangelização?
R – Olhe, a gente tinha os grupos, tinha o grupo da catequese, que agora é catequese infantil, né? Ai meu Deus do céu... Era catequese do pequeno catecismo. Aí pegava um grupo de crianças até sete anos e catequizava, ensinando como era que ele ia seguir pra fazer primeira eucaristia, pra receber a hóstia pela primeira vez. De lá pra frente, ele já ia pegar outro tipo de aula pra poder seguir e chegar até no de adulto. Saber, conhecer bem evangelho, já sair pra evangelizar... Muitas vezes, se fosse pra ser uma freira, ela ia pra um convento, se fosse pra ser padre ele ia pro seminário e aí ele já ia bem instruído.
P/1 – A senhora pensou em ser freira alguma vez?
R – Eu pensei, mas não cheguei lá. Pensei, mas não foi minha sorte.
P/1 – A senhora tinha vontade de ir pra um convento?
R – Eu tinha porque quando a gente está dentro da religião, dentro do estudo catequético, ele instrui muito a gente e ilude um bocado a gente, chama atenção da gente. Tira um pouco a gente das coisas do mundo, né? É por isso que eu digo que eu tinha essa... Mas depois eu acho que não foi minha sorte, dobrou a cabeça pro outro lado, eu casei e pronto. Estou vivendo até hoje com meu marido.
P/1 – Como é que a senhora conheceu o seu marido?
R – Ele é de uma comunidade aí de dentro, do Aruã, lá do centrão que tem. Quer dizer que era uma vila também, Cachoeira, né? De lá, ele veio menino pra ir pro Piranha. Daí foi, foi, foi até que um dia, nós nos encontramos.
P/1 – E esse “foi, foi, foi”, foi como? Conta pra nós como é que foi.
R – A gente foi crescendo, né? Eu fui viajar pra Manaus e aí foi... Deu certo de a gente se gostar e deu casamento.
P/1 – Esse dia, que a senhora viu o seu marido, que a senhora se apaixonou, a senhora se lembra?
R – (risos) Foi numa festa que a gente se encontrou.
P/1 – Numa festa? Conte-me, dona Maria, dessa festa?
R – Oh meu Deus! (risos)
P/1 – Que festa era essa? A senhora se lembra do seu vestido? Conta detalhes.
R – Não. Não me lembro do meu vestido.
P/1 – Mas a festa, como que foi?
R – A festa era longe, pelo tempo de ano novo... Não. Dia seis de janeiro, uma festa lá muito longe aí pra lá do Igarapé do Balaio que tem uma comunidade pegada ao Juriti Velho. Aí nós fomos numa festa pra lá e nós nos encontramos lá e parecia que era de longe, né? Mas era sorte, parece, não sei. Tanto é que pronto, gostei dele lá e passei dois anos namorando, depois nos casamos.
P/1 – E a senhora se lembra do casamento? Como foi esse dia?
R – Foi bonito.
P/1 – Foi?
R – Foi muito bonito. Muito bonito nosso casamento.
P/1 – Conta como foi.
R – Muita gente conhecida da gente daqui mesmo, lá do Coro-Coró, deu muita gente em casa. Nós nos casamos no interior lá na comunidade, nós demos um lanche pra eles e, graças a Deus, foi bom.
P/1 – Foi gostoso?
R – É. Foi gostoso.
P/1 – A senhora teve quantos filhos?
R – Ah, filho eu tive dez. Sete meninas e três meninos. Mas a mais velha morreu. Quando ela fez oito meses, ela morreu.
P/1 – Então, agora, são nove?
R – São nove.
P/1 – Algum vive com a senhora? Alguns ainda vivem com a senhora?
R – Quem vive comigo mesmo é a minha última filha e uma que tem um filho aí que o marido foi embora ontem, viajou, mas ela ainda mora aqui com a gente também.
P/1 – E netos? A senhora tem bastante?
R – Netos tenho... “Ish!” Meu Deus, por aqui é casa de filha... Para lá, também é um filho que mora, que é pai de três meninos... Eles tão morando. Tem uma que está muito longe daqui, tá trabalhando pelas bandas de São Paulo.
P/1 – E de quando seus filhos eram criança, tem alguma história que marcou a senhora, que a senhora se lembra de quando eles eram crianças? Dez filhos, né?
R – Dez filhos. É. Cada um tem... Assim, eu não tenho muita história de contar dos meus filhos porque nós trabalhávamos muito, nós os deixávamos com a filha mais velha e ia embora, sair por esses centros, por aí, trabalhando, vendendo as coisas pra poder manter os filhos e eles ficavam.
P/1 – A senhora vendia o que quando saía?
R – A gente vendia peixe, carne, tecido, saía pra vender pelo interior. Nós já vivemos de muitos jeitos...
P/1 – A senhora e seu marido?
R – Eu e meu marido.
P/1 – Porque depois que a senhora foi ficando mais jovem, adulta, casou, a senhora continuou trabalhando então.
R – Trabalhando.
P/1 – E vocês trabalhavam em quê?
R – Nós trabalhávamos na roça também, ele trabalhava muito em roça. Eu fiquei trabalhando na roça e, também, no meu barro. Depois a minha mãe, com o tempo, adoeceu muito e morreu, né? Aí eu fiquei trabalhando. Trabalhava pra irmã Brunildes, pra esses japoneses que tinham aqui, trabalhei muito pra eles, pro pai deles fazendo torrador que é de torrar café, naquele tempo, o pessoal usava muito e outros tipos de louça também. Fazia talha pra irmã Brunildes. Eu fazia de oito talhas pra colocar água no interior pra eles, né? Tudo por aí Deus foi me ajudando que eu fui...
P/1 – A carne, o peixe, a carne que vocês vendiam vocês também produziam? Tinha gado?
R – Não. A gente comprava. Comprava porco, comprava carne de gado pra vender e peixe, ele pescava. A gente comprava também dos pescadores, aí a gente ia vender.
P/1 – Em outras comunidades?
R – Em outras comunidades. Isso aí é a nossa coisa. Depois que a minha mãe morreu, foi que eu fiquei só mesmo com ele, porque ela vivia conosco também. E nós saíamos pra andar assim. Nós já tivemos, nós tínhamos... Hoje nós não temos nada, mas nós já tivemos umas coisas boas.
P/1 – Que coisas, dona Maria?
R – Nós já fomos comerciantes que tinham de tudo. Hoje nós temos umas...
P/1 – Tinham de tudo, vocês tinham assim um lugar ou iam vendendo?
R – Tinha. Nós tínhamos lugar lá no Piranha mesmo.
P/1 – Aonde era, dona Maria?
R – No Piranha. Na comunidade que nós estávamos.
P/1 – Sei. E vocês vendiam de tudo como a senhora falou.
R – De tudo. Secos, molhados, tudo quanto era coisa.
P/1 – E aí o que aconteceu com o comércio?
R – O que aconteceu é que nós viemos pra cá. Teve uma coisa muito ruim lá na comunidade, aí nós viemos pra cá, mudamos pra cá. Nós colocamos uma taberna lá, meu compadre Casemiro, que é o nó cego lá naquela vila lá. Depois, não deu certo e não sei o que aconteceu. O certo é que nós fomos por água abaixo e... Terminou. Mas, graças a Deus, a gente está levando a vida devagar, mas vai.
P/1 – Dona Maria, a senhora então falou começou a fazer as peças com a sua mãe?
R – Foi. A minha mãe que trabalhava.
P/1 – Contra pra gente como era. Desde que você conhecia a sua mãe, ela já fazia?
R – Já. Já fazia. Minha mãe já trabalhava. A mãe da minha mãe fazia louça de barro. A avó dela também, ela me contava. E depois quando morreram essas pessoas ela ficou, continuou fazendo, ela ficou viúva também do meu pai. Aí ela fazia pra nós nos mantermos. Aí depois, eu ia brincar no barro, aí foi, foi, foi, fui aprendendo também. Depois, eu já a ajudava.
P/1 – E essas peças que ela fazia, a senhora faz do mesmo jeito até hoje? O mesmo tipo de peça?
R – Eu faço. Tem outras peças também que a gente faz, inventa.
P/1 – Sim, mas essas que ela fazia, a senhora acha que ela aprendeu com quem esse modelo?
R – Com a avó, com a mãe dela.
P/1 – Sim.
R – A mãe dela lá, Cecília.
P/1 – A sua avó nasceu aqui também?
R – A minha avó, ela nasceu numa várzea que chama Santa Rita, mas só que a minha mãe dizia que eles eram daqui, do interior, da colônia. Só que eles passaram um tempo pra lá, mas eles sempre trabalhavam no barro pra lá. A minha mãe fazia.
P/1 – A senhora acha que elas descenderam de algum grupo indígena sua avó?
R – A avó da minha mãe era mura. Ela era índia Mura. Minha mãe dizia que ela ainda tinha até todas as marcas, todas as coisas, mas...
P/1 – E ela comentou alguma coisa sobre essas panelas, se tinha a ver com essa herança dessa sua avó que era índia?
R – A mãe dela só aprendeu e ela só sabia que a finada Inês, mãe da minha avó, era desse jeito, era índia Mura, mas a finada Cecília que já era minha avó, mãe da minha mãe, ela já tinha outra... Fazia as louças, mas a mamãe dizia que ela era clara e a minha mãe era morena. Meu avô que era moreno. Família Ramos, uma família que tinha lá que tudo era bem negro mesmo eles, cabelo pixaim.
P/1 – Dessas todas suas panelas e louças, peças, qual que ainda é igual a que sua mãe fazia, dona Maria?
R – Olha, a minha mãe fazia pote, bilha, qualquer tipo de louça e sempre também... Só que tem um... O que não tem nas nossas panelas... Essa aqui é parecida com uma que a minha mãe fazia. Essa aqui, essa bem aqui.
P/1 – Que tem o detalhezinho da volta...
R – É. Esse aí tem o que a minha mãe fazia. Só que a minha mãe, nunca ela fez foi cuia assim, com a orelha com um negócio, uma careta de bicho, outra coisa... Essas coisas ela não fazia.
P/1 – Então, a senhora faz esse tipo principalmente, esse que a senhora mostrou, bem parecido com o que sua mãe fazia?
R – Eu faço.
P/1 – Desde criança a senhora... Como que era quando a senhora mexia no barro? Conta um pouquinho...
R – É porque ela pegava, ela amassava o barro, a massa já estava pronta, né? Eu só fazia pegar o barro e fazer também assim como ela fazia. Bater o fundinho onde coloca o pó do caraipé na tábua, da tábua a gente coloca o barro, bate, faz o formato do fundo e lá vai emendando com o morrão até a altura que quer.
P/1 – Depois, a gente vai pedir pra senhora mostrar as peças. Agora, dona Maria, conforme a senhora foi fazendo essas peças, a senhora inventou outros modelos também?
R – Nós já fizemos, depois, já eu com ele fizemos diversos modelos. A gente faz fruteiras, tudo que tem no catálogo a gente faz, depende...
P/1 – E esse catálogo? Como que é esse catálogo?
R – Olha, o catálogo da... Esse que eu estou falando aí não é o catálogo nosso de louças. É o catálogo que vem da Hermes, de negócio de postal, né? A gente tira só o modelo de lá. Faz tudinho.
P/1 – A senhora começou a fazer as panelas pra vender também com a sua mãe, ou era pra usar em casa assim?
R – Não. A gente fazia pra vender.
P/1 – E, na época que sua mãe era viva, quem é que costumava comprar essas panelas?
R – Essas pessoas que compravam todas até já morreram, né? Que era o sogro do senhor Ademar Coen, os de Guimarães, uma família de Guimarães que tinha. Pessoal do interior também, do centro que faziam o puxirum que usavam bastante o caiçuma, que pediam pote, pediam alguidar, essas vasilhas que... Nós não temos alguidar agora aqui, é uma vasilha que a gente faz assim grande pra colocar massa pra fazer a bebida que usava no puxirum.
P/1 – E esse barro, quando a senhora era criança, onde que conseguia?
R – Da beira do lago que a gente tira. Quando a água vai e baixa, a gente vai e tira.
P/1 – E tira como esse barro?
R – A gente limpa a terra de cima e cava assim, obra de meio metro pra poder tirar o barro bom.
P/1 – É o que está lá embaixo?
R – É o que está lá embaixo.
P/1 – E cava com o quê, dona Maria?
R – Com enxada, com ferro de cova.
P/1 – E a sua mãe fazia dessa forma, tirava no rio e hoje ainda é assim?
R - Nós fazíamos. É assim que a gente tira.
P/1 – Tem alguma massa além do barro que vocês usam?
R – Caraipé só. Uma mistura...
P/1 – O que é o caraipé?
R – O caraipé é casca de uma árvore.
P/1 – Mistura no barro?
R – Mistura no barro, que elas estão bem ali, é um pó. A gente tira da casca, da casca de coisa, a gente faz o pó.
P/1 – E vocês mesmos que fazem?
R – É. A gente que tira da árvore e queima e tira a cinza pra misturar.
P/1 – E porque mistura essa cinza? A senhora falou que a sua mãe fazia direto com o barro do rio, e ela já colocava essa cinza?
R – Mas é. (risos)
P/1 – Ela já fazia assim, ela já colocava esse pó. Ela já fazia desse jeitinho.
R – Já, senhora. Porque isso aí é para o barro poder aguentar a temperatura do fogo. Só o barro não aguenta, não resiste ao fogo, ele parte todo. Ele parte e, com o caraipé, não. Ele ajuda.
P/1 – Certo. A senhora estava contando como faz a panela, os potes, as vasilhas e esse formato que a senhora faz, todas as vezes, todos os formatos, são feitos com a mesma técnica?
R – É senhora. É com a mesma técnica que são feitos.
P/1 – Conta um pouco assim, primeiro a senhora coloca a...
R – A gente pega o barro mole, que ele já está mole, né? E mistura com caraipé a massa até ele ficar mesmo bem ligado, o caraipé com o barro. Depois que ele já está bem ligado, como está esse pouco aqui, a gente já vai começar a formar a louça, ele já está bom. Agora, tem que ter uma coisa, tem que saber a temperatura, a quantia que o barro pega do caraipé. Pra saber tem que aprovar aqui, se tiver bem “areiadinho”, ele já tá bom.
P/1 – Esse é o truque?
R – Esse é o truque... (risos)
P/1 – E depois vai pra queimar. Queima onde, dona Maria?
R – Queima bem ali, bem pra ali.
P/1 – O que é ali?
R – É uma... É feito uma vala, não é um forno, porque sempre de costume tem um forno, né? Mas é feita uma vala assim, colocados uns ferros e colocada a louça em cima. A gente faz primeiro um braseiro lá, coloca o fogo, a labareda, aí ficam as brasas. A gente o coloca lá e vai aquecendo. Aquece até que ele fica no ponto mesmo, já preta a louça. De lá que a gente vai cobrir com a lenha e colocar o fogo embaixo pra tornar a subir a labareda pra queimar por cima e por baixo.
P/1 – E tem algum momento depois que queima, ou antes, que tem que fazer alguma coisa? A senhora usa algum outro instrumento?
R – Depois que queima?
P/1 – É. Depois que queima.
R – Vai depender de a louça precisar. Quando é torrador e o pote a gente não resina. A panela, a frigideira e outros tipos de louça que precisam da jutaicica, a gente, quando está tirando do fogo, logo resina, durante o tempo que a peça está quente. A jutaicica é a resina do Jatobá, que é uma árvore também, ela água. Se tiver fria a louça, ela não resina nada. Olha, isso aqui ó.
P/1 – Ah, está certo.
R – Isso aqui é uma resina do Jatobá, é isso aqui que a gente passa pra poder ficar “brilhoso” dentro.
P/1 – A senhora passa direto a pedra?
R – É. Passa... Mas tem um pau porque senão agora, ela queima a gente. É isso aqui. É a única coisa. Depois disso, quando a pessoa pede, por exemplo, fazer um vaso que quer passado verniz, quando pede, mas se não é isso aqui.
P/1 – E precisa raspar alguma peça?
R – Precisa. A gente tem que beneficiar ela direito... Passar pedra. Nós temos...
P/1 – Todas, dona Maria?
R – Todas, todas, todas pra poder ficar bem maciazinha.
P/1 – Depois que queima é que raspa, ou antes de ir pro forno?
R – Não. Antes.
P/1 – Quando ela está seca?
R – É. Quando ela seca. Quando ela seca que a gente vai fazer todinhos os manejos de como ela ficar bonita, né?
P/1 – E os desenhos, dona Maria, esses desenhos? A senhora ia falando...
R – Depois de mim e dele, o Pedro, ir lá, eu acho que vai ficar um filho nosso para trabalhar também. Ele já tem mais coisas que ele desenha, ele... Porque ele já aprendeu aqui conosco um pouco e também ele já aprendeu lá o negócio de torno, né? Já trabalhou lá com ele um pouco, foi fazer um cursinho lá e, nesse daqui, que nós trabalhamos, eu sei que ele manda.
P/1 – E onde é esse lugar? Que lugar é esse que ele quer aprender?
R – Ali no Lade lá. Não sei se ainda está funcionando lá. Está parado lá.
P/1 – Era um o quê? Era um centro? O que era?
R – É bem ali perto da igreja católica, bem lá na praça.
P/1 – Sim, mas o que era esse lugar?
R – Artesanato. É um artesanato lá. A gente trabalha lá com muitas coisas assim, mas é tudo sem caraipé, é só mesmo o barro.
P/1 – E é no torno, a senhora estava falando.
R – É no torno.
P/1 – Porque vocês não usam torno, né, dona Maria?
R – Não, senhora. Nós só usamos mesmo a mão.
P/1 – E a senhora ia falando que esses desenhos que a senhora faz nos vasos, a senhora também aprendeu com sua mãe ou foi de outro jeito que a senhora começou a fazer?
R – Não. Já depois, pra cá. Já de lá também.
P/1 – E de onde a senhora tirou essa ideia desses desenhos?
R – Olha, esses desenhos aí... Já passaram umas pessoas por aqui e eles deixaram até uma revista pra gente, né, Pedro? Não sei nem onde está guardada essa revista, mas não está aqui fora. Porque aí tem os desenhos todinhos, tem como o é dos índios, de cada tribo tem um desenho e aí a gente tira por aí.
P/1 – Algum desses desenhos a senhora se lembra de quando era criança, de ter visto, ou de quando jovem de ter visto em alguma peça?
R – Olhe, quando nós trabalhávamos, depois já de eu casada com ele, nós fomos fazer um plantio de tabaco, negócio de fumo, lá em cima de uma serra. Quando a gente cavava, apareciam aqueles pedaços de louça, né? Apareciam também os desenhos deles lá daquelas coisas todinhas que eles quebraram tudo antes de sair. Só que eu nunca soube, não sabia que tipo de tribo era, mas disseram que eram mundurukus. Eu acho que só podia ser porque o desenho é deles mesmos.
P/1 – E é esse desenho que a senhora faz nas peças ou é outro?
R – Não. A gente faz... Como é, Pedro, o nome desse índio aqui, desse que a gente faz no trabalho? Não é caiapó, eu estou esquecida agora, mas nós temos guardado... Porque cada desenho tem o nome da tribo que é a inventora dessas coisas, né?
P/1 – Certo. E a senhora falou que o seu filho está fazendo também as peças.
R - Ele trabalha. Ele trabalha conosco.
P/1 – E os outros filhos? Quiseram aprender? Como foi?
R – Só esse. Só esse que trabalha. Ele, desde menino, fazia... Quando nós estávamos trabalhando, os meninos vinham: “Ah, mas é que nós queríamos o presépio do Natal, menino Jesus essas coisas todinhas pra trabalho de escola.” Dizia: “Mas vou fazer mamãe.” “Mas tu não sabes meu filho.” Mas ele foi fazer. Aí ele começou a inventar, inventar, inventar, quando foi um dia ele fez uma... Como é? Uma bandeja assim, cheia de tudo quanto era coisa. Aí os meninos vieram, compraram. De lá pronto, ele começou a trabalhar mesmo. Ele faz de tudo. Tudo quando é louça ele faz.
P/1 – E os outros? Não tiveram...
R – Não senhora… Nem as mulheres. Nenhuma das mulheres.
P/1 – Nem brincar com a massa?
R – Nem brincar com a massa. Só mesmo ele.
P/1 – Fora o seu filho, dona Maria, a senhora já teve assim, convite de ensinar pra algumas crianças, jovens, algum grupo? Alguém convidou a senhora?
R – Já. Eu fui ensinar aí nesse artesanato que o Lade trabalha. Ele pediu pra eu ir lá e aí eu fui. Foi um curso de uma semana só.
P/1 – Pra quem era?
R – Foi pra uns meninos do interior, foi pra umas senhoras, uns homens, uns senhores também. Eu sei que eram 50 pessoas.
P/1 – E o que a senhora achou dessa experiência?
R – Eu achei que eles, os meninos, as crianças, aprenderam muito mais rápido do que os adultos.
P/1 – Olha... E foi só essa experiência?
R – Só. Só essa experiência. Tive uns que continuaram, mas os outros só fizeram, não foram em frente.
P/1 – Esses que continuaram, depois, a senhora continuou ensinando, não?
R – Não. Eles aprenderam e fizeram na comunidade deles.
P/1 – Ah, então tem outras pessoas que fazem...
R – São Paulo.
P/1 – Aonde?
R – São Paulo, aí por São Paulo tem.
P/1 – Esses que aprenderam com a senhora.
R – É. Eles aprenderam, eles sabem.
P/1 – E lá na comunidade eles fazem como?
R – Eles fazem só que eles não fazem assim, pra vender, eles fazem só mesmo pra casa deles, pra eles usarem.
P/1 – O que a senhora acha, dona Maria, dessa experiência dos jovens, a senhora ensinou pra alguns, alguns tiveram interesse e outros não. Como que a senhora vê o artesanato, essas peças de cerâmica que têm toda essa história em relação ao jovem? O que a senhora acha que vai acontecer? Porque o seu filho gosta muito e continua fazendo...
R – É. Ele continua.
P/1 – Mas pra manter essas peças, a senhora imagina o quê? A senhora pensa nisso, ou não?
R – Pra manter... Como? O meu filho ou os outros?
P/1 – O costume, tanto o seu filho quanto os outros jovens, pra manter esse costume que a senhora aprendeu com a sua mãe, que aprendeu com a mãe dela. Aí a senhora faz essas peças, todo mundo gosta muito, o seu filho faz, mas é um filho que faz. A senhora foi ensinar pra um grupo, alguns continuaram, outros não. A senhora pensa sobre a continuidade desse artesanato ou a senhora nunca pensou nisso?
R – Eu acho que vai continuar porque sempre, sempre, eles estão fazendo. Então, eu acho que daqui a mais tempo, quando eles não existirem, não puderem mais fazer, eu acho que vai ter alguém que vai continuar. Eu acho que não vão deixar acabar.
P/1 – Por que a senhora pensa assim?
R – Porque eu fico pensando assim, olhe, isso aí é uma coisa que a eu acho que não tem que acabar. Eu fiquei como herdeira da minha mãe nesse trabalho e eu tenho esperança que meu filho também vai continuar a trabalhar e alguém além dele vai ter também, vai aprender, um filho dele, um sobrinho. Tenho um sobrinho que também gosta muito de brincar no barro. Ele vem brincar. Porque toda criança sempre mostra logo desde criança uma coisa que ela quer ser, que ela quer fazer. Eu acho que vai ter, não vai ficar parado não.
P/1 – A senhora falou uma coisa que eu fiquei curiosa, né? A senhora falou sempre a criança mostra aquilo que ela quer ser.
R – É.
P/1 – No caso do artesanato com a argila, com o barro, a senhora acha que dá pra insistir que a pessoa começa a fazer ou tem que ter aquele dom? Como que é? Aquele gosto...
R – Não. Eu acho...
P/1 – Pensando até nos filhos da senhora.
R – Olhe, não sei se eu entendi direito, mas eu acho que uma parte a gente tinha até que ainda insistir pra ele aprender e fazer também. Porque, de qualquer maneira, isso é um ganho que ele não vai muito pra baixo não. A gente sabendo, tendo uma profissão, a gente vive da profissão da gente, é uma coisa boa.
P/1 – E, no caso da argila, do artesanato, eu queria saber desse seu filho que a senhora falou que logo do comecinho ele já teve aquela vontade de fazer, né?
R – É.
P/1 – A senhora também falou que ele também já está fazendo outras peças.
R – Já. Ele faz.
P/1 – E como que ele trabalha? Ele vende essas peças? Como é que ele agora trabalha com esse artesanato?
R – Ele vive ainda confiante a nós porque ele mora, a casinha dele é bem aqui, mas ele trabalha com a gente e o pai dele o ajuda, paga a diária dele. Paga assim, por mês, mas a gente vê que o interesse é dele, ele faz. E quando não tem dinheiro, ele mesmo faz e ele: “Pai, eu vou vender essa peça.” “Vende meu filho.” E vai vender e, de qualquer maneira, ele tem fluido pra fazer aquilo. Quando chega o tempo de tirar o barro, ele também se interessa e tudo é assim. Eu acho que ele vai continuar.
P/1 – Quando a senhora está fazendo uma peça a senhora vê alguma diferença de uma peça pra outra ou a senhora acha... Como que é isso? Cada peça que a senhora faz...
R – Cada peça que eu faço se tem...
P/1 – Uma coisa especial ou é uma...
R – Uma melhor, outra pior. (risos) Tem vezes que a gente nota isso aí, né? Eu vejo assim, tem louças que a gente faz que a gente arma e ela tem um formato bonito, agradável e chama atenção da gente. Mas tem umas que a gente faz assim, ela começa a partir, começa a querer se desenvolver com preguiça, digo: “Ah meu Deus.” Tem muita louça que a gente nota diferença, que a gente a faz e depois que ela está quase pronta, ela racha. A gente, como se diz, remenda, remenda, continua partindo. Eu sempre digo pro meu marido: “Marido, essa peça não quer prestar. Sabe o quê? Quebra logo. (risos) Quebra logo e vamos molhar pra tornar a fazer.” Aí pronto. De qualquer maneira, a gente nota que tem mesmo as coisas diferentes assim.
P/1 – E o que será?
R – Eu não sei o que pode ser porque a massa é a mesma, a temperatura é a mesma, é o mesmo barro e, muitas vezes, não quer prestar. Muitas vezes, é muito grossa e, quando não, é muito fina. Então, não sei o que acontece. Eu digo assim: “Azar”, logo! (risos)
P/1 – Dona Maria, teve alguma peça que a senhora fez que a senhora ficou com muita pena de vender?
R – Olha, não. Ainda não. Ainda não porque a gente só faz mais por encomenda e, muitas vezes, quando a gente coloca aí e fica exposto às pessoas que vêm. Escolheu, comprou, levou. É assim que é.
P/1 – A senhora trabalha mais por encomenda ou as pessoas vêm procurar aqui pra comprar?
R – Tem encomenda e tem também que a gente faz assim sem encomenda e a pessoa vem e compra.
P/1 – Aqui é o lugar que a senhora trabalha e vende também.
R – É. É aqui mesmo.
P/1 – Tem outro lugar que a senhora vende?
R – Não senhora. De primeiro, quando a minha filha morava em Belém, eles levavam lá pra São José Liberto e vendiam também. Muita louça. Já vendeu muito em Belém, muita louça.
P/1 – A senhora acha que é melhor vender direto ou é bom vender pra um mercado maior? Tem essa comparação? A senhora tem como comparar?
R – Eu acho bom de vender em quantidade logo, sempre a gente vende ali em Santarém, lá pela dona Núbia, lá no Mercadão 2000 que eles compram e a gente vende de quantidade. E a gente vende ali pra Oriximiná, sempre ele vai a Óbidos. Quando é tempo de feira, a gente vende na feira em Santarém. Só pra essas coisas assim, essas vendas assim que saem mais, porque aqui a gente vende, mas é pouco, não tem muita saída não.
P/1 – A senhora falou que é melhor vender em quantidade, né?
R – É. Em quantidade.
P/1 – Pra vender pra esses lugares que a senhora falou. Vocês vão direto vender lá ou alguém vende pra vocês? Vocês vendem pra uma pessoa que depois é que vai vender para o público?
R – Tem vezes que a gente vende lá logo pra uma pessoa ali, pra dona Núbia, quando é lá pro senhor Raimundo um senhor que vende, ele compra de quantidade. Quando não, nós mesmos vamos e vendemos na feira, tem as feiras em Santarém e a gente vende.
P/1 – E vale a pena, dona Maria, vender assim para outro revender? A senhora acha que vale a pena pelo custo e pelo...
R – Porque a gente vende de qualquer maneira não vale muito a pena, mas como a gente vende de quantidade aí já recebe só de uma vez, já melhora um pouco. Porque tem que vender com desconto também pra pessoa que vai vender, né? E quando a gente vai vender a gente mesmo, a gente já vende por aquele preço certo.
P/1 – Mas aí pela quantidade...
R – Se a gente vende pela quantidade, nós mesmos, a gente recebe mais.
P/1 – Qual é a peça que a senhora acha que tem mais procura dessas que a senhora faz?
R – Panela. Panela e assadeira. Cumbuca, essas coisas, essas peças. Cumbuca, essas coisas pra restaurante, eles gostam muito. Essas panelas pequenas assim eles gostam também. De lá são aquelas grandonas. Mas compra, o pessoal compra essas aí, assadeiras, essas frigideiras para fritar. Tudo eles compram.
P/1 – A senhora é uma artesã, né, dona Maria. Do jeito que a senhora contou que faz as peças, as pessoas falam da senhora bastante, que a senhora é a única.
R – A gente trabalha há muito tempo, muito tempo mesmo. Teve um tempo que nós queríamos parar um pouco porque não tinha quase saída, né? Mas: “Não. Ninguém vai deixar”. Porque quando nós fizemos aqui, nós chegamos e começamos a trabalhar, era cerâmica pra todo lado, pra todo lado. Aí depois ele disse assim: “Maria, mas tem coisa pra... O pessoal vende muito.” Eu disse: “Pedro, mas só que olha, tem uma coisa, isso aí como dizia a minha mãe é fogo de palha, queima, passa...” E foi dito e certo. Nós ficamos aqui, a gente vendia pouquinho, mas só que, graças a Deus, a gente já era conhecido por muita gente e muito longe e eles vêm mesmo. Teve vez, aqui, que nós vendemos cinco caixadas só de uma vez. Veio uma senhora de lá, como é mesmo? De Maranhão, levou. Veio outro que levou pra... Como é, meu Deus? Que levou assadeira, levou panela, levou torrador, levou frigideira pra queijo, mas levou tudo. “Mas a senhora vai de ônibus? A senhora vai de avião?” “Não. Eu vou de ônibus porque avião é muito caro, se eu levar tudo e não vai dar para levar...” Mas, meu Deus, eu quero me lembrar do nome da paragem que ela levou. Não é Goiânia, pra... Eu esqueci o nome dessa paragem. Eu disse: “Mas é muito longe.” “Ah, é longe, mas eu vou chegar com as minhas panelas lá.” Levou uma panela grande assim, uma por dentro da outra, nas caixas.
P/1 – Quando a senhora via essas peças, a senhora falou que era fogo de palha, a senhora achava iguais as da senhora ou tinha alguma diferença?
R – Tinha diferença porque as nossas louças não são assim grossas e tinha gente que enganava, eu acho que para vender. Dizia assim: “Mas eu comprei do senhor Pedro Caratá...” Que o pessoal conhece, a identidade dele, ele gritava longe assim, né? “Eu comprei do senhor Pedro Caratá uma panela, mas não valeu nada.” Aí vinha aqui: “Seu Pedro, mas a dona Fulana comprou uma panela do senhor que não prestou.” Teve uma vez que trouxeram uma panela aqui, disse: “Mas essa panela não é do nosso feitio, Pedro.” “Mas como?” “Essa panela não é nossa, não é daqui.” Ele disse. Uma panela que o fundo era bem largão assim, mas fina a boca que a gente não trabalha assim. Mas pegava era uma barra de ferro. E grossa, e grossa, e grossa, digo: “Mas quando...”. Parecia que era só lavrado, não passaram pedra nenhuma, só lavrado. “Mas não é nossa, não.” “Não é de vocês?” “Não. Não é nossa não. Nós não trabalhamos com esse feitio de louça assim. Pode até trabalhar, mas a gente borne bem ela pra não ficar feia.” Sempre o pessoal diz assim: “Olha, quanto mais vocês fizerem, o melhor arremate, melhor vocês vendem.” Nas feiras por aí, a gente tem que caprichar. Depois foi acabando, foi acabando, foi acabando e fomos ficando porque... Mas nós já passamos. A gente pega cada coisa, cada repressão de gente, mesmo de muita gente falar: “Ah, sua vasilha não presta.” Eu digo: “Não briga, deixe falarem. Não é da gente, a gente sabe que não é da gente.” Assim, a gente vai levando.
P/1 – A senhora falou que quando a panela é muito grossa a senhora sabe que não é sua. A de vocês é mais fina?
R – É, senhora, é fina. Porque essa aí era grossa, panela assim bem grossa, mas ela era canteada, ela não é assim “bulhada” por dentro como a gente faz. Ela era só feita aqui e cortada assim.
P/1 – E vocês a fazem arredondadas?
R – É. Redondinha. Ela fica “bulhadinha” por dentro. É conhecida nossa louça, nossa louça é conhecida.
P/1 – Que peça vocês usam, dona Maria, pra fazer ela arredondada dentro?
R – É cuiapé, aquelas cuias bem ali que a gente passa nela.
P/1 – E para raspar em volta?
R – Pra raspar de fora é faca.
P/1 – Faca?
R – É. Faca mesmo.
P/1 – Dona Maria, a senhora falou que a panela fina, que vocês têm esse cuidado, né?
R – É.
P/1 – Ela é melhor quando ela é fina por quê?
R – Porque ela queima bem, ela fica mais maneira pra queimar, pro fogo entranhar melhor nela e também pra ferver, ela aquece rápido. As nossas panelas podem ir no gás, elas podem ir na lenha, ela tem esse... Favorece isso aí.
P/1 – Dona Maria, a senhora falou do senhor Pedro, desde que vocês se casaram, ele também faz o trabalho com as peças?
R – Não, foi depois que nós pegamos essa dificuldade que acabou nossa taberna, né, nossa venda e aí nós ficamos meio balançados com os filhos na escola, tudo. Aí foi que ele disse: “Maria, mas me ensina como é que a gente faz o barro, Maria. Eu quero a mistura do barro que eu vou aprender.” Aí nós fomos, eu peguei e misturei. Ele foi pegando o ponto do barro, depois, ele começou a fazer, saiu meio feia, meio feia. Foi tempo que eu adoeci muito do meu braço, não podia carregar o braço, aí ele entrou no trabalho. Graças a Deus que hoje ele já me tira um bocado do trabalho. Mas eu já trabalhei muito sozinha também.
P/1 – Sozinha, né?
R – É.
P/1 – Quanto tempo a senhora leva pra fazer uma peça, dona Maria?
R – Não demora. Demora do barro ficar no jeito. Se ele estiver muito mole ainda demora um pouco, mas se não é só fazer o formato dele, pegar a cuiapé e puxar tudinho, deixar endurecer mais um pouco e acertar tudo e pronto. Aí faz a tampa.
P/1 – Quando a senhora está fazendo uma peça, com esse capricho, a senhora pensa nesse trabalho de um jeito especial ou a senhora pensa assim, eu estou fazendo essas panelas pra vender...
R – Eu penso. Eu penso...
P/1 – Não sei se a senhora está entendendo o que eu estou querendo perguntar.
R – Eu penso. Eu faço com amor. Eu penso assim, como Deus é tão grande, Deus é tão bom que ele coloca cada inteligência pra gente. Nós fomos formados do pó da terra, fomos formados da terra, do pó da terra e ao pó nós vamos retornar. Tudo da terra Deus deixou, a mãe Terra é muito grande pra nós, uma mãe muito maravilhosa que deixou todo recurso nela pra nós. Na terra, a gente faz o plantio, a gente faz qualquer coisa. Ela dá saúde pra gente, ela cura a gente, ela é nossa carne. Faz as louças. A gente vende e compra, com o dinheiro, a gente compra o alimento, compra a roupa, compra de tudo que Deus deixou. Vai depender de a gente saber dividir, saber trabalhar com ela. É um amor que a gente tem. Todo trabalho da gente é bem feito quando a gente tem amor naquele trabalho, naquela profissão. As coisas que não são do gosto da gente, nada nunca fica bom. Nunca fica uma coisa certa. Eu digo assim.
P/1 – E mexer naquele barro, amassar aquele barro, dar forma...
R – E até que trabalhar com ele dá até... Até contrai as mãos, os nervos, a gente assim... Pra certas coisas que estão paradas funcionam. Tudo isso aí. Eu estou mesmo pensando as coisas, como a gente trabalha, como Deus deixa as coisas pra gente, tudo dá certo. Tudo dá certo porque a gente vê que tudo vai se encaixando igual, é por isso eu gosto desse trabalho! Tem muita gente que diz, quando as minhas meninas iam vender na rua panela, que muita gente já as conhecia: “Essa aqui é a Evelin. Essa aqui é a Ana.” “Traz aqui, minha filha, a tua panela. Deixa-me comprar a tua panela. Vem cá”. Muitas vezes, meio dia, elas estavam vendendo por lá aí tinham muitas pessoas que diziam: “Credo, mas vocês não acham outro emprego não? Outra profissão? Trabalhando com barro sujo.” Aí vinha outra minha filha, minha filha, mas é neta, que nós criamos que ela já tem marido também, ela dizia: “É, mas é isso aí que meu pai faz e ele vende, daí que nós tiramos nosso alimento. Todo dia nós comemos. A gente vende e nós comemos e vocês não tocam no barro, mas não comem.” Ela falava assim. “Não briga minha filha.” Ela dizia: “Mamãe, Fulano me disse assim, mamãe. Disse que quando nós formos moça não vão casar com nós porque nós somos Maria do barro. Está bom. Vamos ver. Vocês não estão meladas no barro, não estão sujas de barro. (risos) E tudo assim, não que tivesse muitas coisas, mas falam as coisas, né? Mas isso aí tudo assim, uma parte é através da inveja, é uma inveja, é uma coisa que a pessoa não pode, não tem como conseguir, aí coloca defeito. Mas é assim mesmo.
P/1 – A senhora sente que a senhora tem assim um respeito pelo seu trabalho? Porque a senhora falou das crianças, das meninas, mas a senhora enquanto a dona Maria que faz essas panelas, como é que a senhora se sente na cidade em Juruti?
R – Olha, pra falar a verdade, eu me sinto bem, eu me sinto feliz porque tudo por onde eu passo sempre: “Ah, dona Maria, oi.” Quando não, é dona Saúde, tia Saúde, tudo é assim. “Cadê as panelas?” “Estão lá em casa mana. Vá lá ver.” “Está bom. Qualquer dia eu vou lá.” Comigo não tem isso aí, é porque elas eram crianças e queriam tirar sarro da cara delas, mas comigo mesmo não. Com o meu marido também tem gente que fala as coisas assim, mas comigo não. Verdade seja feita, não falam porque eu também não dou confiança.
P/1 – Mas as pessoas falam o que pro seu marido?
R – Muitas vezes, certas pessoas têm dito pra ele essas coisas que: “Ah, essa panela não presta porque não sei o que...”. Mas é só como eu estou dizendo, isso é um tipo de inveja, uma coisa que... Sabe que ele trabalha.
P/1 – A senhora se sente uma artista, dona Maria?
R – Não, senhora. Eu não me acho artista. Gosto do trabalho, mas não me acho artista. Só me sinto feliz assim porque muitos desejam. Tenho certeza que muitas pessoas desejam fazer o que eu faço, o que a gente faz aqui e não têm condições de fazer.
P/1 – É porque eu vejo a senhora como uma artista, por isso que eu estou perguntando. Como a senhora falou, cada peça é uma peça, diferente uma da outra. Então, foi por isso que eu perguntei.
R – Conforme a gente... É o mesmo que ser a costureira, né? Porque cada profissão, se a gente está habituada numa costura, que é uma costureira, só de ela olhar o pano, ela já sabe se dá uma roupa ou não. Ela já tem na vista, na memória, na mão, os detalhes que ela vai fazer naquela roupa. Não carece estar no alvo, não carece, ela sabe. Do jeito que a senhora pedir, ela mete a tesoura, ela vai fazer. Assim também é a gente no barro. Olha, eu quero uma vasilha assim, assim, assim. Eu quero uma fruteira ou, então, eu quero outro tipo de louça. Aí muitas vezes eu... “Mas Maria como é que é feita tal coisa?” Ah, já sei. Uma cuscuzeira: veio um senhor do Maranhão que ele queria uma cuscuzeira pra levar. “Maria, mas que troço é uma cuscuzeira?” Eu digo: “Eu sei, meu velho, ‘embora’ lá, fazer”. Aí fizemos, aí quando foi no dia, estava pronto. “Mas é assim mesmo seu Pedro”. Por isso eu tenho, eu fazia a... Agora eu estou parada, mas eu fazia pedido na Hermes, nessas outras coisas, Brasil Postal, nessas coisas que vem muito tipo, muito modelo de louça bonitinha e dava para fazer. Aí eu tirava e fazia.
P/1 – Dona Maria, a gente já está terminando, a senhora gostaria de falar mais alguma coisa da sua vida, do seu trabalho que a gente ainda não conversou?
R – Não. Eu acho que já está bom.
P/1 – Que a senhora pensa para o futuro? A senhora tem algum sonho?
R – Oh meu Deus. Sonho, muito sonho. (risos)
P/1 – Tem um especial?
R – Meu sonho mesmo era que a gente conseguisse trabalhar bem, vender as cosias porque a única esperança é desse trabalho, né? Que a gente pudesse vender bem as nossas louças e ter um dinheiro, uma reserva, para velhice. Porque esse trabalho nosso aqui, nós não vamos trabalhar até mesmo no fim da vida porque sempre... Ele é muito bom, mas o que ele dá muito pra gente é defeito devido a reumatismo, ataca muito reumatismo devido a água porque o barro é frio. Ele é remédio, mas na mesma hora ele também adoece a gente. Como eu já peguei muitas quedas, negócio de dores reumáticas. Por isso, eu sei que não vai ter muita brecha pra trabalhar tanto tempo com ele não. Mas não sei, só Deus quem sabe.
P/1 – O que a senhora achou de contar a sua história? O que a senhora achou dessa entrevista?
R – Eu achei boa. Eu gostei da entrevista porque assim, é uma parte que eu pude desabafar as coisas que eu tinha guardadas há muito tempo.
P/1 – E nós gostamos muito também, viu? Muito obrigada, aprendi bastante.
R – Agradeço a vocês.
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