Eu recebo a pintura como uma dádiva, uma alegria. Após quase 30 anos escrevendo à mão e a lápis, com a obra literária já acabada, e quase sem fôlego, eu comecei a pintar. Assim: num belo dia, cheio de vigor, eu comecei a pintar. Eu nunca tinha pensado em pintar, em ser pintor. Então, fiz mil auto-retratos; seiscentas e cinqüenta "transcrições visionadas" de inscrições rupestres do Brasil, dezenas de eróticos, flores, pássaros, peixes, bichos e mais bichos... e encontrei a paisagem. Bem, eu já vivia na paisagem. Há mais de dez anos; perto do arraial de Mirantão, em Minas Gerais, em vida solidária com as plantas, os bichos, os minerais – e sonhava com a grande anarquia interna que apontaria ao homem o belo horizonte camponês.
Acho facílimo pintar – pinto rápido e sem errar, às primeiras horas da manhã, os morros que correm, as plantas que se mexem, a ida das águas, a substância que passa. Amo a linha, a sabedoria da mão, a exatidão do traço, o discernimento, a definição. Eu amo as coisas claras, e separo as cores das tintas – e quero a paisagem sem o homem, a paisagem do outro homem, o momento em que a arte e a natureza sejam um só – a caligrafia igual à pintura, a pintura igual à natura: a cura, a pintura, a natura. Eu quero a solidão da pintura, o seu silêncio (ainda maior que o da paisagem), o meu silêncio – e acho pintar como calar: um momento de ouro. E só.