Meu nome é Maria Thereza Fernandes Borges, sou neta de imigrantes espanhóis e portugueses. Paulistana de 58 anos, nasci na rua Harmonia, no bairro de Pinheiros, aos 29 dias do mês de julho de 1949, próximo da meia-noite. Fui registrada como se tivesse nascido no dia 30, pois tenho uma irmã que ...Continuar leitura
Meu nome é Maria Thereza Fernandes Borges, sou neta de imigrantes espanhóis e portugueses. Paulistana de 58 anos, nasci na rua Harmonia, no bairro de Pinheiros, aos 29 dias do mês de julho de 1949, próximo da meia-noite. Fui registrada como se tivesse nascido no dia 30, pois tenho uma irmã que nasceu nesse dia e, para comemorarmos juntas, resolveram então me registrar na referida data.
Nasci na Maternidade de São Paulo, parece-me que era na Rua Frei Caneca. Quando tinha mais ou menos dois anos, mudei para Vila Mariana, na Rua Eva Block. Tenho várias fotos da casa comigo, fotos de bailarina etc. Minha mãe era muito festeira. Aos seis anos aproximadamente, mudei para Rua Padre Machado, na Vila Mariana, onde residi durante 27 anos e passei minha maravilhosa infância e juventude, até me casar.
Lembro-me bem do Quarto Centenário de São Paulo, fui ao Ibirapuera com a minha mãe e irmãos e ficávamos admirados com a esquadrilha da fumaça, escrevendo no céu e jogando pequenos folhetos. Corríamos atrás desses pequenos folhetos feitos em papel cor de prata onde estava escrito "Quarto Centenário de São Paulo".
O Ibirapuera fez parte de toda a minha vida. Lá eu ia passear, pular o carnaval, enfim, participar de eventos e feiras, era um dos locais de lazer meu e de meus irmãos. Até os dias de hoje freqüento o local, faço cursos, visito feiras etc.
Na minha infância, a Quaresma era muito respeitada. Nas igrejas, os santos todos cobertos com tecido roxo. Na minha família, na Semana Santa, respeitava-se o jejum de carne vermelha, só comíamos carne após o meio-dia do Sábado de Aleluia. Minha mãe fazia Judas, eu ajudava a encher aqueles enormes bonecos e, ao meio-dia, as crianças se reuniam com pedaços de pau na mão e destruíam o Judas com pauladas. Nós ficávamos ansiosos para malhar o Judas.
As festas Juninas na minha rua eram muito divertidas, interessantíssimas. Muitos amigos se reuniam nas ruas, ao redor das fogueiras, comendo pinhão, paçoca, pipoca, milho assado, quentão, bolo de fubá, amendoim torrado, enfim, muitas comidas típicas. Até passar na fogueira em brasas. Muitos participavam.
Lembro-me bem da minha primeira comunhão. Meu vestido era lindo, a igreja da Saúde na Vila Mariana estava cheia, tiramos muitas fotos, eu, minha irmã e minhas amigas. Nas tardes de domingo, entre 15 e 16 horas, as pessoas colocavam cadeiras nas calçadas e aguardavam
Dona Maria, pipoqueira, que passava com seu carrinho com muitas guloseimas. Todos compravam e permaneciam por algumas horas na rua, conversando, brincando de passar anel. Como eu nasci no final do mês de julho, minha mãe, depois de muitas tentativas, conseguiu me matricular no primeiro ano primário no mês de agosto, e eu tive que estar apta para, no ano seguinte, fazer meu segundo ano. Felizmente fui muito bem sucedida e consegui ser promovida para o segundo ano lendo e escrevendo bem. Minha professora chamava-se Maria do Carmo e foi maravilhosa para mim.
Na época nos brincávamos de “matinho verde”. Tínhamos que carregar sempre uma folhinha, para mostrar quando alguém nos pedia matinho verde, para não sairmos da brincadeira por um tempo.
Havia, na época, uma quitanda em frente à escola, que vendia frutas. Nos dias de hoje, não encontro mais algumas frutas. Uma chamava-se Macaúba; lembro-me do sabor até hoje. A outra, Jatobá, grudava nos dentes e, com o caroço, fazíamos anéis furando com cacos de vidro.
Do outro lado da escola, em frente ao portão por onde nós entrávamos, tinha um senhor que vendia puxa-puxa, uma espécie de bala no palito que ficava enrolado em um papel, onde estava escrito o que nós ganharíamos. Era uma festa ganhar outro puxa-puxa.
Em frente ao puxa-puxa tinha uma senhora japonesa que vendia pedaços de côco, amendoim e outras guloseimas que crianças gostam. Foi nessa época que experimentei o primeiro chiclete de bola. Um amigo da família comprou na cidade. Era importado e só se encontrava na cidade.
Não me esqueço do tinteiro, muitas vezes sujava nossa mala. Usei caneta de pena no segundo ano, minha professora era Dona Odete, muito enérgica, mas muito competente. Os alunos tinham medo dela. Uma vez, ela me chamou para mostrar a lição e falou: "você é pequena por fora, mas é grande por dentro". Cheguei chorando em casa e falei para minha mãe o que havia acontecido. Não entendi, pensei que fosse bronca. Mas minha mãe me acalmou e explicou o significado.
Minha professora do terceiro ano chamava-se Josefina. Seu apelido era Nini. Ensinava a todos os hábitos de higiene, principalmente a limpeza das unhas. Pedia que guardássemos a escova de dente velha para escovar as unhas e mantê-las limpas. Todos os dias ela revistava as unhas dos alunos.
Na época, brincávamos de roda na rua. Não havia violência, minha rua não era asfaltada. Minha professora do quarto ano era Dona Leonor, uma mulher muito bonita, parecida com a Marta Rocha, muito altiva e imponente.
Não esqueço da entrega do meu diploma de quarta série. Tocaram piano, cantamos. Enfim, foi emocionante. O auditório do Grupo Escolar Princesa Isabel estava lotado de familiares. Havia subido o primeiro grau escolar, mas precisava enfrentar o exame de admissão para cursar a quinta série. Fui aprovada para estudar na Escola Municipal D. João VI, hoje E.E.BRASILIO MACHADO, na Rua Afonso Celso, Vila Mariana.
Estudei no Basílio Machado até a sétima série. Minha mãe, para nos manter próximas, fazia bailes em minha casa para nos divertimos. Jogávamos bingo e 21. Ela sempre fazia pipoca, bolinho de chuva e outras coisas para comermos enquanto nos divertíamos.
Minha avó era meio “cigana”, gostava muito de mudar e comprar pensões, hotéis em várias cidades. Numa delas, em Curitiba, era um hotel na avenida Batel, um bairro classe alta. Parecia um castelo com uma entrada em ziguezagues em paralelepípedos e jardins com muitas hortênsias e ciprestes, que uivavam à noite.
Na frente deste castelo, que era muito antigo, tinha uma pintura na parede e nela estava escrito: "A mansão do Frankenstein". Ela tinha um pensionista que tinha uma perna mecânica. Uma noite, quando conversávamos ao lado da lareira, na sala de estar, essa perna rolou pelas escadarias de madeira e foi um susto total. Todos saíram correndo de medo.
Ela também compôs letras para músicas, uma delas eu nunca esqueço, era uma sátira.
Minha mãe queria que eu e minha irmã fôssemos professoras e, no D. João, onde eu estudava, não havia Magistério. Fui estudar no Colégio Estadual Conde José Vicente de Azevedo, onde prometeram que haveria magistério. Mas quando concluí a oitava série, minha mãe faleceu, em julho de 1965, com apenas 40 anos de idade. A tristeza e o desânimo dominaram minha família. Meu pai entrou em depressão e eu e meus irmãos fomos levados por minha tia para passar as férias na casa de minha avó. Mas sabíamos que a vida teria que continuar, então voltamos para São Paulo. Minha mãe era muito amorosa, mas também muito enérgica e seu falar era "sim, sim; não, não".
Eu já estava trabalhando com um amigo de meu pai no bairro do Bom Retiro, mas meu pai achou por bem me deixar em casa para cuidar da alimentação da família e da arrumação da casa, pois eu estava muito triste com o falecimento de minha mãe. Estava sempre ao seu lado na cozinha, ela preparava pratos deliciosos, fazia macarrão em casa, pastel, coxinha, bolinho de bacalhau, bala de côco, muitos doces e bolos. No meu aniversário sempre tinha festa, para mim e para minha irmã, pois fomos registradas no mesmo dia, com diferença de dois anos.
Eu fazia o almoço, arrumava para minha irmã, que vinha almoçar em casa, e para meu pai colocava em dois pratos, um sobre o outro. Amarrava com um pano de pratos e enrolava no jornal para conservar a comida quente. Pegava o bonde na Rua Domingos de Morais para o bairro da Liberdade, onde ele tinha uma barbearia e, anos mais tarde, para a Avenida Brigadeiro Luís Antonio.
Muitas vezes ia até a Rua Direita para comprar alguma coisa, principalmente nas Lojas Americanas. Era um lazer para mim. Meu lazer, na época com 14 anos, era andar de bicicletas, jogar ping-pong e assistir a Jovem Guarda todos os domingos. A maioria dos meus amigos não tinha televisão em casa. Íamos assistir na casa da nossa amiga Fumie. Compramos saia e chapéu calhambeque. Escrevi carta para o Roberto Carlos, era meu ídolo, não perdia um só programa. A casa enchia.
Quando eu tinha 17 anos, meu pai se casou novamente e eu voltei a trabalhar. Estudava à noite. Para minha surpresa, não houve magistério no Conde, onde eu estudava, e não consegui vaga para uma única escola que tinha o magistério. Continuei no Conde e resolvi cursar o Clássico, pois na época não havia Ensino Médio, somente Clássico, para quem quisesse seguir Humanas, e Cientifico para quem quisesse cursar Exatas.
Estudei línguas: Francês, Inglês e Latim durante o curso ginasial e o Clássico. Nesse período, fiz muitas amizades, mas duas perduram até os dias de hoje: Sueli e Angelina.
Para comemorar mais essa fase, eu, juntamente com minhas colegas da época, fomos comemorar no Beer Haley, em Moema.
Quando terminei o curso Clássico, desejava fazer Neo-Latinas. Tentei a USP, mas não consegui ser aprovada. Acreditava não poder cursar uma faculdade privada, por falta de dinheiro, e resolvi, então, fazer de Modelagem, Costura e Artesanato. Conclui em dois anos.
Na época, eu e meu namorado ficamos sabendo de uma faculdade, Fundação Santo André, da prefeitura, que cobrava apenas 50% do valor do curso. Fiz o vestibular, fui aprovada em Pedagogia. Participava de muitos bailes de formatura com a orquestra de Dick Farney e Pocho, no Restaurante Fasano, na Avenida Paulista, na Poli, nos Aeroviários. Enfim, nos fins de semana não ficávamos sem dançar, era nosso lazer predileto.
Fiz um Curso de Perfuradora IBM /029 e jamais imaginaria trabalhar com informática. Fui conhecer a Faculdade de Direito São Francisco e participei de uma aula. O professor dava aula de beca. Deixei a documentação para meu irmão fazer a minha matrícula, pois surgiu uma oportunidade, e fui conhecer as praias do Espírito Santo. Fiquei em Marataízes. Passei umas férias interessantes.
Quando voltei, meu irmão, pensando que eu não queria fazer Pedagogia, pois na época era curso “espera marido”, não fez minha matrícula. Tentei a USP novamente, mas não foi dessa vez. No ano seguinte, tentei novamente e resolvi cursar Ciências Sociais na Fundação Santo André, ser socióloga e dar aulas de Geografia e História para o Ensino Fundamental, concretizando o desejo de minha mãe, que queria que eu fosse professora, pois na época era símbolo de “status” ser professora. Iniciei minha faculdade, mas por ser muito longe e já estar muito cansada, pedi minha transferência para a Faculdade Alcântara Machado para concluir o curso de Estudos Sociais, que na época era o mais aceito para aulas de História e Geografia.
Lecionei no Colégio Souza Diniz, na Rua Benjamin Constant, no Centro de São Paulo. Dava aulas de Madureza. No ano seguinte, fui trabalhar no Colégio Anchieta, na Vila Prudente. Dava aulas de História para o colegial normal e História da Arte para o Técnico de Publicidade. Na época, como não havia livros de História da Arte, eu buscava em livros de História, em revistas nas bancas de jornal, pesquisava muito para monta minhas aulas. Fui convidada para montar um livro de História da Arte. Na época, trabalhava em empresa durante o dia e ministrava aulas à noite. Por esse motivo, não aceitei, mas me arrependi. Logo que terminei a faculdade, me casei, tive dois filhos maravilhosos. O mais velho, Tiago, tem 28 anos e está na Alemanha tentando estudar e trabalhar. A mais nova é a Alice, publicitária, mas pela dificuldade de emprego na área está trabalhando como professora eventual na mesma escola do Estado onde leciono à noite. Consegui comprar meu apartamento, financiado em 15 anos. Graças a Deus está pago. Nesses 20 anos, para poder colocar meus filhos na escola de natação, fui lecionar no Estado à noite. Tinha quatro aulas de Educação Moral e Cívica na primeira semana e, na seguinte, mais quatro de OSPB. Nunca mais deixei o magistério. Tenho 25 aulas no Ensino Médio noturno. Trabalhando de dia em empresa, como encarregada de escritório, e à noite dando aulas, pouco tempo me sobrava para o lazer. Mas na semana após o Natal era infalível, ia para a Colônia de Férias na Vila Guilhermina, onde conseguia descansar.
Entre os anos de 1993 e 1995, dei aulas de Geografia no Colégio Progresso, escola particular. Só deixei a escola, pois fui trabalhar na Prefeitura.
Em 1995, através de concurso, passei a lecionar também na Prefeitura de São Paulo, como professora de Geografia, dava aulas no Jardim São Luís. No ano seguinte, consegui remoção para a Vila Carioca. Fiz novamente concurso e fui aprovada em História. Consegui comprar meu computador em 1995 e, sendo assim, comecei a fazer aulas de Informática aos domingos. Em 1998, fui designada para a Sala de Informática, onde estou há 10 anos. Hoje, estou participando do Projeto Nossa Escola tem História com o Museu da Pessoa, a Secretaria Municipal de Educação, o Educarede e a Telefônica.
Maria Thereza Fernandes Borges (POIE) e-mail therezaborges@yaho.com.br
(Depoimento enviado em 15 de maio de 2008)Recolher