Projeto Conte Sua História
Depoimento de Teuda Magalhães Fernandes
Entrevistada por Lucas Torigoe
Belo Horizonte, 09/09/19
PCSH_HV811 _rev
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Ana Beatriz Cunha
Revisado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – Diga, por favor, o seu nome inteiro, onde você nasceu e a data.
R – Meu nome inteiro é Teuda Magalhães Fernandes. Eu nasci aqui em Belo Horizonte, na Santa Casa, em 1941. Sou daqui da terra mesmo.
P/1 – Em que dia você nasceu?
R – 1° de janeiro de 1941.
P/1 – Você nasceu em Santa Casa…
R – Na Santa Casa, que é um hospital. Chama-se até hoje: "Santa Casa de Misericórdia". Um hospital grande, o maior que tinha à época, quando eu nasci. Tem um caso engraçado. Eu acho que é bobagem contar isso, não é?
P/1 – Conte, por favor.
R – (Risos). Já comecei estragando a entrevista. Não... É porque quando eu nasci, eles não registravam os meninos logo não, porque falavam: "A gente não sabe se vai vingar". Minha mãe falava isso de "não sabe se vai vingar". Depois… O Governo mandou colocar um Cartório dentro dessas coisas, porque nascia um menino, registrava. Então, quando eu nasci, foi assim: meu pai chegou lá e me registrou com outro nome: "Sônia Maria Magalhães Fernandes, nascida em 1° de janeiro de 1941, Belo Horizonte". Quando chegou lá e falou para a minha mãe - "Eu já registrei, coloquei o nome dela de Sônia" - ela disse: "De jeito nenhum, você não registrou. Isso não é registro, Registro tem que ser feito no Cartório, com um Juiz, Isso é uma porcaria qualquer. Isso não vale". Esperou passar quase um ano, foi lá no Cartório e me registrou com o nome de Teuda Magalhães Fernandes, que era o nome que ela queria, porque papai tinha tido uma namorada com o nome Sônia, entendeu? Ela pegou… Eu tinha o nome de Sônia registrado. Fiquei com duas certidões. Um dia, eu precisando de uma coisa para a escola, foram lá buscar minha certidão… Minha mãe foi lá nesse lugar, procurou, procurou, procurou… Meu pai mandou dar uma busca e apareceu a certidão de Sônia Maria. Meu pai falou: "Não, não é essa". E foi embora.
P/1 – De onde vem o nome Teuda, que sua mãe lhe deu?
R – Teuda é o nome de uma irmã de caridade que tinha nesse hospital. Uma irmã de caridade, que minha mãe fala que o nome significa "enviada de Deus". Quando ela brigava comigo, fazia qualquer coisa, ela falava: "Você é enviada do diabo" (risos).
P/1 – É mesmo? Você chegou a ver "Teuda"? É esse o significado?
R – Ah, eu não sou tão estudiosa assim, mas Telma é "Deus". Porque também foi escrito errado, minha mãe queria com "Th" – Theuda - mas o Juiz falou: "Não, não tem importância, vai ficar assim mesmo – Teuda - e depois escreve como quiser". Mamãe queria depois que eu fizesse um processo. Eu falei: "Mãe, eu não vou mexer nisso, dá muito trabalho. Não vou mexer".
P/1 – E você sabe como foi o dia em que você nasceu? Seus pais contaram a história?
R – Meu pai era músico, então, ele fazia tudo para ganhar dinheiro. Era trombonista, ________ [05:16]. Então, no Réveillon, papai estava na casa, de gravata borboleta, tocando, fazendo baile, essas coisas, quando foi avisado de que mamãe tinha ido para a Maternidade. Antes de chegar lá, o médico ainda falou: "Sua mulher parindo…". E ele: "Eu estou trabalhando, igual ao senhor" (risos). Eu nasci assim, foi…
P/1 – E qual é o nome do seu pai?
R – Augusto Marifrança Fernandes. Ele era músico, bombeiro, criou a família no “bico”. Ele tocava trombone… Tocava de tudo. Ele gostava muito da vida. Papai levava a gente muito para circo. Esse meu lado artístico, é muito do meu pai. Ele ia para circo… Não podia ver nada disso. Patinação no gelo… Tudo ele levava a gente, baile de Carnaval... Só levava a gente para essas coisas. Cinema, ele era cinéfilo, adorava o cinema, não podia saber que estava passando um filme bom, uma novidade, que já nos levava. Levava a gente para ver aqueles filmes que tinha aquele óculos com três cores, assim, que tudo caía em cima de você, em terceira dimensão, (risos). Ele levava para aqueles índios, dava aquelas flechadas, a gente ficava: "Ai!". E ele ria (risos). Em todas essas bobagens, ele levava: circo, cinema, baile de Carnaval. Mamãe só nos levava para a igreja. Mamãe levava era para colação de Nossa Senhora. Procissão, missa, essas coisas eram com ela. Nos vestia de anjo, aquelas coisas todas. Vestia os meninos de coroinha, sabe? Então eu fui criada assim: Deus e o diabo (risos). Deus dos exércitos (risos).
P/1 – E a família do seu pai, como é que era?
R – A família do papai era uma família do interior. Eles moravam ali em… Eu já até conheci a cidade - chamava Olhos D'água - é perto de Bocaiúva, uma cidade pequenininha. Na época do meu pai, mais ainda. Porque não tinha luz, não tinha nada. Papai foi criado… Você não vai lembrar, mas tinha ali na Gameleira... Até hoje tem lá, mas não é mais, tem a placa "Instituto João Pinheiro", que era um colégio, um internato para meninos. Um orfanato, para meninos sem pai e sem mãe. Então, tinha lá dez pavilhões. Em cada pavilhão cabiam 100 crianças e cada pavilhão tinha uma família responsável por ele. Fazia aquela coisa, cuidava dos meninos. Eles tinham aula de tudo, tinham escola, ginásio, banda, padaria, sapatos, alfaiataria… Eles aprendiam a fazer essas coisas. Tinha campo de futebol, piscina, coral, teatro. Todo domingo… Todo domingo, não. Um domingo por mês, tinha um Sarau, que o diretor do Instituto João Pinheiro fazia.
P/1 – Ele aprendeu a tocar lá?
R – E adivinha como é que acabou isso? Como acabou esse Instituto? Golpe de 1964. O golpe foi dado e eles tiraram os meninos todos. Criaram esse outro… Sei lá o que eles criaram. Mandaram os meninos e colocaram a polícia lá dentro. Aí, a educação correu e ainda conseguiram fazer uma escola lá, que é o Leon Renault. Tem esse colégio, e o resto ficou para a polícia. Eles fizeram uma coisa boa também sobre educação, que ensina sobre o trânsito e quartel, mas acabou o que era um colégio que deixava os meninos saírem de lá quase que empregados, saíam de lá com uma profissão.
P/1 – Mas ele aprendeu a tocar, então, lá?
R – Quem?
P/1 – Seu pai.
R – Não, meu pai dava aula. Ah, meu pai aprendeu a tocar lá, no Instituto João Pinheiro, mas depois papai foi para o bombeiro, para o Corpo de Bombeiros, para a Revolução, essa coisa toda…
P/1 – Qual Revolução?
R – Ah, sei lá… Do café-com-leite, sei lá do que… Eu já nem lembro.
P/1 – Mas alguma desse período…
R – Dessa história aí. Eu não sei mesmo, não sei te falar se tinha o negócio de Minas/São Paulo. Eu sei que papai depois fica no Instituto João Pinheiro. Ele saiu do quartel, foi trabalhar no Instituto João Pinheiro, lá ele ficou e lá ele se aposentou. Papai se aposentou como major. Ele ficou lá no João Pinheiro, mas ele ficou no bombeiro… Ele reformou no bombeiro ainda.
P/1 – Agora sua mãe, qual o nome dela?
R – Helena Magalhães Fernandes. Tem uma história muito incrível a minha mãe, porque ela… Ih, é uma história muito triste também, mas vou contar tudo, porque não é grande.
P/1 – Pode contar.
R – É, a história da minha mãe, era assim: os pais dela… A mãe dela era apaixonada… Como que vou contar isso? É muito complicado! Porque era assim: a mãe da minha mãe era uma menina muito pobre, de interior, então, ela foi para a casa da madrinha para poder trabalhar. Aquelas coisas de trabalhar, de ficar na casa estudando de manhã e depois trabalhando, fazendo esse serviço e tal. Nessa casa tinha um rapaz, eles se apaixonaram e esse moço se formou dentista. Quando ele vai, ela fica toda alegre, porque ele chega formado e eles vão namorar. A mãe dele falou: "Não senhor, você não vai ficar com ela, não. Você é um doutor, não nasceu para casar com ela. Ela vai casar é com fulano de tal, que já está preparado para ela casar". Ela o viu três vezes pelo buraco da fechadura e foi obrigada a casar com ele. E aí, o filho da dona falou: "Pois é, você fez isso, não é? Não deixou ela casar comigo porque eu sou dentista. Pois o gosto de me ver arrancar um dente, eu não te dou". Foi para a mineração de ouro lá, não sei como se chama isso, e ficou lá até morrer. Olha que vingança. Minha avó casou, teve a minha mãe, está entendendo? Claro que não deu certo, a minha avó não aguentava e queria fugir. Ela fugiu com a minha mãe, mas ele tomou a mamãe, e ela nunca mais viu minha avó. Ela tinha o quê? Uns oito meses. Ela diz que só lembra de um arranhado, a única lembrança dela é um arranhão na bunda, que acha que passou por um arame farpado. E ela sumiu na vida. Meu avô tinha ódio da minha mãe, porque olhava para ela e falava: "Você é muito bonita, você parece com a sua mãe, vai dar muito trabalho para os homens". Olha só que ideia. Ele judiava muito da minha mãe, além de beber muito; alcoólatra é fogo. Aí, a mamãe acabou sendo criada dentro daquele colégio Diamantina. Quando o meu avô morreu, ela foi para esse convento, esse Seminário… Seminário, não. Ali é um colégio interno. Ela foi para lá, que era de moça. Até eu já estive lá, fui passear e estudar. O governador daqui tinha perdido a mulher, e a filha dele estava muito deprimida, então, ele foi lá nesse colégio, numa cerimônia, uma festa… Mamãe cantou, tinha as barraquinhas, e ela fazia terço… Ele gostou muito da mamãe, foi lá e falou: "Eu não posso levar essa menina para ficar lá em casa?". E disseram: "Ah, tem que falar com a avó". Então foram lá e chamaram minha bisavó. Minha bisavó falou: "Ah, se o senhor cuidar dela direito…". E então mamãe veio morar no Palácio da Liberdade. Toda dificuldade, a fome, a miséria que minha mãe tinha passado… Porque ela passou por isso tudo, sabe? Fome, frio, isso tudo… Acaba! Ela vai morar no palácio. Ela comeu tanto no dia, que passou mal (risos). Ela teve uma vida... Foi estudar piano, brincava, as duas corriam pelo jardim… E foi ótimo, as duas foram amigas até morrer. Até morrer elas foram amigas.
R – Então... Você quer tratar sobre seus funcionários? Você quer dar férias, tratar seus funcionários com os direitos trabalhistas? O que você quer, você paga. O Estado não vai pagar, a Prefeitura não vai pagar, a Secretaria não vai pagar, você paga. Você não tem como pagar. Então, seus funcionários, que estão com você há anos, que têm salário, plano de saúde… Manda todo mundo embora. E aí, quando precisa, fica chamando terceirizado, o que é triste demais, para nós, para eles e para todo mundo, porque eu acho muito ruim a instabilidade profissional.
P/1 – A gente chega no dia de hoje ainda, mas eu queria voltar para lhe perguntar como é que seus pais se conheceram, na verdade. Você sabe?
R – Como meus pais se conheceram? Meu pai era músico e minha mãe adorava cantar. Minha mãe era cantora lírica, cantava em igrejas. Ela quis ser cantora, mas naquela época, mulher, não é? Quer dizer, até as mulheres também se rebelavam, mas minha mãe, criada em colégio de irmã, depois no palácio do governo, era acostumada a obedecer. Então, acho que ela também não teve força, mas ela queria cantar na rádio, foi lá se inscrever e meu tio falou: De "jeito nenhum". E a colocou para ser o quê? Enfermeira. Foi enfermeira, ele não deixou ela cantar. Mas ela cantava… Fazia tudo cantando, lavava roupa, cozinhava, varria a casa… Tudo cantando, cantava o dia inteiro. Foi parodista, fazia paródia, fazia canção de aniversário… Na hora, ela pegava uma música, inventava e cantava.
P/1 – Você lembra de algumas coisas que ela cantava? O que ela cantava?
R – Ah, ela cantava muito Vicente Celestino, cantava muito Sílvio Caldas, ngela Maria, Dalva de Oliveira…
P/1 – Enquanto fazia as coisas.
R – É. Ela gostava muito… Estou esquecendo o nome de alguns cantores que ela… Devia ter alguns assinados por eles, esqueci o nome dele aqui. Vicente Celestino era uma maravilha.
P/1 – Mas tem alguma música que você se lembra mais, que ela cantava e que te marcou, assim?
R – "Muito embora tu zombasses/E os meus versos não cantasses/Aumentando os meus abrolhos /Eu quisera, por vingança /Ver teus olhos de criança/Na tristeza de outros olhos". Ela cantava muito. Então Vicente Celestino, meu Deus! Ela gostava muito de cantar. Cantava e colocava a gente para cantar. Lá em casa, era uma casa sempre alegre, sabe? Não tinha nada de luxo. Lá em casa, nunca se pôs mesa para comer. A mãe ia colocando no prato, dava para você e você ia caçar um lugar para sentar e comer. O pão e café, ela dava para cada um na mão, cada um ia pegando o seu, sentava e comia, era assim, mas era… A mãe fazia mingau, por exemplo, já começava a cantoria: "A ‘rapa’ é minha, a ‘rapa’ é minha"... Aí, o outro vinha: "Se não quiser, eu quero" (risos). Era tudo bem assim. Natal… Porque também era uma época, que não tinha televisão. A gente tinha um rádio e também ia às matinês, mas as matinês eram quase como um prêmio, não era sempre que você ia quando queria. Então, todas as comemorações, tanto de escola, das datas, aquelas coisas de escola… Era tudo comemorado com teatro, com canto, com poesia. Os aniversários também. No Dia das Mães, cada uma fazia um número para cantar para a mamãe, cada um fazia uma poesia, fazia não sei o quê… Tinha uns docinhos. Tinha até uns programas que a gente fazia (risos). No outro dia, mexendo lá, eu achei um programa desses e falei: "Ô, meu Deus, que inocência".
P/1 – Vocês ficavam ensaiando bastante…
R – Ensaiando… Colocava a colcha na porta para fazer a cortina e abrir para sair o número (risos).
P/1 – Isso na sua casa?
R – Na minha casa. Botava o vestido dentro da calcinha para fazer saia de balé e dançava, sabe? "Mamãe, mamãe…" (risos). Era uma outra época.
P/1 – Você tem um…
R – Era uma outra época.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Eu tenho saudade assim, porque era uma época de inocência. Quando eu vejo hoje, acho que era uma época de inocência que a gente vivia.
P/1 – Mas por que você acha?
R – Hã?
P/1 – Por que você acha?
R – Que era uma época de inocência? Porque as coisas eram muito assim, muito de brincadeira, sabe? Não tinha essas coisas. Por exemplo, a moça só usava véu branco. As casadas, só véu preto na procissão. Hoje em dia, não tem nada disso, pelo amor de Deus, não tem nada disso mais. Mas tudo era assim. Aniversário… Hoje, aniversário é um evento que eu não entendo mais. Eu vejo assim: tem um programa de televisão que ensina a fazer festas de aniversário. Mamãe dizia: "Ah, é aniversário de fulano". "Oba!". Eu já pegava o carrinho e já ia lá pegar duas barras de gelo, que tirava da geladeira. Duas barras de gelo desse tamanho. Mamãe comprava uma cerveja preta para ela, uma branca para o papai e um guaraná Antártica para cada um, voltava com aquele carrinho, quebrava o gelo… Ela fazia uma gelatina, um manjar branco... E era a festa do aniversário. Era uma alegria, sabe? Cortava papel, botava bandeirinha. Era uma alegria que a gente ficava... Hoje, não… As coisas têm outro ritmo, outro…
P/1 – E vocês moravam onde, nessa época que você está contando?
R – Eu morei na Serra, na rua do Ouro, lá em cima, quando era menor - quando eu tinha quatro anos. Depois, quando eu tinha sete anos, eu já fui morar ali na rua Mauá, que hoje se chama rua Nossa Senhora de Fátima. Antes chamava rua Mauá e nós moramos lá. Eu estudei no Grupo Maurício Urja e no Grupo Olegário Maciel, que era um… Eu sempre estudei em escola pública. Depois, minha mãe me tirou - que ela tinha mania de colégio de irmã de caridade - e me colocou num colégio de irmã de caridade, e esse era particular. Eu não dou conta de lembrar o nome, mas era colégio de irmã. Depois, saindo de lá, ela me colocou… Onde mamãe me pôs? Me levou para Sete Lagoas, eu fiquei interna um ano, num colégio de irmã de caridade. Ela queria porque queria que eu fosse irmã de caridade, olha isso. De onde que ela tirou isso? Queria que eu fosse irmã de caridade. Eu penei nesse colégio. Penei e fiz as irmãs penarem também, porque eu não sou flor cheirosa (risos).
P/1 – O que você fazia?
R – Ah, coisa de menina, eu tinha treze anos. Como eu fui para lá e a mamãe não tinha como pagar o colégio, ela falou: "Não, ela fica ao lado das órfãs". Eu fiquei lá do lado das órfãs, de colégio de freira e tal, só que as órfãs têm que trabalhar. Eu ia para a aula, chegava e sei lá o quê. A minha primeira função era lavar seis banheiros. Eu lavava esses seis banheiros de manhã; depois do recreio só dava uma limpada; e de tarde eu tinha que lavar os seis banheiros. Quando acabava o recreio, eu tinha que lavar os seis banheiros e no final da tarde tinha que lavar os seis banheiros. Um dia… (risos) O que não faz a inteligência da criança? Eu lavei os seis banheiros, peguei o pano de chão, rasguei em três pedações, fiquei dentro desses banheiros e entupi três deles. Eu falei: "Está interditado; agora só lavo três" (risos). Eram umas coisas de criança. A mulher chamou o bombeiro e lá estavam três panos de chão iguais. Levei o maior ferro e também parei de lavar o banheiro (risos). Fui limpar corredor. Então, cada hora era uma coisa assim, que você tinha que fazer.
P/1 – E você ficou… A sua mãe tentou lhe colocar nesse colégio até que idade?
R – Olha, nisso aí eu tinha 13 anos. Depois que saí de lá, já com 14 ou 15 anos, a mamãe me colocou no colégio Pio XII, que era um colégio externo, pago, mas gente… Meia até aqui, de liga, punho e gravata, sabe? Gente, mas era um uniforme… A irmã vinha com a régua medir a altura da sua saia, porque quando ficava em fila, todas as saias tinham que estar do mesmo tamanho. Ela ia lá medir. Tinha uma desgraçada de uma fitinha que você ganhava, que tinha uma medalhinha, e toda sexta-feira dava isso. Eu nunca ganhei essa medalha. Você tinha que tirar 10 em três notas: pontualidade, civilidade e higiene. Nunca eu ganhava nota 10 nos três, porque ou a minha saia estava mais comprida, ou "nhem nhem nhem", era um inferno. Eu nunca ganhei e falava: "Ah, vou largar isso para lá, não quero ganhar isso também, não".
P/1 – De todas essas escolas que você disse, tem alguma professora ou alguma pessoa que você se lembre bastante?
P/1 – Lembro. Eu lembro da irmã Idalina - lá do colégio interno -, com quem eu tive assim, uma relação muito violenta. Eu lembro de um professor, o Capitão Argentino Madeira, lá do colégio Tiradentes. Lembro do… Foram muitos professores que eu tive. Eu lembro da dona Conceição, que era minha professora de quarto ano do Grupo, eu gostava muito dela e ela também gostava de mim. Deixa eu ver mais…
P/1 – Por que você acha que lembra deles?
R – Eu acho que é essa relação mesmo de te ver, sabe? O Argentino, não era por isso, mas é porque ele era um diretor que ficava na escola, tomando conta mesmo, sabe? Tinha essa coisa… Mas eu acho que essa relação de lhe ver, de conversar com você.
P/1 – Mesmo que brigasse com você?
R – Ah, brigar, todos eles brigam. Quem é que dá conta de professor brigando? Todos eles brigam.
P/1 – Sem brigar muito com você.
R – E aí, meu amor, de onde a gente anda, para eu já ir pensando?
P/1 – Você estava falando da irmã Idalina.
R – Ah, a Irmã Idalina, lá do colégio, essas coisas.
P/1 – Mas eu ia lhe perguntar, _______ [28:02], porque eu imagino que você tenha irmãos, não é?
R – Nós somos seis irmãos, todos vivos ainda. São todos com T: Teuda, Tadeu, Tânia Mara, Tibério César... e Tânia Maria. Mania da minha mãe, tudo com T (risos).
P/1 – Como está você na escadinha?
R – Eu sou a primeira, sempre fui a mais velha. Minha irmã falava assim: "Eu sou a caçula, você já está velha". Eu sempre fui velha, nunca fui nova (risos). Ser filho mais velho é uma praga, não é? Eu acho que ou você é o exemplo ou você é responsável. "Você não olhou"... Sempre assim (risos).
P/1 – Era assim mesmo?
R – Era. Era assim, eu sempre levava… Não é que eu fosse santa, eu era o diabo também, mas não tinha nada que me colocasse medo, entendeu? Hoje não tem essas coisas, mas, por exemplo, os meninos subiam na mangueira e passavam para o telhado. Você acha que porque eu era mulher eu não subia e passava para o telhado? Passava. Meu pai queria morrer, xingava. "Porque você é moça, tem que sentar, tem que cruzar as pernas, tem que…". "Vai subir no telhado?" Eu subia. Então… Tinha uma coisa, que as casas eram todas assim e tinham as caixas d'água. As caixas d'água não eram tampadas, olha que loucura. Então, a gente (risos)... Os meninos fizeram isso e me ensinaram. Eles chegavam devagarzinho, enfiavam o pé na caixa d'água e faziam assim. Dali a pouco, você via as mulheres xingando: "Desgraça, vem aqui, que merda". E a gente: "Qua, qua, qua, qua, qua". Eram artes de menino, arte de menino.
P/1 – Como era a cidade nessa época? Você se lembra mais ou menos?
R – Belo Horizonte… Ah, bem mais tranquilo, muito mais fácil. A gente andava a pé na cidade. Eu saía lá da rua, que era ali perto, saía, ia a pé, ia para o centro da cidade, para a igreja de São José, ia para o cinema, ia para o Parque Municipal. Não tinha essa coisa, sabe? Era tudo muito diferente, muito diferente.
P/1 – E o Carnaval, como é que era?
R – Carnaval?
P/1 – Seu pai levava?
R – Papai levava. Não, carnaval era uma beleza. Porque Belo Horizonte, onde hoje é a rodoviária, ali era a rádio Inconfidência. A rádio Inconfidência era uma coisa assim. A gente chamava de…. Não era rádio Inconfidência. Ali chamava "não sei o quê de amostra". Era "não sei o quê de amostras".
P/1 – Feira Permanente de Amostras.
R – Feira Permanente de Amostras. Ali era tudo assim. Tudo que se cultivava em Belo Horizonte e em volta de Minas Gerais, ia para ali e ficava em exposição. Os colégios iam lá fazer excursão. Uma das coisas que eu me lembro é do mel de abelha, que tinha lá a coisa do mel e tal, vendia mel. Quando a escola lá ia fazer excursão, você pegava um copinho de mel e… Nossa Senhora. A gente ia passando e eles davam um copinho de mel para a gente, sabe? Era lindo. Tinha toda a coisa de apicultura. Tinha os franguinhos, pintinhos que você via sair do ovo, essas coisas, era tudo muito assim. E tinha a rádio Inconfidência, que era a melhor coisa. Domingo tinha programa do (Pinduca?), às dez horas da manhã. Você ia à missa às oito horas e saía de lá correndo para ouvir a rádio Inconfidência, programa do Pinduca. Ai, era uma beleza, porque era rádio, tinha prêmio, se você cantasse; tinha adivinhação; orquestra; cantora… Uma maravilha o programa de rádio. E no final, passava uma sessão de cinema mudo. Ou era "O Gordo e o Magro"... Sabe, a gente morria de rir. Ou era aquele ______ [33:28], que passava lá. Era uma beleza. Carnaval... Ali era um baile de Carnaval. Tinha a matinê das crianças, tinha a vespertina à tarde - que a gente queria ir, mas papai já falava "nhem, nhem, nhem" - e à noite é que a gente era proibido de ir. Papai tocava lá e tal. Eu vi grandes artistas ali na rádio Inconfidência. Fiquei muito triste quando eles acabaram com a Feira de AmostraS e fizeram a Rodoviária, porque ali também era um ponto político, era um lugar onde se discutia política. Eu vi o Getúlio Vargas; eu vi o Juscelino Kubitschek ali. Eu ouvi o discurso do Juscelino Kubitschek. Quando ele falou de fazer... quando caiu aquela cachoeira de fogos, todo mundo só falava naquilo. Hoje em dia, ninguém nem liga mais (risos). Mas Belo Horizonte era bem diferente, tinha foot na Afonso Pena, tinha concurso de vitrines. As vitrines eram lindas. Eu vi televisão a primeira vez… Eu conheci na vitrine o que era televisão.
P/1 – Foot era andar pela…
R – Foot? Isso. A gente se aprontava toda linda, com a roupa linda, se arrumava, ia toda… E ficava passeando pela calçada, olhando as vitrines, você via também se tinha algum namorado, se tinha um rapaz bonitinho. Eu ficava lá passeando…
P/1 – Como é que era essa paquera?
R – As paqueras eram assim: você olhava para ele, ele olhava para você. Dependendo, ele chegava e vocês ficavam passeando juntos e combinavam… Para nós, era bem difícil, o papai era bem difícil. Mas nesses foots também, eu já era mais moça, já estava com meus 16, 17 anos. Tinha barraquinha na porta da igreja. Então, fazia aquele tanto de barraquinha e tinha o foot em que a gente ficava passeando. Geralmente, as moças ficavam passeando, desfilando, e os rapazes no passeio. Aí, eles tomavam gosto, iam lá passear com você e viam se saía alguma coisa… Uma vez dessas, um moço foi passear comigo, nós tentamos sair do foot para ter uma privacidade e chega papai: "Cadê a Teuda?" A minha irmã disse: "Eu não sei, ela está com a Virgininha". Veio a Virgininha: "Cadê a Teuda?" "Não, a Teuda está…". Ninguém podia falar que eu estava com o Joel. "Ah, cadê a Teuda? Cadê a Teuda?" "Ah, eu acho que ela foi para lá". E aí, papai foi andando até onde ela tinha avisado e a Telma saiu correndo para cá. O papai: "Telma, pode parar. Onde você vai?" "Eu vou procurar a Teuda". "Então eu vou com você". Ele me achou lá. Meu pai já chegou metendo a mão na minha cara, acabou com o cara. Eu cheguei em casa e levei a maior surra, porque eu estava o quê? Estava namorando. Não podia namorar, era uma outra época. O rapaz esperou você na porta da escola? Meu Deus, que tragédia.
P/1 – E eles faziam isso?
R – Ah, encontrava. Onde você ia namorar? Porta da escola! Encontrava com namorado, com um certo pudor. Era tudo assim, muito vigiado, muito controlado.
P/1 – Mas era assim com o seu pai ou eram outras pessoas que vigiavam vocês?
R – Não, eu acho… Pai e mãe, sempre. Mas a sociedade também te vigiava muito. Por exemplo, eu tinha uma amiga que na casa dela tinha muitos rapazes, e lógico que todas nós ficávamos doidas lá, porque eram rapazes muito bonitos. A gente fazia tudo, arrumava casa… Aí, ela estava arrumando a casa e eu ia lá para ajudar a arrumar a casa dela. Depois, ela ia para a minha casa me ajudar a arrumar lá. Ela tinha arrumado o quarto, então, eu estava sentada na cama. A mãe dela chegou lá e: "Levanta daí. O que você está fazendo sentada na cama de rapaz? Você não sabe que você é moça e moça não senta na cama de um homem?". Olha só o jeito. Eu fui notar que quando o rapaz te dava - que naquele tempo, os homens ainda davam lugar na lotação para você -, você tinha que esperar a cadeira esfriar para sentar. Olha, para você vê. Hoje o mundo é outra coisa, a educação é outra coisa, eu acho tudo muito diferente.
P/1 – Mas você acha melhor ou pior?
R – Ah, eu acho bem pior. Eu acho bem pior na educação, porque também tinha um outro… Por exemplo, a gente tinha organista que tocava o piano quando a gente chegava da escola. Tínhamos aula de Literatura para aprender a fazer poesia. Hoje em dia, não tem nada. Tinha uma coisa chamada… Nós tínhamos várias matérias que eles juntaram tudo e puseram o nome "educação artística", que não é nada. Eles dão uma folha de papel para o menino colorir, está entendendo? Não era assim. Nós tínhamos aula de tecelagem, aula de bordado, aula de pregar botão… Aprendi essas coisas todas. Colagem, poesia… Tinha várias coisas que hoje não tem. A gente cantava e fazia show, tinha coral, pintura... Não tem, não tem. Tinha desenho geométrico e desenho de… Hoje não tem mais isso. Educação artística: isso pode ser qualquer coisa, qualquer coisa.
P/1 – Você tinha uma matéria preferida?
R – Na escola? Eu estudava tudo, porque eles mandavam e você tinha que estudar tudo, mas eu sempre gostei mais do teatro, sempre gostei mais de cantar, sempre gostei mais desse lado. Eu fazia tudo.
P/1 – Você se lembra dos primeiros livros que você leu?
R – Eu aprendi a ler num livro que se chamava: "Olhem para mim, eu me chamo Lili" (risos). É o livro da Lili. Tinha várias ações, todas com a Lili, porque foi o primeiro método global. Eu fui vítima do método global: você aprendia a ler pelo método global. Aprendi primeiro a lição, depois as frases, depois as palavras, depois as sílabas. Você cortava tudo, colava… Então, o método era esse.
P/1 – Mas tinha uma história esse livro?
P/1 – Várias. Cada dia era uma história. "Lili, olhe para mim, eu me chamo Lili". "Eu comi muito doce. Vocês gostam de doce? Eu gosto tanto de doce". Acabava essa lição da Lili, vinha outra: "As meias da Lili. As meias da Lili estão furadas" .“A meia da Lili é azul". “O conserto, eu não sei como há de ser". Assim, a gente ia aprendendo tudo... Plural: "A meia, as meias". E você ia estudando tudo, dentro desse método, que era o método global.
P/1 – Agora de Literatura, que não seja de alfabetização, você se lembra como eram os livros dessa época e o que você lia?
R – Ah…
P/1 – De poesia…
R – Tinha "O bonequinho doce". "Bonequinha preta"... Qual livro… Tinha uns livros pequenininhos assim, que eram de história. Tinha uma princesa que descobria que tinha uma ervilha embaixo de dez colchões. "Alladin e a lâmpada maravilhosa", Ali-baba e os quarenta ladrões. Estes livros que eram coisas que a gente lia. Agora, eu gostava muito de ler os… Eu gostava muito de romance, sempre gostei. Eu lia muito James Deli, que eram uns romances água com açúcar, água com açúcar, mas eu adorava ler aquilo na adolescência.
P/1 – Histórias de amor?
R – É, histórias de amor, aquelas coisas… Chorava. Depois, eu comecei a ouvir novela no rádio e comecei a seguir, porque também tinha aquelas histórias de amor, e era novela, está entendendo? Eu lembro da rádio Nacional que tinha… Eu seguia tudo da rádio Nacional. Tinha uma às duas ou três horas da tarde - não lembro mais - que se chamava "Presídio de mulheres". Eram só histórias dramáticas de mulheres que amaram muito, e por alguma coisa, tiveram que se vingar e estavam ali pagando (risos). "Presídio de mulheres".
P/1 – Você gostava disso?
R – Demais da conta, eu ouvia essas novelas todas. Devo ter alguma coisa deslocada aqui na minha cabeça… Eu recebi um "zap" falando assim… Depois de eu chegar do México, eu recebi um "zap" falando: "Frida Kahlo contando de suas princesas e que o conto de fadas não existe. Branca de Neve, Cinderela…" (risos). Ficou todo mundo arruinado, e a Frida calmamente falou: "Não, não tem" (risos). Vai falar para mim que não existe conto de fadas? Estou careca de saber que não existe conto de fada, mas a criatura adora conto de fadas, eu vejo na televisão e quando pensa que não, estou eu lá: "Ô, meu Deus!" Sabe essas… Todas essas coisas, eu acho muito bonitinho. Claro que eu sei que não tem final feliz, estou cansada de saber. Dois meses depois, você não vai saber no que vai dar, mas e daí? Pelo menos ali você fala: "Ai, um final feliz" (risos). Mas isso é bobagem da minha cabeça.
P/1 – O que você acha bobagem?
R – Bobagem ficar… Porque eu sei que não existe, mas eu gosto, coisa de menina (risos).
P/1 – E você fica até hoje…
R – Fico, eu tenho umas coisas assim de criança, que gosto.
P/1 – Você tinha um sonho nessa época já? Queria ser alguma coisa assim, ou não?
R – Não, eu seguia mesmo… Pela formação e pelo que eles falavam para a gente, a gente achava que ia casar. Meu pai queria que eu fosse uma funcionária executiva de não sei o quê. " Que casar?". Ele não me deixava namorar, não queria nada, porque meu pai era machão para caramba. "Olha, você não pode fazer isso, já falei". Ele era muito machão mesmo, não gostava. Ele não deixava a mamãe trabalhar, mamãe só cantava na igreja… Essas coisas que eu acho… Mamãe fazia o prato dele, está entendendo? O que eu acho também… (risos). Nem tanto, pois depois de ouvir Fernanda Montenegro falar: "Claro que eu fazia o prato do meu marido, ele era o meu marido. Eu fazia o prato para ele". Eu achei tão bonito a Fernanda Montenegro falar aquilo, mas eu acho que o papai… Porque um dia, eu ouvi papai falar para a mamãe: "Há 40 anos põe meu prato e ainda não aprendeu?". Aí eu fiquei puta e disse: "O que é isso, pai? São 40 anos pondo seu prato e ainda acha ruim? Vai lá na panela e coloca o arroz por cima, o feijão por baixo, ou ao contrário, do jeito que você quiser". Ele ficou uma arara, "Não se meta" (risos). Mas essas histórias assim…
P/1 – Então você não tinha muito…
R – Não…
P/1 – Essa (ambição?) [45:42]
R – Não, porque ser artista era uma coisa assim... Parece que era diferente, longe de mim… Hoje em dia, não. Hoje em dia, eu vejo o artista que você é, o artista que ele é… Eu vejo que todo mundo tem seu lado artístico, tem sua maneira de pensar, seu jeito de expressar, seu caminho que vai seguir para se expressar artisticamente e deve ser assim. Tem que ser assim. As pessoas têm esse direito, mas antigamente eu achava que isso era uma coisa de privilégios, de privilegiados, eu achava muito longe de mim e fui fazer Ciências Sociais. Na Faculdade de Ciências Sociais, no D.A, eu descobri que podia fazer teatro, comecei a brincar. Eu tinha que fazer um trabalho de colagem de jornal e comecei a fazer esse trabalho representando isso.
P/1 – Fale um pouquinho mais de Ciências Sociais…
R – Fiz Ciências Sociais na Fafich, quando ela era na rua Carangola.
P/1 – Mas como você pensou assim: "Vou fazer Ciências sociais"?
R – Porque eu estava fazendo… Eu tinha formado em professora, no Magistério. Estava trabalhando na Livraria do Estudante, que era ali na rua Tupis, e tal, e era um ponto… Era uma livraria que era um ponto, um point da intelectualidade em plena ditadura, onde a esquerda ficava ali e aí eu tive muito contato com o pessoal de Sociologia, Filosofia, e discutindo essas coisas. "Eu vou fazer Sociologia"... Está entendendo? E fui fazer, porque a gente também estava em plena ditadura.
P/1 – Vamos voltar um pouco então, porque você disse que fez Magistério…
R – Fiz Magistério no Instituto de Educação, no curso noturno.
P/1 – Por que você escolheu o Magistério?
R – Porque aquilo que toda mulher poderia trabalhar na época, era o Magistério (risos). Na época, eu era noiva. Então, bordava o enxoval, fazia pastelzinho para o noivo, esses trens, mas na época era isso. E ele ainda brigava comigo: "Você acha que eu quero que minha mulher trabalhe?". Eu não sei se a mulher dele hoje trabalha, mas eu, ele não queria deixar trabalhar (risos). Era uma coisa assim… Então eu fui fazer o Magistério. Eu também gostava de trabalhar, gostava de dar aula para os meninos, mas uma coisa é você gostar de trabalhar, outra coisa é você ser professora do estado. É uma coisa enriquecedora, porque você não tem essa coisa… "Ah, minha vocação de professora, eu vou ensinar e blá blá blá". Você tem seu método, tem seu tempo… Não é, o estado não é assim. Você tem uma lei que diz que não pode ter mais de 30 alunos… Não, não pode ter menos de 23 alunos e nem mais de 30. Eles colocam 40, 50, 60 meninos na sala, então, é uma loucura. E você tem que dar conta daquilo sem material, sem… É uma loucura. Sem nenhum apoio, sem biblioteca, sem livro, sem um apoio da escola. Às vezes, nem banheiro tinha direito, sabe? É muito difícil você ser professora do estado. Têm escolas que são bem aparelhadas, bem-feitas, bem organizadas, mas tem escola que é uma sucata. Uma sucata! É muito difícil dar aula.
P/1 – Quando você falou que ser artista era uma coisa muito distante para você nessa época…
R – Era.
P/1 – Por que? Você se espelhava em quem? Em quem você pensava que era artista nessa época?
R – Uai, eu pensava nos artistas que ouvia na rádio, nos artistas que eu via no cinema. Para mim, aquilo… Eu ficava: "Nossa, que maravilha". Eu não achava que era uma coisa que eu ia subir e fazer, entendeu? A gente fazia aquilo no colégio. Em colégio você ensaiava, fazia aquilo e tal, mas quando eu fui para a Fafich, que eu tinha que fazer colagem, comecei a pegar uma notícia e interpretar aquela notícia. Então, por exemplo, eu peguei uma notícia de: "Está inaugurando o salão de festas de não sei o quê, vai ter rosas da Holanda, um buffet de não sei o quê". E eu vestida de mendiga, sentada no chão, lendo aquela notícia: "Olha, as rosas vão vir da Holanda, blá blá blá, vai ter não sei o quê". Eu achei aquilo melhor e que bateria melhor do que eu dar a notícia para os outros lerem. Começamos a fazer aquilo: íamos para os corredores da Fafich. E aí, eu fui picada pelo bicho do teatro, entendeu? O bicho do teatro é poderoso. Te picou, acabou. Eu não consigo me pensar sem fazer teatro. O que eu vou fazer? Pensa bem, na minha idade, o que eu vou fazer? Fazer teatro, vou contar história, que é o que eu sei fazer.
P/1 – É isso?
R – É. O que mais eu posso fazer nesta vida? Eu acho que este momento agora, ainda é o momento da gente contar mais história, da gente fazer, sabe? A nossa resiliência vai ser ocupar os espaços, as brechas e fazer teatro, fazer tudo… Eu estou fazendo tudo para o que as pessoas me chamam. Com dinheiro, sem dinheiro, tudo. Tudo. Só pelo desaforo de não parar de fazer, porque eu acho que é um desaforo. Fiz um clipe outro dia, com duas meninas novinhas, que me chamaram, e eu disse: "Por que não? Vamos embora. Vou, vou". Acho um desaforo querer te proibir. O que aconteceu ontem… Nem sei se pode falar disso, mas o que aconteceu ontem na Bienal do Livro… Uma Bienal Internacional. Um imbecil, preconceituoso, espalhando uma coisa… O que acontece? Essas pessoas acham que protocolo, que isso tudo é frescura, mas não é. Um presidente não pode falar o que pensa. Eu, que sou Teuda, artista, não saio falando as coisas, porque as pessoas podem falar: "Não, porque a Teuda falou não sei o quê, e não sei o quê". Eu não falo. Não pode, um presidente não pode debochar da mulher do presidente de outro país. Ele não pode quebrar o protocolo, ele está falando em nome de uma nação. É uma vergonha um prefeito falar uma coisa dessas. O que ele faz? Ele está discriminando. Já teve um motorista de ônibus que quebrou o nariz de um casal que estava namorando no ônibus. Já colocou o cara para fora do ônibus dando um murro na cara dele, quebrou o nariz do cara. Porque isso estimula as pessoas à violência. Ao invés dele pregar contra, ao invés de pregar a paz, ele está pregando a guerra?! Proibir livro? Ora, que besteira.
P/1 – Você estava no Magistério quanto houve o golpe de 1964?
R – Estava.
P/1 – Como é que foi?
R – Ah, o golpe foi muito terrível, gente. O golpe foi muito terrível mesmo e a gente sofreu muito com ele. Nossa, sofremos muito tempo, muito tempo. Umas coisas assim… Por exemplo, eu fui trabalhar na livraria. Eu parei de… Eu estava estudando para coisa e fui trabalhar na Livraria do Estudante. Lá havia livros, essas coisas de estudo e… O que eu estava querendo te contar disso, fugiu da minha cabeça.
P/1 – _________ [55:20]
R – Não, é que, por exemplo, a censura chegava. Iam na prateleira e tiravam os livros, sequestravam os livros. Quer dizer, com o único intuito de dar prejuízo à livraria, porque uma livraria tem muito pouco lucro. Ela ganha por capa de livro. Então, se você chega lá e rouba quatro, cinco livros - e isso toda semana -, você vai minando a livraria (o que era o interesse deles). Então a gente fazia lançamentos… Eu conheci muitas pessoas nessa livraria, que fizeram lançamentos: Henfil, Clarice Lispector… Quem mais que eu conheci lá? Ai, tanta gente. o Couto… Conheci todo mundo lá.
P/1 – Onde ficava essa livraria?
R – Ficava na rua Espírito Santo, numa galeria lá dentro. Minha amiga Ana e minha amiga Fernanda foram presas pela ditadura. Nós ficamos 40 dias sem notícias delas. Só se descobriu porque o pai dela trabalhava numa joalheria e falou: "Eu não aguento mais pensar que minha filha está há 40 dias desaparecida". Aí, o cara falou: "Me dá o nome da sua filha e o da amiga dela". E ele deu o nome das meninas. Ele era da Rosa Cruz… É Rosa Cruz? Ele era da Rosa Cruz e através disso ele foi lá e descobriu. Ele era maçom. Através da maçonaria, ele descobriu e falou assim: "Olha, ela está aqui". O advogado foi lá na hora e viu as meninas. Foi um alívio. A gente sabia que elas estavam presas. Você nem saber isso, era muito duro.
P/1 – E acontecer isso era normal?
R – Ah, isso era todo dia. Tinha gente que não voltava, gente que sumia, gente que era torturada, tinha tudo.
P/1 – Nisso, você estava na Fafich?
R – Eu estava na Fafich e trabalhando na livraria. Depois, eu fui trabalhar na Editora do Professor…
P/1 – Isso era em 60 e alguma coisa…
R – Era 1970, 1971.
P/1 – Como eram as aulas nessa época?
R – Normal. Você chegava na Fafich, estava todo mundo dando aula. Agora, era muito difícil, porque tinha polícia na escola. Às vezes você chegava lá e a TFP tinha tomado conta da Fafich - chegava e tomava, controlava tudo. Aconteceu uma coisa até muito engraçada também. Aqueles filhos de Maria, caras congregados de Mariano, aquelas caras de azulzinho, entraram lá e estava tudo tombado com as bandeiras da TFP - Tradição, Família e Propriedade. A menina abriu a blusa, tirou o sutiã e colocou os peitos para fora. "Aqui, ó" (risos). Deve ter rezado a noite inteira (risos), mas era isso. Na época, era essa coisa da rebelião também, sabe? Você também falava "Não, eu vou em cima, eu também vou fazer". A gente saía, ia ao teatro. Proibiram as peças e a gente ia. Bateram nos artistas da Roda Viva e a gente protestava. Essas brigas de Polícia e não sei o quê, sempre teve e sempre vai ter.
P/1 – Você começou a ir ao teatro nessa época ou você já ia antes?
R – Não, eu comecei no teatro por essa época. Eu saí da Faculdade e fui fazer teatro. Fui trabalhar com o Heide Ribeiro. Eu falo que ele é o meu pai artístico, porque foi ele quem me falou: "Não, você vai fazer teatro". Eu disse que não, mas ele era o diretor, eu acreditei que podia fazer e fui. Ele me pôs no palco, eu fiz, estou aí até hoje e não consigo parar.
P/1 – Como é que você o conheceu?
R – Eu o conheci nas festas que ele fazia. Eu vi a _________ [01:00:05], "Se correr o bicho pega" – isso, ele como ator. E depois, peças dele dirigindo. Eu vi "O zoológico"... Como é que chamava? "Risos e facadas", que ele fazia, e outros textos dele mesmo, que ele fez. Ele foi um diretor muito importante aqui. Ele é até hoje, é um diretor importante aqui em Minas Gerais.
P/1 – O que você lembra que lhe marcou nessa época das festas? Quais as que lhe marcaram nessa idade, nos anos 70 ou no fim dos anos 60? Teria como você citar?
R – Ah, eu vi muita peça. Eu vi Macunaíma, vi Bibi Ferreira, vi o Gota D'água - que me deixou assim, muito louca. Eu vi o Rei da Vela, vi quase tudo do Zé Celso. Tudo que o Zé Celso trazia, eu achava muito bonito. O Rei da Vela me enlouqueceu, porque eu nunca tinha visto nada igual àquilo. O segundo ato então, era uma coisa belíssima. Eles vinham lá do fundo do palco assim, todos cantando "Yes, nós temos banana/Banana para dar e vender/Banana, menina, tem vitamina/Banana engorda e faz crescer". Nossa! Era lindo e era um telão que virou até capa do álbum (acho que do Caetano), maravilhoso! Era maravilhoso e era uma coisa que discutia a tradicional família mineira, essa coisa toda. Nossa, era maravilhoso, eu adorava! Fiquei louca. Isso foi uma coisa que me falou: "Você não vai fazer Sociologia, isso não dá para você. Seu negócio não é aí". Essa peça foi uma das que falaram isso comigo e eu saí fora. Falei: "Não vou fazer mais". Eu estava no terceiro ano de Sociologia e falei: "Tchau"! (risos).
P/1 ‐ Você estava entre academia e teatro ainda, então?
R – É. Quando comecei a fazer… Quando eu entrei nas Ciências Sociais, eu fui assistir a uma palestra do Chacrinha. Eu estava alucinada de ver o Chacrinha. Ele chegou lindo, de terno. Ele veio falar de comunicação de massa, que era uma coisa que todo mundo queria saber. Imagine a esquerda para saber como é que se comunicava com a base. Quem era o maior comunicador? O Chacrinha. O chamaram e ele veio. Ele chegou e começou todo mundo a fazer aquelas perguntas teorizadas, citando aquele comunicador, e aquele outro, essa teoria e aquela… O Chacrinha olhou e falou: "Gente, deixa eu falar uma coisa: vocês convidaram a pessoa errada. Eu não sei nada do que vocês estão falando, não conheço ninguém de quem estão falando e não li livro nenhum do que estão falando. A minha comunicação, eu faço de um modo diferente. Posso fazer?" Eles falaram: "Pode". Ele falou: "Ah, então é assim, ó, eu faço assim: quem é homem aí, levanta a mão". Aí, os homens: "Eu!". "Quem é mulher aí, levanta a mão". "Eu!". "Os homens, cadê os homens? Os homens vão cantar comigo: “Eu queria ser um bicho pra comer você todinha”. As mulheres: “Come eu, painho. Come eu, painho". Gente, foi a maior palestra que eu já vi, a melhor palestra. Cantou, dançou, conversou, todo mundo falou. Depois, nós fomos para a Veia Poética, o bar que tem ali na… Tinha na Avenida do Contorno. Era um casarão que hoje não tem mais, já derrubaram. Tinha uma madeira velha e uma mesa imensa de madeira embaixo. O Chacrinha sentou nessa mesa, com todo mundo em volta dele, e falou… O debate continuou lá. "Eu sei tudo que o povo gosta, eu sei do que o povo gosta. O povo gosta do que é de graça". Pegou a garrafa de Whisky, foi enchendo os copos e falou: "Pode beber que a Rede Globo está pagando" (risos). Menina, ele desceu tudo que você pode pensar: desceu Whisky, cachaça, cerveja, linguiça, torresmo, barriga de porco, carne… Comeu tudo que tinha no bar. No dia seguinte, o bar não pôde abrir porque não tinha nada, nem como comprar (risos). O bar, no dia seguinte, não abriu. Foram descansar (risos). Foi essa coisa toda. O Chacrinha, nessa coisa, quando eu saí, ele me chamou, bateu na minha perna e falou: "Ô, minha filha, vamos para o Rio comigo, ser chacrete" Eu falei: "Ô, Chacrinha, não posso" (risos).
P/1 – ________ [01:05:50]
R – Vai cortar?
P/1 – Não, é só…
R – E vai voltar.
P/1 – É. Você falou que ele bateu na sua perna…
P/1 – Não, é porque quando eu saía da mesa - ou para fumar, ir ao banheiro, qualquer coisa - ele mandava a produção pegar para o outro lado dele e batia assim e falava: "Ô, minha filha, vamos para o Rio comigo, vamos ser chacrete". Eu falei "Chacrinha, não posso ser chacrete, eu sou gorda". "O que é isso, minha filha? Eu faço programa é para a classe C, classe D, eles gostam de mulher coxuda, de mulher peituda". "Mas, Chacrinha, eu sou comunista" (risos). Depois… (risos). Fui fazer teatro. Larguei o curso de Ciências Sociais e fui fazer teatro, porque é onde eu achei o meu melhor espaço de me comunicar, de falar. Porque, como professora, você não tem... Como professora, é muito difícil você estar na rede social… Muito difícil. A rede pública é terrível, e a particular também não…
P/1 – Você entrou na Faculdade de teatro ou você…
R – Nunca. Comecei… Fui para o Heide, ele estava montando uma peça e eu o acompanhei desde decorar o texto até a estreia. Isso foi a minha escola de teatro. Por isso que eu falo que foi meu pai, porque foi minha escola de teatro. Depois, ele me chamou e me pôs no palco, e aí eu já fui fazer mesmo. Eu fiz "Viva Olegário" e não parei mais, fui fazendo uma peça depois da outra.
P/1 – Como era acompanhá-lo no começo? Como era a rotina…
R – (Risos). Ele chegou lá e falou assim: "Não, eu estou começando. Você vai ser minha assistente e vai seguir o texto". E me pôs o texto na mão, os dois autores lá e eu seguindo com o texto. Eu não conseguia, o meu olho não conseguia ler o texto, meu olho ia nos atores, entendeu? Meu olho ia nos atores, eu não conseguia ler o texto. Eu ria e ria. De quando os meninos faziam assim para mim, eu: “Cadê?” Até que eu ia achar pra entrar. "Heide, não dá, ela não dá, não", (risos). Ele disse "Não, você não vai ser". Fui um dia assistente e depois fui ser assistente de produção: "Compra isso, busca isso, faz isso". Com isso, eu aprendi como é a coisa do fazer teatro. Eu fiquei como assistente da produção e foi muito bom.
P/1 – E como foi quando ele falou para você: "Não, eu quero que você entre"?
R – Uai. Eu sabia que não estava fazendo direito e que não consegui: "Não tem jeito, você vai fazê-lo do jeito que tem que ser feito". No dia da estreia, parecia que eu é quem estava no palco, eu suava de aflição. É uma emoção muito boa. O teatro lhe dá isso, é uma emoção gostosa desde a hora em que você... "Aaaah! Vai começar! Merda!". É um outro tempo, é um outro ar, uma outra coisa que começa. Você entra naquela atmosfera ali e você tem que… O que acontecer ali, meu filho, você tem que ir em frente, sai fora, dá um jeito. Não pode apavorar (risos).
P/1 – Como é que era essa peça?
R – Qual?
P/1 – A da primeira vez que você entrou no palco.
R – Foi "Viva Olegário", era uma peça que era feita num bar da Zona boêmia e nós ensaiando numa Zona para poder pegar aquele movimento de bar e tudo. Fizemos no teatro e era muito legal, muito legal. Foi proibida, Nossa! Era a época da censura, a censura proibiu tudo. Você não podia falar assim: "Porque o pai dele é o general". Na verdade, isso eles deixaram, mas o texto era assim: "Porque o pai dele é um general cinco estrelas". Não podia. Porque o Figueiredo era general cinco estrelas (risos). Cortaram a minha roupa verde e amarela, cortaram não sei o quê… E nós: "Vamos fazer tudo?" "Vamos". E fizemos a peça como tinha que fazer (risos). No dia seguinte, chegamos lá e estava proibido, não podia fazer a peça. Nós tivemos que ir a Brasília e ficamos duas semanas parados, pagando teatro, mas conseguimos pagar o teatro, conseguimos fazer a peça, os espetáculos lotaram… Foi uma peça de muito sucesso.
P/1 – Em que teatro estava?
R – Estava no teatro Marília. Fica ali perto do Pronto Socorro.
P/1 – Você se lembra do seu papel como é que era? Alguma fala…
R – Era uma prostituta, acompanhava a outra… Era um bar, em que ficávamos dentro e tinha um funcionário público, que era "caretinha". Um dia, resolve fugir da caretice e comemorar o aniversário numa zona boêmia. Quando ele chega lá, é confundido com um bandido, um bandidão. E aí, ele era todo jogado às traças porque ninguém ligava, e quando vê todo mundo dando a maior pompa para ele, ele assumiu que era um bandido, e tudo bem. Ele está lá, com todo mundo bem crente de que ele é bandido, chega um bandido que tinha rasgado a cara dele com a garrafa, aí ele ficou apertado (risos). Eu tinha uma coisa assim, eu era companheira da outra, a gente fugia, bebia no bar, dançava, cantava, essas coisas. Eu adorava, adorava! Fomos em Brasília, viajamos com a peça, foi muito bom.
P/1 – Como a sua família recebeu essa sua escolha? Você sentiu…
R – Não… Assim... Minha mãe gostava mais e me dava muito apoio, até tomava conta dos meus filhos para eu fazer teatro, porque ela sentia muito isso que ela não pôde ir na carreira dela. Ela queria ser cantora. O meu pai não gostava, falava: "Deus que me livre, festa acabada, músicos a pé". Porque ele era músico, trabalhou a vida inteira e falava: "Ninguém dá valor para a Arte não, minha filha, vai ser funcionária executiva para você ter um bom emprego, um bom salário". Também ele achava que… Hoje em dia, não deve ser isso nada (risos), mas ele achava essas coisas. Mas ele me dava apoio, ia em toda estreia, me levava para ensaiar às vezes. Ele também gostava, porque tem um lado artístico. Ele achava que, profissionalmente, isso não era bom. Porém, depois, ele chegou a acompanhar o Galpão. Ele ia, adorava, batia palma, dançava. Ele viu que estava bem, assim. A mamãe também, a mamãe viajou com o Galpão: "Eu também sou do Galpão".
P/1 – Agora, voltando um pouquinho, você falou que tinha um noivo nessa época. Você teve filhos, é isso?
R – É, eu tive… Eu tenho dois filhos, mas não foram desse noivo, ele era careta demais. Ele brigou comigo. Sabe por que a gente terminou oito anos de noivado, de bolinho, não sei o quê, "nhem, nhem, nhem"? Porque eu fui ver meu irmão tocar e entrei numa boate. Ele ficou revoltado: "Não, noiva minha não entra em boate". Terminamos o noivado. O que é que eu vou fazer? Entrei. Falei com ele: "Não, ué"... "Não, eu sei que você não fez nada, mas e quem te viu sair de lá?" E eu disse: "Ué, mas e eu com isso? Agora sou responsável pelo que os outros pensam? Sou não, uai. Não, eu só posso responder por mim". E aí acabou, acabou, acabou.
P/1 – E depois você teve… Desculpa, você…
R – Depois que eu tive meu segundo filho, eu já tinha feito tudo que você pode pensar: viajar de carona, ido para (?) [01:15:20], ver não sei o quê, "tarará, tarará"... Tive esse segundo filho e ele foi lá em casa, foi lá me ver. Foi muito engraçado, porque eu tinha acabado de dar mamá, pus o menino na cama e ele tocou na porta. Eu cheguei lá para abrir e era ele. Foi muito engraçado que nós dois olhamos um para o outro e falamos juntinho: "Nossa, como você engordou" (risos). Fui conversando com ele, muito sem graça, sem assunto, sem eira nem beira. Eu sabia que ele estava casado, com filhos e tudo, afinal de contas ele também sabia que eu tinha filho. Eu falei para ele: "O que você está fazendo?" "Ah, eu estou lá na Petrobrás ainda, estou lá trabalhando". E falou comigo. "E você, o que está fazendo?". Quando ele perguntou o que eu estava fazendo, depois de tudo que eu já tinha feito, e com a caretice dele, eu falei assim: "Meu Deus, o que eu vou falar?". Eu achei que o mais normal era falar: "Eu estou fazendo teatro". E ele falou: "Mentira, você não está fazendo teatro" (risos), "Estou, você não viu? Olha no jornal, estou fazendo" (risos). Era um mundo diferente mesmo. Era um mundo em que valsa de 15 anos eram as meninas de branco, cinco de rosa, cinco de azul, cinco de amarelo (risos). Era um mundo dessas bobagens.
P/1 – Você teve o seu primeiro filho com que idade?
R – Eu já tive os filhos bem mais velha. Eu tive o meu primeiro filho com quantos anos? O segundo, eu já tive com 40. O primeiro com 37 anos, e o segundo com 40.
P/1 – Você já estava dentro do teatro?!
R – Já, já estava dentro do teatro.
P/1 – Vou voltar então e pergunto depois disso: mas você fez a sua primeira peça, então, "Viva Olegário"...
R – "Viva Olegário".
P/1 – E daí para a frente…
R – Daí para a frente, foram várias peças.
P/1 – Sempre com o…
R – É, veio um diretor do Teatro Livre de Munique, em Belo Horizonte, e aí começa a história do Galpão. Ele veio e começou a dar uma oficina de teatro. Então, eles começaram e tinham o método de Grotowski, botou todos os artistas que quiseram participar e começou a trabalhar, mas era o método Grotowski, não é, gente? Não sei se você sabe o que é o método…
P/1 – O que é isso?
R – … Mas, é assim: ele fala que você só está pronto para criar, o seu corpo só está pronto para criar, quando você já está cansado. Quando você exauriu, tirou tudo para fora, você está pronto para criar e aí começa. Então, ele começava o ensaio sempre assim: colocava a gente no palco, todo mundo pulando junto e falando: "Um cão entrou na cozinha e roubou uma salsicha. Bateram tanto nele, que virou uma linguiça. Vendo isso, a cachorrada cavou-lhe uma sepultura, escrevendo no epitáfio, contando a aventura… Um cão entrou na cozinha e roubou uma salsicha. Bateram tanto nele, que virou uma linguiça. Vendo isso, a cachorrada…". E aí você tinha que falar aquilo e cada hora tinha uma maneira. Quando o suor já estava pingando assim, ou seja, quando eu não aguentava mais, ele falava, "Agora você pode começar a criar". Ele colocava uma bota no meio do palco e falava assim: "Você vai criar alguma coisa com essa bota, mas isso não é uma bota. Isso pode ser um lenço, uma sombrinha, pode ser um leque… Vai criar". E você tinha que criar com aquilo. Então, fui fazendo. Com esses alemães. Quando eles foram embora, nós falamos: "Não, nós gostamos muito deles, você vai trazê-los de novo". E eles trouxeram no Festival de Inverno da UFMG.
P/1 – Sabe em que ano mais ou menos?
R – Hein?
P/1 – Em que ano?
R – Ah, não… Eu posso te dar essas datas todas depois, tá? Eu tenho isso tudo. De cabeça assim, eu não vou lembrar. Ele..
P/1 – Você falou de quando eles voltaram para o Festival de Inverno…
R – Eles voltaram para esse Festival e deram uma oficina de teatro de rua, então, nós que fizemos… Nove atores fizeram e desses nove, cinco eram do Galpão. Nós fomos para Diamantina para poder fazer essa oficina de teatro de rua. Nessa oficina, nós começamos também a ensaiar a Alma Boa de Setsuan, que a gente montou depois ali no teatro Francisco Nunes. Era maravilhoso, maravilhoso. Foi um espetáculo lindo que teve aqui. Eles foram embora e nós ficamos meio órfãos. "Aí, eles foram embora e levaram a perna de pau, levaram tudo". Aí, nós nos unimos e o Eduardo falou: "Teuda, eu tenho um baú de figurino, vamos mandar fazer as pernas de pau e vamos fazer o espetáculo". E nós fomos fazer isso. Fui atrás de um menino que desenhava, ele desenhou as pernas de pau - "era assim, era assado, desenha para mim como era". Fomos ao marceneiro, voltamos, voltamos o sapato, subimos em cima, fomos para a escola de medicina e começamos a fazer lá, a ensaiar. Porque lá tinha criança também. Tinha uma creche, então, a gente apresentava e os meninos da creche ficavam vendo e gostavam daquilo. E aí, nasceu o Galpão. A gente fez "E a noiva não quer casar", que era todo mundo andando de perna de pau e o texto era assim… No baú do Eduardo, tinha um vestido de noiva e o Eduardo queria que eu fosse a noiva, porque eu era mais velha, gorda e ele achava que ficava engraçado. A Inês era magrinha, gatinha, bonitinha. Ele falava: "Não, você vai ser a noiva e tal". Mas o vestido não servia nem na minha coxa (risos). Para a Vandinha, teve que aumentar o vestido. Então, eu fui ser o pai da noiva, coloquei um bigode, uma cartola e uma jaqueta. Essa é a delícia do teatro, você poder brincar, é muito bom. Fizemos a noiva e agradou todo mundo. As Prefeituras todas a compraram, porque era um espetáculo barato, fácil de viajar, e era só andar de perna de pau na cidade e fazer a coisa. Não tinha cenário, figurino complicado, som e essas coisas complicadas que hoje em dia tem. Então, isso também… Hoje, essa política que eles estão… Vai estragar muito as peças, porque não pode mais fazer cenário complicado e grande, como a gente tem (o Galpão tem). Não pode mais porque o carreto de transporte do material está custando quatro cachês. Eles pagam R$10,00 pelo cachê e o carreto fica em R$40,00. Então, a gente não pode mais fazer isso, não tem quem pague.
P/1 — Como é que é a história de "E a noiva não quer casar"? Como é que é a história?
R – Qual?
P/1 – Da peça que vocês tiveram.
R – A noiva? Mas não tem história. A noiva quer casar e os pretendentes ficam lá disputando-a: um faz mágica, o outro joga qualquer coisa, o outro cospe fogo, o outro pula não sei o quê. De repente, ela fala: "Ai, não sei com quem vou casar. Eu não quero casar, vou ser porta-bandeira da escola de samba". E acabou a peça (risos). Saía todo mundo sambando e acabou. Uma peça foi puxando a outra. A gente começou a fazer uma peça de rua, uma peça de palco. Fizemos "De olhos fechados" de palco, depois fizemos _______ [01:24:54], mas era de rua. Depois, fomos fazendo uma de palco, uma de rua.
P/1 – Quem estava nessa primeira peça? Você se lembra?
R – Lembro, porque não mudou muito, mudou pouco. Saiu… Era eu, Eduardo, espera aí… Era eu, Eduardo, Vandinha, Nabo, Fernando Linhares. Depois, foi trocando. As pessoas foram trocando. Entrou o Toninho, a gente foi criando também personagens. Depois, a gente fez "De olhos fechados", que era uma peça que essa já tinha um cenariozinho, já era uma peça de palco e era muito engraçada, porque tinha um vento que vinha na perna de pau e ia brincar com os meninos de olhos fechados. Era uma peça para falar dos sentidos, e era linda. Porque você cantava com os meninos e eles vinham para o palco. Tinha hora em que os meninos acabavam com a peça, subiam e o palco ficava cheio. Aí, o vento foi e colocou os meninos todos para dormir e a gente acabou a peça, não tinha nada que fazer mais, uai (risos).
P/1 – Aconteceu assim mesmo?
R – Hein?
P/1 – Aconteceu mesmo assim?
R – Aconteceu, uai. O que a gente podia fazer? Só não subiu para o palco uma menina que estava na cadeira de rodas, o resto todo subiu. Não subiu nem ela, nem a professora dela. De resto, todo mundo subiu. Palco é perigoso, porque tem fio, sabe? A gente falou: "Não, vai dormir, vem o vento, botando todo mundo para dormir". Cantamos a música do vento e acabamos a peça (risos). Depois do “De olhos fechados", eu nem lembro mais o que foi. Olha, "De olhos fechados, que é esse que estou te contando. ________ [01:27:54]. "Triunfo, um delírio barroco" não está aqui. Esse que nós fizemos, "A noiva não quer casar", essa aqui é a noiva. Essa aqui é outra coisa. Esse aqui é um festival de teatro de rua. "Triunfo, um delírio barroco", esse que te falei. "Álbum de família". Depois do "Álbum de família", já é "Romeu e Julieta", maravilhoso. Romeu e Julieta deu pano para manga.
P/1 – Por que?
R – Porque foi um espetáculo que levou a gente para o mundo. Quando a gente fez Romeu e Julieta, nós fomos para Londres. Chegou em Londres… Nós viajamos toda a América Latina, viajamos pelaa Europa, fomos a vários países. Fomos a Portugal; Alemanha; Amsterdã, na Holanda; França; Espanha quase toda; a vários lugares de Portugal… Onde mais a gente foi? Canadá; Estados Unidos; Venezuela; Colômbia… Em tudo na América Latina. Fomos à Costa Rica, enfim… Todos os lugares. O espetáculo viajou muito. Fomos mais para onde? Eu nem sei te dizer a quantos lugares a gente foi. Fomos ao Peru… Olha aqui. Romeu e Julieta, olha aqui.
P/1 – A gente pode fechar só para você me contar um pouco dessa peça?
R – Do Romeu e Julieta?
P/1 – É. Como é que foi? Por que vocês foram?
R – Porque a peça virou… Para você ter uma ideia, o Eduardo é um rato de livraria e de sebo. Em todo lugar onde ele vai, ele vai para as livrarias, para sebo, cata livros… Ele chega numa livraria lá, daquelas da França, e quando ele olha, lê: "Os melhores espetáculos de teatro do ano de mil e não sei o quê". Ele pega o livro e quando abre, o que está lá? Gabriel Vilela. Ele vai olhar... "Romeu e Julieta", um livro caríssimo. Ele comprou o livro. Falou: "vou comprar" E comprou, o livro é dele, está na casa dele. Para você ver, uma peça que saiu dali. Quando o Gabriel começou a montar a gente, a gente começou a fazer um estudo da Arte. Ele foi para Ouro Preto, chamou um professor que era até professor lá e deu aula para a gente sobre o barroco, porque era isso que o Gabriel queria, essa coisa barroca. Se a gente quer falar para o mundo, a gente fala do país da gente, da terra da gente, vamos falar daqui com as roupas daqui, com as músicas daqui, com tudo daqui. Então, o figurino foi pintado com cal de casa, com aquele casario de cidade do interior, que eles pintavam com xadrez, azul, amarelo, "amarronzado", cor de rosa. Os figurinos foram todos pintados com aquilo e todos decorados com aqueles decalques que eram usados na época, que você tira e coloca. Todas enfeitadas, as roupas foram enfeitadas com aquilo. Rendinha de camisola, a gente pegava a renda de camisola, cortava, fazia… Maravilhoso! E quando a gente fez isso, realmente ele teve esse cuidado com tudo. Antes disso, ele falou assim… Já tinha marcado o chão: "Qualquer espetáculo, nós vamos fazer em cima dessa veraneio". Então, ele fez três palcos: um maior aqui em cima; um aqui em cima e o outro ali, atrás, pequenininho, que só tinha uma cadeirinha. A gente transitava em cima desse palco, ou quando estava no chão, em perna de pau. Entrava de perna de pau e saía. Então, era um espetáculo muito diferente e tratava um clássico, porque tem isso também, de você tratar um clássico de uma forma completamente diferente. A gente cortou coisas, meio que brincando. Ele colocou Julieta descalça em cima do telhado e ela dá o pé para o Romeu beijar o pé dela. Então, tinham coisas muito bem trabalhadas. Gabriel era muito apaixonado na época, muito sensível com essa coisa do teatro. Ali o que se discutia era o amor de Romeu e Julieta contra tudo, contra todas essas intempéries que criaram em cima dele - a sociedade, a lei, a ordem, nao sei o quê, o pai. E o amor lutando contra isso tudo, pulando o muro. O Gabriel também era muito esperto, ele treinou a gente e a gente ensaiou dando texto em cima de uma trave. Isso não tem no nosso livro, a gente dando o texto em cima de uma trave com uma sombrinha, porque como ele falava, era um perigo, toda essa peça acontece em três dias, ela conhece o Romeu, se apaixona, encontra e morre, tudo em três dias. Então, é precipitação, tudo era precipitado, tudo em cima da trave, sabe? Aquele perigo da corda bamba, aquela coisa do circo, do perigo, da iminência de que a qualquer hora iria acontecer alguma coisa. A mãe vai descobrir, a madrasta vai ralhar, a ama vai proteger, vai ajudar… Porque outra coisa que o Gabriel fez foi pôr o Shakespeare. O Shakespeare estava em cena o tempo todo. Ele é quem falava: "Era uma vez Verona". E apontava para o carro. A gente tinha a lua e as estrelas, era muito bonito. A lua, o Romeu pegava a lua, cantava para ela e jogava para a Julieta, tinha as estrelas… Era muito bonita a peça, muito bonita, e isso pegou as pessoas de surpresa. Todo mundo gostava e era uma peça muito difícil, porque era uma poesia parnasiana, com tudo rimado, e isso feito na rua, no final de tarde. Então, o Gabriel falava: "A peça só pode começar às quatro da tarde, antes ela não pode". E, pela primeira vez, nós tivemos que ter microfone sem fio, porque ele falou: "Ninguém faz declaração de amor aos berros, botando a voz para chegar do outro lado, lutando contra o ônibus, contra carro, gente falando, bêbado". Porque na rua tem de tudo, de tudo! Tem cachorro. Uma vez um cachorro foi lá e mordeu o ator. Aí, ele fez a peça e só foi ao médico depois que ela acabou (risos). Mordeu a bunda dele. Acontece de tudo, entra bêbado. Uma vez, tinha uma mulher bêbada e Romeu e Julieta naquela poesia: "Oh, Romeu, a luz… A lua… não sei o quê”. E a menina: "Oh, gostoso. Oh, Romeu gostoso, vem cá, vou te pegar". E aí a gente teve que parar a peça (risos). Como que você faz numa situação dessas? Acontecia coisa demais, a rua tem isso. E o Gabriel falou "Vou querer microfone sem fio". Então, nós pegamos microfones, a gente também tocava, cantava… Era muito bonito e tinha uma coisa que mexia muito com a emoção. Como ama da Julieta, era ela quem cuidava da Julieta, era a confidente, a alcoviteira. Ela que ficou deixando-os no quarto, e na porta, vigiando, ela era a alcoviteira deles. Então, na hora do enterro, está todo mundo cantando e eu vou cantando, chorando fora do tom, fora da coisa, jubilada, falando por cima mesmo, sabe? Era muito bonito.
P/1 – Você era a ama?
R – Eu era a ama. Adorava fazer, porque é um personagem maravilhoso.
P/1 – E por que vocês andavam com pé de pau mesmo ali?
R – Ah, porque era a linguagem que o Gabriel estava usando: as pernas de pau. A gente usava, botava a perna, tirava… Tinha muita piada boa na peça. A gente fez sete dias em Madrid, na praça Bayor, lotado, lotado.
P/1 – Em qualquer tempo, assim, chovendo, frio…
R – Não, lá não estava chovendo. Em Madri estava um tempo… Fizemos na Alemanha, andamos… Quando caiu o muro de Berlim, nós fomos para o primeiro festival e andamos toda a Alemanha, fomos em sete cidades da Alemanha. Achei a Alemanha a coisa mais linda do mundo, aquela parte que estava lá do lado do comunismo que ninguém via… Nossa, os hotéis maravilhosos! Uma coisinhas mais bonitinhas. Eu adorei a Alemanha, gente, eu adorei.
P/1 – Você não tinha saído do Brasil?
R – Já tinha saído, mas na Alemanha eu não tinha ido. Já tínhamos saído algumas vezes. O "Romeu e Julieta" levou a gente para o mundo todo. O mundo todo é exagero, mas… Porque a gente não foi na África, não foi na Ásia, nesses lugares a gente não vai. Quer dizer, não vai porque não tem jeito, porque se tivesse a gente estaria lá (risos).
P/1 – Você falou que teve algumas histórias que você viveu na rua. Você se lembra de mais alguma ou de algumas que te marcaram?
R – Ah, da rua tem muita história boa, gente. Tem história de que eu caí (risos). Não, da rua tem muita história boa. Gente que entra no espetáculo, sabe? Enquanto a gente fazia o "Corra enquanto é tempo", que é um grupo de protestantes pregando - hoje em dia eu nem faço isso mais, porque eu acho que eles até matam a gente - mas era um grupo pregando na rua e aí chega travesti, briga com eles e fala: "Vocês estão roubando o meu ponto". E o pastor: "Não! Esse ponto é meu". " O que é isso? Esse ponto é meu". E batia nas coxas assim, o Eduardo é que fazia o travesti (risos), mas era muito bom e era… A gente cantando "o céu é um…". A gente cantava aquelas músicas de igreja. Era muito bom fazer o "Corra".
P/1 – Vocês preferiam fazer em algum lugar aqui da cidade ou…
R – A gente faz em qualquer lugar. A gente fazia essa... Também que fazíamos uma em qualquer lugar, ela tem 20 minutos essa peça, que era a "Foi por amor". Eu estou num bar, ou no teatro, ou na porta do teatro, o cara chega e fala: "Foi você". E eu falo: "Não, eu não diz nada". "Não, foi você sim". Me matava e eu caía. No que eu caía, eu saía, e chegava o Justiça. "Alguém chama o Justiça". A Justiça chega de perna de pau manca, torta e "o que essa mulher fez com esse pobre homem para esse pobre homem fazer isso?", está entendendo? E aí, eles cantam que foi por amor, que ele matou por amor, e aí a caveira volta. Eu volto, mas volto vestida de caveira (eu já estava vestida, só tirei o vestido) e começo a falar com ele, "Justiça!", ele fala - "sai para lá, osso duro de roer" (risos). Eram essas coisas, falar sobre assim, essa coisa de matar as mulheres todas. Mataram cinco essa semana. Você viu, não é? Cinco mulheres mortas.
P/1 – Como é que foi o nascimento dos seus filhos?
R – Eu, muito romântica, queria que os meninos nascessem… O primeiro, eu queria que nascesse em casa, não queria ir para o hospital, não queria fazer pré-natal, queria que o neném nascesse de cócoras, queria alecrim… Quer dizer, não estava sabendo o que era parto, entendeu? O amigo do meu pai falou: "Teuda, vem cá. Senta aqui, eu vou te examinar, e me examinou. Me explicou tudo, conversou comigo: "Você vai fazer esse exame para mim, é para mim que você vai fazer, preciso ter sossego". E eu falei: "Está bom!". Fui lá, fiz os exames e ele me explicou: "Vai ser assim, vai ser assado". Menino, um dia, eu levanto – estava há uns 20 dias antes ainda do dia - e sai o tampão. Eu achei que o menino já iria sair logo em seguida e comecei a gritar: "Mãe, é agora, está saindo". E mamãe: "Não…". Foi aquela confusão e chamou o médico. "Eu vou ter em casa, não vou para o hospital". O médico chegou lá, me olhou e falou assim: "Ô, índia fajuta, a senhora vai pegar a sua roupa e vai para o hospital agora, porque eu não vou fazer o seu parto nessa promiscuidade aqui, não. Vamos embora que eu tenho responsabilidade". Eu já estava em contração, morrendo de dor e disse: "Não". "Você não argumenta nada, porque já está com contração. Vai!". Eu já entrei no carro e: "Vai, pega minha roupa, pega minha mala". Eu já tinha deixado tudo pronto. Fui para o hospital e o menino nasceu, "vlapt", tive um parto muito bom. O segundo, também… Foi o contrário. Ele passou. Estava para nascer do dia 11 ao dia 13 e ele nasceu dia 16. Eu, todo dia, ia ao hospital e eles falavam: "Não, não está na hora". Até a hora que eu cheguei, nesse dia, e eles falaram: "É, mas ele vai nascer só amanhã. A senhora pode voltar e vem amanhã". Eu falei: "Eu não vou voltar, porque está chovendo, não tenho como pegar carro, custei a achar esse carro para me trazer, então, eu vou ficar aqui. Se vai nascer amanhã, eu já estou aqui". O menino nasceu às três horas da manhã, era a conta de eu chegar em casa e voltar. Foram muito simples os meus partos, não teve aquelas coisas agonizando, dois dias, três dias… Nada. Esse, eu nem deixei dar corte. O primeiro deu corte, mas esse nem deu corte. Nasceu, pronto e acabou. Toda vida dei muito peito, tinha muito leite. Meu menino mamou até um ano e sete meses; o outro, mamou até um ano. Eu não deixei mamar mais, porque o desmame do outro foi muito difícil. Eu falei: "Vou cortar com um ano para não ter essa coisa, enquanto ele não argumenta". Depois que o menino argumenta… Eu falava: "Mas acabou". "Não acabou, está aqui". Ele chorava e eu chorava.
P/1 – Como é o nome dele?
R – André. E o segundo, chama Adimar.
P/1 – Por que você escolheu esses nomes?
R – André, escolhi junto com o pai. O pai falou: "Você acha André um bom nome?" Eu: "Ah, vou brigar com o pai que escolheu o nome de André? Pode pôr André". Adimar foi por causa de um… Foi o pai também que escolheu, por causa do nome do cunhado: "Não, vou pôr Adimar". E pôs Adimar (risos).
P/1 – Vou só trocar uma bateria…
R – E podemos falar dos dois últimos espetáculos - do "Outros" e do "Nós". Eu queria falar também dos espetáculos solos que eu faço.
P/1 – Vamos tentar…
R – Que esses já são projetos meus.
P/1 – Fala do "Partido", então.
R – O "Partido" foi um espetáculo que a gente fez com o Kaká Carvalho, e ele fez em cima da história… Aí, qual o nome do cara? Gente, esqueci o nome do cara. O autor do livro. Esqueci o nome, que horror. É do Ítalo Calvino. Foi feito em cima de um livro do Ítalo Calvino, que é "Um Visconde partido ao meio". A gente tinha que dividir, então o que o Kaká fez? Ele fez um único cara que era partido, que era o Visconde, inteiro, maquiagem inteira, e todos nós tínhamos o rosto partido. Aqui, a gente era um personagem. Aqui, a gente era outro personagem. A roupa também, inclusive. Então, a gente atravessava assim, de lado, de lado, fazia uma mudança assim, foi muito bonito. A parte musical então do "Partido", eu achava maravilhosa. Foi composta por Ernani e com um trabalho muito bem feito que ele fez, muito bonito. Do "Partido" era "tum durum tundum na na na". Era muito bonito, toda gente cantando, fazendo os sons. Não tinha nenhum instrumento de verdade. Era tudo assim… Muito bonito.
P/1 – Você se lembra de alguma canção?
R – Ernani Maletta? Ele é o que?
P/1 – Você se lembra de alguma canção que vocês cantavam nessa época?
R – Não, eu lembro dessa que… Deixa eu ver, eu não lembro, mas era muito lindo. O final era lindo, vinham cantando. Eu gostava muito. Eu fazia a ama, sofria… A ama era a que mais sofria, porque ele descontava tudo nela (risos).
P/1 – Você falou dos seu trabalhos solos, não é? Como é que foi?
R – Não, eu fiz em cima de conto. Quando eu estava em Las Vegas - que eu fiz o Cirque du soleil - meu filho foi ficar comigo para ser meu secretário, falava em inglês, dirigia, era minha mão de obra lá. Ele levou um livro do Carlos Drummond de Andrade, para ler lá, para ter uma distração lá em Las Vegas. Ele achou esse conto e falou: "Olha, mãe, esse conto que bonito". Eu olhei e, na hora, me deu vontade de fazer um curta, mas "fazer curta, eu nessa dificuldade? Vim para cá...”. Mas chegou aqui, montagem, outras coisas… Galpão, eu nunca mexi. Depois eu falei: "Gente, vou fazer um texto, uma peça". E chamei o João - o mesmo que recebeu a biografia. Eu o chamei e falei: "João, escreve esse texto para nós". E ele escreveu. A Inês dirigiu. Falei: "Inês, você dirige?" "Dirijo". Foi uma maravilha. O espetáculo é lindo. Ele faz o menino e a Inês teve a ideia brilhante de colocá-lo como Carlos Drummond de Andrade. O Carlos Drummond representa todos os meninos que jogavam pedra na doida e ela xingava: "Vai jogar pedra na sua mãe". Levantava a saia, essas coisas de doido.
P/1 – Desculpa, o que era o conto? Como era?
R – O conto chamava "Doida", é lindo. Eles vão jogando pedra na doida, ela conta, conta e eles jogam pedra… Até que um dia, eles xingam e ela não responde. De desaforo fala: "Vou entrar lá". E aí ele entra sozinho na casa da doida. Quando ele entra no quintal, já começa a se transformar, que ele vê que o quintal é todo cheio de pedra, todo imundo. Ele vê uma violeta com a pedra em cima e reconhece a pedra que ele jogou. Ele empurra a casa da velha, quando ele empurra a porta da casa, é tudo pedra, tudo quebrado, tudo detonado, não tem nada. Ela foi amontoando tudo em um canto, e quando ele chegou lá, ela tinha feito uma barricada com tudo que ela tinha e colocou o catrezinho dela atrás para não tomar pedrada. Ela estava lá deitada, ele se assusta com a velha e vê que a doida é uma velha que está morrendo, e aí tem toda a transformação dele, ele dá água para a velha, vai lá… E no final, ele fala: "Não tem nada que eu possa fazer, é só pegar a mão dela e esperar o que vai acontecer". E fica com ela ali. É muito bonito o conto, é lindo. Eu e meu filho montamos, Inês dirigiu, João escreveu e foi muito bom. Adoro!
P/1 – Você fazia algum papel?
R – Eu? Eu faço a doida, que fica lá xingando aqueles meninos. Canto também, tenho meus devaneios, porque eu sou doida. Tenho meu devaneio com o Elvis Presley, tenho devaneio com o meu casamento. Por quê? Uma das infrações da gente é: por que essa mulher ficou doida? Por que essa mulher está lá solta e escondida? Por que a cidade jogou essa mulher lá? Essas coisas que a gente fica se perguntando. E aí, nós fomos criando histórias. Criamos histórias em cima das histórias da família… Da nossa família, da minha mãe e tal, criamos isso. O espetáculo é muito lindo!
P/1 – O que mais você acabou fazendo…
R – Ah, não, agora, nesse final, depois que deu essa… O espetáculo depois desse que eu fiz… Assim, esse é meu também, porque eu fiz, chamado "Luta". É um texto que tem… É uma direção que tem João, o Cléo, a Marina e eu. Nós estamos no palco e fazemos essa cena, que sou eu contando casos… Parece um cafofo, sabe? Eu contando casos da minha vida mesmo e da vida dos artistas. Faço homenagem aos artistas todos aí, Almir Andrade... Então é isso. O espetáculo se chama "Luta" por essa coisa da luta mesmo, porque quando eles começaram a falar que nós mamávamos nas tetas do governo, eu botei duas tetas de limão, fui para o sinal em cadeira de rodas vender limão com a placa: "Eu mamo nas tetas do governo" (risos). É um desaforo para esse povo também.
P/1 – Foi agora há pouco isso?
R – Foi. Essa "Luta" eu estreei agora. Dei uma parada, porque agora nós vamos fazer turnê Sul. Primeiro, nós fomos ao México e agora vamos fazer turnê Sul. Nós fomos ao México fazer o "Nós". Eu nem falei do "Nós". Ele é um espetáculo que vem nessa nova fase. É muito importante falar disso, porque é uma nova época na coisa da dramaturgia do Galpão. Porque, antes, a gente fazia clássicos, barrocos e essas coisas. Agora, estamos trabalhando com peças mais performáticas e políticas. Fizemos o "Nós", que eu amo fazer. É uma pessoa que discute a inteligência, o machismo, essas coisas. Nós tivemos que fazer protestos. O que a
gente ia protestar? Então, eu estava em dúvida sobre várias coisas e resolvi para o texto isso que… A barragem lá de Mariana. Resolvi protestar contra a barragem. Contra a barragem, não. Contra a Vale ter feito isso. Eu falo dessa lama, dessa coisa e o Marcinho pegou o meu protesto e fez um texto. O Eduardo protesta contra as guerras, cada um tem o seu protesto. A gente faz uma sopa - é tudo muito verdadeiro -, a gente faz uma caipirinha ao vivo… Ainda tem a cena com a qual eu quero ficar e eles me expulsam. E tem a cena em que eu chego para visitar, quero ir embora e eles não me deixam ir. Então, são duas cenas muito fortes. Existem cenas muito fortes no espetáculo.
P/1 – Agora vocês estão com o…
R – Com o "Outros", que é com esse que vamos para o Sul. Esse já é desse tempo de agora, sabe? É o mais triste, o mais sem esperança. Antes, a gente ainda tinha um pouco mais de esperança. Agora, a gente está mais desesperançoso. Essa peça consegue falar muito. Nós estamos falando de nós, dos outros, falando o que as pessoas acham, das.pessoas que não estão mais aqui… É uma peça mais triste, eu acho, mas ela é uma dança, tem balé, tem dança, vários tipos de dança e de texto também. Eu acho muito importante essa questão de não ter o que falar, de não mais saber como falar, não tem diálogo. Como é que você dialoga com esse homem que quer proibir o ______ [02:00:58]? Como é que você dialoga com isso? Como você dialoga com uma pessoa que fala assim: "É um mito"? Eu bloqueio na hora, não vou discutir, não vou falar mais, está entendendo? Vá procurar saber. Diz que você deve conversar mesmo na exaustão, mas eu não tenho saúde, estou com quase 80 anos, não quero mexer com isso não, me poupe.
P/1 – Você tem algum sonho?
R – Hã?
P/1 – Você tem algum sonho hoje?
R – Sonho? Ah, meu sonho… Eu tenho vários sonhos. Eu queria ver se este país dava um jeito, se consertava, mas eu vejo que, às vezes, piora. A gente demorou 30 anos para tirar os militares do poder e eles colocam no poder pelo voto. Como você vai tirar agora? Foi pelo voto. Do jeito que está a política agora nessas redes sociais que eu odeio e não tenho nenhuma… Só tenho Whatsapp e email porque eu preciso falar, preciso me comunicar, preciso trabalhar, mas rede social de fofoca, YouTube, sei lá o que eu fiz, eu sigo fulano e fulano me segue… Não quero, me deixa, não quero (risos). Eu detesto essas redes, porque olha no que isso deu, olha o governo em que nós estamos, olha o povo acreditando em tanta bobagem. Acreditando que Jesus está na goiabeira, acreditando em mamadeira de piroca, acreditando em beijo gay… É muita desinformação, muita maledicência, muita… Eu não sei que mundo é esse, não sei.
P/1 – Mas para a sua vida pessoal, você sonha alguma coisa que não seja para o Brasil?
R – Eu desejo para a minha vida… Eu quero continuar do jeito que estou, quero ser feliz, continuar com o meu teatro. Gostaria que essa censura não viesse. Isso para a minha vida pessoal. Fazer teatro, falar o que a gente… Porque o direito de expressão é nosso, é seu, é dela, é dela. Acho que todo mundo tem esse direito. Agora os outros vêm proibir, querer que você veja isso, que não veja aquilo, que fale isso. Eu acho isso muito triste. Para mim, isso já tinha acabado. Agora, está esse inferno aí, mas eu acho que isso vai acabar. Vai acabar, porque não pode voltar tudo atrás, eu não acredito que volte tudo. Eu acredito que a gente vai dar conta e que, através do nosso trabalho, desse trabalho que a gente faz e vocês estão fazendo também… Porque o que é o trabalho que vocês fazem? Uma resiliência. Nós estamos fazendo, está ficando aí e eu não vou parar de fazer. Como eu faço teatro, faço cinema, faço tudo, faço qualquer coisa para a qual me chamam, dou aula, dou entrevista… Faço porque tenho que fazer mesmo, é a nossa função, como artista e como cidadão. O direito de ser feliz, de falar o que você quiser… Eu ligo para a felicidade, eu sou final feliz, apesar de saber que nem sempre é, apesar de eu ser bem Frida Kahlo (risos), eu acredito em final feliz também. Tem que ter, gente. Não que tenha um final feliz, mas é que as coisas mudam, viram, elas têm que virar, têm que girar.
P/1 – Você gosta de contar a sua história para as pessoas?
R – Demais. Eu falo muito, converso com todo mundo. Às vezes penso: "Ih, eu nem devia ter falado isso, mas já falei" (risos). Você sabe que eles me chamam até para ir em escola de menino? Eu fui no outro dia em uma escola, dez horas da manhã, para poder falar sobre… Eu fui não foi para falar, foi para dar uma entrevista para um menina que me pediu, para o trabalho dela, de escola - uma menina de nove anos. A turma dela tinha sido dividida em duas para o trabalho de escola. Uma fez sobre o Galpão e a outra fez sobre o Grupo Corpo, que é um grupo de dança. Ela queria que eu fosse, queria me mostrar a exposição. Eu não precisava ir… Mas eu não ia? Ia deixar uma criança? Por mais que você… Não, não pode fazer isso. Eu fui. Fui. Cheguei lá, virou um auditório enorme, eu sentada e todo mundo perguntando. Primeiro ela fez as perguntas dela, depois abriu para o auditório e todo mundo perguntou. O menino perguntou: "E se eu quiser fazer teatro, o que eu posso fazer?" Eu falei: "Brincar, brincar de tudo que você quiser. Leia, leia muita história, conte história para os outros. Cante, faça aula de canto. Brinque, porque isso é que é o teatro. No teatro você precisa declamar, cantar, saber fazer ginástica, subir, dançar… Aprenda tudo que você quiser. Remeda os outros, remeda bicho. Faz o que você quiser, que é o caminho que você vai brincar, que você vai fazer teatro, porque brincar… Teatro é "to play", brincar". Agora eu estou fazendo o "Nós". Anos depois estou fazendo o "Nós" aqui, porque a gente recebe o público no palco, sentado. Um menino chega lá e eu vejo que ele já é um adolescente e vem para o meu lado assim. Ele chegou e falou: "Oi, Teuda". E eu: "Ei, como vai?" Mas eu não sabia quem era. Ele falou: "Teuda, eu queria que você soubesse que estou fazendo teatro". Eu falei: "Meus parabéns, que coisa linda. Você está gostando?" Ele falou: "Muito, mas eu estou te falando isso porque eu comecei a fazer teatro com você, porque foi você que falou comigo. Eu perguntei: "De que escola você é?" E ele: "Da Sé. Agora você vê, um menino fazendo teatro porque eu falei: "Vai brincar, vai fazer teatro". E ele está aí, olha que bonitinho. Onde que você espera uma recompensa dessas? Eu acho assim, muito bonito, adoro gente que chega e fala: "Olha, estou fazendo teatro. Depois que vi você no teatro, eu não parei mais". Eu acho isso muito bonito, eu gosto, acho que você vai fazendo a sua função de contar história, de falar: "É bom contar".
P/1 – Quero só perguntar o que você achou de contar hoje a sua história.
R – Eu fiquei assim muito… Eu fiquei: "Gente, mas estou entrando no Museu, olha só". Eu achei muito importante existir este Museu da Pessoa. Eu achei mesmo essa coisa da resiliência de vocês, de continuar. Para mim, é um prazer enorme contar história, é muito bom, gostei. Te conheci… Estou feliz, achei ótimo. Eu só queria te falar uma coisa antes, porque eu não falei: na época do "Outros" eu estava… O Galpão começou a ensaiar o "Outros" e eu fui fazer uma cirurgia de joelho. Eu tirei o meu joelho e ele agora é de titânio. Então, eu tive que tirar. Depois, tive que fazer uma outra vez a cirurgia, peguei uma bactéria. Eu no hospital, deitada, toda ligada, aquele inferno. Os meninos ensaiando e eu feito doida, você imagina que loucura. O Galpão não me abandonou, não me abandonou. Escreviam carta para mim, eu escrevia carta para eles… Eles trabalhavam na rua, o Felipe gravava e levava lá no hospital, passava para mim na parede, entendeu? Isso foi uma coisa de ter me mantido dentro do espetáculo. E quando eu voltei, cheia de dor, eu ia treinando, sabe? "Nem se cair gemendo torta, o que você sabe fazer? Você rola?". Aí, eu ia para o chão e tentava rolar. Foi assim que o Marcinho foi marcando o espetáculo. Então, foi um espetáculo muito difícil. Nós todos tivemos que compor uma música e eu fiz logo em cima da minha problemática: "Estou na beira do abismo" (risos). Eu tive muito medo de não andar mais e de não fazer teatro. Falei: "Nossa Senhora!" Era o mais triste para mim, não fazer teatro. Estou fazendo… Já fiz o "Nós" lá no México, já fomos com "Outros" para o Sul… É maravilhoso, maravilhoso! Rola vida! (Risos).
P/1 – Obrigado a você, foi ótimo.
R – Ô gente, eu é que agradeço muito a vocês. Estou me achando muito importante de estar neste Museu da Pessoa. Eu não conhecia, fiquei conhecendo através de vocês. Obrigada a vocês todos.
Recolher