Minha casa, minha cara, minha vida – Cabine São Bernardo do Campo
Depoimento de Maria Magalhães Sobral
Entrevistada por Márcia Trezza e Gisele Rocha
São Bernardo do Campo, 08/03/2014
Realização Museu da Pessoa
ASP_CB01_Maria Magalhães Sobral
Transcrito por Liliane Custódio
P/1 – Maria, fala seu nome completo e o lugar que você nasceu.
R – Maria Magalhães Sobral.
P/1 – Onde você nasceu?
R – Itamaraju, Bahia.
P/1 – Bahia. Que dia e ano?
R – Dia 17 de abril.
P/1 – De que ano?
R – 1971.
P/1 – Você tem alguma lembrança da sua infância, como era, do que você brincava?
R – Ah, tenho uma, mas não foi muito boa, não.
P/1 – Da infância?
R – Não foi muito boa, não, porque meus pais não tinham muitas condições de dar o alimento pra gente. Eu ia estudar, voltava pra casa, não tinha nenhum alimento pra se alimentar, nem de noite, nem meio-dia. Não foi muito boa, não. Aí, eu tive vontade de vir pra São Paulo, porque aqui tem minhas primas, minha irmã. Sabe como é criança que põe um negócio na cabeça, né? Falei: “Aqui eu não quero ficar”. Eu peguei e falei assim: “Eu quero ir pra São Paulo, que eu quero ficar com a minha irmã. Lá tem alimento pra eu comer”. Eu sem querer falava essas coisas com a minha mãe.
P/1 – Sei.
R – Eu ficava triste. Chegava da escola: “Mãe, tem comida?”. Ela dizia: “Não tem, não, minha filha”. Aquilo me doía por dentro. Eu não ajudava porque eu era pequena também. Ela ficava triste com essas palavras. Esses dias mesmo eu falei: “Ai, Deus, me perdoe pelo que eu falei com a minha mãe”. Não pra ofendê-la. Mas ela falava: “Não, minha filha, não fala isso”. Eu falei: “Não, mãe, eu quero ir pra São Paulo, eu não quero ficar aqui”.
P/1 – E você veio pra...
R – Aí eu vim pra cá.
P/1 – Com que idade você veio, Maria?
R – Com sete anos.
P/1 – E como você veio?
R – Vim com a minha prima. Eu morei na casa do meu tio. A minha irmã trabalhava na _____00:02:23_____, ia trabalhar, eu ficava lá com o meu tio. Aí, eu comecei a estudar na escola... Fiz a primeira série na escola do Farina. Do Farina, eu vim pra cá.
P/1 – Esse Farina é o nome da escola ou é um bairro?
R – A escola onde eu estudei? É a Escola Clóvis de Lucca.
P/1 – Quando você veio pra São Paulo, você tinha sete anos. Você lembra o dia que você chegou a São Paulo?
R – Não.
P/1 – Como foi, assim, quando você chegou?
R – Ah, quando eu cheguei, achei tudo bonito. Apartamento, que na Bahia, onde eu nasci, não tem esse monte de apartamento. Eu achei muito legal o lugar.
P/1 – E você disse que foi morar com um tio seu.
R – É.
P/1 – Esse lugar que você foi morar era em São Bernardo, já?
R – É. Morei com as minhas primas... Com meu tio. A minha tia nesse tempo era viva ainda. Depois, minha irmã ia trabalhar, eu ficava lá. Eu era muito levada também, tinha vez que eu não queria ajudar a minha tia, a minha tia me falou assim: “Olha, você veio pra cá, mas você vai ter que me ajudar”. Aprendi até secar a louça, que eu não sabia. Aí, comecei a aprender as coisas domésticas, foi muito legal. A minha tia me ensinava a ler, ela falava assim: “Maria, um dia você vai aprender a ler”. Falei: “Não vou, não, tia”. Eu chamo ela de tia, porque era a esposa do meu tio. Eu falava assim: “Ah, tia...”. Ela falava assim: “Um dia você vai aprender a ler. Nem que eu não esteja aqui, você vai aprender a ler qualquer dia. Você vai entrar na escola e tal”. Aí comecei... Pus isso na cabeça. Comecei a estudar lá no Farina. As minhas primas moram até hoje lá, minhas três primas, primos também. De vez em quando eu vou lá, é aquela alegria.
P/1 – É?
R – Muito gostoso. Aí minha tia... Eu falei assim: “Bem que a minha tia falou que eu ia aprender a ler mesmo”.
P/1 – E aprendeu?
R – E aprendi a ler na primeira série.
P/1 – E ela era viva ainda?
R – Quando eu aprendi a ler? Não. Não foi, não. Não era, não. Aí, eu peguei, fui embora pra Bahia de novo. E cheguei lá, fiz a segunda série. Que eu comecei a passar aqueles momentos difíceis com os meus pais, minha mãe não trabalhava também, aí só tínhamos eu e a minha outra irmã dentro de casa. A minha mãe criava os netos, cinco netos dentro de casa, tal. Eu tinha vontade de ajudar a minha mãe, não podia. Eu falei: “Ah, mãe, vou pra São Paulo, que a minha irmã tá lá e lá eu fico melhor”.
P/1 – Aí, você já conhecia São Paulo. Aí, você voltou.
R – Já. Aí, com tudo isso, fui, voltei pra lá, fiquei estudando, depois falei assim: “Eu não quero ficar aqui, eu quero voltar”. Peguei e voltei, fiquei na casa do meu tio de novo.
P/1 – Mas aí você já era mais jovem assim ou ainda era criança?
R – Não, era mais novinha. Bem novinha. E também era bem magrinha, solteira, né? Eu peguei, fiquei na casa da minha tia, depois minha irmã comprou uma casa aqui no Silvina. Eu rodei bastante. Do Farina, vim para o Silvina, depois morei numa casinha sozinha e Deus, e trabalhava. Nunca trabalhei, aí comecei a trabalhar, comecei a gostar do trabalho.
P/1 – Você trabalhou em quê?
R – Fui babá.
P/1 – Logo que você começou a trabalhar, em quê você foi trabalhar?
R – Eu fui babá. Cuidei da neta da minha ex-patroa. Cuidei de bastante criança.
P/1 – É?
R – É. Minha irmã falou assim: “Aqui, você vai ter que trabalhar”. Eu falei: “Tá bom”. Fiquei morando com a minha irmã, depois minha mãe veio pra cá. Aí, bem antes de ela falecer também, que eu a perdi no dia das mães, eu peguei, vim pra cá, morei com a minha mãe, minha irmã. Depois, eu comecei a trabalhar com uma pessoa muito querida, que até hoje ela vai a minha casa.
P/1 – É?
R – É uma pessoa que me ajuda até hoje. Eu comecei a cuidar da netinha dela, ela falou assim: “Maria, aonde você for, eu te acho”. Eu fui morar no Oleoduto, ela me achou, me achou aqui no Silvina também.
P/1 – É? E no Oleoduto, você foi morar sozinha?
R – Não. Eu conheci meu esposo, que veio de Pernambuco também. Eu fui morar lá na Vila São José, depois nós compramos um terreninho lá no Oleoduto. Aí, começamos do nada também. Sofri bastante, mas Deus deu a vitória.
P/1 – Como era morar no Oleoduto, Maria?
R – Era péssimo.
P/1 – O que acontecia que era ruim?
R – Hã?
P/1 – O que acontecia que era ruim morar lá?
R – Lá acontecia que entrava água nos barracos.
P/1 – Sei.
R – Meu barraco tinha quatro cômodos enormes. Muito bom. Meu barraco, eu não tinha que falar do barraco. E ruim só era a enchente. Entrou enchente umas três vezes. Quando foi a última vez, aí foi destruindo tudo. Na frente do meu barraco tinha um pé de árvore enorme, aí eu peguei... Nesse dia, tirou até esse pé de árvore.
P/1 – A chuva tirou?
R – Tirou.
P/1 – Começou a tirar. Tinham duas pontes na frente do meu barraco. Eu tinha as crianças pequenas, meu esposo fez duas pontes e dois portões, por causa do rio. Mas mesmo assim, a água nesse dia tirou até a ponte. Aí, foi acabando com tudo. Minha sorte também foi a vizinha que me ajudou a tirar as crianças. Eu falei: “Olha, comida deixa pra lá”. Nesse dia, eu tinha só um pacote de arroz no armário. Nesse dia, eu tinha comprado um armário, pus na parede. Nesse dia, a água derrubou o armário da parede, acabou com tudo. Eu falei assim: “O importante são minhas crianças”. Eu tinha quatro filhos já nesse tempo. Eu peguei, falei: “Olha, filho, o importante é tu tirar as crianças de dentro de casa; e o resto, deixa pra lá”.
P/1 – Seu marido? Você falou pra ele?
R – É. Falei pra ele. Aí ele falou: “É mesmo, ‘fia’”. A gente começou a gritar “socorro” e a vizinha mais o esposo dela... A vizinha falou assim: “Vamos fechar isso aqui pra nós não ficarmos abrindo isso aqui mais”. Mas não adiantou, tinha que abrir de novo. Ela pegou e falou assim: “É mesmo, vamos abrir, porque qualquer coisa a enchente vir de novo, o vizinho vai precisar de socorro aí do lado”. Foi certinho. Eu peguei e falei... Nesse dia que começou essa enchente, a sorte que tava todo mundo acordado, era de dia. Se fosse à noite, ia morrer muita criança, muito idoso.
P/1 – Porque... Como acontece essa enchente, Maria? É tão rápido assim?
R – É rápido. Quando a chuva vem forte, é rapidinho. E aí, virou aquela bagunça, entrar um monte de lama, água, rato também, por causa do brejo. No outro dia, foi aquela luta, fui ferver as roupas das crianças, que eu tinha bebê ainda: três pequenos e um novinho. Eu fui lavar aquelas roupas, falei: “Eu não vou jogar essas roupas fora, eu vou lavar tudinho”. Aí, fui lavar essas roupas. Eu tinha um cesto cheio de roupa limpa, a água virou tudinho, sujou tudo com xixi de rato, peguei e fui lavar. E comida, eu falei: “Olha, creio que Deus vai preparar o alimento para as crianças, tal”. E foi certinho. Depois eu ganhei a cesta básica. Colchão não molhou. Só o meu colchão que tinha molhado; os das crianças, o do beliche não molhou, não. Depois veio gente ajudar, dar colchão, lá sempre tinha ajuda. Dar cobertor, roupa, quem perdeu roupa, aparecia alguém pra ajudar.
P/1 – Você falou assim que vocês iam fechar, mas depois vocês resolveram abrir.
R – É.
P/1 – Eu não entendi. O que é isso?
R – Não, é porque aqui tinha uma “cercona”.
P/1 – Cerca?
R – É. Nessa cerca tinha um latão. Eles colocaram aquele latão porque tinha uma abertura, aí falaram: “Vamos fechar com o latão”. Depois tinha que abrir o latão, abrimos umas três vezes, na quarta vez ela disse que não ia abrir, ela falou assim: “É melhor deixar no fácil, que de repente a gente vem, aí a gente vai ter que abrir, vai dar trabalho pra abrir de novo”.
P/1 – Entendi.
R – Aí, ela deixou um pouco fácil. Quando veio mesmo, a última, foi a pior chuva que teve.
P/2 – Maria, essa que você acabou de contar tem quanto tempo? Você lembra quantos anos tem? Você falou que seus meninos eram pequenos. Deve ter quanto tempo?
R – Quanto tempo?
P/2 – É.
R – Isso foi bem antes de eu vir para o apartamento. Bem antes.
P/1 – Faz quantos anos mais ou menos?
P/2 – Uns cinco anos?
R – Uns 20 anos.
P/2 – Vinte?
P/1 – E você continuou morando nesse lugar, Maria?
R – Não. Depois desse lugar, eu fui pra o aluguel. Não, vim para o alojamento aqui onde é a Nova Naval.
P/1 – O que é o alojamento?
R – Um barraco também.
P/1 – Mas quem leva vocês para o alojamento? Vocês vão assim, ou tem a prefeitura?
R – A prefeitura.
P/1 – Eles que levam?
R – Ahã. No alojamento foi outra dificuldade. Chegamos ao alojamento, também não tinha paz, os vizinhos um não respeitava o outro, tinha bastante rato também nos forros também, era bastante sofrimento.
P/1 – O alojamento ficava assim, em que área? Em que lugar aqui de São Bernardo?
R – Ali mesmo onde é o apartamento. Foi ali.
P/1 – Ah, onde foi construído era o alojamento antes.
R – Era.
P/1 – Era chamado de que alojamento ali? Tinha um nome, ou não, era só alojamento?
R – Alojamento da José Fornari. Também tinha gente que ficava estressada porque não conseguia dormir, muito barulho. O que um falava de um lado, o outro ouvia do outro, coisas que a pessoa não queria ouvir. Aí, eu ficava pedindo a Deus: “Ah, Deus, quando eu vou sair desse lugar?”.
P/1 – Quanto tempo você ficou lá, Maria, morando no alojamento?
R – Foram bastantes anos. Bastante tempo. Depois, eu ficava assim pedindo a Deus pra me tirar daquele lugar. Depois, quando foram pegar meu nome pra... Falou: “Dona Maria, a senhora vai para o aluguel”. Eu falei: “Ai que bom!”. Aí, eu comecei a ficar mais feliz, porque a gente ia para o aluguel, ia ter um pouco de paz. Não dormia direito também aí. Quando fomos para o aluguel, foi melhorando.
P/1 – O que é o aluguel? Onde era? Nesse condomínio já que você mora?
R – Foi no Silvina.
P/1 – Onde você mora até hoje?
R – Hã?
P/1 – Onde mora até hoje, ou não?
R – Não. Agora eu tô aqui. Eu fui morar no aluguel na Vila São José. Depois saí dessa casa...
P/1 – Mas vocês que pagavam?
R – É.
P/1 – E tinha condições de pagar?
R – Eu pagava 150 na... Era só um cômodo, um barraquinho também.
P/1 – Esse aluguel?
R – É. No fundo da casa de uma amiga do meu esposo. Um barraquinho.
P/1 – Mas pegaram seu nome pra você pagar o aluguel?
R – Foi. É, pra ir para o aluguel.
P/1 – E vocês que pagavam?
R – É.
P/1 – E quem não tinha condições de pagar?
R – Nós só pagávamos isso aí porque a mulher conhecia a gente, aí ela fez esse precinho pra gente. Mas a prefeitura começou a pagar pra nós na outra casa, que foi da Duarte Murtinho.
P/1 – Sei.
R – Eram 300 e pouco, 315.
P/1 – Mas aí não era você que pagava.
R – Era a prefeitura.
P/1 – Entendi.
R – Que a prefeitura depositava o dinheiro, a gente ia lá, pagava, até sair o apartamento.
P/1 – Enquanto construíam, né?
R – Isso.
P/1 – Entendi. E demorou muito pra construir, dona Maria, o condomínio?
R – Demorou.
P/1 – (risos)
R – Demorou um pouco.
P/1 – E quando você chegou ao condomínio, como foi?
R – Ah, foi muito bom. Foi ótimo. Quando eu entrei, o primeiro dia, eu comecei na entrada do apartamento: “Ah, meu Deus do céu, que bênção, parece que eu tô sonhando”. E comecei. A pessoa disse: “É, Maria, a vitória demora. A bênção vem, mas não tarda”. Pois é. E foi muito bom. Mesmo assim, tem gente que não dá valor à moradia que tem.
P/1 – Por quê?
R – Uns querem vender, outros... Dizem que não pode vender, nem alugar, nem emprestar, e o povo não obedece a lei. Aí, quer vender o que não fez.
P/1 – E seus filhos quando entraram no apartamento, como foi?
R – Ah, ficaram muito felizes.
P/1 – Você se lembra de alguma coisa que eles falaram?
R – Hã?
P/1 – Você lembra assim de alguma frase que eles falaram quando chegaram ao apartamento?
R – Não. Agora, eu lembro que eu falei pra ele assim: “Ah, meu filho, agora tá bom, que tem o quarto de vocês, tem o da mãe, tem a nossa sala, tal. A lavanderia é um pouco apertada, mas ajuda bastante. A cozinha é comprida, mas é boa também”. Já tem azulejo na minha cozinha. Todo mundo que entra, fala assim: “Ah, Maria, que linda a tua casa, tal”. Eu falo: “Obrigada, gente. Obrigada”. Essa menina que foi fotografar lá em casa o primeiro dia, ela disse: “Nossa, que linda, tal. Eu posso tirar foto da tua sala?”. Eu falei: “Pode. Não se incomode, não, minha filha, pode tirar”. Ela disse: “Então eu vou tirar, dona Maria. Depois eu vou tirar do teu esposo, vou tirar de você”. Ela fotografou, gostou muito. Muito bom.
P/1 – Como é teu apartamento? Descreve pra gente como é.
R – Hã?
P/1 – Como é a tua casa? Você falou que tem azulejo...
R – Como é? O piso da sala é verde, verde escuro.
P/1 – Vocês que puseram?
R – É. Antes de entrar. Depois... E a minha cozinha é flores douradas, azulejo dourado assim, as flores. Até o filtro eu comprei combinando com o azulejo da parede. O pessoal, tudo isso nesses detalhes, o povo falou assim: “Nossa, Maria, não é que tá combinando tudo”. Eu falei: “Não, gente, eu nem reparei isso”. Não reparei, mas o povo fala assim: “Olha, mas que bonito”. A mulher foi vender uns livros pra mim, ver se eu comprava uns livros lá na mão dela, ela disse assim: “Nossa senhora, que cozinha bonita. Reparou, fulana, que a parede combina com o filtro?”. Eu falei assim: “Ué!”. Eu não tava entendendo e fiquei assim calada. A outra olhava pra outra, as duas amigas, aí falou assim: “Nossa, combina mesmo, o filtro, a parede, tal”. Eu falei: “Obrigada. Tu achou bonito?”. Foi muito bom.
P/1 – Dona Maria... Maria, você disse que...
R – Agora eu vou pintar a sala, vai ficar melhor ainda.
P/1 – Mas você que escolheu essa parede desse jeito, o azulejo com a...
R – Foi. O azulejo fui eu que escolhi.
P/1 – O filtro foi por acaso que combinou.
R – Foi por acaso.
P/1 – E o quarto dos meninos?
R – E o quarto dos meninos, nós compramos o guarda-roupa. Eu falei: “Olha, filho, ‘devagarinho’ nós estamos tendo nossas coisas. Deus tá ajudando a gente, que a gente tá tendo outras coisas melhores, do que onde nós morávamos no passado”.
P/1 – É.
R – Eu disse: “É, filho, é assim mesmo”. Até meu esposo arruma, e arruma a cozinha, arruma a sala, arruma o quarto, ele me ajuda bastante.
P/1 – Ele trabalha?
R – Tá parado agora.
P/1 – Sei. Ele trabalhava em alguma... No quê ele trabalhava?
R – Ele era ajudante de pedreiro. Agora tá parado, que tá aposentado, aí tá esperando sair o dinheiro da aposentadoria.
P/1 – E aí ele ajuda você no apartamento.
R – Ele falou assim: “Filha, quando sair um dinheiro bom, a gente vai comprar uma tinta, vamos dar um retoque nessa sala”. Eu falei: “Boa ideia”. Nós vamos pintar a sala, ficar mais legal, os dois quartos. O meu quarto, o guarda-roupa eu já trouxe novo de lá do aluguel onde eu morava.
P/1 – Sei.
R – Meu quarto tem o guarda-roupa de seis portas. Eu falei: “Graças a Deus, agora eu tô tendo o que eu mais sonhava: um guarda-roupa melhor e a minha cama também”. E os meninos também eu estou arrumando “devagarinho”. Eu comprei uma treliche, como são quatro filhos, dormem três no quarto e um comigo.
P/1 – Sei.
R – Que o mais novo tem nove anos, dorme comigo. “Devagarinho” nós estamos tendo nossas coisas. Meu lar é evangélico, família evangélica. Só que meus filhos não querem ir pra igreja, tal, mas um dia, quem sabe?
P/1 – Que idade eles têm agora?
R – Tem um de 17, um de 13, um de 14 e um de nove.
P/1 – Maria, a gente já tá terminando, mas assim, que mudança mais importante você acha que aconteceu na sua vida quando você veio para o condomínio? Do aluguel pra morar aí onde você...
R – Do aluguel para o condomínio?
P/1 – Teve alguma coisa assim que no seu dia a dia você acha que mudou mesmo?
R – Que mudou mesmo? A minha vida. Primeiramente, moradia, minha vida, e meu esposo também, que quando eu o conheci, ele não era evangélico, através de mim, que eu ficava... Ele era ex-alcoólatra. Como eu era da igreja, eu comecei a pedir a Deus que o convertesse, libertasse da bebida, tal. Comecei buscando, pedindo a Deus, pedi muito mesmo. Sofri bastante com as crianças pequenas, ele bebia. Tinha vez que eu não queria discussão, ficar brigando, nunca gostei de discussão. Aí, ele bebia, ficava... Assim, agressivo não, ficava com o som alto, eu não gostava, aí ia lá, abaixava, ele achava ruim. Não conseguia dormir em paz também, por causa da bebida. Sofri bastante, mas depois que ele se converteu, aí foi outra história. Ele tá na igreja, ajuda o pastor da igreja, o pastor Régis, da igreja dele. Só que eu sou de uma, ele é da outra. Eu sou da Assembleia de Deus, da pastora Maria. E mudou muito. Eu sofri bastante quando ele bebia mesmo.
P/1 – Sei.
R – As crianças pequenas, eu ficava muito nervosa, começava me dar crise de choro, fiquei com depressão também por causa disso daí. Sofri bastante. Mas depois que ele entrou na igreja, mudou.
P/1 – Que bom, né? Gi, você quer perguntar alguma coisa?
P/2 – Acho que a gente falou tudo, Márcia.
P/1 – Você quer falar mais alguma...
R – E o Alexandro, quando eu tive o Alexandro, eu tive aquela doença que dá na hora do parto, que a pessoa fica assim fora de si, não lembra que tá na terra, tal. Fiquei com essa doença na hora do parto, tal, mas depois Deus me ajudou, que eu voltei pra mim de novo. Assim, o jeito de falar, parecia que eu tava no mundo da lua. Depois, o médico gritou bastante comigo, aí eu voltei, aí eu vi que alguma coisa tava acontecendo. Foi de repente também. Depois disso, eu comecei a ficar com depressão. Aí, eu pus na minha cabeça que eu ia operar, não ia querer mais filhos, por causa da minha saúde. Eu fiquei com pressão alta por causa desse problema. Até medicamento eu tomava, agora não tomo mais, fui liberta desse medicamento. Depois disso aí, minha filha, eu falei: “Olha, vou operar”. Falei: “Olha, filho, se você não quiser operar, eu vou operar por causa da minha vida, porque eu não quero arriscar a minha vida nunca mais”. Ele disse assim: “Você que sabe”. Eu falei assim: “Então, esse vai ser o último. Você tá bebendo muito e eu não quero mais filho, também não quero arriscar a minha vida. Esses quatro estão bons”. Esperava menina, não tive sorte de ter menina, aí vieram só quatro rapazes. Ele falou: “Então, tudo bem, pode operar. Deus já deu o que era pra dar, tá bom. Quatro meninos, tá ótimo”. Eu fui e falei: “Ah, então tá bom, filho”. Sorte que nós ainda combinávamos com a coisa.
P/1 – Ainda bem, né?
R – Nós combinamos com as coisas. “Filho, é assim, assim e assim.” Ele disse: “Tá bom, filha”. Eu operei. Eu tenho o Alexandro, que ele estuda nessa escola também.
P/1 – É mesmo?
R – É. Alex estuda aqui. Ele tá na terceira série e é um menino muito bom, não dá trabalho pra professora.
P/1 – Muito bem, Maria. Parabéns, viu, pela sua história.
R – Um moreninho, moreninho da cor do pai dele.
P/1 – É? Maria, que bela história. Parabéns, viu?
R – Pois é.
P/2 – Parabéns. Gostei muito de ouvir sua história também.
R – Foi muito emocionante e bom.
P/1 – É.
R – O que vocês acharam?
P/2 – Eu gostei muito.
R – Muito bom.
P/1 – Pra você, foi emocionante contar a história?
R – Foi.
P/1 – (risos)
P/2 – (risos)
P/1 – Sua vida foi emocionante, né?
P/2 – Muita coisa, Maria. Muita coisa.
R – Nossa, eu fui uma mulher guerreira. Muita gente falou assim: “Maria, você é uma mulher guerreira. Que se fosse meu esposo que chegasse bêbado em casa, eu ia meter a porrada nele”. Eu falei assim: “Não, como eu sou uma mulher sábia, da igreja, tal, eu não vou fazer isso com o meu esposo. Não vou pegar pau, bater nele, ficar xingando”. Eu falei: “Deixa que um dia Deus vai mudá-lo”. Foi certinho. O que eu falei, eu lembro até hoje, eu falei: “Um dia Deus vai transformar ele, ele vai ser outra pessoa”. E agora ele tá na igreja, a igreja dele é lá no Regina. Aí ele fala: “‘Fia’, vamos lá a minha igreja hoje?”. Eu falo assim: “Vamos, ‘fio’”. Quando eu não quero, eu falo assim: “Ah, ‘fio’, hoje eu vou a minha”. Ele fala assim: “‘Fia’, tá na hora de você mudar para o meu lado, ir a minha igreja”. Mas eu tô pensando. Falei: “Eu vou ficar logo do seu lado, ‘fio’, ficar onde você congrega”. Pra não ficar um lá, outro cá.
P/1 – Muito bem, Maria. Parabéns mais uma vez, viu? Muito obrigada pela sua história.
R – Muito bom.
P/2 – Maria, você pode ir a sua casa buscar os documentos?
R – Posso.
FINAL DA ENTREVISTA
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