Projeto Memórias do Comércio de Ribeirão Preto
Entrevista de Maria Aparecida das Dores Araújo – Maria Bolacha
Entrevistada por Luís Paulo Domingues e William Carneiro
São José do Rio Preto, 08 de abril de 2021
Entrevista MC_HV062
Transcrita por Selma Paiva
P1 – Bom, Dona Maria, pra começar, eu gostaria que a senhora dissesse o seu nome completo, a data de nascimento e o local do nascimento.
R1 – Maria Aparecida das Dores Araújo, 23 de março de 1958, nasci em Iturama, Minas Gerais.
P1 – Sim, obrigado. E o nome do seu pai e da sua mãe?
R1 – Pedro Vieira de Freitas e Antônia Aparecida de Freitas.
P1 – A senhora conheceu seus avós?
R1 – Conhecia a minha avó paterna e meu avô e minha avó materna.
P1 – Sim. Se lembrar o nome deles e puder dizer, pra ficar gravado.
R1 – Bárbara Vieira da Costa, minha vó materna, meu avô é... me deu... realmente eu não consigo lembrar.
P1 – Não, tudo bem.
R1 – Minha vó paterna é Maria Albegina. Meu avô é Arlindo Miguel.
P1 – E a senhora chegou a conviver com eles, quando era criança?
R1 – Sim. ______ (02:38) do meu vô a forma que a gente tratava, nunca tratava por nome, eles tinham uma forma carinhosa ________ (02:48).
P1 – Sim. E a senhora sabe de onde que eles vieram? Eles já nasceram em Rio Preto ou vieram de fora?
R1 – Não, eles nunca nem chegaram a vir em São José do Rio Preto. Eles moravam em Minas.
P1 – E o seu pai e a sua mãe nasceram lá também ou nasceram em Rio Preto, já?
R1 – Nasceram lá, em Minas também.
P1 – E se casaram lá, em Minas?
R1 – Casaram lá.
P1 – E o que a família fazia lá em Minas, de trabalho?
R1 – Trabalhava na roça, com gado, com fazenda. Como eu sou a caçula, então eu vim pra cá muito nova. Quando meus irmãos estavam na idade de vir pra escola, aí meu pai largou tudo lá, pra vir pra cá, pra pôr os filhos na escola.
P1 – Sim. E a senhora sabe como seu pai conheceu a sua mãe? Sabe a história?
R1 – Sim. Eles eram primos primeiro. (risos)
P1 – Ah, sim. Era comum, né, antes?
R1 – Era comum, é.
P1 – É verdade. E aí eles escolheram São José do Rio Preto por quê? A senhora sabe?
R1 – Pra pôr os filhos na escola. Meu pai não queria que os filhos ficassem sem estudar, como ele, né?
P1 – Entendi. Está certo. E a senhora tem quantos irmãos?
R1 – No total somos em oito, mas nós somos três __________ (04:30).
P1 – E quando a senhora nasceu, a senhora ainda morava lá em Minas? Eu não ouvi a primeira resposta.
R1 – Sim, morava lá.
P1 – Veio pra Rio Preto com quantos anos, mais ou menos?
R1 – Nós viemos, na verdade, pra Fernandópolis, não foi pra São José do Rio Preto. Eu me casei em Fernandópolis e eu vim pra São José do Rio Preto tem quarenta anos.
P1 – Entendi. E o que a senhora lembra, de quando a senhora era criança? Primeiro lá na zona rural, depois em Fernandópolis, onde a senhora deve ter crescido, né? O que a senhora lembra da convivência com a família, como era o ambiente? O que a senhora lembra da infância?
R1 – Minha família é bem unida, morava numa casa lá em Fernandópolis, de quatro cômodos e às vezes vinha toda a família lá da fazenda, dormia todo mundo no chão, mas sempre todo mundo muito unido.
P1 – E as brincadeiras?
R1 – Começamos a trabalhar todo mundo muito novo. Eu comecei a trabalhar com oito anos.
P1 – Naquela época, na zona rural era assim, né? Com oito anos já ia todo mundo trabalhar. E a senhora lembra das brincadeiras que existiam? Porque é tudo diferente de hoje, né? O que a senhora fazia? Passava no rio, nadava, pescava? O que fazia?
R1 – Minhas filhas nem sabiam, que a gente falava _________ (06:12) essas coisas.
P1 – Muito bom. Aí a senhora começou a estudar já em Fernandópolis?
R1 – Em Fernandópolis.
P1 – E como é que foi?
R1 – Só o primário, até a quarta série, que era o quarto ano.
P1 – Aí, lá em Fernandópolis, o que a senhora lembra de lá, assim? Como é que era a cidade? A senhora ia a pé pra escola? Como era?
R1 – Era a pé, era terra, não tinha asfalto, eram muito poucas pessoas que tinham condição, então a gente ficava na rua, em frente a casa em construção. Geladeira eram poucas pessoas que tinham uma, só os mais privilegiados... privilegiados, não, que tinham condição.
P1 – O seu pai fazia o que, de profissão, em Fernandópolis?
R1 – Meu pai era carpinteiro.
P1 – E devia ser um bom profissional, né? Na época era muito requisitado o carpinteiro. Tudo era de madeira, né?
R1 – É.
P1 – E como foi a vida da senhora na escola? A senhora estudava onde e gostava de quais matérias?
R1 – Eu estudava na Brasilândia, no Colégio Brasilândia, num bairro lá de Fernandópolis. E, olha, o que eu mais gostava, mesmo, era de redação, de História, essas coisas.
P1 – Ah, que legal! E, durante a escola, conforme a senhora foi crescendo, a senhora tinha algum trabalho junto ou só estudava?
R1 – Não, eu trabalhava. A gente escolhia café nas máquinas. Tinha máquina que beneficiava café, a gente separava os bons dos ruins. Eu comecei a trabalhar com oito anos. Então, a gente ganhava uma fichinha de cada saco que você enchia e daí trocava aquele saco, pra receber. Então, a gente trabalhava.
P1 – Ah, que legal! E aí, como era seu dia? De manhã a senhora ia pra escola e de tarde trabalhava na máquina de café? Como é que era?
R1 – É. De manhã ia pra escola, à tarde eu trabalhava e à noite a gente brincava na rua. (risos)
P1 – E quais eram as brincadeiras lá em Fernandópolis? Tinha alguma que não existe mais?
R1 – A rua que eu morava ainda existe. Até há pouco tempo ___________ (09:00). Eu brincava muito de passa anel; de circo, adorava brincar de circo. (risos) Que quando _________ (09:09) era uma festa, né? Então, é o que a gente conhecia de arte, tal. Então, a meninada ficava brincando de circo.
P1 – E, na época, tinha muitos circos, né? Ele ia lá em Fernandópolis? A senhora lembra de ir ao circo?
R1 – Lembro, porque aí, logo, eu já começava a vender as coisas no circo, pra poder ir todos os dias, né? No circo vendia uns doces, pirulitos. Então, eu logo entrava, já, pra poder ir vender, me oferecia pra vender, pra estar todos os dias no circo.
P1 – Certo. E onde que a senhora arrumava os produtos pra vender? A senhora fazia?
R1 – Era deles, mesmo. O pessoal do circo que fazia.
P1 – Ah, e a senhora vendia. Entendi.
R1 – Aqueles pirulitos...
P1 – Sei. E aí, como é que foi? A senhora cresceu, fez a escola até o final e continuou...
R1 – Só até a quarta série, até o quarto ano, né? Só o primário.
P1 – Entendi. E depois a senhora fez o quê? Continuou trabalhando, só, depois do quarto ano?
R1 – Só continuei trabalhando. Aí eu casei com 17 anos.
P1 – E a senhora trabalhou sempre nessa máquina de escolher café?
R1 – Depois, quando eu estava com 14 anos ____________ (10:35).
P1 - Ah, que legal! Bom, Dona Maria, e depois? A senhora, depois da máquina de café, eu não consegui ouvir o que a senhora foi trabalhar.
R1 – No Mercado Lusitano.
P1 – Morava todo mundo junto lá em Fernandópolis, os oito irmãos?
R1 – Morava todo mundo.
P1 – Como era morar com oito irmãos? Você e mais sete, né?
R1 – Na verdade, tinha uma irmã que era casada, morava com a gente e eu tinha perdido dois irmãos, então nós morávamos em cinco, né?
P1 – Tá legal. E aí, a senhora disse que se casou aos 17 anos, né?
R1 – Isso.
P1 – Como a senhora encontrou o esposo da senhora, o seu marido?
R1 – Eu o conheci em Ituiutaba.
P1 – E aí vocês começaram a morar na mesma cidade ou precisou se corresponder por carta? Como que foi?
R1 – Ele ia em casa uma vez por mês.
P1 – Entendi. Aí a senhora se casou e foi morar onde?
R1 - Aí nós moramos uma época em Ituiutaba, Minas, que é de onde ele era, depois nós viemos pra Tanabi, que é aqui perto e, de Tanabi, viemos pra cá.
P1 - E o que o seu marido fazia?
R1 – Ele era representante de pneu, viajava.
P1 – Entendi. Aí a senhora foi morar em Tanabi? O que a senhora foi fazer lá em Tanabi?
R1 – De Tanabi nós ficamos pouco tempo e viemos pra São José do Rio Preto, que é onde ele trabalhava, com representação de pneus.
P1 – Sim. E a senhora ficou como dona de casa ou arrumou emprego em Tanabi?
R1 – Trabalhei de doméstica logo que nós viemos mudar em São José do Rio Preto, uns três anos. Quando eu parei de trabalhar de doméstica, eu comecei a vender rosca, pão, salgadinho, de bicicleta. Eu fazia em casa e vendia.
P1 – Ah, interessante! Em Rio Preto, a senhora e seu marido foram morar onde?
R1 – Em Eldorado.
P1 – Jardim Eldorado, sei. E como era lá o bairro? Devia ser muito diferente de hoje.
R1 – Muito, muito. Completamente. Não tinha asfalto também, era bem (risos) diferente.
P1 – Está certo. E a senhora vendia as roscas, essas comidas, andando de bicicleta o dia inteiro, pelos bairros?
R1 – É. Entregava salgadinho nos bares de manhã, à tarde eu entregava sonho e saía, vendia rosca de porta em porta. O biscoito de polvilho, na época eu vendia por receita. Aí uma receita dava uma lata, daquelas grandes, de tampa, né?
P1 – Sei. Muito bom.
R1 – Aí, quando estava com 28 anos, foi quando meu marido faleceu, aí eu comecei a buscar mais... eu trabalhava numa padaria à noite e durante o dia eu fazia bolachinhas e ia vender.
P1 – Sim. E esses que a senhora vendia de bicicleta não era a senhora que fazia? A senhora comprava pra vender ou fazia?
R1 – Sim, era eu que fazia. Não, eu que fazia. Sempre fui que fiz. (risos)
P1 – E a senhora aprendeu como a fazer tantas coisas, assim, boas?
R1 – Olha, nunca fiz nenhum curso, nem existia internet, nada pra falar que... eu gosto. (risos)
P1 – Muito bom. A senhora pegou receita com algum parente, viu em alguma revista?
R1 – Não, não.
P1 – Foi tudo da cabeça? Inventou?
R1 – É. Por exemplo: alguma coisa vai vendo uma coisa aqui, tira uma ideia dali, que hoje tem essa facilidade, mas antes não tinha. Eu tenho bolachinhas, por exemplo, que é uma das que eu mais vendo hoje, que eu tinha na cabeça como eu queria que ela fosse, mas eu não sabia como. Aí, pra fazer, antes disso eu criei mais três, mas não era aquela que eu queria chegar, até chegar onde eu queria, né? E, assim, no começo... hoje tem bastante funcionárias que fazem, mas antes eu não gostava que ninguém punha a mão, tinha que ser do meu jeito, eu que tinha que fazer.
P1 – E a senhora tinha uma cozinha muito grande pra fazer tudo isso na casa? Como era?
R1 – Não. Depois que meu marido faleceu, eu fiquei morando uma época com a minha mãe, depois eu aluguei uma casa que tinha dois cômodos. (risos) Então, assim, era ________ (17:25) era fora da casa. Então, eu fiz o primeiro panetone, deve ter o quê? Mais de trinta anos. Eu criei o primeiro panetone diferente, que hoje tem mais de sessenta sabores, quatro panetones no meu forninho e tinha que fazer quatro de cada vez. Aí minha mãe deu o fogão dela, então já dava pra fazer oito panetones de cada vez, né? Aí fazia, nessa época eu tinha comprado um Fusca, aí eu ia fazer entrega.
P1 – E, Dona Maria, como foi essa evolução? A senhora começou vendendo de bicicleta. Como a senhora arrumou tantos clientes, assim? É claro que os seus produtos devem ser muito bons, mas como a senhora fazia propaganda e ficava conhecida, pra ter tantos lugares, padarias, negócios pra entregar?
R1 – Eu dava sempre pra experimentar.
P1 – Ah, dava (risos) de graça, pra experimentar? Muito bom.
R1 – Acho que eu nem tinha muito essa noção que tinha que ter empresa, essas coisas. Eu fui vender na Secretaria da Fazenda, na Receita Federal, eram todos prédios muito grandes, que trabalhavam funcionários, aí eu dava pra beliscar, um passava pro outro e, depois de alguns anos, eu fiz muitas feiras também, essas feiras de indústrias, que tinha antigamente, parece que hoje nem tem mais, então eu viajava muito, enchia o carro, feira em Belo Horizonte, São Paulo, Ribeirão. Onde tinha feira eu... aí ficou bem conhecido, até foi por aí que ficou Maria Bolacha. O pessoal falava: “A Maria Bolacha está aqui, alguém quer comprar?”
P1 – Nessa época a senhora já tinha uma marca, assim, com esse nome? Um desenho?
R1 – Não. Como não tinha marca, nem nada, o pessoal colocava no estande. A gente ficava num estande, aí o pessoal tinha que pôr um nome no estande. Aí punha Maria Bolacha.
P1 – Então, o nome da empresa da senhora foi dado pelos próprios consumidores, clientes. Que bom! Primeiro a senhora fazia tudo em casa, mesmo? A casa que a senhora alugou depois que seu marido faleceu. Como é que a senhora evoluiu pra ter a empresa? Não sei onde que a senhora trabalha hoje, mas a senhora alugou um lugar?
R1 – Faz 24 anos que eu estou nesse local que eu estou hoje. Sempre que eu passava... essa é uma casinha rosa, de esquina e sempre que eu passava, eu via essa casinha rosa e eu falava: “Nossa! Combina com a Maria Bolacha, pra ser uma...”. Acabei alugando aqui e estou aqui já há 24 anos.
P1 – Certo. E aí a senhora começou a aumentar a produção, né? A senhora arrumou mais ajudante?
R1 – Sim. Hoje, na área de produção, está com oito funcionários. Já tive bem mais. Depois, com tudo isso que está acontecendo e tal, né? Mas já tive bem mais.
P1 – A senhora chegou a ter quantos funcionários na época melhor, antes da pandemia?
R1 – Tive, contando direto e indireto, assim, uns 22.
P1 – Olha! Vinte e dois funcionários! E, Dona Maria, não adianta aumentar a produção se não tiver onde vender, né? Aí a senhora começou a vender pra quem, assim? Pra ter vinte e tantos funcionários tinha uma produção muito grande e tinha que levar pros lugares. Pra onde que foi?
R1 - ____________ (21:48) as pessoas de outras cidades compravam pra revender. Hoje tem em Jales, Santa fé, pessoas que compram, pra revender.
P1 – E a senhora tem o sistema de entrega?
R1 – Tenho.
P1 - Como que é?
R1 – Mototáxi que faz entrega.
P1 – E a senhora vende no varejo e no atacado também?
R1 – Varejo e atacado.
P1 – E quem são seus clientes, que a senhora gosta mais, assim? Padaria... o que é?
R1 – Não, eu não tenho padaria. O meu produto não é pra padaria. São produtos que são mais caros, então mais é café, lugar mais fino, assim.
P1 – Ah, que legal! Sim. E a senhora tem muito cliente individual, assim? Se eu estiver na minha casa...
R1 – É o que eu mais tenho. (risos)
P1 – E como a senhora faz, nos últimos tempos aí, propaganda pras pessoas conhecerem?
R1 – Tudo zap, Instagram. (risos)
P1 – A senhora usa zap, Instagram?
R1 – Uso.
P1 – Tem Face Maria Bolacha? Tem Facebook?
R1 – Tem Facebook, Instagram.
P1 – Ah, que legal! E quem cuida dessa parte pra senhora? A senhora mesma?
R1 – Não. Quem cuida da parte do Instagram e do Facebook é minha filha. Eu cuido do meu. Do meu eu estou o tempo inteiro também, que as pessoas já me conhecem, sabem quem eu sou e então eu estou o tempo inteiro, também, divulgando. O meu é Maria Araújo.
P1 – Sei. Quando a senhora inventa uma receita nova, a senhora já põe lá no Facebook, pra chamar a atenção?
R1 – Isso. Sim. Eu criei um biscoito que é vegetariano... vegano, aliás e com baixo valor calórico e tal, então é bem divulgado. Ontem saiu torrada integral. Então, é assim: a gente tenta adequar, que hoje muitas pessoas são alérgicas, não podem isso, não pode glúten, outros lactose, então outro está de dieta, enfim, a gente vai fazer aquilo que o cliente está precisando e procurando.
P1 – Entendi. E a senhora já chegou a anunciar no rádio, no jornal, algum lugar assim, televisão?
R1 – Já saí em várias reportagens, em jornal, televisão, revista, mas não propaganda paga. Reportagens que vieram fazer.
P1 – Foram aí e falaram com a senhora. Entendi.
R1 – Todo ano, no final do ano, vem televisão fazer, do panetone, então, mas não que seja pago, né? São reportagens que vieram fazer.
P1 – Entendi. E, pra senhora, qual a parte mais difícil: crias as receitas, fazer as receitas, colocar o preço... porque o comerciante tem que ter uma sabedoria e saber quanto cobrar, pra quem vender, de quem comprar o material que vai fazer o bolo ou o panetone. O que é o mais difícil, pra senhora?
R1 – O mais difícil... uma vez eu fui fazer uma consultoria pra uma pessoa que trabalha, eu falei: “Puxa, eu vendo bem, bastante, trabalho, eu que vou ao mercado, vou ver preço onde está mais barato, onde tem uma promoção, vou no outro e tal e não tem dinheiro”. (risos) Ela falou: “Não tem dinheiro?”. Aí eu falei: “O mais difícil pra mim...”, essa pessoa me falou uma coisa que, na hora eu me emocionei, porque realmente é bem assim, ele falou assim: “Todo artista não sabe pôr preço na arte dele”.
P1 – É verdade.
R1 – Então, eu fico tão feliz das pessoas virem comprar, sabe, que aí eu acabo dando um desconto. Até a Mércia, minha companheira de trabalho, fala: “Maria, a gente está precisando e você dá esse desconto, desse jeito”. E já faz um tempão que tudo sobe, subiu tudo, né? Então, eu uso muito creme de leite, muito, minha base é muito creme de leite, manteiga. Eu não uso margarina, essas coisas e era oito reais o quilo, hoje está vinte e quatro, trinta. Então, eu acho que, assim: eu fico tão feliz das pessoas gostarem, que eu quero ________ (26:40), entendeu? (risos)
P1 – Entendi. Dona Maria, a senhora tem quantos filhos? Ou filhas.
R1 – Tenho duas filhas e dois netos.
P1 – E eles ajudam?
R1 – A minha filha mais velha trabalhava comigo, antes. Ela é nutricionista. Hoje não trabalha mais. E a mais nova cuida da parte do financeiro e ela, além de ter feito Administração, é também terapeuta quântica e tem a clínica dela, que ela atende. Ela é tradutora. Então, ela cuida mesmo nas horas entre um cliente e outro, do serviço lá, ela está aqui.
P1 – A parte financeira precisa de uma ajuda, né? Porque a parte financeira é uma ciência, né? É difícil. Por mais que a pessoa faça comida muito boa, produtos muito bons, se errar a mão ali, da contabilidade, é perigoso, né?
R1 – É. Verdade.
P1 – Dona Maria, a senhora conseguiu formar duas filhas na faculdade, fazendo seus produtos?
R1 – Sim. Várias pessoas que trabalharam comigo que hoje têm empresa, aprenderam aqui.
P1 – É mesmo? Olha!
R1 – São, inclusive, primas minhas, que eu trouxe lá de Minas pra cá, vieram parar comigo, trabalhar comigo e hoje elas têm a empresa delas. Acaba inspirando outras pessoas, né?
P1 – Sim. Excelente! Dona Maria, desde o ano passado começou essa pandemia do vírus aí, da covid. Como que a senhora enfrentou esse desafio? Porque mudou tudo de uma hora pra outra. Como que foi pra senhora?
R1 – Olha, eu, pra ser bem sincera, nunca toquei nisso, nesse difícil porque, sabe? Então, as pessoas chegam aqui: “E aí, tudo bem?” “Cada vez melhor”, sabe? Não tive medo porque eu vou no mercado, que eu tenho mais de sessenta anos. Não, eu vou trabalhar ______ (29:34). É lógico: cai as vendas? Cai, com certeza. Acho que pra todo _______ (29:40). Então, nós vamos equilibrar. Às vezes, a maior dificuldade que eu tive foi com os funcionários.
P1 – Isso foi o mais difícil. Foi com os funcionários. Mas a senhora tem mais cliente que vai aí na loja ou de entrega?
R1 – Não. Que vêm aqui.
P1 - Que vão aí?
R1 – É.
P1 – Aí teve que fechar? Foi obrigado a fechar?
R1 - Eu fechei só cinco dias, agora, no finalzinho de março.
P1 – Aí o resto ficou aberto, foi o cliente aí, tudo bem?
R1 – É. Aí, na última semana, a gente estava atendendo só delivery e o pessoal, que não podia entrar.
P1 – Ah, tinha que ficar lá fora?
R1 – É.
P1 – Pelo que eu conversei com muitos outros comerciantes aí de Rio Preto e de Ribeirão também, aumentou bastante o delivery, os pedidos pra levar pra casa. Aumentou pra senhora também?
R1 – Aumentou bastante. Antes de eu ir embora eu ponho no zap alguma coisa que tem aqui, eu levo pra quem quiser, entrego, não cobro entrega, se é caminho, que eu estou indo embora. Até mesmo pra vizinhos, que eu nunca oferecia nada, eu comecei a oferecer, aí um pede uma coisa ou outra.
P1 – Sim, entendi.
R1 – O que mudou muito pra mim foi, por exemplo: tinha aquelas mães que passavam pra pegar lanche, que iam na natação, passavam com o filho, iam pra escola, passavam com o filho, que hoje não tem. E muitos comerciantes que compravam pra oferecer pros clientes deles. Eu vendia pras boutiques, lojas, clínicas médicas, compravam pra oferecer pro cliente. Hoje esse cliente diminuiu, porque ele não está trabalhando, né? Mas a gente tem o pessoal que está em casa ainda. (risos) Não está saindo, mas vai comer.
P1 – É. Verdade. Entendi. Wiliam, você tem alguma pergunta também?
P2 – Tenho, sim. Tenho algumas. Dona Maria, você falou que seu pai foi carpinteiro. Como você lembra? Você lembra das cadeiras, mesas, o que ele fazia, assim?
R1 – Eu tenho até mesa em casa que ele fez pra mim.
P2 – Ah, é? (risos) E dura?
R1 – Sim. É linda a mesa nossa. Ele fez mesa pras minhas filhas. Fez uma mesa pra eu amassar o biscoito, porque daí, nessa, fica mais fácil, que são aquelas _______ (32:45), tal. Eu me lembro. Mas meu pai, assim, nos últimos anos de vida dele, eu comprei uma banca no Mercado Municipal. Então, ele ficou lá com uma banca de biscoito, muitos anos. Então, ele era muito conhecido lá e muito querido, né? Aí trabalhava com a banca, vendendo bolacha.
P1 – Certo.
P2 – E pra amassar a massa dos biscoitos, precisa ter um lugar grande também, um espaço pra colocar na mesa, na banca, sei lá.
R1- Tem que ter espaço. É, eu tenho um espaço aqui da área de produção, mas na época não, né? Era em casa. Quando eu decidi embalar tudo em saco plástico, não precisava de lata, meu Deus, foi uma alegria. (risos)
P2 – Ah, usava lata, antes?
R1 – Era lata. Aquelas latas de tampa.
P2 – Sei.
R1 – Eu não pesava. Era vendido por receita, né?
P2 – Hum hum. Sei. Minha mãe tem umas latas dessas. Vinha menos quantidade, mais que hoje? Como era?
R1 – Não. São aquelas latas de 18 litros, sabe?
P2 – Ah, era grande, então! (risos)
R1 – Grande, era.
P2 – Era bastante. A senhora falou que entregava de bicicleta. Como era a bicicleta, antes? Tinha cestinha?
R1 – Tinha cesta na bicicleta.
P2 – Ficava na frente ou atrás?
R1 – Atrás e na frente.
P2 - Ah, eram duas?
R1 – Tinha duas cestas.
P1 – Como fazia na subida?
R1 – Aí tinha que empurrar, né? (risos)
P2 – A senhora ia testando as receitas ______ (35:24)?
R1 – Se eu ia testando? Ah, sim.
P2 – Isso. Uma, depois outra, deu certo, isso aqui eu gostei, isso aqui eu não gostei...
R1 – Dou pras pessoas experimentarem. Eu faço isso até hoje. Eu faço uma coisa diferente, eu dou pro cliente experimentar. Ele que vai saber se é bom ou não.
P2 – Eles que vão dar o veredito. (risos)
R1 – É. Pra você ter uma ideia, aqui... não sei se dá pra virar a câmera... agora eu estou com cliente lá fora, esperando pra ser atendido. Não pode entrar muito. Então, eu já faço os pacotinhos e dou de degustação.
P2 – Ah, que maravilha! (risos)
P1 – É um jeito de atrair.
P2 – É.
R1 – E ele não ficarem tão entediados de esperar, né? (risos)
P1 – Sim. E experimenta, já. Já experimenta, já pode querer _________ (36:19).
R1 – Com certeza.
P2 – E, Dona Maria, as suas filhas, como elas vêm o futuro da loja? Elas pretendem continuar?
R1 – Olha, sinceramente, eu acho que não. (risos)
P1 – Mas e a senhora, não pretende aumentar a loja, abrir filiais em outras cidades, por exemplo, que ia vender bastante?
R1 – Claro que eu quero. Meu sonho é ter Maria Bolacha no mundo todo! Eu cheguei a fazer franquias. É que fecharam, com a pandemia, né? Vendi uma e Brasília, duas em São José do Rio Preto.
P1 – A senhora teve, já, então, em outras cidades, em Brasília?
R1 – Isso foi há um ano... foi antes da pandemia. Aí, quando começou a pandemia, fecharam todas.
P1 – Bom, mas a pandemia vai acabar, logo mais, com as vacinas, né? Aí a senhora vai voltar a expandir a loja?
R1 – Eu meio que me desencantei com franquia, viu?
P1 – É mesmo? É ruim? Por que a senhora não gostou?
R1 – Ah, não sei. Eu fico meio que... eu acho que hoje eu penso... não sei, vamos ver. Mas acho que talvez eu abrir em outros lugares, sabe?
P1 - Sim. Não franquias. Loja da senhora.
R1 – Loja minha. Tem algumas empresas, assim, que eu admiro muito, eu falo: “Um dia eu quero chegar lá”. Você vê aqueles comerciais, aquelas coisas e você vai conhecer a empresa e fala: “Poxa vida!”. E aí eu descobri que essas empresas também não são franquias. Eu falei: “Então, é possível a gente expandir, sem ter que ser franquia”. Essas três que eu vendi aconteceu, assim... não sei, não foi... não sei, eu não sei dizer. (risos) Mas não é o que eu quero, agora.
P1 – Sei, entendi.
P2 – Essas franquias usavam as receitas da senhora, né? Ou não?
R1 – Eu mandava tudo pronto. Era tudo pronto. Na verdade, foram vendidas umas bikes bem legais, bem bonitas, aí um dia eu vou lá, tinha um baita de um shopping.
P2 – Essas bikes eram personalizadas, com o nome da loja?
R1 – Sim. Se você entrar no Instagram da Maria Bolacha, eu acho que ainda deve ter alguma foto lá.
P2 – Ah, quero ver, sim.
R1 – Eu não sei se dá pra você ver, espera um pouquinho. Não sei como eu faço pra mostrar, ó. Dá pra ver?
P2 – Dá, sim. Hum hum.
R1 – Essa é daqui seria a loja, essa, então seria o modelo.
P2 – Sim.
R1 – E essa daqui é a bike.
P2 – Ah, um carrinho bike, né?
R1 – Isso.
P2 – Sim, muito bonita.
R1 – Dessa aqui foram três que foram vendidas, da bike. Aí as massas seriam assim: cada pessoa vinha aprender a fazer. Essa eu não cheguei ainda a fazer nenhuma. Só as bikes.
P2 – Muito bonito o design, bem fácil.
R1 – Eu acho.
P2 – Linda. Dona Maria, e os produtos? Como são essas bolachinhas? Tem várias? Como elas são?
R1 – Ah, tem muitos tipos. (risos) No total, só de panetone, tem mais de sessenta tipos.
P2 – Sessenta tipos?
R1 – É.
P2 – Uau! Nossa!
R1 – Bolachas também eu tenho uma variedade bem grande.
P2 – Elas são recheadas?
R1 – Tem vários tipos. Tem roscas, pães, fatia húngara... essa aqui é uma fatia húngara.
P2 – Hummmmmmmmmm.
P1 – Me dá uma rosca de chocolate, aí, Mércia. Melhor vocês virem aqui, experimentar, tá bom? Vocês vão ganhar um saquinho também.
P2 – Ah, eu quero, hein! (risos)
R1 – Acho que é melhor vocês virem, tá, porque é muita coisa. (risos)
P2 – Sim, sim.
P1 – Dona Maria, a senhora, hoje, então, está só com essa loja, é a loja onde fabrica tudo mesmo, né?
R1 – Só essa loja. Sim.
P1 – E essas bicicletas aí voltaram pra onde? Onde é que elas estão, essas bicicletas, hoje?
R1 – A bicicleta, quem compra é a pessoa que franqueou, né? Eu só pedi pra que tirasse o nome. Eu poderia ter pegado de volta, porque todo mundo não cumpriu, ninguém cumpriu aquele acordo, __________ (42:37) um ano. O primeiro problema que teve já... então, eu preferi entrar em acordo: acabou, acabou, pronto, só tira o nome e segue.
P1 – Dona Maria, e pessoalmente, o que a senhora sonha pro futuro? O que a senhora gosta de fazer? O que a senhora pensa?
R1 – Eu gosto, eu adoro trabalhar.
P1 – Mas e quando não está trabalhando, a senhora gosta de fazer o quê? Ouvir música, passear?
R1 – Adoro curtir meus netos.
P1 – (risos) Quantos netos a senhora tem?
R1 – Tenho dois.
P2 – Quantos anos têm, já?
R1 – _________ (43:32) e quatro. O mais velho fala que ele vai cuidar da Maria Bolacha. (risos)
P1 – Já tem o sucessor.
R1 – É. (risos)
P1 – Então, Dona Maria, quando terminar a pandemia, a senhora pensa em abrir aí, em Rio Preto, pelo menos ____ (44:10) negócio?
R1 – Penso em abrir outro, isso. É que falhou muito.
P1 – É, mas sua, mesmo.
R1 – Ah, sim, com certeza. Porque o lugar que eu mais vendi até hoje, por incrível que pareça, quando eu fazia feira, foi em Marília. Eu vim duas vezes aqui, no dia, buscar uma assadeira cheia de bolacha, numa feira que eu fiz lá. Então, eu penso em abrir uma em Marília; abrir em lugar frio, igual Campos do Jordão, acho que combina. Enfim, _______ (44:50) abrir tem vários. (risos)
P2 – Abrir em Bauru. (risos)
R1 – Também.
P1 – Abre aqui em Bauru.
R1 – Você sabe que eu fiz muita feira em Bauru.
P1 – Fez?
R1 – Acho que é Luso, que chama, em Bauru. É isso?
P1 – Sim. Tinha feira de comida, lá.
R1 – Eu fazia muita feira, lá. E tinha um café aí também, que revendia, eu ia entregar aí toda semana.
P1 – Ah, é o Fran’s Café?
R1 – Eu não me lembro o nome.
P1 – É um Café chique que tem. Deve ser. Essas feiras que a senhora participava eram específicas pra doce, panetone e bolacha?
R1 – Não, não. Feira de indústria, de roupa... todas as feiras têm uma parte de comida, não tem? Ou tinha, antigamente. Hoje eu não sei.
P1 – Tem.
R1 – Eu estava em todas. Até esse ____________ (45:50) exposição de animais, essas coisas, eu estava lá também, vendendo.
P1 – Entendi. A senhora gostaria de dar algum recado pra gente sobre a sua profissão, sobre o seu comércio, que a gente ainda não perguntou pra senhora?
R1 – Sobre a minha profissão eu acredito que eu sempre tento, assim, levar amor pras crianças através do alimento. Eu sempre falo pra Deus e as pessoas, porque uma das coisas mais maravilhosas que Deus deu pro ser humano foi ____________ (46:33).Tanto eu falo pras todas as meninas que trabalham comigo: “Não desperdiça nada, com carinho e amor. Esse trigo, pra chegar até a gente, em quantas mãos não passou? E a pessoa que vai comer sentir realmente um sabor especial, que tem Deus”. Então, eu acho que, por mais desgaste que a gente passa, a gente amando, consegue levar pras pessoas esse amor. Sabe, eu vejo que tem muitas pessoas que copiam, por exemplo, a bolachinha de leite condensado que eu criei, que é uma das bolachas que eu mais vendo. Só que as pessoas não ___________ (47:10) do leite condensado, que é barato. Eu já uso leite condensado da Nestlé, que é o melhor. Porque eu quero o melhor pras pessoas. Então, às vezes, falta um pouco desse negócio financeiro, né? (risos) Eu sempre quero oferecer o melhor.
P1 – Sim, muito bom. Às vezes não vende tanto em quantidade, mas vende em qualidade, né? Nesse caso.
R1 – Com certeza.
P1 – Dona Maria, eu gostaria de agradecer muito a entrevista da senhora e dizer que o nosso fotógrafo aí de Ribeirão Preto vai ligar pra senhora, não hoje, mas esses dias aí pra frente, pra fazer uma sessão de fotos com a senhora aí na loja e, se a senhora tiver fotos antigas, de quando a senhora começou o seu negócio, lá atrás, na sua outra casa, que puder emprestar pra ele copiar e te devolver, é pra quando sair o livro, tiver lá.
R1 – De lá eu não vou ter, mas eu tenho vários, assim, de jornal, revista, de pessoas que fizeram reportagens há muitos anos.
P1 – Isso serve. Que aí a gente copia e vai ficar junto com a sua entrevista no portal, vai ficar no site do Sesc e, futuramente, quando sair o livro sobre a história do comércio de Rio Preto, também a gente usa, pra compor as fotografias do que a senhora falou aí. Tá bom? Tá legal?
R1 – Tá ótimo!
P1 - Então tá, agradeço muito...
R1 – Estou esperando vocês aqui, pra experimentar, viu?
P1 – Quando eu estiver aí em Rio Preto, eu vou. Eu estava sempre aí, antes de começar a pandemia, quase toda semana eu estava aí, mas eu não conhecia o seu negócio ainda.
P2 – A gente quer conhecer.
R1 – É o Sesc aqui, de São José do Rio Preto?
P1 – Isso. Eu estava sempre aí. É o Sesc. Isso mesmo.
R1 – Pertinho daqui. É perto daqui.
P1 – É pertinho?
R1 – É. Antigamente eles pegavam muuuuuuita bolachinha, pra servir lá, em eventos. Já fiz muita coisa pra eles.
P1 – Ah, é? Que bom! Lá é muito gostoso. E eu faço questão: quando eu estiver aí em Rio Preto, eu vou visitar a senhora aí e vou comer seu panetone. Muito obrigado, viu?
R1 – Obrigada! Obrigada! Uma boa tarde pra vocês!
P2 – Tchau, tchau, Dona Maria!
R1 – Obrigada!
P1 – Obrigado!
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