Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt, a Dolinha, nasceu em 18 de maio de 1948 em Santa Bárbara, Minas Gerais, “uma cidade nas montanhas, muito fria e que até hoje conserva muitos vestígios do período da exploração do ouro”. Aos cinco anos de idade sua família mudou para Belo Horizonte, onde o seu pai foi convidado pelo presidente Juscelino Kubitscheck para atuar na Novacap, a companhia que edificaria a nova capital do país, e então a sua família passou a morar em Brasília. Lá ela viveu praticamente toda a sua infância e juventude, mudando para Curitiba em 1972, quando se casou.
Brincando nos montes de terra que dariam origem à capital do Brasil, onde era construído o Congresso Nacional, Dolinha viveu a experiência daquele momento, de um “Brasil se fazendo pela força do trabalho”. A essa experiência ela atribui a sua personalidade, que a impede de “ter muita paciência com os pactos de mediocridade”. Ela se define como uma empreendedora, que gosta de estar nessa relação com o “fazer, com o mudar, com ir para frente”. Destaca a relação complexa que teve com o pai, de quem teria herdado o jeito impaciente e o hábito de “querer estar sempre fazendo coisas”, mas com o qual também mantinha discordâncias ideológicas.
Em Brasília, ela estudou no colégio Júlia Kubitschek, cuja proposta de ensino era inspirada na Escola Nova, onde “tinha piscina, tinha campo de vôlei, uma coisa fantástica, uma escola pública. E as professoras que davam aula ali, iam primeiro fazer o curso lá na Bahia, lá em Salvador”. Após concluir a educação básica, ela deu continuidade à sua formação em Belo Horizonte, na escola de aplicação da Universidade Federal de Minas Gerais. Porém, essa etapa foi interrompida em 1964, quando o pai a informou que haveria uma “revolução comunista” no país e ela precisaria voltar para Brasília. Ao retornar à capital, ingressou no curso de comunicação pois queria fazer coberturas...
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Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt, a Dolinha, nasceu em 18 de maio de 1948 em Santa Bárbara, Minas Gerais, “uma cidade nas montanhas, muito fria e que até hoje conserva muitos vestígios do período da exploração do ouro”. Aos cinco anos de idade sua família mudou para Belo Horizonte, onde o seu pai foi convidado pelo presidente Juscelino Kubitscheck para atuar na Novacap, a companhia que edificaria a nova capital do país, e então a sua família passou a morar em Brasília. Lá ela viveu praticamente toda a sua infância e juventude, mudando para Curitiba em 1972, quando se casou.
Brincando nos montes de terra que dariam origem à capital do Brasil, onde era construído o Congresso Nacional, Dolinha viveu a experiência daquele momento, de um “Brasil se fazendo pela força do trabalho”. A essa experiência ela atribui a sua personalidade, que a impede de “ter muita paciência com os pactos de mediocridade”. Ela se define como uma empreendedora, que gosta de estar nessa relação com o “fazer, com o mudar, com ir para frente”. Destaca a relação complexa que teve com o pai, de quem teria herdado o jeito impaciente e o hábito de “querer estar sempre fazendo coisas”, mas com o qual também mantinha discordâncias ideológicas.
Em Brasília, ela estudou no colégio Júlia Kubitschek, cuja proposta de ensino era inspirada na Escola Nova, onde “tinha piscina, tinha campo de vôlei, uma coisa fantástica, uma escola pública. E as professoras que davam aula ali, iam primeiro fazer o curso lá na Bahia, lá em Salvador”. Após concluir a educação básica, ela deu continuidade à sua formação em Belo Horizonte, na escola de aplicação da Universidade Federal de Minas Gerais. Porém, essa etapa foi interrompida em 1964, quando o pai a informou que haveria uma “revolução comunista” no país e ela precisaria voltar para Brasília. Ao retornar à capital, ingressou no curso de comunicação pois queria fazer coberturas de guerras, como a do Vietnã. Apesar de não realizar esse plano, viveu outras experiências sociais e políticas ao entrar para o movimento estudantil e também ao ter aulas com figuras como Darcy Ribeiro, Jean-Claude Bernardet e Pedro Moacyr Campos.
No jornalismo, atuou em trabalhos durante o período em que os militares impuseram restrições ao pensamento e às ações: sua família teve terras confiscadas e sofreu outras sequelas daquele contexto de ditadura. Foi em um dos trabalhos realizados nessa época que teve que escrever sobre a Revolução de 1932. Ao perguntar ao pai sobre o episódio, ele disse que ela deveria estudar História. Foi o que fez ao se mudar para Curitiba, onde sofreu um “choque térmico e um choque ideológico”: no curso de História da UFPR teve aulas com professores que ela considerava muito conservadores. Foi convidada para fazer o mestrado, mas desistiu porque não tinha paciência para pesquisar em arquivos. Ela e dois colegas escreveram uma carta ao programa desistindo do curso e foram beber cerveja para comemorar. Decidiu que queria fazer algo ligado à educação e foi lecionar em diferentes escolas, dentre elas uma inspirada no modelo de Summerhill. Atuou também no curso de jornalismo, de onde saiu e com o valor recebido pela rescisão abriu uma livraria infantil, que teve duração efêmera.
Após atuar numa escola privada chamada “Anjo da Guarda”, de orientação piagetiana e que influenciou o ensino em Curitiba, Dolinha foi convidada para desenvolver cursos de formação no município e decidiu prestar concurso público para o magistério, enquanto cursava o mestrado em educação na UFPR. Foi ser alfabetizadora numa escola distante do centro da cidade, num lugar conhecido como Morro dos Piolhentos. Lá conheceu crianças com muitas dificuldades, advindas de um contexto de vulnerabilidade social. Aprendeu a alfabetizar na prática, observando a tentando compreender a realidade dos alunos daquele lugar. Percebeu que a docência é um desafio e professores precisam de liberdade para testar, arriscar, ainda que recebam orientações, mas sem determinações e imposições externas.
A atuação na educação básica foi gerando novos desafios: a professora assumiu projetos na secretaria de educação e, dialogando com pensadores como Demerval Saviani, integrou pesquisas e ações que mobilizaram o ensino de história nas escolas. Cursos de formação de professores eram organizados com a sua participação e essas experiências geraram produções que até hoje marcam a memória e a trajetória de muitos docentes no estado do Paraná e para além de seus limites geográficos. Esse percurso foi marcado por embates teóricos e diferentes perspectivas, desde o marxismo até ideias liberais na educação.
Portanto, antes de ingressar na carreira do magistério superior, Dolinha atuou na formação docente durante grande parte dessa trajetória, como professora da educação básica. Ao assumir o cargo de professora do departamento de História da UFPR, na área de teoria, criou uma disciplina sobre historiografia do ensino de história. Procurou Elza Nadai para conversar sobre a intenção de pesquisas sobre os anos iniciais no doutorado. Diante da recusa, aceitou a proposta de investigar sobre a história da educação no Brasil. Sua fonte foram os anais da primeira Conferência Nacional de Educação, de 1927. Nadai veio a falecer e Dolinha voltou ao Paraná, onde cursou o doutorado na UFPR. Passou um tempo na Europa, acompanhando o marido jornalista na cobertura das mudanças políticas na Alemanha no final da Guerra Fria. Lá conheceu acervos que contribuíram muito com a sua tese.
Sua permanência no departamento de História foi breve. Logo migrou para o departamento de Educação, onde desenvolveu ações de extensão envolvendo formação de professores em municípios paranaenses. Uma das produções desses cursos foi a coleção “Recriando Histórias”, em parceria com a professora Tânia Braga. Além desse projeto, desenvolveu outras atividades, sempre ligadas à educação básica. Mais tarde veio a parceria com a professora Marlene Cainelli, com quem trabalha até hoje. Na UFPR passou a investir nas pesquisas no campo do ensino de História, criando o núcleo de estudos sobre currículo no programa de pós-graduação. Logo em seguida, quando foi fazer o pós-doutorado em Lisboa, andou por uma livraria e lá encontrou a tese da professora Isabel Barca. Esse encontro geraria uma longa parceria que se mantém até o tempo presente entre a professora Dolinha e pesquisadores da Educação Histórica. A proposta foi, segundo ela, uma “revolução copernicana” no ensino de história no Brasil, pois trazia novas discussões sobre a didática da história apartada da ideia de transposição. A aproximação com a filosofia da história abriria caminho para a criação do LAPEDUH, em 2003, e desde então se tornou o seu principal espaço de atuação: “um trabalho muito coletivo, e que traz [...], para mim, profissionalmente, uma realização muito grande, porque [...] todo o meu trabalho de ensino, extensão e pesquisa passa a ser orientado por esses olhares”.
Na América Latina, a professora Dolinha vem estabelecendo uma relação com pesquisadores através da Associação Iberoamericana de Educação Histórica, a qual inclui também países europeus. Ela defende que a interação com os pesquisadores espanhóis e portugueses tem sido benéfica para o campo da pesquisa sobre a formação do pensamento histórico, tornando-o mais familiar aos pesquisadores latino-americanos. Recentemente defendeu a sua tese de professora titular, Didática Reconstrutivista da História, que narra a sua trajetória intelectual na busca de compreender como as pessoas, do ponto de vista escolar, podem aprender história. Reafirma que esse é o seu grande sonho: contribuir para entender e ajudar as crianças, jovens a pensar de forma histórica.
A trajetória da professora Dolinha segue inspirando muita gente. Planeja escrever sobre a história do método no ensino de história e segue articulando ações envolvendo diversos grupos de investigadores de diversos países. Ela deseja da vida força para lutar contra, para se indignar, porque se considera uma pessoa passional na sua indignação para mudar. Mas ressalva que tem medo de ir em manifestações porque “não consegue mais correr e tem um pouco de problema de equilíbrio”. Dolinha, para os íntimos ou não, se define, enfim, como uma pessoa impaciente. “É, eu não suporto o pacto da mediocridade, então eu não tenho paciência com a mediocridade sabe, porque eu preciso ser mais paciente. Peço à Nossa Senhora Auxiliadora que me deixe ter mais paciência. Mas é difícil, eu sou muito impaciente”.
Na sua impaciência e inquietude, Dolinha segue produzindo e nos brindando com reflexões originais e provocativas no campo do Ensino de História, sempre fincada no seu tempo e no mundo concreto, mirando a utopia de que o pensamento histórico é chave para a transformação.
Autoria da crônica: Cristiano Nicolini e Maria Cristina Dantas Pina
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