P/1 - Dona Maria, a senhora pode nos contar, então, o nome completo da senhora, o local e a data de nascimento?
R- Maria Aguiar. Olha, meu nome completo é Maria de Lourdes, mas, naquele tempo, a gente não sabia, não tinha leitura. Então, quem me ensinou a fazer o nome foi Dona Célia. E era pra votar. Então, tirou Lourdes e deixou Maria. Então, meu nome completo, não é completo Maria de Lourdes, é Maria Aguiar porque foi tirado. Não tem registro, não tem nada, não é?
P/1 - E a senhora sabe o local que a senhora nasceu? O lugar que a senhora nasceu? Foi em Rubim?
R - Não, na Araruama. É lá na Pedra Formosa, lá no Doutor Almir.
P/1 - Então, Araruama é uma fazenda?
R - É uma fazenda.
P/1 - E a senhora sabe a data de nascimento?
R - 21 de dezembro de 1941.
P/1- E pode contar o nome do pai e da mãe da senhora?
R - Josina Aguiar e Raul Manuel de Aguiar.
P/1 - O que eles faziam, Dona Maria?
R - Trabalho grosseiro. Naquela época, meus pais, minha família é toda baiana. Vinham de Jussiape na Lapa. Naquela época, estava muito difícil. Estava passando até fome. Então, eles vinham passear aqui em Minas. Aí, quando chegaram aqui, os fazendeiros... Eram uma família.
Então, os fazendeiros pegaram eles para eles trabalharem nas fazendas e não voltar mais para Jussiape. Aí, meu pai ficou morando na fazenda onde eu nasci. E a família, alguém também ficou morando lá. Então, o serviço era grosseiro, minha filha. Era qualquer serviço que aparecia naquele tempo, não tinha serviço assim. Minha mãe era lavadeira de roupa. Pegava arroz para pilar. Era alqueires de arroz para pilar. Para pilar café. Para apanhar café nas ponhas de café. E meu pai fazia serviço assim, às vezes, quando uma pessoa chamava para fazer um serviço, ia trabalhar de empreitada, de enxada. Era assim, por que não tinha outra coisa. O serviço era esse, serviço pesado.
P/1 - Então, os dois já vieram de lá casados?
R - Já.
P/1 - Entendi.
P/1 - E quantos...
Continuar leituraP/1 - Dona Maria, a senhora pode nos contar, então, o nome completo da senhora, o local e a data de nascimento?
R- Maria Aguiar. Olha, meu nome completo é Maria de Lourdes, mas, naquele tempo, a gente não sabia, não tinha leitura. Então, quem me ensinou a fazer o nome foi Dona Célia. E era pra votar. Então, tirou Lourdes e deixou Maria. Então, meu nome completo, não é completo Maria de Lourdes, é Maria Aguiar porque foi tirado. Não tem registro, não tem nada, não é?
P/1 - E a senhora sabe o local que a senhora nasceu? O lugar que a senhora nasceu? Foi em Rubim?
R - Não, na Araruama. É lá na Pedra Formosa, lá no Doutor Almir.
P/1 - Então, Araruama é uma fazenda?
R - É uma fazenda.
P/1 - E a senhora sabe a data de nascimento?
R - 21 de dezembro de 1941.
P/1- E pode contar o nome do pai e da mãe da senhora?
R - Josina Aguiar e Raul Manuel de Aguiar.
P/1 - O que eles faziam, Dona Maria?
R - Trabalho grosseiro. Naquela época, meus pais, minha família é toda baiana. Vinham de Jussiape na Lapa. Naquela época, estava muito difícil. Estava passando até fome. Então, eles vinham passear aqui em Minas. Aí, quando chegaram aqui, os fazendeiros... Eram uma família.
Então, os fazendeiros pegaram eles para eles trabalharem nas fazendas e não voltar mais para Jussiape. Aí, meu pai ficou morando na fazenda onde eu nasci. E a família, alguém também ficou morando lá. Então, o serviço era grosseiro, minha filha. Era qualquer serviço que aparecia naquele tempo, não tinha serviço assim. Minha mãe era lavadeira de roupa. Pegava arroz para pilar. Era alqueires de arroz para pilar. Para pilar café. Para apanhar café nas ponhas de café. E meu pai fazia serviço assim, às vezes, quando uma pessoa chamava para fazer um serviço, ia trabalhar de empreitada, de enxada. Era assim, por que não tinha outra coisa. O serviço era esse, serviço pesado.
P/1 - Então, os dois já vieram de lá casados?
R - Já.
P/1 - Entendi.
P/1 - E quantos irmãos a senhora teve, dona Maria. Quantos filhos eles tiveram?
R - Irmão? Oh, minha mãe casou muito nova. Ela teve 13 filhos. Mas morreram. Só ficou três. Eu, uma que mora em Jequitinhonha e um que mora em Teixeira de Freitas.
P/1 - E eles morriam de quê?
R - Nasciam fora de tempo. Minha mãe era muito doente. Naquela época não tinha médico. As pessoas eram sofredoras. Então, morriam de (inaudível).
E um que morreu aos 14 anos, ele foi pegar uns porcos bravos. E aí ele bebeu uma água de ferrugem. Água assim de córrego, que tinha umas taboas. Deu aquela ferrugem. E ele tomou um gole de água. Então, ele já chegou lá em casa sentindo muita dor. E vomitando aquela borra preta. Não durou 24 horas, morreu. 14 anos. Agora ficou eu, e Adão, que mora em Teixeira de Freitas e Maria Isabel, que mora em Jequitinhonha.
P/1 - Então, a senhora morou a infância lá na fazenda?
R - Não. Não. Eu até 9 anos, eu não aguentava de fazer muita coisa. Eu ficava..., eu limpava canteiro de jardim. Dona Helena, que era a mulher de Sr. Ubirajara, que era a mãe da mulher de Doutor Almir, ela tinha muita planta. Então, os canteiros, eu limpava o jardim. E aí ela me dava roupa e sapatos. Aí, quando eu fiquei de 14 anos, eu vim para Rubim. E aí eu... foi quando eu saí daí. Eu estava com 23 anos que eu saí para casar.
P/1 - Então, a senhora não se casou em Rubim?
R - Não. Não, eu não casei em Rubim. Eu casei em Dois de Abril.
P/1 - Em Dois de Abril?
R - É, meus tios moravam lá. E tinham as melhores condições. E o padre Darli, não é mais do seu tempo, mas é do tempo da sua mãe, é que fez aquela igreja ali, em Rubim. Então, ele ia para lá e mandou eu ir para lá e eu fui. Fui de pé para casar.
P/1 - E o seu marido era de Rubim também ou de Dois de Abril?
R - Não, meu marido era de Pedra Azul.
P/1 - E como vocês se conheceram?
R - Porque ele trabalhava, não sei se você já ouviu falar, na família de Sr. Du, Dona Irene. Então, ele trabalhava. Ele chegou de Pedra Azul e ficou trabalhando lá. Ele era trançador, ele era artesão de couro. Aí, ele ia trabalhar, trabalhava lá, ficava um mês lá trabalhando. Era assim, um mês. Onde chamava ele para trabalhar, ele ficava um mês trabalhando. Então, ele trabalhou lá e ficou muito conhecido com eles. E eu tomei conhecimento com ele. E nessa época, a gente ficou namorando. Depois, ele casou e a mulher morreu de parto. Depois. Mas quem primeiro começou a namorar com ele foi eu. Para você ver o destino da pessoa, como é que é. Aí, quando... Aí, eu vim embora para Rubim e ele também ficou trabalhando lá. Acabou. Ele arranjou esse casamento lá em Rio do Prado e casou lá em Rio do Prado. Quando a mulher engravidou ele morava lá na roça. E... Aí, ela ficou muito ruim para ganhar neném. Foi o Dr. Rizério que fez o parto. Mas não teve jeito, ela morreu. E aí, ele ficou. Quando eu voltei a namorar com ele, já tinha três anos que a mulher tinha morrido. Aí eu casei com ele.
P/1 - É o destino.
R - É o destino.
P/1 Quantos filhos vocês tiveram?
R - 10
P/1 - Como é que eles estão hoje?
R - Ó... Tudo...Já está tudo criado, né? Tem aquela ali. Tem a Andressa, que é a caçula. Tem o Adalto. Não sei se você se lembra dele? Chama ele Dau, Arara. Tem Adalmo, tem Adelmo, tem Geraldo.
P/1 - O seu marido era Geraldo também, né?
R- Geraldo Ferreira Porto.
P/1 - Geraldinho que era muito conhecido na cidade, né, por causa do trabalho. Ele lá com o ofício de... fazia... A senhora pode contar o que ele fazia?
R - Trança. Fazia trança, laço, cabresto, um monte de cabresto. Tudo de couro fazia. Bruaca, essas coisas todas. Alforje, tudo ele fazia.
P/1 - A senhora sabe como ele aprendeu esse ofício?
R - Ó... Eu não sei como que ele aprendeu. Mas eu acho, assim, que... Ele aprendeu vendo uma pessoa, às vezes, trançar e aprendeu. Por quê? Quando ele morreu, um dos meus meninos, que é vereador, (inaudível), ele não sabia trançar. Ele não sabia. Aí... Geraldo adoeceu. Foi uma doença muito rápida. Ele adoeceu na terça-feira e morreu na quarta. E foi... Aí ele falou com ele. Quando ele estava já ruim pra morrer, ele falou com ele. ele falou: “Eu vou fazer serviço aqui hoje, terminar esse serviço”, que era de Nelmar de Sr. Nelson Alves. Por quê? “Eu não vou trabalhar não”. E aí ele foi e falou: “por quê? “Eu vou...Eu tô mal e eu vou morrer”.
P/1 - O sr. Geraldo, ele tinha essas coisas assim... Ele rezava?
R - Ele rezava, mas ele não tinha negócio de espírito. Ele era uma pessoa mais assim pra... Como se fosse assim: que ele adivinhava coisas. Era assim. Então, o dia dele morrer, que ele era pra morrer, ele... O menino de Gão tinha nascido. E Joelma levou ele em casa pra rezar. E Dora de Babá foi mais ela. Aí ele falou... Ela falou assim... Ele chegou e falou... Ela falou assim...: “Sr. Geraldo vim trazer meu bebê e o sr. vem rezar”. Ele falou assim... “Pois é. Vou rezar nele, mas você adivinhou, porque eu só vou rezar até hoje”. Aí... Ela falou assim... “O sr. Geraldo, por que você vai rezar até hoje?” “Eu vou fazer, rezar até hoje porque eu vou fazer uma viagem”. Aí Joelma perguntou pra ele assim... “Ô Sr. Geraldo, mas o Sr. vai fazer a viagem? O sr. vai demorar?”. “Porque como é que nós ficamos aqui?” E eu rezava... E ela falou assim... “Pra onde é a viagem?” Ele falou... “Pra Losa”. Pra quem? “O Sr. Losa”. Mostrou o cemitério e falou: “ali pra Losa”. Aí ela falou assim... “Mas, ô Sr. Geraldo, que conversa mais boba essa?”. “Uma conversa mais certa que eu tô falando pra você. Eu só rezo até hoje”. E aí rezou no bebê, ela foi embora e ele ficou terminando o serviço. Quando foi seis horas, ele arruinou. Eu fui pro hospital com ele. Quando foi uma hora da manhã, o doutor José me chamou, falou comigo... "Ô dona Maria, o quadro do sr. Geraldo só tá arruinando. Só tá piorando. E eu vou fazer os papéis, já mandei fazer os papéis dele pra tirar ele pra fora". Eu fui e falei assim: Ô doutor, eu acho que não devia tirar o Geraldo pra fora, porque como o Sr. tá falando, ele tá muito mal. Ele falou, não: "eu quero tirar ele pra fora". Aí ajeitamos a ambulância. Ele falou assim... “Eu não quero. Eu não acho que deve viajar, porque eu não aguento viagem”. Aí ... Não, “vamos lá, Sr. Geraldo, o Sr. aguenta, vai pra Teófilo Otoni, porque lá é melhor pro senhor”. E aí a gente foi. Eu passei na frente lá de casa e falei com os meninos: “meninos, vocês não esperem que seu pai volta vivo”. E aí a gente foi. Quando chegou no posto de saúde, digo, no posto de gasolina, ele falou assim: “Ô Graça”, Graça foi junto com a gente, “ô Graça, aqui é o posto de saúde ... de gasolina”, e Graça falou assim: “é, Sr. Geraldo. Aí ele falou assim: "Ô Graça, eu devia voltar pra casa, porque eu não vou aguentar chegar no Teófilo Otoni”. “Não, Sr. Geraldo, vamos! Nós vamos, o Sr. aguenta”. Quando chegou ali na fazenda de... ele chamava Vaca Velha. Pode falar assim, né? Então ele perguntou assim: Ô Graça, onde é que nós vamos? Ela falou assim... “Nós vamos na fazenda de seu amigo, Vaca Velha”. "Eu não aguento a viagem mais". Não, Sr. Geraldo, vamos! Em duas horas nós chega lá. Quando chegou antes do Guarani, ele estava deitado no meu colo. Ai quando ele olhou assim pra mim... ele só olhou assim pra mim e faleceu. Aí eu falei assim: Õ Guilherme - Guilherme me chamava de mãe e chamava ele de pai. Aí eu falei assim: Ô Guilherme, seu pai faleceu”. “Ah, mãe, a senhora não pode falar uma coisa dessas que pai faleceu. Não, pai desmaiou”. Eu falei: “não, seu pai faleceu”. Aí Graça falou: “realmente, sr. Geraldinho faleceu”. Aí nós voltamos pra trás. (silêncio). E foi desse jeito. Aí ficou... Ficou...Ah, sim, na hora que ele tava ruim, ele falou assim... O Eduardo falou com ele assim: “Uai, sr. Geraldo, e quem vai rezar nós?” Ele falou assim: “Ó, não é muito rápido não, mas pode ter algum da família que vai rezar”.
P/1- E hoje tem, né?
R - Tem. É Glaysson. É. E que é dos mais novos, né? Não sabia fazer um "pelo sinal". Hoje ela reza de tudo quanto é coisa. Ele foi lá rezar na sua mãe. Então...Glaysson também não sabia trançar. Hoje Glaysson faz todas as qualidades de cela que vier pra ele fazer, ele faz. Que o pai dele também não fazia cela. Fazia... trançava só laço. Só ponta-cabeça, essas coisas, cabeça de sela. Ele hoje faz. O que vier pra ele fazer, ele faz.
P/1 - E quando o pai foi vivo, ele não fazia?
R - Ele é um celeiro mesmo, de fama. Para tudo quanto é lugar, ele faz cela.
P/1 - D. Maria a gente vai voltar um pouquinho à infância. Quando a senhora morava com seus pais, era nessa fazenda, né?
R - Sim.
P/1 - Como é que era essa infância? A senhora brincava, gostava de brincar?
R - Sim, gostava. Às vezes, quando pequena, gostava muito de brincar de boneca. Fazer roupa bordada. É aí que eu aprendi a bordar. É aí que fui chegar no fio da meada, né? Eu chegava às vezes nas casas e via uma pessoa bordando. Naquela época, minha família também sabia bordar, sabia fazer tudo. Então, eu ficava olhando. Aí eu fazia nos vestidos das bonecas, nos bordados. Aí... Aí quando eu fui ficando mocinha, de nove anos, aí eu já não tive mais infância. Minha filha, foi pesado trabalhar, pra ajudar pai e mãe, que era doente. Aí, foi essa luta, minha filha. Naquela época, a gente trabalhava nas casas, a gente torrava café, a gente moía o café, a gente matava o porco, a gente cortava o toucinho só, a gente fritava tudo, matava. Fazia tudo. Lavava roupa, alisava, e a roupa era tudo na goma. Encerava casa, era enceradeira, batendo escovão, ou quem tivesse coração ia batendo escovão. E foi assim minha infância. E eu não, eu sou uma pessoa que não tive infância, não. Minha infância foi muito sofrida. Quando eu saí pra casar, eu estava morando com Dona Aninha de Sr. Sanclair. Morava naquela casa, que hoje é de Conceição de Nilzete. Aí eu saí pra casar. Casei, voltei pra roça, morei 14 anos lá na roça, em Sr. Aziz. Aí, quando eu já tinha Adalto, Adelmo, Dalminho e Ronaldo. E o Geraldo falou assim: “Ô, Maria, acho que eu vou comprar uma casa em Rubim, a gente vai mudar pra lá, porque como é que esses meninos pra ir pra escola, não tem quem olha, tem que a gente ir morar lá”. E foi assim. Nós compramos uma casa. Não, compramos um terreno. Fizemos a casa. E a casa, a terra era de Seu Nelsinho. Você conhece? Sim. Seu Nelson vendeu a terra que era na rua. E deixou a terra no fundo da casa dele. Aí, quando o doutor Almir foi prefeito, o doutor Almir falou que a casa tinha que ser cortada, porque a terra era na rua. A terra era naqueles canteiros ali do posto. Nos canteiros do posto, a casa era ali. Aí cortou essa casa. E pra fazer essa casa? Pra fazer essa casa? E Geraldo trabalhando. Trabalhava noite e dia. E eu ajudando. Eu ajudando. Eu acabava as tranças, eu fazia os nós das tranças. Eu ajudava, até perto do dia amanhecer. Na hora que... eu com aquele barrigão sentada no chão. Devia ser o Geraldo pra me levantar, porque eu não aguentava levantar. Ele falava: “Maria, vai dormir. Tá muito tarde pra você ficar aqui desse jeito”. Ele amanhecia dia trabalhando. Foi desse jeito. Quando nós moramos nessa casa, que cortou, não tinha porta. Era o maior sofrimento, minha filha. Aí, porque a gente não podia ficar pagando aluguel, porque a gente também não aguentava o aluguel. Qualquer cantinho que a gente guardasse era melhor, né? As portas eram de couro. As portas eram de couro. [ruído de tosse - meio rouca]. Os couros, que matavam as vacas, partiam os couros no meio e faziam a porta. O pai dele mesmo caçoava de Geraldo lá, porque as portas eram de couro. Quando foi um dia que eu tive o Ronaldo, que é esse que tá doente. Ele foi deitar. Eu lembro de eu estar sentada no barranco, onde que eu estava. E Geraldo trançando. E os meninos tudo assim em roda. E eu sentada e ele sentado. Não tinha luz. Aí ele falou comigo assim, ó mãe, eu tô com sono. Eu falei, vai deitar, meu filho. Aí ele foi deitar. Aí ele chegou na porta do quarto e falou comigo assim, ó mãe. Eu falei: “o quê, meu filho?”. “Ó, aqui tá uma coisa estralando”. Eu falei: “então volta, não vai não”. Deixa que eu vou acender o candeeiro e vou vai lá ver. Aí ele com o candeeiro na mão. Aí eu fui e saí com candeeiro. Quando eu cheguei onde é que ele tava, o cascavel tava com o bote armado pra pular nele, dessa altura assim ó, o cascavel. Aí eu puxei ele pra trás e falei, ó meu filho, é uma cobra ali, ó. Aí o Geraldo foi e matou a cobra. E foi desse jeito. E a gente foi sofrendo, peregrinando, peregrinando, peregrinando, até fizemos nossa casa. Fizemos nossa casa. E hoje, estamos lá. Ele foi, Deus levou e eu fiquei com os filhos.
P/1 - Vocês viveram quantos anos?
R - 45 anos.
P/1 - E hoje a senhora mora lá em Rubim próximo dos seus filhos?
R - Isso. Ficou, ficou fora só tem Juliana, porque ela terminou o estudo dela lá, fez o terceiro ano. E ela veio pra aqui, ela fez jornalismo e fez pós. Aí ela casou e ficou por aqui, né. E os outros ficam lá comigo.Agora, tem Adalto, lá no Rubim tem Adalto. Mora longe, não. Mora todos reunidos, só tem ela que mora longe, que é aqui em Belo Horizonte, né. E tem, dentro de casa tem Geraldo, que é o caçula. E tem Adelmo, porque Adelmo é deficiente. E tem Mara, que Mara deixou a casa dela pra morar comigo, pra tomar conta de mim.
[Pode terminar, não tô cansada, não].
P/1 - Então, a Senhora não teve muita oportunidade de frequentar a escola, né?
R - Não, nenhuma. Eu trabalhava na escola. Aí, quando eu...
Toda vida fui muito amiga da família de Dona Laurinha, porque naquela época eu morava... Tive morando muito sempre com Dona Ritinha de Sr. Joviro. E quando Dona Ritinha, a mãe dela morava perto de Almenara, e o Sr. Antônio Gil era o pai dela. E adoeceu. Ela ia ficar uns tempos lá e me deixava na casa de Dona Laurinha. Era comadre dela, D. Laurinha, e eu ficava lá. E aí, a gente foi tomando aquela amizade, assim com as meninas todas, com Vera, que hoje, foi ela que me colocou pra trabalhar na escola. Ela arranjou o serviço, porque nessa época ela era diretora, e ela me colocou pra trabalhar no Cardeal Leme. Trabalhei 25 anos.
P/1 - No Cardeal?
R - No Cardeal Leme. Então, era assim, eu trabalhava até três turnos. Eu trabalhava cedo, à tarde, eu não vinha em casa, não. E à noite. Aí, eu falei assim, eu vou estudar. Não sabia assinar o nome direito. Aí, eu falei, meu Deus, era uma tristeza, mas eu vou estudar. Porque eu não tive condições de estudar, agora eu vou ter. Eu vou estudar. E eu grávida, com a barriga bem grande, mas eu ficava lá, eu varria a sala, eu ficava lá, eu jantava na escola, e fui estudar. Fui estudando, até que eu alcancei fazer o quarto ano primário. Não foi muita coisa, não, mas agradeço a Deus por tudo e por esse tempo que ele me deu e essas condições que ele me deu, que eu aprendi um pouco. Pelo menos pra mim, ler um documento, uma receita, eu sei, nessa hora, eu não sei mais, mas eu sei. Eu levava a Juliana, depois já estava grávida dela, eu ganhei ela. Com oito meses ela deu meningite, pode dizer que ela morreu e tornou viver. Foi o doutor Antônio que salvou a vida dela pra mim, com a força de Deus. Aí ela ficou boa, eu voltei pra escola pra trabalhar de novo. Tinha um mês que eu tinha ficado em casa, o doutor Antônio falou você não pode ficar com essa menina assim. Ele me deu uma licença. Aí eu voltei a trabalhar. Aí eu levava ela pra escola. Eu não tinha... Chegava lá, botava um colchão lá no chão, deixava ela lá, rolando lá no chão, nesse colchão, e ia trabalhar. Quando era na hora do recreio, Jordelina falava pra mim: “essa menina, sua menina sumiu, não tá lá não”. Aí eu falava: “ela aparece”. Era os meninos que carregavam, os alunos apanhavam. Apanhavam e chegavam lá os professores e tomavam conta. Só me entregava a hora que terminava o recreio, que eu ia trabalhar. E aí eu ia trabalhar. Eu deixava ela lá, ia varrer a sala. Quando eu chegava lá, ela estava de bruços no chão, batendo a boquinha no chão, assim, ela era bem gorda. E foi assim. E foi assim.
Aí, quando... Por quê? Eu, quando fui votar, eu tinha 14 anos. Assunta! O doutor Almir me levou no Sr. Dercílio. ‘’Ô Sr. Dercílio, olha essa menina aqui, ela tem 14 anos. Aumenta um ano aí que ela pode votar’’. O seu Dercílio aumentou 10 anos. 10 anos! Aí, quando foi e voltou lá, seu Dercílio não quis mexer nesse papel pra consertar. Eu fiquei com essa idade.
Quando eu completei... Quando eu completei 60 anos, não, quando eu completei 60 anos, aí eu completei, o quê? 70, né? Aí eu não pude ficar na escola. Nossa, você vê, minha vida como foi complicada. Eu não pude ficar na escola. Marluce não queria que eu saísse, porque todo mundo gostava de mim. Todo... Chegou a fazer festa pra mim quando eu saí. E achava que uma pessoa como eu não podia sair de jeito nenhum. E os alunos gostavam, os professores todos gostavam de mim, eu era muito caprichosa com as coisas. Até sua mãe um dia foi enxugar a boca, enxugou no pão de chão. Ai, Marluce, falou: “Ô Iralice, você está enxugando a boca nesse pano aí?” “Por quê?” “Não é um pano de prato não, é um pano de chão, um pano de Maria Aguiar”. Eu tirava a nota na limpeza da marca que eu trabalhava. E aí eu fiquei, saí da escola. Perdi as vantagens, porque foi proporcional. E foi dessa luta, desse jeito que eu fiquei.
P/1 - E a senhora, quando aprendeu a ler e fez até a 4º ano, a senhora fez foi lá no Cardeal mesmo, ou teve aquele outro curso?
R - Aprendeu o quê? Não, sim. No Cardeal Leme, sim. No Cardeal Leme.
P/1 - E a senhora lembra quem que dava aula?
R - Naquela época foi a Socorro, deu aula pra mim. Deixa eu ver mais quem foi. Iralice deu aula pra mim. Deixa eu ver mais quem foi. Terezinha deu aula pra mim. É, Ivete. É, Ivete deu aula pra mim. Porque tinha os turnos, né? Tinha turnos. Tinha... E tinha o noturno. Então, no noturno tinha primeiro, terceiro e quarto.
P/1 - Era naquele mesmo grupo? Lá embaixo?
R - Não. Não, no Cardeal Leme. No Cardeal Leme. No Guilhermino eu trabalhei no Guilhermino. Mas eu aprendi mesmo no Cardeal Leme. É.
P/1 - Teve alguma professora que marcou você?
R - Elas todas marcam a minha vida. Porque eu gostava delas demais. Quando a gente saía, passava e a gente chorava. Chorava. Gostava dos professores. Naquela época, você sabe como é que era. Parava de ver.
P/1 - D. Maria, quando a senhora, vou voltar aqui na juventude, né? Quando a senhora casou, a senhora tinha mais ou menos que idade?
R - 23 anos.
P/1 – Com 23 a senhora casou.
P/1 - Então, dos 14 anos aos 23 a senhora morou em Rubim. E como é que era a juventude? Ser jovem em Rubim, o que é que fazia?
R - Ah, maravilhoso. Tanta coisa boa. Ê, moça! (inaudível). Mas Rubim não tinha luz naquela época. Era luz de motor. Aí a gente ia para as festas. No Coqueiro. Na praça tinha uma festa que era a festa das políticas, no Coqueiro que chamava. E a gente ia dançar. E aí, quando era nove e meia, a luz dava sinal. Aí você tinha que andar depressa pra vir embora. Eu, que era mais perto, que eu morava naquela casa do seu Pio Almeida. Mas, as outras colegas moravam mais longe, tinham que correr, porque a luz não dava tempo, apagava. A gente foi.
P/1 - E a senhora gostava de dançar?
R - Muito. Até hoje eu danço. Muito. Eu gosto de dançar.
P/1 - E o que a senhora sabia dançar?
R - Tudo. Baião, bolero, valsa. Até hoje eu sou encabulada com valsa.
P/1 - É mesmo? E a senhora dança lá na... Na terceira idade?
R - Na terceira Idade
P/1 - Ah, que bom. Como é que é isso? Conta pra nós das festas. Conta um pouquinho como é que são as festas lá.
As festas lá são...É boa demais. Agora, tá mais difícil, porque foi naquela época do COVID, o povo foi afastando das festas. E muitas vezes até morreu. E os outros que ficaram, foram afastando, não quiseram sair, não foram mais. Mas a gente tá agora, outra vez, (inaudível) essas festas e fazendo movimento. Nós vamos pra lá na sexta-feira e nós leva bolo, nós leva torta e pipoca pra poder chamar o povo. E nós dança lá.
P/1 - Queria que a senhora, falasse um pouquinho como é que é o seu convívio lá em Rubim. Sei que a senhora viaja muito, né? Mas como é que é lá em Rubim, assim, o cotidiano?
R - Ah, você fala assim...
P/1 - É o dia a dia.
R - Graças a Deus, Soraia. Eu vivo numa boa. Meus meninos são muito bons pra mim. Muito bom mesmo, me ajuda muito. Eu viajo muito, eu vou para um canto, agora eu vou pra Goiás, eu vou pra Aparecida. (inaudível). Eu vou. “Mãe, pode ir. Compro as passagens e ajudo a senhora”. E é assim, né? Mas eles são muito bons pra mim. Todos eles são muito bons pra mim. Você vê que Mara é tão boa, que Mara deixou a casa dela pra vir tomar conta de mim em casa. E não me deixa faltar nada. Não me deixa faltar nada. Às vezes ela fala assim: “ó mãe, o que que a senhora quer jantar?”. Hoje eu quase não janto. “Ah, mãe eu vou ver, mandar trazer um açaí pra senhora”. E é aquele cuidado que ela tem comigo. É uma filha maravilhosa. Uma filha maravilhosa. Aquela ali também é muito boa pra mim. Todas elas, graças a Deus.
P/1 - E assim, o que é que a senhora passa o dia fazendo, assim? A senhora ainda faz a sua própria comida, como é que é?
R - Sim. Na parte de cedo, Mara trabalha na câmara, né? O dia todo. Então, na parte de cedo, eu fico na casa e eu faço o almoço. Eu despacho o almoço pros meninos. Arrumo a cozinha. E aí, eu tô liberada. A tarde ela chega, dá a janta dela, e no outro dia ela torna ir, eu torno a fazer o almoço, na parte que ela chega. De tarde ela arruma a casa. De noitinha, ela arruma a casa. (Inaudível).
P/1 - E os bordados Dona Maria Maria? Que horas que a senhora borda?
R - Hã?
P/1 - Que horas que a senhora borda?
R - De meio-dia para a tarde. Agora mesmo eu fui lá na galeria. Agora mesmo eu fui lá na galeria, eu comprei umas linhas, torçal, novelinhos, meada. Eu só comprei de marca. Uma pessoa comprou, a outra pessoa comprou diferente. Aí eu só comprava de marca. Então, eu comprei os bastidores. E é assim.
P/1- A senhora ensina também?
R - Eu ensino, ensino. A sua mãe mesmo eu ensinei. Agora que ela tá nessa aula de bordado dela.
P/1 - Ah, que coisa boa.
P/1 - E a saúde do Maria? Como é que tá a saúde?
R - Uai, a saúde está aí boa. Por quê? Olha, eu já operei esses dois joelhos pela segunda vez, cê sabe, né? Eu operei a primeira vez porque eu tava com o joelho muito doendo, doendo demais. E inchando muito. Eu chorava sem querer. Aí os meninos falaram assim: “Ô Juliana, mãe tá muito ruim do joelho. O joelho tá inchado e ela tá sentindo muita dor”. Aí ela falou assim: “eu vou lá buscar ela pra cá”. Aí foi lá no Rubim, chegou lá e falou assim: “mãe, vai ter que operar”. Chegou lá, ela fez o plano de Unimed pra mim e eu operei o joelho. Aí eu fiquei boa. Já tinha 14 anos que essas pernas não tinham operado. Tava sentindo nada. Quando foi um dia, choveu, caiu água no cimento, eu não vi. “Parrelei” pro chão. Quebrou a prótese. Foi uma dor, que eu quase morri. Aí fiquei... Falei: “ô Glaysson, eu quebrei a perna”. Ele falou: “não, não quebrou não, mãe, levanta”. Ele me levantou e eu fiquei arrastando essa perna, arrastando, porque eu cheguei perto da perna de uma mesa assim, segurei e levantei.
Com uns três meses a perna começou a doer. Começou a doer. Aí eles ligaram pra Juliana, e ela falou: “vou trazer ela pra cá”. Aí Juliana foi, eu cheguei lá, tornei a operar o joelho. Quando eu cheguei lá, a perna já tava tão ruim, tão ruim. O médico falou assim: “Ó, essa perna dela vai ter que abrir e deixar 23 dias com cimento cirúrgico, porque a perna dela tá muito mal. O osso não tem mais base. Aí eu abri essa perna e deixei ela com esse cimento cirúrgico”. Aí no dia que eu ia operar, ele falou com a Juliana: “Ô Juliana, ó, você fala com sua mãe e com os irmãos de Dona Maria que ela não vai andar. Aí Juliana falou. Deu pra chorar, e eu falei: “ Ô Juliana, você não tem fé em Deus não?”.
Aí eu falei assim: “Como é que é essa conversa doutor? Eu não vou andar?” Ele falou: “Vai não. Você não vai andar”. Aí eu falei: “Vou. Vou andar sim”. Aí ele falou assim: “Mas Dona Maria, eu sou o médico e a senhora tá duvidando de mim?”. Eu falei: “Não”. “Esqueceu que acima do senhor tem outro médico, esqueceu? E é esse que vai me operar”. Aí operou. Aí quando foi 23 dias depois, ele me levou pra tirar o cimento pra botar a prótese. A perna tava por aqui assim, empretou tudo. E aí ele tirou a ... (inaudível). Essa perna aqui não tem osso não, ó. Não tem osso porque a base do osso não deu mais pra segurar a prótese. Tem é ferro. Quando tá trovejando e relampejando, eu tenho medo. Dá choque.
P/1 - A senhora anda normal, né?
R - Ando. Ah, e aí? Pois aí, com três dias, eu desci da cama e andei e ele me segurou, eu desci da cama e andei e ele falou assim: “Ô Dona Maria, eu não tô acreditando que a senhora tá andando”. Eu falei: “O que que eu falei pro senhor? O que que eu falei? Ó, o que que eu falei?” Aí ele falou assim: “Ô, Dona Maria, você é uma mulher de muita fé. Muita fé mesmo”. (inaudível) “Eu tenho fé. Se o senhor tá aqui fazendo essa cirurgia tão difícil, o senhor sabe quem tá com o senhor?” “É Jesus, que é o Senhor”. E aí, pronto. Minhas pernas boas aí, ó. Não sinto dor no joelho. É, não sinto dor no meu joelho, não. Só essa aqui ficou um pouquinho, assim, mais diferente dessa aqui, porque essa aqui não tem osso.
P/1 - Então a gente já tá quase no final aqui, e eu queria saber do que a senhora mais gosta de fazer hoje, né?
R - Bordar. Bordar. É.
P/1 - Faz muito de encomenda também?
R - Ó, às vezes eu não tô fazendo muita encomenda, porque tem horas que às vezes eu não dou conta, né? Porque eu sinto às vezes... Eu tô sentindo muito a coluna e, pra gente ficar sentada à tarde, eu não aguento. Minhas costas doem, às vezes eu não aguento. Mas eu gosto muito de bordar. Hoje mesmo lá em casa, eu tenho tanta costura pra fazer.
P/1 - E a senhora costura também?
R - Não, costura sim, que eu falo é o bordado.
P/1 - A senhora trabalhava com isso, pra ganhar algum dinheiro?
R - Não, não. Dessas coisas todas que eu já fiz, eu vendi uma toalha pra Lucinha. Aquela que tem essa toalha. Não sei se ela tem essa toalha. Eu fiz uma toalha de linho toda bordada de japonesa, aquelas coisas japonesas, aquelas casinhas dos japoneses, aquelas arvorezinhas japonesas, tudo. E aí eu vendi pra ela. Eu não ia vender, mas depois, nessa época, eu estava muito apertada, Adelmo toma um remédio, o remédio dele é muito caro, é 500 reais uma caixa. E eu não estava tendo dinheiro no dia pra comprar o remédio, eu fui e vendi a toalha pra ela por 100 reais.
Só para inteirar o dinheiro. Mas nunca vendi, não. Mas eu fazia pros outros, assim, dava.
P/1 - Dona Maria, a senhora ainda tem sonhos?
R - Ó, assim ...
P/1 - Quais são esses sonhos?
R - Ah, sonhos são: viver com meus filhos e fazer as coisas que eu sei fazer e mexer com as minhas plantas.
P/1 - Conta aí pra nós, gosta das plantas também?
R - Tenho muitas plantas. Tenho muitas plantas. Então, é isso aí. Agora mesmo já estou com saudade das minhas plantas.
P/1 - Que plantas a senhora tem?
R - Ah, eu tenho toda a qualidades de plantas. Eu tenho orquídea, eu tenho crote, eu tenho tudo quanto é planta lá no quintal. Dentro de casas também tenho.
P/1 - No quintal lá?
R - Na casa lá.
P/1 - É bom para a cabeça, né?
R - É. Muito, muito bom.
P/1 - Como é que foi relembrar a história? Como é que foi contar essa história e relembrar essas coisas?
R - O que eu tô falando aqui? Que história que eu tô falando?
P/1 – Sim, a da sua vida.
R - Ah, a minha vida sofrida, moça. Sofrida. Não tinha... O meu era só cuidar de menino, cuidar das crianças. É como eu falei. Eu nunca tive uma infância. Porque minha infância foi trabalhar. E aí, não tive. Agora, depois, eu falei, agora, eu falei: “Mara, agora é que minha infância”. Porque agora eu tô tendo paz de ficar dentro de casa e junto com os filhos. Saio, vou a Belo Horizonte, já fui em Aparecida umas três vezes, pra Lapa, pra Goiás. É assim. (Inaudível). É meu sonho esse. E é daqui pra frente. E minhas lembranças são essas assim. Só lembranças das coisas boas, assim, que a gente conviveu junto. Aquelas pessoas naquela escola... Aquela... Era uma maravilha. Fazendo aquelas comidas bem boas, assim. Porque aquelas professoras, hoje um bocado já se foram embora, né? Abandonaram o prédio. Eu tenho dó quando eu vejo aquele prédio daquele jeito. Um patrimônio daquele não era pra... Quem fez aquela escola foi seu Plinio Amaral, né?
P/1 - Conta um pouquinho pra gente o que a senhora sabe daquela escola?
R - Tá. Quantas pessoas trabalharam lá... Aquela família que era Dona Virginita, Cida...
P/1 - Foram as primeiras professoras.
R - As primeiras professoras. Dona Tatá, Dona Amintas, Dona Alzira, que era mulher de seu Plinio Amaral que foi que fez aquela escola. E elas fizeram muita coisa ali, naquela escola. Tinha muita coisa bonita ali. Então, eu acho que eles não deviam ter abandonado aquele patrimônio. Às vezes, eu vi um dia, eu fui lá, passei, eu chorei. Caindo as telhas, né? E todos os alunos foram estudados lá, né? Desde pequenininho. Né? E os três... E hoje está daquele jeito...
P/1 - Grande parte da população e alguns estudaram no outro grupo, né?
R - Sim. Então, eu falo assim, devia deixar as coisas que tinha lá, porque, como, morreu Dona Virginita, morreu Dona Alzira, morreu Dona Amintas, morreu Dona Tatá, que é mãe de Efigênia. Então, podia deixar a lembrança delas lá, né? Jogou tudo pro ar.
P/1 - A senhora sabe se isso foi parar em algum lugar?
R - Não, não sei. Ou se tá lá jogado? Não sei. Eu não sei. Porque depois que eu saí da escola, eu não... Quase não ia lá mais. Não ia.
P/1 - Tá certo, Dona Maria, muito obrigada.
R - De nada. É só? O que você queria saber?
P/1 - Obrigada por ter aberto a sua vida pra nós, né? Gratidão.
P/1 -. A senhora pode repetir o nome completo? E dizer se a senhora concorda, né?
P/1 - Qual o nome completo?
R - Maria Aguiar.
P/1 - A senhora autoriza a utilizar essa imagem e divulgar na ONG VOKUIM e no Museu da Pessoa?
R - Sim. Porque nem o nome Gerado não tem o meu nome. Por quê? Quando eu casei, eu casei no Padre. Quando eu fui... O seu Mindo foi lá em casa me casar. Um dia eu estava torrando café, só o carvão. Ele foi fazer meu casamento lá em casa. E aí, quando eu fui lá no seu Dercílio, o seu Dercílio falou que não precisava mudar mais não, porque já tinha tempo que eu tinha casado no Padre. Aí ficou. Eu não tive assinatura de Geraldo, só meus meninos que têm. Eu não tenho. Por isso que o meu nome é Maria Aguiar.
P/1 - E a senhora tem... Chegou a fazer uma certidão de nascimento ou uma certidão de casamento, ou não?
R - Tem.
P/1 - Foi feito depois, né?
R - Sim, sim. Foi feito depois.
P/1 - Ah, esse que foi o... Mindo que fez foi a do casamento?
R - Foi.
P/1 - E o Sr. Dercílio fez de nascimento aumentando dez anos [rsrs].
R - Foi, foi.
P/1 - Dona Maria, muito obrigada.
R - Por nada, Soraia. Por nada.
P/1 - Dona Maria, se tiver alguma coisa que a senhora queira nos contar, assim, que foi muito interessante, um acontecimento marcante, pode contar, viu?
R - Não.
P/1 - Viver em Rubim, a senhora viveu muito?
R - Muito. Foi uma vida maravilhosa. Porque o Rubim, o Rubim, pra quem conheceu, na minha idade, eu vou fazer agora em dezembro, dia 21 de dezembro eu faço 82 anos. Então, quem conheceu o Rubim na minha idade, era uma coisa maravilhosa. O Rubim, hoje, é que tá bom, mas não dá mais aquela coisa que era, não. Porque o Rubim era uma maravilha. Era aquela coisa que era, assim, quando era tempo de festa de igreja, que o Bispo vinha, a gente tinha aquela coisa, apanhava aquele pó de serra, aquelas coisas pra desenhar, os canteiros nas ruas tudo, não era só um pedacinho, era nas ruas todas. Então, a gente apanhava casca de arroz, pisava o arroz, apanhava a casca do arroz, pintava com tinta brilhosa, porque era pra fazer o cálice, fazia a hóstia de trigo ou de goma, e fazia uma coisa mais linda. Naquela época, a gente apanhava tudo e quem fazia? Dona Virginita e a família dela, que foi um povo que trabalhou demais. Era uma coisa que você dava vontade de deixar e não desmanchar nunca, o que a gente fazia na rua.
P/1 - E isso na Semana Santa?
R - Sim, na Semana Santa, na chegada dos bispos. A gente fazia isso, eu não sei quando é que esses bispos passavam, sei que a gente ia esperar na ponte. Tinha aquele negócio de beijar o anel do bispo, né? Aquilo pra gente era, nossa Senhora. E desse jeito. A pessoa que foi fazer aquela igreja ali, chamava Manuel, Manuel Pedreiro. Então, eu fui namorar com o Manuel. Olha pra você ver. O Manuel pra mim, era o maior encanto da minha vida, era esse homem. Mas bebia, minha filha, brigava com a polícia, rolava no chão. Tinha dia que chegava com a camisa ensanguentada. Mas eu gostava dele assim mesmo. Eu gostava dele demais. O padre (inaudível)... “Uai, Dona Maria, mas Senhora gostava dele?” “E muito, padre. E muito”. Aí, um dia, o padre Darli, a dona Ritinha falou assim: “ ô padre eu vou mandar a Maria vir aqui, para o senhor dá uns conselhos, ela”. Aí, eu fui. Ela me faz um doce e mandou levar lá pra esse padre. Eu fui levar o doce. Cheguei lá, mas eu gostava muito daquela via sacra. A gente trabalhava no Rubim, trabalhava assim, com aquela vontade de criar coisa na cidade. Aquela via sacra mesmo que tem ali, eu mesmo dei uma via sacra daquela. O padre, naquela época, pedia, era dez contos, falava era conto, né? Dez contos. Os tijolinhos a gente comprava, pra via sacra. Então, eu fui lá levar esse doce. Aí ele falou, assim: “Ô Maria”, quando eu ia saindo, ele falou: “Maria, eu queria lhe falar uma coisa”. Eu falei, o padre Darli pode falar. Aí ele falou: "Ó Maria, eu sei que você vai casar com Manuel, já estava de casamento trato, mas eu não queria que você casasse com Manuel, porque você vai sofrer, Maria, você vai sofrer. Pensa pra você ver a sua vida, você ver seu marido lutando com a polícia, caindo no chão, todo sujo de lama e na chuva, ensanguentado, e você vai ver, será que você vai gostar disso"? Aí eu não sei padre. Eu fiquei parada. Ele falou assim: "eu sei que você gosta muito dele, é uma pessoa maravilhosa, mas ele não deixa essa bebida de jeito nenhum". Aí foi eu falei, eu vou deixar. Aí eu fui embora pra Roça, fiquei lá. Quando eu cheguei cá, ele já tinha desistido de mim.
P/1 - É? Já tinham desistido?
R - Já tinha desistido.
P/1 - E casou com outra?
R1- Casou com Renir de (inaudível) barbeiro, e depois Renir sofreu demais, não aguentou, largou. Tá vendo.
P/1 - Vai ver que a senhora teve um livramento.
R - Não, é!? Então tá bom.
P/1- Muito obrigada.
R - De nada.
“-------- FIM DA ENTREVISTA ---------"
Recolher