Entrevista com o professor Marcos Antônio Silva, em 07/07/2022, em São Paulo. O encontro foi realizado na casa do entrevistado.
Estavam presentes
- Pesquisadora: Raquel Alvarenga Sena Venera
- Professor: José Isaías Venera
Legenda da transcrição:
E1: Entrevistador 1: Raquel Alvarenga Sena Venera
R: Entrevistado
A transcrição foi realizada por Aldry Pereira Chaves e revisada por Raquel Alvarenga Sena Venera.
Antes da entrevista Marcos apresentou as pessoas que estavam na casa e um cachorro de estimação. José Isaías testou o equipamento, o áudio e a luz do ambiente.
E1 – Ok, então Marcos, acho que a gente pode começar com você dizendo seu nome, local de nascimento, data de nascimento.
R – Então, eu sou Marcos Antônio da Silva, nasci em Natal no Rio Grande do Norte, 1950, portanto tenho setenta e dois anos.
E1- E como você gostaria de ser chamado nessa entrevista?
R – Marcos.
E1 – Marcos, e sobre a sua família, o que que você lembra das histórias dos seus familiares?
R – Então, a minha família era muito pobre, os meus pais eram do interior do Rio Grande do Norte, foram morar em Natal, meu pai é de Apodi, que é uma cidade no oeste do estado, perto de Mossoró, minha mãe é de (? 00:55), uma cidade do Seridó, perto de Caicó, estou citando essas duas que são cidades grandes, são cidades mais conhecidas.
E1 – E você tem irmãos?
R – Tenho só uma irmã, em Natal.
E1 – Qual é o nome dela?
R – Sonia.
E1 – E você lembra um pouco de memórias que te contaram, da sua origem, dos seus pais, como eles se conheceram, como é que foi antes de você?
R – Então, eles me contaram histórias das vidas deles é...do interior, a minha mãe ficou órfã de pai jovem, teve muitos irmãos, enfrentaram dificuldades (? 01:48) e foram ficando adultos, começando a trabalhar. Meu pai é... me contava algumas histórias de infância, como ele veio para Natal, mas não eram histórias muito detalhadas não, eu lembro pouco, não lembro com muitos detalhes não. Assim, dificuldade de sobrevivência, no caso do meu pai era atividade de trabalho. Ele trabalhava na roça ainda quando criança, depois começou a desenvolver vida de trabalho em outras que não na roça. Ambos tiveram escolaridade bastante limitada, tanto pela pobreza quanto também porque eram cidades pequenas, tinham poucas oportunidades de estudo. Meu pai era uma pessoa muito inteligente, gostava muito de ler, embora tivesse pouca escolaridade.
E1 – Ele lia com você? Você lembra disso?
R – Lia, lia revistas, livros.
E1 – E você teve contato com seus avós?
R – Eu não entendi a sua pergunta.
E1 – Teve contato com os seus avós?
R – Da parte paterna não, da parte materna muito pouco, meu avô morreu muito antes de eu nascer, e minha avó já era idosa, doente quando eu a conhecia, ela morreu eu tinha cinco anos, eu tenho uma vaga lembrança.
E1 - Você fala que seu pai teve atividade agrícola e depois mudou de atividade, que atividade ele fazia?
R – Ajudava em comércios e coisas assim.
E1 – E a sua mãe?
R – E depois ele se tornou fotografo.
E1 – Olha que interessante! Interessante. Que memória que você tem Marcos quando pensa nessa vida sertaneja?
R - Então, eu nasci em Natal.
E1 – Que já era cidade grande.
R – Meu contato com a vida sertaneja era mais indireto através dos meus pais, poucas vezes eu viajei, não para a região do meu pai, eu só conheci a região do meu pai depois de adulto, para a região da minha mãe poucas vezes, para mim era uma aventura, muito diferente, um estilo de vida diferente, claro estou falando disso há muito tempo. Na década de cinquenta, portanto o Rio Grande do Norte era bem diferente de hoje, as cidades bem menores, a rede escolar muito menor, no interior não tenho então... a vida bem mais tranquila, mais animais, é... população bem menor.
E1 – E quando você pensa na sua infância, os lugares que marcaram a sua memória, na sua infância? Que você...
R – Eu morava em um bairro distante da praia, então ir na praia para mim era uma experiência muito boa, achava muito bonito, achava muito gostoso na praia, muito bom. Alguns passeios na praça, cinema. Cinema quando eu era criança era muito barato, era um entretenimento de pobre. Eu ia bastante aos filmes, as vezes com meus pais, fui crescendo e passei a ir sozinho.
E1 – E a sua irmã, desculpa, eu acho que você falou, mas eu não prestei atenção, ela era mais nova ou mais velha?
R – Não, ela era um pouco mais velha do que eu, ela ainda é (Risos).
E1 - (Risos) Claro. E ela acompanhava ou você ia sozinho? Como é que era?
R – A maior parte das vezes acompanhava, a maior parte das vezes acompanhava.
E1 – E em casa? O que você lembra, como era essa rotina?
R – Eu gostava muito de ler, ler revistas em quadrinho, revistas de notícias também, desde a infância eu gostava disso. Gostava disso.
E1 – E suas brincadeiras preferidas era isso, era ler, cinema...
R – É, ler, cinema.
E1 – E praia.
R – Na minha infância, até a adolescência, Natal não tinha televisão, não havia televisão, então eu já estava na adolescência introduziram, mas (? 06:20) era muito pobre e a televisão para os nossos padrões era muito cara. Então eu não via televisão, não fez parte da minha formação. Televisão não fez parte da minha formação, eu ouvia rádio. Ouvia rádio... noticiário inclusive, rádio eu ouvia bastante.
E1 – E a vida escolar?
R - Então...
E1 – Quando que você entra na escola?
R – Lembro sim, lembro. Eu fui alfabetizado num... uma professora da vizinhança, ela dava aula em casa. Eu gostava, eu gostava. Gostava de aprender a ler, gostava disso. Daí eu entrei na escola e, na época, era habitual fazer um teste para entrar, e eu entrei no segundo ano, então já me considerava alfabetizado.
E1 – Que gostava de ler, não é? Já foi alfabetizado.
R - É.
E1 – E o que você lembra dessa escola?
R – Ela é uma escola católica. É... o horário que eu estudava só tinha meninos, eu não lembro, não tenho certeza, se havia um turno feminino, o horário que eu estudava, só meninos, era só meninos. Era uma escola católica bastante tradicional. Quer dizer, todo dia nos rezávamos antes das aulas, é... havia presença de padres, vários padres, alguns deles davam aulas, aulas de catecismo, aulas de catecismo. E havia então muitas atividades católicas, de ir à missa e... é... com a morte dos santos etc., etc.
E1 – E a sua família era católica?
R – Minha família era católica.
E1 – E tinha algum professor que tenha te marcado, você lembra? Uma professora que lhe marcou assim?
R – Eu, em geral gostava das professoras, a minha professora na escola se chamava Inês, eu gostava muito dela, uma professora muito simpática, eu lembro principalmente dessa primeira professora, Inês.
E1 – E porque ela que marcava você, marcou você? Consegue lembrar?
R - É... eu tinha uma boa impressão dela como professora, assim, ser paciente, é havia algumas outras professoras na escola que eram meio ríspidas, e ela não, era uma pessoa bem tranquila, e isso me... me fazia é... um sentimento bom, um sentimento bom.
E1 – E na juventude Marcos?
R – Então, eu mudei de escola, fui para uma escola que não era mais católica. Aí já era segunda parte de ensino fundamental, que na época, chamava ginásio. Para mim foi uma grande novidade, era um outro bairro, é... uma clientela diferente, clientela de outro bairro, de outro bairro. E aí entraram em contato com.... professores por disciplinas, que era característica do ginásio, e também biblioteca. A minha escola do ensino primário não tinha biblioteca, essa outra tinha biblioteca, para mim era uma coisa muito boa, uma novidade, muitos livros, muitos livros, livros muitos diversificados, e a.... o próprio conteúdo da disciplina. Eu não lembro, por exemplo, é história geral no primário, geografia geral sim, eu lembro, nós fazíamos mapas de outros países, eu gostava de fazer mapa, mas... é história geral não, eu sabia que existia história dos outros países, mas eu não lembro de ter tido aula.
E1 – Ter tido aula.
R – Então para mim, história geral era uma aventura, puxa, conhecia outros países, história dos outros países, história mais antiga, história medieval. Para mim aquilo era uma grande aventura. E eu gostava muito de história, e eu lembro de um professor de história que achava que eu falava com um desembaraço, sobre os temas de história.
E1 – Isso você gostava, então já nessa época, você já meio que estava para esse canto.
R – É, gostava, gostava sim, gostava. Mas os outros professores de história, relembrando, não eram propriamente bons, não eram inovadores, era uma história muito convencional, muito convencional, os períodos bem demarcados, os personagens. Tinha um professor que... que eu gostava, mas não era tanto do conteúdo, eu nem conhecia tanto o conteúdo, ele falava com muita eloquência, ele falava com muita firmeza, então isso eu achava atraente. Ele era profissionalmente advogado, além de professor de história.
E1 – E a diversão continuava sendo o cinema?
R – Sim, muito cinema, e aí já no ginásio eu passei a ler mais, livros de literatura mais adulta, mais adulta, é... então coisas de, ao longo de literatura brasileira é claro, mas escritores franceses, alguns americanos, é...eu gostava muito, aprendi a ler livros mais extensos.
E1 – E você fica em Natal até quando Marcos?
R - Até dezenove anos, eu vim embora para São Paulo com dezenove anos.
E1 – Para São Paulo com dezenove anos. E a sua vida afetiva? Essa juventude como é que era?
R – Eu, era... eu era meio retraído.
E1 – Tímido.
R – Tímido, é... demorei um pouco a começar a namorar.
E1 – E você não teve filhos, não é?
R - Não, não tive filho, não tive filho. Até gostaria de ter tido, é uma coisa que eu lamento de não ter tido. Depois que eu fiquei mais maduro, é... deixei de me preocupar tanto com ter filho, mas é uma coisa que eu gostaria de ter experimentado.
E1 – E quando você veio para São Paulo, você já veio com a decisão profissional de fazer história?
R – Na verdade não, eu tinha vontade de fazer Artes Visuais, Artes Plásticas, meu sonho era fazer Artes Plásticas. Eu enfrentei um problema que era assim, o curso de Artes Plásticas na USP é um curso, na época, de período integral, eu não sei se ainda é, eu sei que alguns cursos na USP na área de Artes são período integral. Teatro é período integral, Artes Plásticas não sei se ainda é. E para mim era impossível fazer um curso de período integral. Eu tinha que trabalhar, pra sobreviver, então eu... os cursos de Artes Plásticas particulares eram inacessíveis para mim, em termos de pagamento, então eu desisti, e eu pensei algumas opções, talvez Letras, depois eu pensei em fazer História, pensando em História da Arte, meu vínculo maior com história é de História da Arte. Daí eu fiz o vestibular para História, passei, percebi logo que História da Arte não era uma Arte muito cultivada, até existia uma disciplina de História da Arte, mas era uma disciplina optativa, mas eu gostei de fazer História, achei legal, História em geral achei legal, gostei da área.
E1 – E o que você lembra que foi a principal vivencia assim, da sua formação inicial, o que marcou para você? Nessa formação inicial, alguma coisa que tenha te capturado.
R – Primeiro assim é... quando eu fiz o curso de História a graduação tinha um currículo organizado cronologicamente, então as primeiras disciplinas eram de História Antiga e Medieval, e metodologia. Metodologia eu achava muito atraente, eu achava muito atraente.
E1 – Metodologia de Pesquisa ou de Ensino?
R – Metodologia, porque havia toda uma preocupação explicativa, é... justificações das escolhas de temas, de problemas, e isso me atraia muito, achava muito interessante, havia um certo diálogo com alguns aspectos filosóficos da História, isso eu achava muito interessante. Eu tive professores de História Antiga muito bons, embora eu nunca tenha pensado em pesquisar História Antiga, eram professores muito bons, no Brasil, até pouco tempo atrás, o ensino de História Antiga estava em graves dificuldades, mas meus professores de História Antiga eram muito bons, muito bons mesmo, e me marcaram muito, marcaram muito. Porque além de uma erudição própria da área, (? 15:55) antigas, etc., eles tinham muitas preocupações explicativas, é... tinha um professor, que já faleceu, ele já era um pouco idoso quando foi meu professor, chamado Paulo Pereira de Castro. Esse professor era muito bom, uma grande capacidade de articulação e também de pensar sobre especificidades de História Antiga. Por exemplo, uma coisa que me chamava muita atenção, eu fui aluno dele em duas áreas de antiga, em História do Egito e História de Roma, a tese dele era sobre História de Roma, mas me chamava muita atenção o jeito que ele explicava (? 16:38) é, especificidade, então quando a gente fala assim, sobre os reinos egípcios não é a mesma coisa que os reinos da idade moderna. Quando a gente fala em Egito não é a mesma coisa que um estado moderno, são outras experiencias sociais, era um excelente professor, muito culto (? 17:02). Um outro, ainda é vivo, ele era mais jovem, era o Ulpiano, o Bezerra.
E1 – Meneses.
R – É. Também era um excelente professor, especificidade, ele dava História da Grécia. Especificidade da História da Grécia, enorme erudição, especifica sobre a Grécia e uma erudição geral de História. Então, embora não fossem áreas que eu pretendesse pesquisar, eram professores muito bons. Os de medieval, certamente eram pessoas muitos eruditas, mas eu achava os professores mais convencionais, mais narrativos, eles comparavam experiencias medievais, mas não me impressionavam tanto, então metodologia e antiga eram matérias que me interessavam muito, gostava muito.
E1 – E como você chega no ensino de história? Nessa época você já...
R – Então, quando eu entrei no curso de História eu sabia que havia pesquisa em História, eu sabia que... uma possibilidade profissional em História era a pesquisa, mas eu sempre achei muito legal ensinar História. Então, eu sempre gostei muito. Eu percebi entre os meus colegas, que muitos deles viam com preconceito ensinar, achavam que ensinar uma coisa pior, inferior etc. e tal. Então, a profissão ideal para os meus colegas, ainda mais os com melhores resultados no curso universitário, eram para a pesquisa, eles queriam ser pesquisadores. Não tem nada de errado em ser pesquisador, mas eu quis ser professor, achava legal. E quando eu estava chegando mais lá para o fim do curso, na época, havia uma divisão muito nítida entre é... a formação... é para a pesquisa, embora o conteúdo da disciplina fosse o mesmo, mas a opção para a pesquisa ou a opção o ensino, e a licenciatura era dado na faculdade de Educação. Em um prédio separado. Então vários colegas que não tinham interesse por ensino não faziam a licenciatura, não faziam licenciatura, apenas o bacharelado. Eu sempre quis fazer a licenciatura. Para mim isso sempre foi uma coisa de interesse. Eu fui para licenciatura, é... a licenciatura na época, nós tínhamos dois semestres de Psicologia da Educação, que era a base para a licenciatura, ela era pré-requisito para todas as outras disciplinas. Depois nós tínhamos Didática, uma disciplina, é uma sigla que eu não lembro agora, mas era dedicada a legislação, não lembro mais a sigla e Prática de Ensino, Prática de Ensino era outra disciplina da licenciatura. Prática de Ensino é... ela era uma matéria muito teórica, pateticamente, não é? Nós liamos mil teorias sobre como dar uma aula, como organizar aula, e isso era meio frustrante para mim. E... fazia parte do programa de Prática de Ensino em si uma aula experimental, que havia um sorteio, era uma turma grande, havia um sorteio, e a pessoa sorteada apresentava uma aula para se debater os conteúdos. E eu não fui sorteado e fiquei frustrado, chateado.
E1 e R – (Risos)
R – Mas daí tem uma coisa curiosa, a pessoa que foi sorteada era minha amiga, e eu falei para ela: Ah eu queria muito ter sido sorteado, fiquei frustrado. E ela falou: - Ah, eu não tenho vontade de dar aula não, eu fui sorteada, mas não tenho vontade, vamos falar com a professora e eu pergunto para ela se eu posso passar para você. Aí nós fomos falar a professora: Ah tudo bem, pode. Então ficou para mim. E quem escolhia o tema era a pessoa sorteada, sabe.
E1 – É?
E aí eu juntei essa aula experimental com uma ideia de pesquisa que eu queria desenvolver depois. Que era sobre revoltas no começo do século XX no Brasil. Na verdade eu peguei uma revolta específica que foi a revolta da vacina. É... e preparei minha aula. Eu preparei bastante, li o que tinha disponível na época, e... bolei um esquema de aula para trabalhar. Na época havia aquela, aquela... epidemia, como que é o nome meu deus...é... esqueci agora o nome da epidemia, É... não sei o que meningocócica... mas enfim, foi uma epidemia da segunda metade da década de setenta, essa epidemia existia e a ditadura da época fazia de conta que não existia. Resistia a admitir que havia, havia uma resistência ditatorial. A epidemia não era noticiada, então... isso era discutido na sociedade. E a imprensa conseguiu introduzir o tema, a ditadura reconheceu que estava havendo a epidemia...
E1 – Meningite, meningite meningocócica
R – E promoveu uma campanha de vacinação, foi uma grande campanha, uma grande campanha, eu era bancário na época, e trabalhava em frente a um grande posto de vacinação. Então eu acompanhei, inclusive me vacinei nesse posto. E eu resolvi narrar isso no começo da minha aula, para colocar assim, a historicidade da vacina, como é que para a nossa contemporaneidade da época demorou a vacinar por causa do governo, as resistências do governo, mas findou vacinando e quando vacinou, todo mundo queria se vacinar, todo mundo queria se vacinar, para colocar como um hábito histórico, se tornou habitual.
E1 – Era Meningite.
R – Meningite, não estava lembrando o nome meningite. A campanha foi feita e teve grande aceitação, todo mundo queria aceitação, e contrastei com a situação do começo do século, a vacina contra a febre amarela enfrentou graves resistências, inclusive uma revolta. E eu procurei colocar que não era idiotice, burrice da população, era uma situação cultural. A vacina era uma prática relativamente recente, era uma prática a partir de meados do século XIX, pouco, pouco habitual ainda e as pessoas resistiam por esse motivo, tinham medo, tinham vergonha, havia resistência moral de achar que as mulheres serem vacinadas por pessoas desconhecidas era uma exposição do corpo, que o pessoal da campanha de vacinar entrar na casa das pessoas era uma invasão da casa e também havia o medo, medo. Então a minha aula era uma aula que procurava explica a resistência, e aí a revolta que vai acontecer e tal, e como ela se misturava com os outros problemas da época. Então foi uma aula muito, eu pesquisei muito para fazer essa aula, me dediquei muito. E aí a professora gostou muito, ela fez críticas técnicas, por exemplo, ela me observou que eu não usava bem o quadro, eu usei o quadro, mas ela achou que meu quadro era muito é... desorganizado, como que é importante um quadro organizado, ela falou assim: Olha, você tem que pensar que o quadro tem que ser compreensivo para quem não pegou a aula do começo, a pessoa vai pegar através do quadro as partes que perdeu. Mas ela gostou muito do conteúdo, da dinâmica da aula, ela elogiou muito, é... eu usei exemplos de literatura, ela achou isso legal, então a aula foi bem-sucedida.
E1 – Ficou feliz.
R – Foi bem-sucedida. Tem uma coisa que eu não falei para você, quando eu entrei no curso, eu achava a minha voz muito incompreensível para dar aula sabe? Eu achava a minha voz é...é... até desagradável, até desagradável, pouco audível. Durante o curso eu fiz vários seminários é claro, e eu procurava organizar a voz, era uma preocupação minha, alguns professores do curso de história até acharam que eu falava organizadamente certo e tal, então eu fui me convencendo ao longo do curso que a minha voz era inteligível, que dava para entender o que eu falava, nessa aula percebi que as pessoas entendiam. Ah, eu lembrei de uma coisa dessa aula, além do conteúdo propriamente dito, eu tinha muita preocupação com uma certa dinâmica da aula, dinâmica física até da aula assim, de levantar, de caminhar, de prender a atenção do aluno e isso a professora de prática de ensino elogiou, achou legal, ela achou legal.
E1 – E você citou alguns professores lá de História Antiga que foram... eu achei interessante que quando você fala deles, você fala que era explicativo, que você gostava.
R – Sim.
E1 – E aí nesse momento que você começa a dar aula, quais foram as principais referências suas, na sua trajetória até, não só na graduação, na sua trajetória, você tinha umas referencias assim?
R – Você quer dizer outros professores?
E1 – De referências bibliográficas, de professores, de referências mesmo que você mobilizava.
R – Então esses professores de História Antiga sempre foram referências importantes para mim, uma postura explicativa, articuladora sabe, é... História Antiga, antes de eu ser aluno deles, às vezes dava impressão de uma coisa meio distante, distante no tempo é claro, mas distante até nas experiências específicas, e a meu ver, esses professores não, eles articulavam problemas gerais, teóricos, e problemas gerais da experiência histórica, claro que aquela história era diferente da história contemporânea, da história moderna, mas é, eles faziam dialogar com essas outras temporalidades, não é para dizer que uma coisa é igual à outra.
E1 – Sim, sim.
R – É na diferença que uma ajuda a entender a outra. Então para mim eles eram referências importantes. É...
E1 – Tiveram outras no ensino?
R – Sim, é... eu tive professores muito bons de Brasil Contemporâneo, também de História Contemporânea, eu pessoalmente, é... do interesse eles despertaram dos termos explicativos, mas alguns é... discutiram de ampliar o dinamismo de fontes para ensino e pesquisas.
E1 – E aí você foi para o mestrado e doutorado um seguido do outro? Você deu um tempo?
R – Então, foi. Então, durante muito tempo eu não pensava tanto, não tinha nada contra a pesquisa, mas não pensava com clareza, pensava que era uma coisa um pouco inacessível, e eu tinha um colega, um amigo de graduação que ele ia fazer pós-graduação, estava preparando um projeto de pesquisa, e ele incentivou a pensar nisso, e aí eu fui meio conversando com um professor de Teoria da História. Ele achou legal, ele tinha interesse de mexer um pouco com história da imprensa, mexer um pouco com essas temáticas das revoltar sociais, e pensei em um ângulo de documentação e cheguei à caricatura, a caricatura. Eu sabia que a caricatura é... tratava... desses movimentos sociais e eu tinha muita ligação com caricaturas é... leitura é claro, mas até no plano de fazer, quando eu era bem jovem, eu tive algumas aulas de desenho em cursos livres de desenho. Então eu gostava de Artes Visuais e desenho, e encarava a caricatura como um ramo de Artes Visuais, até hoje eu encaro.
E1 – Uhum.
R – Até hoje eu encaro. É... então eu propus para esse meu futuro orientador, que era meu professor de História, Teoria da História, (? 32:08), e ele gostou da ideia, aí eu, é... comecei a procurar documentação e findei me interessando não tanto pela revolta contra a vacina, mas por uma outra revolta, a revolta contra a chibata.
E1 – Uhum.
R – Selecionei periódicos, é... e montei o projeto, montei o projeto, ele gostou do meu projeto, e... é... apresentei o meu projeto para a FAPESP e consegui uma bolsa, do mestrado, eu fiz o mestrado, defendi o mestrado.
E1 – Que ano que foi isso?
R – O meu mestrado foi em oitenta e um, oitenta e um. Então quando eu levei o meu mestrado eu já... estava na rede de ensino, na rede de ensino médio, como professor. E aí surgiu uma oportunidade, já com o mestrado definido, fiz um concurso para a UNESP de Assis e passei. E... eu era casado, a princípio a minha então mulher era professora na rede estadual, ela tentou transferência e não conseguiu, era muito difícil na época, não sei se ainda é assim, transferência para escolas do interior. E aí eu fiz um outro concurso na USP e entrei no concurso da USP, e entrei no concurso da USP, então só fiquei um ano em Assis e vim para a USP.
E1 – Então deixa eu entender, você disse que era ban... trabalhava em banco, não é?
R – Sim, eu trabalhava no Banco do Brasil.
E1 – E aí você faz a graduação, você se encanta pelo ensino, e você vai para educação básica, e deixa o banco, como que foi isso?
R – Na verdade eu deixei o banco quando eu consegui a bolsa.
E1 – Ah, tá.
R – Quando eu consegui a bolsa. Depois eu entrei, eu fiz concurso na rede e entrei.
E1 – Uhum, e aí quanto tempo você ficou na Educação Básica?
R – Eu fiquei na Educação Básica... três anos, três anos.
E1 – Aí você fica um ano em Assis, volta para USP, para professor da USP.
R – Voltei para São Paulo para USP.
E1 – E quais são as principais atividades, ações que você desenvolveu no início dessa trajetória sua de ensino, assim, ensino, pesquisa, extensão, com o que você se envolveu?
R – Então, quando eu comecei a pós-graduação, passei a frequentar os simpósios da ANPUH, Associação Nacional de Professores de História, que na época chamava de Professores universitários de história, como o nome antigo indica, os sócios da entidade eram professores universitários, foi criado como uma entidade de professores universitários.
E1 – Uhum, sim.
R – Os professores da rede podiam assistir aos encontros, mas não podiam apresentar trabalhos de pesquisa. Havia uma discussão dentro da associação, a principal liderança dessa discussão era a Déa Fenelon, no sentido de que a associação devia mudar os estatutos e aceitar os professores da rede como... como sócios, membros, com direito a apresentar comunicações de pesquisa. E a argumentação era muito boa, lembrando assim, naquela época estava em uma grande mudança na pós-graduação, uma época de grande expansão da pós-graduação no Brasil, e muitos professores faziam pós-graduação, portanto essa separação professor universitário, professor de ensino não... tinha mais sentido.
E1 – Não estava fazendo sentido. Época de noventa, não é?
R – É... final da década de setenta.
E1 – Setenta?
R – A passagem para a década de oitenta.
E1 – Ah, então é... essa passagem foi bem antes então, na ANPUH.
R – Não, a ANPUH foi criada na década de sessenta.
E1 – Sim, mas aí essa passagem do professor da educação básica para entrar na ANPUH...
R – É foi no final da década de setenta.
E1 – Eu tinha ela muito... muito depois no noventa, então já foi em setenta, interessante.
R – É, foi no final da década de setenta. Essa proposta enfrentou resistências de professores que eram totalmente contra, mas foi submetida a votação e foi aprovada. É que muitos professores da rede faziam pós-graduação, muitos... até hoje.
E1 – Sim, sim até hoje que bom. E aí você tem a passagem pela ANPUH, e você tem... você tem... sempre... na verdade eu estou falando de fora, tá, como admiradora do seu trabalho, sempre te vejo na História pesquisa e muito no ensino de história também, você sempre levou essas duas coisas ao mesmo tempo.
R – Sim, sim, eu sempre achei importante as duas coisas, sempre achei importante as duas coisas. É, eu entendo assim, que a pesquisa ela não existe para o pesquisador, ela existe para o mundo, e eu penso que é muito importante que a pesquisa seja feita e que ela seja transmitida a outros profissionais e a população no geral. E o veículo principal dessa transmissão é o ensino, é o ensino, então acho muito legal que a história pesquisada, inovadora e critica seja levada ao conhecimento geral dos jovens, é claro que a pesquisa tem um nível de especialização que não é concebido para ser transmitido para esses jovens. Mas, paralelo, pode ser transmitido, com as devidas mediações.
E1 – Claro.
R – Com as devidas mediações.
E1 – Eu lembro Marcos que quando eu comecei a me interessar pelo ensino de história como pesquisa, já no doutorado, não tinha tantos livros assim, Circe Bittencourt algumas coisas e tal, e Marcos, então tem um livrinho seu, lá de noventa e cinco se eu não me engano, que ele era quase que uma Bíblia, que era o que tinha, Circe, a... a Maria Auxiliadora... a Maria... A Katia Abud, Ernesta, eram poucos professores que escreviam sobre o ensino de história.
R – Então, você deve estar se referindo ao livro Repensando a História, que é de oitenta e...
E1 – Repensando a História, bem isso.
R – Oitenta e....
E1 – Oitenta e cin...
R – Oitenta e quatro, oitenta e quatro.
E1 – Oitenta e quatro. Como que foi escrever aquele livro? Você lembra? Conta um pouquinho.
R – Eu já era profissional na universidade e me convidaram para uma mesa redonda sobre ensino de história, eu... eu preparei o texto para levar na mesa, ouve muita discussão etc. e tal, e aí me ocorreu a ideia de propor um livro discutindo o ensino de história. É... com a minha... convidando a pessoas que participaram das mesas é claro, mas daí havia muita gente que se interessava por esse nicho, inclusive pessoas que não lecionavam no ensino médio, na universidade. Aí a ideia foi bem aceita, foi é.... é... tivemos lá nossos colaboradores, eu lembro o Carlos Vesentini, o Adalberto Marson, que eram professores da USP, que não atuavam no ensino médio, mas tinham discussões muito boas de caráter metodológico geral, e muito aplicável ao ensino. O Carlos Vesentini ainda mais diretamente, a discussão do Adalberto era indireta, mas foi muito boa, eles participaram dessa coletânea e vários outros colegas. É... aquela coletânea teve uma repercussão muito grande, ela deve ter tido cinco edições, uma edição foi comprada pelo Ministério da Educação. Ela teve uma recepção...
E1 e R – Uma recepção muito grande.
E1 – E sobre as suas orientações Marcos, no trabalho de orientação, você formou muita gente, não é? No Ensino de História, pessoas importantes.
R – Então, quando eu comecei a mexer com orientação, uma das minhas áreas de interesse era orientar em ensino, a primeira que eu orientei foi a Selva.
E1 – É a primeira?
R – Foi a primeira no campo de ensino, foi. E então eu fui procurando algumas pessoas, a Selva, a Claudia Ricci, que tem uma dissertação muito boa, a dissertação dela mesmo foi orientada na PUC pela Déa, mas o doutorado dela foi comigo, a dissertação dela é excelente, muito boa, o doutorado também.
E1 – Sim.
R – Então eu orientei bastante, a... a Elaine Lorenzo, que é a da... da Uni... da Unifesp, em Guarulhos, e vária outras pessoas que mexem com o ensino.
E1 – Como que era o Marcos orientador, conta para gente.
R – Como era o que?
E1 – O Marcos orientador.
R – (Risos).
E1 – Como que você... tinha uma metodologia uma coisa, mas com cada um você decidia, como que era?
R – A orientação é muito personalizada, não é? A orientação é bastante personalizada. No caso dos trabalhos sobre o ensino, é... claro que isso significa pegar o que estava rolando no campo do ensino, tanto em termos da pesquisa sobre o ensino, quanto em termos de publicações, em termos de legislação, a legislação mudou muito, a legislação de ensino mudou muito, mudou muito, oscila muito, oscila muito... E na verdade, é... o debate universitário sobre o ensino é muito associado a essas modificações de legislação, é muito associado a essas modificações de legislação.
E1 – Uhum, as demandas de um tempo, não é?
R – É, é sim. É sim.
E1 – E os trabalhos de extensão, você se envolveu bastante? Como é que foi?
R – Sim, sim, na época que eu comecei a lecionar na universidade havia uma grande expansão das graduações em História. E eu recebia, eu e os professores nas universidades é claro, recebíamos convites para outros estados, então em uma dessas eu fiz um trabalho de extensão em outros estados, e no próprio estado de São Paulo é claro, no próprio estado de São Paulo. É... cursos livres eram oferecidos na USP, ou através da secretaria de educação, esse trabalho foi feito com bastante frequência, com bastante frequência.
E1 – Mas pera aí, você me falou sobre o seu mestrado, aí você fez o concurso, mas aí você não falou do doutorado, quando você fez doutorado você já era professor...
R – Então eu já era professor na universidade, já era professor na USP.
E1 – E como é que foi o doutorado?
R – Então o doutorado foi por um lado mais tranquilo, a gente já tem uma experiência e tal, por outro lado um doutorado é sempre uma pesquisa mais pesada que um mestrado. Nesse aspecto foi um pouco mais difícil, é, arrumar a documentação, é... o material que eu trabalhei tanto no mestrado como no doutorado era... era um... periódicos do Rio de Janeiro. Na época não havia essa facilidade de... de... colocação online.
E1 – Uhum, de acesso digital né?
R – Hoje em dia o acesso digital, hoje em dia o acesso a boa parte da imprensa brasileira é fácil por via digital. A Biblioteca Nacional digitalizou uma parte muito considerável da imprensa brasileira, na época isso não existia, então assim, fazer pesquisa presencial, nos exemplares físicos, o material que eu pesquisei existia na Biblioteca Mario de Andrade. Material físico, mas de alguma maneira exigia fazer viagem ao Rio para leituras complementares, então eu fiz essas pesquisas na Biblioteca Municipal Mário de Andrade, inicialmente, depois precisei ir para o Rio de Janeiro, para a Biblioteca Nacional, para outras instituições do Rio de Janeiro.
E1 – E... na verdade... você tem... você falou que tinha um interesse pelas Artes etc., mas de qualquer forma na História você acaba trazendo, não é? Caricatura, cinema, as artes visuais...
R – É, é um material que eu puxo, é um material que eu puxo.
E1 – Que você gosta bastante, não é? E aí naquele livro que você escreve com Selva, ensinar História século XXI, vocês trabalham com as diferentes linguagens em sala de aula, você pode contar um pouco mais assim, sobre essas imbricações da Arte no Ensino de História?
R – Então, é... quando eu fui aluno de pós-graduação, uma lembrança que eu tenho é que na área de História a pesquisa com linguagem de texto, não é que ela fosse... é... rejeitada totalmente, mas ela é meio tratada como uma coisa de fora da História sabe? Então eu lembro que muitos orientadores, diante de pesquisas sobre cinema e história falavam assim: - Ah, isso é pesquisa para Erica, isso você deve fazer no curso de cinema da ECA ou música, não é? Isso daí é pesquisa na ECA que você faz lá, no curso de música etc., e tal. Nada com outros cursos da ECA similares, em outros estados, mas eu penso que é também da história, também da História, é também da História, então eu acho que é importante, sem qualquer preconceito contra as pesquisas feitas na ECA e em cursos de Comunicações, mas vemos que isso é documentação histórica, isso é um material muito importante, não apenas para linguagem específica, para as relações sociais em geral, relações sociais em geral. Então isso era uma preocupação minha na orientação, incentivar a pesquisa com linguagens artísticas, ou o uso das linguagens artísticas no ensino de história, não como um material estranho, de um outro campo de conhecimento, mas como um material da experiencia social, material da experiencia social, então as pessoas é... a literatura, por exemplo, a literatura é uma referência importante para os leitores, não é? Então é, para os leitores em geral, para os leitores em geral, o Antônio Cândido, um excelente crítico literário, ele falava que a literatura ocupava um espaço informal nas ciências sociais, que as pessoas aprendiam, as ciências sociais, história, geografia, lendo ficção, lendo poesia, lendo diferentes gêneros literários, também é claro, as pessoas aprendem com os livros específicos de cada área, mas a um aprendizado informal de História através da literatura.
E1 – E aí você traz isso para o ensino de história, não é?
R – É então isso para mim era uma preocupação, não como um apêndice da história, mas como uma dimensão da experiência histórica.
E1 – Como parte, não é?
R – Uhum.
E1 – E aí agora eu observei, você tem dois livros, um deles tem duas edições inclusive, eu vi lá, e os títulos você mencionou prazer, e brinca com essa palavra, fala um pouquinho com essa brincadeira, que você brinca com prazer, na sua trajetória.
R – Então, eu tenho uma preocupação, as vezes o conhecimento histórico é tratado de uma maneira excessivamente formal, excessivamente formal, é claro que história, o conhecimento histórico não é uma produção literário no sentido de estilo e ponto, é claro que a pesquisa histórica, o ensino de história exige cuidados...
E1 – Claro.
R – Metodológicos específicos, a documentação, é.... determinadas técnicas de quantificação etc., etc., etc.. Mas eu penso que tem uma face, do conhecimento histórico, que diz respeito a beleza da expressão do historiador, eu tenho um grande apreço por historiadores, cientistas sociais, que tem preocupação com essa beleza. O... o.... Sérgio Buarque de Holanda, importante historiador brasileiro, escreve muito bem, um estilo elevado, clássico, o Gilberto Freyre, tem um estilo muito diferente do Sérgio Buarque, é, escreve muito bem, são excelentes escritores, é claro que eles são importantes como historiadores, como cientistas sociais, não apenas pela a excelência de escrita, mas também essa excelência de escrita faz parte, então quando eu peguei o... o norte do prazer, pensei assim: Ora, pois é, uma pesquisa histórica ela também deve suscitar o prazer de uma leitura, o prazer de assistir uma aula, uma aula bem concebida, uma aula bem planejada, e exige do professor uma excelente capacidade de expressão verbal, que escrevem muito bem, falam muito bem, ao meu ver isso é um algo a mais de grande peso, de grande expressão. É... eu entendo assim, que a história forma uma dimensão sisudez, da seriedade do trabalho da pesquisa, ela deve também suscitar esse prazer, o prazer no aluno, o prazer no leitor, penso que é muito bom que esse prazer exista, que esse prazer exista.
E1 – É... e que tudo muito bom, os seus títulos são convidativos, não é? Para ler. E ainda no campo do Ensino de História você participou de alguns desafios do campo, você pode citar o que você considera um principal desafio do campo de ensino de história dos últimos tempos, que você tenha participado?
R – Eu não sei se eu entendi o que você quer dizer com desafio (Risos) É... eu entendo assim, que a educação, inclusive o ensino de história, ela é um universo de disputa, de disputa intelectual, e também de disputa institucional, institucional, disputa não significa exclusão de nada, não é um excluir o outro não, mas as pessoas tem formulações diferentes, tem compreensões diferentes, tem explicações diferentes. E a educação é um campo de disputa entre essas explicações, aí que eu falei que não sei se entendi direito o que você tratou como um desafio, eu penso que para mim... é... os debates, as discussões sobre a Proposta Curricular do estado de São Paulo na década de oitenta, foram um grande desafio, um grande desafio, porque... é... havia um contexto político específico, do fim da ditadura, de sessenta e quatro a oitenta e cinco, e havia... um universo de discussão sobre diferentes possibilidades explicativas desta. Como eu penso sempre ensino e pesquisa da história conjuntamente, eu penso que as discussões metodológicas gerais da história são muito importantes para o ensino de história, sabe. Eu não penso que as discussões, por exemplo, sobre a colonização brasileira, as diferentes... é... modalidades de explicação da colonização brasileira seja uma coisa da pesquisa na universidade, não, elas são da escola, elas estão na escola, então o debater o que era o Brasil, Brasil entre aspas, é... do século XVI ao XVIII, não é um problema apenas da universidade, é também problema do ensino fundamental e do ensino médio. Eu penso que as últimas conquistas da pesquisa mais avançada, elas são muito importantes de serem levadas para os jovens, e... a Proposta Curricular, da década de oitenta, do final da década de oitenta, no estado de São Paulo, foi uma proposta por um lado, mobilizou bastante essa discussão, e por outro lado enfrentou graves barreiras. A ditadura foi rompida, acabou em oitenta e cinco, é... portanto, depois deste nós temos uma reestruturação de vários aspectos da sociedade brasileira. Eu entendo que aquela Proposta Curricular era uma parte dessa reestruturação, e ela enfrentou graves barreiras. São barreiras múltiplas, não simplesmente políticas não, embora façam parte de um contexto político, em texto. É... Por exemplo...é... Havia um tópico importante naquela proposta que era pensar que o ensino de história era um universo de autonomia do professor, autonomia intelectual do professor. Portanto, o professor também era um pesquisador, era um pesquisador. Era um pesquisador no sentido das escolhas historiográficas que ele fazia, no sentido das escolhas explicativas que ele fazia. E isso enfrentou graves barreiras, graves oposições, naquela proposta. Nós que fomos a voz, defendemos assim, que os livros didáticos fazem parte do ensino de história, mas não são o centro do ensino de história, eles são um instrumento do ensino de história junto com múltiplos outros instrumentos...
(corte no vídeo)
E1 – Tá, então a gente... vamos retomar um pouquinho, a gente estava falando do desafio da década de oitenta.
R – Oitenta.
E1 – Que foi a proposta curricular de São Paulo.
R – Então, eu estava falando, a proposta curricular foi em oitenta e oito, eu encaro que o ensino e a pesquisa são um espaço de debate, de disputa, confesso que eu fiquei assustado na época com a violência que a questão assumiu, eu... quando lembro desse assunto, destaco que a proposta do João Goulart, de história, foi algo de editoriais do Estado de São Paulo e da Folha de São Paulo, ser tema de um editorial... é... nesses jornais não é pouco, só que eu não falo isso como uma coisa boa não, porque foram editoriais agressivos, violentos, violentos, de desqualificação intelectual e também de acusações políticas, é... acusavam o (? 57:30) de ser porta voz do PCDB, eu... é... penso que... da maneira como foi colocado era algo extremamente pejorativo, porque... é, primeiro não correspondia a realidade dos fatos, segundo é tratar como não existindo intelectualmente, uma dimensão do conhecimento etc. Mas agora eu lembrei o que eu estava falando para você antes da nossa interrupção, eu tinha a impressão de que editoras de livros didáticos reagiram de uma maneira muito violenta, eles se sentiram, se sentiram atacadas, ameaçadas, se sentiram ameaçadas, editoras e autores de livros didáticos. Eu não penso que o livro didático é um inimigo do ensino de história, só que eu penso que não é o centro do ensino de história, não é o núcleo do ensino de história, é um instrumento, dentre outros, dentre outros, é um instrumento dentre outros. É... A barra foi muito violenta, em termos de... imprensa, opinião pública... e essa proposta foi... foi... suspensa e reelaborada, reelaborada, reelaborada... ficou como um documento da época, ficou como um documento da época.
E1 – Uhum, sim.
R – Ficou como um documento da época. Então eu penso que aquele foi um momento muito difícil, um momento muito difícil. Mas eu já... eu notei depois, que essa área é muito... usaria a palavra delicada, intelectual e politicamente, então quando no governo da Dilma ainda ouve discussões sobre a base nacional...
E1 – Curricular.
R - ... Do núcleo comum, a coisa se encaminhou para algo parecido, para algo parecido.
E1 – Uhum. E você estava naquele grupo que pensou na primeira versão, não é Marcos?
R – Na verdade eu era consultor do grupo.
E1 – A, tá.
R – Era consultor do grupo, e aquela primeira versão foi descartada, foi descartada, ela não foi discutida, ela foi descartada, e ela foi descartada inclusive em um momento que ela estava...bem no começo, ela estava bem no começo, bem no começo. Então, dá para perceber que... o debate sobre ensino é muito delicado, e a área de história especialmente delicada.
E1 – E na época eu lembro que o ministro então em educação, (? 1:00:25) deu uma segurada na proposta, depois liberou uma dizendo que não era do MEC, e aí você fez uma manifestação, depois até rendeu um artigo, não é Marcos? Mas você pode contar um pouquinho assim, essa ação que apontava o perfil ideológico da BNCC, como que foi a sua participação nessa...
R – É... eu tenho uma lembrança mais extensa da de oitenta e oito do que a BNCC, foi mais duradoura etc., etc. Duradoura a discussão, no caso da BNCC eu senti um descarte, um descarte. Um descarte com acusações que não aceitaram respostas, não aceitaram uma resposta, por exemplo, é... a nossa discussão preliminar, bem no começo da discussão, é... sugeria que... o ensino de história não se processasse automaticamente na ordem cronológica, que isso incitasse os alunos a iniciativa de procurar elementos, é... cronologia é um elemento importante é claro do conhecimento de história, mas não que a cronologia por si só explique a história. Nesse sentido é... nos começamos a propor a possibilidade de diferentes focos iniciais para o ensino de história e diferentes focos explicativos, uma ideia que a meu ver foi a que suscitou maior polêmica, foi a possibilidade de pensar é... o campo da história antiga, a chamada historia antiga, em primeiro lugar como pluralidade, não tinha só uma história, existia múltiplas historias antigas, em segundo lugar é um campo que é reelaborado em diferentes épocas e que essas reelaborações são objeto também para as crianças, vamos pensar por exemplo, como é que a história antiga aparece na época moderna, reelaborada, na retórica, na literatura, é... a história, a metodologia grega aparece no Lusíadas. Como é que ela aparece reelaborada? É, mas isso era uma discussão muito inicial, uma discussão muito inicial, e como nos falamos disso nós só fomos... história antiga é fundamental sim, só que ela não é algo que se explica cronologicamente, ela é algo a ser interpretado, interpretado vamos dizer, inclusive a partir da relação sobre quem interpreta, não é? Então existem referências a história antiga no Nazismo, é importante nos pensarmos como isso é reelaborado em diferentes experiências socias, mas isso foi interrompido, isso é interrompido. (? 1:03:33) direito a palavra, foi algo meio assustador. Só que esse exemplo da BNCC, a meu ver foi tão abrupto, o outro durou mais tempo, o de oitenta e oito durou mais tempo.
E1 – E ao que que você atribui a essa... essa duração?
R – Não sei... estou sendo sincero ao falar não sei, não sei ao que atribuir, que no caso de oitenta e oito...eu percebi uma resistência, eu me lembro, de editoras e autoras de livros didáticos... no caso da BNCC, não sei, não sei.
E1 – Não será que na década de oitenta ainda que tivesse muita resistência, mas existia uma pré-disposição para o debate democrático que estava no contexto, iniciando uma democracia?
R – Não sei, é.... havia vontade de democracia, mas não havia prática de democracia, não.
E1 – Não, não havia prática.
R – Foi... barrado e acabou. (Risos). É... no caso da BNCC, era o contexto do governo da Dilma Roussef, era um contexto democrático, um contexto democrático... eu não atribuo ao governo dela, propriamente dito, dela, dela, dela. Não sei a quem atribuir, não sei a quem atribuir, não sei a quem atribuir, é... o ministério agiu de uma maneira... que eu considero errada. O... ministério, o ministro lá, que não era a voz do ministério, o documento tinha assinaturas, tinha assinaturas, em momento nenhum foi dito que o documento era a voz do ministério, e era um documento que tinha elaboração, era um documento que tinha elaboração, eu não sei o que aconteceu, eu não sei o que aconteceu.
E1 – Uhum, e a resistência...
R – Nunca me chamaram, o ministério nunca me chamou para conversar. (Risos). Nunca me chamou para conversar.
E1 – E a resistência não foi só política, mas foi inclusive dentro da própria ANPUH, não é? Alguns grupos de trabalho se manifestaram contra também, não é? A própria história antiga.
R – Pois é, mas se manifestaram antes da hora, no meu entendimento, antes da hora.
E1 – Sim, sim.
R – Não havia uma proposta elaborada.
E1 – É, que na verdade era a hora de contribuir, não é?
R – É.
E1 – Estava em um momento inclusive deles contribuírem, não é. E você considerou desgastante esse momento?
R – (? 1:06:28)
E1 – Você considerou desgastante esse momento?
R – Sim, foi desgastante, foi desgastante, foi muito ruim, mas ... bola para frente, não é? Bola para frente.
E1 – (Risos).
R – E eu acho importante o seguinte, é... assim como os livros didáticos é... tem a sua importância, mas não resumem-se o ensino de história, essas discussões tem sua importância, mas não resumem o ensino de história, então não é a BNCC não resolve o ensino de história, ela é uma referência, uma referência, é uma referência a ser debatida, o debate continua.
E1 – Sim.
R – Na universidade, nas escolas.
E1 – A resistência.
R – Eu penso que a palavra final é a do professor, a palavra final é do professor. A palavra final é do professor.
E1 – Sim, e...
R – E não é uma, aliás, palavra final propriamente não existe nunca não é, está sendo sempre reelaborada.
E1 – Reelaborada, não é, reelabora.
R – Uma vez que o ensino é um diálogo com os alunos.
E1 – Você ainda está atuando no ensino de história?
R – Desculpa, eu não entendi.
E1- Você ainda está atuando como docente?
R – Sim, então, sim... é...
E1 – Se aposentou, não sei como que está.
R – É... aposentadoria habitual na universidade é aos setenta anos, eu completei setenta anos em dois mil e vinte, antes de eu completar os setenta anos, ouve a eleição do Bolsonaro, que para usar a palavra sincera, me deu muito medo, a eleição dele, medo geral, (? Político ou e tipo 1:08:12) o que ele anunciava, o que ele anunciava contra, contra mulheres, contra negros, contra os pobres... e... eu tive a sensação de que haveria um ataque as aposentadorias, portanto eu queria a aposentadoria, eu queria a aposentadoria no segundo semestre de 2019, a minha aposentadoria saiu em abril de 2020, portanto a minha aposentadoria saiu antes da...
E1 – Da reforma.
R – Da COVID ser declarada oficialmente, como pandemia. Eu nunca dei aula presencial, depois da aposentadoria, eu dei um curso, no segundo semestre do ano passado, dois mil e vinte e um, na pós... na graduação, na graduação, na graduação, é... eu tinha pensado em oferecer esse curso na pós-graduação, ouve um problema infelizmente na nossa área de metodologia, um professor com problema de saúde precisando fazer tratamento com urgência, e o coordenador da área me pediu para entrar no lugar dele, então eu fiz as devidas adaptações do meu projeto em curso e apresentei na graduação, com um curso, um semestre inteiro, e para mim foi muito bom, é... foi uma experiência muito legal, o contato com a graduação. É... eu estou, portanto, habilitado a dar aula, e pretendo voltar a dar outras vezes, claro, eu tinha pensado em dar aula no segundo semestre, mas o meu problema no joelho está pior, e está previsto uma cirurgia agora no começo do segundo semestre, o começo é agora (Risos) está previsto entre agosto e setembro eu fazer essa cirurgia, é uma cirurgia é... que a recuperação é um pouco demorada, eu vou colocar... a palavra não é implante, não me lembro agora, uma rotula, uma rotula...
O bolsista (identificar o bolsista presente e que se pronunciou) dá a indicação de que a palavra pode ser prótese.
E1 – Prótese.
R – É uma prótese, é uma prótese, a palavra é prótese, a palavra é prótese. E... eu devo ficar dois meses em repouso, eu resolvi não oferecer curso agora no segundo semestre, então provavelmente ofereceram no ano que vem, não sei se na graduação ou na pós-graduação.
E1 – A gente está encaminhando para a finalização da entrevista, eu queria que você falasse um pouco, como você avalia que mudou em relação ao ensino de história na escola, desde o início da sua experiência lá, talvez na graduação, para agora na escola?
R – Então, você... pensando quando eu comecei a dar aula, eu comecei a dar aula na segunda metade da década de setenta, era um contexto ditatorial, as ditaduras querem controlar tudo, mas não controlam, (Risos), mas não controlam, eu lembro que a minha primeira turma no ensino...é... no ensino público, é... ainda era a ditadura eu resolvi usar, introduzir a disciplina de história da américa, no ensino médio do estado de São Paulo, e aí eu resolvi trabalhar com os alunos, dentre outros materiais, o livro “A Ilha” do Fernando de Morais, é um livro de reportagem, ele é um repórter, é um jornalista, em que ele fala sobre Cuba, na época Cuba era um assunto praticamente ausente da imprensa brasileira e não entrava no ensino de história, não estava no ensino de história, quando introduziram o programa de história da américa, era um programa interessante, um programa legal, escolhiam casos da américa, além de panorama geral da américa, casos nacionais, não tinha Cuba, tinha Brasil, Argentina, México, Venezuela, Venezuela na época era muito falada por causa do petróleo (Risos), não tinha Cuba, e eu falei para a professora: O professora, precisamos falar sobre Cuba, é o único pais socialista no continente americano, precisamos conhecer Cuba. E, pegamos o livro do ... do... Fernando de Morais, que é um livro bem escrito, é um bom jornalista, escrevia, escrevia e escreve muito bem, e os alunos gostavam, nos lemos juntos o livro “A ilha”, e eu encarava aquilo assim, olha a ditadura esta aí, mas a gente pode dar uma contornada, dar uma contornada, dar uma maneira de contornar. Eu penso assim, que... isso que eu falei sobre a última palavra, a última palavra entre aspas, do ensino de história, quem dá é o professor, é... portanto você está com os seus alunos e você tem uma liberdade de apresentar e interpretar, apresentar e interpretar, é... eu entendo que o ensino reflexivo não pode ser obediência a lei ou a normas, ele é um ato de pensamento, ele é um ato de pensamento, do professor junto com os alunos, é um esforço para os alunos entenderem a história como um universo de pensamento, as vezes as pessoas pensam que... estudar história é um destino interminável de nomes e datas a serem memorizados, mas isso é a norma história, isso é a norma história, história são as experiências humanas sobre as quais nós pensamos, e nós também somos seres humanos, nos também vivemos experiências históricas e pensamos sobre essas experiências, então a... a (? 1:14:24) não foi fácil durante o ensino de história hoje, a queda da ditadura acabou, ouve um período de... de... de certa democracia, a meu ver, desde Temer, nós temos uma experiência de nova ditadura, nova ditadura, e eu entendo que a função do professor de história e de outras disciplinas é o incentivo ao pensamento, a reflexão crítica, a reflexão crítica, é claro que isso nos torna abstratos, é um processo concreto que envolve desde salário do professor, até materiais disponíveis, materiais disponíveis, não são brigas separadas, eu percebo que... depois daquela ditadura, ao longo da experiência minimamente democrática e agora com essa nova ditadura, a educação enfrenta grandes (tosse) graves problemas, não é, o primeiro problema que sinto é extremo descompasso entre ensino público e ensino privado, não que o ensino privado todo seja bom e o ensino público todo seja ruim, não, mas há um descompasso muito grande, muito preocupante, muito preocupante, muito preocupante. As condições dos materiais do ensino privado costumam ser melhores, é... porque ele é pago e as melhores escolas privadas são muito, muito, muito caras, entre pegar uma escola como Santa Cruz, que é uma escola boa, uma escola muito boa, é absurdamente cara, é difícil acesso até para a classe média, as vezes dá a impressão que é uma clientela de pessoas de alto nível de rendas que consegue acompanhar aquelas mensalidades, e aí sabe, condições boas, boas instalações, bons materiais. A maioria das escolas públicas infelizmente não tem essas condições materiais, e tem as condições humanas, os professores, nível salarial péssimo nas escolas públicas, com raras exceções eu falo com raras exceções, que embora não sejam excelentes são bons os níveis das escolas técnicas federais, que agora deveria ser o modelo da escola pública, então eu penso que esse descompasso precisava ser gravemente atacado, pois ela é absurda, anti república esse descompasso, quer dizer que quem pode pagar uma fabula aí tem uma educação melhor, os que não, que não podem pagar essa fabula estão condenados a um ensino materialmente é... de pa.. péssimo, assim péssimo, assim péssimo.
E1 – E como você avalia a pesquisa no ensino de história, quando...
R – Eu entendo que ela se expandiu, isso é muito bom, isso é muito bom, eu até quero destacar uma coisa especifica que é a existência do PROFHIST, quando o programa do PROFHIST apareceu eu fiquei muito contente, muito entusiasmado, inicialmente ele era restrito a poucos estados, não é? Eu lembro de Rio de Janeiro e Bahia, não sei se tinha em outros estados, não sei se tinha em outros estados.
E1 – Tem.
R – Eu mandei uma carta para coordenadora do Rio de Janeiro, perguntando se abrangeria outros estados, ela me respondeu educadamente, gentilmente sim, que havia a previsão, e em seguida houve a expansão, é... então o PROFHIST eu acho uma experiência muito interessante, muito interessante, muito interessante. Que é pensar sobre, sobre... o universo do ensino de história de diferentes maneiras, é... o primeiro esboço do PROFHIST é que todos os pós-graduandos recebessem bolsa, infelizmente piorou, não é para todos, mas eu acho bom que o PROFHIST exista, que haja uma preocupação formal com a pesquisa sobre ensino de história de diferentes maneiras, a pesquisa interpretativa, uma pesquisa de produção de materiais, legal, que bom, ótimo, ótimo.
E1 – Sim.
R – É claro que essa produção é uma produção justificada, explicada, mas gera resultados muito bons, já participei de algumas bancas do PROFHIST, e tive uma impressão muito boa, esse ano o pessoal da UNIFESP de Guarulhos me convidou para a aula inaugural do curso deles, do PROFHIST, é um...
E1 – É muito bom.
R – É um contato muito... então a meu ver isso é uma conquista, isso é um avanço, isso é um avanço, precisa ir mais longe, precisa ir mais longe. Às vezes me dá a impressão de que no Brasil algumas atividades que são tratadas quase como uma exceção sabe, por exemplo, você tinha mencionado a atividade de extensão, a maioria da extensão precisava ser muito mais ampliada, precisava ver muito mais cursos é... porque a formação é eternamente, não tem como escapar, não é apenas para a área de história, mas para a área de história também é, e estão surgindo novos problemas, novas pesquisas, é... novas experiências e é muito importante que isso seja debatido amplamente.
E1 – Sim, importante. É, e aí eu já vou passar para a outra pergunta que é sobre a formação do professor de história hoje, como você vê. E aí você falando assim eu lembrei que a nova resolução de dois mil e dezenove coloca a extensão no currículo não é, curricularização da extensão. (Nem todo mundo ainda está fazendo isso, mas tá tendo uma...? 1:20:32).
R – Uma coisa importante pensando assim, que a formação do professor é uma formação permanente, e agora é... a posto essa formação permanente são um descaso, um descaso, muito descaso. Quando eu comecei o meu... mestrado, havia um dispositivo da LHO no estado de São Paulo que os professores advertidos que entravam na pós-graduação é... saiam de sala de aula e mentiam os salários, por exemplo, era uma espécie de bolsa de incentivo a pós-graduação, isso acabou, isso acabou, você teria que pedir para sair de sala de aula sem remuneração, eu tenho um orientando, ele... ele é professor efetivo da rede estadual, e ele pegou bolsa, e ele resolveu sair da sala de aula é... sem remuneração, ele não ganha nada, ele vive da bolsa dele, ele vive da bolsa, então essa formação permanente é uma necessidade importante, a pós-graduação é um... uma via para essa formação, é uma via para essa formação.
E1 – E como que você vê o campo hoje Marcos? As principais conquistas que nós temos hoje para o campo do ensino de história?
R – É... eu penso que há uma discussão ampliada sobre a multiplicidade de focos da aprendizagem de história, quer dizer, hoje em dia é mais frequente uma consciência ampliada, de que... o ensino de história não se dá apenas em sala de aula, não se dá apenas no livro didático, portanto que uma visita com os alunos a um museu não é uma visita turística, é uma visita de aprendizagem, a um museu ou a outros espaços de conhecimento, a meu ver essa consciência se ampliou, isso aí é uma conquista legal. É claro que, é... isso não se tornou (?1:22:43) é... na prática isso significa mobilização de transporte, mobilização material para realizar essas tarefas, realizar essas tarefas.
E1 – E desafios?
R – No ensino de...
E1 – O principal desafio que você vê hoje no campo de ensino de história?
R – Consideramos importante a concentração da liberdade interpretativa, sabe. O entendimento que estudar história é estudar interpretativamente, não é uma informação oca, uma sequência mecânica de datas, as datas nunca são ocas, as datas são datas de experiências humanas, então a liberdade interpretativa sobre essas experiências humanas a meu ver é um desafio fundamental, garantir que essa liberdade seja... seja... seja preservada, é... é... encarar o convívio entre diferentes interpretações, não é no sentido de neutralidade que eu penso, não é no sentido de neutralidade, é que diferentes interpretações e fundamentalmente metodologicamente, elas são algo muito importante para o conhecimento histórico, não são simplesmente excludentes, elas são, desde que fundamentadas metodologicamente, então garantir essa liberdade interpretativa e a pluralidade das interpretações...
E1 – É um grande desafio.
R – Viveram um grande desafio. Infelizmente, nos enfrent... encaramos aí ações até de censura de determinados temas.
E1 – Muitas.
R – E temas que são meio proibidos, o que é um absurdo, é um absurdo. Abordagens que são proibidas, perseguições políticas, é... no universo da educação e da cultura em geral, lutas contra as (1:24:57).
E1 – Então, agora para terminar, eu vou... comecei com você, para a sua história, não que a gente tenha saído da sua história, mas enfim, ela no meio da entrevista ela fica temática, mas eu vou voltar para você perguntando é... como que está a família agora? Hoje?
R – Como é que está?
E1 – Como que está a sua família agora?
R – Como que... não entendi.
E1 – A sua família, você falou de uma irmã...
R – Então, eu tenho uma irmã, ela tem filhos, ela morou em Rio Grande do...
E1 – Aqui em São Paulo? Mora Lá.
R – Mora no Rio Grande do Norte, mora no Rio Grande do Norte. Os meus pais já faleceram, se estivessem vivos teriam mais de cem anos. (Risos).
E1 – (Risos). E o que você gosta de fazer Marcos?
R – Então, ler e escrever. (Risos).
E1 – (Risos). Continua.
R – Olha, eu gosto muito de visitar museu, mas estou visitando pouco, porque estou com uma artrose no joelho. (Risos). É... eu gosto muito de cinema, mas, é... tem visto muito pouco cinema em salas de cinema, ido muito pouco, é... em parte por causa da pandemia, é claro, em parte por causa da pandemia. Mas não só, também a artrose me desamina, aí fico vendo filmes na televisão, coisas dessa natureza, eu gosto muito de ver filmes... o que mais? Gosto de cozinhar.
E1 – Ah, é? (Risos).
R – Eu não sei se eu me adaptaria a cozinhar no dia a dia, mas cozinhar fim de semanas etc. e tal eu gosto, é uma coisa que eu gosto.
E1 – Que legal. E qual é o seu maior sonho hoje?
R – É... tem um filme, eu vou responder com uma cena desse filme, que é um concurso de misses, e todas elas respondem assim “A paz mundial”.
E1 e R – (Risos).
R – Eu não responderia a paz mundial porque não candidata a miss.
E1 e R – (Risos)
R – Mas é... responderia garantias democráticas. (Risos)
E1 – Opa, estamos juntos nessa então. E o que você achou de contar a sua história desse jeito.
R – Ah, bom... você é uma boa entrevistadora.
E1 – (Risos). Tem alguma coisa que você gostaria de narrar, que tenha passado, tenha escapado?
Silencio por alguns segundos.
R – Tem uma coisa que eu não falei que eu gostaria de falar, na proposto do João Goulart de oitenta e oito, quando nós é... discutimos a questão dos livros didáticos, nós falávamos assim, que os próprios professores podiam produzir seus materiais didáticos, desde que esteja garantido as condições de produção é claro, (? 1:27:56). É claro que em momento nenhum passou na nossa cabeça uma obrigatoriedade do professor produzir material didático para... mas a liberdade, a possibilidade, e até a conquista de produzir esses materiais, reconquista, eu penso que materiais produzidos pelos professores, é claro eles estão aí, uma aula é um material didático também, uma aula é um material didático, eles estão aí, eles não substituem, é... não é que eles ocupam o lugar de outros materiais, mas eles tem a peculiaridade de serem materiais daquele professor naquela situação de ensino, eu entendo que isso é uma conquista importante também, o ensino não está resolvido automaticamente, não tem um pacote pronto, o livro didático maravilhoso, o vídeo maravilhoso, cada aula é uma situação.
E1 – É contingencial, não é?
R – Cada aula é uma situação de relação específica, com aqueles alunos, com aquela escola, com aquele momento. Eu... eu conheço crianças, pré-adolescentes que estão na escola é claro, agora eles vivem um momento da guerra da Ucrânia, e a escola onde eles estudam tomou uma iniciativa muito interessante, todo dia a Ucrânia é um tema, todo dia. Eu penso que é muito legal, é... não é um tema para a aula de história não, é para todas as aulas, todas as aulas. Eu entendo que isso é uma atitude muito legal, no sentido de falar, olha, a formação de vocês, escolar, se dá no aqui e agora, vocês têm que saber o que está acontecendo, tem que saber o que está acontecendo, porque se não fica uma informação no vazio. Então, materiais específicos no meu entendimento são importantes não como uma carga a mais para professor, até como uma conquista a mais do ensino que ele faz, e inteirá-lo com outros materiais é claro.
E1 – Claro. Então, muito obrigada Marcos.
R – Um prazer.
E1 – É, então, como a gente tinha falado no início, eu me comprometo a encaminhar a transcrição para você.
R – Legal, faço a revisão.
E1 – Se você pudesse expressar autorização do uso dessa entrevista, deixar...
R – Claro, claro. Agora eu vou registrar uma coisa que não tem nada a ver com a entrevista, não passei mal.
E1 – Que ótimo.
R – Felizmente não voltei a passar mal.
E1 – Que ótimo.
R – Eu tenho um pouco de medo porque eu tive um problema, a muito tempo já, em 2006, eu tive um infarto em 2006, como eu sou uma criatura de hábitos absurdamente é, caretas, nunca fumei tabaco, bebo muito pouco álcool, não uso outras drogas, aí a minha recuperação foi relativamente tranquila, foi legal a minha recuperação do infarto. É... mas aí como eu tinha esse mal-estar fico um pouco assustado, será que está dando algum problema? Não. Não voltei a ter infarto.
E1 – Não, não mesmo.
R – Não, felizmente não voltei.
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