A dificuldade em Portugal era muito grande, principalmente para os jovens. O meu pai teve a oportunidade de vir para o Brasil e veio para tentar uma nova vida. Deixou lá minha mãe com uma filha de um ano e meio, que vieram em seguida, pois ele conseguiu um documento que se chamava “carta de chamada”. Inicialmente, eles ficaram em Campinas e depois ele conseguiu trabalho na Usina Ester, começou no armazém da Usina carregando saco de açúcar, passou por cargos melhores e acabou trabalhando no escritório. Por volta dos cinquenta anos, sofreu um derrame e nunca mais se recuperou, ficou oito anos inválido e morreu muito jovem. Uma portuguesa, com certeza Cresci ouvindo histórias de Portugal. Quando vi já tinha aprendido a escrever para mandar cartas para minha avó e para a parte da família que só via nas fotografias, eu sabia mais de Portugal do que do Brasil. No Brasil meus pais tiveram mais seis filhos, infelizmente uma morreu com apenas quarenta dias. Cinco brasileiros e uma portuguesa, fomos crescendo ao redor da Usina, onde nasci e morei até os sete anos, depois viemos morar em Cosmópolis. Interessante que em Portugal o sobrenome não tem a mesma dinâmica que a do Brasil, por isso cada filho tem um sobrenome. Minha irmã portuguesa achava isso esquisito, porque só ela era “Eliziara de Almeida”, e todos os outros são “Ribeiro Domingues”, isso era motivo de brincadeira e até brigas. Até hoje Portugal mantém muito da sua tradição, estive lá em 1990. A Comunidade Econômica Europeia ainda não estava constituída, acredito que hoje tenha mudado muita coisa. Falo, por exemplo, das viúvas portuguesas, que se vestiam de negro e nunca mais tiravam o manto, uma cena muito forte a das mulheres de luto. Portugal era e ainda é, em grande parte, um país de pescadores. Até hoje grande parte da economia vem da pesca, e o mar sempre levou embora muitos homens, por isso é muito comum ver as viúvas, as...
Continuar leituraA dificuldade em Portugal era muito grande, principalmente para os jovens. O meu pai teve a oportunidade de vir para o Brasil e veio para tentar uma nova vida. Deixou lá minha mãe com uma filha de um ano e meio, que vieram em seguida, pois ele conseguiu um documento que se chamava “carta de chamada”. Inicialmente, eles ficaram em Campinas e depois ele conseguiu trabalho na Usina Ester, começou no armazém da Usina carregando saco de açúcar, passou por cargos melhores e acabou trabalhando no escritório. Por volta dos cinquenta anos, sofreu um derrame e nunca mais se recuperou, ficou oito anos inválido e morreu muito jovem. Uma portuguesa, com certeza Cresci ouvindo histórias de Portugal. Quando vi já tinha aprendido a escrever para mandar cartas para minha avó e para a parte da família que só via nas fotografias, eu sabia mais de Portugal do que do Brasil. No Brasil meus pais tiveram mais seis filhos, infelizmente uma morreu com apenas quarenta dias. Cinco brasileiros e uma portuguesa, fomos crescendo ao redor da Usina, onde nasci e morei até os sete anos, depois viemos morar em Cosmópolis. Interessante que em Portugal o sobrenome não tem a mesma dinâmica que a do Brasil, por isso cada filho tem um sobrenome. Minha irmã portuguesa achava isso esquisito, porque só ela era “Eliziara de Almeida”, e todos os outros são “Ribeiro Domingues”, isso era motivo de brincadeira e até brigas. Até hoje Portugal mantém muito da sua tradição, estive lá em 1990. A Comunidade Econômica Europeia ainda não estava constituída, acredito que hoje tenha mudado muita coisa. Falo, por exemplo, das viúvas portuguesas, que se vestiam de negro e nunca mais tiravam o manto, uma cena muito forte a das mulheres de luto. Portugal era e ainda é, em grande parte, um país de pescadores. Até hoje grande parte da economia vem da pesca, e o mar sempre levou embora muitos homens, por isso é muito comum ver as viúvas, as mulheres olhando para o mar, esperando a volta de seus homens, seus filhos, muitos nunca voltam, e muitas delas enlouquecem. A literatura é muito farta nesse sentido, també a canção e os poemas. Tem um poema do Fernando Pessoa que canta esse luto: Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu. Isso é muito forte, é uma imagem muito bonita, muito forte da vida portuguesa que aprendi, que ouvi e cresci ouvindo. Hoje deve estar tudo muito diferente, mas quando estive lá via as mulheres de negro sentadas nas muretas, olhando para o mar o dia inteiro, esperando. Talvez elas estivessem só olhando mesmo, mas na minha cabeça era aquela imagem da literatura das mulheres esperando a volta dos homens. Acho até que eu tinha problemas de identidade por causa da minha relação com Portugal, tinha a sensação que deveria voltar para algum lugar o tempo todo. E quando fui pra lá, vi que não, que lá não era o meu lugar, então eu voltei. Demorei um bom tempo para perceber que era brasileira mesmo e que a minha vida era aqui. Porque a presença de Portugal na minha vida era muito forte, e ainda é. Eles são muito dramáticos, as mulheres portuguesas falam muitos palavrões – herdei esse hábito –, e para tudo também fazem um carnaval muito grande. Os portugueses são intensos e dramáticos, cheios de muita carga emocional nas relações. Eu ouvia também aquele sotaque português, que é motivo de piada em todo lugar. Cresci ouvindo isso. Quando fui para a escola, acabei perdendo porque o ser humano mimetiza, reproduz aquilo com que tem mais contato, e eu estava ali, com as crianças brasileiras, acabei perdendo o sotaque. Mas herdei a correção portuguesa com o uso dos pronomes, com a construção de frases, mas às vezes ficava ridículo usar a língua adequadamente, ainda mais uma criança falando muito direitinho, fica ridículo. Só com o tempo percebi que podia falar de forma mais descontraída. 1968 Quando fui para a escola, aqui só tinha o ginásio que corresponde à oitava série. Terminado o ginásio nos tínhamos que estudar em outra cidade. Então fui para Campinas estudar no Culto a Ciência, uma experiência muito desagradável, eu não estava pronta para sair de uma cidadezinha e cair em um colégio daqueles. Era a escola da elite campineira, o que tinha reflexos no sistema de ensino. Eu que sempre fui uma aluna nota dez, fui reprovada no segundo científico, que seria hoje a segunda série do ensino médio. Fiquei um longo tempo fora da escola, depois tentei Madureza , já estava com dezoito anos, em 1968, momento em que o país estava no auge da ditadura militar. Paralelo aos estudos, eu era militante e participei de um grupo operário de reação ao governo, militei por quase um ano e acabei presa. Tornei-me um alvo muito fácil, era uma pessoa de dezoito anos, profundamente descontente com a vida, vinha de uma família pobre, com muitas dificuldades, podia não saber o que era exatamente, mas era muito nítida a injustiça, as oportunidades nunca chegavam. Nós vivíamos à margem da vida e isso era o suficiente para alguém nos dizer: “Olha, será que se a gente juntasse as forças não seria possível mudar?”. Ora, dezoito anos é a idade que a gente tem para mudar o mundo, então foi exatamente nesta fase que acabei militando. Era um grupo que pregava a organização da massa e a luta armada, nosso objetivo era reunir recursos e pessoas para, se fosse preciso, exercer a luta armada para tomar o poder, um projeto bem pretensioso. Não chegamos a tanto, porque da mesma forma que os subversivos, como eles chamavam, se organizavam, a polícia também estava muito aparelhada, muito organizada para se defender, e eles acabavam descobrindo facilmente esses grupos e prendiam. E aconteceu aquilo que a gente já cansou de ver, a tortura, a morte e o sumiço. Os chefes militantes vinham de São Paulo, era uma dissidência do MR-8 , para treinar os quadros em Campinas, e isso ia se multiplicando para conseguir organizar as pessoas para uma luta futura. Era esse o processo de 68/69. Eu achei que eles demoraram a me convidar, porque era tudo o que eu precisava, de um grupo para lutar contra a injustiça que me atingia também. O processo todo durante os inquéritos era muito velado, eu não conhecia os meus companheiros de organização, senão por um nome, e eu não podia saber mais do que isso deles para a segurança de todos; eram nomes de guerra que nós usávamos. O meu foi dado por um dos companheiros, era “Lara”. Na época tinha passado o filme “Doutor Jivago” e tinha a Lara, e não sei por que resolveram me chamar de Lara. Então esse foi o nome pelo qual me conheciam dentro do grupo. Depois, durante os inquéritos, a gente foi se descobrindo, uns aos outros, e percebi que no meio daquilo tudo tinha alguém que precisava lutar e que tinha que estar lá, e era eu, porque todos os outros tinham uma forma de vida mais amparada, já conseguiam estudar, tinham família mais estruturada, e eu era aquela pobretona ignorante que só tinha vontade mesmo de mudar o mundo, então era a revolucionária ideal. Nós chegávamos a acreditar que éramos poderosos mesmo para a organização de esquerda, ao longo da história a gente vê que ela foi bastante forte para provocar mudanças. Hoje no Facebook todo mundo pode falar mal do presidente e pode fazer as piadas mais escabrosas sobre o presidente; nós não podíamos nem sequer pensar em qualquer coisa que arranhasse a imagem do governo, mas em um período muito curto nós conseguimos um avanço grande nesse aspecto, das pessoas poderem expressar coisas que para nós era proibidíssimo. Prisão Fui presa pela primeira vez no sábado, numa véspera de sete de setembro, a polícia tinha notícias de que no dia sete os grupos subversivos iriam desencadear algum atentado contra o poder, então no dia seis eles passaram coletando o máximo de subversivos que eles puderam. Nessa época eu estava na casa de uma tia em Campinas, a irmã mais velha do meu pai, e bateram na porta, essa porta dava direto para a rua, quando abri alguém já me segurou pelo braço, perguntou quem eu era e quantos anos eu tinha, porque eu tinha cara de menor de idade, ele me puxou para fora e quando eu caí do degrau, vi que a casa estava toda cercada de soldados com metralhadoras apontadas para todos os lados. Não sabiam quem estavam indo buscar, e iam com um aparato de cinema mesmo. Colocaram-me dentro de um carro, fiquei quase 24 horas na delegacia (delegacia comum de Campinas) depondo, isso sem comer, sem dormir, sob muita pressão. Fui a primeira que prenderam. Depois de algum tempo fiquei em uma saleta com um soldado na porta. Aí perguntei se podia me comunicar com a minha família para dizer que estava tudo bem e ele falou “você está incomunicável”, aí percebi que era muito mais sério do que eu pensava. Faziam uma pressão psicológica muito grande, me deixaram isolada, eu só via militares, e por um dos ângulos da cela eu podia ver um dos meus companheiros, também preso, em uma cela da frente. Eles chegavam o tempo todo. Imagine, eu, pequenininha como sou até hoje, e aqueles militares enormes, aqueles homens que talvez hoje eu até os achasse bonitos, dizendo pra mim: “E aí, cadê seus companheiros? Você foi traída. Cadê, onde está a ajuda agora, quem está lhe amparando?”. Era uma pressão muito grande para que eu falasse. Durante o inquérito nós tínhamos o seguinte acordo: “se vocês forem presos mintam o máximo que puderem, digam que fazem parte de um grupo de teatro” e era isso que a gente sustentava o tempo todo, “eu não sei nada, faço parte de um grupo de teatro”... Enfim, eles me soltaram, liberaram. Voltei para Cosmópolis e uns três dias depois o exército veio me prender. Fiquei em um lugar que não existe mais, era a 5º Guarnição de Canhões 90 milímetros anti-aéreos em Campinas, o 5ºGCAN 90 AAE. Ali fiquei mais vinte e poucos dias. Primeiro incomunicável mesmo, que era a forma que eles usavam para que falasse tudo que soubesse, e enquanto isso eles foram ouvindo todos os meus companheiros, porque eu era tida como uma militante fervorosa, aquela que possivelmente tinha mais informações. Penso que eles achavam que eu tinha um valor a mais que os outros e me deixaram por último. Quando fui ouvida já tinha sido tudo dito. E eu só fiz confirmar. Fiquei ainda em uma espécie de condicional. Voltava toda semana ao quartel para fazer um relatório da minha vida diária, onde eu tinha estado, com quem tinha conversado, o que tinha feito. Isso durou um período longo. Todas as convicções exacerbadas são problemáticas, no nosso caso essa revolta e essa vontade de lutar era exacerbada e por isso mesmo era desequilibrada. No grupo nós tínhamos práticas e estudávamos muito a linha política que defendíamos – a organização da massa e a luta armada. Jamais poderiam saber que existia uma organização política, que eu era militante. A volta para Cosmópolis Na cidade ficou um mal estar muito grande, Cosmópolis na época tinha uns 10 a 12 mil habitantes. Todo mundo conhecia todo mundo, mas as informações também não chegavam, a imprensa estava sob censura, então as pessoas achavam que eu tinha sido presa por causa de roubo de maconha! Tive problemas para trabalhar, não conseguia trabalhar em lugar nenhum, os pais não iam deixar seus filhos terem amizade com um mau elemento como eu, então fui trabalhar na lavoura por um período, colhi algodão e trabalhei no plantio de vagem. Acredito que até por uma questão de segurança e de sobrevivência, as pessoas procuravam se manter o mais longe possível dessas questões, era melhor não saber o que estava acontecendo, porque só pelo fato de saber, você podia ser indiciado. Quando nós fomos fazer levantamento nos processos de anistia, chegamos a ver casos como o de um paciente que estava no dentista quando a polícia foi buscá-lo, sob a acusação que ele era um subversivo, e o dentista disse: “Olha, aqui no meu consultório sou eu que mando enquanto o paciente estiver na minha cadeira, vocês não vão prendê-lo”. Eles prenderam o paciente e o dentista. Qualquer posição que pudesse representar um obstáculo, ou se eles achassem que você estava blefando, era o suficiente para você ser indiciado e torturado. Por segurança, as pessoas preferiam não saber das coisas, primeiro porque a imprensa não divulgava nada e, depois, os rumores faziam com que as pessoas tivessem medo de se envolverem em qualquer questão. Na época eu não tinha nem dimensão e nem noção do que aquilo significava. Eu estava tão desesperada com a iminência de ter perdido tudo aquilo em que acreditava, me sentia praticamente abandonada e não tinha como avaliar que os pais dos meus amigos estavam protegendo seus filhos ao não deixarem nos vermos, só o tempo me deu a noção do que aconteceu comigo, não era uma maldade, foi uma necessidade que sentiram na época, de se proteger e proteger seus filhos, uma reação muito humana. Até hoje tenho amizade muito forte com alguns companheiros da época de militância, viramos uma família, com outros perdi o contato, por força das circunstâncias, ou porque se mudaram, ou morreram. Mas ficou um vínculo muito forte, com certeza, uma coisa para não esquecer mesmo, para o resto da vida. Por conta da dificuldade de conseguir emprego, trabalhei na roça na região toda, depois uma vizinha conseguiu pra mim um trabalho na tecelagem, aprendi a lidar com fios e tudo isso acabava me abrindo uma nova visão. Talvez, se não fosse por isso, nunca iria conhecer uma fábrica, acho que foi muito importante na minha vida entender o que era uma fábrica – tão falada nas organizações como a nossa –, o que faziam aqueles operários e como faziam, era um trabalho tão agressivo, tão bruto, as pessoas ficavam expostas a muitos ruídos e a um ambiente muito insalubre, conheci a fábrica por necessidade. Sempre gostei muito de aprender coisas. Retomada Já nos anos 1990, em 1993, um dos meus irmãos se tornou vereador e pediu emprego pra mim na Prefeitura, fui lá trabalhar de favor e foi uma oportunidade e tanto, porque lá consegui aprender muito e conhecer todo o serviço público, ter uma ideia bem interessante do que é o serviço público, do que é uma Prefeitura. Fui passando por vários departamentos e acabei até trabalhando como chefe de gabinete por um período bem longo, fiquei uns quinze anos. Neste período, fiz faculdade de letras, minha especialização é de língua portuguesa e literatura de expressão portuguesa. Trabalhava na Prefeitura e dava aula também. Depois, tivemos um acidente familiar e perdi um cunhado em um acidente de moto, foi horrível. Ele tinha uma pastelaria na rodoviária de Cosmópolis e com a morte dele minha irmã assumiu a pastelaria e acabei saindo da Prefeitura para ficar com ela naquele momento muito difícil. Sujei minha carteira, porque vinha de um emprego com salário interessante e saí para trabalhar na pastelaria. Depois disso, fui trabalhar na Assembleia Legislativa. José Pivatto, o Prefeito da época, se candidatou a deputado e me convidou para trabalhar com ele em São Paulo, foi assim que trabalhei na Assembleia Legislativa. Depois disso trabalhei com minha irmã e meu atual cunhado, porque ela se casou novamente; nós abrimos uma loja e ali fiquei até me aposentar, por dez anos, na loja Tribo das Artes. A Literatura Lembro ainda não saber ler, mas a minha irmã mais velha, quinze anos mais velha do que eu, já tinha revistas e gibis, e eu adorava mexer nas revistas, gostava muito desse contato com o papel, com as letrinhas. Meu sonho de criança era ser escritora, eu ficava horas e horas pensando nas histórias que ia escrever, então, de alguma maneira, isso já estava impresso, já estava carimbado. Tem uma poesia que talvez me defina. É uma poesia um tanto agressiva, mas quando eu li, pensei: “Essa sou eu”, eu me via ali, escrita. É do José Régio, mas é como se fosse minha. "Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces Estendendo-me os braços, e seguros De que seria bom que eu os ouvisse Quando me dizem: "vem por aqui!" Eu olho-os com olhos lassos, (Há, nos olhos meus, ironias e cansaços) E cruzo os braços, E nunca vou por ali... A minha glória é esta: Criar desumanidades! Não acompanhar ninguém. — Que eu vivo com o mesmo sem-vontade Com que rasguei o ventre à minha mãe Não, não vou por aí! Só vou por onde Me levam meus próprios passos... Se, ao que busco saber, nenhum de vós responde Por que me repetis: "vem por aqui!"? Prefiro escorregar nos becos lamacentos, Redemoinhar aos ventos, Como farrapos, arrastar os pés sangrentos, A ir por aí... Se vim ao mundo, foi Só para desflorar florestas virgens, E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada! O mais que faço não vale nada. Como, pois, sereis vós Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem Para eu derrubar os meus obstáculos?... Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós, E vós amais o que é fácil! Eu amo o Longe e a Miragem, Amo os abismos, as torrentes, os desertos... Ide! Tendes estradas, Tendes jardins, tendes canteiros, Tendes pátria, tendes tetos, E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios... Eu tenho a minha Loucura! Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura, E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios... Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém! Todos tiveram pai, todos tiveram mãe; Mas eu, que nunca principio nem acabo, Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo. Ah, que ninguém me dê piedosas intenções, Ninguém me peça definições! Ninguém me diga: "vem por aqui"! A minha vida é um vendaval que se soltou, É uma onda que se alevantou, É um átomo a mais que se animou... Não sei por onde vou, Não sei para onde vou Sei que não vou por aí! O Mandarim Dizem que os velhos precisam exercitar bastante o cérebro para não ficarem piores do que são com a velhice, então resolvi fazer alguma coisa bem difícil que me desafiasse bastante, acho que a vida, de alguma maneira, foi me empurrando para aprender mandarim. Já faz cinco anos que eu me dedico ao estudo da língua oficial chinesa, e agora estou com viagem marcada para a China, para ter um contato maior com a língua. Fui me encantando pelo mandarim, no começo achei muito fácil, depois, à medida que fui me aprofundando no aprendizado, descobri que tem muito mais mistérios. Como não nasci lá, vou gastar o resto da minha vida para aprender alguma pouca coisa. Minha introdução ao mandarim se deu através de uma revisão de texto budista, fui me encantando pela história do “Saqueador & Buda”, que é o maior ícone da religião budista, fui aprendendo muita coisa, me enriqueceu muito, me transformou em uma pessoa melhor com certeza, mas eu não me definiria como budista, não tenho disciplina de prática religiosa, sendo assim não posso me dizer budista. Toda vez que você aprende um novo idioma, se você realmente se mergulhar naquilo, é como se você nascesse de novo, é como se pudesse viver outra vida, você vai olhar o mundo a partir de outros olhos, de outra cultura. E os orientais têm uma diferença de um dia no fuso horário, então é como se eles estivessem no futuro, eles estão um dia a frente de nós, isso acaba fazendo muita diferença do outro lado do mundo, como pensam as pessoas, como elas vivem, o que elas comem, como elas se casam e criam os filhos, todo esse processo e aprendizado é um processo de conversão, como se estivesse me convertendo a uma nova vida. Claro que tem que levar em conta a minha veia dramática nisso tudo, se você perguntar para outro estudante de mandarim, provavelmente ele não diga isso, mas para mim é um processo muito intenso mesmo, de viver de outra forma, pelo menos olhar para a vida de outra maneira, não é só aquilo que eu aprendi que é real e verdadeiro, mas tem muitas outras formas de viver, de se acreditar, de se praticar a vida. [lendo] Esse é um poema, um “ditado popular” em mandarim e ele diz o seguinte: O ser humano, as pessoas, tem dois tesouros. Elas têm duas mãos e um cérebro. Com as mãos elas podem fazer muitas coisas e com o cérebro elas podem pensar muitas coisas. Se você só usar as mãos e não usar o cérebro, você não vai fazer coisas boas. Se você usar só o cérebro e não utilizar as mãos, você só vai produzir fantasia. Então pra que alguma coisa seja boa é preciso usar os tesouros: as duas mãos e o cérebro. Edição de texto por Heyk Pimenta
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