IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Sonia Bezerra Pereira, nasci em Campinas, no dia 1º de maio de 1966. FAMÍLIA Meu pai se chama Filimão Rodrigues Pereira e minha mãe Atenir Bezerra Pereira. Meu pai é da Paraíba e minha mãe de Pernambuco. Lembro dos meus avós. Só meu avô paterno que eu não conheci. Eles tinham fazenda, sitio, era atividade rural na Paraíba e em Pernambuco. Minha mãe nunca trabalhou, sempre foi dona de casa, sempre cuidou da família. O meu pai, a vida inteira, trabalhou em frigorífico. Tenho um irmão que trabalha no comércio de vidros. Meus pais se casaram na Paraíba e vieram pra Campinas um mês depois do casamento. Meu pai já tinha comprado a casa dele, já tinha deixado ajeitado. Acho que já tinha trabalho aqui. Casou e trouxe a minha mãe. Acredito até que - agora lembrando - que os pais do meu pai e da minha mãe vieram para cá. Meu pai e minha mãe se casaram, ele arrumou um serviço aqui, comprou uma casinha pra eles, deixou tudo arrumado, foi lá, buscou a minha mãe, casou e trouxe. Um mês depois ele veio pra cá com ela. Logo no início, ele começou a trabalhar num frigorífico em Jaguariúna. Foi o primeiro frigorífico que ele trabalhou, acho que era Bomfrigo e ele ficou uns 20 anos lá. Jaguariúna é próxima de Campinas. As famílias dos meus pais eram grandes, de 15 filhos, como era antigamente. A minha avó teve 21 filhos, uma família muito grande. Foram ficando escassas as oportunidades lá para o pessoal e acabaram vindo pra cá pra conseguir algo melhor, expandir até um pouco mais para os filhos. Eu acredito que algum parente tenha vindo pra cá antes. Algo como: “Vai porque é bom, porque está aumentando a cidade” Acredito que seja por isso. CIDADES / CAMPINAS / SP Havia poucos bairros, a cidade era completamente diferente de hoje, trânsito muito menor. Tinha o miolinho de Campinas, como qualquer outra cidade, e depois começaram os bairros. Os bairros eram mais simples,...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO Meu nome é Sonia Bezerra Pereira, nasci em Campinas, no dia 1º de maio de 1966. FAMÍLIA Meu pai se chama Filimão Rodrigues Pereira e minha mãe Atenir Bezerra Pereira. Meu pai é da Paraíba e minha mãe de Pernambuco. Lembro dos meus avós. Só meu avô paterno que eu não conheci. Eles tinham fazenda, sitio, era atividade rural na Paraíba e em Pernambuco. Minha mãe nunca trabalhou, sempre foi dona de casa, sempre cuidou da família. O meu pai, a vida inteira, trabalhou em frigorífico. Tenho um irmão que trabalha no comércio de vidros. Meus pais se casaram na Paraíba e vieram pra Campinas um mês depois do casamento. Meu pai já tinha comprado a casa dele, já tinha deixado ajeitado. Acho que já tinha trabalho aqui. Casou e trouxe a minha mãe. Acredito até que - agora lembrando - que os pais do meu pai e da minha mãe vieram para cá. Meu pai e minha mãe se casaram, ele arrumou um serviço aqui, comprou uma casinha pra eles, deixou tudo arrumado, foi lá, buscou a minha mãe, casou e trouxe. Um mês depois ele veio pra cá com ela. Logo no início, ele começou a trabalhar num frigorífico em Jaguariúna. Foi o primeiro frigorífico que ele trabalhou, acho que era Bomfrigo e ele ficou uns 20 anos lá. Jaguariúna é próxima de Campinas. As famílias dos meus pais eram grandes, de 15 filhos, como era antigamente. A minha avó teve 21 filhos, uma família muito grande. Foram ficando escassas as oportunidades lá para o pessoal e acabaram vindo pra cá pra conseguir algo melhor, expandir até um pouco mais para os filhos. Eu acredito que algum parente tenha vindo pra cá antes. Algo como: “Vai porque é bom, porque está aumentando a cidade” Acredito que seja por isso. CIDADES / CAMPINAS / SP Havia poucos bairros, a cidade era completamente diferente de hoje, trânsito muito menor. Tinha o miolinho de Campinas, como qualquer outra cidade, e depois começaram os bairros. Os bairros eram mais simples, tinha uma região um pouco mais nobre que era a parte do Cambuí, da Nova Campinas que essa já é uma região mais antiga, e a partir daí foi se expandindo, o pessoal, assim como os meus pais, veio de outras cidades. Foi crescendo, foi abrindo. INFÂNCIA Amigos nós sempre tivemos. Meu pai sempre foi uma pessoa um pouco mais reservada conosco, não deixava ir muito pra rua com os amiguinhos, era sempre mais convidar os amiguinhos pra vir pra casa. Tinha bastantes amigos, aquela coisa de criança, andava muito de bicicleta, não tinha os computadores, então era bicicleta, brincar de boneca, fazer roupinha pras bonecas, amarelinha, aquelas bolinhas de gude, eram mais essas brincadeiras mesmo, brincadeiras que hoje o pessoal não tem mais. COMÉRCIO DE CAMPINAS Esses mercados grandes que hoje existem não havia. Pelo menos, no bairro em que eu morava não existia. Eram as vendinhas que eles chamavam, que era um bar que tinha tudo o que você precisava. E era engraçado porque o pessoal tinha o sistema de marcar. Marcava e a cada 15 dias ia lá pagar, esse tipo de coisa. Depois que foram surgindo os mercados maiores. Mas, antigamente, nos bairros eram aquelas quitandinhas, esse comércio menorzinho que todo mundo conhece, todo mundo anota e depois paga. TRANSPORTE Trem eu cheguei a andar. Bonde, eu não peguei não, mas trem sim. E também tinha aqueles ônibus que são elétricos, que passam com fios, isso sim, mas não o bonde em si. Trem eu cheguei a andar várias vezes. Era uma delícia passear de trem. Nós que éramos simples, não conhecíamos muita coisa, um passeio de trem em Campinas, São Paulo, que o meu pai fazia conosco, era muito gostoso. CIDADES / SÃO PAULO / SP São Paulo era diferente. Criança, tudo atrai, tudo acha gostoso e bonito e São Paulo era outro mundo para os meus olhos. Quando eu era criança, era outro mundo: “Nossa, prédio, movimento de carros muito maiores” Era outro sistema porque Campinas era muito mais reservadinha, muito menorzinha. Tinha região maior, tinha região de bairros melhores, mas não era bem a minha região. Depois que foi crescendo e foi se juntando. Normalmente, íamos a passeios ou visitar parentes. Meu pai tinha família em São Paulo e ele ia visitar as irmãs, os irmãos que moravam lá. TRANSPORTE Normalmente, ia de trem porque, nessa época, o meu pai não tinha carro. Era trem mesmo. Pra ele ficava mais acessível o passeio. Pra nós, que éramos crianças, ficava mais gostoso do que o passeio de ônibus, por exemplo, e meu pai gostava de nos levar de trem mesmo. Falava que ia passear de trem e nós ficávamos felizes da vida, não queria ir de ônibus não. FORMAÇÃO Até os 6 anos, eu morei em um bairro e com 7 anos, eu me mudei pra um outro bairro em Campinas, que já tinha uma condição um pouco melhor. Eu, na verdade, perdi um ano de escola porque o meu pai queria colocar a mim e ao meu irmão juntos na escola, de uma vez só, colocar os dois na mesma sala, então eu entrei na escola, na verdade, com 8 anos e meu irmão com 7. Teve uma desvantagem aí. Foi no Colégio Antônio Fernandes Gonçalves, na Vila Castelo Branco, que foi o primeiro colégio que eu estudei. Eu morava no Jardim Londres, que era um bairro do lado do bairro da escola. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Eu comecei muito cedo no comércio. Desde 11 anos eu comecei a trabalhar em um bazar que tinha na rua da minha casa. Eu chorei as pitangas pra minha mãe me deixar trabalhar. E a minha mãe falava: “Mas você não tem idade, não tem tamanho pra trabalhar” E eu chorei tanto... Eu tinha umas amiguinhas que eram mais velhas do que eu e elas já tinham dinheiro pra comprar as coisinhas delas e eu não podia porque era a mesadinha do pai. Então eu chorei: “Não, mas eu quero, porque quero, você vai me levar e me buscar” E a minha mãe acabou conversando com a mulher do bazar, a mulher do bazar sabia que eu era uma pessoa mais falante e disse: “Vamos tentar meio período. Depois que ela vier da escola, vem pra cá e fica aqui um pouquinho” Era um bazar que vendia linha, botãozinho, essas coisas, aviamentos. Eu comecei a trabalhar lá. Acho que eu fiquei uns três meses trabalhando lá, eu já completei 12 anos, eu já me senti independente. Eu já quis trabalhar na cidade mesmo. Eu me lembro que a minha mãe me levou, com 12 anos, pra cidade. Ela me levava e buscava. Eu comecei a trabalhar numa loja que chamava Dick Calçados. Hoje não existe mais. Eu comecei a trabalhar registrada porque hoje o pessoal não permite registrar com menos de 14 anos, mas, antigamente, eles permitiam. Eu comecei no comércio da cidade, com 12 anos, e ganhava mais do que as minhas amigas No bazar eram pessoas conhecidas da minha mãe, pessoas que eu conhecia desde pequena e eu lembro que quando eu cheguei lá, eu me senti realizada. O primeiro trabalho. Eu lembro que ela falou assim: “Tem que passar um paninho no balcão” Tirei tudo, aquela coisa de você fazer tudo, a primeira vez você capricha muito mais - não que eu não seja caprichosa, eu fui das outras vezes -, mas você queria fazer tudo bem feitinho. Essa pessoa que era do bazar tinha uma filha nenezinha, ela gostou do meu jeito e colocava bastante pra eu dar uma olhadinha na menina dela. Eu ficava até pela minha idade, brincando um pouco com a menininha dela, chegava alguém, se tivesse todo mundo ocupado, eu que eu ia atender, até eu aprender bem o trabalho e começar a me virar um pouco mais sozinha, mas eu me lembro que foi muito gostoso, foi uma realização, super gostoso. DICK CALÇADOS Desde quando eu tinha uns 8, 9, 10 anos, meu pai sempre que ia à cidade pagar alguma conta, ele nos levava, porque ele queria que nós aprendêssemos a andar na cidade. Ele era aquele tipo de pai que falava: “Vocês vão na frente, eu tenho que ir em tal banco Vai na frente que eu estou aqui atrás pra ver se vocês já sabem” Eu já sabia, mais ou menos, alguma coisa, de onde era, de onde não era, só que a minha mãe: “Não, sozinha você não pode, você só tem 12 anos” Eu pedi pra sair desse bazar e fui pra cidade ver se eu arrumava uma coisinha. A minha mãe sempre junto comigo. Eu lembro que passei nessa loja, vi a placa de vendedora, entrei, lembro até que o gerente falou: “Mas ela é muito nova” E a minha mãe: “Mas ela já quer trabalhar. Ela fala super bem, ela já estava trabalhando há três meses em um bazar e ela não tem o que tire da cabeça dela que ela quer vir trabalhar aqui na cidade. No começo, eu venho buscá-la e venho trazer, até por segurança, mas é isso que ela quer” E ele falou: “Então tudo bem. Se ela acha que vai conseguir. Vamos deixar uns três, quatro dias de experiência pra ver como ela vai se sair e depois efetiva, registra, tudo bonitinho” A minha mãe, na primeira semana, me levou e depois viu que eu me virava bem sozinha e não era perigoso como hoje. Uma semana depois, me deixou mais tranqüila, eu mesma já ia e voltava sozinha, mas eu lembro que foi super gostoso. Eu logo na primeira semana, eu comecei a trabalhar e engraçado - isso eu nunca me esqueço - eu não ganhava comissão, eu ia ter um salário fixo, era um salário mínimo fixo e o meu vale-transporte. Três dias depois que eu estava trabalhando, eles passaram todo mundo pra comissão e lá era uma loja muito grande que tinha umas 18 vendedoras e foi muito engraçado porque o primeiro mês, ele resolveu que não ia falar pra ninguém que era comissão. Naquele mês que ele tinha transformado em comissão, como se fosse uma experiência, pra ver como as meninas iam se sair. E eu, não sabendo que era comissão, fiquei com o meu nome em primeiro lugar de vendas. Eu falei: “O comércio pra mim é tudo” Foi aquele elogio, a minha foto... Antigamente, eles colocavam foto, o nome da pessoa, primeiro lugar de vendas, o maior salário de todos. É isso que eu sei fazer, sou falante, vou pegar no comércio firme e vou começar a correr atrás de uma coisa que me satisfaça Me sai muito bem Eu fiquei lá um ano e meio, mais ou menos. FORMAÇÃO Continuei a estudar, mas passei a estudar à noite. Meu pai ia me levar e buscar todo o dia na escola. Eu trabalhava de manhã. O Dick Calçados tinha um período, quem entrava às oito saia às cinco e o meu horário era mais cedo, dava pra chegar em casa e ainda estudar. O meu pai sempre viu que eu era muito falante, extrovertida, que eu me saía muito bem com qualquer coisa que o pessoal me perguntasse, por exemplo, relacionado a comércio ou alguma coisa de leitura. Eu já gostava de estar sempre informada pelo jornal e, normalmente, quem não tem muita vocação para o comércio já é um pouco mais calado, já prefere mexer com papelada, procurar um escritório. Eu não Eu sempre falei que queria ir para o comércio porque eu achava que o comércio, além de ser mais bem remunerado, era o que eu gostava, era a minha parte de ser falante. Eu não sei mexer com papéis, meu jeito não era mexer com papéis e ficar caladinha, atendendo telefone. Desde o começo, o meu pai viu que eu era falante demais e que eu era mais extrovertida, então ele achou que ia dar certo. BIA MODAS De lá eu fui pra uma loja que se chamava Bia Modas, na mesma rua, na Treze de Maio. Eu trabalhei acho que uns cinco anos lá. Eu saí do Dick Calçados também procurando algo melhor. No Dick Calçados, como tinha muitas vendedoras, você tinha que batalhar muito mais pela sua comissão. Nessa mesma rua, eu descobri que essa loja, a Bia Modas, estava precisando de vendedora. Eu sabia que ali eram dez vendedoras e que o salário seria melhor. Eu pedi pra sair do Dick Calçados e fui pra Bia Modas. Fiquei lá uns cinco anos, mais ou menos. Era uma loja mais tranqüila, já começou a ser uma loja mais fina, o Dick Calçados era uma loja mais popular, era uma loja muito movimentada, o tempo todo, você atendia todo tipo de público, e essa outra loja, não; era uma loja um pouco mais reservada, que trabalhava com roupas um pouco mais finas, você atendia um público mais diferenciado, só que a remuneração também era melhor. Isso que me atraia também. Eu sou bem flexível com isso, sou bem fácil de me adaptar. Eu posso ser muito agitada, por exemplo, hoje eu trabalho em um comércio que eu atendo todo o tipo de público, do A ao C, mas eu me adapto bem. Pra ser vendedora, trabalhar no comércio, você tem que ser meio psicóloga também, meio analista, porque você tem que analisar cada pessoa. Se uma pessoa é simples e vem falar com você com simplicidade, às vezes, a pessoa fala um pouco mais alto, você sorri muito mais, faz brincadeiras pra você se entrosar mais com ela. Tem que se adaptar com isso também. Se a pessoa é uma pessoa mais fina, fala mais baixo, é uma pessoa mais reservada, você também vai fazer o mesmo, sempre se adaptando ao clima, a pessoa, ao ambiente, eu sou muito fácil com isso, por isso que eu acho que eu me dei muito bem com comércio. A Bia Modas era uma empresa de São Paulo, ela fechou em Campinas. Eu saí porque a empresa fechou. SEARS De lá, eu passei pra outra loja, chamada Sears, que era uma loja de departamentos em Campinas. Eu trabalhei com vendas de maquiagem, eu fazia maquiagem em pessoas, uma marca famosa. Já comecei a trocar um pouquinho, porque também, a Bia Modas, como diz o nome, era moda, mas eu passei pra um setor mais tranqüilo. Eu atendia mulheres que queriam um produto pra pele, pra ficar mais bonita e eu já comecei a partir um pouquinho pra esse lado, fazia maquiagem. Na medida em que a pessoa comprava o kit de maquiagem, eu tinha que fazer a maquiagem e ensinar a fazer. A Sears ficava na Rua Treze de Maio. Era uma empresa com muito mais funcionários, todo mundo era uniformizado, cada um com o seu setor, mas todo mundo sendo chefiado, cada setor com a sua chefia, e o meu setor era muito tranqüilo, muito reservado, não tinha muitos funcionários, era eu e mais uma moça; era bem tranqüilo, era um setor mais calmo, mas muito gratificante também, foi uma fase muito gostosa. JUVENTUDE Eu nunca parei de estudar e de fazer amigos, claro. Meu pai sempre foi muito reservado e, por exemplo, eu arrumava um namorado e ele não era aquele tipo de pai que deixava ir pra boatinha, sair sozinha e com o namorado. Tinha que levar o irmão junto, o que hoje não existe mais. E tinha o horário também. E meu pai era mais assim: “Você sai da escola às dez e meia, então dez e quarenta você tem que estar em casa” Se não estivesse, ele já estava no meio do caminho indo buscar, ele sempre foi mais rígido, uma pessoa que não deu muita liberdade não. Mas boatinha, na minha juventude eu não fui porque ele não permitia. Meu irmão já chegou a ir porque ele era homem e era diferente de hoje. Hoje, o homem e a mulher são mais soltos. Antigamente, a mulher se prendia um pouquinho mais e o homem não. O homem podia, então o meu irmão chegou a ir, mas eu não ia muito. Era mais aniversário na rua de casa, um aniversário de uma amiga, meu pai mesmo ia buscar e levar. Eu lembro que com 15, 16 anos, ele ia me levar e buscar nos aniversários, então não era chegar lá e ficar à vontade não. Sempre gostei bastante de cinema, mas sempre no domingo às duas horas da tarde, porque senão o meu pai não deixava eu chegar muito tarde em casa. Eu tinha uma turma que todo mundo era mais ou menos reservado como eu era também, umas meninas que também os pais seguravam um pouquinho mais. Então, nós íamos ao cinema à tarde, voltava umas oito horas da noite, ia às lanchonetes, dava pra se divertir, sempre com a galera, com a turminha junto, do colégio, vizinhos mesmo. COSTUMES A impressão que eu tenho é que, antigamente, as mulheres não eram tão vaidosas como são hoje. Hoje eu acho que a mulherada tem mais recursos. Antigamente, eu me lembro que eu trabalhava com uma marca cara. Hoje, inclusive, se tornou uma marca simples, que era a marca Cotia, produto facial, maquiagem, e eu lembro que era mais difícil pra mulherada comprar produtos mais caros, não se ligava tanto como hoje. Eu acho que a alimentação era melhor, não fazia a mulherada envelhecer muito, porque ninguém usava muito produto, era mais reservado. Hoje é muito mais. É uma procura muito maior, eu sei porque sendo mulher, nós vemos. No tempo que eu trabalhava com isso não era tão grande a procura como é hoje, engraçado isso TREINAMENTO Na verdade, não houve treinamento. Na primeira semana, eu comecei na venda dos produtos como shampoo, cremes. E já fui ali mesmo gostando. Tinha uma moça que fazia maquiagem e dava as orientações de como fazer a maquiagem, limpeza de pele e eu, de olhar, comecei a me interessar e comecei a fazer, mas nunca fiz curso não, para ser sincera. Depois de um tempo, de uns dois anos ou mais, eu fui atrás pra fazer curso. Cheguei até a participar de concurso de maquiagem, mas não tive curso pra isso não. A loja não oferecia. O vendedor pegava a bagagem do outro que já vinha e começava a prestar atenção no que o outro fazia e começava a andar com as próprias pernas, não era como é hoje não, que primeiro você vai se especializar e depois você vai entrar no setor. CASA FORTALEZA DE TAPETES Depois da Sears, eu trabalhei em uma empresa que em Campinas fechou agora, a Casa Fortaleza de Tapetes, que também tem em São Paulo. Eu fiquei muito tempo lá e depois eu fui pra Móveis Trevisan, onde estou há 18 anos. Da Sears, eu parei um período, porque daí eu comecei a estudar. Eu lembro que eu fiquei, mais ou menos, um ano fazendo alguma coisa relacionada à maquiagem, mas eu mesmo autônoma, sem ter empresa pra eu seguir. Eu mesmo fazia maquiagem em noivas, alguma coisa assim. Tentei ver se eu conseguia fazer alguma coisa eu mesma sozinha, mas fiquei mais ou menos um ano fazendo isso e eu fui procurar novamente uma loja e entrei na Casa Fortaleza que é uma loja de tapetes e tecidos para decoração. Foi um setor completamente diferente do meu. Eu sempre tive boa adaptação a tudo, ao comércio em geral, por ser falante. Estavam precisando de vendedora na parte de decoração de tecido, eu falei: “Bom, quem consegue combinar roupa consegue combinar tecido para sofá Então vamos lá” Eu lembro até que a moça que me entrevistou, a gerente da loja, a Andréia, falou: “Você já trabalhou com decoração ou alguma coisa?” Eu falei: “Olha, já trabalhei, já fiz um trabalho a respeito disso, só que meio autônomo, só que nada que nunca fui registrada nesse setor, mas eu gosto muito” Eu me lembro que ela já me pegou pra trabalhar e foi a mesma coisa. Eu já entrei lá olhando aquele monte de tecido, aquele monte de colorido, falei: “Nossa, me deixa ver aqui o que eu posso combinar com o quê, pra começar a atender o pessoal.” E foi assim. Era uma loja bastante reservada também, não era aquela coisa de muito movimento, deu tempo de falar: “Não, pegar um floral aqui, combinar com listrado aqui ou com liso, tal” E fui vendo também a forma dela trabalhar, comecei a comprar revista de decoração pra eu poder me adaptar um pouco mais e assim foi, sem curso nenhum. Na prática. Fiquei, mais ou menos, uns três a quatro anos. MÓVEIS TREVISAN Na Casa Fortaleza eles iam tirar o setor de tecidos, que pra eles não estava compensando trabalhar e eles só queriam ficar com a parte de carpete, piso, tapetes. Quando eu comecei a ouvir isso, eu falei: “Bom, então eu vou precisar de novo correr atrás de alguma coisa” O próprio vendedor da Casa Fortaleza, que era o Dorival, falou para mim... Ele atendia a Trevisan. A Trevisan era cliente dele com carpete, esse tipo de coisa, e como eu sabia que ele atendia a empresa, eu falei: “Dorival, se você souber por ai de alguma coisa, dá um toquezinho pra mim porque eles estão falando de tirar o setor de decoração daqui e eu preciso ir atrás de alguma coisa” Foi o que eu fiz Ele chegou pra mim e falou que a Móveis Trevisan estava precisando de vendedora. Então, eu falei: “É lá que eu vou ver” E era uma loja boa, de móveis finos, só que não era uma loja tão conhecida, fazia 15 dias, 20 dias que estava aberta. Ela veio de Andradas, o pessoal já conhecia em Campinas através de Andradas, que é onde é a fábrica. Eu vi que era uma empresa mais sólida, tinha acabado de abrir, eu falei: “Ah, acho que vou dar uma olhada nessa loja” Fui lá, como se eu fosse ver móveis, no outro dia, eu voltei e falei com a gerente, fui preparada pra falar com a gerente da loja, falei com ela e no mesmo dia ela falou: “Olha, quando você quiser se desligar de lá, então, eu estou realmente precisando de uma pessoa e acho que você que já trabalha com decoração na Casa Fortaleza, eu acho que você vai se dar bem com móveis e decoração, que segue mais ou menos, porque você tem que fazer as composições e tal” Foi assim que eu comecei lá. Foi em 89, novembro de 89. Estou lá até hoje DECORAÇÃO E MÓVEIS O setor de decoração e móveis trabalha com estofados, com uma sala de jantar, que tem um tecido na cadeira, então o que acontece? Quando você aprende a fazer os composeés, como nós falamos, que é um tecido que combine, que faça composé com outro, que combine com outro, automaticamente, eu sabia que pra eu decorar uma sala, eu teria que colocar todo um tom de madeira só, pra não ficar um tom de madeira de um lado, um tom de outro. Então, eu sabia dessa composição, eu sabia dos composeés dos tecidos que eu trabalhei, eu sabia que eu tinha que combinar o tecido do sofá com o tecido da cadeira, pra eu não deixar a sala desarrumada. Então, eu já vim com esse olhar. Desde quando eu descobri, eu falei: “Espera aí, se eu sei combinar roupa, eu também sei combinar tecido de decoração. Se eu sei combinar tecido de decoração, eu também vou saber fazer uma decoração com tapete” Foi assim. Eu olhava bastante revista de decoração, por causa do setor da Casa Fortaleza, e isso me ajudou bastante. Eu já sabia, mais ou menos, o que eu queria. TRABALHO A Móveis Trevisan é também um empresa bastante tranqüila, reservada, um público bastante diferenciado. De todo o comércio que eu trabalhei, foi o que eu mais gostei. Além de você ser bem remunerado, porque ninguém vive de vento, lógico, você é mais tranqüilo, você trabalha com material fino, você visita casa de cliente, é gostoso, você conhece muitas pessoas, você acaba fazendo amizade com os próprios clientes que você tem. Você cria aquele vínculo de confiança e se a pessoa quer colocar alguma coisa depois na casa dela, não quer colocar sem a sua opinião: “Mas olha Sonia, combina, não combina?” Isso foi me deixando mais interessada em aprender. Eu fui atrás de curso de decoração, eu me formei realmente em decoradora, eu comecei a ver que esse lado era bom e comecei, inclusive, a fazer a faculdade de arquitetura. Fiz dois anos, comecei e parei. Comecei a ir pra esse lado porque é o lado que eu descobri que eu gostava mesmo, de combinar coisas, deixar o ambiente bonito, ver o antes e o depois do ambiente. Pra mim foi super gostoso. E era uma loja também tranqüila, nós tínhamos só uma gerente, eu e mais uma vendedora, sempre nos demos bem, então era gostoso, um ambiente tranqüilo que, às vezes, você precisa falar muito, mas às vezes você não precisa falar tanto. TRANSFORMAÇÕES Aconteceu uma transformação que foi muito visível pra mim, que sempre trabalhei com isso. Eu sinto que, antigamente, como tinha poucas lojas de móveis, o pessoal procurava as poucas e boas lojas de móveis, só que procuravam qualidade, então procuravam: “Uma matéria-prima como é, como é uma espuma, como é o tecido, como é a madeira que você usa, quanto tempo de garantia você dá?” Pagava-se aquilo que realmente fosse algo pra muitos anos. O pessoal tinha essa consciência. Hoje eu noto que mudou bastante. Hoje, o cliente procura, compara produto que tenha qualidade superior, às vezes é um produto que tem uma pintura que você não sabe o que tem por trás daquela matéria prima, ele procura preço e a impressão que eu tenho é que não procura tanto a qualidade. Eu acho que mudou um pouquinho esse cliente. Eu noto isso. Antigamente, pegava a cadeira, levantava: “Essa cadeira é pesada mesmo” Virava a cadeira, olhava, via as travas da cadeira. Hoje não. Hoje, o pessoal vai ver, a grosso modo. Olha: “Ah, que bonito aquele lá Deixa ver se se adapta ao meu bolso? Então é aquele bonito que vou levar” A impressão que tenho é que não se preocupa muito com qualidade. Eu vejo uma porcentagem muito pequena, mais pessoas com mais idade, que se preocupam mais com qualidade e os mais novos não. Se preocupam com a beleza e só: “Vou levar esse porque é bonito” “Mas ele é bonito e de que material que ele é?” “Esse aqui está mais caro do que aquele que eu vi?” “Mas aquele que material é? E esse aqui, que material é?” É diferente você comparar uma Brastemp, que você vai em todo lugar e é a mesma Brastemp, é o mesmo produto. Móveis não, um trabalha com uma matéria prima, outro com outra, um oferece uma garantia, outro, outra, isso diferencia muito. Eu noto que as pessoas não estão muito preocupadas, eu acho que deveria ser uma preocupação grande e parece que hoje não existe muito mais isso. Eu não sei se talvez o poder aquisitivo das pessoas tenha mudado. Eu posso ficar com os móveis de seis a oito anos e daí eu posso trocar. Eu não sei se é isso, mas, parece que não existe mais... Antigamente, se faziam os móveis muito clássicos, tanto que eram desenhos Luis Filipe, Sofá Chesterfield, sofá de época de Império que até hoje ainda existe. Até hoje muitas pessoas têm e os móveis de hoje não. Hoje está usando alumínio, amanhã está usando detalhe dourado, depois está usando detalhe em ratan, depois com madeira escura, depois madeira clara. Acompanha-se muito a moda e o pessoal talvez seja mais propenso a isso, acompanhar mais moda e não querer móveis muito mais clássicos. MODA É uma transformação boa. Não é muito rápida, mas a cada dois anos o pessoal já está mudando. Uma hora é uma linha de sofá mais arredondado, daqui dois anos, no máximo você vê que já começa a entrar... Onde tem as feiras, em Milão, por exemplo, eles falam de ano em ano, mas não conseguem se colocar de ano em ano porque móveis, a durabilidade deles é maior, mas você nota que de dois em dois anos, pelo menos, muda o desenho de uma cadeira, moderniza fazendo quadrado hoje e depois fazendo redondo. Isso sempre. E, antigamente, não era assim. Antigamente, eu lembro que eu fiquei com móveis na empresa com o mesmo desenho, oito anos, dez anos, com o mesmo desenho e hoje não. Hoje a linha é um pouco mais quadrada, com detalhe de alumínio. Antigamente, todo mundo usava aquela madeira pinus, que era uma madeira bem amarelinha, foi uma moda de colocar sofá azul com amarelo. Você ia aos lugares era tudo azul com amarelo. Vem vindo assim, cada ano que passa. Você vê que o pessoal até tenta trocar de ano em ano por causa das feiras, mas não consegue adaptar talvez por causa de bolso mesmo, das pessoas não conseguirem acompanhar, mas pelo menos de dois em dois anos você tem que acompanhar, colocando uma linha quadrada, depois uma linha redonda, depois volta para o redondo, depois o quadrado de novo e assim vai indo, vai mudando. E o clássico, se você olhar, nunca sai. Clássico normalmente é aquele que tem um desenho, o desenho arrojado, mesmo que ele seja uma peça clássica, mas se ele tiver um desenho, um tecido, por exemplo, moderno demais, uma pintura moderna demais. Eu já vi cadeira Luis Filipe, que é uma cadeira muito clássica com uma pintura de laka, num tom de branco com tecido todo colorido pra arrojar, pra marcar a peça. O fino é o mais clássico, simples, eu acho que esse é o que mais marca, quanto mais você deixar o móvel muito designer demais, assinatura demais, ele cansa mais, ele é mais enjoativo, você quer trocar mais rápido do que o mais clássico. TRABALHO Presto atenção em tudo de decoração Isso não tem como não fazer. Você chega a um lugar, você já vê: “Aquele quadro está colocado muito pra cima Aquele quadro deveria estar no meio da parede Essa parede devia estar pintada de tal cor” Às vezes, eu vou a um consultório e falo: “Nossa, aqui, por ser um consultório de psicanálise...” - por exemplo - “tinha que ser uma cor mais leve, nada agitado” Tem as cores escuras que deixam o ambiente mais pesado - eu já estudei sobre isso - e nós sabemos que as cores mais escuras agitam mais a pessoa. Você vai pra um quarto, por exemplo, e tem uma cor forte, não descansa, tem um monte de detalhes que, às vezes, eu presto atenção sim, em todos os lugares que eu vou eu penso: “Se a pessoa me pedisse uma opinião aqui eu ia dar uma mudadinha” Isso tem sim, está dentro de nós, não adianta. Às vezes, você vai a casa de uma amiga, você discretamente fala: “Por que você não põe esse quadro um pouco mais baixo?” Com muito jeitinho você fala. Eu presto bastante atenção, eu gosto disso, acho que quando você gosta fica pior ainda, que você presta atenção mesmo CLIENTES Tenho clientes que compram móveis comigo desde quando eu entrei na empresa até hoje. Sempre que precisam de algo, vão na Trevisan, não compram em outro lugar. E a Trevisan, por sua vez, faz a sua parte. Como? Nós temos catálogos e a pessoa fala: “Eu preciso de um sofá, mas é um sofá mais clássico Eu preciso de uma poltrona pra combinar com aqueles móveis que eu tinha, que comprei aqui há 15 anos atrás, de 12 anos atrás” Eles procuram sempre manter uma linha, vamos falar estoque, meio reservada, pra um determinado tipo de cliente. Claro que a Trevisan se adapta também, porque tem uns clientes que querem trocar. Os móveis da Trevisan são bacanas porque são móveis um pouco mais eternos, eles são difíceis de acabar, porque são móveis de qualidade. Às vezes, o cliente fala: “Nossa e agora, o que vou fazer?” A própria Trevisan faz a restauração do produto. Eu acho que isso tudo conquista, faz o cliente sempre procurar. Pra você ter uma idéia, o cliente que compra sofá com a Trevisan, reforma com a Trevisan, não precisa procurar um tapeceiro. Isso tudo deixa o cliente em contato com você, eu tenho assistência permanente, eu não tenho garantia, mas tenho assistência permanente. O que é uma assistência permanente? Uma visita foi na tua casa, quebrou uma cadeira que você tem há 12 anos, você tinha oito cadeiras, como é que você faz? Você vai perder uma sala de jantar por que perdeu uma cadeira? Não, a própria loja repõe a cadeira ou conserta a cadeira pra você. Isso cria um vínculo com os clientes, ele sempre sabe que ali tem uma loja de fabricação que atende quando precisar. Há muitos anos, a Trevisan tinha uma programação assim, eu vendia móveis para os casais e eles compravam hoje uma sala de jantar, depois um sofá e a Trevisan fazia entrega programada, fica toda aquela ansiedade de comprar direitinho, de receber alguns toques do próprio vendedor que somos nós e do próprio decorador também, do que fica bom, do que não fica, você vê que é uma pessoa que não tem experiência ainda com isso, você procura dar os toques que a pessoa precisa e é engraçado que a Trevisan tinha o sistema de entrega programada para os casais. Entregava próximo ao casamento, vai comprando e entrega quando a pessoa vai se casar, um mês antes. E depois - é engraçado -hoje eu vejo esse pessoal retorna comigo: “Nossa, eu comprei móveis com você há 15 anos” Você vê com filho já de 12 anos junto, de 10 anos, é uma transformação engraçada. Você vê o casal que não era casado, depois você vê vindo na loja: “Você trabalha com berço? Trabalha com guarda-roupa infantil?” Depois: “Você trabalha com caminha bi-cama para o meu filho?” É muito interessante isso. Eles falam: “Nossa, você lembra de mim desde quando, eu nem era casada ainda” Ou então ela fala: “Olha, filho, está vendo, ela viu você, você estava na barriga da mamãe” É muito engraçado isso. Com quem tem mau gosto, nós temos que ter muito jeito, muito tato pra lidar com isso, porque você não pode falar direto para o cliente que aquilo não vai ficar bom. Eu procuro sempre mostrar pra ele: “Olha, o senhor não gosta desse tipo de tecido? Esse aqui também está em alta, ele é mais neutro” Vou dar um exemplo: outro dia, eu atendi um casal, e eles queriam um sofá verde-limão; eu não posso dizer diretamente que o verde-limão vai cansar rápido, vai enjoar, cansar, é complicado você colocar um sofá verde-limão. Eu ajudei, a princípio, eles a escolherem o verde-limão do sofá e depois eu fui tentando: “O que você tem de tapete e qual a tonalidade da parede?” “Você fez alguma textura ou você fez alguma pintura em uma das paredes?” “Ainda não, mas estou pensando” Eu falei: “Por que você não joga o verde-limão na sua parede e coloca umas almofadas em verde-limão?” Comecei a mostrar pra ele: “Talvez um sofá numa cor neutra, com umas almofadas em verde-limão e uma pintura numa parede só em verde-limão?” Já que ela queria o verde-limão na sala, por que não? Comecei com bastante jeitinho. Ela olhou: “Ah, será?” Ela falou: “É bem, talvez fique menos cansativo” Ele já sentiu o que eu quis dizer sem eu ter dito. Eu falei: “Olha, por que daqui a dois, três anos, talvez você não queira mais verde-limão. Talvez você queira o laranja, por exemplo, você vai e pinta a parede, tira as almofadas, troca uma capa da almofada e pronto, você está com o mesmo sofá da Trevisan, que é um sofá que vai durar muito tempo e com uma decoração de outra cor. Você tem a possibilidade de estar trocando, de estar mudando.” Com jeitinho, eu acabei mudando e eles disseram: “Eu vou trazer aqui o desenho do apartamento pra você ver qual parede eu pinto de verde-limão.” Eu escolhi uma parede pra eles pintarem, puseram as almofadas e ficou uma coisa mais neutra. HISTÓRIAS E CAUSOS Uma vez eu tinha um sofá de couro e eu falei pra cliente... Eu estava de pé, é difícil eu ficar sentada, só quando a cliente senta pra escolher um tecido que eu sento também. Normalmente, você fica em pé quando o cliente está em pé. E eu virei pra cliente, eu estava do lado do sofá, o sofá de três lugares grande e era uma senhora e eu falei pra ela assim: “Senta no sofá pra senhora ver” E bati no braço do sofá. Conforme eu bati, ela foi e sentou em cima do braço do sofá, só que virada de frente para o sofá Foi muito engraçado Foi como se ela estivesse sentando num cavalo. Eu falei: “Senta aqui pra senhora experimentar o sofá, pra ver como ele é gostoso, como ele é confortável” E bati no braço do sofá e foi muito engraçado porque ela abriu as perninhas e sentou no braço do sofá virada de frente. Quem estava perto de mim saiu correndo porque eu fiquei vermelha, não podia rir, eu tive que segurar a minha risada porque, coitada, uma senhora, engraçado. E depois algumas outras situações mais complicadas. Uma vez eu atendi uma moça muito bonita que, inclusive, ela freqüentava bastante a loja. Era uma moça escultural e ela tinha acabado de chegar da piscina, alguma coisa assim, e estava com uma roupa muito curta, com um salto bastante alto e a loja tem uns degrauzinhos. E ela foi indo, foi indo, ainda bem que eu que estava atendendo, porque conforme ela foi pra direção do sofá, ela caiu. Você imagina a situação? Ela estava com uma mini saia curtíssima, foi uma situação complicada também, eu fui lá, ajudei e falei: “Sorte que não era nenhum homem que estava atrás, porque senão” Ela: “Aí, meu Deus, ainda bem que era você” Às vezes, acontecem algumas coisas assim bem engraçadas. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Eu entrei como vendedora e depois passei a gerenciar a loja. Fiquei gerente de uma das lojas. Porque nós temos, em Campinas, três lojas: uma no Shopping Dom Pedro, uma na Moraes Sales, em um número, e outra de frente pra loja. Eu comecei como vendedora na loja maior quando só tinha uma, depois eles abriram a loja da esquina e eu fui pra lá como vendedora e já me tornei gerente. Hoje eu sou gerente das duas lojas. Eu cuido das duas lojas, atravesso toda hora de um lado pra outro, pra gerenciar, conseguir todo mundo vender. Pra você gerenciar uma loja é mais responsabilidade mesmo, porque a principio você só está preocupado com a venda, atender o teu cliente. Hoje não. Hoje eu estou preocupada com a venda geral da loja, porque eu preciso também mostrar o meu serviço. Eu estou preocupada com a decoração da loja, com a pintura da loja, se o pessoal está se saindo bem ou não, se está dando um bom atendimento ou não, tem um monte de outras coisas, é diferente, realmente. Ao mesmo tempo, você tem que ser simpática com todos os funcionários, você trabalha com homem, mulher gerente é difícil também, não é fácil, mas eu procuro sempre fazer uma abertura aqui pra um, ali pra outro, agradar todo mundo, pra trabalhar em família. Eu procuro sempre fazer isso. E a Trevisan é muito tranqüila em relação a isso. Eles dão bastante liberdade pra nós, eles conhecem o trabalho, muitos anos que estamos juntos, eu já sei bem a linguagem deles, o que eles gostam, não gostam, sempre andar na linha pra não ter problema, sempre deixar tudo em ordem, acompanhar, às vezes, uma negociação, um atendimento quando você vê uma dificuldade, fazer a loja vender, que é o objetivo do comércio mesmo. ORGANIZAÇÃO Nós tínhamos, no início, um prédio que era um andar e meio. Tinha metade do andar em cima. Eu lembro que demorou dois anos. Eu comi muito pó de gesso naquela loja e eles aumentaram mais meio, ou seja, era um e meio e ficaram três andares. Foi uma construção complicada porque a loja também não podia parar, eles tiveram que colocar elevador, eu sugeri pra eles colocarem elevador pras pessoas que têm mais idade não subirem os três andares. Sempre procuramos acompanhar a tendência: “O que está usando agora? Paredes mais coloridas? Hoje está usando branca mesmo?” E a decoração, em geral, é sempre montar o ambiente, sala de jantar acompanhado de sofá, para o cliente ter a base dentro da casa dele, sempre tem que estar de olho no ambiente. Esse ambiente pode tirar daqui e colocar dentro da casa dele, talvez até com uma adaptação de tamanho, mas sempre tirar de um lado para o outro. A loja de esquina existe há uns 12 anos e também fizeram várias modificações de reforma, mais vitrines porque antigamente não tinha tanta vitrine, mais estacionamento, sempre pra adaptar para o cliente ser bem atendido e todos os ambientes, sempre o ambiente que o cliente quer, ter dentro da casa dele já pronto. Tapete, sofá, decoração, quadro, pra falar: “Fecha isso aqui pra mim” Vendemos toda a decoração. Na verdade, você sai da Trevisan com a casa prontinha, tem tapete, decoração, quadros, móveis, tudo. FUNCIONÁRIOS Hoje nós somos em seis pessoas: três em uma loja e três na outra. O segmento de móveis mais finos é um pouco mais reservado, não é aquela coisa mais tumultuada, de muitas pessoas ao mesmo tempo. Entra um cliente agora, depois entra outro, sempre tem algum atendente, mas um ou outro, nada que dá muita correria, e hoje então ficamos com seis, três de um lado e três do outro. PROPRIETÁRIOS A Trevisan existe desde 1950. Começou com o pai, o pai faleceu, fizeram a divisão de bens, uma parte dos bens ficou com as filhas e depois outra com os dois filhos, o Irineu e o Iremilson. Eles ficaram com a fábrica de móveis do pai, não quiseram fechar, quiseram tocar e começou porque já era tradicional na cidade deles; tinha uma lojinha em Poços de Caldas e ele tentou resgatar essa tradição. Eles eram novos, mas mesmo assim conseguiram fazer prosperar e crescer. Eles tinham um show room em Andradas que era grande também. E lá, a Trevisan começou a ficar mais conhecida, porque Andradas é Minas, ela era muito conhecida em Minas, tinha uma loja grande que todo mundo ia fazer suas compras: “Queria uma loja mais fina” E criou a loja Trevisan, em Minas. Quando ela veio para Campinas, ela não era uma loja conhecida na nossa região, eram móveis finos também, começou com prédio próprio e era uma loja num ponto muito bom, que era na Moraes Sales, começou a ficar um pouco mais conhecida, o pessoal a freqüentar um pouco mais, e de Campinas é que a Trevisan começou a crescer realmente. Foi através da loja de Campinas e isso eu acompanhei. Eles começaram em Piracicaba, Pouso Alegre, Ribeirão Preto, Jundiaí, começou a expandir as lojas através da loja de Campinas, porque a loja de Campinas era diferente da loja de Andradas, começou a girar muito mais, começou o nome a ficar mais forte e hoje é a empresa que é. Acredito eu que Campinas deu essa alavancada. Nós conversamos algumas vezes e ele fala que Campinas deu essa alavancada no comércio pra eles, de a Trevisan ficar mais conhecida como é hoje. SHOPPING CENTER Eu já fiquei um tempo em uma loja de shopping pra ajudar. Loja do shopping são mais clientes de outras cidades. Vêm pessoas de cidades da região. Na verdade, o Shopping Dom Pedro criou um setor de móveis. As pessoas vinham passear no shopping e acabavam parando lá. E tem também o fluxo maior de visitação por estarem passeando mesmo. Hoje, shopping, o pessoal usa muito para o passeio da família. A loja é mais freqüentada pelo passeio. Ela vende bem como vende a loja da cidade, da Moraes Sales, só que é uma loja um pouco mais freqüentada talvez pelo fluxo de pessoas que estão passeando. Ela acabou atraindo clientes de cidades vizinhas, um pouco mais, ela vende mais para as cidades vizinhas do que pra Campinas mesmo. CIDADES / CAMPINAS / SP A cidade de Campinas é bastante correria, é uma São Paulo pequenininha, porque hoje ela se expandiu demais. Os bairros estão longe, tem bairros que eu quase não conheço. Às vezes, eu estou atendendo um cliente e ele fala: “Eu moro no Jardim...” E dá o nome Jardim Esmeralda, Jardim Santa Cecília e eu falo: “Nossa, existe esse bairro?” De tantos bairros que existem hoje. Ela se espalhou demais e se elitizou bastante também. Tem empresas boas na região, criaram-se bastante condomínios bacanas, veio um pessoal bacana pra cá. Cresceu muito e muito rápido. Hoje, se eu não quiser viver em São Paulo, porque São Paulo é mais complicada, eu estou a duas horas pra ir de um lugar pra outro. Você vive em Campinas e está ótimo, você tem tudo, tudo quanto é tipo de shopping, tudo quanto você quiser pra tua diversão, mas ao mesmo tempo, não perdendo tanto tempo como você perderia na tua vida em São Paulo. Eu gosto de Campinas por isso. Eu já vivi um tempo, fiquei uns seis meses na cidade de Limeira, e não era como aqui. Campinas tem tudo 24 horas, é uma mini São Paulo. Às vezes, vamos a São Paulo, a passeio ou pra comprar alguma coisa, pra você chegar de um lugar pra outro você leva duas horas Aqui não. Apesar de estar já bem espalhado, você tem tudo que você precisa muito mais rápido. Você não fica estressado, você tem tudo ao alcance. DESAFIOS Eu sempre me adaptei muito bem. Encarei desafios como aprender sozinha o que eu precisava, as mudanças que eu mesma resolvi fazer, mudar do setor de moda, depois do setor de maquiagem e beleza e depois mudar para um setor de decoração. Os desafios foram esses, mas sempre pensando que se eu sei fazer uma coisa, se eu sou falante por um lado e tenho os argumentos que precisa pra um tipo de vendas. Quando você é vendedor, você vende qualquer tipo de material. Basta você se adaptar e aprender sobre ele. Os desafios foram esses, procurar saber, procurar estudar um pouco os campos que eu comecei. REGIÃO METROPOLITANA Campinas atrai o pessoal das cidades da região. Expandiu bastante, se a pessoa não quer ir à São Paulo, vem a Campinas. Tem bons shoppings, boas lojas. Antigamente, comércio de móveis tinha três lojas. Algumas, infelizmente, fecharam e nós sentimos muito. A Trevisan permanece e a pessoa não precisa ir mais a São Paulo pra comprar nada. Ela tem tudo aqui na mão. Não só o pessoal aqui de Campinas, mas a região toda. LIÇÕES DO COMÉRCIO Eu aprendi muito. No comércio você convive com muitas pessoas, pessoas de todos os gostos, pessoas diferentes, memórias diferentes. E é muito gostoso, a cada dia você conhecer uma pessoa nova, você bater papo com uma pessoa nova, você se adaptar com essa pessoa nova. È uma das coisas que eu mais gosto no comércio. Cada pessoa que entra pela porta, primeiro ter que estudá-la, ver como eu vou conversar com essa pessoa. Eu gosto disso, acho bacana, e o comércio te dá essa oportunidade. Pra quem gosta de falar, conhecer pessoas, eu acho bacana. Cada dia abre portas e é gostoso. Cada dia você conhece uma pessoa diferente com uma história diferente, com um conhecimento diferente, eu acho bacana isso. MEMÓRIAS DO COMÉRCIO DE CAMPINAS Acho bacana porque são lembranças, histórias desde a minha infância, de como era Campinas, como era o comércio. Acho que traz lembranças pra todo mundo. Você vê uma foto, você vê um DVD, de qualquer coisa que te informe, que te volte ao passado, é gostoso. Eu acho importante lembrar, lembrar com respeito, gostar, porque Campinas é a cidade que fez você crescer, é a cidade que fez você ter o conhecimento que você tem hoje, a cultura que você tem hoje. Eu acho importante, acho bacana. Achei a entrevista relaxante (risos), muito gostoso, fiquei à vontade. Eu estava preocupada, pra falar a verdade, mas foi fácil, você vai trazendo as memórias...
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