Mulheres na Construção Civil
Entrevista de Priscila Vaiciunas
Entrevistada por Bruna Guirardello e Genivaldo Cavalcanti Filho
São Paulo, 15 de maio de 2023
Entrevista nº MNCC_HV002
Realização: Museu da Pessoa
Transcrita por Mônica Alves
Revisada por Genivaldo Cavalcanti Filho
(00:20) ...Continuar leitura
Mulheres na Construção Civil
Entrevista de Priscila Vaiciunas
Entrevistada por Bruna Guirardello e Genivaldo Cavalcanti Filho
São Paulo, 15 de maio de 2023
Entrevista nº MNCC_HV002
Realização: Museu da Pessoa
Transcrita por Mônica Alves
Revisada por Genivaldo Cavalcanti Filho
(00:20) P/1 - A gente vai começar com a pergunta mais básica, tá?
R - Tá.
(00:23) P/1 - O seu nome completo, a sua data de nascimento e a cidade em que você nasceu.
R - Meu nome é Priscila Vaiciunas, eu tenho 37 anos. Nasci em 23 de maio de 1985 na cidade de São Paulo, capital.
(00:42) P/1 - Qual o nome dos seus pais?
R - Meu pai se chama Silvio Vaiciunas e minha mãe se chama Solange Cristina Malaquias Vaiciunas.
(00:51) P/1 - E o que seus pais faziam, Priscila?
R - Minha mãe era faxineira, diarista. E o meu pai era vendedor de loja de material de construção.
(01:04) P/1 - E eles são de São Paulo mesmo, ou eles vieram de algum outro lugar para morar em São Paulo?
R - Eles nasceram em São Paulo. Os pais dele, aliás, o pai do meu pai veio fugindo da guerra; ele é lituano, meu avô por parte de pai. Ele veio pequeno, fugindo da guerra e se casou com a minha avó, que também veio… A família dela é da Itália. Eles se casaram e meu pai já nasceu aqui, em São Paulo. Minha mãe também, a minha família por parte de mãe é brasileira mesmo.
(01:45) P/1 - Entendi. E como você descreveria o seu pai e a sua mãe?
R - Bom, o meu pai sempre foi muito trabalhador. Trabalhava bastante fora de casa e muitas vezes em casa também. Ele sempre cuidou dessas coisas de manutenção da casa, consertar coisas; foi com ele que eu aprendi a minha profissão. E ele sempre trabalhou muito longe de casa. A gente morava no extremo da periferia e ele trabalhava na Santa Efigênia, que é no centro de São Paulo. Eu sempre estive muito próxima a ele, porque eu gostava de mexer com essas coisas, tinha curiosidade, então eu trabalhava muito com ele.
A minha mãe também sempre foi muito batalhadora, sempre trabalhou muito. A gente morava no extremo… Ela também vinha atender pessoas aqui na região da Faria Lima e no centro mais moderno de São Paulo.
Quando eu tinha uns doze, treze anos, ela voltou a estudar, porque ela não tinha terminado o ensino médio. E aí ela me incentivou a fazer o curso técnico, porque depois que ela terminou o médio, ela entrou no técnico, foi fazer Nutrição. Quando eu estava finalizando o ensino médio, ela meio que me obrigou a estudar, porque a gente era adolescente, meio rebelde, não queria estudar. Ela [dizia]: “Não, você tem que ter uma profissão.” E aí ela trouxe um livro, que antigamente era uma apostila com todos os cursos que a escola tinha. Eu falei: “É isso aqui que eu quero fazer.” Fui fazer Edificações, porque eu achava que era o que tinha mais a ver comigo, que não tinha que ir de roupa social, não era secretária. (risos) Eu sempre fui muito despojada.
Os dois me incentivaram muito na minha profissão. Meu pai, porque eu sempre trabalhei com ele para ajudar os vizinhos. Quando a gente se mudou, que saiu lá do extremo da periferia, eu aprendi o que eu sei com ele, de manutenção, tipo mexer com chuveiro, com torneira; ele ia fazer para os vizinhos e eu estava sempre ali, do lado dele e perguntava: “Deixa eu fazer?”
A minha mãe foi a maior incentivadora de estudo. Ela falava para gente que não teve oportunidade de estudar, teve que sair de casa cedo para ajudar a pagar as contas, sustentar a família, mas que o que eles pudessem fazer para a gente não precisar trabalhar de criança, ela faria. Ela foi a maior incentivadora de: “Vai estudar! Você tem que ter uma profissão, você tem que ter uma formação, uma qualificação, porque não dá para… Hoje o mercado não aceita mais que você não seja uma pessoa especialista”. Então eu posso resumir eles assim, foram os meus maiores incentivadores.
(05:06) P/1 - E você tem irmãos?
R - Tenho três irmãs. Eu tenho a
ngela, que é um ano mais nova do que eu. Sou a filha mais velha. Tenho a Marina, que é nove anos mais nova que eu. Ela tem um filho. E tenho a Camila, que é 22 anos mais nova que eu, ela é a caçula. São os meus xodós, mato e morro por elas.
(05:32) P/1 - E você chegou a conhecer seus avós paternos ou maternos?
R - Eu conheci as minhas avós, tanto materna, quanto paterna. Os meus avôs, não. Por parte de pai, ele já tinha falecido, ele tinha alguns problemas de saúde. Por parte de mãe, também. Mas com a minha avó materna eu convivi até 2021, que foi o ano que ela faleceu. Ela também era a pessoa que me apoiava sempre, tipo: “Vó, eu vou fazer tal coisa.” “Vai, vai dar certo!”
(06:10) P/1 - E você sabe a história do seu nascimento, do dia que você nasceu? Alguém te contou alguma história que tenha acontecido?
R - Sei. A minha mãe entrou em trabalho de parto no dia 21 de maio. Ela ficou internada… Eu não sei, hoje mudou o hospital, mas era ali no Parque Dom Pedro II, tinha uma maternidade. Ela entrou em trabalho de parto e quase que não nasci, porque fiquei mais de 24 horas dentro do útero da minha mãe, já com a bolsa rompida. Enfim, era um pouco precária a maternidade naquela época. Eu sei que ela entrou em trabalho de parto no final do dia 21 e eu nasci no dia 23 de maio. Essa é a história que eu sei do meu parto, que foi bem complicado para ela porque não tinha atendimento, a maternidade estava cheia e foi um caos. Ela fala que eu fui um milagre, porque pelo tempo que eu esperei para nascer não era para estar viva.
(07:22) P/1 - Que bom que deu tudo certo!
R- (risos) Que bom!
(07:25) P/1 - E entrando um pouquinho na sua infância, você se lembra como era a casa em que você passou a sua infância, a rua?
R - Lembro. Eu tenho memórias de quando a gente morava na Cohab. Eu morava lá no extremo da zona leste, na Cohab Juscelino. Era um prédio de Cohab, era bem divertido! Eu lembro que era muito divertido porque tinha muita criança, então a gente fazia muita bagunça. Mas meus pais sempre foram rigorosos, com regras, então tinha horário para chegar em casa; [quando] meu pai chegava do trabalho, a gente tinha que estar de banho tomado… (risos) A gente respeitava muito essas regras.
Eu lembro que depois de um tempo que a gente morava lá o vizinho da frente mudou, e o filho dele era mais velho. Eles pegaram uma amizade muito legal com os meus pais. Quando eles engravidaram, a filha deles que nasceu, eles deram para os meus pais serem padrinhos de batismo. A gente convivia muito com essa família, a gente conheceu a família deles. A gente convivia muito, porque a família deles era muito grande, então a gente sempre ia para família deles quando tinha festas, essas coisas. E eles participavam das festas da minha família, porque a gente tinha sempre muito contato com a minha família por parte de mãe, meus tios, então a gente estava sempre junto.
Depois a gente mudou, foi para casa da minha avó, que é onde eu moro até hoje - fica
próxima à região da Vila Formosa. Eu lembro que na época tinha uma casa nos fundos, que minha avó morava, e a da frente era [de] uma tia da minha mãe; era dela a casa, mas ela não habitava mais e eles reformaram. Era um quarto e cozinha com banheiro, e aí eu lembro da reforma, lembro do pedreiro… Acho que a memória que eu tenho até do cheiro do local.
Acho que nessa época já foi nascendo muito da minha curiosidade de aprender. Eu achava muito divertido o cara jogar uma massa lá e a parede ficar lisa. Eu falava: “Nossa, isso é muito mágico! Como é que faz?” E a minha mãe ficava preocupada, porque eu era muito pequena para ficar em cima do pedreiro e aprender essas coisas.
Eu tenho memórias da casa. Não era uma casa sem luxuosa, meus pais só rebocaram a casa. O banheiro não tinha piso, a cozinha também não tinha; o quarto, era tudo no cimento mesmo. Depois de muitos anos meus pais conseguiram guardar uma grana, aí colocaram revestimento. Mas eu tenho memórias dos dois locais que eu morei.
Quando a gente foi para casa da minha avó, também tinha muita criança na rua, então era sempre muito divertido, porque depois do período de escola, eu estava sempre na rua brincando, correndo e jogando bola. (risos) Era legal.
(10:51) P/1 - E falando dessas brincadeiras, do que você gostava mais de brincar nessa época?
R - Ah, futebol com certeza! Eu adorava futebol! Chegava toda quebrada em casa, sem a tampa do dedão, o joelho ralado. Minha mãe ficava maluca porque eu jogava descalça, tirava o chinelo, não estava nem aí mesmo. Minha mãe falava: “Você não pode brincar com essas coisas! Isso não é brincadeira de menina.” Eu falava: “Mas mãe, é brincadeira! É só brincadeira, né?” Era bem legal!
(11:26) P/2 - Você torcia para algum time?
R - A minha família toda é corinthiana! Lá em casa se não é corinthiano, é deserdado! (risos) Não, brincadeira. Quando eu era mais nova eu torcia para o São Paulo, eu era são-paulina, mas acho que por influência de outras pessoas. Meu tio, que é o irmão da minha mãe,
sempre foi corinthiano roxo, aí ele brincava com a gente, falava: “Quem não for corinthiano não é mais meu sobrinho.” Depois foi nascendo essa paixão pelo Corinthians.
Eu acho que é uma coisa que vai tomando conta da gente, porque você vai vendo que muitas vezes a torcida é empenhada com questões sociais, os jogadores eram empenhados com questões sociais, então acho que foi nascendo mais uma paixão pelo Corinthians mesmo. Lá em casa todo mundo é corinthiano, ninguém foge disso.
(12:27) P/1 - Então vamos para sua parte da escola.
R - Tá.
(12:29) P/1 - Você se lembra dos primeiros dias que você foi para escola?
R- Lembro. Eu lembro da creche e do primeiro ano, que eu ainda estava morando na Cohab. Para mim sempre foi divertida a escola, porque era um momento que eu socializava com outras pessoas e brincava também. Mas também foi uma situação bem constrangedora, porque eu sempre fui muito molecona, nunca fui muito feminina, então sofri um pouco de bullying na escola. Mas tenho boas memórias, de fazer amizade mesmo. Brincava com todo mundo, me dava bem com todo mundo, não fazia parte de uma panelinha. Eu sempre circulava entre os alunos. Mas acho que a coisa que mais me marcou no tempo de escola é que eu era muito rebelde. Sempre fui muito rebelde, nunca deixei passar batido coisas que eu achava injustas. Eu sempre tomava a frente, nunca deixava, assim: “Ah, não é problema meu.” Eu sempre questionava muito!
Lembro que minha mãe muitas vezes foi chamada na diretoria da escola, porque eu era terrível, dava curto-circuito na escola, fazia muita bagunça. Eu me envolvia com um pessoal mais rebelde mesmo, pessoas que… Não eram pessoas violentas, mas eram pessoas que, assim como eu, não aceitavam algumas injustiças. A gente tinha um grupo.
A gente não ficava apavorando as pessoas, não fazia bullying nem nada. Tirava um sarro, lógico, né? Tem situação que você tira um sarro e tal, mas a gente não degradava as pessoas, não humilhava. Era um grupo de pessoas mais rebeldes mesmo, tipo: “Não, isso aqui não tá certo!” E isso sempre foi muito difícil para minha mãe, porque ela sempre foi uma aluna muito exemplar e ela ficava: “Meu boletim era sempre muito bom! Minha mãe nunca foi para escola, na diretoria.”
Eu lembro que uma vez, uma professora chamou minha mãe para reclamar: “Ela não faz nada na sala. O caderno dela é em branco, ela não copia a lição, nada!” E aí eu falava: “Não copio lição, mas eu tiro B na prova. Não tenho culpa de ser inteligente!” Eu detestava ficar copiando lição! Eu era muito agitada, estava sempre em movimento, conversando, mas eu me dedicava na hora da prova. Quando eu via que era um conteúdo que precisava aprender mesmo, eu ficava quietinha, prestava atenção. Eu não era uma aluna que, por exemplo, não parava de falar; eu conversava, eu brincava, mas na hora que a professora estava explicando alguma coisa, eu me sentava, ficava quieta. Eu só não copiava a lição da lousa. (risos) Lembro que eu arrumei uma briga com a minha mãe, porque aí ela falou: “Tudo bem, você pode ser inteligente, mas você não pode desrespeitar os professores.”
Acabei repetindo a oitava série, porque eu meio que… “Ah, não quero mais saber!” Eu não queria mais estudar. Não sei por que, eu me revoltei, não queria estudar. Quando eu repeti a oitava série, eu caí na mesma sala da minha irmã e ela era muito cagueta, eu não podia fazer nada que quando eu chegava em casa ela contava tudo para minha mãe. E aí eu meio que falei: “Bom, já que eu não vou poder ser eu mesma,
como eu era quando ela não estudava comigo, eu vou ter que mudar como eu me comporto.” E aí eu comecei a ser uma aluna um pouco mais dedicada, vamos dizer. (risos) Eu copiava a lição, essas coisas. Mas para mim também foi um aprendizado, sabe? Tipo: “Tudo bem, eu posso ser inteligente, mas eu preciso também me dedicar um pouco mais.”
Acho que uma das coisas que eu mais sinto falta é isso. Acho que deveria ter me dedicado um pouco mais, brincado menos, levado as coisas um pouco mais a sério, mas também não me culpo. Eu era muito jovem, não tinha noção de que isso poderia fazer falta hoje para mim.
No tempo de escola, eu sofria bullying mais por ser uma menina fora dos padrões. Eu nunca fui de usar roupa justinha, não era muito feminina, eu jogava sempre futebol. Acho que isso, para minha época, era uma questão muito esquisita para as pessoas, tipo: “Quem ela é?” Eu estava sempre no meio dos meninos. Acho que o bullying foi muito nesse sentido, de [falarem:] “Ah, olha lá. Ela não se comporta como as outras meninas!”
Eu lembro que na oitava série, depois que eu repeti, um menino foi meio que tirar um sarro da minha cara e me chamou de Cássia Eller, e eu fiquei: “Pô, Nossa. Cássia Eller, meu! Caramba, legal!” Eu falei: “Tá bom, né? Se você acha que eu sou Cássia Eller, porra, é um privilégio para mim porque é uma referência e tanto.” Acho que como uma mulher LGBT, eu acho que ela foi muito revolucionária. Ela era uma pessoa… Não que não tivesse vergonha, mas acho que ela se despia mesmo de rótulos, né? Do tipo: “Eu tenho que me comportar assim, porque eu sou uma celebridade.” Ela não estava nem aí, ela levantava a camiseta,
falava palavrão e falava o que ela pensava! E eu fiquei [pensando]: “Nossa, será que eu realmente pareço com ela?” Foi aí que virou a ficha na minha cabeça: “Eu acho que eu pareço com ela!”
O período escolar, para mim, foi de muitas descobertas..
(19:15) P/1 - E a escola onde você estudava, ela era perto da sua casa? Você ia a pé? Era mais longe?
R - A gente ia a pé, era próxima. Acho que não dava um quilômetro de distância de casa. Mas como minha mãe sempre colocou a gente em horários… Tentava colocar no mesmo horário, [então] a gente ia junto. No começo a minha tia que levava, porque quando a gente foi morar na casa da minha avó, minha tia ainda morava lá com os meus primos, então ela ia buscar meus primos e levava eu e a minha irmã. Depois, quando a gente tinha uns dez ou onze anos, a gente já ia sozinha porque não era muito longe, dava para ir a pé. Como é perto de uma avenida muito movimentada, acho que meus pais tinham essa segurança. “Tem muita gente na rua, é mais difícil de acontecer alguma coisa.”
(20:15) P/2 - Pensando nos professores que você teve, teve algum professor ou professora que foi mais marcante para você?
R - Teve. A professora de artes. Ela pegava muito no meu pé, porque ela falava que eu desenhava muito bem e que eu tinha que aprimorar isso, investir nessa parte de desenho. Foi uma das que me reprovou. (risos) Mas eu entendo. Acho que quando a gente é muito novo, a gente não tem percepção de que algumas críticas que as pessoas fazem são para construir uma coisa para o futuro. A gente meio que se revolta, mas ela tinha uma visão de que eu poderia trabalhar melhor essa minha parte artística, que eu depois meio que bloqueei. Só fui voltar a desenhar depois, quando eu tentei fazer faculdade de Arquitetura, que aí outra professora falou: “Nossa, você desenha muito bem! Você deveria realmente focar nisso, né?”
Acabei não desenvolvendo, não peguei paixão por isso. Adoro desenhar, mas não é uma coisa prática na minha vida hoje, entendeu?
Teve a professora de História, que namorava um cara que era vizinho de uma amiga. Adolescente, né, a gente tirava muito sarro, brincava muito com ela. Ela tinha um cacoete,
ficava piscando ininterruptamente, e aí a gente a chamava de pisca-pisca, de árvore de Natal. Eu não me orgulho disso, mas a gente - eu, principalmente - eu zoava muito ela, mais pela forma que ela tratava a gente fora da escola.
Ela foi minha professora no ensino fundamental. Depois, quando eu fui para o médio, ela meio que me humilhou na sala, no primeiro dia de aula. Ela me olhou e falou: “Eu não acredito que você vai ser minha aluna!” Aí eu falei: “Eu não acredito que você vai ser minha professora!’ (risos) Aí ela meio que… “Ah, ela era terrível! Ela nunca fazia lição!” Ela meio que me humilhou, aí todo mundo ficou olhando para minha cara. Eu [disse]: “Tá bom, mas eu sempre tirei boas notas na sua matéria.” Aí já começou um: “Vixe, vixe!” Eu [disse]: “Ai, gente, não vou para esse lado porque já aprendi a minha lição, não vou ficar debatendo com professor aqui.” Depois a gente nunca mais se viu, mas eu sei que ela ainda dá aula, provavelmente. Ela foi minha professora durante os três anos do ensino médio, mas acho que ela percebeu que não ia conseguir… Eu não era mais a Priscila da quinta, da sexta série, eu já tinha uma outra personalidade.
Outros professores me marcaram, mas acho que pela dinâmica de aulas. Eu não me lembro o nome, era um professor de Português. Ele era muito descoladão, ele levava música para gente e discutia questões da adolescência com a gente, sabe? “Gente, o corpo de vocês está mudando. Como vocês se sentem em relação a isso?” Eu achava isso incrível, porque a maioria dos professores não falava sobre isso.
No ensino médio teve a Edna, que era a professora de Português também. Ela fez com que eu me apaixonasse de verdade pela língua, porque ela tinha um jeito muito especial de falar com a gente. Ela era uma professora… A ‘tiazona’ legal, sabe? Ela era muito maneira. Eu adorava as aulas dela e eu conseguia entender, porque a didática dela não tornava um massacre aprender sobre Literatura. Porque é muito chato, né? Dependendo de como a pessoa vai explicar, é muito chato! E era muito legal.
Ela também trazia a música, fazia a gente meio que observar da gente… Sei lá, descrever o que a gente tinha percebido sobre a música. Ela me ensinou a gostar de MPB também; eu acho que isso foi importante para mim, porque eu ouvia a minha mãe ouvindo MPB e eu falava: “Nossa, isso é muito chato!” Depois você vai descobrindo que não é chato, é que também tem um momento da sua vida que você aprende a desfrutar um pouco mais de literatura, de coisas mais profundas, vamos dizer assim.
(25:30) P/1 - E essa escola do ensino médio, era mais longe da sua casa?
R - Era um pouquinho mais longe. A região que eu moro tem bastantes escolas, mas todas davam para ir a pé, então a gente sempre ia e voltava para a escola… Era muito perto de casa,
era menos de um quilômetro, então acho que meus pais ficavam tranquilos com relação a… “Está perto, tem essa avenida principal”, então não tinha problema.
(26:03) P/1 - Justamente eu ia falar sobre… Pegando o gancho do que o seu professor comentava: você chega na adolescência, seus gostos começam a mudar. Você começa a mudar, se interessa por outras coisas. Tem alguma coisa que te marcou nessa época? Um livro, um filme, uma música, um artista que simboliza, que você fala: “Nossa, isso é muito a minha adolescência”?
R - Tem, tem muita referência. Como eu sempre fui muito rebelde, eu gostava dessa coisa meio… Só música eletrônica. Depois eu comecei a gostar muito de rock, e aí eu aprendi a tocar violão com Legião Urbana, Titãs. Eu me apaixonei por Titãs, Rita Lee e tal. Eu falava: “Nossa, meu. Que incrível, Raul!” Eu cresci ouvindo Raul, então era apaixonada por Raul Seixas.
Fui desenvolvendo muito isso, mas acho que depois de um certo tempo… Aí chegou uma época de descobertas mesmo, porque eu sentia algo diferente, mas eu não sabia explicar. Pra mim era um afeto, gostar de alguém como amigo, mas eu comecei a perceber que isso era além de ser amigo, que rolava o desejo mesmo. Foi quando eu me descobri lésbica e acho que uma baita referência sempre foi a Cassia Eller, acho que é indiscutível. Como eu tinha um pouco de dificuldade em gostar de MPB… Mas eu era apaixonadinha pela Gal Costa, eu a achava incrível! Eu olhava e falava: “Meu, que mulher, que voz!” Era tão gostoso ouvir ela cantando, né?
Como a gente não tinha internet, tinha coisas que você tinha que pesquisar, mas não tinha como você pesquisar, por exemplo, em uma biblioteca; você tinha que perguntar, sei lá, para os seus pais. Meus pais sempre foram muito… Eles sempre conversaram muito com a gente sobre questões socioeconômicas, sobre coisas que eles viveram e que eu já não vivia mais, tipo ditadura, sobre referências musicais, então a gente tinha um leque bem legal de conversa relacionadas a cultura.
Depois veio a Ana Carolina também, que foi uma referência para mim na questão musical. Agora de filme, de artista, tinha dois filmes que eu era extremamente apaixonada na minha adolescência, que era o Romeu + Julieta, com o Leonardo DiCaprio… Eu achava tão romântico, falava: “É patético, mas é romântico.” (risos) E tinha outro filme, que fui ver mais velha, é claro, que era o Segundas Intenções. Era um filme de uma trama totalmente maluca e acho que isso despertava muitas coisas em mim com relação ao meu afeto, sabe? Do tipo: “Ah, olha. Parece que é normal gostar de meninas. Não, está tudo bem!” E era muito difícil, porque não dava para conversar sobre sexualidade em casa. Meus pais não tinham essa bagagem de repertório para conversar sobre sexualidade.
Lembro que quando me assumi para minha mãe eu tinha uns dezessete anos. Foi muito difícil, porque ela era uma pessoa que frequentava igreja, e aí ela já queria… “Não, isso não é normal e tem que passar no psicólogo!” Como eu era totalmente dependente dos meus pais, porque eu não trabalhava fora… Eu comecei a trabalhar na adolescência, mas trabalhava próximo de casa, não ganhava um salário, um valor com que eu conseguisse me sustentar. Era mais uma coisa do tipo “meu dinheiro para comprar minhas coisas e não ficar dependente dos meus pais”, no quesito de, sei lá, “quero comprar um tênis, não preciso ficar pedindo para eles”. Eu era muito dependente deles e aí eu acabei meio… “Acho que eu vou para igreja mesmo, porque acho que não é muito certo isso que eu estou fazendo.”
Não me arrependo, foi um período de muito crescimento pessoal para mim. Ali eu realmente conheci quem eu era, sabe? Eu consegui ter essa descoberta. “Quem é a Priscila? Qual é o limite da Priscila? O que a Priscila quer?” Foi muito importante para mim desenvolver uma espiritualidade, porque eu não acreditava de verdade que talvez existisse uma força superior e tive uma experiência muito legal. A partir disso eu comecei a [pensar]: “Opa, peraí! Essa aqui sou eu. Isso aqui eu não tenho como mudar. Não é uma escolha, né? Isso aqui eu não optei, eu não assinei um contrato, né? Tipo: “Isso aqui pode, isso aqui não pode”. Não, eu não sabia dos termos, né?
Foi muito louca para mim essa coisa da adolescência, da descoberta e de depois falar sobre sexualidade - principalmente com a minha mãe, porque eu não tinha como falar com meu pai. Ele não era uma pessoa estudada, meu pai estudou só até a quarta série, mas sempre foi muito inteligente. Ele não lia muito, mas assistia muitos noticiários. Depois, com o passar do tempo, a gente teve condições de pagar uma TV a cabo, essas coisas; ele se inteirava muito, [assistia] Discovery Channel. (risos) Era muito engraçado, porque a gente ficava assistindo Discovery Channel em casa e ele pegava muito do tipo: “Não, vocês têm que se aprimorar. Vocês têm que assistir, é importante! Tem muita informação aqui que é para vida, que vocês não vão aprender na escola, não vão aprender na faculdade.” E a gente foi tomando o gosto de compartilhar com ele esses momentos, porque para a gente também era válido, era um conhecimento.
Eu nunca pude falar sobre sexualidade com os meus pais, mas ele sempre aceitou numa boa. Nunca foi um cara que [disse]: “Olha, isso aqui é proibido, não aceito.” Minha mãe teve dificuldade, ainda tem uma certa resistência, mas eu respeito o espaço dela, ela respeita o meu. A gente se dá superbem hoje. Também não sou mais adolescente de dezessete anos, que chegou lá e falou: “Olha mãe, eu acho que eu gosto de mulher.” (risos) Hoje é diferente, a gente consegue conversar, consegue discutir um pouco mais sobre isso.
Também tem a minha irmã mais nova, que a gente ainda não sabe, mas ela se identifica como não-binária, então acho que ela está trazendo tudo isso à tona para minha mãe. É um conhecimento extra, porque na minha época não tinha tantas nomenclaturas assim. Eu lembro que era GLS, não era nem a LGBT, né? Hoje é LGBTQIAPN+, então são muitas coisas. Acho divertido e preocupante, porque a minha irmã mais nova tem muita essa questão de… “É assim, tem que ser assim, tem que respeitar!” E a gente fala: “Calma, não é assim.” As pessoas precisam conviver. A gente nunca impõe as coisas, você vai aos poucos, explica uma coisa, explica outra.
Acho que agora ela tem um pouco mais de abertura, talvez mais porque a minha irmã mais nova… Ela já chega assim: “É assim, porque eu faço assim!” E a gente fica: “Cara, como é diferente, sabe?” (risos) É totalmente diferente a geração agora, da minha geração. E eu acho bom, fico feliz, porque foi um caminho que muita gente abriu para que hoje você tenha essa facilidade de acesso. .
(35:34) P/1 - Terminando essa questão do ensino médio, você fez o técnico enquanto você estava fazendo o médio? Ou você fez depois?
R - Eu fiz junto. Eu estava no segundo ano… Estava finalizando o primeiro ano, aí a minha mãe me obrigou a fazer a prova e aí eu falei: “Ah, eu não quero estudar. Eu não vou estudar para essa prova! Eu não quero!” Tirei uma dúvida lá com uma professora de Matemática, que era mais jovem também. Fui fazer a prova e falei: “Eu não vou passar, eu não quero estudar!” E fui muito bem colocada! (risos) Aí eu falei: “Não tem como fugir, né? É o destino, vamos lá!”
De manhã eu fazia o ensino médio convencional e à noite eu ia para o técnico. O técnico era longe, eu fiz no Carlos de Campos, que é no Brás, aí eu ia de ônibus, voltava de ônibus. Como eu era a mais nova, eu meio que virei a mascote da turma, porque a maioria eram homens -
acho que tinha umas três mulheres lá. Fiquei muito amiga deles. Eu era muito jovem, tinha, sei lá, dezesseis anos e era o mascotinho deles, estava sempre com eles e tenho amizade com alguns até hoje.
Foi bem bacana compartilhar isso. Era cansativo, porque eu chegava em casa quase meia-noite e às seis horas da manhã tinha que estar de pé para ir para escola. Foi um período bem turbulento. Fora que a gente não trabalhava, mas ajudava com as questões da casa; eu tinha uma irmã pequena também, ajudava a cuidar dela. Mas foi bem legal, para mim foi maravilhoso estudar o ensino médio e o técnico, porque é uma discrepância gigantesca de quando você está ali com adolescentes, pessoas que têm a mesma faixa etária e são imaturos como você, de quando você está com pessoas adultas, que já têm maturidade, que já trabalham, que às vezes moram sozinhas, têm que pagar suas próprias contas. Os assuntos eram bem diferentes, aí eu falava: “Nossa, essa turma aqui é bem mais legal!” (risos)
Eu sempre me envolvi com gente um pouco mais velha do que eu, sempre tive essa facilidade de conversar com o pessoal. Mas foi bem legal o ensino médio e o técnico separado, porque eram escolas diferentes. Eu não fiz [a prova] para fazer junto, fiz a prova só para fazer o ensino técnico mesmo.
(38:40) P/1 - E falando um pouquinho do seu período da adolescência fora da escola, fora do ensino técnico e do ensino médio. O que você gostava de fazer com amigos? O que você costumava fazer nas suas horas livres?
R - Bom, eu não tinha muitos amigos. A maioria dos meus amigos era na escola e fora da escola era muito difícil manter uma relação, por questões meio pessoais mesmo. Como nunca fui muito feminina, acho que as meninas tinham receio de me receber em casa, e não tinha amizade com os meninos da escola. Mas o pessoal que morava nas ruas próximas, a gente tinha amizade, então ficava muito na rua, jogava bola… Eu era molecona mesmo.
Quando eu tinha uns dezesseis anos, fui jogar futebol de campo no Ceret, que é um clube que tem lá perto de casa. Acho que foi um dos primeiros lugares que montou um time de futebol só com meninas, só que elas eram um pouco mais velhas do que eu, então era muito louco, porque eu era a mais nova e elas já se conheciam, já estavam entrosadas.
Eu não era de sair, nunca fui muito de sair. A gente passava muito tempo em família, porque lá em casa cada mês tem o aniversário de alguém. Quando não é aniversário, são datas,
Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais, então a gente estava sempre junto. Minha tia saía de final de semana, aí meus primos ficavam lá em casa, então a gente estava sempre junto. A minha vida social sempre foi com a minha família, sempre tive poucos amigos.
Eu tenho uma família que é de consideração, que é por parte da minha madrinha. Ela trabalhou com meu pai em um dos primeiros empregos dele, ele era adolescente e eles ficaram muito amigos. Quando ele casou, ele falou para ela que pela consideração que eles tinham - ela o ajudava muito em questões profissionais - ele prometeu que o primeiro filho que tivesse, ela seria a madrinha. Quando eu nasci ele me deu para ela apadrinhar; ela e o irmão foram meus padrinhos de batismo.
Era uma família que eu tinha fora da minha. Era legal, porque quando eu era pequenininha eles iam me buscar. Depois, na adolescência eu ligava para marcar: “Posso ir aí te visitar?” Eu passava o final de semana lá e era um pouco longe de casa, mas dava para eu ir sozinha. Aprendi a pegar o ônibus com onze anos de idade e aí eu ia, passava o final de semana lá.
Fora do ambiente escolar, a minha vida social era muito voltada para minha família, meus primos, essa família extensa, que eu chamo. Depois vieram as crianças, que são minhas priminhas, então eu estava sempre lá.
Eu nunca fui uma pessoa de balada, de ficar saindo muito. Meus pais sempre foram muito caseiros. Eu era uma pessoa que gostava muito de videogame, sempre tive videogame, aí ficava muito em casa. Minha mãe falava: “Eu prefiro dar o videogame do que você ficar tanto tempo assim na rua”, porque começou a ficar perigoso. O bairro em que eu moro começou a ficar muito movimentado, porque antes de construírem o shopping lá, construíram um hipermercado, e aí a gente tinha lugares que os pais falaram: “Aqui não pode ir!” Então a gente nunca ia para aquele lugar.
A gente vai crescendo, também vai ficando um pouco mais arriscado de ficar na rua, por outras questões. Acho que é mais a violência sexual mesmo, de ser uma mulher, de estar com o corpo mais desenvolvido, despertar interesse. Então sempre fui muito caseira, minha vida social era essa: família, videogame… Sempre gostei muito de desenhar. Aprendi a tocar vários instrumentos: aprendi a tocar violão, tocava triângulo. Teve uma época que eu fiz capoeira, aí eu tinha um berimbau. Minha mãe ficava louca! (risos) Eu tinha dó da minha mãe, às vezes eu falava: “Deve ser difícil me suportar, né?” Porque eu era muito ativa.
Sempre gostei muito dessa coisa de arte, mas eu nunca parti para parte artística mesmo. Era mais aquela curiosidade. “Ah, que legal aprender a tocar!” Quando eu fui para a igreja, eu tinha uma banda na igreja, aí eu tocava também. Tinha ensaio, aí sim, fiz umas amizades. A gente ensaiava todo final de semana, aí iam lá para casa, ensaiavam, depois comiam. Era a maior galera, era bem legal!
Eu aproveitei bem a vida, acho. Não era uma pessoa de sair muito, mas o pouco que eu pude socializar com outras pessoas fora do ambiente escolar sempre foi muito sadio, nunca tive problemas.
(44:43) P/1 - E falando das suas primeiras experiências profissionais, conte um pouco como elas foram para você.
R - Bom, a minha primeira experiência profissional… Eu devia ter uns treze anos. Fui trabalhar numa loja de games que tinha perto de casa, mas a gente não vendia, porque era loja de bairro, não era loja de shopping; a gente só ficava ali para alguém comprar, tirar dúvida. A gente não tinha essa autonomia, passava sempre pelo dono. Depois ele montou um Autorama lá, aí eu ficava cuidando do Autorama.
Quando eu tinha uns quatorze anos, talvez, eu meio que virei babá. Cuidava de uma criança após o horário da creche, até a mãe chegar do trabalho. Dava banho, dava comida, se precisasse trocava fralda, essas coisas. Fiquei um bom tempo assim.
Depois do período que eu fiquei na igreja, que eu já era um pouco mais velha, eu terminei o curso técnico. Na época que eu me formei, para ser estagiário você tinha obrigatoriamente que entender de AutoCad - que era um curso caríssimo, na época a minha mãe não tinha condições de pagar e eu também não tinha computador em casa - ou ter pelo menos seis meses de vivência em obra, e eu era uma mulher, então ninguém queria uma mulher na obra.
Depois disso eu fiquei na igreja, não trabalhei com nada. Fiz muito trabalho voluntário, conheci muitas comunidades que tinham trabalho social, principalmente com moradores em situação de rua. Isso ajudou a formar muito do meu caráter também, porque eu era muito rebelde, tinha muito esse lance de: “Pô, o cara é maior vagabundo.” Quando você vai conversando com as pessoas, você vai entendendo que não é bem assim. Conheci um outro lado do ser humano também, que é o desprezo, a pessoa ser desprezada e estar numa situação em que ela está negligenciada em todos os aspectos - social, familiar.
Quando eu saí da igreja, eu tinha por volta de 23 anos. fui trabalhar com telemarketing, porque era uma coisa… Era o que tinha, né? Eu nunca tinha trabalhado na minha área, até então. Trabalhei um tempo com telemarketing e era muito massacrante. É bem humilhante trabalhar com telemarketing, porque você é o serviço que a pessoa precisa. Você não é um ser humano, você é um serviço e as pessoas são muito rudes, elas não entendem que para você resolver um problema existe todo um protocolo, um procedimento, não depende de você. Se fosse ir lá e apertar um botão, qualquer um resolveria, seria fácil. São questões que foram me moldando também.
Em 2011 finalmente consegui entrar na minha área de formação. Fui trabalhar numa faculdade, no laboratório de Engenharia Civil deles. Eles me contrataram como técnica de laboratório e foi aí que eu comecei a ter um pouco mais de vivência com a minha profissão. Era legal, porque nesse laboratório a gente fazia concreto, fazia gesso, e tinha um professor que era maravilhoso, que dava aula de materiais e todo final de semestre fazia uma competição com as turmas. As turmas iam durante o semestre, dependendo da aula de materiais. Quando chegava na parte de concreto tinha uma aula e a gente fazia vários tipos de concreto. Na aula, ele ensinava como calcular o traço do concreto e aí cada grupo fazia o seu traço; a gente batia lá e depois deixava curando, e aí fazia a prensa para testar a resistência daquele concreto.
Era muito divertido, porque o dia do final, que seria a prensa, geralmente era num sábado, e aí ficava quebrando um monte de corpo de prova na prensa. Era maravilhoso, eu gostava muito!
Na faculdade comecei a fazer Arquitetura, e aí fui promovida para o laboratório de Arquitetura, saí de lá [do laboratório de] Engenharia Civil, aí passei a trabalhar mais horas. Mas eu não me adaptei, porque era uma rotina muito puxada para mim. Eu ficava dezesseis horas dentro do mesmo ambiente, porque eram quatro horas de estudo, e aí não tinha como ir para casa e voltar, porque a aula terminava ao meio-dia e às duas horas eu tinha que bater meu ponto. Eu só saia de lá às onze horas da noite, então foi bem massacrante para mim.
Tive síndrome do pânico, fiquei afastada e acabei pedindo para sair, falei que falei que não ia conseguir produzir da mesma forma porque aquela rotina estava acabando comigo. Eu não tinha vida social porque eu estava morando sozinha, aí chegava no final de semana tinha que cuidar das coisas da faculdade, trabalho, e é tudo manual nos primeiros semestres, todos os desenhos, as pranchas, são todas manuais. Tinha que cuidar da minha casa, tinha que fazer comida, tinha que fazer ‘n’ coisas. Foi muito sobrecarregado para mim, e aí pedi para sair.
Eu saí de lá em 2013, no final de 2013. E depois de um tempo comecei a pensar: “Acho que eu posso abrir meu próprio negócio”.
(51:50) P/1 - E como veio, como começaram os primeiros passos de você ter o seu próprio negócio?
R - A Manas a Obra, que é o meu negócio, ele nasceu enquanto eu estava lá no técnico. Eu era uma das poucas mulheres que estavam em uma sala cheia de homens estudando para construção civil e eu ficava assim: “Não é possível que não tenha outra mulher, outras mulheres que, sei lá, querem ser pedreiras, encanadoras, eletricistas. Não faz sentido!” Pra mim não fazia sentido. Eu falava assim: “Ah, quando eu tiver, sei lá, meus vinte anos, eu quero ter uma empreiteira só de mulheres.” Esse sonho foi se atrasando porque outras questões foram acontecendo na minha vida.
Quando chegou em 2014, eu não conseguia emprego, porque a forma que eu estava registrada e o valor do salário que eu recebia lá, nenhuma outra empresa no mercado oferecia. Na maioria das entrevistas que eu fazia, eles falavam: “Seu currículo é muito bom, mas a gente não pode baixar sua carteira, não pode rebaixar salário. Então não tem como você trabalhar com a gente.” Comecei a pensar: “Poxa, o que eu vou fazer? Eu não quero voltar para o telemarketing.” Aí comecei a pensar sobre como poderia dar um jeito nisso.
Quando ainda trabalhava lá, tinha um técnico de outro laboratório que o cunhado dele trabalhava com construção mesmo, e aí a gente estava meio que: “Vamos conversar.” Porque ele precisava de um técnico para poder fazer as vistorias de obra, mas eu não tinha experiência, eu nunca tinha atuado com obra mesmo, construção. Acabou que não deu certo, porque o cara começou a negociar comigo, depois ele desistiu, e aí tudo bem.
Na época eu estava namorando e a minha ex-sogra, em um final de semana que eu estava lá, ela tinha visto uma matéria falando sobre marido de aluguel e ela falou: “Olha, eu estava vendo, parece que é um mercado bem promissor, né? O pessoal está ganhando dinheiro com isso. Você não sabe fazer essas coisas?” Aí eu falei: “Sei”. Ela [disse:] “Por que você não divulga para os seus amigos? Vai pegando um servicinho ou outro, pelo menos para você se manter até conseguir um emprego.” E eu fiquei: “Poxa, é mesmo, né? Por que não?” Comecei a pensar muito sobre isso.
Fui ao Sebrae, fiz umas aulas lá. Depois teve um outro movimento que foi lá na prefeitura de São Bernardo - minha ex-companheira era de lá - e aí eu fiz… Acho que era uns dois dias de curso de marketing digital. Foi o pessoal do Mercado Livre, de um monte de empresa, falar sobre e-commerce. Falei: “Pô, legal. Acho que é isso, vou divulgar minha empresa na internet.” Aí eu comecei a pensar: “Tá, mas o que eu vou fazer? O que eu posso oferecer? O que eu sei fazer?” Aí comecei a desenrolar uma ideia assim: “Beleza, eu posso fazer o marido de aluguel, mas o que eu vou fazer? Eu vou oferecer para quem?”
Um dia, de bobeira, eu lembrei dessa coisa da minha adolescência: “Nossa, eu queria ter uma empresa só de mulheres.” E foi uma época que muitas mulheres vieram às redes sociais fazer denúncia sobre assédio, sobre abuso de prestadores de serviço. Falei: “É isso. A minha resposta é essa! Eu vou escolher esse nicho aqui, eu vou trabalhar para mulheres.” Comecei a pensar sobre como eu poderia desenvolver a empresa e aí falei: “Bom, eu não vou criar um clube da Luluzinha, porque talvez isso não vá ser uma coisa muito bem vista. Vão falar que eu estou segregando. Por ser uma mulher LGBT, eu acho que eu deveria abraçar um pouco mais a minha comunidade, fazer uma coisa voltada para essa comunidade.” E aí comecei a anotar algumas ideias que eu tinha com relação a empresa.
Como na minha adolescência eu queria montar uma empreiteira ou uma construtora que tivesse mão de obra com mulheres, eu meio que fui adaptando isso para minha ideia. Fui conversar com a moça no Sebrae: “Eu tenho uma ideia aqui, mas não sei como desenvolver isso.” E aí a ideia nasceu. “Quero uma empreiteira na área de sustentabilidade, que trabalhe com mão de obra de mulheres e LGBTs.” A gente começou a conversar e anotar algumas coisas, [mas] eu não tinha capital inicial para investir nisso, e aí ela falou: “E tal coisa?” Aí eu: “Ah, isso eu sei fazer.” Ela: “Então por que você não começa daí?” Aí comecei oferecendo serviços de marido de aluguel no Facebook, em grupos de militância, em grupos de feministas, grupos LGBTs, e aí começou a dar um pouquinho certo.
Aí eu falei: “Não, espera. Eu preciso desenrolar melhor isso. A minha empresa faz o quê? Ela oferece o quê? É para quem? Quem eu vou contratar?” Comecei a pensar em tudo isso. “Beleza, eu sou uma pessoa que oferece manutenção residencial, mas eu vou oferecer para quem? Vou oferecer para mulher e para comunidade LGBT.” Comecei a lembrar de situações que eu tinha vivido.
Tinha um amigo meu que trabalhou numa empresa, dessas de telefonia residencial e ele falava que quando os caras iam atender uma travesti, ou uma mulher trans, os caras meio que ficavam fazendo chacota no WhatsApp com essas pessoas. Fiquei tão desconfortável com isso, porque eu falei: “Poxa, é um ser humano, sabe? Por que o cara está tirando sarro dela? Ela não está pagando por isso? Ela não tem dignidade? Ela não pode receber uma pessoa sem se sentir menosprezada?” E aí comecei a partir para esse lado, de humanizar o meu trabalho, sabe? “Poxa, eu vou atender uma mulher trans, um homem trans, uma mulher que seja, ou um cara que seja, mas eu vou tratar essa pessoa com humanidade. Porque para mim não é um gênero, é um ser humano.” Nessas horas parece que é um texto decorado, mas quando a gente… Por exemplo, você olha para uma pessoa, eu não a leio como um gênero; eu a leio como um ser humano, independente de ter barba, de não ter barba, do órgão genital que a pessoa carrega. Isso não me importa, isso é a particularidade, a intimidade da pessoa, agora tratar as pessoas com respeito, com humanidade é o mínimo que a gente deveria aceitar. Então eu comecei a pegar essas coisas que foram aparecendo na internet, com relação a mulheres. Comecei a pegar bagagem de situações que LGBTs sofrem, e aí eu comecei a juntar uma coisa com a outra. Falei: “É isso aqui, o meu nicho é esse. Vou trabalhar para essas pessoas, mas eu também vou contratar essas pessoas.”
Foi aí que nasceu mesmo a ideia da Manas à Obra, de uma equipe majoritariamente feminina para oferecer serviços para mulheres e LGBTs. Atendo todas as pessoas, mas a gente sempre escolhe um nicho para trabalhar e comecei a desenvolver isso.
Na época, um ex-chefe que foi meu supervisor no telemarketing… A gente tem amizade até hoje. Perguntei umas coisas para ele, ele foi me dando várias dicas. “Usa tal cor. Fala tal coisa. Você tem que criar um site ou uma página e colocar tal informação.” Ele me ajudou a desenvolver essa parte dentro do Facebook e depois do site; eu ia ‘printando’ a tela e mandando para ele. “Tá bom?” “Não, tira essa letra, coloca tal.” Ou: “Muda essa cor aqui.” Ele foi me ajudando muito.
O processo da empresa foi nascendo em parceria com outras pessoas, mas eu fazendo tudo. Eu atendendo o cliente, eu respondendo e-mail, eu respondendo WhatsApp, respondendo página no Facebook. Foi nascendo assim e foi mais naquela coisa de “o que eu estou fazendo pela minha comunidade? Eu estou sendo uma empresa que é mais do mesmo? Que só vai estampar um rótulo ou uma ideia, que daqui um tempo ela vai esquecer, ela nem vai se importar mais com essa causa aqui? Ou eu vou viver para isso?” Essa era a maior questão,
era latente, para mim, quando pensei na empresa. E aí eu decidi: “Eu vou viver para isso.”
(01:02:50) P/1 - E me conta como é que foi esse desenvolvimento depois disso. Você começou a conquistar mais clientes, começou também a ganhar experiência com isso. Como você acha que está, do momento que você começou, para hoje em dia?
R - A dificuldade maior que tem ainda hoje é a mão de obra qualificada. Eu sempre pontuo que a culpa não é das pessoas, é uma culpa social. É uma estrutura social que impede uma mulher, por exemplo, de chegar num curso técnico e se sentir à vontade, porque às vezes chega uma menina e vai fazer um curso de elétrica, e aí tem um monte de caras lá, e o cara fica querendo testar o conhecimento da menina. Muitas vezes o conhecimento dele não é testado pelos colegas; às vezes ele é um paspalhão. Tem muita gente que está ali e não sabe o que está fazendo. Então isso também segrega e dificulta o acesso das mulheres aos cursos que estão dentro da construção civil, acho que ainda mais quando a gente vai tratar de comunidade LGBT.
Quando eu era mais nova eu ainda tinha uma certa passabilidade, porque eu era novinha, era mascotinho, todo mundo achava legal. Eu sempre fui muito comunicativa. Mas hoje, por exemplo, se eu chegasse vestida da forma que eu me visto, cabelo curto e tal, se fosse naquela época, eu acho que talvez eu não teria tido a mesma aceitação que eu tive. A gente está falando de um problema estrutural da sociedade em que as mulheres ainda são impedidas de acessar lugares que elas gostariam de acessar, e falo isso tanto profissionalmente quanto pessoalmente.
A maior dificuldade que eu ainda encontro é conseguir montar uma equipe de mulheres, porque a maioria das meninas que atuam hoje na área não são certificadas. Elas aprenderam com o tio, com o pai, com o vizinho, com alguém, e às vezes elas não querem acessar um conteúdo profissional, não querem estudar porque vão sofrer uma retaliação ali, um preconceito. Elas vão ficar o tempo todo sendo testadas ali e isso é desgastante, porque é muito chato você estar ali para aprender… A maioria das pessoas que vai para um curso técnico, profissionalizante, elas não têm conhecimento da profissão e estão ali para aprender. Vejo que tem muito essa dificuldade.
Esse ano, por exemplo, eu estou atuando sozinha, porque já montei uma equipe, mas tive muita dificuldade com a qualidade. É isso, quando você tem um certificado, você se especializa em algo, o padrão de qualidade, a régua vai subir. E quando você só aprendeu ali e tal, muitas vezes a tua régua não sobe e aí a gente encontra essa dificuldade de comunicação. É o que eu sempre falo, eu não culpo as pessoas; é uma situação muito difícil, porque, por exemplo, a mulher, ela está sempre sendo testada, a palavra dela é sempre questionada, sempre colocada em dúvida. Se chega um cara e fala a mesma coisa, ele é validado, mas a mulher é sempre questionada. Às vezes, quando você vai dar um feedback, a pessoa está tão armada por conta da vida social, das negligências sociais e das situações de questionamento, que ela criou uma barreira ali. Você não consegue chegar e dar um feedback: “Olha, fulano. Isso aqui precisa ser melhorado, a qualidade disso aqui não é aceitável.” E a pessoa está totalmente armada. Aí entra a parte de dificuldade que eu sempre brinco, a gente acaba aprendendo a não ouvir outras mulheres e a enxergá-las como inimigas, então fica mais difícil ainda.
A gente está falando de vários recortes. Não estou falando só de mulheres, eu estou falando de muitas vezes uma mulher negra que é lésbica, ou de uma mulher que é travesti, transexual, então a gente vai criando socialmente barreiras que impedem que a gente se desenvolva como profissional, entende?
Eu procuro estar sempre antenada, sempre faço cursos quando eu posso, para me atualizar mesmo, porque a construção é modernizada o tempo todo. Hoje a gente tem essas questões de tecnologia que estão dentro da construção civil também. Mas é muito difícil, porque a gente passa muito por esse crivo de chegar no curso e os caras ficarem ali, tirando sarro, fazendo piadinha. Aí você fala: “Pô, vale a pena continuar?” Porque é humilhante.
Acredito que exista um movimento, que talvez nasceu lá comigo, ou talvez até outras mulheres antes de mim já começaram o movimento, que é: “Vamos bater de frente com esses caras!” Quando eu comecei, lá em 2015, era muito difícil conseguir mulheres que estivessem atuando ou que tivessem interesse em atuar na construção civil. Hoje já tem muitas mulheres trabalhando na construção civil, já tem muita menininha saindo do ensino médio e indo fazer curso técnico dentro da área e se desenvolvendo. “Eu quero estar ali, é o que eu gosto de fazer.” Então eu acredito que [estamos] a passos de formiga, mas tem muita gente se interessando.
Acredito que também tem a dificuldade da construção que a gente tem como padrão aqui no Brasil. Ela é uma construção muito pesada, é muito demorada, é um sistema construtivo que demanda muito esforço. Isso eu falo tanto para mulher quanto para homem. É muito difícil ter que ficar carregando pedra, cimento, areia, e isso [vale] para qualquer pessoa. Por mais que você tenha ferramentas para fazer isso, é muito difícil. Nesse quesito de construção, quando a gente vai falar, por exemplo, como já aconteceu algumas vezes: “Preciso fazer uma demolição”, tem que carregar o entulho, tem carregar o material, porque a gente está falando aqui de São Paulo, [tem] muitos prédios. É difícil você pegar casas para fazer manutenção, e aí as mulheres falam: “Poxa, mas eu não aguento carregar peso. Eu não consigo, não faço trabalho que eu tenha que carregar peso.” E não é um problema da mulher, a gente sabe que ninguém deveria ter que carregar peso, mas a mão de obra e o acesso a ferramentas ainda são precários aqui. Eu falo isso para todo mundo, inclusive para os caras que já trabalharam comigo, porque eu tive que montar uma equipe mista, de pegar homens e mulheres e ir separando. Tive a sorte de nunca pegar homens que fossem machistas, que souberam respeitar a cliente, o espaço, as outras meninas que estavam ali. Pelo menos nunca chegou para mim nenhuma notificação: “Pô, a pessoa me assediou, ou falou, me olhou”, nunca! Mas acho que é muito difícil a gente conseguir criar uma evolução, sabe?
De quando eu comecei em 2015 para hoje, talvez o que tenha mudado é que muitas mulheres se interessaram pela área da construção civil, porém muitas mulheres não querem trabalhar nessa área, como por exemplo, pedreiras, porque é um serviço muito pesado, exige muito. A gente fala de uma população que não tem só o trabalho ali para executar: ela vai chegar em casa e tem que cuidar do filho, fazer comida, cuidar de casa. A gente está falando que é um serviço que vai desgastar muito mais a trabalhadora do que o trabalhador, porque muitas vezes o cara chega em casa e não vai cuidar dos filhos; ele não tem a janta para preparar, ele não vai cuidar da casa, às vezes ele chega e está pronto. A gente está falando de uma população que por convicção já está sobrecarregada. E aí você coloca a pessoa para executar um trabalho braçal e extremamente pesado? Não tem interesse, porque aquela mulher vai trabalhar ali duas semanas, um mês e não vai querer mais. Ela vai chegar em um momento de fadiga extrema e vai ter que optar: “Ou eu cuido da minha família, da minha casa, ou eu trabalho.” Se ela largar a mão da família, quem é que vai assumir essa responsabilidade?
Acredito que muita coisa precisa mudar, falando do meu nicho de mercado. E acredito que, dentro da construção civil, as coisas deveriam ter mais facilidade de acesso. Hoje, por exemplo, você não consegue com pouco dinheiro investir em uma ferramenta de qualidade, você precisa de muito dinheiro para deixar o seu trabalho mais automatizado, vamos dizer assim, para você ter uma ferramenta que vai poupar o seu esforço. Acho que falta muito, a gente teve um avanço, mas ainda falta muito.
Acredito que em se tratando do nicho que eu escolhi para trabalhar, que são as mulheres e LGBTs, ainda falta muito acesso para essas pessoas. Uma travesti, por exemplo, não consegue estudar, muitas vezes ela não consegue terminar o ensino médio. Falta muita evolução do ser humano ainda para a gente chegar nesse: “Pô, aqui está legal! Eu consegui chegar no meu objetivo final.”
Eu não desisti, mas tem coisas que a gente põe um pouquinho de lado, sabe? E fala: “Deixa isso aqui para um momento depois.” Hoje, as pessoas com acesso à internet exigem um padrão de qualidade e você tem que estar dentro desse padrão, porque se você não está dentro desse padrão, nem todo mundo vai compreender, do tipo: “Ah, tudo bem! Essa pessoa está aprendendo agora, essa pessoa tem pouca experiência.” [Vão dizer:] “Não, eu quero isso aqui!” E é isso que você tem que oferecer, para pessoa chegar e falar: “É isso!” Ainda precisamos dessa evolução porque falta acesso, faltam oportunidades, porque também tem muita gente que faz o curso e depois não consegue um emprego por ser mulher. “Ah, mas ela não vai dar conta!” “Será? Você nem testou! Você não deu oportunidade para a pessoa experimentar, né?”
A gente teve um bom avanço na questão da acessibilidade, das mulheres conseguirem acessar esses espaços, mas eu acredito que na questão de demandas e de oportunidades, falta muita coisa.
Talvez nesse período de pandemia… A gente ouviu mais empresas assim… “Agora a gente abraça uma causa LGBT”, ou “agora nós estamos abrindo oportunidades para contratar mulheres”. Será que está? Porque de todas as experiências que eu tive, eu nunca vi resultado. Sou uma pessoa que não tem o cash para fazer o investimento, mas quem tem, muitas vezes não faz. Pega a ideia, pipoca a ideia e depois é: “Acho que não dá para trabalhar assim.”
Se a gente pensar na questão biológica, muitas vezes a mulher tem menos força física do que um homem, a mulher tem essa coisa de… Acredito que não é uma propaganda. Acredito que as cargas horárias deveriam ser menores, tanto para homens quanto para mulheres, porque a mulher tem essa coisa do… Não é só o trabalho que ela executa, ela tem uma casa, ela tem uma família, ela tem uma vida fora daquele trabalho para dar conta também. E aí eu acho que para muitas outras empresas, ou pessoas, isso não tem validade, porque se você falar para o cara que tem que trabalhar duas horas a mais, ele não tem uma responsabilidade com a casa dele, ele não tem uma criança esperando para ser alimentada por ele.
Acho que falta um pouco dessa viabilidade para ambos, sabe? Diminuir sim a carga horária de trabalho, até para os caras, porque é exaustivo, e eu falo isso por experiência. Trabalhar numa obra, de segunda a sexta-feira, das sete às dezessete, das oito às dezoito, é muito puxado, porque é um trabalho físico, o trabalho físico exige muito da gente. E fora dali você ainda ter mais um compromisso, que também é físico, fazer comida, cuidar de alguém e tudo mais…
Eu acho que falta muito essa perspectiva, sabe? “Vamos criar sim postos de trabalho, mas talvez a gente reduza a carga aqui para ver se compete.” Porque não dá, por experiência, é muito difícil, as mulheres não conseguem! E aí eu não falo nem da questão biológica, eu acho que isso para um cara também seria insuportável, ter que trabalhar essas horas e chegar em casa ter que cuidar de outras coisas. Mas aqui, como o assunto, a minha pauta é a mulher, eu acho que as mulheres não conseguem ter essa proximidade de trabalho com algumas profissões dentro da construção civil, porque exige muito delas. Como você trabalha, por exemplo, enchendo uma laje um dia inteiro e quando chegar em casa ainda tem criança para cuidar, comida para fazer, roupa para lavar? Não tem condições físicas nem emocionais, chega uma hora que você vai ter que escolher.
Dessa época para hoje, não mudou muito, só o acesso mesmo que ficou mais fácil. Acredito que é uma pauta que ficou em evidência, porque muitas mulheres ao redor do mundo já levantavam essa bandeira, e acho que com a pandemia isso ficou mais latente, porque as mulheres ficaram muito mais sobrecarregadas tendo que trabalhar de dentro de casa. Acho que teve uma visibilidade do tipo “precisamos pensar sobre isso, mas ainda não executamos nada sobre isso”. Entende?
(01:21:30) P/2 - Priscila, eu estava pensando na sua trajetória no Manas à Obra e eu queria saber se tem alguma história de algum serviço ou alguma obra que você fez que foi marcante, que tenha uma história marcante.
R - Eu tenho algumas. Nós fomos convidadas para fazer a pintura do MIS, que é o Museu da Imagem e Som aqui em São Paulo. Eles estavam finalizando uma exposição, teriam um evento de tecnologia e depois, em seguida, já iriam iniciar uma exposição nova. Fomos convidadas para pintar um andar inteiro do MIS, para acolher esse pessoal. E um desses andares é onde tem aquele celeiro gigante deles, é uma sala redonda que deve ter uns dez metros de altura. A gente precisou alugar andaime, tive que achar uma menina que tivesse NR-35, que é para trabalhar em altura, por uma questão de segurança. A sorte é que uma das meninas que trabalhava comigo tinha uma amiga que trabalhava com essa parte de teatro, de montagem de palco, e ela tinha NR-35, aí a gente a chamou.
Foi a primeira vez que eu consegui montar uma equipe só de meninas - acho que nós estávamos em sete ou oito. Foi bem divertido, porque imagina, um monte de mulher tagarelando o dia inteiro, dando risada, ouvindo música - quando tem esses eventos, o museu fica fechado, fica só o pessoal administrativo ali. Foi bem divertido, foi muito legal! E para mim foi desafiador, porque eu estava contratando pessoas que eu não conhecia - não todas, algumas já tinham trabalhado comigo algumas vezes. Mas era um desafio muito grande, porque pintar um andar inteiro é difícil, ainda pintar de preto, que é uma tinta que mancha para caramba, foi bem desafiador.
Os caras da manutenção… Depois a gente ficou sabendo que fizeram uma aposta entre eles, que a gente não ia conseguir terminar dentro do prazo. Foi bem divertido! Na sexta-feira, que era o nosso prazo final, a gente trabalhou até umas quatro horas da manhã, mas a gente entregou dentro do prazo. Porque é aquilo… Acho, não generalizando, [que] a mulher tem o lance do capricho, de cuidar mais das coisas. Tinha algumas paredes lá que a gente precisou raspar e amassar de novo, e isso acabou tomando muito do nosso tempo, porque a gente está falando de um ambiente fechado, que não tem ventilação natural, e por mais que deixe o ar condicionado ligado, não é aquela coisa que seca rápido, então foi bem desafiador.
Essa foi a melhor experiência, para mim, das possibilidades do Manas à Obra. Teve outras coisas que eu fiz também. Uma delas foi bem no começo da empresa, acho que em 2016. Nessa época eu trabalhava sozinha e quem me dava um auxílio era o Lucas, que é um amigo, a gente estudou junto no técnico e ele vinha de Mairiporã para cá para me dar uma ajuda, executar alguns trabalhos. Na época ela era uma pessoa pública; ela era, se não me engano, vereadora, uma coisa assim. Ela me contratou para fazer um ajuste que ela tinha na garagem. A garagem dela não era de cimento, era com blocos que se chamam concregrama; são blocos vazados que você instala e põe a graminha dentro. A gente foi arrumar para ela porque um cara tinha ido arrumar, não sei se era o esgoto, e na hora de colocar as coisas de volta, ficou tudo bagunçado. Quando chovia, empoçava a água de um lado da garagem.
A gente estava nesse fluxo de fazer o trabalho, e o pessoal… Na época era do SBT, o Otávio Mesquita. Ele foi fazer uma entrevista para um programa que ele tinha. Foi bem divertido
porque ele é hilário, ele é um cara muito engraçado.
Foi uma das coisas que me marcou, porque foi muito no começo da empresa. Eu ainda estava nessa coisa de: “Peraí, deixe-me ver o que que eu quero, quais são as coisas que eu preciso para a empresa.” Foi isso.
Enquanto a gente estava trabalhando lá no MIS, eu tinha dado uma entrevista para o Itaú Mulher Empreendedora. Como eles iam comemorar cinco anos que existia a plataforma do Itaú Mulher Empreendedora, eles me convidaram para contar minha história no livro que estavam lançando. Junto com a minha história no livro, eles fizeram alguns vídeos pra contar um pouco da história dessas mulheres, e aí esse pessoal foi fazer a filmagem lá no Itaú, e aí as meninas apareceram. Para mim foi incrível, porque apesar de não ter uma equipe ainda só de mulheres,
para mim foi como se meu sonho tivesse dado certo naquele momento. Olhar aquele monte de mulher vestindo a camiseta da empresa, trabalhando, fazendo algo que estava dentro do meu escopo de trabalho, foi incrível, foi uma das melhores sensações para mim!
(01:28:01) P/1 - E como é que você vê o futuro das Manas à Obra?
R - Bom, eu sou geminiana, então eu sou a pessoa que está sempre em movimento, eu gosto de mudar as coisas. A ideia da Manas à Obra permanece, apesar de hoje eu estar trabalhando sozinha. Acho que é um sonho que eu deixei aqui na caixinha, porque é isso, eu preciso ter pessoas que tenham uma qualificação profissional para que a gente possa chegar numa demanda de trabalho bacana. Mas eu acredito para o futuro, para o que eu tenho planejado, a ideia é que a gente possa trabalhar mais com construção. Eu tenho pensado muito sobre isso.
Existem alguns padrões de construção agora que vieram para o Brasil há um tempo e estão ganhando muita visibilidade, porque são mais rápidos, mais leves e mais baratos também, para você fazer um investimento. Acredito que esse seja um nicho para que eu desenvolva uma equipe porque como falei, a dificuldade que eu tenho muitas vezes é de contratar uma mulher para executar um serviço que é muito pesado, é desgastante fisicamente e emocionalmente para essa pessoa. Acredito que daqui um ano ou dois a ideia seja ter essa equipe para trabalhar nessas construções que são mais leves, são mais rápidas também.
Acho que para mulher esse lance da rotina pesa um pouco, de você estar sempre ali no mesmo lugar fazendo sempre a mesma coisa. A gente fala da rotina não só do trabalho, mas fora do trabalho também, porque a nossa vida tem uma rotina, a gente acorda num determinado horário, trabalha ou vai para academia e depois vai trabalhar - enfim, a gente tem um padrão, né? E eu acho que para a mulher é um pouco mais difícil ficar sempre nessa rotina, viver no automático, porque a gente tem muito essa coisa criativa de querer explorar as coisas, de descobrir coisas novas.
Acho que daqui a um ou dois anos a minha meta é trabalhar com construção, sair um pouco dessa coisa da reforma, porque a reforma é muito mais desgastante. Você vai mexer numa coisa que está pronta, ela dá problema, e aí ficam alguns retrabalhos, algumas dificuldades de execução. Acho que hoje as pessoas têm um pouco mais de consciência do seu trabalho, e aí a gente entra numa questão de que, socialmente falando, como população, a gente não é educado para valorizar serviços que são essenciais. A gente não valoriza o padeiro, não valoriza jardineiro, o pedreiro, o açougueiro; a gente acha que porque está pagando aquela pessoa meio que está obrigada a te servir da forma que você bem entender, e não é bem assim. As pessoas hoje têm consciência de que… “Olha, a minha função é essa, mexer aqui. Minha responsabilidade é aqui e não ali.” E acho que isso também é um pouco de educação, da gente se educar também, de conhecer as coisas.
Como profissional eu tento sempre dar um suporte para as minhas clientes. Eu explico, deixo detalhado. Quando vou fazer um contrato eu detalho tudo que a gente vai fazer e o que é de minha responsabilidade. Mas muitas vezes uma coisa funde com a outra, porque às vezes você está numa reforma, faz uma coisa, isso impacta em outra coisa que você não mexeu; você tem que cobrar a mais por isso e aí vem aquela coisa: “Ah, mas isso não estava previsto. Será que a pessoa não fez de propósito?” Porque é sempre isso, né? E aí volta sempre no mesmo ponto: muitas vezes, se um cara fala, ele não é questionado, mas se uma mulher fala, ela é colocada em dúvida.
Hoje, para o mercado da construção civil, as mulheres não querem ter que passar mais por essas situações, porque isso é bem constrangedor, porque sempre entra naquele fluxo de… Às vezes a pessoa não quer ter essa discussão, ela não quer entender. Ela simplesmente fala: “Pega suas coisas e sai da minha casa.” Acho que para mulher isso é muito desgastante, porque tem muito esse lance do emocional; a gente, quando vai fazer algo, se empenha totalmente, tanto física quanto emocionalmente.
Eu falo isso por mim. Todos os meus clientes - tenho clientes que são amigos até hoje… Eu faço tudo com muito apreço. Sempre fico pensando em qual vai ser a reação da pessoa quando ela chegar aqui e ver pronto, porque eu acho que isso paga tudo o que é fora do material, sabe? Infelizmente a gente precisa da grana para sobreviver na sociedade, mas eu acho que o mais bonito que a gente faz - aí eu coloco todos os profissionais que atuam na construção civil - é que a gente trabalha com os sonhos das pessoas, a gente realiza os sonhos das pessoas. E aí eu fico pensando: poxa, imagina você estar ali em um sonho
gostoso e de repente você vê um baita de um problema? Já virou um pesadelo. Eu faço o possível para que os sonhos das pessoas não virem um pesadelo, mas é aquilo, a gente não faz milagre, infelizmente.
Todas as meninas que já trabalharam comigo e eu tenho conversas até hoje falam que o mais difícil é você ver algo e deixar passar despercebido. Por exemplo: “Eu mexi aqui. A cliente me pagou só para fazer uma pintura, mas eu estou vendo um baita de um defeito na parede. Eu mexo ou não mexo?” Porque eu acho que rola aquela coisa: “Pô, a pessoa merece um carinho também”. E aí a gente cai sempre naquela coisa do cuidado, do tipo: “Não, deixa aí”.
A pessoa chega e fala: “Isso não estava assim.” Aí você fala: “Não, estava. Eu só fiz o que você me mandou fazer. Se você quiser que eu faça a mais, é tanto.” E aí vem de novo o lance: “Pô, mas não dá para dar um jeitinho?” Não, não dá, né? É o trabalho, é o tempo, é o cuidado da pessoa.
Acho que essa questão… Para as mulheres tem muito essa dificuldade de atuar nessa área, principalmente com reforma, porque é uma situação que gera muito conflito com o cliente e isso gera um desgaste emocional gigantesco para as mulheres. Acho que para o cara, ele meio que fala assim: “Ah, se você não quiser eu não me importo.” Para ele parece ser mais fácil, ele sai daqui, entra naquela porta ali e faz o trabalho. Pra mulher não, ela precisa provar que é melhor, sabe? E aí eu acho que isso gera esse conflito, justamente por isso: “Pô, mas se eu deixar assim a pessoa vai falar mal do meu trabalho.” Vai falar mal de mim, não do meu trabalho. A pessoa não vai entender que ela me pagou para fazer x, e não x e y, e aí eu acho que entra toda uma questão sentimental aqui, para as mulheres.
Acredito e espero de verdade que em um prazo de até cinco anos a construção civil tenha criado mesmo essa consciência de que colocar mulheres para trabalhar vai gerar muito mais satisfação para o cliente final, porque a mulher é muito empenhada no que ela faz, ela é muito dedicada. As mulheres têm uma convicção de se regenerar, sabe? A mulher sempre dá um jeito de contornar a situação, de melhorar e de falar: “Não, isso aqui não deu certo. Vamos tentar assim, vamos fazer tal coisa.” E eu acho que o cara está acostumado a viver no automático, a maioria dos caras já vivem assim: “Minha função é essa, eu vou fazer isso. Eu acordo, não sei o que, pronto.” E a mulher, ela está sempre ali, né. São demandas que a vida ensinou a gente a ter que contornar, então eu acho que a mulher tem um pouco mais dessa visão macro das situações.
Eu desejo de verdade, tanto pra Manas à Obra quanto para a construção em geral, que as mulheres tenham mais espaços, mais voz dentro dos trabalhos, sabe? Tem um monte de mulher aí querendo ser eletricista, querendo ser encanadora, querendo colocar revestimento, mas aí ela chega em um lugar, vai fazer um curso e ela é massacrada. Ela vai trabalhar em uma empresa e é massacrada, porque o cara fica querendo disputar quem carrega mais saco de cimento. E eu falo de histórias que eu já ouvi, de mulheres que foram trabalhar para construtoras e chega lá, o cara fica: “Você aguenta carregar um saco de cimento?” E aí a gente fala: “Mas quem tem que carregar é o carrinho, não é você. Bota no carrinho e empurra, você não tem que pôr nas costas, sabe?”
Acho que precisa muito dessa reeducação do profissional. “Cara, tem um guindaste. Puxa com o guindaste, põe no carrinho. Você não precisa provar que você é o Incrível Hulk, ninguém está aqui para ver isso. O cara quer ver o teu trabalho, como você desenvolve o teu trabalho. Se você ficar aqui pegando um saco de cimento e colocando nas costas, você não vai conseguir trabalhar, porque a tua força você já gastou ali, para carregar esse saco.” Precisa um pouco mais dessa reeducação, sabe? Do tipo: “Beleza, tem ferramentas que vão facilitar o meu trabalho. Vamos investir nessas ferramentas.”
Ninguém está ali para tomar o lugar de ninguém, a mulher não quer tomar o lugar do cara. A gente só quer um espaço, a gente quer coexistir. A gente não quer massacrar ninguém, a gente quer chegar lá e falar: “Não, eu posso fazer uma instalação elétrica, eu posso fazer uma pintura, eu consigo colocar piso.” E aí elas não conseguem, porque quando elas se formam o mercado não acolhe e quando elas tem a ideia, a vontade de chegar em um curso e se especializar, os caras chegam massacrando. Então eu espero de verdade que em pouco tempo, em um prazo curto, a gente consiga dar mais visibilidade para as mulheres.
Falo como pessoa e como uma empreendedora. Acho que quando a gente coloca mulheres empenhadas na nossa empresa tudo flui melhor, porque é como eu falei, eu acho que a mulher tem muito essa capacidade de regenerar as coisas, então a gente discute muito as situações. Quantas vezes eu cheguei e falei assim: “Olha, isso aqui tem que fazer assim, assim e assim.” A menina muitas vezes não tinha nem o conhecimento técnico que eu e falava assim: “Ah, e se em vez de fazer assim, a gente fizer assim?” “Olha, vamos testar? Parece que esse caminho é mais rápido.” E dá certo, sabe?
Acho que falta muito para gente chegar numa coisa assim: “Pô, isso aqui está legal!” Mas eu acho que muitas mulheres já deram o pontapé inicial e estão puxando muitas outras. Eu tenho visto algumas mulheres falando [coisas] do tipo: “Poxa, eu fui fazer um curso e tinha quatro, cinco mulheres fazendo.” Eu já acho interessante, porque às vezes não tinha nenhuma. Já tem quatro ou cinco, poxa, é muita gente!
(01:43:00) P/1 - Bom, então a gente vai para as perguntas finais, tá? Elas só saem um pouco do profissional, são um pouco mais para o pessoal.
R – Tá bom.
(01:43:09) P/1 - O que você gosta de fazer quando você não está trabalhando hoje em dia?
R - Muitas coisas. Ultimamente eu fico muito com meu sobrinho, para mim é a melhor coisa que tem. Brinco muito com ele, a gente conversa bastante. Mas eu também gosto de estar com meus amigos, gosto de descansar, porque eu aprendi que é importante, a gente não precisa estar o tempo todo ali sendo produtivo. Descanso é importante, o ócio é importante.
Nesse último ano eu voltei a estudar muito. Tenho feito bastante curso on-line, tem muitas plataformas que estão dando esse suporte para profissionais dentro da construção civil, então eu tenho estudado bastante. Mas uma coisa que eu gosto muito de fazer é estar com as pessoas que eu amo e viajar. Eu preciso viajar mais, preciso muito viajar, porque é uma coisa maravilhosa, sabe? Conhecer culturas diferentes, conhecer pessoas diferentes. Não é nem viajar para fora do Brasil; o Brasil é tão diverso que às vezes você vai para o interior e aprende coisas tão maravilhosas, de cultura e de conhecimento, que você fala: “Meu, estava aqui do lado e eu não tinha acesso a isso!” Eu acho que a melhor coisa que tem é viajar.
(01:44:55) P/1 - E quais são as coisas mais importantes para você hoje em dia?
R - Aí vão valores bem pessoais, tá? Verdade, trabalhar sempre com a verdade é a coisa mais importante hoje para mim. A transparência, do tipo: “Olha, isso aqui é isso, não é o que você está pensando.”
O respeito e a empatia, acho que são os valores mais importantes pra mim. Saber lidar com a diferença e até com a controvérsia, da pessoa pensar diferente de você. Você tem que sempre se colocar no lugar do outro. Eu acho que hoje, para mim, esses valores são os mais importantes.
(01:45:54) P/1 - E pensando na sua vida em geral, também na sua atividade profissional, qual o legado você acha que você está deixando?
R - Ah, isso é difícil. Eu acho que, socialmente falando, talvez eu tenha ajudado a criar um movimento de mulheres que se libertaram de um padrão social em que “isso não é trabalho de mulher”. Eu acho que isso para mim é importante. Muitas pessoas se aprisionam porque elas não têm uma referência. "Ah, eu nunca vi nenhuma mulher fazendo isso. Eu nunca vi uma pessoa tal fazendo tal coisa.”
Você virar uma referência, eu acho que é um peso, lógico, porque a gente precisa sempre ponderar muito o que a gente fala, como a gente se comporta, mas também é uma situação muito gostosa de viver, porque é muito louco você saber que porque você tomou uma decisão, outras pessoas também se libertaram, saíram dessa prisão de “isso aqui só homem pode fazer. Determinada cor só homem usa. Determinado comportamento só homem tem”. Acho que é muito doido, para mim é dúbio, é assustador, mas é prazeroso, sabe? Tipo: “Ah, legal, pô. Estou servindo de referência.”
Mas eu acho que antes de mim já tinham outras mulheres. Não sei se na construção civil existiram outras mulheres que estavam ali, pondo a mão na massa, dando a cara a tapa mesmo! Eu acredito que sim, mas elas foram silenciadas de alguma forma. Eu acho que eu tive a facilidade, o privilégio de ter a tecnologia a meu favor, porque quando eu iniciei o meu negócio, eu comecei divulgando dentro de uma rede social e dentro de grupos que estavam relacionados a minha ideologia, dentro de grupos LGBTs, de feministas. Acho que eu tive um pouco de facilidade pela tecnologia, mas no dia a dia a gente vê muito esse pagamento, de, por exemplo, empresas, ou marcas que muitas vezes não querem investir num patrocínio, mas investem em um cara que, sei lá, faz vídeo engraçadinho na internet, que muitas vezes não é um cara que tem conhecimento, ou que está passando alguma coisa técnica para quem assiste. A gente vê um pouco de apagamento mesmo, por ser mulher, de marcas, de produtos, que muitas vezes podia chegar e falar: “Vem cá, vamos criar um roteiro para você divulgar a gente? A gente patrocina.” É muito difícil!
Falando em era tecnológica, hoje é muito importante o like, sabe? O quanto de seguidores você tem, o quanto você vai alcançar para aquela marca vender o produto dela. E aí eu acredito que a gente cai numa dificuldade, em uma certa futilidade, porque às vezes você está ali não para vender um produto, para vender uma ideia, que eu acho que é o que mais vale. Vender a ideia de que mulheres estão saindo de um marasmo em que a sociedade as colocou, dizendo: “Isso aqui você não pode fazer, porque isso aqui não é uma coisa para mulher fazer!” E elas estão falando: “Mas eu vou fazer!" Por que não aprimorar isso? Por que não divulgar isso? Por que não tornar isso uma coisa mais acessível?
É uma tecla que eu vou bater sempre. É muito difícil você ser pioneiro, ou você iniciar algo. Você está aqui, meio que estaciona; outras pessoas vão ganhando forma, tentando divulgar uma ideologia, uma coisa que você está divulgando, mas você não tem, sei lá, um milhão de seguidores, então não vale. “Não vamos investir aqui. Não tem um milhão para seguir a gente. Esse aqui tem!” Mas ele faz aquela coisa do tipo: “Vamos fazer aqui para ganhar uma grana, ganhar uns likes.”
Acredito que a maior dificuldade hoje em ser mulher dentro da construção civil, é justamente você ser ouvida, ser validada, e aí eu digo como profissional e como pessoa. Porque como eu estava dizendo antes, as mulheres não querem trabalhar para não serem ouvidas, para não serem respeitadas. Elas não querem chegar num ambiente hostil em que elas vão falar algo, o cara vai falar a mesma coisa com outras palavras, ele vai ser validado e ela não. Ela vai ser questionada, vai perder o emprego, vai ter que fazer uma escolha do que é mais importante: “O meu trabalho, ou a minha família?” Eu acho que falta isso para gente, sabe? Ter a validação. “Pô, legal. Olha quanta mulher está interessada em trabalhar! Por que a gente não faz um programa para qualificar mesmo essas mulheres?” Não tem. As empresas querem pegar um apanhado de cinquenta mulheres, pôr em uma obra, ver como os caras trabalham e falar: “Faz aí.” E a qualificação dessas pessoas? A gente precisa investir em educação também. E quando eu falo em educação, eu não falo só em educação de base, falo em educação profissional. Como você quer que um profissional atenda você, ou que ele passe por um padrão de qualidade, sendo que ele não tem uma formação, ele não faz ideia de como… Visualmente falando, é bonito, mas a pessoa sabe como chegar naquele finalmente? Não sabe! Então eu acho que tem muito disso ainda para a gente aprimorar, precisa de um pouco mais de tempero aí nesse caldo, porque está difícil, entendeu?
As mulheres estão aí, elas querem atuar, mas elas não são validadas. A maioria das meninas que eu conheço até hoje, pessoas que começaram lá atrás comigo, elas sempre me reportam a mesma coisa: “Pri, é muito difícil! As meninas não conseguem estudar, porque chegam nos cursos, os caras apavoram. Chegam no curso e os caras ficam tirando sarro.” Teve até uma que trabalhou comigo, ela fez o curso de pintura e foi fazer o de elétrica, porque falou: “Eu gosto dessa área e quero aprender.” Ela estava contando uma história que no dia do curso tinha um cara que era cheio de ficar fazendo graça com ela, testando o conhecimento dela. Tinha uma instalação para fazer, ela prestou atenção no que o professor estava falando; ela fez e o dela funcionou. Quando o cara foi fazer o dele, não deu certo. Aí ela falou: “Pô, o cara ficou o tempo todo tirando sarro da minha cara, ao invés de se preocupar com o que ele tinha que fazer. Ele ficou me colocando como se eu fosse uma pessoa burra, ou que eu não soubesse o que eu estava fazendo. O meu deu certo e o dele não deu.”
Falta essa validação das mulheres. E acho que faltam mulheres que estejam à frente, por exemplo, engenheiras, arquitetas, que já tenham esse conhecimento, que ajudem a validar outras mulheres. Porque infelizmente tem mulher que quer explorar mulher, aí você fica: “Caramba, calma! Acho que você não entendeu, amiga. Aqui não é para a gente se explorar, é para gente cooperar e crescer juntas. Não precisa disso, não é uma competição aqui.” Acho que falta muito disso. E aí, como eu sempre pontuo, a culpa não é das pessoas, a gente é educado numa sociedade extremamente machista, que coloca sempre as mulheres umas contra as outras: “Aquela lá é tua inimiga e ela não vai te ajudar, ela vai puxar teu tapete.” E não é assim.
Acredito que estamos evoluindo para isso, mas falta muito. Eu acho que nas questões de profissões majoritariamente masculinas isso é muito latente, porque em outras profissões, as meninas já conseguiram chegar um pouco nesse parâmetro. “Vamos cooperar aqui, peraí.” “Se tem um chefe abusivo, ou ele faz assédio moral com as mulheres porque ele acha que nós somos inferiores, vamos nos juntar aqui contra o cara - não para derrubar o cara, mas ‘olha, esse cara aqui, ele não pode gerenciar mulheres. Ele não sabe lidar com isso’”. Nessas áreas majoritariamente masculinas, a gente não tem isso.
Muitas vezes a mulher que chega em um cargo de poder, ou até mesmo de gerenciamento, ela não trata as outras com empatia. Ela quer chegar lá e gritar como ela ia gritar com o cara. A gente não está aqui para disputar esse espaço, a gente está lutando para que todas tenham acesso ao espaço, e não para ver quem é melhor do que quem, né? Acho que falta muito isso ainda dentro dessa área, a gente se desprender dessa coisa que está entranhada em todo mundo, que é o machismo estrutural, de que a mulher não é validada, mas o cara é validado. E quando uma mulher chega num cargo, ou em uma posição de poder, ela tem que agir como se ela fosse um cara, senão ela é derrubada também.
(01:57:40) P/2 - Priscila, você estava falando sobre serviços essenciais e que precisam ser valorizados. Eu queria saber como foi a pandemia para a Manas à Obra.
R - A princípio, fiquei em casa, porque acho que todo mundo estava com medo da Covid. Como eu tinha acabado de me separar, estava morando com a minha avó, fiquei: “Poxa, eu vou ficar em casa.” Fiquei um período muito pequeno, de março a julho em casa, e depois a minha agenda foi muito hardcore. Eu não parei de trabalhar até agora, mais ou menos agora.
Tive uma fila de espera de clientes, porque eu acho que foi muito isso, o pessoal começou a ficar mais em casa e aí começou a perceber coisas que no dia a dia não percebia, do tipo: “Pô, essa torneira está vazando já tem um tempo!” E se incomoda: “Vamos trocar.” Ou reforma, teve muita gente que mudou, precisou investir, tinha que sair do aluguel, foi morar com algum parente, ou tinha que parar de pagar aluguel, ou estava namorando e aí um pagava o aluguel e outro: “Não, vem aqui, vamos reformar.”
Foi um período bem bom para mim, mas de trabalho. Como empresa foi bem difícil, porque como eu escolhi um nicho de trabalho, é muito difícil encontrar a mão de obra. Tive que misturar a minha equipe entre homens e mulheres, mas a equipe que eu tinha não dava conta de atender toda essa demanda; quando entra nessa parte de reforma, o prazo é muito longo e é muito difícil você conseguir manter essas pessoas. Falo isso no geral, independente de ser homem ou mulher, porque a indústria da construção civil é muito rotativa. As pessoas sabem que é um trabalho que você ganha dinheiro rápido, então muitas vezes para elas não é interessante ficar muito tempo ali ganhando…
Eu não pago salário para ninguém, tá? Eu tenho muito esse valor, de pagar o valor que a pessoa cobra do trabalho dela. Eu não ganho valor em cima. Mas quando a gente está trabalhando com uma reforma que dura, sei lá, dois, três, quatro meses, as pessoas às vezes não conseguem ficar presas ali. Por exemplo, às vezes ela vai trabalhar duas semanas e vai ficar uma semana parada, porque tem esse lance de “precisa então entrar em outro serviço”. Tem que ser alguma coisa que a pessoa saiba executar e aí é muito rotativo, as pessoas não conseguem… Você não consegue fidelizar essa mão de obra.
Como eu disse, eu não registro ninguém porque não quero explorar as pessoas dessa forma. Elas já são exploradas, eu acho que a gente tem que valorizar; como mulher eu tento valorizar muito as pessoas que eu chamo de parceiros. Eu nunca tratei ninguém assim, como funcionário, ou “essa pessoa está abaixo de mim, porque eu sou a fundadora da empresa”. Eu trato todo mundo de igual para igual. As discussões são sempre técnicas; o pedreiro está executando algo, ele tem uma dúvida e a gente conversa. Coloco meu ponto de vista, escuto o dele e a gente meio que chega numa conclusão: “Olha, então faz do jeito que o senhor acha que é melhor, pela sua experiência”. Ou a gente… Sei lá, eu sou bem flexível com isso.
Eu sempre procurei valorizar a mão de obra, porque para mim não valeria a pena eu falar de militância, de empoderamento, e explorar as pessoas. Acho que não faz muito sentido. Sempre tentei valorizar muito a mão de obra, mas infelizmente a gente está falando de um momento em que a sociedade teve um recesso econômico, e meio que dei uma quebrada em 2021, tive que dispensar as pessoas que trabalhavam comigo e fiquei trabalhando sozinha, para eu poder me recuperar financeiramente.
Eu era uma empresa muito nova. A Manas à Obra nasceu em 2015. Quando eu comecei a atingir um pico de crescimento, que foi em 2019, veio a pandemia e eu caí. Eu não tinha como manter pessoas, pagando bem por essas pessoas com trabalhos muito demorados, porque a maioria dos serviços da pandemia foram mais longos. Não eram instalações, eram reformas, pinturas, serviços que demoram um pouco mais, aí acho que é um pouco mais difícil conseguir manter essas pessoas, porque tem tudo isso que eu falei, as pessoas precisam do dinheiro para sobreviver, e não tem como você agregar uma pessoa e falar para ela :“Fica aí uma semana, duas semanas esperando aparecer um trabalho.” Infelizmente não dá.
(02:03:33) P/1 - E quais os seus sonhos para o futuro, Priscila?
R - Nossa, eu não pensei sobre isso. (risos) Eu sempre fui uma pessoa muito sonhadora, mas acho que empreender me deixou um pouco mais durona, porque às vezes a gente cria uma estratégia e a gente até visualiza coisas que não estão no nosso alcance. Hoje eu sou um pouco mais pé no chão. Mas o meu sonho real seria que eu conseguisse de fato ter uma equipe - não só uma, mas várias equipes com mulheres e que a gente conseguisse atender uma demanda bem legal de trabalhos. Acho que o meu objetivo final é me tornar uma empresa, uma construtora, não uma empreiteira que só trabalha com reformas. Queria construir mesmo, atuar nessa parte de idealizar o sonho e colocar ele em prática. Para mim, isso ia ser o auge da minha carreira, sabe?
Como pessoa, eu acho que saúde mental já é o suficiente. Saúde mental, para mim, hoje, é o mais importante, é o meu maior objetivo, sabe? Conseguir conciliar trabalho, família, amigos, porque… Eu falo por mim, tá? Na pandemia eu já era meio workaholic; na pandemia fiquei pior, porque você fica: “Poxa, tenho que trabalhar, aproveitar que eu estou tendo demanda, porque amanhã pode não ter.” Só que chega uma hora que fisicamente o seu corpo fala: “Ei, dá uma pausa aí, senão a gente vai sucumbir junto.”
Acho que tem, para mim, as questões sociais, elas são muito latentes. Viver na pandemia e acompanhar o dia a dia de noticiário foi uma coisa que mexeu muito com a minha estrutura emocional, porque eu fiquei: “Esse é um mundo violento demais, né?” É um mundo em que as pessoas estão morrendo, estão se matando por nada. E aí acho que caiu uma ficha pesada pra mim, do tipo: “Cara, e agora, o que a gente vai fazer?” Você acompanha pessoas muito próximas a você cometendo suicídio porque não aguentou a barra, ou pessoas que você tinha como referência que sucumbiram, e você fala: “Meu, está pesado demais!” Então acho que meu maior sonho hoje é saúde mental para conseguir chegar nos próximos objetivos.
(02:06:50) P/1 - Você quer perguntar mais alguma coisa, Bruna?
(03:06:53) P/2 - Não.
(02:06:54) P/1 - Então a gente vai para a última pergunta. O que você achou de contar sua história para a gente hoje?
R - Foi difícil, porque tem fatos da nossa vida pessoal, lógico, que a gente não quer expor. Vocês não me perguntaram nada que eu não quisesse responder.
(02:07:14) P/1 - Que bom! (risos)
R - Mas eu acho que tem coisas da minha vida particular, pessoal, que eu acabei não querendo expor. Acho que é um momento que a gente precisa deixar bonito, né?
Como eu sempre falo, a vida das mulheres já é muito difícil, e tentar florear o difícil com palavras bonitas acho que é muito violento. Então eu quis tornar esse momento aqui o menos pesado possível.
Claro, isso está relacionado com experiências pessoais que eu tive, mas eu acredito que a gente precisa ter consciência também de onde a gente quer chegar e o que a gente quer despertar nas pessoas. Desde o convite, eu fiquei pensando mil coisas, do tipo: “Ai, meu Deus, o que será que eles vão me perguntar?”
Tentei focar muito nessa parte profissional, porque eu acho que foi isso que me trouxe até aqui e isso é uma coisa que eu nunca vou esquecer. Se eu estou aqui hoje, foi porque em algum momento eu fui subversiva e criei a Manas à Obra. Mas a empresa em si nasceu de todo um contexto, como eu disse, de experiências que eu tive, compartilhando conversas com amigos, de pessoas que chegaram e contaram situações de assédio, de violências que elas sofreram com outros trabalhadores e de experiências profissionais - desculpa, pessoais que eu tive também, com um lance de assédio, de violência sexual e coisas do tipo. Então, como eu falei, quando criei a empresa, eu queria que isso fosse a razão da minha existência, e ela tem sido até hoje.
Em momento algum a Manas à Obra virou só a Priscila, em todo tempo ela continua sendo Manas à Obra, apesar dos ajustes que eu precisei fazer para trabalhar, para conseguir as demandas de trabalho que eu tive até hoje. Esse sonho de ter essa equipe toda arco-íris ainda não morreu, ele continua aqui. Eu sei que o lance de hoje não ter essa equipe dos sonhos não é culpa minha e nem das pessoas, é culpa de uma sociedade que estruturalmente silencia essas mulheres, silencia essa comunidade LGBT e fala: “O seu lugar não é aqui! Você não pode estar aqui!” Porque quando a gente estava no MIS era incrível, aquele bando de mulher, na maioria toda lésbica… As pessoas olhavam assim:“O que essas pessoas estão fazendo aqui?” É como se a gente não pudesse pertencer àquele espaço. E como eu estava falando, muitas vezes a gente, com a maturidade, vai aprendendo a ler nas entrelinhas. Quando a gente é muito novo tem o lance da rebeldia, de “eu quero que as coisas sejam do meu jeito!” Depois você vai aprendendo que muitas vezes ser sutil é mais fácil do que ser rebelde.
Hoje para mim foi um uma reconexão, sabe? Com a Priscila, com a Manas à Obra. Eu pude descobrir de novo quem eu sou, qual é o meu objetivo profissional, e por que eu estou aqui. Apesar de nunca me esquecer, às vezes a gente vai se acostumando, do tipo: “Ah, tudo bem. Não está fácil, mas tudo bem! Está bom, vamos aceitar.” Eu acho que o aceitar as coisas é o que leva a gente para lugares que a gente não gostaria de estar.
Eu agradeço demais o convite, foi muito prazeroso estar aqui com vocês hoje! Obrigada de verdade por vocês fazerem essa redescoberta da Priscila, foi muito legal para mim!Recolher