Depoimento de Rosemeyre da Conceição Duarte
Entrevistado por Fernanda Regina e Luiza Gallo
São Paulo, 29/09/2020
PCSH_HV938
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Fernanda Regina
P/1 – Bom, qual o seu nome completo, data e o local de nascimento?
R - Rosemeyre da Conceição Duarte, nasci em Santos, São Paulo, dia 08/01/1974.
P/1 - E quais são os nomes dos seus pais?
R - Valdemar Pires Duarte e Iracema da Conceição Santana Duarte.
P/1 - E o que eles faziam?
R - O meu pai era dono de autoescola e minha mãe era do lar.
P/1 - Você tem irmãos?
R - Tenho. Do primeiro casamento da minha mãe nós somos em três, eu e mais dois, uma irmã e um irmão, e aí eles se separaram quando eu tinha seis anos, depois de um bom tempo, quando eu tinha 15 anos, minha mãe casou de novo e desse casamento eu tenho mais duas irmãs.
P/1 - E como era a sua casa de infância?
R - A minha casa de infância, quando eu nasci, minha mãe morava perto de uma pedreira que tinha em São Vicente, e por motivos de saúde, porque eu nasci com problema de audição, eu não podia morar com ela, então eu fui morar com a minha vó, mas minha mãe estava lá presente, tipo assim, nas fotos que eu vejo, tudo, ela vivia na casa da minha vó tomando conta de mim. Aí depois de um certo tempo, quando melhorou tudo, minha mãe tentou... Eles contam né, que minha mãe tentou me levar de volta para casa dela, só que eu estava tão habituada na casa da minha vó que eu chorava e queria ficar com a minha avó. Então bem dizer eu fui criada pela minha vó e pelo meu vô e a casa de infância da vó e do vô é pura nostalgia, né? Era aquela casa... Aquele chalé antigo e dois corredores laterais, lá no fundo tinha aquele pé de goiaba, que eu subia e descia, era maravilhoso. Pé de carambola, de amora. E o carinho dos avós nada se compara. Às vezes eu sentia falta assim um pouquinho de pai e mãe, eles estavam lá, mas não eram tão presentes, porque logo veio a minha irmã, e ai no que eu entendia, quando eu comecei a me entender por gente, eu sentia um pouco de falta, mas a vó e o vô davam todo o carinho necessário e tudo que precisava. E final de semana eu tinha o pai e a mãe.
P/1 - Você pode me contar um pouquinho como era essa relação com seus avós? Tem algum momento que você lembra na infância com eles para contar aqui?
R - Ah, vários momentos. Meu vô acordava todo dia cedo, ele era aposentado da Fepasa. Ele acordava todo dia cedo, aí a gente saia de onde a gente morava, ia andando, uma caminhada de uns vinte minutos, só pra ir num mercado que tinha, o mercado... Sabe aquele mercado com cheirinho de pãozinho de infância, que você passava pela lateral do mercado e já sentia aquele cheirinho de padaria? Nossa, era muito bom. Ai a gente ia lá buscar esse pãozinho, passava na padaria na rua lateral, tomava um cafezinho com leite, e voltava para casa. E a vó fazia todos os mimos. Eu era a única neta que morava ali com ela e eu tinha todos os mimos possíveis. De manhã cedo era aquele cuscuz, que eles eram nordestinos, aquele cuscuz com leite maravilhoso. Era... Aquela mamadeira também, porque eu tomei mamadeira até quase os oito anos, era muito bom. A vó fazia quele mingauzinho de farinha de trigo na época e a gente sentava lá, tomava uma mamadeira de mingauzinho de farinha de trigo. Era todo o carinho possível, que você possa imaginar. Foi uma infância, assim, muito boa. Apesar de ter sido criada pelos avós, foi maravilhoso.
P/1 - E me conta um pouco como era a sua cidade, você se lembra como era nessa época?
R - Já era cidade normal, porque São Vicente, Santos, já era aquele negócio de polo turístico e tudo mais, praia e tudo. Então naquela época eu estudava numa escola, uma das escolas tradicionais públicas de São Vicente, que era a melhor escola que tinha. O vô saia todo dia pra me levar na escola e me buscar, aí na porta da escola eu encontrava com a minha mãe e a minha irmã, que elas vinham de outra casa, aí a gente se encontrava todo dia ali na porta da escola e final de semana sempre que tinha aquele solzinho gostoso a mãe levava a gente pra praia pra ficar fazendo castelinho de areia, que era a nossa diversão.
P/1 - Me conta um pouco das suas brincadeiras favoritas.
R - A gente brincava muito de... Tinha um balance na casa antiga, e a gente ficava lá no balance da árvore, era muito gostoso. Depois a gente mudou dessa casa para o lado de Santos, e a gente veio morar no bairro da Divinéia, em Santos, e ai ali, pela rua ser sem saída, tinha muito mais crianças. Então a gente gostava de brincar de queimada, de esconde-esconde, brincar de arrancar aquelas florzinhas, que hoje eu descobri o nome da florzinha, que é hibisco, e ficar soltando as pétalas da florzinha para morder o melzinho que tinha dentro. Foi uma infância maravilhosa. Tomei altos tombos de bicicleta, porque a bicicleta eram aquelas "tico tico" de antigamente, que não parava e você tinha que ir pedalando e pra diminuir você tinha que diminuir aos poucos. E foi uma infância muito boa nas brincadeiras.
P/1 - Tem uma memória da sua infância que te marcou?
R - Uma memória da minha infância que me marcou foi o dia que meu avô faleceu. Meu vô... Foi num domingo e a gente estava brincando todo mundo na rua e meu vô tinha uma brincadeira com meu irmão, de quando meu irmão entrava dentro de casa para pegar alguma coisa, ou água, alguma coisa, bolacha, para poder sair para o quintal ou até mesmo para ir para a rua, ele brincava de fazer voz de bicho, ele dizia que era a Cuca. E aí meu irmão entrou em casa, a vó estava no quintal com a gente, minha mãe não estava em casa, e a gente estava brincando na rua, a vó estava no quintal olhando a gente. E aí meu irmão entrou e veio correndo dizendo para vó que o vô queria pegar ele. E aí a gente entrou e a vó brincou, falou assim: "Ah, é hoje que eu vou matar esse Cuca vô e ele nunca mais vai assustar vocês". E quando a gente chegou lá nos fundos da casa, na parte da lavanderia, o vô estava caído no chão, que ele tinha tido um AVC. Ele bateu a cabeça no tanque e caiu no chão, e daí ele foi para o hospital e nunca mais voltou. Essa é a memória mais marcante da infância (choro). Acho que ninguém ta preparado pra perder ninguém, né? Desculpa.
P/1 - Imagina.
[pausa]
R - Desculpa.
P/1 - Imagina, a emoção é natural. Muitas pessoas se emocionam. E a gente se emociona junto também.
R - Isso marcou a vida da gente, que você não tem noção de como marcou.
P/1 - Se você quiser falar mais sobre esse momento... Ou a gente pode passar para o próximo tópico.
R - Não, eu acho que... Foi um momento, a gente viu ele saindo e dali a gente ter a certeza depois que ele não ia mais voltar. No dia seguinte a gente estava lá enterrando ele e eu tinha dez anos de idade. E pra mim, aceitar o fim, eu tive que escrever na gaveta. Fui eu que escrevi o nome dele na gaveta. E dali que eu aceitei o fim, que não tinha mais o vovô. Não tinha mais aquele cara que ia me leva pra tomar café na padaria, não tinha mais aquele cara que ia comprar aquele doce de amendoim pra mim todo dia. Não ia ter mais aquele cara que ia bater aquela gemada maravilhosa de manhã que eu tomava. Não tinha mais ele pra chamar de vô. Mas a vida continuava.
[pausa]
R - Vocês fazem umas perguntas difíceis, viu? Vocês tocam fundo a gente
P/1 - Ainda na sua infância, você lembra como foi seu primeiro dia de aula?
R - Lembro. Lembro que meu primeiro dia de aula foi no Duquezinho, que era uma parte da escola Duque de Caxias, e eu usava o uniforme que era um aventalzinho azul, um shortinho que era daquele balonê xadrezinho e a vó tinha comprado a lancheirinha, naquele tempo era aquela lancheirinha que tinha a bisnaguinha pra você colocar o suco e mais a parte para colocar o sanduichinho e eu estava toda empolgada porque ia pra escola, ia conviver com mais crianças, ia ter parquinho, ia ter tudo. Nossa, eu me lembro que eu cheguei na porta da escola e era aquela ansiedade, né? Era eu e a minha irmã, a gente se encontrou na porta da escola e aquela ansiedade, minha irmã chorou que não queria entrar e eu entrei, e pra mim aquilo era um mundo novo cheio de alegria, a maior felicidade. Foi muito bom.
P/1 - Tem algum professor que te marcou nessa época?
R - Tem. Tem uma professora que quando eu estava na quarta série, foi justamente a época que meu avô faleceu, e a gente foi para quarta... Naquela época era quarta série do... Primário? É, quarta série do primário. E aí a gente vinha de chamar o professor de tia, "tia, tia", aí a gente entrou na sala, a professora era dona Diléia Balarini. Até hoje a gente ainda se encontra, ainda fala, porque a cidade é pequena. Tipo São Vicente, tem um shopping no centro da cidade, então a gente encontra todo mundo ali no centro. E ela falava que ela não era irmã da minha mãe para ser minha tia. Eu aprendi a ter a consciência de que a partir dali eu tinha professores e partir daí eu tinha que ganhar uma maturidade escolar e seguir trilhar um caminho com ela. E ela marcou muito, ela era professora de português maravilhosa e digamos assim, ela tirou a gente do lápis para a caneta, me lembro até hoje que ela só deixava usar caneta piloto ponta fina porque a letra saia mais bonita e ela era de uma exigência enorme, mas cada exigência que ela fazia era só para você crescer e aprender a caminhar sozinho.
P/1 - Tem uma memória com seus amigos na escola para contar?
R - Com todo mundo, né? A gente cresceu ali porque a diretora da escola, a dona Gilara, ela brincava que o Duque não era uma escola, era uma família. E realmente era uma família mesmo, enquanto ela foi diretora daquela escola, aquela escola era uma família, era uma escola da família para família. E era uma das melhores escolas públicas da cidade de São Vicente e o pessoal estudava lá e a gente ganhava uma amizade para vida toda, tanto que na rua que eu moro tem pessoas até hoje que a gente estudou junto, a gente se formou junto. Claro que depois da oitava série tomamos rumos diferentes, mas continuamos ali ainda morando na mesma rua. Mudamos e voltamos para a mesma rua e ali a gente conhece, a gente fica amigo, e hoje com a internet a gente encontra todo mundo no Facebook. Eu tenho minha amiga de infância, Patrícia (Dijer?) No meu Facebook que a gente se fala até hoje, tenho outras também que eu levei para a vida, tem a minha amiga Vera que a gente se conheceu no primeiro ano do colegial, até hoje a gente é amigo. Minha amiga Amanda, a gente brincava que na época do colegial a gente era um trenzinho...
R - A gente marca um encontro entre a gente para relembrar o passado, para apresentar nossos filhos, para lembrar das coisas bestas que a gente fazia antigamente (risos).
P/1 - E aí como é que seguiu a sua formação, como foi fazer o ensino médio?
R - Então, naquele tempo não era ensino médio, era o colegial. Eu segui fazendo... Na época, você tinha opção de fazer um técnico ou um inciso, que te levava para um leque de caminhos. Eu optei por fazer o inciso, me formei no terceiro ano do colegial, prestei vestibular logo em seguida, e passei no vestibular. Fiz faculdade de jornalismo, não terminei, e dai para frente aconteceram várias coisas na minha vida, ela mudou... Mudou muita coisa... O que eu queria, o rumo que eu planejava. Eu conheci o pai do meu filho, eu me casei, demorei dez anos para ter um filho, apesar de ter conhecido ele nova, com 18 anos, demorei bastante para ter um filho. E daí quando você casa, muita coisa na sua vida muda, né? As vezes caminhos que você queria seguir, pelo fato de estar outra pessoa com você, você não consegue dar curso naquele caminho. Porque você vê "Ah, caramba, eu queria seguir aquele caminho, mas e agora? Agora eu estou aqui, eu estou com ele, não é o caminho que ele quer também, que ele vai me ajudar, vai me empurrar, vai me dar força.". Então eu abri mão de muitos sonhos por causa do casamento. Arrependimento? Talvez eu tenha um pouquinho. Mas foi uma experiência da vida, eu tinha que viver aquela experiência e ela foi boa enquanto durou. E dessa experiência de dez anos ela deixou, sei lá, meu maior presente de Deus, meu tesouro da vida, que é meu filho.
P/1 - Você fez um compilado, mas eu vou voltar um pouquinho, tá? Na sua adolescência, o que você gostava de fazer quando você era mais jovem? Na adolescência.
R - Eu amava o Carnaval. Era chegar a época de Carnaval a mãe falava assim: "Onde vai comprar o convite de carnaval?", aí tinha um clube tradicional aqui em Santos, o Portuárias, e a gente ia lá, aquele grupinho, e eram as quatro noites de carnaval, a gente não abria mão. Era maravilhoso. E quando não tinha o carnaval, nos domingos era uma vez ou outra o cinema ou o baile. Tinha duas danceterias famosas, que eram a Zoom e a Loft, e tinha a outra no morro, que era a Reggae Night, que era do tempo do Edmundo, jogador de futebol. Bem antigo isso, né? E ele frequentava muito a Reggae Night. E ai tipo assim, a gente as vezes ia pra lá só pra encontrar o jogador de futebol lá, pra ver se encontrava ele lá, só pra ver, né? Pra ter o gostinho de ver um famoso. E fora isso os domingos eram na domingueira da Loft, era maravilhoso você ficar lá desengonçado, dançando, descontraindo, aproveitando. Muito bom. Essa era a minha adolescência, eram os principais. E outra, durante a semana eu adorava fazer educação física. Gostava de ir para a aula de educação física só pra jogar vôlei. Eu com a minha altura toda de um metro e cinquenta e cinco achava que um dia eu ia ser jogadora de vôlei.
P/1 - E ai como você decidiu prestar o vestibular para jornalismo, você se lembra por que escolheu jornalismo?
R - Lembro sim. A minha mãe ela se formou, na época dela como também era colegial, e ela ia fazer faculdade de jornalismo. E aí digamos assim que ela fala que a história se repete, né? Ela ia fazer jornalismo, ela prestou o vestibular, tudo para fazer Jornalismo, e ela acabou casando, e ela acabou matando o sonho dela. E aí ela falava que uma das filhas dela ia realizar. Ela depositou todo esse peso em mim. E daí fiquei com esse peso, esse peso, e eu optei por jornalismo. Eu não queria o jornalismo, eu queria assistência social. Eu achava que eu ia ajudar muita gente, eu ia ser "a" assistente social, eu ia mudar o mundo. E prestei o vestibular, passei no Jornalismo, e segui, quando eu descobri que não era o que eu queria, não era o meu sonho, era um sonho dela que eu estava tentando realizar devido a uma certa frustração dela por não ter realizado. Aí eu parei, freei e falei "não eu tenho que buscar o que é meu, eu tenho que seguir a minha vida, o que eu quero". Aí fui em busca do que eu queria e fiquei perdida, não achei nada. Aí parei e segui em frente, mas com outra metodologia de vida, me qualificando em alguma coisa, estudando, cheguei a fazer corte costura, porque na época era moda a gente fazer corte e costura. Fui fazer cursos de cozinha, doces e bolos que eu adoro essas coisas, que eu trago para a vida até hoje, e fui me especializar nessas pequenas coisas domésticas que eu gostava.
P/1 - Qual foi seu primeiro trabalho?
R - Meu primeiro trabalho foi num consultório dentário, eu era recepcionista. E para falar a verdade eu adorava fazer aquilo, sabe? Chegava cada pessoa diferente, e aí você ria da dor da pessoa, com dor de dente, e a pessoa falando, chegando estressada, e era bem gostoso, era descontraído, meio período. E a dentista também ela era muito divertida, então foi uma experiência bem legal e divertida. Digamos assim, que não tenha sido uma experiência profissional, bem profissional, mas era divertida. Daí eu fui... Depois dessa experiência eu fui trabalhar numa empresa de ônibus, trabalhei dez... Não, doze anos na empresa de ônibus, e daí sim que eu fui ganhando experiência profissional, tomando gosto pela logística, tomando gosto pela... Pelos sistemas que tinham, pela logística do meio de transporte, pela forma como era feita, aí eu fui adquirindo maturidade, tendo outro pensamento no que eu queria fazer, e daí foi que eu deslanchei para buscar o que realmente eu queria na vida.
P/1 - E o que você queria na vida?
R - Então, depois que eu entrei na empresa de transporte eu senti que um dos rumos que eu podia fazer um diferencial era fazer uma faculdade de logística, porque ela estava no começo, não existia ainda muita gente formado nisso e eu queria fazer a diferença. Aí eu fui buscar os caminhos, fazer um tecnólogo em logística, e trabalhei nesta empresa um bom tempo. Aí eu senti que não era mais o caminho que eu queria, que eu estava perdendo muita coisa na minha vida por causa das 12 horas de trabalho. Foi quando eu pensei e falei "não, eu quero dar outro para minha vida". Eu não quero ficar aqui no transporte, a mesmice, onde eu não possa aplicar o que eu tenho de conhecimento, onde eu sei que eu não vou seguir para lugar nenhum, porque ali onde eu estava já tinha sido promovida, eu estacionei, não ia mais para lugar nenhum. E eu decidi sair da empresa e dar outra na minha vida. Foi quando uma amiga minha, Fabiana, ela entrou na Libra Terminais e lá eles estavam pegando algumas pessoas para uma função nova. E aí ela pegou, levou meu currículo, eu fui chamada para fazer uma entrevista lá. Fiz a entrevista com o Ricardo Vianna e logo em seguida me ligaram dizendo que eu tinha sido aprovada. Aí bateu um frio na barriga, um pânico, porque era um universo novo, o pensamento que eu tinha de porto era aquele pensamento machista, aqueles homens estivadores, alguns broncos, alguns mais estudados, e bateu aquele medo, aquele tudo, meio de felicidade, tristeza, tudo junto. E aí eu falei: "eu vou lá. Vou buscar, vou ver como que é". Aí cheguei, comecei a trabalhar, comecei a matar os fantasmas, que o porto não era tudo aquilo que me assustava, que os homens não tinham cara de mau, e fui buscando o meu espaço nessa primeira empresa. Daí com seis meses de empresa, eu fui chamada para poder treinar do lado de uma função que se chamava "assistente de transporte". E eles ali dominavam a logística do transporte. E eu fui treinar. Treinei, fui bem aceita, quando eu tive um ano de empresa eu tive a oportunidade de começar a tirar férias deles, sozinha, eu fui a primeira mulher nessa função. E tirei as férias deles. Eu tinha... Eu passava trabalho, distribuía trabalho pra uma equipe de 50 homens, e eram só homens, não tinha motorista mulher, e eu era a única mulher ali no meio deles. E eu fui desempenhando, desempenhando, quando acabou a quarta férias eu ganhei a minha primeira promoção. Daí essa promoção foi tão gratificante que ela me empurrou para fazer outra faculdade, aí eu queria mais. Aí a gana veio, aí eu queria mais. Aí eu tinha a logística e fui fazer comércio exterior. E fui buscar mais e mais qualificação, fui buscar mais e mais conhecimento. Quando eu estava mais ou menos uns oito meses na função de assistente, um dos supervisores, (Pane?) Vicente, ele saiu, foi para outro setor, aí eu tinha um gerente na Libra Terminais, Marcelo Falcão, e ele pegou, chamou o Vagner e me chamou, e falou para mim assim: "Por enquanto, você vai substituir o Vagner como supervisora até eu buscar alguém qualificado para poder exercer a função." E uma frase que ele falou para mim, que eu falo para ele até hoje, toda vez que eu encontro ele eu falo que aquilo impulsionou a minha vida, impulsionou mais ainda a minha gana de querer ser alguém, querer mostrar que eu tinha espaço, querer mostrar que por eu ser mulher eu não era diferente e que eu conseguia fazer aquele trabalho, foi ou quando ele disse assim para mim: "Você não é e nunca vai ser a minha opção. É só por três meses e depois eu vou colocar alguém lá, porque você não serve para essa função". Aquilo deu... Sabe, mais força... Sabe quando te da aquele empoderamento, de eu vou mostrar para você que eu sou capaz e que eu posso fazer? Foi assim que eu fiz. Quando passou os três meses ele me chamou e me promoveu, que eu era capaz de comandar aquela equipe de 50 homens. Aquilo foi de uma gratificação enorme. E daí eu fiquei dez anos lá, dos dez anos que eu fiquei, oito anos eu fiquei de supervisora comandando uma equipe sempre de 50 homens... Oscilando assim, às vezes tinham três mulheres aí elas vinham... Muitas não aguentavam porque o turno... Machuca um pouquinho o turno, né? Às vezes você trabalhar na madrugada é ruim, é um pouquinho puxado principalmente, para gente mulher que exerce dupla função, dona de casa, é mãe, é um pouquinho puxado. E algumas entravam e não aguentavam e saiam. E eu sobrevivi nesse universo masculino e daí eu engajei, botei na cabeça que eu era capaz e eu fui capaz. Sabe a frase "Eu vim e venci"? Foi assim que eu me senti.
P/1 - Me conta um pouco dessa época que você supervisionava esses 50 homens. Quais eram os principais desafios que você encontrou?
R - O desafio era fazer todo mundo trabalhar. Porque nem sempre todo mundo segue à risca o que você passa e o que foi planejado. Era eu e um assistente para tomar conta de 50 motoristas que faziam a logística entre navio, retaguarda e rua do terminal. E muitas vezes se dissipavam do trabalho, a gente tinha que lidar com humores diferentes, casamentos diferentes, vidas diferentes, o dia bom, o dia ruim, e a gente tinha que estar sempre pronto a ouvir. E eu sempre gostava de ouvir, de chegar lá, "Por que você tá fazendo isso, por que você não tá lá no trabalho?", e aí a pessoa vinha e sentia aquela confiança de desabafar o que estava acontecendo, "Ah, tô insatisfeito", “Tô com problema em casa", e você ia lá na conversa, uma certa psicologia que eu acredito que eu não tenha nenhuma, mas funcionava as vezes, você conseguia trazer a pessoa de volta para o teu lado, trazer a pessoa de volta para desenvolver aquele trabalho. E com o desenvolvimento dela, você só crescia, porque ela desenvolver bem o trabalho dela, ela te impulsionava, e você ficava bem vista. Então eu tinha... Lá eu tinha uma das melhores equipes, com menos atestados, menos insatisfação. Existia uma concorrência entre equipes que a melhor equipe ganhava um churrasco todo mês e enquanto teve essa concorrência a minha foi a principal durante oito meses seguidos e eu conseguia dominar aquele universo masculino trazendo a pessoa pra você, sabe? Aquele jeitinho, eu trazia, eu conseguia que a pessoa entrasse durantes aquelas seis horas de trabalho, fizesse o dela e saísse para casa com a sensação de dever cumprido igual eu saia. Era um desafio muito grande, porque muitas vezes você tinha três navios para 50 caminhões e era de um lado para o outro, a logística não é perfeita, mas ela tinha que ser por que tudo tinha que funcionar, as metas tem que ser cumpridas. Você ficava de um lado para o outro atrás, tentando correr atrás da eficiência, tentando fazer a engrenagem rodar como numa engrenagem, era difícil, muito difícil. No começo a aceitação foi péssima, mas depois que eu fui aceita eu me senti... Assim, realizada no meio daquele bando de homens, né? Eu passei a conhecer esposas por telefone e a gente se sentia parte de uma família ali dentro. Era bom, muito bom e muito desafiador também.
P/1 - Eu vou fazer uma pergunta com dois lados. Por ser mulher, você já enfrentou uma dificuldade por causa do seu gênero? E você acha que também por ser mulher, teve alguma coisa que foi mais fácil para você?
R - Por ser mulher eu encontrei muita dificuldade. Eu não era aceita, no começo eu não era respeitada, eu tive que impor meu respeito, eu tive que buscar minha aceitação. Eu escutei por várias vezes que lugar de mulher não era no porto e que eu estava pegando as vagas de alguém qualificado. Mas eu segui em frente, eu não deixei me abalar, foi o que eu falei, eu fui lá e conquistei o meu espaço. E por ser mulher muitas coisas também você tem aquela facilidade, aquele seu jeitinho para poder conduzir a situação e você acaba fazendo até a pessoa mudar de opinião. A pessoa que era arisca com você... Teve muitos assim, ariscos, e você vai com jeitinho, com jeitinho você vai conquistando, com um jeitinho que só a gente tem de ativar mesmo, né? E você traz a pessoa para o seu lado. E esse lado também era muito gratificante. Mas já escutei muito assim: "Ah, tá fazendo o que aqui? Vai lavar uma louça. Lugar de mulher não é aqui". Escutei bastante.
P/1 - E como é que você reagia em momentos como esses?
R - Eu respirava fundo. Respirava fundo e buscava forças pra continuar, porque psicologicamente aquilo era pra te abalar, mas eu estava determinada. Eu queria fazer aquilo, eu queria provar para mim e para o mundo eu acho que eu era capaz. E aí eu respirava fundo e seguia em frente. Vou falar pra você que muitas vezes eu saia do cais, eu chegava em casa, meu filho ia falar comigo e eu falava assim pra ele: "Não fala". Eu entrava no chuveiro, sabe aquele dia que tu não quer nem lavar o cabelo, mas tu lava o cabelo que é para cair aquela água nos olhos para chorar e não ficar a marca? Acontecia muito isso. A pressão, tudo, mas eu me mantinha firme. Chegava em casa eu desabava. Mas eu buscava forças para voltar lá no outro dia e mostrar "olha, eu tô aqui, eu não vou desistir".
P/1 - Eu queria te perguntar como é que você vê a ascensão das mulheres na empresa que você trabalha, na sua área.
R - Então, na minha área só tem eu de mulher. Lá só tem eu de mulher. Mas aqui, na atual empresa que eu trabalho, na Brasil Terminais, a aceitação da mulher é bem melhor do que quando eu comecei lá atrás, na Libra. Aqui existem motoristas mulheres e o ideal de contratação deles, o presidente sempre fala que admissão ele da preferência para mulheres, você vê muitas mulheres como motoristas de veículos pesados, que hoje em dia no cais não é mais o caminhão, é terminal tractor, que é um equipamento. E elas estão... É uma minoria ainda, porque muitas delas tem um certo receio de vir para o porto ainda, quando se fala em porto. Outras não, outras vão lá e enfrentam, porque assim, é difícil você estar no meio do porto, universo totalmente masculino, que vem de geração a geração com aquela fala que só homens podiam trabalhar, porque tinham que ser pessoas forte e tudo mais, e o próprio homem ele gera um preconceito contra a mulher quando ela chega aqui, ele mesmo ele se fecha. Quando eu cheguei aqui eu não fui tão rejeitada porque eu já vinha de uma outra grande empresa de cais, e aqui, o pessoal que trabalhava aqui, muitos já tinham trabalhado comigo. Então eu não tive tanta invenção, mas a adaptação é um pouco mais difícil porque eles sempre são mais capazes do que a gente.
P/1 - E o que você acha que seria necessário para mudar esse ambiente, para as mulheres entrarem mais...
R - As empresas do porto hoje elas dão muita oportunidade para mulheres, tanto que não é só aqui no Brasil, não é só na Libra que fechou, tem na Ecoporto, tem na DP World, todas as empresas de porto que você vai, você vê mulheres. Eu acho que o desafio maior é a mulher querer enfrentar. Por que muitas delas não querem passar... Tipo, vai passar... Acham que vai passar por um constrangimento. E não é um constrangimento, você só vai saber quando você for lá e buscar aquilo. Eu digo assim, se você realmente quer e é teu sonho, vai lá, buscar ele, enfrenta isso. Porque esse universo ele tá mudando, hoje você não vê mais a mulher só no RH, no departamento pessoal, só no escritório. Você vê ela na área. A gente hoje em dia tem conferente na área, tem Operadora de bordo, tem operadora de gate, tem motorista, tem operadora de monitoramento, tem muitas mulheres, é só ela buscar o espaço dela e derrubar essa barreira. Derrubando essa barreira eu acho que ela consegue tirar esse preconceito e seguir em frente.
P/1 - Você citou até a dupla jornada e uma das perguntas que eu tenho para fazer é justamente sobre esse tópico, como é conciliar o trabalho com as outras demandas da sua vida?
R - Hoje em dia, que meu filho tem 19 anos, é bem mais fácil. Mas eu passei por fases muito difíceis. Eu cheguei em casa meu filho estava andando, eu não vi meu filho andar, não vi ele dar o primeiro passinho. Eu chegava em casa, eu não vi... Minha mãe falou: "Olha, hoje ele falou". E aí tu ficava lá naquela ansiedade "fala mamãe, fala mamãe" ele travava e não falava nada e eu não vi... Eu perdi muitas dessas fases por causa dessa dupla jornada de trabalho. De chegar em casa cansada, de ser mãe, ser dona de casa, ter suas responsabilidades, era cansativo, era estressante, mas você tinha que se manter firme. Daí foi quando eu falei que eu decidi largar as doze horas da empresa de transporte e cair para seis horas de turno no cais. Acho quando eu caí para as seis horas de turno no cais, apesar de ser seis horas e de turno, eu comecei a viver. Eu comecei a redescobrir que eu tinha casa, que eu tinha filho e que eu tinha vida. E aí você volta ser a mulher que trabalha fora, a mãe, a dona de casa e você começa a intercalar essa jornada e quando você faz as coisas com prazer ela não te cansa. E não me cansava, sabe? A dupla jornada é uma dificuldade para muita gente, mas quando você torna ela com prazer você não cansa, e eu consegui buscar isso, eu consegui... Não digo buscar o passado, mas muita coisa eu consegui resgatar, principalmente o fato de ser mãe, que eu tinha perdido totalmente. Eu fui redescobrir meu filho, meu filho tinha 6 anos de idade.
P/1 - Eu queria te perguntar como é que é exercer uma função que era anteriormente dominada por homens.
R - Difícil. É difícil porque você tem que dar o melhor de si, mostrar que você é capaz, provar todo dia que você é capaz de fazer. E parece que é exigência... Não exigência ali, formal, a exigência no psicológico da mulher ela exige muito mais, porque ela tem que se superar a cada dia. Eu tive experiência agora pouco tempo, que eu cobri férias de supervisor, e eu tive que mostrar o melhor de mim. E apesar de eu já ter a experiência de um cargo de supervisão, eu estava num lugar diferente, num habitat diferente do que era a outra e eu tive que me superar a cada dia, mostrar para todo mundo ali que eu era capaz. E é uma superação, uma superação diária, você superar seus medos, superar os desafios e provar "eu sou capaz".
P/1 - Você falou que mudou de uma carga horária de doze horas para uma de seis. O que você fazia antes e o que você passou a fazer depois?
R - Antes, quando eu trabalhava doze horas, era um pouco distante de casa, eu trabalhava em Praia Grande e trabalhava finais de semana. Quando eu trabalhava eu entrava quatro da manhã e saia quatro da tarde. Então não tinha muito tempo pra viver, não tinha muito tempo pra muita coisa. Levantava duas horas da manhã, Praia Grande é uma cidade turística, pra voltar pra casa, pra São Vicente, passa por uma via que todo turista tá indo embora, voltando pra São Paulo, você fica presa horas no trânsito, você sai quatro horas do trabalho chega em casa seis, sete horas da noite. Já tá praticamente na hora de dormir pra levantar suas horas da manhã de novo. Eu tinha uma folga por semana, que era pouco para cuidar da casa, dedicar ao filho, fazer todas as coisas que queria fazer. E eu não ensinava nem lição de casa para o meu filho porque eu não tinha tempo. Eu trabalhava, descansava e pouco era o tempo que eu tinha para a minha vida mesmo. Quando eu passei para seis horas, a mudança foi brusca. Sabe quando você trabalha seis horas só e do nada você descobre que tem aquele monte de horas vagas no dia? Você já limpou a casa, já fez comida, já estendeu a roupa, o que você vai fazer agora? Aí eu ficava buscando opções. Foi aí que eu aprendi a gostar mais ainda de cinema, toda folga... Mesmo meu filho não gostando ele ia no cinema comigo, toda folga. E adquiri o hábito de aprender a viver, aprender a aproveitar a praia, aprender a respirar, a me conhecer, me redescobrir, relembrar o que eu gostava, o que me divertia, o que era lazer pra mim. Foi uma mudança brusca de vida. Foi onde eu me redescobri, que eu tinha qualidade de vida de novo. Podia fazer o que eu gostava, que podia ir passear, viajar, me divertir. Foi a melhor mudança, parece que eu rejuvenesci... Sei lá, uns dez anos. Dez anos que eu fiquei lá, que eu perdi, eu rejuvenesci.
P/1 - Você ainda trabalha nessa mesma empresa, das seis horas?
R - Não, hoje eu trabalho oito horas, outra empresa, que é a atual, e é de turno também. São oito horas, seis dias, por dois dias de folga. Porem o turno ele te proporciona de certa forma uma qualidade de vida melhor. Porque você trabalha no turno do período da manhã, de oito horas, o resto da tarde você está em casa, você consegue atender as necessidades da casa, atender as suas necessidades, dar atenção para quem precisa. E mesmo trabalhando na madrugada, eu sou uma pessoa que eu não preciso dormir tanto. Eu durmo pouco e me dedico a mim. Ao que eu gosto de fazer quando eu tô em casa e eu tenho tempo suficiente, mesmo fazendo oito horas agora. A mudança das seis para as oito não foi tão brusca.
P/1 - Eu queria saber como é a sua rotina de trabalho nessa empresa atual, o que você faz?
R - No momento do trabalho eu assumo o gate, que eu trabalho. Trabalho sozinha dentro do gate, faço a entrada do container para o terminal, o motorista vem de rua, ele chega, para pra acessar o terminal, eu faço a entrada desse veículo, a entrada do container que ele tá trazendo e direciono ele para fazer... Onde ele vai fazer a descarga do container e o armazenamento dele no pátio. Trabalho o tempo inteiro sozinha, dentro de uma guarita com o link de conversa, o ramal e telefone e um rádio porque eu sou... O gate que eu trabalho eu sou um focal point. É ali que caem os problemas dos gates secundários para eu poder resolver. Então ao mesmo tempo que eu trabalho sozinha, eu trabalho com um monte de gente. Fica todo mundo ali, no computador comigo, tá todo mundo ali no telefone comigo, tá no rádio comigo e eu sou, digamos assim, a porta de entrada, a recepção do cliente para fazer o depósito do container na empresa.
P/1 - Eu queria saber quais momentos você considera marcante na sua trajetória profissional.
R - O momento assim, mais marcante da trajetória profissional, foi quando eu descobri o que eu queria fazer. Outro momento marcante foi quando o meu gerente falou que eu não era a opção dele e que eu fui lá e mostrei que eu era capaz. Um terceiro momento marcante profissional foi quando a empresa que eu trabalhava anteriormente, a Libra terminais, ela fechou as portas e quando eu tive que recomeçar e eu achava que não tinha mais idade para recomeçar, sabe quando você pensa que tá tudo acabado? E aí você levanta a cabeça, vem a oportunidade e você mostra que é capaz outra vez de recomeçar. Então esses momentos foram, na carreira profissional, foram os mais marcantes.
P/1 - Queria que você me contasse um pouquinho desse recomeço.
R - Eu sai de uma empresa onde eu tinha dez anos de profissão nela. Ela foi fechando as portas aos poucos, fio desligando as pessoas aos poucos, do setor que eu trabalhava eu fui uma das últimas a ser desligada e aí eu me senti sem chão. Ai um belo dia você acorda e fala: "Não, tem que recomeçar". Aí você começa a distribuir os currículos de novo, aí começam a vir as oportunidades. Aí eu tive uma oportunidade de fazer uma entrevista aqui na Brasil Terminais. Claro que não era pra um cargo de chefia igual eu exercia na outra, porque todo recomeço você tem que recomeçar, por isso que é recomeço. E aí eu vi na oportunidade, fiz uma entrevista com um supervisor, o Casio Guilherme, que dos três anos que eu estou aqui ele é uma pessoa bem marcante nessa minha trajetória aqui dentro, e ele fez a entrevista e perguntou se antes eu tinha um cargo de chefia, por que eu optaria por começar de novo, por baixo. Eu respondi pra ele que eu tinha que recomeçar por algum lugar. E a oportunidade era essa, eu ia lá mostra que eu podia recomeçar, eu podia passar por cima daquele cargo de gestão e voltar a aprender tudo de novo. E aí eu passei na entrevista com ele e recomecei. Fui lá, alguns dos que estavam lá já tinham sido subordinados a mim e agora eu estava sendo par deles, eu estava aprendendo com eles. E foi receptivo, as pessoas ali, pelo carinho que eu tinha na outra empresa, pelo fato como eu tratava muita gente, eles estavam dispostos a me ensinar. Eu errei, como todo mundo, e eles vinham lá no meu erro e me davam aquele apoio para poder tentar de novo, explicavam de novo, pra poder fazer e hoje eu sinto que aquele recomeço, aquele carinho, aquela dedicação das pessoas que estavam ali ao meu redor, valeu muito a pena. E aí foi quando eu ganhei aquela vozinha do "vamos lá, vamos começar a crescer de novo", eu fui buscando meu espaço, fui mostrando do que eu era capaz e fui me levantando aos pouquinhos. Não que eu tenha caído pra recomeçar, porque todo mundo tem um recomeço, e os recomeços são bons. Ele vale a experiencia. Era uma função totalmente diferente do que eu exercia e eu tinha que aprender como aprender a caminhar de novo.
P/1 - Você fazia o que nessa função?
R - De agora, atual?
P/1 - Quando você começou. Recomeçou.
R - Eu recomecei como operadora de gate. Eu tenho só três anos aqui, eu comecei como operadora de gate e continuo como operadora de gate até agora. Mas assim, buscando o meu espaço. Já tive oportunidades de mostra que eu sou capaz, e aí você vai lá, mostra, depois você volta pro seu espaço novamente. E aí você vai agregando os valores e buscando as oportunidades. Mas eu continuo lá e, por incrível que pareça, tem gente que fala assim: "Nossa, mas é tão monótono esse trabalho, não tem muita graça, eu não gosto disso", mas eu gosto. Eu gosto e eu trabalho com prazer, e tem muitas pessoas que passam por mim e falam que eu dou "bom dia", eu dou "boa tarde”, eu dou "boa noite", as vezes quando a pessoa chega ali falando alguma coisa eu paro e eu escuto, mesmo que eu não entenda nada do que ele tá falando, ele tá desabafando ali alguma coisa, mas eu estou ali ouvindo e eu gosto, eu gosto desse contato com as pessoas.
P/1 - Se você para e pensa na mulher que entrou na sua área naquele tempo para a mulher de agora, quais mudanças você consegue notar? Que o trabalho modificou em você?
R - O trabalho modificou muito, a aceitação. Quando eu cheguei não tinha tantas mulheres, no setor que eu trabalhava só existia uma mulher, eu fui a segunda. E daí abriu aquele leque, começaram a vir mais, a vir mais, mas o que eu falei pra você, algumas não aguentavam o desafio. Hoje em dia já é mais comum a aceitação, acho que a aceitação é bem melhor hoje em dia. Chega uma mulher, já tem aquele pessoal a disposição para querer ia lá ensinar, não tem mais aquela... Aquela reserva, "olha, ela chegou, é mulher, vai fazer isso, vai fazer aquilo", não tem mais essa reserva, hoje está mais... A aceitação está melhor. Tanto que as que saíram da empresa que fechou estão distribuídas por aí e estão se dado muito bem em outras empresas. Porque já tinham, digamos assim, matado aquele fantasma de que era o começo, e daí deu o passo e já conseguiu engrenar em outro recomeço. Hoje em dia é menos desafiador.
P/1 - Eu queria voltar um pouquinho para as perguntas mais para o lado pessoal, pode ser?
R - Ótimo.
P/1 - Então eu vou voltar ali naquela parte que você conheceu o seu marido, seu ex marido. Como é que foi esse momento?
R - Então, a gente se conheceu em uma das danceterias noturnas, nos bailes noturnos que tinham, numa casa chamada Portuárias, tinha uma domingueira, a gente se conheceu ali de vista. Aí dizem que amor de Carnaval não dura, né? Logo chegou o Carnaval. Ai no Carnaval ele veio e falou comigo. Ai daquele carnaval em diante a gente começou a se conhecer, aí a gente engatou num namoro, namorou, noivou e casou em um ano. E aí foram momentos maravilhosos que a gente viveu, da nossa vida com os prós e os contras, tentando mostrar que a gente era capaz, porque eu era muito novinha e ele... A gente tinha uma diferença de idade de cinco anos, eu tinha 18 anos e ele tinha... Ele era cinco anos mais velho que eu e era um pouquinho desafiador, porque ele já tinha as manias dele e eu era aquela, meio que saindo da adolescência ainda pra fase adulta. Ai a gente engrenou nessa vida de casados e fomos vivendo. Foi muito boa, muito boa mesmo, durante dez anos a gente viveu momentos bons, momentos ruins, momentos de alegrias, de tristezas. Momentos de parar para repensar a nossa vida, se era aquilo mesmo que a gente queria. E a gente seguiu em frente, até o momento que a gente chegou e não dava mais. Aí foi quando se transformou em ex marido, eu estava grávida do meu filho quando eu tomei a decisão mais difícil da minha vida, que foi a separação. Eu ia criar um filho sozinha. E bateu o desespero, bateram os medos, os receios, mas eu estava enfiada num casamento que era só tristeza, era só dor, era só lágrima. E não dava para viver aquela vida, por mais que a mãe dissesse: "Não, você vai ter um filho, você tem que continuar casada, porque o filho precisa de um pai" e tudo mais, eu pensava "será que vale a pena eu sacrificar a minha felicidade como a minha mãe sacrificou a dela lá atrás, como a minha vó sacrificou a dela lá atrás", porque elas foram feitas aquelas mulheres para casar, ser dona de casa, ter filho... Será que vale a pena eu sacrificar meu filho, criar ele nesse ambiente? Aí eu falei: "Não. Não dá", aí me impulsionei, busquei forças onde eu não tinha e me separei. Levei a gravidez adiante, sozinha, meu filho nasceu, claro que o pai estava lá. Claro que deu o apoio e o tempo que ele quis participar ele participou. E a vida foi seguindo em frente. Os medos, os desafios, um bebê pequeno, sem saber o que você ia fazer da vida. Você tinha que cuidar de mais alguém agora, não era só você. Você tinha que se manter sã, se manter firme, forte, porque por mais que você quisesse aquele pai ali presente o casamento já tinha acabado. A vida, a tua vida tomou um rumo e a vida dele tomou outro. E eu fui seguindo em frente com o apoio da minha família, do meu irmão. Meu irmão ele apoiava em tudo, tinha dia que... As licenças maternidade, essas coisas, demoravam muito para o governo poder pagar e tudo mais e aí tinha dia que precisava comprar alguma coisa para o meu filho aí meu irmão chegava e falava: "O que tá faltando?", ai dava o cartão, "Vai buscar tudo que ele precisa". A minha irmã quando precisava estava lá, e minha mãe. O tempo inteiro ficou ali do meu lado. “É isso que você quer? É isso que você vai fazer? Não é isso que eu quero para sua vida, mas se você quer eu tô aqui para te dar o apoio". E aí eu sobrevivi. Eu vi que eu não precisava ser igual elas, que ficaram enfiadas naquele casamento durante anos para manter os filhos, para manter as aparências, para manter a vida, o sorriso falso no rosto. Eu fui lá, lutei pelo que eu queria. No começo fui rejeitada e depois quando eles viram que não era aquilo que realmente eu estava feliz em seguir em frente, eu tive o apoio de todo mundo. Dediquei a minha vida, depois que eu me separei, que meu filho nasceu, a criar ele. Eu abri mão de tudo, tudo que tinha direito para poder criar. Eu sou aquela mãe coruja, aquela mãe que infla mesmo, sabe? Aquela mãe sapo, que incha demais de orgulho. Porque ele não passou por nada que eu passei na vida, ele não passou uma necessidade, ele estudou na melhor escola que eu proporcionei para ele. Ele estudou desde um ano, que foi uma necessidade ele ir para escola, porque eu tinha que voltar para o trabalho, até se formar no ensino médio, em escolas particulares, nas melhores escolas que tinha na cidade, eu proporcionei, não importava o preço, o que importava era a educação dele. E abduzi minha vida, a realidade foi essa. Eu abduzi minha vida, eu nunca quis me casar de novo, eu não queria alguém aqui dentro da minha casa, uma pessoa estranha, que muitas vezes você escuta... Pode maltratar teu filho, pode fazer alguma coisa, eu me espelhava no meu cadastro, meu padrasto nunca maltratou a gente, mas será que todo mundo é igual ao meu padrasto? Não era, né? A gente escuta várias histórias por aí que não é a mesma coisa. E eu não queria aquilo para o meu filho. Então eu decidi Viver a Vida para ele e criar, educar, mostrar o que era o mundo, conduzir ele no caminho dele. Hoje ele tá com 19 anos, tá criado, vai se formar na faculdade no final do ano. Aí eu digo pra ele que agora é minha vez, agora eu vou buscar viver. Não vou buscar o passado, porque passado ninguém pode voltar lá para viver o que não viveu, mas eu digo para ele que agora eu vou viver a minha vida, eu brinco que eu vou casar de novo, eu brinco que eu vou arrumar um monte namorado e tudo mais. Mas eu me sinto muito feliz por isso, é uma parte da minha vida que eu não me arrependo. Eu tive aquele momento de tomar decisão, momento de abrir mão da minha vida e eu segui em frente fazendo o que para mim era certo.
P/1 - Você falou dessa maternidade que você assumiu meio que sozinha, né? Mãe solo. Eu queria que você me contasse momentos que você lembra com seu filho ao longo destes 19 anos.
R – Momentos, o primeiro momento mais difícil, foi assim... Foi a separação grávida. Eu tinha... Eu estava grávida de um mês e quinze dias mais ou menos e aí eu me separei. Eu tentei ter um filho, eu não estava conseguindo, então quando eu achei que não ia mais ser mãe eu fiz... Eu me senti grávida. Senti sintomas de grávida, mas a gente já tinha decidido pela separação. E aí no meio da decisão veio "você tá grávida". Caramba, foi tipo assim... Foi um momento de dor, nostalgia, felicidade, alegria, tristeza, foi uma mistura de várias sensações. E eu tinha que tomar a decisão e a decisão ela já estava tomada, só que ela podia ser mudada por causa do filho. E eu segui em frente. Depois quando a barriga... Até então eu não tinha noção, eu tinha 26 anos, mas eu não tenho noção do que era estar grávida. Eu sabia que estava grávida, mas eu não tinha nada, não sentia nada, começo de gravidez você não sente nada. Quando a barriga começa a crescer bateu aquele pânico, desespero, aqueles Momentos de depressão, aquele momento que você pensa "e agora, o que eu vou fazer?". Eu tive um momento muito dolorido durante a gravidez, eu perdi a lucidez, eu parei de comer, eu parei viver, meu filho parou de crescer dentro da barriga. Eu tinha 6 meses de gravidez, ele tinha 800g, não era uma criança para 6 meses de gravidez. E aí bateu aquela crise de consciência, aquela depressão, o que eu tô fazendo, o que é isso, eu tô gerando uma vida, eu quis gerar essa vida, eu quis muito ter esse filho, e o que eu tô fazendo agora com ele, eu tô machucando ele e ele nem tá aqui para brigar comigo, para dizer para mim: "Mãe, para. Eu tô aqui, me ajuda, eu quero crescer". Aí levantei a cabeça, no sexto mês de gravidez, graças a minha médica. Voltei a viver, a comer, tomar as vitaminas, tudo, meu filho nasceu com 8 meses e 28 dias, faltava... Oito meses e 29 dias, faltava um dia para ele nascer, era um parto programado, ele nasceu um dia antes. Nasceu com 5,300kg. Você vê meu tamanho, 1,55m, eu tinha 50kg, eu gerei um filho de 5,300kg (risos). 55 centímetros, na porta do meu quarto tinha um desenho que o pediatra fez, a mãe pequenininha do bebê grandão. E quando ele saiu de dentro de mim, ele veio para o meu lado e chupou a bochecha. Caramba, eu descobrir... Gente, sou mãe. Eu sou mãe. Ai dali em diante eu busquei todas as forças que tinha e fui viver a maternidade. Um dos momentos que eu amei, eu amei, eu chorava feito aquela criança boba, foi quando ele tinha um aninho na escola, a apresentação, a primeira apresentação do Dia das Mães. Mãe besta. Aí eu cheguei lá ele estava no palco, aí eles ensaiaram... Eles não sabiam nem falar nada direito, ele tinha um aninho e pouco, aí eles chegaram lá no palco, cantaram aquela musiquinha "mamãe, I love you. Mamãe, I love you". Não saía nada, saia só "mamãe, love u" e eu desabava de tanto que eu chorava, meu primeiro dia das mães com aquele serzinho lá, bonitinho em cima do palco, vestindo aquela roupinha cantando "Mamãe, I love you". Depois ele veio entregar o presente. Caramba, aquilo foi uma satisfação tão grande, já que eu tinha perdido ele andar, perdido ele falar, eu ganhei o dia, eu ganhei a vida ali. Depois disso foi um orgulho atrás do outro. Meu filho quis fazer karatê, aí eu ia lá, mostrava que ele era... Ele era um misto de superação, sabe aquela superação que eu vivi na gravidez? Ele era a superação viva que saiu de mim. Ele foi lá fazer a aula de karatê, ele se superava a cada dia, todo ano ele fazia o melhor que ele podia para trocar de faixa, ele chegou até a faixa marrom de karatê, não seguiu em frente. Ele... Eu me lembro que a professora me chamava da escola que ia tirar ele da sala de aula porque ele estava atrapalhando a aula. E eu falava assim "caramba, eu eduquei meu filho para prestar atenção, para tomar conta de tudo, como assim ele tá trabalhando a aula?", ai ela falava: "Mãe, ele, eu tô ensinando uma matéria ele já tá duas lá na frente. Eu não aguento o Renato dentro de sala de aula. Eu tirei ele e coloquei numa sala sozinho, porque ele tá além dos outros". E aí eu sentia o maior orgulho do mundo, né? Meu filho quando ele saiu de uma para outra, ele... Ele é nerd. Ele não gosta, mas ele é nerd sim. Adora uma matemática, o que a mãe odeia. E aí ele saiu para uma outra escola e aí ele brigava com a professora quando ela tirava um ponto de matemática dele, ele se formou nessa escola aí toda vez que ele encontra essa professora ele fala que ela tá devendo um ponto pra ele, que ela errou a nota dele e que tá devendo um pouco para ele. E ele era aquele menino que era tipo assim, um foco, sabe? Ele ensinava para os outros, os outros iam lá perguntar para ele como fazia as coisas, e era só elogio na escola. "Olha, mãe, seu filho é educado, seu filho é gentil". Na última escola que ele fez o ensino médio, ele prestava um serviço voluntário que era uma troca de favores. Ele prestava um serviço para a escola e em troca eu recebia um desconto na mensalidade. E elas falavam que ele prestava aquele serviço e que ele prestava atenção no que ele estava fazendo, que outros ganharam a oportunidade e não faziam, não tinham aquele foco como ele tinha, sabe? E todos os lugares que eu ia com ele, todos os momentos que eu ia em reunião da escola, eu me sentia a mãe mais orgulhosa do mundo. Eu consegui, e eram momentos marcantes, momentos marcantes. E ele chegava querendo falar, querendo contar o que era, "mãe, eu fiz isso, mãe, eu fiz aquilo". Alguns momentos eu perdia a paciência e não queria ouvir, né? Estava meio que estressada e não queria ouvir, mas ele falava, ele se policiava, ele se colocava dentro daquelas situações. Da pra notar que é o meu orgulho, né? É o meu orgulho em tudo. E foram vivências que mesmo com a falta do pai, que não foi presente, hoje em dia ele tenta ser presente, mas não dá mais, né? Você tinha que buscar esse presente quando era pequeno, construir uma relação, agora não tem como mais construir essa relação. E ele fala, os amigos dele quando conhecem o Renato falam: "Caramba, a Rose criou teu filho assim maravilhosamente bem, precisa ver como ele é educado, como ele é gentil, como ele trata as pessoas, como ele é estudioso". E é, as poucas vezes que eu e ele conversamos, ele fala para mim que apesar de tudo eu consegui dar uma boa educação para o filho dele. E é muito orgulho, sabe? Muito orgulho. Esses dias ele estava fazendo aula online na faculdade, porque por causa da pandemia é tudo online, aí ele chegou e falou assim para mim: "Mãe, o professor tá usando os meus rascunhos para dar aula. Ele falou para mim que eu sou"... Não me lembro qual foi a palavra que ele usou, que ele estava, assim, avançado para os outros alunos da classe. Não foi bem avançado, foi uma outra palavra que ele usou. E, nossa, eu olhei para ele assim, sabe quando você vai aquela risadinha para não encher muito a bola dele, e vira de lado e dá aquele sorrisão? Muito bom.
P/1 - Ele faz o que, o seu filho, na faculdade?
R - Análise e desenvolvimento de sistemas.
P/1 - E como é que é o seu dia a dia?
R - Meu dia a dia, a rotina de casa. Dependendo do horário que eu tô trabalhando, eu levanto, faço o almoço... Hoje por causa da pandemia a rotina da gente tá muito mudada, né? Antes eu estava em casa, ele saia de manhã para ir para faculdade, voltava, chegava em casa, almoçava comigo, eu saia para trabalhar e ele ficava em casa. Hoje não, hoje ele levanta, fica lá no canto dele estudando, se eu chego de manhã eu vou dormir, levanto na hora do almoço, faço o almoço, almoço, vou assistir a um filme ou vou estudar inglês, que uma das coisas que a empresa me proporcionou foi o curso de inglês, que aí eu faço as aulas de inglês online. Às vezes eu fico lá assistindo umas séries com ele que eu não gosto e que ele me faz assistir. Mas aí você é mãe, você assiste. As vezes ele fica me mostrando uns vídeos, que ele gosta de ver uns vídeos lá e me mostra, alguns eu dou risada, outros eu olho e... Tipo assim, o que eu tô vendo? E eu gosto dessa rotina família, sabe? Eu gosto de estar ali, eu vou ser uma pessoa que vou sofrer quando for embora, né? Mas eu gosto daquela rotina dali, de carinho, de estar ali, de perguntar se comeu, de estar sempre ali debaixo da asa. E gosto de estar em casa com ele, eu gosto de ficar em casa. Gosto de dar meus passeis de vez em quando também, quando eu tô de folga, passear no shopping, andar pelo centro da cidade, mas a minha rotina mesmo é fazer em casa, eu gosto de estar ali cozinhando. Gosto de estar fazendo bolo, de estar fazendo doce, de estar fazendo o que ele pede. De levar minha mãe pra feira, minha mãe pro supermercado, que adora, né? Pessoa de idade adora um supermercado e uma feira. E minha rotina é basicamente rotina de lar mesmo. E parte que eu saio pra trabalhar e quando eu saio... Não gosto de sair, ir pra rua, ir pra algum lugar, gosto de voltar pro aconchego do meu lar, ficar lá, assistir a um filminho. Ficar em casa.
P/1 - Como era e como mudou a sua vida depois do coronavírus?
R - Mudou... No começo eu fiquei paranoica. Eu limpava a casa três, quatro vezes por dia. Eu vivia com álcool na mão, vivia feito uma maluca. Depois quando a gente vai vendo. Assim, a doença ela existe, ela mata, a gente sabe disso, mas a gente sabe que no começo ela assustou muito mais porque a gente não sabia todas reações. Hoje ela assusta, mas já não assusta tanto se você tomar os devidos cuidados. Eu tenho a rotina de casa, saio de casa para o trabalho, tento me proteger o máximo que eu posso, principalmente no trabalho, porque você lida com diversas pessoas durante oito horas por dia, você conversa com várias pessoas, você lida com várias pessoas. Brasileiro ele ainda tem aquele certo receio de usar a máscara, não tem aquela aderência total de usar a máscara, por mais que seja lei, e muitas falam "ah, eu não vou pegar isso", aquilo outro, mas é uma rotina difícil, é uma rotina mais preocupante. Mas você fica se policiando mais, tomando conta mais das coisas que está tocando, do que você está fazendo, tendo muito mais cuidado na higienização, no tudo. Eu por exemplo sou maníaca do álcool. Eu usei, se eu levantei, fui em algum lugar, eu volto, limpo tudo de novo para usar outra vez mesmo sabendo que só eu toquei ali. Eu tento me manter o mais regrada possível para não levar nada em casa, porque na nossa família duas pessoas tiveram a covid. Minha irmã caçula teve a covid na época... Logo depois do Carnaval, quando não se falava em covid, mas depois ela teve todos os sintomas, ela ficou internada, depois quando começou a se falar em covid a infectologista falou que realmente ela teve a covid e ela teve num estágio que foi um pouquinho forte, ela não precisou do respirador, mas ela não conseguia respirar, ela não conseguia andar. A minha outra irmã, mais nova do que eu, também teve agora há pouco tempo, tem uns três meses, ela também teve sintoma de covid, e ela tem pressão alta, ela é obesa, a gente ficou super preocupada, mas também ninguém podia ir para lá para cuidar dela, para chegar perto dela, porque se ela realmente tivesse com os sintomas a gente podia afetar a minha mãe que também tem pressão alta, que também tem os problemas todos. E eu evito muito, apesar da minha mãe morar em cima da minha casa, eu evito muito contato com a minha mãe. Minha mãe anda no carro de Uber, que ela anda no banco de trás, apesar de ela ser teimosa e vir no banco da frente as vezes, eu prefiro que ela ande no banco de trás, e todo o cuidado é redobrado, porque a gente precisa realmente se cuidar com tudo isso. Meu filho... Ele desde que começou a pandemia ele não saia de casa, ele saiu de casa um outro dia para andar de bicicleta, porque também precisa de um pouquinho de vitamina D. E fica... Maior parte do tempo a gente fica preso dentro de casa, só eu mesmo saio para trabalhar e a gente tenta ficar se cuidando, preso dentro de casa, para não acontecer nada. E também a gente não ser um transmissor, ter a doença assintomática e poder prejudicar outras pessoas.
P/1 - Você citou na entrevista que agora que seu filho já tá grande, que sua vida vai mudar, eu queria saber quais são os seus sonhos para o futuro.
R - Meus sonhos... Eu li um livro que ele fala... O título do livro é assim: "Se a vida é um jogo, aqui estão as regras". Eu não lembro o autor desse livro agora, mas eu li esse livro e ele assim... Ele abre a tua mente, ele te mostra que você é capaz de fazer um monte de coisa. E ele fala num determinado... Autor e autora, que é um casal, ele fala num determinado momento que você tem que ter, não importa qual a altura da vida que você tá, você tem que ter uma lista de desejos e de realizações. Aí eu pensei "Caramba, eu tinha que ter minha lista, né?", eu tinha que fazer minha lista. Eu abri mão de um monte de coisa, eu abri mão de viver, eu preciso de uma lista dessa. Aí eu coloquei lá na minha lista, um dos meus... Umas das coisas da minha lista já foi, que era começar a viajar e não ter que... Tipo assim, o Renato não quer ir? Ele não quer ir... Eu vou, ele não quer ir problema dele, deixa ele em casa, eu quero conhecer os outros lugares. Eu queria levar ele para conhecer lugares. Eu levei ele para conhecer lugares, mas chegou um determinado movimento que ele não quer mais passear com a mãe. Também, que adolescente que quer ficar com a mãe ali o tempo inteiro, né? E aí eu comecei a viajar sozinha e sozinha mesmo, sabe? Eu pegava esses pacotes e ia viajar sozinha. E eu comecei a descobrir prazer nisso, porque você não viaja sozinha, você acha que viaja sozinha, e em um desses momentos ela fala no livro que você vai, compra um pacote e você acha que você viaja sozinha, mas você não viaja. Você tá ganhando amigos. E aí eu comecei a passear sozinha. Fui para Minas, fui para... Aproveitei umas cidades de Minas, "sozinha", entre aspas, conheci pessoas, me diverti, aproveitei e comecei a fazer isso de uns três anos para cá. E eu coloquei lá na minha lista de objetivos. E agora Toda vez que eu saio de férias ou toda vez que eu tenho uma folga grande que comporta, que tem alguma dessas excursões de finais de semana, eu vou. Vou aproveitar a vida, vou me divertir. Aí chego em casa contando, falando, aí você troca telefone, você conhece a pessoa de outro lugar, de outra cidade, de outro estado, e é bem legal essa integração. Foi uma das coisas que eu quis fazer por mim, porque eu precisava recuperar um pouco de mim, precisava recuperar um pouco da alegria que eu tinha. Não que criar meu filho tenha sido algo desprazeroso, mas eu precisava das minhas alegrias de volta. Aí eu comecei a fazer isso, comecei a passear numa vida noturna que, digamos assim, como eu casei muito cedo eu não conhecia tanto essa vida noturna. Às vezes amiga chama, "Ah, vamos no barzinho?", "Ah, vamos". Eu não bebo, mas eu vou lá, eu tomo suco, tomo um refrigerante, e eu comecei a me sentir bem, sabe? Ir lá, ouvir uma música, aí eu comecei fazer minha lista de desejos. Na minha lista de desejos tem: Colocar um piercing. Pular de paraglider. Andar de balão, que eu vou realizar no ano que vem, andar de balão. Fazer uma tatuagem. E comecei a colocar coisas lá e comecei a seguir as metas para fazer. E disso tudo eu já comecei a realizar algumas e me sinto muito feliz. É como se eu buscasse aquela alegria perdida lá atrás e me fizesse feliz de novo, sabe? É bom demais. E tudo bem que eu não posso ser adolescente de novo, eu não posso ter meus 25 anos de novo, mas eu posso viver. E a gente vive... Assim, tem uma frase que eu digo que viver é muito mais que respirar. Viver é sentir o prazer de ter a vida ali na sua mão e você poder fazer o que quiser dela. E essas alegrias eu tô dando para mim mesma agora.
P/1 - Muito bom. Eu queria saber quais foram os maiores aprendizados que você tirou da sua trajetória profissional.
R - Da minha trajetória profissional... Eu tirei um aprendizado de que ninguém pode diminuir, eu sou capaz, eu posso chegar lá, é só eu ter força de vontade e foco e buscar as oportunidades. Eu aprendi muito, eu tomei muitos tombos, eu descobri que alguns objetivos que eu também já para poder fazer, como o curso da faculdade, logística eu era a única mulher na sala, só estava rodeada de homens e eles diziam que logística não era uma coisa para mulher. E eu fui buscando, buscando esse aprendizado, não deixei me diminuir, na faculdade eu tive dois amigos, o Rodrigues e o Binho, que eles me ajudaram bastante, eles não me deixavam... Eu não deixava ninguém me diminuir, eu ia lá e buscava as oportunidades, eu tinha as melhores notas, menos em matemática, porque logística engloba mais a matemática e eu não tinha, eu tinha que buscar mesmo na raça o aprendizado e eu fui buscando o meu espaço, não deixei nada nem ninguém me diminuir. Eu queria, eu fui atras, eu fui fazer e eu fui buscar o meu espaço de realização. Hoje profissionalmente eu não sou totalmente realizada, eu quero mais desafios. Eu acho que eu ainda tenho tempo para realizar mais coisas e para ter mais desafios. Então eu ainda tenho alguns objetivos, sabe? Eu ainda tenho alguns objetivos que eu pretendo buscar. Não agora, não no momento, mas que eu pretendo ainda algumas qualificações maiores.
P/1 - Considerando que uma empreendedora é uma pessoa que propõe uma inovação no ambiente que ela trabalha também, você se considera uma mulher empreendedora?
R - Sim. Me considero porque eu busco o meu espaço, eu tento me... Tento fazer o meu empreendedorismo dentro daquele espaço que eu tenho. E o empreendedor ele vai buscando as oportunidades, vai achando seu espaço e vai mostrando sua capacidade.
P/1 - E quais os valores pessoais definem a sua trajetória como uma mulher empreendedora?
R - Eficiência. Persistência. E determinação.
P/1 - E o que o Porto de Santos significa na sua vida?
R - O Porto de Santos ele entrou na minha vida e se tornou a minha vida. Porto de Santos ele é a minha casa, ele é onde eu dou o melhor de mim, é de onde eu tiro e proporciono tudo que eu tenho hoje. O Porto de Santos ele é como se fosse a minha segunda família. Eu me sinto bem, eu me sinto acolhida, eu me sinto protegida.
P/1 - Tem algum momento da sua trajetória de vida que você queira contar e não deu pra gente perguntar, que ficou? Que você queira registrar na sua história?
R - Acho que eu contei tudo, né? Eu chorei, eu me emocionei. E algo que eu me lembre... Acho que eu falei tudo pra vocês.
P/1 - E o que você achou desse projeto de mulheres empreendedoras contarem a sua história?
R - Quando você falou a primeira vez comigo, que ia trazer as mulheres empreendedoras do Porto, eu adorei. Porque assim, foram poucas vezes que se ouviram falar das mulheres no Porto. Eu, particularmente, eu já tive um pouco mais de oportunidade porque quando eu trabalhava na Libra Terminais eu fui capa da revista Época, fui capa de um jornal, a Tribuna, que é um jornal aqui da baixada, fiz vários folders pra empresa e as vezes o cliente ia lá visitar e eles agendavam o cliente no horário que eu estava trabalhando para mostrar que realmente, aquela mulher que estava na capa do folder ela trabalhava lá e ela fazia aquele trabalho. E poucas de nós tivemos essa oportunidade, de mostrar quem somos, o que somos e para que viemos. Quando você falou do projeto, e aí depois eu falei com o Bruno, o Bruno contou muito mais do projeto, eu achei muito interessante, achei que vocês estavam dando voz a uma minoria, porque nós ainda somos uma minoria no Porto. Vocês estavam dando voz a uma minoria a mostrar seu ambiente de trabalho, a mostrar o ser humano que você é e mostrar que você está lá tentando fazer a diferença, e que uma hora você vai ser essa diferença. Uma hora você vai ver lá e vai ter várias funções, a maioria com mulheres. Tem alguns lugares que ainda a mulher não chegou, mas ela tá chegando lá. Antigamente você não via uma mulher no equipamento, hoje você já vê. E ela foi lá buscando seu espaço e agora ela está aqui, aberta para poder mostrar que ela chegou e que ela veio para mostrar que é capaz. O Bruno me falou que hoje de manhã já teve uma aqui falando, que amanhã tem mais gente, e eu achei muito legal.
P/1 - E você o que achou de contar a sua história particular?
R - A minha história particular... A minha história particular é uma história de lembranças, é uma história de vida que de certa forma ela doeu muito. E contar ela me fez relembrar várias fases, várias etapas que eu passei, várias alegrias, várias tristezas, que muitas vezes eu conto dentro de casa para relembrar, e agora ter a oportunidade de contar assim, pra pessoas que não são da família, para pessoas que querem ouvir tua trajetória, é bem gratificante. Eu não vim de um berço, eu não vim de uma infância rica, eu vim de uma infância difícil. Eu vim de uma situação de um óbito na família onde a gente perdeu muita coisa, eu vim de dificuldades, eu passei necessidade e eu sobrevivi. E a gente tinha sempre alguém do lado da gente dizendo "isso vai passar". E a gente leva aquilo para a nossa trajetória de vida como ensinamento a vida toda. De que você quer buscar mais e mais crescimento e conhecimento para não ter que passar tudo aquilo de novo. Eu queria contar ainda uma parte da minha vida, não sei se você vai conseguir encaixar, que ela é sobre o meu filho e a minha avó. Minha avó ela... Eu falei pra você que eu fui criada por ela, né? E aí um determinado momento da vida a gente sabe que a velhice chega. Minha avó começou a ter momentos de Alzheimer, ela esquecia as coisas e tudo mais. E justamente nesses momentos de Alzheimer foi quando eu voltei para casa da minha mãe, grávida, porque eu não podia ficar sozinha. E aí a minha avó chegava e ela lembrava de mim, ela não lembrava dos outros netos, mas ela lembrava de mim. Aí ela falava assim para mim: "Tá vendo? Esse aí é meu bisneto, eu tô morrendo, mas eu só vou morrer depois que ele nascer porque você está realizando o que minhas filhas não quiseram, você vai me dar um bisneto homem. Elas demoraram para me dar um neto homem, e você vai me dar um bisneto homem". E a minha avó nesses momentos de lucidez ela sempre falava comigo, ela sempre me reconhecia. Ela não reconhecia a minha mãe, ela não reconhecia minha irmã, meu irmão, mas ela me via e ela me reconhecia. E eu fui para o hospital, meu filho nasceu dia 7 de maio... Dia 9 de maio foi dia... Meu filho nasceu numa segunda feira, sete de maio, no outro domingo foi o dia das mães. Minha avó teve o maior momento de lucidez de toda a doença. Ela se sentou à mesa, ela reconheceu todo mundo, ela falou com todo mundo, ela pegou bisneto dela, ela falou para minha mãe: "olha, ela me deu um bisneto homem, tudo que eu queria". Aí minha mãe brincou, a gente almoçou o almoço de Dia das Mães, aí a vó foi deitar de novo. Aí ela deitou e ela falou assim para mim: "Rose, vem cá", aí eu fui e ela falou assim para mim: "Hoje é o dia mais feliz da minha vida. Mais tarde eu vou embora, mas eu vou embora feliz porque eu conheci meu bisneto. Eu falei para você que eu ia ficar aqui até conhecer meu bisneto". Duas horas depois ela deu o último suspiro na minha frente. (choro) Foram as duas maiores perdas da minha vida. Meu vô e minha vó. Eu não senti quando o meu pai morreu, mas quando os dois foram embora... Meu vô foi embora eu tinha dez anos, minha vó foi embora eu tinha vinte e sete anos. E ela foi embora dizendo pra mim que eu dei a maior alegria da vida dela. Isso foi maravilhoso. Disso tudo, foi daí que eu ganhei mais força e decidi fazer tudo que eu tinha que fazer na vida e bem feito. Então essa mudança que eu fiz, esse âmbito de Porto, muitas vezes não me assustou porque eu buscava forças no meu eu interior, porque eu tive uma família forte por trás. É isso.
P/1 - Muito obrigada, Rose. Eu amei ouvir a sua história.
R - Eu assisti algumas histórias lá porque eu passei ali pelo museu, estava trabalhando não tinha... Estava calmo. Aí eu olhei lá, vi, falei... Nossa, vocês realmente tocam fundo as pessoas, né? É muito bom ver aquilo tudo. E bem legal ver ideia de museu da pessoa.
P/1 - Eu adoro ficar ouvindo aqui, a gente mergulha na vida da pessoa. Vocês entram como desconhecidos e a gente sai sabendo quase tudo, né? Assim, é uma seleção, lógico, mas é muito interessante, eu me emociono, eu adoro ouvir histórias de vida. Eu amei mesmo, de verdade. Adorei de conhecer e você vai agregar muito para o projeto. Tem uma história empreendedora incrível, a sua atuação no seu trabalho muito boa, a sua firmeza e o seu auto astral. Em todos os momentos você transforma pra um auto astral que é incrível, uma capacidade que tem que adquirir ao longo da vida.
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