Entrevista de Davina Glovaski
Entrevistada por Danilo/Daniela
14/04/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número FUNAS_HV002
Transcrito por Aponte
00:00
P/1 - Davina, muito bom dia!
R - Bom dia!
00:13
P/1 - Bom dia, inicialmente eu gostaria de agradecer em nome de Furnas e do Museu da Pessoa por vir aqui dar sua entrevista de história de vida, muito obrigado! Davina, antes, também para a nossa identificação do vídeo, eu queria que você falasse seu nome completo, o local e a data do seu nascimento?
R - Meu nome é Davina de Campos Glovaski, eu nasci em Guarapuava no Paraná, é uma cidade fica perto daqui de Ivaiporã, onde eu trabalho, eu nasci em maio de 74.
00:59
P/1 - Antes de chegar na sua história mesmo, vou perguntar um pouco sobre a história da sua família, você conheceu seus avós? Você sabe a história dos seus avós paternos, maternos? Conta um pouquinho para gente essa trajetória familiar.
R - Sim, eu conheço a história dos meus avós, e uma da minha avó, a mãe da minha mãe, que se chama Davina, mora com a minha mãe. Os pais do meu pai já faleceram há muitos anos, mas o meu avô, o pai do meu pai, nasceu na Ucrânia e veio para o Brasil porque ele ia ser padre, e ele veio para o Brasil conheceu minha avó, que era uma viúva com seis filhos já, e abandonou a batina para ficar com ela, e daí eles tiveram mais oito filhos, aí o meu pai é o penúltimo. Da minha mãe, meu avô, os pais dele eram italianos, e a minha avó, os pais dela espanhóis, e moravam no interior, no sítio, meu avô era 20 anos mais velho que a minha avó, minha avó Davina né, ele também já faleceu há muitos anos e depois disso a minha avó foi morar com a minha mãe, e eles são em, ela tem 10 filhos, então a família é aquela coisa, muita gente, e quando reúne só a família é no mínimo 100 pessoas, é uma loucura.
02:56
P/1 - Casamento então nossa, a lista de convidados é só família?
R - Nem dá para chamar todo mundo.
03:09
P/1 - Você sabe os motivos que os fizeram vir para o Brasil, assim, por exemplo, o avô que era padre, por que ele veio para cá, ele conheceu a esposa aqui, a sua avó né, mas por que ele veio para cá? Da parte dos Italianos, por que eles vieram para cá? Você sabe da onde que eles partiram? De quais cidades eles eram?
R - Isso eu não tenho conhecimento, eu só sei que eles vieram basicamente fugindo da guerra, mas como eu tive pouco contato com meu avô, eu não tenho esse conhecimento, e até pelo fato dele morar no interior, não se preocupar com essa questão de árvore genealógica, então eles não passaram isso para gente, então infelizmente não tenho conhecimento, não tive a oportunidade de sugar informações boas deles, infelizmente.
04:09
P/1 - Entendi.
R - Eles nem contou a respeito, nem falam.
04:18
P/1 - Talvez seja esse contexto de guerra mesmo, né. Você não sabe nem um ano que eles vieram parar aqui?
R - Só sei o pai do meu pai, que foi no início do século passado, antes de 1910 por aí.
04:39
P/1 - Entendi daquelas primeiras migrações quase.
R - Isso, da primeira guerra.
04:47
P/1 - Primeira Guerra. Me conta um pouco sobre seus pais, eu percebi que todos nasceram em família muito numerosas. Conta um pouco sobre eles, fala sobre o seu pai primeiro depois da sua mãe, por exemplo. Qual cidade, um pouco sobre eles, no que eles acabaram trabalhando, conta um pouco sobre eles?
R - Minha mãe é dona de casa e o sonho dela era ter uma família numerosa, mas infelizmente, nós somos só em dois irmãos, e a diferença de idade, eu sou a mais velha que o meu irmão, são nove anos e nesse meio tempo ela tentou engravidar, teve uma série de abortos e não conseguiu, então somos só nós dois, e eu não posso ter filhos, o meu irmão tem três. A família é pequena, relativamente pequena. O meu pai, ele tem uma microempresa de terraplanagem, eles têm retroescavadeira e um caminhão, meu irmão trabalha junto com ele. Ele já é aposentado, já tem 70 e poucos anos, ainda trabalha, acho que se parar de trabalhar ele morre, e o meu irmão trabalha com ele, a minha mãe é dona de casa. A gente é de família bem pobre, bem simples, e eu consegui fazer um curso superior só à pouco tempo, depois que já estava em Furnas, por questões financeiras mesmo, a vida sempre é difícil para quem vem de família pobre.
06:43
P/1 - Me conta um pouco, sua infância, como foi? Como foi o bairro em Guarapuava, conta um pouquinho desta sua fase da vida, assim, da infância?
R - Eu nasci numa casa, num sítio, na casa mesmo, porque naquela época era assim. Quando eu tinha, acho que uns 6 ou 7 anos, a gente veio morar para a cidade, a gente morou um ano em São Paulo, minha mãe não conseguiu se adaptar, e a gente foi para Guarapuava. Eu nasci no interior da região de Guarapuava, e a gente foi morar num bairro bem pobre, mas a minha infância foi muito feliz, apesar dos trancos e barrancos, das dificuldades financeiras, mas estrutura familiar boa, graças a Deus, muitos amigos, um bairro de gente simples que a gente brincava na rua, que todo mundo estava junto, ia para escola bando de criança junto, enfim. E depois, mais tarde, quando eu mudei para o ensino médio, sofri alguns bullying por conta do estado social mesmo, mas nada que atrapalhou uma infância muito feliz, graças a Deus.
08:09
P/1 - Uma infância em uma área rural você falou, é isso?
R - No início sim. Eu nasci num sítio, na casa, depois a gente foi morar em Guarapuava. Guarapuava é uma cidade de 200.000 habitantes.
8:24
P/1 – Entendi! Pensei que o sítio fazia parte de Guarapuava.
R – Não! O sítio é na região de Guarapuava, mas depois a gente foi morar na cidade.
8:35
P/1 – Daí muda tudo mesmo, né? Você ficou até qual idade no sitio?
R – Até uns 5, 6 anos. O primeiro ano eu estudei em uma escola do sítio e depois o segundo ano eu já estudei numa escola da cidade, então eu devia ter uns 7, 8 anos.
8:57
P/1 – Você se lembra da sua casa no sítio?
R – Lembro sim!
9:03
P/1 – Descreve para a gente, como que era?
R - Tinha um quarto, a cozinha era um ambiente só, era patente, não tinha banheiro, não tinha água encanada, não tinha luz, tinha que buscar água no poço, tomar banho naquele chuveiro furadinho assim, aquele que você botava água, sabe. Mas isso foi pouco tempo da minha vida, mas eu lembro bem disso. Assar pão naqueles fornos, sabe.
9:49
P/1 – Eu imagino que você lembra da casa que vocês foram depois dessa. Conta para gente como era?
R – Lembro! Era num bairro, terra na rua, a casa de madeira, depois o pai foi melhorando, foi construindo a casa, mas era um barraco no começo, um terreno bem grande, um lugar baixo, minha mãe mora até hoje lá. Meu irmão nasceu lá, tem quase 40 anos que ela mora na mesma casa, só que lógico, o bairro mudou totalmente, a cidade foi crescendo e o bairro que era afastado do centro, hoje é muito próximo do centro, tem hipermercado a 200, 300 metros da casa dela, tem Universidade, cresceu muito, mas na época era um bairro bem afastado, com o esgoto aberto, essas coisas. Ainda bem que foi evoluindo, e hoje é um lugar muito bom.
10:58
P/1 – Essa infância de brincadeira na rua que você comentou é nessa casa, nesse bairro?
R – Na mesma casa, algumas das minhas amizades, daquela época que a gente brincava quando era criança, são minhas amigas até hoje, porque as nossas mães moram na mesma rua. Mas a gente, a vida, um foi para uma cidade, outro foi para outra, mas a gente ainda tem contato, porque são as amigas de infância, que a gente ia para escola junto, brincava na rua, esse tipo de coisa é muito gostoso.
11:39
P/1 – Uma curiosidade minha, o bairro mudou muito, cresceu, urbanizado, hipermercado. As crianças continuam brincando na rua como era?
R - Não mais, meu sobrinho... O meu irmão mora numa casa ao lado da casa da minha mãe, ele já não sai para rua, infelizmente.
12:04
P/1 – Dessa parte da sua infância tem alguma história, algum fato que tenha sido marcante, que você gostaria de deixar registrado?
R - Ah não tem nada específico assim, essa questão de brincar na rua de bicicleta.
12:27
P/1 - Mas tem alguma situação que vocês aprontaram, ou que aconteceu alguma coisa, enfim pode ser tanto as coisas, falecimento de um parente ou pode ser, enfim coisa que tenha sido marcantes, alguma história que você tenha vivido nessa fase da infância ainda?
R - Nessa época a minha mãe... O que eu acho interessante é que mudou muito, como era a nossa formação, para atualmente, por exemplo, minha mãe tinha um mercadinho, aqueles armazéns de vila, que vende pão, que vende tudo, e daí ela trabalhava no mercadinho, meu pai trabalhava fora, em outra cidade, e aí esses serviços da casa, eu tinha 8, 9 anos, limpava a casa, fazia comida, fazia todas essas coisas, é era natural, era normal, isso acontecia com todas as minhas colegas, que tinha que fazer almoço em casa, ir para escola, voltar fazer almoço, fazer o serviço da casa, limpar e tal, para depois ir para rua brincar. E hoje eu vejo muito diferente as crianças, que eles não têm essa obrigação, para nós era normal e natural isso, ter que primeiro cuidar da casa, fazer o serviço, para depois ir para rua brincar, então isso eu lembro muito, quando eu vejo que as crianças de hoje em dia não tem essa responsabilidade, é estranho.
14:05
P/1 - Você fazia o seu próprio almoço para ir depois?
R - Não só o meu, almoço de todo mundo, o meu irmão cria os filhos dele assim, o meu sobrinho tem 12 anos, e é responsabilidade dele cortar a grama da casa e manter o jardim em ordem, e algumas pessoas condenam isso, então é muito estranho.
14:40
P/1 – Você passou a adolescência em Guarapuava também, me conta um pouco sobre essa fase do ensino médio, como que foi? Suas descobertas? Amigos, você falou um pouco do bullying, conta um pouco, esse período da adolescência, ensino médio?
R – O bairro que eu morava quando adolescente, era um bairro pobre, uma favela, não uma favela como a gente conhece no rio, mas é considerado favela, lá nos padrões do Sul. E o meu pai conseguiu que eu estudasse numa escola muito boa, uma escola de elite, então eu sofri muito bullying, porque a mãe comprava roupa uma vez por ano, tênis uma vez por ano e eu estudava com meninas, patricinhas como a gente chamava na época. Então é lógico que eu era deixado de lado muitas vezes, bom, não sei se isso afetou, acho que afetou de forma positiva, porque daí eu me obrigava a estudar muito mais do que os outros, porque dependia de estar bem na escola para conseguir ir para frente. Depois no ensino médio, daí eu já comecei a trabalhar, eu comecei a trabalhar acho que eu tinha 16, 17 anos, então é muito novo, eu ainda fazia o ensino médio quando comecei a trabalhar. Então era bem corrido, porque eu fazia curso de manhã, trabalhava no período da tarde e estudava a noite, então eu saia de casa de manhã e só voltava à noite, comia na rua, levava uma marmita, esse tipo de coisa. Na escola do ensino médio foi tranquilo, porque daí eu fui estudar num colégio onde todo mundo trabalhava, todo mundo estava mais ou menos no mesmo nível, então foi uma época, voltou a ser uma época muito feliz, com muitos amigos que eu tenho contato com a maioria deles até hoje também, cada um seguiu sua vida, mas a gente ainda mantém contato, foi uma época puxada, mas muito divertida. Guarapuava na época era uma cidade de 150 mil habitantes, então tinha muita coisa para uma adolescente fazer, tinha passeio e eu sempre gostei muito de esporte radical, então já fazia rapel naquela época, saltei de paraquedas, fiz muita loucura para deixar minha mãe doida e tudo mais ou menos nessa época.
17:33
P/1 – Qual foi o seu primeiro emprego, você trabalhava no que? Conta um pouquinho para a gente.
R - Essa questão do bullying, 30, 40 anos atrás, não era trabalhado, como hoje, então para nós era normal, era aquilo, e a gente convivia com isso, sem muitos traumas. Mas aí depois eu comecei a trabalhar, trabalhei num escritório de advocacia, escritório de contabilidade, que naquela época a gente fazia estágio, então você estudava e fazia estágio. Aí quando eu tinha acho que 18, 19 anos eu fiz um curso, na época era auxiliar de enfermagem, hoje é técnico, mas na época era auxiliar, era um curso de um ano e pouco e eu comecei a trabalhar num hospital como enfermeira, auxiliar de enfermagem na verdade. Eu trabalhei três anos, quase quatro anos nesse hospital, aí eu passei no concurso da Polícia Militar, aí eu fui policial militar durante nove anos, acho, aí depois eu passei no concurso de Furnas, aí que vim trabalhar aqui.
19:24
P/1 – Você já trabalhava no hospital menor de idade como enfermeira?
R – Não, quando eu comecei a trabalhar no hospital eu tinha 18 já.
19:36
P/1 – Você já tinha terminado o ensino médio. Durante o ensino médio você trabalhou com o que?
R – Eu trabalhei em escritório de advocacia atendendo as pessoas, depois no escritório de contabilidade era preenchendo documentação, parte administrativa mesmo, eu trabalhei num clube de piscina, atendendo as pessoas também. Foi tanta coisa, mas era onde aparecia o estágio, porque no estágio você só podia trabalhar um ano no máximo, alguns estagiários era só seis meses, então aonde tinha está disponível a gente ia trabalhar.
20:25
P/1 – Esse dinheiro, você guardava para você, ajudava em casa? Você e seu irmão trabalhavam, como é que era?
R - Nessa época o meu irmão ainda era criança, porque são 9 anos, mas eu comprava eu comprava coisas para ele, em casa eu não lembro de ajudar, ajudava porque comprava uma coisinha ou outra no mercado, mas não tinha aquela obrigação. Então o dinheiro que eu ganhava era para mim, basicamente para mim e para o meu irmão. Aí comprava uns presentinhos para mãe, para o pai, esse tipo de coisa e para me manter, porque tinha que andar de o ônibus, basicamente para me manter.
21:28
P/1 - Você falou de esportes radicais, que desde essa época você já gostava de fazer, Guarapuava tem isso, é cultural da cidade? Como é que você foi se envolver com rapel, com os esportes radicais?
R - Hoje em dia tem o pessoal que faz, porque esses malucos têm em todo lugar, mas na época, por conta de amigos que gostavam das mesmas coisas, mas a gente ia para outras cidades, tem canyons ali próximo na região, não em Guarapuava, mas é uma região que tem alguns canyons, tem muita cachoeira, então a gente ia nas cidadezinhas próximas para fazer, mas era um grupo de amigos que gostava e a gente fazia, fazia trilha atrás de cachoeira, esse tipo de coisa. Mas foi um grupo de amigos que gostava das mesmas coisas, que a gente acabou fazendo, daí um desses meus amigos mais tarde virou instrutor de rapel, de vez em quando ele chamava a gente, só que naquela época mulher fazer isso não era muito comum, então quando tinha alguma mulher no grupo, ele chamava para ajudar da instrução, alguma coisa assim, mas basicamente era um grupo de amigos que fazia isso meio por conta.
22:48
P/1 – Depois terminado o ensino médio você fez cursos técnicos de enfermagem. Conta alguma situação que tenha sido emocionante, marcante nessa época?
R – Nossa, no hospital tem muito, hospital tem muito, porque você convive com o momento de dor das pessoas e isso é muito marcante, eu lembro de pessoas que ficaram internadas por meses e quando eles faleceram você sofre como se fosse alguém intimo teu, eu lembro também, que eu comecei a trabalhar no hospital eu era muito nova eu tinha 18, foi um pouco antes de completar 19, e tinha algumas situações assim que as pessoas não confiava em mim, alguns preconceitos, pediam para virar outra enfermeira e eu lembro de algumas situações. Eu comecei a trabalhar no SUS, que é atendimento de enfermaria, mas eu trabalhei muito pouco tempo, aí depois eles me passaram para trabalhar no particular, só tinha apartamento, pessoal de convênio, eu não sei, eu imagino que eu era alta magra na época, eu imagino que era por conta disso, por conta de aparência que eles me colocaram para trabalhar com o pessoal que tinha mais dinheiro. E daí passava por algumas situações muito ruins, porque na enfermaria as pessoas têm o coração mais aberto, te acolhem melhor, e valoriza o teu trabalho de uma maneira melhor, já no particular, lógico, tem exceções para tudo, mas no geral era um pouco pior. Mas ainda bem que eu fiquei pouco tempo, depois que fui trabalhar num tomógrafo e fiquei muitos anos fazendo tomografia, esse hospital comprou um tomógrafo e eu fiquei muitos anos trabalhando na tomografia, até sair do hospital ainda trabalhava com tomógrafo. O próprio hospital que deu o curso de formação para que a gente trabalhasse com isso, daí colocou eu e uma outra menina, porque era uma novidade na cidade, foi o primeiro tomógrafo na da cidade, aí eles pegaram eu e uma outra menina, deram curso para nós e colocaram a gente para trabalhar ali.
25:32
P/1 – Que ano que foi mais ou menos isso?
R – 92, 91 por aí. Não, 93 eu entrei no hospital, foi em 94, 95 por aí.
25:49
P/1 – Teve situações de você estar lá e atender pessoas conhecidas, ou alguma situação de emergência? Tem alguma história que te marcou?
R - Tem sim! Eu atendi amigos, e atende um amigo que tinha um tumor no cérebro, depois ele faleceu, fiz o exame dele, foi bem pesado. Eu pensava muito em mudar de setor, porque era realmente a carga emocional de quem trabalha num hospital é muito pesada e mexe muito com você, então eu sempre quis sair do hospital por conta disso.
26:53
P/1 - E daí você deu uma guinada, foi para polícia militar, é isso? Por que Polícia Militar, da onde saiu essa história?
R – Então, isso foi em 99, tinham poucas mulheres na polícia naquela época, no Paraná só tinha em Curitiba e Londrina eu acho, e a minha turma foi à terceira turma de policiais feminina. Então era uma novidade. Eu tinha uma amiga, que é minha melhor amiga até hoje, que ela queria muito entrar, e daí eu tinha um Fusca e o Batalhão onde tinha que levar a documentação para fazer inscrição, era muito longe, era tipo uns 15 km da nossa casa, não tinha ônibus, era longe da cidade. E daí ela queria carona, e daí ela ficou, “você vai lá me levar”, falei: beleza! Daí ela falou: então, já que você vai me levar, então porque você não leva toda a documentação e faz a inscrição também. Falei: então vamos, vamos ver qual é! E daí acabou que eu fiz a inscrição, nós duas passamos, ela reprovou no teste físico, porque ela tem problema no joelho, e daí eu passei meio no, oba, oba e acabei indo. Não tinha muita ideia onde que eu estava me metendo, mas acabei sendo policial por 9 anos, e gostava.
28:23
P/1 – Conta um pouquinho como foi esse concurso? Como foi o primeiro dia primeiro na academia, conta para a gente?
R - Naquela época... Não sei como está agora, mas era uma prova escrita, aí depois que você passava na prova escrita, daí você tinha que fazer uma bateria de exames médicos e depois teste físico, na prova escrita eu já achei que tinha reprovado, porque eu achei a prova difícil, eu lembro que eu estava lá fora, esperando a minha amiga, passou uma outra guria, que não estava comigo, e falou assim: nossa! Falou para a amiga dela que estava do meu lado, “nossa, moleza nessa prova, estou dentro!” Eu pensei, “nossa, me ferrei”, porque eu achei difícil, a guria falou que foi moleza, tá bom, daí fui chamada, eu e minha amiga passamos, e eu gravei o rosto da menina, fiquei olhando e ela não passou. Aí fizemos o teste físico da Polícia, na época tinha que fazer barra, flexão, corrida 100m, que era velocidade, eu acho que a corrida de distância era 2400m em 12 minutos, isso que reprovava muita gente, barra também, flexão de braço também reprovava, enfim, a gente passou e me chamaram.
28:45
P/1 – Você treinou para essa prova? Você fez um treino específico para correr 2400 em 12, é isso? Como você se preparou?
R - Na verdade eu já fazia atividade física, eu sempre gostei, desde a época da escola, então eu já corria na rua, então para mim foi mais tranquilo sim, o preparo. Eu fazia musculação na época que mulher não fazia musculação, que na academia só tinha eu e a esposa do dono da academia, eu ia no horário meio escondidinho, porque eu tinha vergonha de contar que eu ia na academia, hoje em dia, toda mulher faz, é uma coisa banal, mas a 30 anos atrás era meio que vergonha, eu não contava que eu fazia musculação, na época era muito magricela, eu queria aumentar e fazia musculação numa época que as mulheres não faziam. Então para mim a parte física foi um pouco mais tranquila, porque eu já fazia atividade.
30:53
P/1 - Eu estou vendo que você é precursora de algumas coisas. Me descreve como foi o primeiro dia na academia?
R - A gente estava bem, não só eu, todas as meninas bem assustada, porque era uma novidade, e as pessoas ficavam olhando para a gente na rua, e no próprio Batalhão eles... A ideia era que entrava policiais femininas para ir atender o telefone e fazer o serviço administrativo, não tinha essa ideia de colocar a gente na rua. Mas eu sempre quis trabalhar na rua, como policial, então foram brigas constantes, não só minha, eu e de algumas outras colegas. Levou um tempo para que o pessoal quisesse a gente trabalhar na rua, a gente precisou bater de frente, brigar com algumas pessoas para conseguir trabalhar. Só que também, tem que ser realista, porque era minoria que queria trabalhar na rua, a gente brinca, quer trabalhar como polícia. A maioria das meninas que entraram, já entraram com a intenção realmente de atender telefone, de trabalhar no administrativo. Mas a meia dúzia de doida que queria trabalhar na rua brigou de frente, e eu trabalhei muitos anos na rua, atendendo ocorrência, no começo eles puseram a gente em patrulha escolar, aí depois na rádio patrulha, eu trabalhei na Rotam um tempo, trabalhei maior parte do tempo na rua mesmo, atendendo ocorrência, isso da um livro viu.
32:44
P/1 – Conta uma ocorrência, por favor!
R – A maior rotina nossa era briga de casal, bêbado, essas coisas, mas de vez em quando aconteciam umas coisas assim... A situação que mais me marcou, lá tem uma delegacia e tem presos nessa delegacia, e tinham dois irmãos, vamos dizer, que eram bem bandidos e eles estavam lá nessa delegacia, e daí os outros dois irmãos que estavam soltos, reuniram uma galera para ir tentar invadir a delegacia, soltar os irmãos deles. E nessa época eu trabalhava na rádio patrulha, eu não trabalhava na Rotam, e eu estava trabalhando com o Custódio, um colega meu e a gente estava relativamente perto da delegacia, e quando eles... Assim, os caras entraram na delegacia, tentaram invadir, o policial que estava lá, o policial civil, ele fechou as portas quando viu que o pessoal estava tentando invadir, mas mesmo assim dois caras pularam e entraram em luta corporal com ele e tinha uma policial feminina civil, que estava junto com ele, que ela foi correu para outra sala e ligou para o 190, e falou que estavam tentando invadir a delegacia, tinha acho que uns 4, 5 carros em volta da delegacia, o pessoal armado, só que só dois conseguiram entrar na sala Polícia Civil, os outros ficaram em volta. E daí ela ligou para o 190, e daí nós estava andando na viatura e eles passaram rádio para o pessoal da Rotam ir lá, só que o pessoal da Rotam estava do outro lado da cidade, daí eu lembro que a gente só escutou assim, eu falei para o meu amigo: vamos! Ele: demorou! E a gente foi, e nós fomos os primeiros a chegar lá, só que quando os caras viram a viatura chegando, os carros que estavam na frente, eles fugiram. E ai a gente entrou, e daí o cara que estava lá dentro em luta corporal com o policial civil, ele foi um dos últimos a fugir, então praticamente largaram os dois lá, e correram com os carros, e a gente deixou que os carros corressem e foi até a parte interna da delegacia para ver o que estava acontecendo. E dai nisso, um dos caras estava correndo com uma pistola na mão, e a reação foi correr atrás, e para, para, polícia, polícia, e o cara parou e virou para o meu lado e descarregou a pistola em mim e acertou no meu colete, só que graças a Deus, a gente derrubou ele antes, e daí nesse meio tempo a hora que ele caiu lá, e a gente foi ver se ele estava vivo ou morto, daí chegou o Rotam. Daí o sargento da Rotam perguntou pra nós, e a gente falou: tem um outro cara lá dentro. Daí que a Rotam foi lá, daí o policial civil que estava lá, já tinha dado um tiro e levado um tiro do outro cara que estava lá. E o pessoal da Rotam chegou, aí depois as outras viaturas foram atrás, e daí eu e o rapaz prendemos esse que a gente deu o tiro, ele não morreu, a gente levou ele para o hospital e daí o outro estava atirado lá dentro, o pessoal da Rotam que pegou e eles não conseguiram invadir a delegacia e tudo. Mas foi uma situação muito tensa, porque nós estávamos chegando em dois policiais com uma pistola e sabia que tinha uns 4, 5 carros com os caras bem armado, ainda bem que os caras fugiram, porque se eles resolvessem atirar em nós, ia ser outra história que eu ia contar.
36:41
P/1 - Você falou que saiu do hospital que tinha uma carga emocional muito grande. E foi para o combate de rua, e a carga emocional na polícia?
R - Bem pesada também. Ninguém gosta de polícia, as pessoas não gostam de policiais, só quem já viveu e conviveu, sabe a realidade da polícia, eu acho que o morre. Então é a tua vida que está ali! E o pessoal fala que policial é muito agressivo, imagina, isso é a rotina da vida da gente, as pessoas te dar tiros. Teve amigos meus que estavam patrulhando e levaram tiro e morreram. Então é risco o tempo todo, você está indo trabalhar, mas não sabe se você vai voltar. Mas só que amizade que você tem na polícia é muito grande, porque você trabalha com pessoas que você sabe que a vida deles depende de você e a tua vida depende deles, então você cria um vínculo muito grande.
38:07
P/1 - Você tem uma situação de ajuda Comunitária? Essa foi uma história agressiva e desse acolhimento da sociedade, você tem uma?
R - As pessoas não sabem, mas tem muito mais história de acolhimento do que disso, tem situações, por exemplo, Guarapuava é uma cidade muito pequena, mas ela é muito espalhada, a gente estava patrulhando num bairro, que fica uns 15 km do centro, isso 3 horas da manhã, e a gente viu uma mulher na rua com bebê no colo, e a gente parou para ver o que estava acontecendo, porque ela estava na rua. E daí ela falou que o neném dela estava passando mal, que ela tinha ligado para ambulância e que não tinham mandado a ambulância, ela estava indo no posto, só que o posto ficava uns 15 km de onde ela estava. Aí a gente, óbvio, pegamos ela, levamos para o posto, ajudou, isso é rotina da polícia, acontece sempre. Teve outra situação que me marcou muito, que a gente foi chamada no mercado para atender uma situação de furto, a gente chegou lá tinha uma mulher com neném, uma criança pequena, chorando, porque a mulher entrou no mercado e estava roubando leite e bolacha, e a dona do mercado queria que a gente levasse a mulher presa e a mulher estava desesperada, porque ela não tinha o que comer. Aí a gente teve que ter todo um dialogo com a mulher do mercado, para convencer ela a não denunciar a mulher. E daí depois que a gente conversou com ela, a gente se comprometeu a levar a mulher para casa e tal. A gente não levou ela para casa, a gente colocou ela na viatura, catamos o que a gente tinha dinheiro no bolso, entregamos para ela e levamos ela num outro mercado lá perto da casa dela, “olha dona”. Isso não foi só comigo que aconteceu, isso acontecia com frequência, só que esse tipo de coisa as pessoas não ficam sabendo, mas é rotina também da polícia.
40:58
P/1 – Aqui, por exemplo, justamente pela segurança dos policiais, a pessoa trabalha longe de aonde mora, sempre vai à paisana. Você tinha que viver isso também, de ocultar que você era policial?
R – Não, porque Guarapuava tem 200 mil habitantes, então era uma cidade que tinha assalto, tinha muitas ocorrências, mas não a ponto das pessoas odiarem os policiais, a ponto de você ter que esconder que é polícia. Você tem que se proteger, porque casa de policial é muito visada, por conta de arma, então o pessoal sempre entra para tentar roubar, então a gente se protege, então a minha casa eu tinha cachorro bravo. Na época eu era casada com um policial também, então a gente tem essa questão de se proteger. Tem outra questão que eu demorei muito tempo para desacostumar, eu não ia muito em locais, com muitas pessoas, locais públicos, ia pouco e quando ia fica no canto, senta de costa para parede, você tá sempre ligado, porque você recebe a ameaça o tempo todo, sempre você escuta um, “aí eu te conheço, conheci sua família, fica esperto comigo”, e você tem que ficar, porque às vezes as ameaças, muitas vezes são só conversa, mas às vezes pode acontecer, então essa história que você tem que estar sempre armado, ficar apaisana, esconder sua arma e você esta sempre ligado, é uma constante na vida de quem é policia.
42:44
P/1 - Já chegou até a sua casa problemas de fora, ou nunca teve isso?
R - Com pai e mãe, não. Na época na minha casa tentaram entrar, tentaram entrar na minha casa, só que acharam que não tinha ninguém e a gente estava em casa e acabei dando tiro atrás de um cara, mas foi só. Só tentaram assaltar minha casa a gente imagina que é sempre para tentar pegar a arma.
43:22
P/1 – Me fala do seu casamento, quem foi, como conheceu, essa fase do seu casamento, conta um pouquinho?
R - O meu primeiro marido, ele era policial, eu conheci ele na polícia, a gente ficou casado sete anos e quando eu passei no concurso de Furnas, daí o casamento não se sustentou, eu tive que vir embora para outra cidade, e a gente acabou separando logo depois disso. Quando a gente se conheceu ele trabalhava na rua também, depois ele foi para polícia rodoviária, daí ele ficou um tempo na polícia rodoviária e eu trabalhava na rádio patrulha. É complicado você ser casado com policial e você ser policial, porque os turnos nossos, não tem final de semana, não é o horário normal das pessoas, então quando eu estava em casa, ele estava trabalhando, quando eu estava trabalhando, ele estava em casa, tipo festa de aniversário do sobrinho, sempre tinha um de nós dois fardados, porque depois da festinha tinha que ir trabalhar, mas a gente se dava muito bem.
44:44
P/1 - E ao mesmo tempo é mais fácil você casar com alguém da própria profissão, mais fácil dou outro entente também, não é?
R – Sim, claro, porque eu imagino que esses horários, meio doido que a gente tem, esses turnos meio complicado, a pessoa que trabalha no horário comercial tem mais dificuldade para entender, e assim um respeita o outro, e até mesmo quando acontece alguma situação complicada no trabalho, ele me entendia melhor e eu também entendia melhor ele, situações envolvendo outros policiais. Então você já conhece as pessoas que você convive, era o mesmo grupo de amigos, era mais fácil.
45:35
P/1 - Daí você comentou uma coisa importante, você prestou concurso para Furnas, correto? Passou... Daí você vai ter que explicar para gente, como policial, anos trabalhando com uma rotina que você gostava, casada com policial, como é que Furnas entra na sua vida?
R – Bom, justamente por isso, porque teve uma situação na polícia que fez eu repensar, se eu queria ficar lá ou não, teve uma situação de estupro na cidade, tinha um cara que ele estuprou várias meninas, e a faixa etária das meninas era de 8 a 10 anos, e daí eles escalaram eu e uma sargento mulher, a gente ia paisana, conversar com as famílias das meninas, para tentar pegar informações, para pegar esse cara, porque estava difícil de pegar. Então eu e a outra sargenta a gente foi conversou com todas as famílias, conversou com as meninas, então foi um trabalho de um mês e pouco, nesse meio tempo ele estuprou outra, aí a gente fez uma rede na cidade para tentar pegar, porque ele agia sempre na porta das escolas. Então a gente foi em todas as escolas, mostrou retrato-falado, orientou os professores e funcionários da escola, que caso visse alguém, não alarmasse, mas entrasse em contato com o 190. Ele foi numa escola, pegou uma menina, a professora ligou, a gente foi atrás com a viatura, pegou ele no mato com a menina, não tinha feito nada ainda. Eu trabalhei nisso dois meses, então foi uma carga emocional muito pesada e eu fiquei muito abalada, e foi ali que eu resolvi que eu não queria mais ser polícia. Aí eu comecei a procurar outras coisas para fazer. Daí foi que eu passei no concurso de Furnas e não pensei duas vezes, só que quando eu prestei o concurso eu não sabia que não tinha mulher, eu prestei para linha de transmissão, fazer manutenção nas torres, eu não sabia que não tinha mulher, no edital não falava nada sobre gênero. E daí eu prestei, depois que eu passei no concurso, daí que eu soube que eu era a primeira mulher, que não tinha outras.
48:09
P/1 – Prenderam esse cara felizmente.
R - Quando essa professora ligou e denunciou, aí foi encaminhado uma viatura, para o local onde normalmente ele levava, e daí uma viatura com os policiais masculinos chegaram lá, esse homem estava com uma menina. Daí ele foi preso, aí depois que ele foi preso, eu e a Sargento tivemos que pegar as outras vítimas e levar na delegacia para que elas fizessem reconhecimento. Eu imagino que esse cara deve ter sido estuprado na delegacia, porque a gente conta que ele foi preso por estupro e os outros presos ficam sabendo, e daí três dias depois que ele estava preso, ele se matou. Eram meninas de 10 anos, 11 anos, então foi...
49:15
P/1 – Horrível está história, realmente mudou sua vida. Qual que era o pré-requisito para você entrar em linhas de transmissão, porque você nunca tinha trabalhado nisso? R – Na época, quando eu entrei, em linha não existia curso técnico, porque Furnas dava formação, porque era para trabalhar em linha de transmissão e não existe um curso para isso, existe o curso técnico de eletrotécnica, mas nada específico para a linha de transmissão, são linhas de 750KV, então quem dá o curso de formação é Furnas, era, agora houve mudanças. Mas na época era Furnas, então não exigia curso técnico, ele pedia ensino médio completo, eu não vou lembrar exatamente os requisitos, mas você tinha que fazer um teste de altura, eles frisavam muito que você não podia ter medo de altura, e pra mim altura não era um problema, e aí eu atendia os requisitos e prestei o concurso, na época e passei.
50:32
P/1 - Aí você descobriu que você foi à primeira mulher a trabalhar em linha de transmissão de Furnas, alias do Brasil, eu imagino.
R - Eu não sei nas outras empresas, mas em Furnas sim, acho que do sistema Eletrobrás foi à primeira.
50:56
P/1 - Primeiro você passou por uma formação, é isso? Conta um pouquinho?
R – Vou começar falando que eu sofri preconceito, porque era uma área masculina, e as pessoas não achavam que mulher seria capaz de exercer a função. Então já na entrevista, porque depois de passar no teste físico, que era corrida também, você tinha que andar numa plataforma alta, depois de passar no teste físico, daí tinha uma entrevista e eu lembro que na entrevista, tinha uns quatro engenheiros fazendo perguntas, e um deles falou para mim assim: você sabe que você vai trabalhar no meio do mato, que as torres fica no meio do mato”? Eu me informei, eu me informei a respeito do trabalho eu estou sabendo, ele falou assim: você não tem medo de cobra? Eu falei: eu tenho, mas eu acho que todo mundo tem né. Olha a cabeça dele, enfim. Durante o curso formação, foram nove meses de formação, a gente teve a parte teórica em Passos, não é em Passos, é lá na usina de Furnas, mas a gente ficava em Passos, e depois a gente teve a parte prática, que é no campo, subindo na torre, fazendo manutenção, aprendendo a fazer manutenção mesmo. Durante o curso mesmo, eu lembro que a gente teve curso de direção defensiva e off-road, que é para aprender a pilotar o carro no mato, e o instrutor, quando chegou a minha vez de dirigir, ele me levou lá no aeroporto, na pista de avião, e pediu para o outro cara descer lá, e pediu para eu subir, e no carro ele mandou eu virar para direita, virar para esquerda, engatar a ré, seguir reto, porque ele queria saber se eu tinha domínio de volante. Eu fiquei muito revoltada, porque eu tinha dirigido viatura durante 5 anos, e ele achava que eu não sabia girar o volante do carro. Essas coisas você tem que respirar fundo e mostrar que você sabe fazer, porque a melhor coisa é você mostrar. Aí tá, durante o curso era engraçado, porque o pessoal, a gente acabou ficando muito amigo, os cara do curso me defendiam. Mas era assim, se tinha uma manobra para fazer, botava Davina primeiro, se a Davina desse conta, então os homens tinham obrigação de fazer. Foi puxado, porque é um serviço pesado, mas foi uma época muito divertida também, porque eram 3 cariocas, 3 paulistas, 3 paranaense e 3 mineiros, então você não tem noção, aquilo era uma torre de babel, o sotaque era muito diferente, os costumes eram muito diferentes. Foi uma época bem divertida e um aprendizado muito intenso.
54:34
P/1 – Imagino que foi uma surpresa para todo mundo ver uma mulher ali também né? Tinha banheiro para você, tinha um quarto? Ou era todo mundo junto? Como era esse tratamento no começo pelo menos?
R – Então, essa questão do banheiro... Tem que adaptar, porque como não tem mulher, tem que se adaptar com que tem depois o pessoal acaba criando. Mas isso para mim não pesou muito, porque na polícia também foi assim. Como a gente foi a primeira turma, por exemplo, voltando na polícia, quando eu trabalhava na Rotam, quando a gente saía para outra cidade, só tinha banheiro masculino nos batalhões. Aí todos os homens tinham que ir no banheiro, aí tinha que ficar um amigo meu na porta do banheiro para eu poder usar o banheiro. Então eu já estava mais ou menos acostumada, mas no tempo do curso de formação, a gente ficava num hotel, então eu ficava no meu quarto, normal, mas lá no curso, eles adaptaram um banheiro de funcionário, que era meio isolado lá, para eu usar, então lógico, enquanto os caras iam no banheiro aqui, eu tinha que ir lá no banheiro, mas isso para mim eu já estava acostumada. Então acho que o fato de eu ter sido policial, ajudou nisso, porque não pesou tanto eu ter que conviver com homens. A única coisa que no começo eu ainda estava com aquele espírito de polícia, então eu era uma pessoa muito agressiva em algumas respostas, por exemplo, uma vez que falaram para mim assim: você está fazendo curso aqui, os caras vão pagar ingresso para ver você subir na torre. Eu virei para o cara e falei assim: ah, vai perder dinheiro, porque ver eu subir na torre é igualzinho ver um homem subir. Uma resposta agressiva desnecessária, hoje eu não faria isso.
56:34
P/1 – E os assédios, caras querendo te beijar, coisas do tipo, você passou por isso?
R - Eu tive problema de assédio só no curso, no começo, quando eu entrei, com um cara mais... Eu tenho cara de brava, e eu acho que o fato de eu ter sido polícia, a gente acostuma com aquela cara meio fechada. Então ele veio com uma gracinha, dei uma resposta muito torta para ele e falei para ele se colocar no lugar dele, que eu não tinha dado aquele tipo de intimidade e tal. Depois dessa situação, todo mundo ficou sabendo, e a partir daí ninguém mais fez nenhuma gracinha, nada comigo. Então nunca tive problema de assédio, esse tipo não. O que eu tinha problema todo dia e até hoje eu tenho algumas situações, mas no começo era muito pior, que as pessoas não acreditavam que eu tinha capacidade de fazer o trabalho, porque o trabalho de manutenção é um trabalho pesado, só que fisicamente eu sou muito forte, fisicamente eu tenho muita força, então eu tinha aquele pensamento assim, eu tenho que fazer, porque como eu sou a primeira mulher, eu tenho obrigação de fazer, porque senão eles vão falar que mulher não pode fazer isso, e se eu fizer, depois mesmo que venham algumas mulheres que não consigam, aí vai ser a fulana de tal não conseguiu. Mas se eu não conseguisse seria, mulheres não conseguem fazer. Então eu tinha obrigação de provar que eu era capaz de fazer, então jogavam peça extremamente pesada na minha mão, eu quase morria, chegava à perna a tremer, mas ia e fazia. Instalava, porque a gente trabalha numa linha de 750, então os equipamentos são muito grandes, muito pesados, comparando com linha de 345 de 500. Então os equipamentos são muito maiores e muito mais pesados, tem chapa que você tem que instalar na ponta da torre que pesa 20 kg. Então você tem que segurar aqueles 20Kg e colocar lá na torre, isso o teu corpo preso num talisco de torre, então fisicamente você tem que ter força. E daí eu senti essa obrigação de executar atividade, porque daquilo dependia as outras mulheres que viriam depois.
59:18
P/1 – Eu imagino, assim, assédios morais de toda maneira. A todo o momento tendo que provar que você poderia fazer e fazer melhor inclusive.
R - Tem muita, tem muita história de assédio nesse sentido.
59:35
P/1 – Tem outra que tenha sido marcante, que você gostaria de registrar?
R – Tem bastante! Aqui em Ivaiporã, nessa região entre Foz e Ivaiporã, tem muito vento, então é bem comum cair torres, dá um vendaval, caem torres. Então aqui em Ivaiporã quando eu trabalhava em linhas, a gente deixava as torres pré-montadas já, deixava elas pré-montadas, que daí quando caiu uma torre, você erguia aquele pedaço pronto, colocava em cima do caminhão e levava lá. Você ganhava um dia de trabalho, então a gente fazia isso quando a gente estava aqui na subestação. Então a gente tinha habilidade, porque a gente montava muita peça de torre, e lá numa parte da torre, tem uma chapa que tem muitos detalhes, elas são várias chapas sobrepostas. Então mesmo com o desenho na mão é difícil de você entender. E a gente tinha sofrido para montar essa chapa aqui em Ivaiporã, só que a gente montou uma, montou várias. Então eu sabia montar aquilo, mesmo com o desenho sendo difícil, porque são peças sobrepostas, eu sabia fazer aquilo, e na emergência quando caiu uma torre, eles me puseram para trabalhar numa equipe que não era a minha equipe, então estava eu com os outros caras, e o cara que estava coordenando aquela equipe, tinha que montar a tal chapa, e ele estendeu o desenho, e falou: o pessoal, eu não estou entendendo aqui, vocês sabem como é que faz”? Eu cheguei nele, falei assim: ó, se coloca essa chapa, essa chapa. Eu expliquei para ele todo o procedimento, e estava uma roda assim, eu expliquei no meio da roda onde estava o papel. Ele ficou quieto, eu terminei de falar, ele ficou quieto olhando o papel, olhou para o outro cara, e falou assim: ó, o Flávio está ali, vai lá e pergunta pro Flávio como é que faz, que o Flávio e lá de Ivaiporã, ele sabe como faz. Só que eu era de Ivaiporã, eu trabalhava com o Flávio. Aí o cara foi lá, falou com o Flávio, o Flávio veio ali e repetiu tudo que eu tinha falado. Aí eu fiquei muito brava, muito brava, mas olha. Eu so levantei, “não vou brigar aqui, não”. Aí levantei, a hora que o Flávio voltou eu fui com o Flávio, e o Flávio: ué? Eu falei: eu não vou trabalhar com aqueles caras ali não, eu vou com vocês. Daí sai e fui trabalhar com a minha equipe, daí trabalhei normal, porque a minha equipe me conhecia, então eu não tinha problema com eles, o problema é quando eu saia para fora, que ia trabalhar com outras pessoas. E teve outra vez, que essa... A gente ia fazer a blindagem da subestação Itaberá, então era um trabalho que precisava de muitas pessoas, então eles estavam chamando pessoal de outros, para juntar muita gente e fazer rápido o trabalho. Porque se fosse só o pessoal da subestação ia demorar muito. Foi equipe daqui e era um trabalho assim, para 3 meses. E quando a gente foi... Aqui Ivaiporã, eu sempre trabalhava muito em cima da torre, tem um pessoal que trabalha em cima da torre e um que fica no chão. O que fica no chão, manda o equipamento para o que vai instalar lá em cima. Eu normalmente ficava em cima da Torre, eu me sentia melhor lá, quando eu fui para Itaberá, eles me escalaram no chão, na primeira semana, eu fui lá e reclamei com o supervisor, falei: olha, normalmente eu trabalho em cima da torre, tem como você me colocar em cima da torre? Ele: tá bom, vamos ver o que nós vamos fazer. Na outra semana Davina estava no chão de novo, daí eu já não fui reclamar para ele, que eu já sabia como funcionava, já fui para o superior dele, falei: olha, eu estou trabalhando no chão e eu não trabalho bem no chão, eu trabalho em cima da torre. Daí ele: veja bem, o trabalho em cima da torre é mais pesado. “Não, mas é onde eu trabalhado”. E daí a gente meio que discutiu, daí ele ligou para o meu supervisor e perguntou se eu realmente trabalhava em cima da torre, daí ele falou que sim, daí na terceira semana, trabalhava dois em cima da torre, eles puseram dois caras e eu para fazer o serviço. Só que o cara que estava em cima da Torre, era meu amigo, daí ele falou assim: ah, Davina, eles colocaram você aqui para assistir, então vai lá você e trabalha e eu fico assistindo. Daí eu trabalhei uma semana em cima da torre, daí eles viram eu trabalhar, daí na quarta semana eles me escalaram, eu e mais um cara em cima da torre, que era pra fazer o que eu fazia.
1:04:14
P/1 - Não é fácil né, teve que se colocar.
R - Isso sempre acontecia, acontecia assim, a posição do lado da torre é muito pesada, eu ia lá pegar a torre, vinha algum cara, “não, não, não deixa que eu levo para você. “Pô se eu estou ganhando o mesmo salário teu, eu vou fazer a mesma coisa que você, dá aqui que eu levo, ué”. Mais ou menos assim.
1:04:39
P/1 - Daqui a pouco eu vou pedir para você me explicar direitinho como que funciona isso. Eu só estou pegando algumas impressões um pouco anteriores. Você chegou de universo totalmente diferente, você estava na polícia, Guarapuava, você teve que mudar de cidade, correto?
R – Mudei
1:05:03
P/1 - Você foi morar na Vila de Furnas? Conta um pouco... A primeira vez que você viu uma usina, me conta um pouquinho, descreve para gente isso?
R - Não conhecia nada dessa área, então tudo que eu fiquei conhecendo foi depois que eu entrei em Furnas. Em Ivaiporã tem 30 mil habitantes, é uma cidade bem pequena, eu não conhecia ninguém, eu consegui me perder na cidade. Eu não sabia onde é que tinha mercado eu não sabia nada, fiquei os primeiros dias num hotel, depois eu achei uma casa de uma senhora que alugava quartos para morar, fiquei um mês na casa dela e depois eu fui alugar uma kitnet. Aí só meses depois que eu consegui uma casa aqui na vila, daí que eu vim morar. Mas foi bem difícil, eu vim sozinha para uma cidade eu não conhecia ninguém, e cidade pequena é assim, você para pedir informação, “onde é que fica uma padaria?” “Você sabe onde mora fulano de tal?” “Não!” Eu passei por assim... Eu não tinha lugar para cortar o meu cabelo, fazer minha unha, umas coisas básicas que eu tive que me adaptar, então foi bem difícil nesse sentido. E com relação a conhecer Usina, o máximo que eu conheci de Usina foi como turista, numa usina que tem lá perto de Guarapuava que eu fui, mas era tudo muito diferente. Eu lembro que a primeira vez que eu vi, quando você olha aquilo pela primeira vez, você acha muito bonito, você pensa, nossa isso é muito incrível, isso é muito legal, eu vou amar isso daqui. Porque é muito bonito, a usina de Furnas é muito bonita, tem equipamentos. Então eu ficava olhando para aquilo encantada, para aqueles equipamentos, nossa que eu vou amar isso daqui.
1:07:18
P/1 – E no âmbito pessoal você ainda estava casada, mudou para Ivaiporã e dai nisso foi degringolando por causa do distanciamento mesmo, e dos interesses, é isso?
R - Então fui para outra cidade. O nosso curso formação foi em Minas, então fiquei 9 meses, quase um ano lá em Minas. E daí longe, conseguia se ver uma vez por mês só. Na verdade acho que já não estava muito bom, se tivesse tudo bem ia continuar tudo bem. E daí essa situação contribuiu para que acabasse de uma vez.
1:08:00
P/1 – A formação era full time durante nove meses, é isso? Você tinha uma folga uma vez por mês para visitar a família? Saudade da família, saudade de Guarapuava?
R – Muita! Na verdade era assim, a gente tinha o final de semana livre, o sábado e domingo. Só que Guarapuava de Minas, são 1.200 km, 1300, então não tinha condições, você levava 12, 13, 14 horas para ir para casa e depois 14 para voltar, se você tinha sábado domingo. Então alguns que moravam perto, por exemplo, o pessoal do Rio de Janeiro que estava ali em Minas, ia para casa, mas nós ali do Paraná, não tinha condições. Daí muito tempo longe de casa, não deu muito certo.
1:09:04
P/1 - Me fala um pouquinho do trabalho, então você fez a formação. Você se lembra da primeira manutenção que você teve que fazer, para valer?
R - Quando eu cheguei aqui à gente começou a acompanha o pessoal nas inspeções, então subindo a torre, olhar se está tudo bem. Eu não lembro exatamente o primeiro dia, eu lembro que eu fiquei com muito medo, receio de não ver as coisas que eu precisava ver, deixar passar alguma coisa. Ainda bem que eu tinha bons colegas de trabalho que me orientavam bem, chamava atenção, “ó, você tem que prestar atenção nisso”, orientavam muito bem, ensinavam. Mas com o tempo essas inseguranças foram passando, mas no começo eu tinha medo de não executar o trabalho da forma correta. E a primeira manutenção foi na subestação mesmo, tinha que trocar os equipamentos, mas era uma equipe grande na época, muito grande, então você fazia pouca coisa, então você sentada numa posição, eles, “ó, você tem que fazer assim, assim, assado”, mas sempre acompanhada de alguém, não por eu ser mulher, todos os novatos faziam acompanhada de alguém. Eu tinha um supervisor que pegava muito pesado comigo, cobrava muito para que eu fizesse as coisas, na época odiava, mas hoje eu vejo que foi muito bom para mim, porque ele me obrigou a fazer, aprender e fazer muita coisa.
1:11:02
P/1 – Me descreva o seu trabalho, quando é de revisão, quando é de manutenção? E uma história de uma emergência?
R - Hoje eu sou operadora. Mas eu vou falar de quando eu entrei, que eu trabalhava em linhas. Em linhas o pessoal faz a inspeção que você vai torre por torre, e são muitas torres e você sobe na torre para ver se tem alguma peça danificada.
1:12:25
P/1 – Qual o tamanho dessa torre? A gente não sabe de nada, vai ter explicar para a gente.
R – Aqui em Ivaiporã onde eu trabalho, são cinco linhas, e são quase 3.000 Torres, o nosso trecho. Para você ir na torre, tem um carro, se vai com o carro até onde é possível, são poucas torres que você consegue chegar com o carro no pé da torre, a maioria fica na lavoura, você não pode entrar com o carro na lavoura dos outros, tem que ir a pé pela lavoura, tem umas que ficam em mato fechado, que você tem que ir abrindo picada para chegar no pé da torre. Já aconteceu, de eu abrindo picada, caiu um pólen no meu olho e eu ficar 2, 3 dias sem enxergar, porque infeccionou meu olho, teve um colega meu que foi picado por uma cascavel, enfim. E ver cobra no mato, isso aí muitas vezes, eu tinha muito medo, mas via muita cobra, e acontece. Então era mais ou menos essa rotina. Então a gente fazia a inspeção para ver se estava tudo bem na torre, depois fazia o relatório, torre por torre, o que tem de problema naquela torre. Também tinha que ver se não tem mato alto, porque o mato cresce, não pode chegar próximo do cabo, tem que ficar longe do cabo. Aí depois que você terminar a inspeção das torres, você fazia o relatório, daí vinha fazendo manutenção. A torre que estava com defeito, você tinha que subir nela e corrigir, a gente fazia manutenção com a linha desligada e com a linha ligada também, que daí você entra com aquela roupa especial, entra no potencial, anda nos cabos para fazer esse tipo de manutenção, era basicamente esse trabalho. Tinha também inspeção aérea, que é com helicóptero, a gente tirava abelha, que formava muita abelha nas torres, principalmente na região que tem eucalipto, a gente tinha curso para isso, tem que tirar as abelhas da torre. A gente tinha curso de motosserra, porque se você chega num mato lá, por exemplo, tem uma árvore só, você não vai contratar uma empreiteira para ir lá. Então o próprio eletricista que está lá, vai lá na hora e derruba aquela árvore, e já resolve o problema. Então a gente sabia manusear motosserra, essas coisas.
1:14:58
P/1 - Qual que é tamanho dessa torre?
R - Tem torres de vários tamanhos, tem de 30m, tem 60m, mas a média é entre 45, 50 m, a média da altura, daqui da 750, nas outras classes de extensão as torres são um pouquinho mais baixas, mas tem torre de comunicação, aqui do lado da minha casa tem 85 metros, na subestação a torre de comunicação tem 120m, mas são só algumas, na linha, a média de altura é 45, 50m.
1:15:43
P/1 – 120m é um prédio, é grande!
R - Essa de 120m é uma torre de comunicação, ela fica na subestação. Daí tem o equipamento de comunicação instalado, então é uma torre só que tem esse tamanho. E aqui na vila essa de 85, também uma torre de comunicação, então só tem essas duas, as outras é 50m, em média.
1:16:17
P/1 - E me fala um causo, uma situação, me conta histórias de experiência dessa linha de transmissão que tenha sido marcantes? Uma emergência ou uma situação do que você viu no mato?
R - Eu acho que as melhores histórias são das emergências, porque são 300 pessoas trabalhando para levantar uma torre no menor tempo possível, para que não falte energia para ninguém, para que não tenha problema. Eu participei de muitas emergências, teve emergência que caíram nove torres. Daí você dá prioridade para alguns, mas são muitas pessoas trabalhando ao mesmo tempo, muitas pessoas do Brasil inteiro, então acontece muitas brincadeiras.
1:17:30
P/1 - Descreve para mim uma dessas emergências?
R – É uma mega operação! Os equipamentos que são fornecidos pela empresa, são muito bons, vem guindastes gigantescos. Se você olhar nas fotos, você vai ver guindastes que erguem 120m. A estrutura para isso tudo é muito gigantesca, 5 horas da manhã você vai para o campo, e você chega no hotel 10 horas da noite, você passa o dia todo, geralmente é chuva, barro, porque caiu uma torre, porque deu vendaval, alguma coisa assim, então geralmente é muito barro, muita chuva, a dificuldade de acesso é muito grande, porque geralmente cai torre nos piores lugares, nunca cai num lugar bom de trabalhar. Então você vê todo mundo empenhado naquilo, 300 pessoas empenhadas em concentradas para que aquilo flua, para que dê certo. Em linhas de transmissão é um ambiente, os caras brincam muito, um zoa com outro, faz piada, então é um ambiente gostoso. Então quando tem emergência você sabe que você vai sofrer, você sabe que vai trabalhar muito, mas você vai rever os teus amigos, você vai contar a história, você vai dar muita risada, você vai ouvir piada, então é muito gostoso.
1:19:20
P/1 - Mas teve alguma que lhe marcou? Que você falou nossa, essa daqui foi a mais difícil, essa aqui foi mais heroica, ou uma situação que se consiga descrever para gente? Inclusive sua atuação?
R - Quando caíram as nove torres. Acho que foi a mais marcante, porque o acesso era tão difícil que a marmita para o pessoal ia por helicóptero. Porque era muito longe, então para ir um carro era um lugar de ruim acesso, muito buraco. Foi um carro, ele chegou com as marmitas todas viradas, tudo bagunçado, aí a partir dali ia helicóptero levar alimentação. E quanto a trabalhar, era muita rotina. Em Cascavel a gente trabalhou num inverno, que você chegava de manhã estava tudo branco, a ferragem estava branca de gelo, por conta do frio, você trabalhava com balaclava no rosto, cachecol, todo encapuzado, porque era muito frio. Eu lembro que nessa emergência de Cascavel, que estava muito frio, eu estava com uma balaclava, aí eu prendi o cabelo e enfiei por dentro da roupa, fiquei só com o olho de fora, capacete e trabalhando. E tinha uma equipe da ELETROSUL que foi lá para ajudar a gente, daí eu estava montando uma parte da torre, próximo deles, um cara montando do meu lado, eu alcançando peça para ele, ele alcançando para mim, eu instalando ali, ele falou para um amigo dele: você viu quem trabalha ai! O outro: eu vi! “Mas será que ela trabalha mesmo?” E ele do meu lado, “naõ sei não, acho que os caras ajudam né, porque não tem força para apertar os negócios né”. E eu ali, apertando, aí eu falei: eu tenho sim! Não está vendo que eu estou aqui apertando com você. “A senhora me desculpe”! “Não, tá tudo bem!” E teve uma, como era o dia todo naquele ritmo trabalhado, e é cansativo, porque tem muito barro, daí você pisa no barro seu pé cola, enfim. Eu lembro que eu cheguei no hotel, era umas 10 horas da noite, tudo sujo, o calçado cheio de barro, eu sentei na cama e me encostei para trás e pensei, vou dar uma descansadinha aqui antes de tomar um banho. E daí eu acordei com meu alarme, no outro dia 5 horas da manhã, tocando, eu dormi daquele jeito que eu estava. Eu acordei com alarme tocando, porque eu já tinha que trabalhar de novo, para você ter ideia como era puxado. Isso não era só para mim, era para todo mundo né.
1:22:36
P/1 – Como que é a escala? São escalas de 15 dias? Quando tem emergência você fica o tempo que for necessário? Como funciona?
R – Assim, quando eu trabalhava em linhas, a gente trabalhava de segunda a sexta, a gente fala que trabalha no trecho, porque as torres ficam longe, então você sai na segunda-feira de manhã, fica no hotel a semana inteira, e volta para casa na sexta, isso é a rotina do pessoal de linhas. Mas agora eu trabalho na operação.
1:23:18
P/1 – O normal é a manutenção disso? Em linhas é isso! Vocês fazem a manutenção, se não teve nenhum problema, na sexta-feira você esta em casa?
R - Trabalhava final de semana só quando tinha algum desligamento, alguma coisa assim. Às vezes a gente saia da rotina, para ir trabalhar em outra cidade e tal, mas o normal, a rotina era essa. Às vezes tinha algum serviço esporádico, tinha semana que a gente não viajava, daí ficava trabalhando aqui próximo, mas essa era nosso rotina.
1:24:00
P/1 – Entendi! Vocês tem uma vida pessoal.
R - Quando eu trabalhava em linhas, eu era solteira, então para mim estava tudo certo. Acho que para quem tem família, viajar a semana toda é mais complicado, mas como eu era sozinha, final de semana eu só saia com os amigos e visitar meus pais, então era mais tranquilo.
1:24:20
P/1 - E a parte ruim, pessoal no campo brigar, acidente de trabalho, tem alguma situação que você lembra?
R - Eu lembro de quando o Neri foi picado por uma cascavel, e assim acidente feio, graças a Deus eu nunca presenciei. A gente ficou sabendo de algumas situações, emergências, depois que eu sai de linhas teve uma situação que marcou muito, que teve um colega nosso que morreu. Mas eu não estava mais trabalhando em linhas. Eu lembro de uma emergência, que o eletricista estava subindo na torre, e um pedaço de, é uma fita, só que ela é pesada, que usa para prender equipamento, caiu sobre ele. Ele desmaiou, mas ele estava preso pelo cinto, ele ficou pendurado e desmaiado, aí o pessoal teve que subir lá e tirar ele, não foi nada grave. Ele desmaiou por conta da pancada, foi para o hospital e não teve maiores consequências. Mas eu lembro que quando aconteceu isso, o clima, aquele clima alegre, brincalhão, muda na hora. Todo mundo fica muito apreensivo, todo mundo fica muito nervoso, fica tudo em silêncio, é bem complicado.
1:25:58
P/1 - E a segunda mulher que entrou em linhas de transmissão, você estava presente?
R – Estava! Depois de mim, acho que entraram algumas, elas entraram mais de uma. Eu não sei exatamente quantas, mas foi mais de uma, eu conheci no trabalho, numa emergência, a Carol. Só que as meninas que entraram, nenhuma trabalha aqui no Paraná, então eu não tive contato com elas. Daí eu conheci a Carol numa emergência que ela foi trabalhar lá. As outras eu tenho contato só por rede social, pessoalmente só conheci a Carol.
1:26:46
P/1 – Você teve esse papel de percussora, se eu fosse uma mulher, ia te procurar.
R – Teve a Lise, que ela trabalha na Eletrosul, ela trabalha no setor de relés, mas ela também é a única mulher. E ela me procurou na época que tinha o Orkut, foi logo que eu entrei, ela me procurou por uma rede social, se identificou e falou: olha, eu trabalho na Eletrosul. E ela trabalha em Londrina, que é uma cidade relativamente perto daqui, da 170km. E daí a gente conversou pela internet, a gente marcou de se encontrar, e ela veio até Ivaiporã, e a gente fez amizade, a gente tem amizade até hoje. Quando ela vem trabalhar aqui na região, ela vem aqui em casa, fica aqui um pouco, a gente fez amizade há mais de 10 anos. Porque ela me viu numa foto, alguma coisa assim, algum lugar, daí falou, eu quero saber quem é essa mulher aqui. Veio me procurar e a gente fez amizade e tal.
1:27:57
P/1 - Foram quantos anos de linha?
R - 9 anos
1:28:08
P/1 - Daí você resolveu mudar de área, é isso? Ou te mudaram? O que foi essa mudança?
R - O fato de você viajar, de segunda a sexta, no meu caso eu morava sozinha, não podia ter nem os bicho, que eu sempre gostei de bicho, você nunca estava em casa, está sempre hotel, sempre viajando, é muito cansativo, é desgastante. Foi uma época que Furnas deu um incentivo, e muitos operadores aposentaram e surgiu uma vaga. E daí eu me voluntariei, e eles me aceitaram, daí eu passei para operação.
1:28:54
P/1 - Daí é uma outra coisa?
R – Outra coisa.
1:29:01
P/1 - Conta um pouco sobre a operação? O que você faz hoje?
R - Na operação o trabalho é muito mais tranquilo, nem se compara com linhas. A gente fica de plantão, a gente mantém a subestação funcionando. Então você cumpri um turno, você não viaja. Turno indiferença se é feriado, sábado, domingo, deu o teu horário de trabalhar, você vai trabalhar. Eu não preciso mais fazer manutenção, eu não preciso mais andar com a capanga de ferramenta nas costas, o trabalho da operação é manter a subestação funcionando. É você ficar de plantão, a central, o CTRS liga para gente, tem equipamentos que você tem que desligar e ligar, para que haja um controle da tensão. É assim, a energia é produzida o tempo todo, e as nossas linhas leva energia para São Paulo, quando o consumo é muito alto, utiliza-se toda essa energia produzida. E na subestação tem equipamentos que consomem essa energia. Então se a população está consumindo toda essa energia, os equipamentos ficam desligados, à noite, que o pessoal consome menos energia, ai a gente tem que ligar esses equipamentos, para que eles consumam esse excesso de energia, para que não sobrecarrega o sistema. E a energia produzida na Itaipu, até chegar em São Paulo, ela tem alguma percas pelo caminho, torno de 5%, mas esse 5% é muita coisa. Então a função de ter uma subestação no meio do caminho, é porque essa energia vem, chega na subestação aqui, eleva essa energia a mesma quantidade que saiu da Usina, daí ela percorre mais um caminho, então ela tem essa função, para que minimize as percas.
1:31:21
P/1 - Vocês ficam num escritório olhando para computador, é isso?
R – Tem a subestação é a subestação tem muitos equipamentos. Uma subestação você já deve ter visto. Tem muita torre, cabo, enfim, todos esses equipamentos que eu te falei, e dentro da subestação tem a sala de controle, é uma sala grande, com muitos equipamentos, a gente fica nessa sala. Então você tem que fazer vistoria nesses equipamentos também, tem que fazer inspeção, assim como faz inspeção nas torres, você tem fazer inspeção nos equipamentos. Então você tem que andar lá no campo, ver se não tem nenhum vazamento de óleo, se não tem nenhum equipamento estragado, e ali na sala também tem muito equipamento que você tem que estar conferindo, de tempos em tempos, se está funcionando bem. Quando acontece algum problema na linha, que desliga a linha, aí você tem algumas manobras que os operadores têm que fazer. Então você é responsável, por exemplo, caiu uma torre lá, vai desligar a linha, então essa energia vai ter que ser manobrada para outras linhas, então para isso existe uma série de equipamentos que você tem que desligar para proteger as pessoas que estão lá perto daquela linha, para fazer. Então quem faz isso são os operadores. Eu também faço inspeção termográfica da subestação, que é com aquele termovisor, que de tempos em tempos, a gente vai olha todos os equipamentos, com o termovisor para ver se não tem nenhum ponto quente, porque ponto quente significa que tem algum defeito. Então eu e mais um cara fazemos termovisor também, ali na subestação. Então basicamente é isso. Eu cumpro turno, eu trabalho 8 horas por dia, então eu vou, tenho essa rotina de inspeção para fazer, tem o termovisor, mas é um trabalho bem mais leve. Quando tem desligamento que o pessoal vai fazer manutenção, então é a sala de controle que autoriza e que desliga os equipamentos, para que o pessoal trabalhe. Então você tem que ir lá desligar, sinalizar, e liberar o documento para o pessoal fazer manutenção. Depois que eles fazem manutenção, daí você tem que ir lá e ver se está tudo em ordem, e ligar esses equipamentos. Então a função do operador é manter essas coisas funcionando.
1:33:51
P/1 – Acontece uma emergência, quem liga para você e passa as instruções? E quando termina para quem você liga?
R - Tem a central que é em Campinas, então essa Central que coordena todas as subestações de Furnas, não, Campinas é da região de São Paulo, aqui do Sul, lá no Rio de Janeiro tem outra. Mas enfim, é uma central, que ela coordena uma série de subestação, porque a visão que a gente tem na subestação, é de uma determinada quantidade de energia de uma área. Já em Campinas ela tem uma visão macro, então se está consumindo mais energia aqui, ela que vai encaminhar para lá. Então eles que ligam e coordenam com a gente o que tem que ser feito, e o que não tem que ser feito. Caiu à torre, vai disparar um monte de alarmes e vai aparecer para nós o que aconteceu, como que aconteceu e aonde que foi, um série de proteções a full. Então você tem que formar conforme a proteção que atua o tipo de situação que aconteceu. Então você tem que anotar tudo que aconteceu e repassar para o pessoal de Campinas. Daí Campinas que vai ver o que eles vão fazer e vão ligar para gente e coordenar, o procedimento que se tem que fazer.
1:35:32
P/1 – E a Vila de Furnas?
R - A subestação fica a 35 km daqui da cidade onde moro. A Vila de Furnas, que agora é só o nome de Furnas, que agora não é mais, as casas já foram todas vendidas, fica nessa cidade, então eu moro a 35 km do lugar de onde eu trabalho.
1:36:07
P/1 – Ainda tem uma identidade de Furnas? O antigo cinema? Tem uma estrutura dessa vila antiga dos anos 60?
R – Tem um clube, mas na verdade nada mais é de Furnas. Tem a estrutura, porque foi repassado, o clube tem sócios, como um clube normal, tem piscina, sauna quadra. Então quem mantém esse clube agora são os sócios, como um clube normal. Tem a estrutura do escritório, que não funciona mais, está fechado, eu estou torcendo para que eles doem para a Polícia Militar. Porque existe essa possibilidade, mas eu não sei em que pé tá, porque daí se eles doarem, a minha casa fica aqui no fundo, eu vou ficar no fundo da policia militar, vai ser ótimo. Mas nós trabalhamos na subestação. Mas de Furnas mesmo, não tem mais nada. As pessoas compraram umas casas, as estruturas foram sendo aproveitadas para outras finalidades, mas de Furnas mesmo, não tem mais nada. É uma cidadezinha de 30.000 habitantes, é bem pequeno.
1:37:30
P/1 – Você não acompanhou, mas para quem é morador de lá, deve ter sido interessante ver essa transformação, na vila, eu imagino que devia ter uma presença de Furnas gigante, e de repente essa saída.
R – A gente escuta muito história, por exemplo, aqui na Vila de Furnas, alguns anos atrás, diz que o pessoal morava de graça, não pagava água, não pagava luz, estragava uma lâmpada, ela ligava para central o pessoal vinha e trocava uma lâmpada, tinha um apoio muito grande. Quando eu entrei já não tinha tanto, mas de quando eu entrei para hoje também já mudou muita coisa.
1:38:20
P/1 - Você está com quantos anos já na operação e na Vila de Furnas?
R - Eu entrei em Furnas em 2005, e em 2014 eu fui para operação.
1:38:42
P/1 - Já está a alguns anos aí.
R - Já faz 16 anos.
1:38:52
P/1 – Na operação já faz alguns anos.
R - Já faz 5, 6 anos que eu estou na operação. Bastante tempo já.
1:39:01
P/1 – Você não sente falta do campo?
R – Eu sinto, eu sinto mesmo. Porque era um serviço muito pesado, você abrir, com um facão, ficar abrindo picada no meio do mato, subindo à torre, sol de 30°, a ferragem quente, é realmente puxado, uma capanga de ferramenta nas costas, subir 50 m uma torre. Mas a equipe era muito divertida, havia muita brincadeira, eu sinto saudade sim. E o trabalho de manutenção com linha energizada e algo muito interessante, se pensar que você está andando num cabo, e ali sobre o teu corpo está passando 750.000w, chega a queimar os cabelinhos da gente assim, é um negócio, se você parar para pensar é muito louco.
1:39:59
P/1 – Tem que ter perfil para isso.
R - Quando você mostra vídeos do trabalho, as pessoas falam: eu não faria isso por dinheiro nenhum.
1:40:17
P/1 – Ai você muda o trabalho, fica ali, deve dar até... Deixa que eu arrumo isso aí né?
R - Eu sei que eu sou meio exceção, porque eu sempre gostei muito de coisas diferentes. Se você for analisar eu fui policial, na operação não corre tanto risco. Mas eu trabalhava num trabalho considerado um dos mais perigosos, que é manutenção com linha energizada, 750kv, que é a maior tensão que existe no mundo. E era muito mais seguro do que a minha antiga profissão.
1:41:11
P/1 – Operação é verdade que tem um fantasma ai em Ivaiporã?
R – Eu já ouvi alguns passos, mas virou piada isso, a gente brinca muito com isso. Porque você fica lá a madrugada né, só um computador na sua frente, durante o horário comercial não, mas de madrugada tem uma TV, a gente pode ligar, assistir TV e tal, mas você está lá, aquele silencio, só no computador ali, quase dormindo, escuta a porta batendo, escuta umas coisas assim, mas deve ser deve ser rato, deve ser qualquer coisa. Mas virou piada!
1:42:07
P/1 – E tem uma subestação que tem história de ET. Ivaiporã tem isso?
R – Então, foi um amigo nosso que falou essa história, ele não trabalha mais aqui, mas ele contou que viu uma espaçonave, que chegou a abastecer na subestação. A gente zuou muito com ele, por conta disso.
1:42:26
P/1 - Você não viu nada, não ouviu nada, é isso?
R - Única coisa que eu vi de diferente, que eu já vi raposa aqui na subestação. Já vi raposa, eu já achei pedaço de coelho no pátio, então a gente sabe que tem alguns bichos que visitam ali. Porque a subestação fica afastada da cidade, então eu já vi raposa e coelho, essas coisas têm aqui na região. Tem um lagarto enorme que mora lá dentro da subestação, volta e meia você está fazendo inspeção, você cruza com ele.
1:43:03
P/1 - Tem acidentes com os animais, de queimar? Tem esses problemas?
R – Aqui em Ivaiporã, alguns anos atrás, acho que uns 4 anos atrás, sei lá, o pessoal achou uma carcaça de um bicho-preguiça, torrada, dentro de um cubículo, ela não sei, deve ter sido por baixo, porque tem as canaletas. Esse bicho preguiça entrou lá e daí tocou no circuito que não devia, e morreu. Só que ela não afetou nada, ela tocou, levou provavelmente a descarga, mas não afetou o funcionamento de nenhum equipamento. Só acharam depois que começou a feder, o corpo dela, daí que o pessoal passou lá, sentiu o cheiro foi ver estava o bicho-preguiça morto dentro do cubículo lá, da subestação. Cobra a gente sabe que tem, porque a gente encontra a pele, sabe quando troca a pele, mas o lagarto, esse a gente já tem a toca dele lá, que se passa sempre cruza com ele lá e tal.
1:44:13
P/1 - Mas isso não é uma questão, essa questão ambiental de um impacto por causa da rede, isso não acontece?
R – Não, são casos... Para você ter ideia desde que eu trabalho em Furnas o primeiro caso que eu ouvi falar, foi desse bicho-preguiça. Em torno da subestação tem uma reserva, acho que até por conta disso que tem alguns bichos aqui. Porque Furnas mantem essas reservas, em torno, tem mato fechado em torno da subestação. Então acho que até é por conta disso que tem alguns bichos.
1:44:54
P/1 – Você tem contato como outros programas dentro da empresa? Esses de responsabilidade ambiental, você acompanha isso ou é uma coisa que vem de fora?
R – Eu não tenho contato, eu não sei os outros funcionários, mas eu não. A gente sabe que tem, tem informação, que o pessoal se preocupa com essas questões, tem alguns projetos, mas eu não faço parte de nenhum.
1:45:27
P/1 - Em relação a sua trajetória profissional de anos em Furnas, você gostaria de comentar alguma coisa, algum causo que eu não tenha perguntado, alguma história que tenha passado?
R – Só quero comentar que apesar de todo o preconceito... Tinha uma amiga minha que dizia que eu matava um leão por dia, porque são pequenos detalhes, pequenas coisas que acontecem, que você vê que é preconceito. Mas que eu tenho orgulho de ter conquistado o meu espaço e ter aberto caminho para outras mulheres, e eu sei que se têm outras mulheres trabalhando, porque eu fiz a minha parte, e eu tenho muito orgulho de trabalhar em Furnas. Apesar de a empresa ter mudado muito, eu tenho muito orgulho de trabalhar aqui e ter construído uma carreira aqui.
1:46:30
P/1 - O que você mais admira na empresa Furnas?
R - É uma empresa grandiosa, que presta seu trabalho de maneira correta, enfim, eu tenho orgulho de trabalhar na empresa, porque é uma empresa respeitada fora e valoriza o empregado. Existem falhas, porque é mantida por pessoas, mas em geral eu tenho orgulho. Sempre que me perguntam, eu falo com orgulho do local que eu trabalho. Que eu sei que é uma empresa que executa suas atividades de forma responsável e fornece energia para praticamente quase todo Brasil. E se a gente está aqui conversando, esta gravando esses vídeos, tá tendo energia para fazer isso, é porque nossa empresa está trabalhando corretamente, está fazendo a parte dela. Agora durante a pandemia, que as pessoas ficaram muito em casa, precisaram muito mais. Então a gente conseguiu manter o trabalho, mesmo com muita gente em casa, mesmo com o trabalho home office. Conseguiu manter o fornecimento de energia para quem tivesse em casa, conseguisse ter mais conforto e passar de uma forma mais tranquila por essa pandemia.
1:48:35
P/1 – Na sua trajetória, você tem algum funcionário, alguém que você se recorda que tenhas sido importante na sua trajetória? Ou ainda que você fale, poxa, ia ser legal se vocês entrevistassem esse fulano ou fulana para o projeto?
R – Eu tenho um cara que trabalhou comigo, ele me ensinou muito, ele é pouco valorizado. Mas ele é um cara, muito fera, porque ele é meio professor Pardal, ele fez muitas adaptações do nosso trabalho, que foram incluídas no manual técnico de campo. E ele nunca foi valorizado por isso, outras pessoas acabaram levando o nome das coisas que ele criou. O nome dele é Neri, ele trabalha aqui na subestação, ele me ensinou muita coisa, por exemplo, tem um procedimento, que antigamente para gente trocar cadeia de isolador, precisava de umas 10 pessoas e demorava umas 4 horas, que era o procedimento antigo. Ele criou um outro procedimento, que a gente usava uma roldana presa na torre, que diminui para 4 pessoas e uma hora e meia de trabalho. Esse procedimento que ele criou, foi incluído no manual técnico de campo e ele não levou o nome por isso, mas foi ele que criou. E, além disso, ele estava sempre inventando umas coisinhas para facilitar o nosso dia a dia. Então ele é um cara que não e valorizado e eu acho que ele tem muita coisa para contribuir.
1:50:28
P/1 – Legal, é Neri.
R – É Neri Martins, ele trabalha aqui em Ivaiporã.
1:50:37
P/1 – Trabalha em Ivaiporã e é da parte de ...
R – Linhas. Ele trabalha em linhas agora.
1:50:43
P/1 – Não é da sua época?
R – Eu trabalhei com ele, foi ele que me ensinou muita coisa. E ele ainda trabalha em linhas, agora acho que ele é supervisor.
1:50:58
P/1 – Se eu falasse para você, como você caracteriza o funcionário de Furnas. O funcionário de Furnas é...
R – Complicado, olha, você me pegou agora. Funcionário de Furnas é uma pessoa responsável, a maior parte dos funcionários são pessoas responsáveis e são conscientes da importância que eles têm para manter o sistema funcionando. Porque para um país trabalhar e progredir, precisa de energia, e a gente é uma das maiores empresas de energia daqui do nosso país. Então tenho certeza que se isso ainda existe, se o sistema está funcionado, é por conta dos funcionários que são pessoas responsáveis e capazes. E tenho certeza que todos têm orgulho disso.
1:52:10
P/1 – Como você imagina Furnas daqui a 20 anos?
R – Posso falar a verdade. Eu imagino privatizada, com muitos problemas. De quando eu entrei para hoje, mudou muito, em termos de apoio, estrutura. Eu tenho medo de falar um negocio aqui. Por exemplo, quando eu entrei, na cozinha nossa, tinha uma maquina de cappuccino, você tinha café à vontade, chá, leite, bolachinhas e uma máquina de cappuccino. Agora a gente não consegue trocar o filtro da água, eu tenho que levar água de casa. O cafezinho que eu tomo lá é uma maquina de expresso minha, que eu levei, para eu tomar o meu cafezinho. Isso é um exemplo fora do trabalho, mas que mostra como mudou para o funcionário, a estrutura, o apoio que o funcionário tem. Em termos de equipamento e tal, a empresa fornece. Outra situação, a gente deveria ter um motorista para levar nós, mas teve falha no contrato, porque alguém não fez o contrato no tempo útil, à gente está sem motorista. E nós operadores, estamos tendo que dirigir o carro para ir trabalhar. Isso não seria um problema, só que tem que levar em consideração que a gente trabalha a noite toda, sai da subestação 6 horas da manhã e tem que dirigir 35 km na rodovia, sem ter dormido. E a 15 anos atrás isso não acontecia, então daqui a 10 anos dá medo de pensar. Não sei como vai ser. Eu espero que não mude, espero que as coisas melhorem, e que a empresa continue como ela está. E a gente depende do governo, então é complicado falar. E essa questão da privatização é uma constante. Então eu não sei, muita gente diz que vai melhorar outros que vai piorar. E difícil, é uma situação que eu nunca vivenciei, então é difícil emitir uma opinião.
1:54:56
P/1 – Você tem algum sonho? O que você tem projetado para o seu futuro?
R – Eu quero viajar muito. Não tenho muita pretensão não, eu só quero curtir. Eu tenho um namorado que gente mora junto, tem duas filhas, eu só quero curtir a minha família e passear, viajar, e ter paz, tranquilidade, ter um a vida sossegada, minha casinha, meu carro, viajar, conhece outros lugares, nada mais que isso.
1:56:13
P/1 – Davina, o que você achou de dar a sua entrevista?
R – Eu senti orgulho, fiquei muito feliz de lembrarem o meu nome, senti realizada.
1:56:30
P/1 – Em nome de Furnas, em nome do Museu da Pessoa, gostaria de agradecer enormemente a sua entrevista, muito obrigado!
R – Imagina, eu que agradeço, muito obrigada! Foi um prazer deixar minhas impressões para que outras pessoas vejam. Para que entenda melhor o funcionamento da empresa, como aconteceram essas coisas ao longo do tempo.
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