Memória da Literatura Infanto Juvenil 2008
Entrevistada por Thiago Majolo
Depoimento de Mirna Pinsky
São Paulo 27/08/2008
Realização Museu da Pessoa
Depoimento MLIJ_HV024
Transcrito por Denise Yonamine
Revisado por Fernanda Regina
P/1 – Então Mirna pra gente começar o papo queria que você falasse o nome completo, o local e a data de nascimento pra gente?
R – Nome completo civil?
P/1 – Pode ser.
R – Meu nome é Mirna Silva Gleich, e Mirna Pinsky é o nome que eu adotei. Quando eu comecei a escrever eu era casada e eu tinha o nome do meu marido, ex marido, então ficou grife.
P/1 – O local e a data de nascimento?
R – Eu nasci em São Paulo em 1943, no bairro de Pinheiros e até hoje moro em Pinheiros. Já mudei pra Assis, eu passei no interior e moro em São Paulo e voltei em 1967, 1968, por aí.
P/1 – Conta um pouco assim o nome dos seus pais, o que eles faziam, onde eles nasceram, conta um pouco da história deles pra gente.
R – Meu pai é um cientista, meu pai era um químico, nasceu em Viena, na Áustria e veio fugindo do nazismo. Nós somos uma família judia, ele veio em 1939. Aqui ele não conseguiu, ele não entrou, ele não foi pra pesquisa de ciência, ele foi trabalhar em laboratório, não em pesquisa e acabou ficando, se dedicando a outros tipos de trabalho, mas ele chegou a ser doutor por Heidelberg. Então a gente tem muito orgulho porque ele, realmente, ia fazer uma grande carreira e infelizmente ele teve que fazer outra opção. A minha mãe é nascida no Brasil, filha de judeus russos, ela nasceu em 1914. A minha mãe é professora primária e foi uma ótima professora. Eu hoje em dia me dedico a trabalhar com escolas, fazendo trabalhos de alfabetização e ela me conta coisas que realmente é uma dedicação que eu gostaria de ver por aí. Muito legal a experiência dela. Ela trabalhava, e eu quando era pequena ficava em casa com empregada, uma parte do tempo. Desde pequena eu morei ali em Pinheiros, na Rua Artur...
Continuar leituraMemória da Literatura Infanto Juvenil 2008
Entrevistada por Thiago Majolo
Depoimento de Mirna Pinsky
São Paulo 27/08/2008
Realização Museu da Pessoa
Depoimento MLIJ_HV024
Transcrito por Denise Yonamine
Revisado por Fernanda Regina
P/1 – Então Mirna pra gente começar o papo queria que você falasse o nome completo, o local e a data de nascimento pra gente?
R – Nome completo civil?
P/1 – Pode ser.
R – Meu nome é Mirna Silva Gleich, e Mirna Pinsky é o nome que eu adotei. Quando eu comecei a escrever eu era casada e eu tinha o nome do meu marido, ex marido, então ficou grife.
P/1 – O local e a data de nascimento?
R – Eu nasci em São Paulo em 1943, no bairro de Pinheiros e até hoje moro em Pinheiros. Já mudei pra Assis, eu passei no interior e moro em São Paulo e voltei em 1967, 1968, por aí.
P/1 – Conta um pouco assim o nome dos seus pais, o que eles faziam, onde eles nasceram, conta um pouco da história deles pra gente.
R – Meu pai é um cientista, meu pai era um químico, nasceu em Viena, na Áustria e veio fugindo do nazismo. Nós somos uma família judia, ele veio em 1939. Aqui ele não conseguiu, ele não entrou, ele não foi pra pesquisa de ciência, ele foi trabalhar em laboratório, não em pesquisa e acabou ficando, se dedicando a outros tipos de trabalho, mas ele chegou a ser doutor por Heidelberg. Então a gente tem muito orgulho porque ele, realmente, ia fazer uma grande carreira e infelizmente ele teve que fazer outra opção. A minha mãe é nascida no Brasil, filha de judeus russos, ela nasceu em 1914. A minha mãe é professora primária e foi uma ótima professora. Eu hoje em dia me dedico a trabalhar com escolas, fazendo trabalhos de alfabetização e ela me conta coisas que realmente é uma dedicação que eu gostaria de ver por aí. Muito legal a experiência dela. Ela trabalhava, e eu quando era pequena ficava em casa com empregada, uma parte do tempo. Desde pequena eu morei ali em Pinheiros, na Rua Artur Azevedo numas casas que até hoje têm, estão lá, são seis sobradinhos que inspiraram até um livro meu pela FTD, chama-se A casa. É um local em que a minha mãe morava, o meu pai foi morar lá, eles se conheceram e acabaram morando numa terceira casa. Então tem muita a ver com a família, toda a história da família, e aí inventei um monte de coisa e botei no meu livro.
P/1 – Você chegou a conhecer os seus avós?
R – Eu conheci duas avós. O pai da minha mãe morreu dois meses antes dela nascer e o pai do meu pai morreu alguns anos, acho, que alguns anos antes de eu nascer. A minha avó paterna austríaca era uma fazedora de doces, era uma doceira de mão cheia na Áustria, tinha um desses cafés, então ela realmente era uma grande cozinheira e a gente passou a infância recebendo doces em casa. Ela vinha toda sexta-feira com um doce novo. Essa era a ligação que a gente tinha. Coisa que eu mais me lembro era dos doces da minha avó na sexta-feira, que ela vinha jantar em casa. E a outra coisa que eu me lembro dela eram as histórias, as histórias assim de príncipes e princesas que ela adaptava pra mim, então eu sempre era uma princesa naquela história que ela estava contando. Era muito gostoso, porque eu acho que ela tem muita a ver com o fato de eu gostar de histórias. Acho que ela tinha um jeito de contar, um jeito calmo de contar e eu acho que é uma relação bem gostosa. E eu acho que foi um caminho pra me aproximar de histórias. Acho que eu me aproximo dos livros através das histórias que eu escutava, e ela foi a fazedora de histórias da minha vida. A outra avó não tinha tempo, a outra avó foi uma batalhadora que teve que sustentar. Veio pro Brasil e ficou viúva com 33 anos, com cinco filhos pra criar, então ela não teve tempo de criar esse espaço de contar histórias, nem nada, porque a vida dela foi trabalhar, trabalhar, trabalhar e quando eu nasci não sei que idade ela tinha, 60 e tantos anos. Ela não tinha mais o hábito, eu acho, de cultivar essa relação com criança, então eu tenho outros tipos de aproximação com ela: mais as festas judaicas, que eram na casa dela, mas as coisas das histórias estão com a oma, que a gente chama de oma. É um jeito alemão de chamar avó. Como se fala nonna, pra italiano, em alemão a gente fala a oma. Então a minha oma era mais a contadora de histórias, ela morava perto de casa, as duas moravam perto de casa assim, duas quadras uma pro lado de cá e outra pro lado de cá, que depois a gente mudou. Então às vezes eu ia comer na casa dela. Eu me lembro a casa dela - continua morando numa dessas casinhas - então tinha o porão, que eu visito nessa história, nessa história da casa. Era um porão que, eu me lembro, na verdade, era o porão da casa dela não da minha casa. Quando eu tinha três anos, que eu morei lá. Eu tive que dividir a outra avó com um monte de outros netos que ela tinha e, principalmente, dois netos que tinham perdido os pais num desastre de aviação e eu acho que ficavam mais com ela do que a gente. A gente tinha menos espaço. Agora a gente foi uma família, a família da minha mãe foi uma família bastante, até certo momento, unida. Principalmente uma tia com quem eu tinha uma relação muito legal; eu me lembro com muito carinho dessa tia mais velha. Então faz parte da minha infância também. Tios não me marcaram, não tem nada muito forte. Eu acho que uma pessoa que me aproximou muito dos livros foi a minha mãe e o meu pai, a minha mãe porque ela sendo professora primária ela trouxe um monte de livros pra casa, ela era uma pessoa que trazia. Acho que naquela época não era tão costume como é hoje fazer todo esse esforço aí pra criança ler, acho que se fazia normalmente ou não se fazia. Não tinha televisão, a televisão apareceu em 1956 ou por aí na minha casa, eu acho... Eu não me lembro de ser uma coisa importante, a televisão era branco e preto, não era tão gostoso. Então a gente tinha muito livro e eu acho que ela trouxe os livros do Monteiro Lobato. Livros do Mark Twain, livros antigos.
P/1 – Mas quero que você contasse um pouquinho agora que está falando dos livros, o quê que foi lendo, o quê que ela foi trazendo pra você?
R – Infelizmente, muitos livros foram detonados. Eu perdi. Eu lia Mark Twain, e Charles Dickens. Tem outro, que eu não me lembro autora, que chama As duas lolotas. É a história de duas gêmeas que se separam na infância, uma vai pro lado e outra pro outro e se encontram quando elas já têm uns dez anos, por acaso. Eu sei que os livros ocuparam um imenso espaço na minha vida depois que eu aprendi a ler lá, por sete anos. Eu ficava a noite lendo e eu sei que, muitas vezes, eu não conseguia apagar a luz. É uma coisa assim, é uma conquista, foi assim uma paixão, uma paixão desde pequena. Eu acho que comecei a tentar a ler... Aliás, eu devo ter até uma coisa aqui, me deixa ver, que eu escrevi quando eu tinha 11 anos... Então, são coisas que eu escrevi. Meu diário, mas não é o meu diário nada! Eu comecei a escrever uma história aqui. Uma história em 1952, então é uma história e eu fiquei impressionada de ver que eu escrevia direitinho. Eu acho que a minha escola foi uma escola que se empenhou mais, meus professores se empenhavam realmente em soltar a criatividade e corrigir a criatividade. Não eram padronizados, eu não me lembro como é que eu estudei, mas quando eu leio, eu falo assim “Nossa, mas isso é um texto de uma menina de dez anos! Eu vejo textos de meninas de escolas particulares que não tem esse vocabulário, essa fluência e tal e eu acho que é a forma com que eu aprendi no Mackenzie, eu estudei no Mackenzie. Uma escola razoavelmente tradicional, nem é uma das escolas que hoje você diz que é uma grande escola, não é uma escola como Santa Cruz de hoje ou Bandeirantes, mas é uma escola que eu acho que tinha ótimos professores de Português e de Matemática. Não sei, porque eu sou péssima em matemática, mas bons professores de Português. Olha, só o que escrevia “Todas as garotas achavam estranho que uma menina de vivacidade incrível como Jane...” - você vê o nome Jane porque é um nome bem dos livros que eu lia livros traduzidos - “Tivesse momentos nos quais os seus desejos era só quietude. Os professores estranhavam do mesmo modo, o que Jane dizia. Certo dia, uma professora, Dona Edi perguntou sobre ela. “Uma boa menina”, respondeu o interrogado senhor Roy. “Sim, uma boa menina, sem dúvida”, retrucou a mestra, “Mas bem diferente das outras. Em primeiro lugar, é raro uma garota de boas notas ser irrequieta e folienta em classe; em segundo lugar, uma menina irrequieta não fica calada muito tempo. Ela parece que ouve alguma coisa que a deixou triste e cala-se, e tão repentinamente que isso acontece que penso que o que ela ouviu e não agradou foi ditado por uma voz dentro dela”.
P/1 – Nossa!
R – Olha só! Não, não é, isso aí é bem escritinho não ta?
P/1 – Ô.
P/1 – E é a criação de um personagem, eu acho, olha tudo isso é uma história só! Sei lá quantas páginas, eu tenho mais aí dentro. Era assim, eu acho que eu queria reproduzir aquilo que os livros me davam, criar também uma coisa legal para os outros, acho que foi um pouco isso que eu tentei. E desde pequenininha eu fazia isso, eu me lembro que na classe eu tinha um professor, o professor Josué, e ele fazia a gente fazer dissertações. Eu fazia com facilidade. Então muitas colegas pediam pra eu fazer as delas e eu fazia, e eu esqueci disso. Alguns anos atrás algumas vieram me contar que eu fazia isso pra elas e o professor dizia assim “Essa aí não vale, porque essa daí é da Mirna”, porque tinha todo um palavrório que eu usava e que ele já sacava.
P/1 – E como era esse ambiente de colégio com os amigos, conta um pouquinho da sua...
R – Eu tinha uma ou duas amigas prediletas. Acho que uma delas é Ermida Trivelato. Era uma delas e a gente era muito amiga. No recreio e ia à casa de uma e de outra, tinham pequenos grupinhos. Eu não lembro de ser uma garota popular, não, não lembro. Eu não era a líder, nunca tive nada, mas não eram garotas que gostavam de ler que eram as minhas amigas. Eram simplesmente as mais, sei lá, as mais alegres. Eu gostava de pessoas mais soltas, mais alegres, menos complicadas de cabeça. Eu mantive da minha, não vou dizer nem infância, eu acho que é já juventude porque era 14 anos, uma amiga. Eu tenho até hoje uma grande amiga, que é próxima, as outras se perderam. Nunca mais, quer dizer, uma vez ou outra eu ouvi falar numa reunião de 30 anos de formatura, alguma coisa assim, mas a gente perde, perde o contato, acho que a gente perde o dialogo. A gente não tem mais nada a ver.
P/1 – E como que era Pinheiros nessa época? Bairro.
R – Eu acho que a minha rua era muito calma, era Artur Azevedo, que hoje é passagem. Era uma rua calma, dava pra brincar na rua, mas claro que não tinha perigo de ser assaltada, sequestrada, e não sei o quê. Mas eu acho que andar na rua, eu acho que a gente não brincava tanto porque tinha bastante carro já. Eu morava numa casa pequeninha, eu não lembro de ter amigos na rua, isso não me lembro. Isso até três anos, depois eu fui morar numa rua pequeninha, fica entre a Mello Alves e a Rebouças, chamava-se Giácomo Garine, e ali era uma rua bem estreitinha que tinha só casas e tinha um açougue desativado. E nesse açougue a gente brincava bastante de amarelinha, de queimada. E nas casas a gente brincava também, era uma época que dava pra gente brincar bastante uma na casa dos outros. No caso, na casa do avô da minha amiga que morava na minha rua e o avô morava também. Os meninos jogavam futebol, como tinha só três meninas, uns dez meninos na rua, a gente jogava futebol também e eu jogava bem. Quem sabe, se fosse agora, eu ia tentar fazer esse esporte. Eu gosto de esporte, então eu acabei fazendo tênis uma época, um pouquinho de basquete e agora eu faço caminhadas, mas eu acho que futebol não era uma coisa em que eu era ruim, não. Hoje eu jogo futebol com o meu neto e ele fala assim “Sabe, vovó você é a única avó que joga futebol!” Você vê que serviu pra alguma coisa.
P/1 – Mirna, tinha algum sonho infantil, eu quero ser isso quando eu crescer, como é que era?
R – Eu acho que numa certa época eu queria ser artista de teatro, porque não tinha essa coisa de Globo, novela, naquela época. Eu queria ser artista de teatro. Tentei quando eu tinha dez, doze anos ver como é que era de ser artista, de ir pra teatro, mas nunca levei isso a ferro e fogo, não fui adiante. Mas isso era uma coisa que eu gostava. Nunca pensei em ser escritora, nunca, nunca me passou, apesar de eu rabiscar, não era uma ideia. E depois fui ser jornalista. Não queria ser professora, não tinha a menor paciência. A mãe é professora, mas não tinha a menor paciência pra ensinar.
P/1 – E quais eram, fora futebol, as grandes diversões, as brincadeiras, os passatempos?
R – Eu me lembro de queimada, de esconde-esconde. Então a gente tinha um grupo na rua e quando a gente não tava brigando, a gente tava brincando de queimada, de esconde-esconde, a gente podia brincar em todas as casas, entrava, saía, não tinha problema de entrar na casa do vizinho. Mesmo que não tivesse criança, você entrava, as crianças eram bem recebidas, era uma coisa muito gostosa, como interior. Não sei se agora é mais, mas quando eu fui morar no interior também era assim, um pouco mais solto, você podia fazer isso. Agora, eu era muito ocupada, minha mãe me levava pra fazer balé, uma época eu estudei violino, uma época estudei piano, estudei inglês, estudei alemão, então eu tinha um monte de ocupações fora a escola. Eu era ótima aluna, nunca consegui ser a primeira da classe, mas eu era sempre a segunda, a terceira e tal, então eu estudava bastante. Então eu acho que a minha infância foi muito boa, porque eu tive essa coisa gostosa de ter infância na rua, de não ter que chamar a coleguinha, combinar com o não sei o que pra vir em casa como hoje em dia se faz. Eu saía na porta de casa, ia à casa da minha -988uamiga, “Vamos brincar?”. E tinha a Mello Alves, tinha também alguns amigos que vinham brincar com a gente, então era um grupo bem grande. Meus primos que moravam na Oscar Freire e também vinham. Você imagina se hoje em dia você deixa uma criança de dez anos atravessar a Rebouças e chegar viva do outro lado! Você sempre tem que acompanhar a criança e o medo de sequestro, não sei o quê. Eu me lembro tinham crianças da Rebouças, tinham amigos num prédio da Rebouças que desciam também pra brincar, então era bem divertido. Eu acho que eu tive uma infância muito feliz.
P/1 – E você passa a sua vida escolar inteira no Mackenzie, do começo ao fim?
R – Eu fiz até o Secretariado. Eu não fui fazer colegial, eu fui fazer Secretariado. Eu acho que eu enchi tanto de estudar e ser ótima aluna até o final do ginásio, que aí quando vi que podia fazer uma coisa bem fácil eu fui fazer Secretariado. Foi moleza, péssimo, não aprendi nada, mas tinha uma profissão. E também ajudou o medo do meu pai, meu pai imigrante que fugiu, então ele queria. E ele, como era muito mais velho, meu pai tinha acho que 40 anos mais do que eu ele - tinha 40 anos quando eu nasci - então ele tinha muito medo de morrer e não deixar a gente com profissão. O pai dele tinha morrido com cinqüenta e poucos anos, então ele tinha muito medo de deixar a gente sem profissão. Então, eu sou a mais velha, e ele me estimulou quando eu falei que ia Secretariado. Ele falou “Ótimo, faz um curso técnico, que assim você tem um diploma, assim você fica segura” e eu fui fazer. Mas depois fui fazer Jornalismo e sem problema entrei também. Fui pra esse lado, mas eu talvez eu tivesse aprendido uma cultura um pouco melhor na área de Ciências, que realmente foi zero o meu conhecimento.
P/1 – Conta um pouco como se dá essa escolha por Jornalismo e por que Cásper Líbero?
R – Só tinha Cásper Líbero na minha época, não tinha ECA. Eu gostava de escrever, e aí, quando eu tinha, 13 anos mais ou menos, eu comecei a escrever poesia. Eu concorri a alguns prêmios do governador do Estado e ganhei vários de poesia e crônicas. Não infantis, porque naquela época nem pensava em escrever pra criança e, naquela época eu era vidrada - sou ainda - na Clarice Lispector. As crônicas têm um ar de Clarice Lispector, assim bem reconhecível. E a poesia não, eu fui fazendo e tal e consegui esses prêmios. Aí com os amigos a gente publicou uma antologiazinha. Com 19 anos, nós mesmos. Naquela época existia um sistema chamado Multilith, que, provavelmente você nunca ouviu falar. A gente fez e depois a gente mesmo distribuiu os livros. Aquela coisa que poeta alternativos fazia. E quando eu tinha 18, 19 anos a gente fazia noites de poesia pela cidade. Gente como Roberto Piva, mais ou menos é da mesma geração. Não lembro dele, provavelmente ele não lembra de mim, mas ele também fazia essas noite do viaduto. Roberto Bicelli, Cláudio Willer, sei lá, tem um pessoal aí que continua fazendo poesia. Eu faço muito pouco, mas faço de vez em quando ainda. E continuei fazendo então poesia fui fazendo Jornalismo. Jornalismo tinha um grupo que chamava “Academia dos 13” que patrocinava encontros de poesia e eu fui seguindo por aí. E depois eu fui escrever literatura infantil quando a minha filha mais velha tinha dois anos e meio. Eu estava lá em Assis, no interior de São Paulo, e comecei a escrever pecinhas de teatro. E depois fui tentar escrever contos de teatro, contos infantis. E aí a Ática, em 1978, lança 27 novos autores e aí eu entrei nessa leva, foi mais escrevendo pra ela meu contato com criança.
P/1 – Só queria voltar um pouco antes de chegar à parte de literatura infanto-juvenil, queria, pra conseguir escrever essa passagem desses livros primeiro Mar Twain, tudo que você falou, como leitora mesmo, o quê que vai lendo depois Clarice Lispector, o quê que vai te agradando, conta um pouco a trajetória de leitora antes de ser escritora?
R –Depois dessa literatura infantil mesmo eu acho que eu comecei a ler um pouco do Jorge Amado, Capitães de areia. Então na juventude eu não sei... Eça de Queirós, Os Maias, eu acho que aí com 14, 15 anos... Não me lembro. Eu acho que Clarice já entra com 18 anos, mais pra frente, porque ela é mais difícil. Na escola a gente lia poesia, Fagundes Varela, esse tipo de coisa. Então esse tipo, mas eu não sei se eu me encantei muito com esse tipo de leitura meio obrigatória. Senhora, talvez, do José de Alencar fosse um pouquinho mais romântica. Monteiro Lobato certamente! Francisco Marins também é outro autor, que é Segredo de Itaquarapoca e todas as histórias são bem queridas, gostei muito disso. Algumas antologias de contos de outras nações, isso eu li também, minha mãe tinha lá em casa. O Cazuza, Leandro Dupret também, a Senhora Leandro Dupret ou Maria José Dupret. Então Éramos seis... Eu nunca deixei de ter nem agora deixo de ter três ou quatro livros na cabeceira. Então eu pego um, eu vou em frente. Às vezes quero ler contos e eu pego outros, sempre foi assim. Mas antigamente eu lia geralmente do começo até o fim um, mas os outros ficavam esperando. Eu lia um por vez e os outros ficavam do lado. Mas eu lia muito, eu lia um livro por semana no mínimo, no mínimo!
P/1 – E conta um pouco essa escolha do Jornalismo é muito por isso por gostar de ler, de escrever, mas quando você começa a escrever como jornalista mesmo, não como... É você contou um pouco das poesias que você fazia, das crônicas, mas conta um pouco esse trabalho jornalista mesmo seu.
R – Quem me sugeriu o jornalismo, agora lembrando, foi o José Mindlin. Ele não vai lembrar porque ele era amigo do meu pai, do meu tio, ele era sócio do meu tio, e aí eu sei que meu pai deve ter comentado com ele o que eu devia fazer, não sei, e ele falou “Faz jornalismo, ela gosta de escrever” e aí eu fui fazer. Eu não acho que é bem a minha praia, não. Eu me formei, fui trabalhar numa revista de circulação. Quando eu me formei, logo depois eu fui fazer escola de Propaganda e Marketing e casei. Então eu nem terminei escola de Propaganda e Marketing, porque eu achei que eu tinha um jeito pra escrever, pra fazer um pouco de texto de propaganda. Um professor, que a gente tinha sugeriu que eu fizesse e eu fui fazer, mas eu não terminei e não era também minha praia. Aí quando eu voltei de Assis eu fui trabalhar, eu tinha que trabalhar, fui trabalhar numa revista de circulação dirigida, mas eu já tinha dois filhos, eu não queria passar o dia inteiro trabalhando e deixar as crianças na mão de outras pessoas. Então foi uma opção, eu trabalhava duas tardes lá, três tardes em casa e dirigia a revista. Dava perfeitamente e fui levando durante sete anos. Mas daí logo que a minha terceira filha nasceu eu larguei isso e trabalhei no Movimento, no jornal Movimento, mas daquele jeito alternativo: eu ia uma vez por semana nas reuniões de pauta e fazia uma matéria ou outra. Agora, já ligada à literatura infantil e ao teatro infantil. Um pouquinho antes disso, ao mesmo tempo - acho que foi em oitenta e pouco, 1981 - eu tinha uma coluna no Shopping News, que era um jornal distribuído e eu escrevia sobre teatro infantil também e sobre literatura infantil, fazia resenhas de livros. Então eu vi que eu tinha muito mais a ver com literatura do que com jornalismo. Eu não sou uma jornalista, não tenho aquela vivacidade. Eu tenho uma filha mais nova, a Luciana, ela é uma excelente jornalista, que acabou também fazendo literatura, agora indo pro lado da literatura, mas nós temos um perfil completamente diferente e eu não meu dei bem. Quando eu voltei e o meu livro alguns anos depois foi publicado eu falei “Ah, vou trabalhar pra editoras e vou começar a escrever pra criança”, e fui fazer também mestrado em teoria literária. Aí foi uma opção mesmo pra esse lado e eu continuei. Trabalhei em editoras durante 20 anos, trabalho hoje em dia, mas só que eu trabalhei uns oitos anos dentro da Nobel, trabalhando todo dia e antes disso junto com o Jaime eu fundei a Contexto, a Editora Contexto. Então se você for contar são uns 20 anos, mais ou menos, trabalhando próximo. Também a Editora Ícone também, a gente tinha um pezinho lá dentro, então trabalhei ligada à editora. Mais a questão de livro, quer dizer, a minha ligação com livro mesmo.
P/1 – Então, você começa a escrever pra infanto-juvenil, infantil por conta um pouco dos seus filhos, da sua filha que nasce não é isso?
R – Eles me inspiram porque a proximidade com criança me trouxe uma série de sensações, me trouxe de volta sensações das crianças, eu acho que eu me aproximei de novo muito do infantil e me aproximei daquele mundo. Aí eu comecei a querer falar por elas. Então todas as histórias usam ou o indireto livre ou o narrador em primeira, sempre procurando trazer o mundo, o jeito de pensar, o jeito de sentir, o jeito de sofrer, o jeito de se alegrar, o jeito de se divertir da criança. Não o adulto contando, mas dentro da visão dela. Então eu acho que os meus filhos trouxeram essa proximidade, que me permitiu fazer isso. E hoje é engraçado, porque depois que eles crescem, eu volto a ter isso, eu me distancio, mas agora com neto é uma coisa incrível! Como é fácil quando você tem uma criança na sua vida, muito mais fácil você descobrir maneiras engraçadas, maneiras divertidas de trazer uma coisa que eu acho que eles refletem! Uma coisa que reflete o mundo deles e é uma opção minha fazer esse tipo de aproximação, não contar uma coisa. Se você pega, por exemplo, uma baleia, uma Moby Dick, é maravilhoso! Eu acho um negócio maravilhoso pra jovem, mas é outra opção. Ele quer contar uma grande aventura com um narrador adulto e é uma opção perfeita, então eu procuro mesmo nos textos juvenis.
P/1 – Pode continuar falando.
R – Eu queria fazer uma correção aí, que eu esqueci do Érico Veríssimo. Érico Veríssimo eu adorava, aliás eu gostava mais do que o Jorge Amado, achava o Jorge Amado um pouco artificial, não sei, estava longe daquilo que eu conhecia. O tempo e o vento, nossa! Eu quase ‘desbundei’ mesmo, foi uma maravilha! E Clarissa também, que era uma coisa mais juvenil mesmo, adorei. Isso sim era literatura da juventude, isso sim! Agora que eu me lembrei, que injusto. Então o Machado de Assis eu gostei um pouco mais velha, eu acho ele um pouco mais difícil pra jovem gostar. E não, não me lembro mais de ninguém.
P/1 – Nessa trajetória que você ta contando desse começo do interesse pela literatura infanto-juvenil e aí você conhecia essa literatura que tava sendo feita no Brasil ou você vai ler alguma coisa, pesquisar, como é que começa esse contato mais profissional mesmo assim?
R – Na minha época os primeiros contos eram bem tradicionais, bem ruins, bem assim ensinando coisas pras crianças, porque eu acho que tinha muito isso na literatura que eu conhecia pra criança. Eu não fui pegar literatura tradicional, eu fui fazer um curso com a Fulvia Rosenberg, que é uma pesquisadora, que hoje não está mais na área, mas ela deu dois cursos na ECA e eu assisti como ouvinte, a respeito de literatura infantil a partir de um trabalho, de um grande painel que ela montou num trabalho na Fundação Carlos Chagas. Ela é uma pesquisadora, ela é uma psicóloga social, mas ela faz trabalhos de análise de conteúdo de livros infantis. Ela analisou o racismo, o ceticismo e mais um ismo aí da literatura infantil durante 20 anos, de 55 a 75 e juntou acho que 600 exemplares; fez um levantamento enorme com um monte de gente pesquisando e dava esses cursos a partir desse painel que ela montou. Então, de repente eu me vi, eu entendi o papel social da literatura infantil, eu vi que a literatura infantil forma, é um educador informal da criança, sem dúvida, e a partir daí eu comecei a me preocupar em escrever livros em que as meninas não tivessem aquele papel tradicional bem passivo, que é o que ela apontava. O meu livro de maior sucesso comercial, digamos, que é o Nó na garganta, com essa preocupação de mexer com a discriminação racial com a criança. É uma história que se passa com criança pequenininha, uma menina negra que sofre racismo e como ela vai crescendo ao longo do livro eu tento fazê-la crescer. E no final, na verdade, ela olha pra dentro e a autoestima dela fica forte e ela vai lutar. Esse é o percurso dela. E eu me lembro que a Tatiana Belinky, que é uma pessoa muito generosa e na época era bambambã, quer dizer, era ela e o Julio Gouvêa, e ela gostou muito do livro e me deu muita força. Esse é o meu segundo ou terceiro livro. Eu não lembro se As muitas mães de Ariel veio antes ou depois, eu acho que ele é o segundo livro publicado pela Brasiliense. As muitas mães de Ariel veio um pouquinho depois. Esse é 1979 e o outro é 1981. Então esse livro me abriu muitas portas. Eu devo à Fulvia Rosenberg isso de botar as coisas no lugar pra mim. Outra pessoa que eu respeito muito e que eu acho que eu aprendi muito com ela foi a Regina Zilberman. Mas é que ela tem outra postura, ela é uma professora que vê a questão da leitura e, principalmente, a literatura na literatura infantil. Então são dois pilares meus.
P/1 – Eu queria se você pudesse, esses três primeiros livros seus, que você comentou rapidamente assim principalmente o Zero Zero, “Nó na garganta” que foram os dois primeiros, então você contou um pouco da história deles, mas conta um pouco do Zero Zero que foi uma publicação de uma antologia de vários autores novos, como surge essa oportunidade? Como que ele é recebido? Se você pudesse mostrar, depois o “Nó na garganta” você contou um pouquinho, mas mostrar pra gente também, só...?
R – O Zero Zero Alpistei, ele não era uma antologia, ele era um grupo de 27 autores que quem dirigia a coleção era a Regina Mariano e ela tinha uma proposta de fazer o seguinte: transgredir o que estava sendo feito direitinho, bonitinho, botando as crianças nos seus papéis obedientes e passivas, transgredir o que era de consenso. Então eu escolhi transgredir falando que homem pode chorar. Então eu escrevi uma historinha, porque Zero Zero Alpiste é o apelido do meu filho, que tinha nessa época seis anos e cheio de sardinhas, gordinho, todo redondinho, então era o apelido que ele tinha e eu aproveitei e escrevi pra ele, tanto que o livro é pro Daniel, a Ilana e tal - eu uso muito, é recorrente isso, porque as crianças adoram botar o nome delas na história. Então essa história é um menino que encontra uma flor e que não chora de jeito nenhum. Mas aí uma flor diz pra ele que ele pode chorar quando ele tiver uma dor ou quando machucar o dedo com muita força, ou quando o amigo dele for embora e ele ficar muito triste. Enfim, existem razões que justifiquem que o homem chora, se não ele vai explodir, qualquer coisa assim. E aí o menino chora e tem um final assim fantasioso, então esse livro tanto fez sucesso que ele tá até hoje aí. Ele deve ter vendido não sei quantas edições, não sei te dizer, porque esse controle eu não tenho, porque eles fazem reimpressões e você não sabe. Mas 30 sei lá quantas e é um livro que tá 30 anos, esse ano ele faz 30 anos. Depois tem o Nó na garganta. Tem 54 ou 55 edições, já vendeu mais de 300 mil exemplares. É um livro que é a história de uma menina negra, que eu falei, já que consegue enfrentar essa questão. Interessante que esse é o livro que me traz mais retornos de leitores, não só de escolas que me convidam porque os alunos se envolveram muito na história, mas quando não tinha email eu recebia muita carta e agora recebo muito email. E uma carta, que eu não canso de contar a história e me impressionou muito é uma menininha de Curitiba, do Paraná - não sei se é de Curitiba - que me escreveu dizendo assim que ela leu Nó na garganta e que ela queria me contar que a mãe dela gosta mais da irmã que é mais - eu entendo - mais clara do que ela. E que ela tá muito triste e ela pede pra eu ir buscá-la pra morar comigo. Olha que bonitinho! Quer dizer, olha só como ela sentiu, que isso que tá dito aqui tocava a dor dela. Até me emociono quando eu lembro, essa menina deve ter 20 anos hoje, faz muito tempo. Mas eu tenho muitas coisas gostosas guardadas em algum lugar ou até no computador de, por exemplo, professoras que leram na infância e que adotam o livro. Fizeram faculdade, fizeram pós-graduação e adotam o livro pros alunos. É uma coisa muito gostosa você saber que você ta aí até hoje. Eu acho que esse livro tocou. E tem as muitas As muitas mães de Ariel,” que é um livro que tá esgotado, mas agora faz parte de uma antologia de comemoração de 30 anos, tá sendo editado pela Atual. Ele ganhou Jabuti, então ele é um livro que também é importante, porque é o meu primeiro Jabuti. Fiquei assim achando. “Esse caminho acho que acertei. Tô acertando, vou continuar!”. É a história de um menino, baseado numa experiência que eu tive com a minha filha menor, a Luciana, que na época era pequenininha e um dia chegou pra mim e disse assim “Mãe, você gosta de mim quando eu faço uma coisa errada?” “Claro que gosto” “Mas você gosta de mim sempre? Sei lá, quando eu choro, quando eu isso, quando eu aquilo?” “Gosto, gosto!” “Ah, então eu pensei que você era minha madrasta, que não gostasse de mim quando eu faço essas coisas erradas”, e ela ficou contente. Aí eu fiquei pensando e lembrei da história da Branca de Neve, que a Branca de Neve, numa leitura psicanalítica, a madrasta é a mãe que tem confronto com a menina. Não é uma madrasta, mas é a mãe como a criança vê. E eu juntando essas coisas, eu escrevi uma história realista em que o menino se confronta com várias situações em que a mãe pode ficar brava com ele. Ele tira nota baixa, ele faz coisas erradas, ele joga coisa na privada e entope, carrinho da irmã que ele briga e joga na privada e entope, e aí ele fica com medo achando que a mãe não vai gostar dele, que a mãe gosta quando ele é bom. E o livro mostra pra ele que existem - e ele percebe que existem - muitas mães dentro da mãe dele. Então esses são os três primeiros livros.
P/1 – Conta uma coisa, quanto você publica os três primeiros livros, ou então os dois primeiros, o primeiro quando que você se dá conta que realmente era aquilo que você vai fazer pro resto da vida? Ou que ta indo pro caminho certo? Quando que é? É no primeiro, é no segundo, é no terceiro? Quando que isso acontece?
R – Você sabe que eu me lembro que eu sempre achava assim, “Eu não vou fazer isso como a única coisa, porque não é sempre que eu quero, que eu tenho vontade de escrever, e se eu for forçada a escrever, eu vou escrever porcaria, vou me repetir vou”. Então eu acho que as histórias elas têm um momento que você cria, depois se você ficar parado e uma série de coisas você vai se repetir, se criar de novo, então eu quero ter a possibilidade de mudar a minha vida, mudar coisas, ter tempo de mudar algumas coisas pra escrever de uma forma diferente. Eu acho que isso foi acontecendo mesmo, então eu não poderia dizer pra você que eu disse assim “Vai ser isso pro resto da minha vida”. Eu pensei “Isto vai ser uma coisa boa na minha vida, mas eu quero ter uma profissão que me que eu possa ter um ganho e que não me deixe ansiosa pra produzir mais pra editora me pagar mais e pra eu ficar ganhando com isso”. Isso eu acho que é uma liberdade muito boa. Eu não sei como é que outras pessoas criam, mas eu tenho a impressão que uma série de conjunções desencadeia a produção, a criação. A criação forçada ela muitas vezes é redutora pra mim.
P/1 – E como que é o seu processo de trabalho? Como que era antes de ter computador, como que era todo esse (risos)...
R – Eu sempre bati à máquina, desde os 13 anos, eu fui uma ótima datilógrafa porque eu fiz Secretariado então eu datilografava. Até antes de entrar no Secretariado eu já datilografava. Então eu fazia datilografia, eu corrigia, eu escrevia, reescrevia, corrigia, batia de novo, corrigia, batia de novo. Eu fiz o meu mestrado com máquina, não tinha computador, isso foi em 1990. Meu primeiro computador acho que é de 1992. Ou seja, a minha querida orientadora chegava, lia, falava assim “Corta isso, isto, isto e isto” lá ia eu fazia a linha de novo, botava em cima, xerocava de novo e devolvia pra ela. E isso infinita vezes. Olha o trabalho que dava. Hoje em dia é maravilhoso! Eu deixo dez textos no computador, vou corrigindo, cada vez que leio eu corrijo, não tenho preguiça de fazer isso porque antigamente era um sofrimento! Você pode imaginar. Olha, o escritor de antes de 1990 era, realmente, um herói.
P/1 – Mas como que é o seu processo de trabalho? Tem que ta sozinha?
R – Tenho que ta sozinha. Eu fico no computador, aqui é totalmente isolado, eu hoje eu moro sozinha, então eu tenho uma pessoa que trabalha na minha casa, vem de manhã, sai às quatro horas e atende toda a porta; eu não atendo porta, não atendo telefone - eu atendo quando eu tenho vontade - e o computador também não fica caindo lá os emails, não. Ele tá desligado, então de vez em quando eu vou e peço. Então quando eu estou produzindo é computador, e não tem música, nada, nem som, nem nada, porque eu tenho que escutar a melodia da palavra, se não eu me perco. E muita concentração, eu tenho que reler, eu tenho muita dificuldade com textos longos. Eu sou mais da poesia mesmo, eu venho da poesia, então texto pequenininho, tranquilo, mas esses textos assim de 200, 100 mil toques, essas coisas assim é complicado! É complicado pra mim. Então eu tenho que reler um bilhão de vezes o que eu escrevi num dia. Às vezes eu escrevo quatro laudas, às vezes eu escrevo uma só o dia inteiro. Produzo bem de manhã, a partir das oito horas até uma hora, maravilha! Depois muito pouco, a palavra não vem, é engraçado. Não vem aquela facilidade pra encontrar a palavra, pra encontrar a palavra certa, a melodia da frase não fica boa. De manhã é tranquilíssimo.
P/1 – Tá.
R – Engraçado.
P/1 – E como que estava nessa época que você começa a produzir, como é que estava a literatura a sua volta, como é que estava a produção, os editores? Conta um pouquinho desse projeto de chegada nas editoras ou de chamarem você, como é que era isso tudo?
R – Eu acho que as editoras que estavam produzindo eram a Brasiliense, a Ática, e a Melhoramentos. Em Minas tinha a Editora Comunicação, coisas voltadas mais pro público um pouquinho mais velho, juvenil, mas também coisas diferentes. Eu acho que havia em 1978 houve a Lei de Diretrizes e Bases, que eu acho que deu uma força pra os livros brasileiros novos, de autores novos serem adotados na escola. E aí muitas editoras começaram a voltar as suas baterias pra esse lado, pra criar um povo que escrevesse pra isso. E aí teve a oportunidade, eu acho que foi um momento, foi uma sorte eu estar justamente com uma disposição pra escrever texto pra criança na época que meus filhos eram pequenos. E aí esse número de editoras, deixa eu ver mais alguma além dela... A Scipione não existia, FTD também que eu não me lembro também, não... Eu acho que são essas três editoras que eu me lembro, que estavam abrindo espaço pra uma literatura nova infantil. Agora, nós estamos falando de texto, não to falando de visual, visual é uma coisa super recente que até, sei lá, cinco anos atrás eu me batia muito dizendo assim “Caramba, por que a gente só importa livros e não vende a nossa literatura?” E continua não vendendo, mas antes tinha uma razão, porque era muito feia, os nossos livros eram realmente muito inferiores ao que os Estados Unidos se produzia; na França e na própria Itália. E, também, acho que alguma coisa ainda muito professoral também na nossa literatura continuava e, talvez, até continue existindo, eu não to mais a par, eu não continuo mais assim frequentando tanto livraria como eu frequentava pra ver o que estava sendo feito. Mas quando eu vou pros Estados Unidos, eu vou todo ano pra Nova Iorque, aí eu vejo o que está sendo feito. Mas acho que eles continuam fazendo os mesmos tipos de coisa e nós evoluímos.
P/1 – Você entrou nesse ramo mesmo, nessa turma de autores, você cria amigos como é que começou esse contato?
R – Eu não tive grandes amigos assim nessa área. Eu me dou com algumas pessoas, mas não é uma patota, não é um grupo. Ricardo Azevedo, a Fanny Abramovich, a Ruth Rocha são amigas. O Michelle. Mas eu não tenho uma proximidade muito grande, a gente troca figurinhas com uns e outros quando a gente encontra, mas nada que eu diga que são realmente almas gêmeas, encontrei a minha alma gêmea. Eu não sou muito gregária, eu sou meio assim introspectiva. Então a minha ligação é afetiva, mas não é de proximidade, de ficar convivendo, eu não vou muito nessas reuniões de associações não.
P/1 – E como que é a sua relação com ilustração? Com os ilustradores dos seus livros? Como é que é isso?
R – Todas as editoras me consultam. Quando elas aceitam o livro elas perguntam se eu tenho alguém pra indicar. Se eu tenho alguém pra indicar e a pessoa não pode, elas mandam portfólios pra mim e aí a gente escolhe junto e depois, na última prova eu sempre examino o livro, porque é importante fazer isso. Muitas vezes como eu conheço o texto muito melhor, porque eu já li trezentas mil vezes. Muitas vezes eu vejo rapidamente que uma ilustração não se presta.
P/1 – Essa preocupação sua que você ta falando de ilustração, mas também da palavra, do foco narrativo que você foi contando, é uma preocupação antiga então, você foi fazer mestrado em teoria literária. Conta um pouco dessa preocupação, desse mestrado...
R – O mestrado é um romance, é um romance de uma pesquisa que eu fiz. Foi aceito como romance. Um mestrado em que eu fazia a história e eu fazia uma reflexão sobre o fazer da história. Eu fazia copidesque num livro e me chamou a atenção o fato de uma negra dirigir um quilombo durante 80 anos no interior do Mato Grosso. Aí eu comecei a fazer uma pesquisa e levantar material pra ver se realmente existiu, pra ver como é que era e tal. Daí levantei um monte de coisas a respeito, mas não do quilombo, em volta, pouca coisa do quilombo. Aí eu fui fazer uma viagem, fui conhecer o local, e a história é um pouco a história do levantamento desse material e da história dessa negra com essa escritora. E aí eu fiz um monte de reflexões e aí eu tive que ler um pouco de teoria literária pra isso. Eu não vou dizer pra você que eu fui por esse caminho, por teoria literária. Eu acho que eu sou criadora mesmo, eu não sou uma teórica, não sei, não sei avançar muito nessa área, mas eu gosto de pensar o meu fazer. Por que eu fui pra esse lado, então? E isso é interessante, acho que isso faz, isso enche a minha vida, isso enche você no bom sentido. Dá um pouco de plenitude, dá uma plenitude aos meus caminhos.
P/1 – Tem uma produção, vários livros a gente não vai passar por todos, mas conta pra mostrar alguns, contar alguns, pra você, intimamente, marcos, não precisa ser por prêmios não, pode ser por coisa que você achou interessante. E contar um pouco dessa história, marcar um pouco a trajetória sua um pouco de...
R – O Canguru Emprestado é um livro de realismo mágico, uma época que eu li Maria Elena Walsh, uma argentina, que sabia trabalhar muito bem com essa passagem do mágico pra realidade da criança. Então, esse livro tem é uma história de um canguru que as crianças resolvem importar de um zoológico da Austrália e um monte de confusões que o canguru pode produzir no interior de uma cidade. Ele começa a criar um monte de confusões e, depois tem uma velhinha que também se encanta com ele, mas faz mais confusão com ele também. Então eu acho que ele se apaixona, ele acaba se apaixonando de uma vaquinha e a vaquinha não pode ser namorada dele. Então tem vários níveis de brincadeiras na história, que são engraçados e ele causa tanta confusão que depois eles querem devolver. Mas aí ele entra num avião que é seqüestrado e vai pra Cuba, então a história não acaba porque a gente não sabe pra onde ele vai. Então é uma história assim maluquinha, digamos. Outra história também de realismo meio mágico, que é a história do Ave em conserto, que é a história de um pato que surge na praia machucado e o menino e uma menina começam a brigar pra saber se ele é pato, se ele é ganso, se ele é marreco, ficam brigando, brigando e o pato machucado lá. Daí eles resolvem consertar o pato, mas consertar como? Em vez de consertar botando uma tala e tal, eles consertam com parafuso o coitado do pato, e aí o pato, que eu não digo se é pato, ganso, marreco, não falo nada, fica dizendo que ele tá muito ridículo. Que ele não quer, ele tem que mudar e tal, quer dizer, tem um diálogo de pato com criança e tal e no final ele vai embora e ele conta finalmente pra eles se ele é pato, marreco ou ganso. São brincadeiras com personagens. Esse O tesouro de Ana é um livro de realismo. Eu frequento uma praia do Norte de São Paulo, Toque Toque Grande, há 30 anos e quando eu fui pra lá era um momento de boom de terrenos e tal. Na verdade, estavam meio que expulsando os caiçaras, eu era jornalista naquela época eu fiz um levantamento enorme com eles. Fiz entrevistas e escrevi uma matéria pra Folha. Chamava Folhetim. E resolvi escrever, aproveitar também as gravações pra escrever uma história pra criança e jovem, tipo final de ginásio, dez anos, onze anos e foi editado primeiro pela Brasiliense e, depois, recentemente foi editado pela SM, uma edição muito inteligente, muito bonita. O Tão Longe, tão perto é publicado mais recentemente é um livro de com uma questão ecológica, uma questão do meio ambiente que eu queria abordar. Achei que era o momento bom de soltar um assunto como esse. Eu propus a editora que fizéssemos com papel reciclado, com capa, eu queria fazer tudo isso, mas infelizmente não deu. E eu acho que, não sei, ele tem uma estrutura narrativa um pouco diferente, porque ele tem um monte de narradores. Ele tem o pai, quer dizer, tem um narrador que conta coisas do pai, tem narrador que conta as coisas mãe e tem troca de emails. Então é uma brincadeira gostosa de fazer, porque também o universo da criança, o universo do jovem é muito ligado a computador. E ele tem uns quatro, cinco anos esse livro, acho que por aí. Então ele já pega um jeito próximo, um recurso que o jovem ta usando. Ele tem uma menção honrosa. Antes de ser publicado ele teve uma menção honrosa no prêmio João de Barro. Bom, o Carta errante/avós atrapalhada/menina aniversariante é o meu livro de ouro, ele me deu o Jabuti, o segundo Jabuti, que é um honra muito grande. São os prêmios mais importantes da literatura. E, depois, ele foi também distribuído num programa do governo que em 2001 fazia compras fantásticas, então ele foi um dos escolhidos como título juvenil. O título, a novela da coleção e vendeu dois milhões de exemplares. Então é uma coisa deliciosa, porque eu entrei em todas as escolas públicas porque era um programa. A criança levou para casa, a criança de 4ª e 5ª série ganhou um joguinho de livro, de cinco livros e um deles foi o meu.
P/1 – E, aliás, como é esse contato com a escola? Você sempre teve esse contato? Continua tendo?
R – Uma das coisas que as editoras fazem é propiciar esse encontro quando a escola mostra interesse e faz uma compra que justifique a ida do escritor. Então eles propiciam esse encontro e é gostoso porque a criança leu e quer conhecer o autor. Eu tenho coisas lindas! Uma criança que pegou a capa do Nó na garganta e fez toda em papel mâché. Tão lindo, lindo que eu pedi pra ela me dar. Eu enquadrei e tá na entrada da minha casa de tão lindo que é. Eles fazem um monte de trabalhos, então têm professores excelentes que fazem um trabalho de estímulo, que estimulam a criança a se aproximar do livro. É muito legal e eu faço com o maior prazer esse tipo de trabalho. E depois quando eu parei de trabalhar na editora assim fixo, agora eu só colaboro. Faço trabalho em casa. Eu bolei um projeto de ir às escolas públicas, ir a escolas públicas e fazer uma vez por semana, numa escola, cada vez muda. Um trabalho que conta a história do livro pra criança, pra criança de 4ª série e depois, na segunda parte, escreve. Eu levo um notebook, eu escrevo uma história com eles e, depois essa história vai pra um site da coordenadoria do Butantã, então é muito legal, porque às vezes a professora aproveita e já começa antes “Olha, vem a autora não sei...” então eles ficam estimulados, fazem coisas. Pra você ter uma ideia, uma coletânea de textos dos alunos de uma escola que eles escreveram pra mim dizendo “Dedicamos a nossa inspiradora Mirna Pinsky essa pequena coletânea de textos como uma singela homenagem”, não é bonitinho? E daí eles assinam e todos eles escrevem histórias pra mim. São histórias que querem que eu leia e eu estou lendo aos poucos, leio e depois eu escrevo pra eles. Faço uma carta, mando por email. Então eu acho que é muito gratificante pra mim esse tipo de atitude e esse contato é muito bom, me traz um monte de informações. Eu escrevi agora, tem um texto que não tá publicado, tá sendo estudado numa editora a partir dessa experiência do que eu vi nas escolas e do que eu vi das dificuldades. Eu criei uma história que traz um pouco disso pra dentro da literatura. Então eu acho que pra mim eu estou ganhando muito com essa experiência.
P/1 – Conta um pouco, já que você falou das editoras, voltando um pouco na sua vida, o trabalho na Nobel como é que surge? O quê que você fazia? E a Contexto, como é que surge?
R – A gente sempre esteve ligada a livro o Jaime e eu - ele é professor de história da Unicamp e eu sempre trabalhei ligada a livro - então ele criou a editora da Unicamp e quando ele criou fez parcerias com algumas editoras. Uma delas foi a Ícone e a Ícone editava e a Ícone que pagava acho que os custos dos livros. Eu fui ser uma espécie de coordenadora editorial da Ícone. Aprendi um pouco a trabalhar, a fazer isso. Aí quando ele se aposentou, um pouco antes dele se aposentar, nós resolvemos abrir uma editora, a Contexto, e abrimos aqui em casa. Aqui era um escritório, uma parte do escritório, nós fechamos a garagem e ficou lá um lugar pra funcionários. Tinha um quartinho no fundo também e a gente tinha no meio da sala pilhas de livros porque a gente não tinha depósito, a gente não tinha dinheiro, não tinha depósito. Então compramos uma máquina Composer, antes do PC era uma máquina de composição chamada Composer. E aí tinha um funcionário compondo aqui os textos. Não tinha essa coisa das pessoas mandarem por email o texto pronto e você só jogar no PageMaker, fazer no PageMaker, não. Então a gente trabalhou durante dois anos aqui, depois foi pro Alto da Lapa e eu trabalhei lá acho que de 1987 a 1993. Aí uma série de circunstâncias pessoais eu saí da editora e fui trabalhar na Nobel em 1994. Trabalhei de 1994 a 2002 e como eu resolvi mudar um pouco de vida, fazer outras coisas, inclusive fazer esse programa, esse projeto em escolas, eu saí da Nobel. Vim trabalhar, fazer traduções, fazer copidesque em casa pra poder fazer outras coisas também. Então a minha vida sempre foi ligada a editoras e eu vou te falar uma coisa: eu só aprendi a escrever direito quando eu comecei a trabalhar em editoras. Eu fazia muito erro, olha que engraçado. Você tem vícios, sabe, palavras inadequadas. Eu sei que eu aprendi a escrever muito, muito melhor.
P/1 – E esse projeto, os dois projetos que surgem depois de leitura com as crianças como é que surge? Por que surge? Conta um pouco.
R – O Ler com prazer?
P/1 – O Ler com prazer.
R – Primeiro, eu fiz esse projeto Escreva comigo que eu comecei a levar nas escolas estaduais da regional Sul, lá no Brooklin e adjacências. Não era nem Brooklin, era Cidade Ademar, Cidade Miriam, ali mais pra dentro. Muitos anos antes disso eu tinha feito em bibliotecas a escrita com criança. Eu pegava máquina de escrever da biblioteca e as crianças que apareciam tinha um programa chamado Escritor na biblioteca, então eu participava. E aí eu tive a ideia de fazer essas histórias com eles, e era bem legal, porque eu chegava numa biblioteca que não me conhecia, ninguém me conhecia “Ah tem uma escritora aqui, vamos conversar com ele?” e muitas vezes a criança com oito, nove anos não sabe bem o que falar com o escritor, então eu achei que seria legal a gente escrever junto. Era uma criança de nove anos, outra de onze, outra de sete, outra de não sei o quê e a gente juntava e a gente escrevia uma história e ficava legal todas elas. Depois eu acho que a biblioteca xerocava, elas levavam pra casa. Daí eu lembrei disso e falei “Ah, vou fazer isso em escolas públicas porque eu acho que vai estimular as crianças a procurarem mais o livro, a quererem mais ler”. E foi, apresentei isso, eles aceitaram lá na regional, comecei. Aí a pessoa que me levava falou assim “Olha, ao invés de ir na 4ª série como você quer ir, você não quer ir na 4ª de recuperação de Ciclo?” eu falei “Eu não sei o que é isso!”. “Recuperação de ciclo é o seguinte: na progressão continuada o aluno vai passando e quando ele chega na 4ª série ele faz um exame - ele vai passando mesmo sem ele tá acompanhando a série - e na 4ª, ele não tendo o que tem que ter na 4ª série ele vai ficando e aí a gente chama de recuperação de ciclo, que eu acho uma crueldade a criança ficar quatro anos na escola, não aprender a ler e na 4ª série ficar na recuperação de ciclo. E ela vai ficando. Aí eu fui! Comecei a ir, fiquei abismada de ver o número de crianças que não sabiam ler uma palavra, pré-silábicos total! E comecei a falar, mas adianta eu fazer esse trabalho? Aí “Tá estimulando, tá valendo a pena e tal”, mas eu falei “Mas eu acho que o buraco é lá embaixo, é na 2ª série que a gente tem que começar a trabalhar”. Aí chamei uma professora com muita experiência de alfabetização e formação de alfabetizadores, a Lena Bartman e ela criou, a gente conversou, conversou, conversou e ela pensou. Eu fui contando pra ela como é que tá organizado, como é a vizinhança das escolas, como funcionam as escolas. Porque ela tem muita experiência com escola particular, mas escola pública muito pouco e aí a gente foi trocando figurinhas, ela conhece a parte pedagógica, e desenhou a parte pedagógica do projeto. Disse “Olha, vamos colocar um grupo de dez crianças, vamos juntar as crianças tantas vezes por semana, vamos dar um curso pra professora pra trabalhar com esses problemas específicos que existem, sei lá, dez, 15 problemas, mas problemas específicos com crianças que vão se atrasando”. Enfim, bolamos um projeto e apresentamos pra o financiamento de uma ONG, que não trabalha com isso, trabalha com profissionalização de jovens, mas eles toparam fazer um piloto de quatro meses. A gente apresentou pra regional, a regional topou, a gente escolheu as professoras, mandaram 50, 60 currículos a gente escolheu. E uma curiosidade: a gente teve dificuldade de encontrar 15 professoras ou professores que gostassem de ler e que tivessem um perfil pra aprender a trabalhar com essa clientela. Olha que engraçado, porque eles, a maior parte desses 60, 70 currículos que a gente recebeu, a maior parte não gostava de ler. Quando a gente perguntava na entrevista “Mas então você gosta de ler?” “Gosto!” “Qual o último livro que você leu?” “A Bíblia”, esse tipo de coisa. Então a gente selecionou 22 professores dos 70, 80. Fez o curso e não conseguiu 15 desses 22 porque tinha muita gente que não dava conta de aprender. Esse curso demorou 45 horas/aula, um mês.
P/1 – Que bacana! Essa função tem muito a ver com a literatura infanto-juvenil porque é uma responsabilidade, é uma educação...
R – Eu sempre achei que eu estava escrevendo um livro pra divertir as crianças, pra elas gostarem de ler, como foi pra mim. Depois que eu comecei a ver a função social que a Fúlvia dava, quer dizer, ela já apontava. Mas depois que eu entrei a trabalhar em escolas eu comecei a pensar desse jeito. Olha quanta coisa que a escola poderia dar a partir da literatura. 85% das crianças de 1ª a 8ª estão em escolas públicas, então olha quanta coisa que a escola pública pode fazer, deve fazer e tem que fazer e a literatura infantil tem tudo pra ser útil! Olha, não precisa falar de temas úteis, simplesmente escrever bons livros, engraçados, divertidos, que envolvam. Escrever bem com uma fluidez boa, a criança vai aprender a falar. Então eu acho que tem tudo a ver, eu não pretendo fazer livros que ensinem nada, mas eu sei que eles formam informalmente.
Recolher