P/1 – June, pra começar, queria que você falasse o seu nome completo, o local e a data de nascimento. E se você quiser, já falar dessa história do nome pra gente.
R – June Silveira Colens. Nasci na cidade do Rio de Janeiro, em 20 de março de 1948. Eu sempre tive vontade de saber por que minha mãe botou June no meu nome, que na verdade a pronúncia certa é June (pronuncia o nome em inglês). E eu achava que era por causa da June Alysson, uma famosa atriz do cinema. E no dia que eu perguntei pra ela, ela falou: “Não, porque tinha uma senhora que botou o nome da filha de June e eu gostei, aí botei em você também”. Eu fiquei frustrada por causa disso, mas quando os outros perguntam eu falo que é por causa da June Alysson, eu escolhi a minha versão, entendeu?
P/1 – Tá certo, né? E você falou que nasceu no Rio de Janeiro.
R – Exato.
P/1 – Eu queria que você contasse pra gente um pouco da sua infância lá, o nome do seu pai, dos seus avós, se eles são de lá também.
R – Eu fiquei no Rio de Janeiro até os cinco anos, eu morei em Vila Isabel. Meus pais eram cariocas, então eu sou carioca da gema, Ulisses e minha mãe Jane. E os meus avós paternos, meu avô tinha cinco nomes e um sobrenome porque ele era da nobreza belga e usava homenagear amigos, sei lá, mas o primeiro nome dele era Clemente. E a minha avó era Genésia, ela era filha de pescadores da praia de Jurujuba, em Niterói. Isso 300 anos atrás você imagina, Jurujuba não tem nada hoje, imagina 300 anos atrás. E meus avós maternos eram seu Gonzaga, ele era conhecido, Manuel Gonzaga da Silveira, e a minha avó era Maria.
P/1 – Você falou que o seu avô era da nobreza belga. Ele contava histórias por que ele veio pra cá?
R – Eu não tive nenhum contato com meu avô porque todos os quatro já tinham falecido, meus avós. Então o que eu fiquei sabendo foi contado pelas minhas tias ou alguém da família que sabia de alguma coisa. E ele veio da Bélgica aos 18 anos pra correr mundo e ele fez todos os projetos dos canhões dos fortes da Baía de Guanabara. E por causa disso ele conheceu a minha avó porque a Fortaleza de Santa Cruz é praquele lado de Jurujuba.
P/1 – E eles tiveram quantos filhos?
R – Filhos? Seis. E eu sou filha do último, que saí parecida com ele, todo mundo fala, né?
P/1 – É porque você disse que na sua família é uma mistura bem grande.
R – De negros da parte da minha mãe e aí eu saí mais parecida com ele.
P/1 – E você tem irmãos, June?
R – Tenho um.
P/1 – Um irmão? Como ele chama?
R – Ulisses também, Ulisses Júlio.
P/1 – E ele também nasceu no Rio?
R – Ele nasceu em Belo Horizonte, nós já tínhamos ido pra lá.
P/1 – Então ele é o mais novo.
R – É, sete anos e meio mais novo que eu.
P/1 – E eu queria que você contasse um pouco como foi a história dos seus pais, como eles se conheceram, se você se lembra.
R – Eu não lembro de muita coisa mas, por exemplo, os dois perderam os pais nas mesmas idades. Eles eram os últimos de uma família de seis também. Então eu acho que os dois perderam pais aos sete, oito anos de idade e depois as mães com 14 meu pai e a minha mãe acho que um pouco mais, não sei precisar datas. E eles se conheceram no Rio trabalhando no banco, que eu também não lembro o nome, e foi assim. Casaram, foram morar em Vila Isabel e daí a dois anos eu nasci.
P/1 – E você nasceu em Vila Isabel e morou lá até...
R – Cinco anos.
P/1 – Cinco anos.
R – Em 1953 nós fomos pra Belo Horizonte, eu fiquei lá até 75 e meus pais permaneceram lá durante muitos anos, 50 anos ou mais de Belo Horizonte. Depois meu pai faleceu, a minha mãe veio morar em São José dos Campos, que é onde meu irmão mora, e depois ela faleceu também.
P/1 – E você se lembra da sua infância lá no Rio de Janeiro, na Vila Isabel?
R – Lembro de alguma coisa. Esse calor insuportável já tinha naquela época. E eu tinha umas amiguinhas que moravam nas imediações. Eu tinha uma tia que morava na casa da frente de uma vila que meu tio era proprietário, casado com essa minha tia. Ele morava na casa principal e a gente tinha muito contato. Muito pouca coisa eu lembro.
P/1 – E vocês foram pra Belo Horizonte.
R – Aí fomos pra Belo Horizonte.
P/1 – E você lembra o porquê dessa mudança?
R – Porque meu pai, não foi bem que ele recebeu uma proposta, mas ele se juntou a algumas outras pessoas e foram abrir um negócio em Belo Horizonte, então eu fui por causa disso. Toda a minha educação eu tive em Belo Horizonte: educação acadêmica, cultural, toda eu recebi até 24 anos, mais ou menos, em Belo Horizonte, onde eu fui muito feliz e tenho muita saudade do povo mineiro.
P/1 – Então você passou a sua infância lá, praticamente.
R – É.
P/1 – E você lembra o bairro, a casa onde você morava?
R – Lembro. A gente mudou para um bairro chamado Floresta e lá perto tinha o Colégio Santa Maria, de freiras, colégio particular, onde eu fiquei até a quarta série ginasial que a gente chamava, primeiro grau, e eu brincava na rua. A gente podia brincar na rua, tinha muitos amigos na rua. E foi basicamente na rua que eu até comecei a gostar do vôlei, que a gente botava uma rede na rua amarrada numa casa e na outra. E ladeira, inclusive. E foi ali que eu comecei a gostar do vôlei.
P/1 – E de lá começou a praticar também na escola.
R – Na escola e depois no outro colégio que eu mudei também, já no segundo grau.
P/1 – E quais brincadeiras de infância que você se lembra?
R – De infância? Tipo nego fugido. Sabe o que é nego fugido?
P/1 – Não.
R – Sumia todo mundo naquelas ruas e tinha que procurar o nego fugido. Subia e descia a rua, procurava, não sei o quê. O tal do, ai meu Deus, esqueci o nome agora, mas era uma brincadeira que ficava dois aqui, dois lá e jogava bola e tinha que trocar de lado, acho que é vinte altas, chamava aquilo naquela época, não sei se está certo, mas era 20 altas. Ficavam duas pessoas aqui, duas lá, jogava uma bola de pano e quem pegavatinha que trocar com outro, era uma brincadeira assim, sabe, muito bom mesmo.
P/1 – E tinha muita criança?
R – Tinha. Na rua tinha muita gente, sabe? Brincadeira de roda, de passar anel. A gente era criativo, viu, pra inventar brincadeira naquela época. E tudo no meio da rua, sem perigo nenhum. De vez em quando saía todo mundo pra passar um carro ou outro, que era muito difícil. Mas muito bom tempo, muito legal mesmo.
P/1 – E você foi pra escola que você falou, o colégio católico, né?
R – O Colégio Santa Maria e lá fiquei até a quarta série ginasial, o primeiro grau completo.
P/1 – O que você lembra daquele primeiro colégio?
R – Era um colégio maravilhoso. Eu destoava um pouco porque era um colégio de meninas ricas, você está entendendo? Era um colégio particular, então meninas da alta sociedade frequentavam e eu não era ,da alta sociedade. E as freiras eram maravilhosas. Eu aprendi francês – na época a gente aprendia francês e latim. A missa era me latim, era uma maravilha, né? Eles ensinavam francês porque a congregação era francesa, das irmãs dominicanas. E os melhores professores estavam ali também, eram catedráticos e tudo o mais que eram contratados, provavelmente muito bem também, né?
P/1 – E tinha algum professor que te marcou muito naquela época?
R – Não. Tinha uma freira, Mer Lúcia, que ela era encarregada da parte do vôlei. Então eu tinha mais contato com ela por causa disso, era mais, esqueci a palavra, pode voltar?
P/1 – Pode continuar falando, sem problemas.
R – Não é tenso, nem relaxado... esqueci a palavra agora.
P/1 – Era mais tranquilo.
R – Era tranquilo com ela.
P/1 – Mas não era ela que dava aula de vôlei lá.
R – Não. Ela era uma freira lá. E tinha uma irmã lá também, que chamava Mer Reginaldo, que me marcou muito também porque ela era professora de Matemática e eu sempre detestei Matemática. E uma vez eu fiquei de segunda época pra variar, eu estudei muito e passei com uma nota maravilhosa, então eu lembro dela me parabenizando, me cumprimentando e tal. Ela era brava, daí eu gostei muito, foi outra freira que me marcou muito. E tinha outros professores também, sem ser da congregação, professor de inglês, de francês, de português muito bons.
P/1 – E você começou a jogar vôlei lá.
R – Comecei a jogar vôlei no colégio e o técnico achou que eu poderia ser aproveitada no Minas Tênis Clube e me levou pra lá. E foi uma luta porque a minha mãe não queria deixar, ela achou que ia atrapalhar o meu currículo escolar, que eu não ia estudar, que eu ia largar pra lá. Mas eu nunca gostei de estudar, pra falar a verdade, eu estudava pra passar. E então tiveram que fazer a cabeça da minha mãe pra deixar eu jogar no Minas, aí deixou e pronto, foi muito bom.
P/1 – E você jogou quanto tempo lá no Minas, você lembra?
R – Foi de 62 a 67 mais ou menos.
P/1 – Você contou pra gente que teve um episódio que você foi convocada pra jogar na seleção brasileira.
R – Sim, porque na seleção mineira eu era sempre convocada e houve uma ocasião em que eu fui convocada para a seleção brasileira, que ia treinar aqui em São Paulo, mas ia ficar muito puxado pra mim e eu pedi dispensa. Porque eu estudava, os treinos eram aqui em São Paulo, não ia dar certo, sabe? Não podia largar as coisas em Belo Horizonte.
P/1 – E aí você pensou em algum momento em seguir essa carreira de atleta como profissional?
R – Não porque não existia naquele tempo, sabe? A gente é da época do amadorismo, você não recebia nada, você jogava por amor à camisa mesmo. Às vezes algumas amigas arrumavam emprego por causa disso, essa facilidade a gente tinha, de trabalhar, um banco arrumar um bom emprego pra jogar pelo banco ou pela empresa que tinha te contratado. Mas não tinha isso, sabe, não tinha profissionalismo, então ninguém recebia por isso. A gente tinha que ter um emprego, o vôlei era uma coisa à parte, trabalhar de outra maneira.
P/1 – E você começou a trabalhar com quantos anos?
R – Dezoito. Logo quando eu me formei em 66, que eu fiz o magistério, que chamava Curso de Formação para Professores Primários. Eu fui ser professora de um colégio de pré-primário, foi o dono do colégio que me convidou com a intenção de eu organizar o time de vôlei do colégio, mas eu exercia a função de professora de pré-primário também. Mas aí depois tudo muda, né? Não deu mais certo e eu fui trabalhar em empresa de engenharia como recepcionista e fui mudando, mudando e trabalhei até como relações públicas da Usiminas, mas aqui em São Paulo. Depois meu filho nasceu, eu fiquei em casa e me dediquei ao artesanato e acabei me aposentando como artesã pela prefeitura, porque eu tinha registro de ambulante da prefeitura, pagava o INSS, tudo direitinho. Até que um dia eu vi que eu tinha 27 anos e meio de contribuição. Agora vai ser difícil, né? Mas eu tinha 27 anos e meio de contribuição e eu aposentei. Mas continuei fazendo algumas coisinhas, lógico.
P/1 – E você veio pra São Paulo quando?
R – Em 75. Dia 25 de fevereiro fez 42 anos que eu mudei pra cá.
P/1 – Você pode contar um pouquinho dessa mudança, por quê?
R – Posso. No princípio foi duro, eu não sabia cortar cabelo aqui, eu não sabia ir no dentista, foi um horror. Porque em Belo Horizonte eu não entrava em fila pra nada, eu arrumava emprego pra mim, mas com um bando de amigas com um telefonema, era outro estilo de vida. Cheguei aqui em São Paulo, comecei a entrar em fila e levar não pela cara, um monte de coisas. A partir de uns dois anos que eu estava aqui eu fui mais ou menos engrenando e depois, como todo mundo, começa a gostar de São Paulo e não quer sair daqui mais. Com isso já tem 42 anos que eu estou aqui.
P/1 – E você veio com a sua família pra cá?
R – Não. Eu vim... Essa parte que eu acho que é a pior. Eu era casada, eu vim com meu marido que trabalhava na construtora Mendes Júnior, ele veio de transferência pra cá e eu vim com ele. Mas daí no mesmo ano a gente separou.
P/1 – E você ficou sozinha aqui.
R – Eu fiquei sozinha aqui. E depois de dois anos e meio eu tive uma, um nome bonito que usa agora, relação estável, é isso?
P/1 – Isso.
R – Foi onde nasceu meu filho e nós vivemos, minha verdadeira família foi nessa relação, nove anos e meio. Mas depois não deu certo também e eu separei de novo. Então tem 30 anos, mais ou menos, que eu estou divorciada, sozinha e estou bem.
P/1 – E você tem só esse filho?
R – Só um filho eu tive.
P/1 – Como ele chama?
R – Tadeu. Nasceu no dia de São Judas Tadeu, 28 de outubro.
P/1 – E os seus pais continuaram em Belo Horizonte quando você veio pra cá.
R – Eu ia muito por causa disso e tudo, mas depois meu pai morreu e daí uns tempos minha mãe veio pra São José dos Campos, eu deixei de ir a Belo Horizonte. Por isso que eu fiquei longe dessa primeira história de Belo Horizonte, sabe? E aí você começa a achar que não tem razão de ser você voltar lá. Você começa a lembrar de um monte de coisa.
P/1 – E você ficou mais no estado de São Paulo mesmo.
R – Aí fiquei aqui em São Paulo.
P/1 – E aqui em São Paulo você já foi morar onde você está hoje ou não? Onde você morou aqui em São Paulo?
R – Logo quando eu mudei pra cá, no meu primeiro casamento, eu morei na Rua Bráulio Gomes, ali na Praça da Biblioteca, Praça Dom José Gaspar. No tempo que eu saía à noite e ia na Praça Roosevelt a pé, tinha um supermercado lá, eu andava ali por todo o centro. E não tinha problema nenhum. Depois, no meu outro relacionamento, eu fui morar no bairro Paraíso na Rua Maestro Cardim, ali perto da Beneficência Portuguesa, ali foi que o Tadeu nasceu. Depois da separação que eu estou nesse endereço onde vocês foram me buscar, na Mário Amaral, mas eu nunca saí do Paraíso (risos), de endereço pelo menos, né?
P/1 – Eu queria que você contasse um pouco como é que é essa São Paulo quando você chegou. Você falou que você conseguia andar pela rua. Conta um pouco como é que era, quem circulava nas ruas.
R – Então, porque é assim, eu achava que eu era uma retardada mental aqui em São Paulo, porque eu me criei em Belo Horizonte, aquela facilidade, as pessoas muito receptivas, amigas. E aí cheguei aqui e ninguém nem olhava na sua cara porque já era assim, não é agora. E as pessoas, na realidade tinha menos pessoas, o povão era menor. E eu trabalhei na Avenida Paulista, que a Usiminas era no Conjunto Nacional. Era tudo mais calmo. Fazia frio, em março você já tinha que levar um casaquinho pra sair do serviço porque já estava esfriando, muito interessante. Ainda peguei a época do pessoal de terno pra ir pro cinema, essas coisas.
P/1 – E você começou a trabalhar aqui em São Paulo logo que você chegou?
R – Logo que eu cheguei eu já vim com algumas recomendações e através de jornal eu fiz algumas entrevistas. E quando eu estava, já ia fechar com uma empresa que eu não lembro o nome agora, eu fui chamada pela Usiminas, que eu ia até ganhar menos, mas era mais fácil ir pra Usiminas na Paulista de onde eu morava, na Praça Dom José Gaspar, e uma empresa mineira, que lá não tinha quase mineiro nenhum, mas te dava uma certa segurança, parecia que você estava...
P/1 – Em casa.
R – Era uma desculpa de estar na cidade, sei lá, a Usiminas. Fiquei uns dois meses desempregada só, mais ou menos.
P/1 – E você trabalhou muito tempo na Usiminas?
R – Na Usiminas eu trabalhei três anos e meio, daí eu fiquei grávida do Tadeu e resolvi parar de trabalhar, foi onde eu me dediquei ao artesanato, né?
P/1 – E como é que foi essa transição de trabalhar pra ficar em casa cuidando do filho?
R – Não foi mole, não, porque eu comecei a trabalhar com 18 anos, sempre trabalhei, tal, e de repente você se vê enfiada dentro de casa. Mas eu optei por ficar com meu filho porque eu não tinha ninguém, nenhum parente aqui que pudesse me ajudar. E eu tinha que contratar alguém pra tomar conta dele, eu não consegui fazer isso. Cada hora eu não ia porque o Tadeu estava nessa fase assim, assim. Agora eu vou. Aí não ia porque... sabe? Então me dediquei por 30 anos pra ele só. Eu tive sempre muita atividade paralela, nunca deixei de fazer minhas coisas, mas trabalho fora, nunca mais.
P/1 – E você começou a se dedicar ao artesanato.
R – Aí em casa comecei, pra poder ter uma atividade. E eu me inscrevi na prefeitura como artesã, tal. Queria participar dessas feiras públicas que têm por aí, que é muito difícil entrar. E a cada época eu fazia uma coisa.
P/1 – E o que você faz e fazia?
R – Eu já bordei camiseta, eu já fiz sachê, colchas com panos de prato emendados com crochê. Tinha uma época que tinha uns panos de prato muito bonitos, sabe? Era uma coisa bem rústica, mas de boa qualidade. Emendava aqueles panos de prato com crochê e fazia colcha de solteiro, pra criança e tal. Bordar tela, bordei muito, fiz muito panô e quadro. Mas aí vai ficando muito caro, essa é a parte que fica cara do artesanato, é essa parte de tapeçaria. E depois crochê e tricô. E até hoje é o crochê e o tricô que eu gosto, que você vende uma coisinha ou outra, vai levando.
P/1 – E você aprendeu com quem essas artes?
R – Frequentando cursos de armarinhos, porque tem uns armarinhos que se você compra um material lá você tem direito a fazer aula. Então foi assim. E até hoje quando eu quero alguma coisa eu procuro um armarinho que tem aula de crochê, só que agora tem que pagar, não precisa você comprar só o material, você pode até levar seu material mas tem que pagar a aula. E eu procuro me atualizar assim, com revistas do ramo e tudo o mais.
P/1 – E nessa área de artesanato você conheceu muita gente, fez muitas amizades, como é que é essa relação entre as artesãs?
R – Quando você vai fica mais ou menos aquela panelinha, né? A panelinha das quintas-feiras à tarde que reúne todo mundo pra fazer seu trabalhinho. Mas é só ali, viu? Esporadicamente um telefonema pra tirar alguma dúvida e tal, mas era só mesmo durante a aula. Porque cada um tinha seus afazeres, era todo mundo casado, tinha filho, não sei o quê. Ali era o intervalo de buscar a criança no colégio, tal.
P/1 – E você falou que você vendia na feira essas coisas.
R – A primeira feira que eu tentei colocar foi na Feira da Liberdade. Logo na primeira entrevista o japonês que me atendeu falou que aquilo não era artesanato, era indústria. Eu fiquei tão decepcionada, sabe? Eram sachês que eu fazia com sabonete, com lantejoula, pareciam bolsinhas, dava um trabalho danado. Aí eu fiquei meio desiludida. Depois comecei a entrar em fila, você acredita que eu nunca consegui lugar em nenhuma das feiras. Então o que eu fazia? Eu ia pra bazar. Bazar de igreja, bazar de colégio, feira de clube, sabe?
P/1 – Pra vender.
R – Pra vender. Porque você tem que pagar um aluguel pelo seu espacinho. Mas aí você tinha oportunidade de expor a sua mercadoria, porque até hoje eu mais fabrico do que vendo, então tem sempre muito capital empatado. Você precisa escoar aquilo.
P/1 – No caminho pra cá você veio falando que tem coisa que você faz que você não quer vender. Você vende por opção ou porque...
R – Ah sim. Que nem no ano passado eu fiz umas mantas lindas e não tive coragem porque ficaram muito bonitas (risos).
P/1 – Mas se alguém chegar e te pedir você vende ou não, tem coisa que tem um carinho?
R – Ah, até vendo, mas... nesse caso você pode até repetir, fazer outra. Mas eu canso, eu não gosto de fazer coisa repetida porque você vê tanta cor, tanto desenho, pra que você vai ficar fazendo a mesma coisa sempre, né? Mas foi uma reação de uma novidade que eu tinha feito, que eram essas mantas, mantinhas pra pôr em cima da perna, ou jogar no sofá, não são mantas enormes. Então foi novidade que eu fiz no ano passado que me deu uma ciúmes, sabe, porque elas ficaram muito bonitas e eu não queria abrir mão.
P/1 – E trabalhando em casa, cuidando do filho, como era a sua dinâmica ali na região do Paraíso, o que você gostava de fazer por ali, as atividades de lazer ou mesmo o que tinha próximo de comércio.
R – Olha, o que tinha ali era a Sears, sabe onde hoje é o Shopping Center Paulista? Era aquela loja Sears, se não me engano ela é holandesa, tem no Rio também, era famosa aquela loja Sears. Eu ia a pé, pertinho. Tinha supermercado. A minha vida era ali na Rua Treze de Maio. Porque na Maestro Cardim, que é a paralela abaixo não tinha nada, tinha só os prédios, tinha a Beneficência Portuguesa e aquela rua acabava na Pedroso de Morais, ali não tinha muita coisa. Então eu usava muito a Sears e os supermercados ali na região, inclusive o Extra, que eu acho que chamava Jumbo naquela ocasião, não sei.
P/1 – E de lazer, tinha bastante coisa por ali?
R – De lazer? Acho que não. Porque por incrível que parece eu frequento o Parque do Ibirapuera há uns 38 anos, mais ou menos, e na época do meu filho eu não ia lá. Eu poderia ter ido mais ao parque e tudo, mas aí ele foi pra escola, era pré, esqueci o nome agora. Antes do jardim, ele foi até de fralda, que eu coloquei ele lá porque no meu prédio tinha só meninos grandes, era um tal de passar bicicleta, não sei o quê, era a oportunidade que ele tinha de ficar livre, ter aula, aprendia as coisinhas dele. Era mini maternal quando ele entrou, na Escola Cebolinha lá na Vila Mariana. E aí era basicamente isso, ele ia pra escola e ali no playground e só, que eu me lembre, de lazer era só. E ele saía muito comigo, pra todo lado que eu ia o Tadeu ia, pra shopping, não sei o quê.
P/1 – Eu queria que você falasse com foi criar ele, a infância. Enfim, chegou o momento em que você estava separada.
R – Quando eu me separei do pai dele o Tadeu tinha oito anos, então não foi mole. Apesar de que a assistência financeira do pai dele foi total e eu fiquei com a mão de obra. Então eu sempre tive muita energia e sempre assumi, peguei a empreitada, é minha, acabou, vamos embora. Eu dei conta sem fazer alarde nenhum, mas eu tive que abrir mão de muita coisa na minha vida. Eu estava comentando que eu deixei de ir ao cinema muitos anos por causa disso, que é uma coisa que eu gosto de fazer e outras coisas também. Encontrar com uma amiga pra tomar um café, isso eu fiquei muito tempo. Eu tinha que marcar consultas médicas ou qualquer coisa assim, de acordo com os horários do Tadeu. Então sempre foi assim. Depois que ele foi crescendo, a vida vai mudando. Eu fui motorista dele uns 15 anos, motorista particular. Depois que vai se soltando, vai crescendo, vai fazendo as coisas sozinho. E aí ele é médico ortopedista. Ele estudou em Santos seis anos. Ah, teve essa parte de Santos. Ele estudou no Colégio Anglo Latino na Aclimação, depois ele estudou no Etapa. Ele fazia vestibular e não conseguia entrar aqui em São Paulo, sempre ficava na lista de espera pra ser chamado e nunca era, sabe como? E no dia que ele resolveu fazer em Santos, que desencontrou da PUC, sempre Santos a Universidade Lusíada, que é a mais antiga, sempre coincidia com a PUC. Então ele nunca fazia pra Santos. No dia que desencontrou ele foi fazer e passou em Santos, acho que sexto ou sétimo lugar e foi pra lá estudar. Então foi outra fase da minha vida, descer e subir.
P/1 – Pra ir lá visitá-lo.
R – Pra dar assistência pro Tadeu lá em Santos.
P/1 – E você nunca pensou em mudar pra lá?
R – Eu vou te falar, eu queria ir com o Tadeu quando ele foi morar lá, mas tem a turma da oposição: “Deixa o menino! Você vai ficar no pé dele!”. Até um cardiologista na época falou: “Deixa o menino sossegado, deixa ele ir embora pra Santos”. Eu poderia ter ido porque eu não tinha compromisso de trabalho aqui, o que eu fazia aqui eu fazia lá. E poderia ter dado maior assistência pra ele, coisa de mãe. Inclusive muitos pais que tinham filhos, e eu acho que até acabam comprando apartamento lá, moram lá porque adoram e resolvem ficar lá.
P/1 – Como é que foi cortar esse cordão umbilical?
R – Nossa senhora, foi demais! Foi demais. Apesar de que ele vinha todo fim de semana pra São Paulo e eu poderia ir também, eu ia. Eu fazia o contrário, enquanto o pessoal ia fim de semana eu voltava com ele, ficava segunda, terça, tal e depois eu vinha de novo. Mas foi duro, não foi mole, não. Ver ele sair no carro com as coisinhas dele. E eu sou daquelas que finge que não está sentindo, sabe? Porque eu tenho certeza que se eu cair ninguém vai me segurar mesmo. Então foi bom também, porque lá é uma cidade descontraída, eu falei pra ele que lá até os pacientes são mais, só alegria. Foi bom ele ter estudado lá. No início ele rejeitou um pouco, mas depois ele enturmou e gostou de ter estudado. Isso já tem mais de dez anos.
P/1 – E você começou a fazer as coisas mais sozinha aqui, a tomar o tempo que antes você se dedicava pra ele pra você. E aí, conta um pouco o que você fazia.
R – Então, isso mesmo, eu fazia minhas caminhadas religiosamente. Depois quando eu voltava pra casa era o artesanato e os cursos no SESC Vila Mariana, eu sempre preenchi dessa maneira. Aí, pessoal fala assim: “Poxa, mas você nem trabalhou?”. Porque eu sempre fiquei à disposição do Tadeu, sendo erro ou não. Porque qualquer coisa que ele precisasse eu ia largar tudo mesmo e ia atender, então não ia combinar esse compromisso. E ele não tinha outra pessoa com a qual contar. E aí o tempo passou.
P/1 – E você falou que você frequentava o SESC Vila Mariana.
R – Desde a fundação.
P/1 – Conta um pouquinho pra gente como é que era, o que você fazia lá?
R – Ali no SESC Vila Mariana eu sempre frequentei mais o Centro de Música. Porque eu fui sócia do Círculo Militar de São Paulo durante 24 anos, então essa parte de lazer de esporte, tudo, eu poderia fazer lá. E o SESC Vila Mariana eu aproveitava pra fazer cursos de música e participar de algum curso referente a essa área. Até no Canto Coral ou algum professor diferente ia lá fazer alguma atividade, alguma oficina. E o Centro de Pesquisa e Formação do SESC acho que começou lá. E eu comecei também a fazer cursos no CPF, que faço até hoje, mesmo tendo mudado de lá.
P/1 – E você tem uma ligação forte com a música, você gosta muito.
R – Tenho.
P/1 – Qual é o seu gênero preferido? Que você gosta mais e tem mais ligação.
R – Eu passei a minha adolescência cantando música americana, eu gostava muito do Johnny Mathis. E eu acho que minha voz combina mais com música estrangeira. Eu gosto de música popular brasileira, adoro samba, mas eu sempre fui muito ligada em música americana. Coisa de fazer, às vezes eu não tive oportunidade. Mas compositores bons também. Eu nunca tive oportunidade de perguntar pra minha mãe se ela ouvia muito Gershwin e Cole Porter porque eu adoro as músicas desses dois compositores. Músicas de filmes, gosto mesmo. Eu não tenho muita rejeição a certos tipos de música, não. Tem umas que você gosta e você não gosta, mas não porque não tenha o seu valor.
P/1 – Você trouxe várias fotos com pessoas super consagradas do samba. Eu queria que você falasse um pouquinho da sua ligação com o samba.
R – Adoro samba, sempre gostei, sei sambar, tenho samba no pé. O meu samba é o clássico de Cartola e grandes, que você samba arrastando. Hoje o pessoal dá cada salto desse tamanho pra sambar, você já viu? Faz uma confusão com o pé, dá um salto. Não precisa disso, sabe? (risos) E talvez por eu ser carioca também já é um motivo pra você gostar de samba, carnaval, acho que já está no sangue, não sei. E essa questão de eu gostar de música, eu falo sempre que eu herdei, acho que foi a única coisa que eu herdei do meu avô paterno foi o ouvido, que o meu avô paterno era afiador de piano e compositor. E eu tenho um bom ouvido, sabe? Outro dia teve um evento em frente da minha casa, de uma companhia de publicidade que tem lá, uma agência, e teve um evento de carnaval lá numa área deles lá. E o rapaz que estava cantando estava assassinando as músicas, estava cantando Cidade Maravilhosa tudo errado. Além da letra errada, desafinado. Depois Máscara Negra. Eu falei: “Gente, eu vou chamar a polícia”, porque geralmente o pessoal do bairro chama a polícia pra acabar com o barulho, né? Me dá uma raiva. Eu falei: “Vou chamar a polícia pra pegar esse assassino que está acabando com as músicas!”. O meu ouvido é bom pra isso e inclusive outras coisas, pra distinguir no telefone o seu estado de espírito o ouvido também é muito bom. Até eu sinto se você está prestando atenção ou não no que eu estou dizendo. Pelo ouvido você descobre muitas coisas também, né? Então eu herdei do meu avô essa questão do ouvido bom. Na parte da minha mãe eu tenho primos que fizeram conservatório, cada um sempre toca uma coisinha. A música ainda exerce bastante influência na família.
P/1 – Você até gravou um CD, né? De samba.
R – É, me deu uma vontade (risos). Mas o meu CD eu gravei por realização pessoal, não era pra vender, nem ganhar dinheiro. Inclusive pra poder me mostrar o resultado de tanta aula de canto que eu fiz, pra alguma coisa tinha que servir na vida, né? Então, que eu não canto nem morta, subir no palco. Só fico atrás da cortina, depois dos aplausos abre e o pessoal pode ficar sabendo que sou eu, mas subir no palco pra cantar, não consigo.
P/1 – É uma vergonha?
R – Não sei. Não sei se é vergonha, se é insegurança. Porque pra você fazer um negócio desses você tem que ter um deslumbramento. Porque tem tanta gente que canta mal e chega lá crente que está abafando. Então eu tenho muito medo disso também, sabe, de pagar mico.
P/1 – Sei.
P/2 – As músicas do CD não são composições sua.
R – Não.
P/2 – Porque você disse que compôs uma música.
R – Eu ja compus três músicas. Eu compus um rap em 96 quando eu comecei a fazer natação, mas sabe quando você acha que aquilo é bobagem? Eu só sei a primeira estrofe e as outras eu não sei e essa coisa se perdeu, ficava até fixado na escola de natação porque era sobre a escola, os alunos, os professores, era sobre aquilo. Depois eu fiz um funk, o funk não tem muito tempo, não. Foi em 2002. Eu reparava que tinha um funcionário de um shopping que trabalhava muito e todo mundo chamava ele. Eu não vou falar o nome porque ele acabou com a minha raça porque eu fiz o funk com o nome dele. Depois me falaram que eu acho que ele era evangélico, ele chegou perto de mim e disse: “Eu tenho mais o que fazer”. E o funk, todo mundo do shopping adorou porque era o homem escritinho, que todo mundo chamava pra remendar, pra não sei o quê. Esse eu guardei. Eu falei: “Eu vou chamara Tati Quebra Barraco pra gravar esse funk meu que vai ficar ótimo”. Aquelas vozinhas, né? Tanana nanana (imita funk). E recentemente, tem uns dois anos, eu compus um samba que eu vinha aqui no Jongo Reverendo, num projeto chamado Samba pra Nossa Senhora, que era o Ailton Graça e o T. Kaçula, que é muito famoso aí, foi presidente da Camisa Verde e Branco, tudo. Eles que bolaram esse projeto, que ia ser todo último domingo do mês. Mas aí houve uns empecilhos que não deu para eles continuarem. Mas eu gostei tanto desse Samba pra Nossa Senhora daquele dia que eu não aguentei e compus um samba descrevendo tudo o que aconteceu lá, que chama Domingo Sagrado. Aí eu registrei, não por medo que alguém ia me roubar, pra realização pessoal também. Porque dizem que o meu avô compunha muita coisa e dava pra presente as partituras. E às vezes eram boas e alguém assumia a composição e tudo o mais. Pouca gente sabe desse samba, mas eu vou conseguir um jeito de alguém gravar esse samba.
P/1 – E você nunca cantou ele?
R – Eu não. Eu canto assim, pra mostrar pra uma pessoa ou outra, mas eu gostaria que esse samba fosse cantado ou por homem, ou por mulher de voz mais grave porque o samba com voz aguda não fica muito bom, eu acho que não fica.
P/1 – Você acha que a sua voz é muito aguda pro samba.
R – É, eu sou soprano lírico, sou classificada como soprano lírico, então eu acho que não combina com samba, tinha que ser mais grave.
P/1 – E também a música clássica, a ópera, você gosta muito.
R – Porque quando eu comecei a fazer aula de canto eu comecei como todo pessoal de canto lírico começa, comecei a fazer vocalize, estudar árias de ópera e tal. E eu nunca fiz curso de MPB. E outra coisa também que eu estava aliando, que eu larguei um pouco essa parte mais clássica, que eu gosto muitos musicais da Broadway, das músicas. Eu sou fã do Andrew Lloyd Webber, das músicas dele, adoro. Não com aquele negócio de show biz americano, as músicas dele são bonitas mesmo. Você deve conhecer o irmão dele.
P/1 – Será? Não sei (risos).
R – Que é violoncelista maravilhoso, que depois eu vou lembrar o nome e vou te falar, que toca as músicas do Andrew Lloyd Webber. Ah, esqueci, estou vendo ele aqui e esqueci. Ele é violoncelista mas nossa, tem um CD dele com as músicas do Andrew Lloyd Webber, acho que é Christian, não sei se é Christian. Eu comecei a fazer, até estudando com o professor eu ficava encaixando uma ária e um musical, uma ária e um musical da Broadway, pra se um dia eu tiver coragem eu vou fazer uma apresentação com essa combinação, mas não adianta.
P/1 – Não tem coragem, tem vergonha.
R – Acho que é Christian Lloyd Webber, violoncelista. Ele toca maravilhosamente bem violoncelo. Ele tem essas músicas da Broadway toda em violoncelo, mas é uma coisa de louco, muito bom.
P/1 – June, você me falou até aqui que você gosta muito de carnaval. E conversando com você, você me contou sobre os bloquinhos, que tinha o bloquinho da escola do colégio.
R – Não, eu saí no Bloco Cascavel 13 anos.
P/1 – Isso.
R – Que esse bloco foi fundado no Colégio Dante Alighieri. E os desfiles eram na Avenida Faria Lima, na altura do Shopping Iguatemi. Era uma beleza, era todos os domingos, aquilo ali era fechado as ruas e outros clubes da elite de São Paulo desfilavam ali também. E outros blocos também, era uma maravilha aquilo, sabe? Depois começou a dar confusão ali e passaram pra Nova Faria Lima, que era uma continuação da Faria Lima, mas mais pro lado da Vila Mariana, Folia na Faria. Era um espetáculo. Tinha campeonato como se fosse escola de samba. E o Osmar Prado, é Osmar Prado que era aquele radialista?
P/3 – Osmar Santos.
R – Osmar Santos! O Osmar Santos que narrava o desfile. Era uma coisa maravilhosa. E os pais dos meninos é que bancavam as despesas do bloco, o patrocínio era dos pais. Mas aí depois acabou porque quiseram que a Folia fosse no sambódromo, mas por falta de graça, bloco desfilar igual escola de samba? Bloco tem que desfilar na rua. Hoje ainda existe a Folia na Luz, que é mais ou menos uma coisa assim, mas não é como antigamente. E o bloco acabou porque os meninos cresceram, a faixa do Cascavel era de 14 a 20 anos e tinha uma ala só pros pais, a ala dos coroas, porque eles investiam, tinham o direito de desfilar. Aí casaram, cresceram e o bloco acabou.
P/1 – Mas o seu filho estudava lá também?
R – O meu filho não quer saber de samba. Ele ficava em casa, por muito favor ele gravava o desfile pra mim em videocasssete. Eu ficava doida, frustrada, que eu queria que ele: “Sai na bateria”, nunca quis.
P/1 – E desfile você já desfilou também, escola de samba?
R – Na escola de samba eu só, uma confusão na minha cabeça, um contraste, sei lá. Eu desfilei duas vezes na Imperador do Ipiranga aqui de São Paulo porque eu tinha um casal de amigos que eram diretores de ala, me convidaram e era um ambiente bom, era gostoso. Aí a gente saía. Mas eu gosto muito de assistir também. Porque quando você desfila você não sabe de nada o que vai rolar ali, você vai na sua ala, desfila, você não vê o efeito, você tem que ver no dia seguinte em alguma reportagem como é que a sua escola estava e tudo. Eu acho que eu prefiro assistir pra ver detalhes e tudo o mais.
P/1 – Assistir em casa ou no sambódromo?
R – Em casa. Porque no sambódromo é igual ópera ou ballet, você tem que ficar bem alto pra poder ver a pintura. Tem gente que fala assim: “Olha, eu fui no sambódromo e fiquei assim, ó, com o componente”. Falta de graça, você tem que ver o conjunto, ficar na mesma direção do componente não tem graça, então você tem que ficar lá em cima pra você ver bem a escola passar. Mas dá muita canseira também. Eu nunca fui de varar noite, eu sou Belle de Jour (risos).
P/2 – Essa é uma pergunta difícil, mas é importante.
R – Então não faz, não (risos).
P/2 – A gente queria saber se você tem algum sonho que você ainda não realizou.
R – Tenho! Mas é tipo desse sonho que depende de finanças, né? Eu gostaria de ter um sítio onde tivesse uma boa sauna, cinema, uma salinha de cinema, uma capela e alguns animais e tal, onde eu pudesse receber meus amigos, fazer aquela farra, todo mundo vai pro cinema. Convidar um padre da cidade próxima pra rezar a missa todo domingo, sei lá. Isso eu gostaria de ter, é um sonho. É meio difícil de realizar, mas eu gostaria. Sabe, de ter cavalo, cachorro espalhado, hortinha. E muita flor. Eu gostaria sim.
P/1 – Você falou de levar seus amigos. Como é o seu ciclo de amigos?
R – Eu sempre pertenci a vários grupos. Grupo esotérico, grupo da música, grupo do clube, grupo do coral, grupo de amigas que não têm nada a ver. Eu sempre participei de vários grupos. E eu gostaria de ver um que às vezes não tem nada a ver com o outro, mas eu gostaria de ver todo mundo junto, participando, fazendo aquele congraçamento, entendeu?
P/1 – E são amigos que você vai fazendo conforme você vai fazendo cursos.
R – É. A turma do SESC, essas coisas, que eu vou fazendo de acordo onde eu vou infiltrando. Eu tenho muita facilidade de fazer amizade, muita mesmo.
P/1 – Lá no SESC, no CPF, como você frequenta muito, tem alguns que você sempre vê, né? Você sai pra fazer coisas fora do SESC ou é ali o encontro dos amigos no SESC mesmo?
R – É no SESC, nos SESCs, né? Eu não me lembro da gente ter feito alguma coisa, só ópera ou algum concerto diferente, aí a gente até se encontra em cinema e tal. Mas até tomei a liberdade de agendar um colega do SESC no teste lá pro curso do Vila Mariana. Porque eu sei que ele gosta, que ele vai curtir, então tomei a liberdade porque ele não está aqui, está viajando, vai chegar domingo. Então eu até tenho que falar pro moço lá, se ele não quiser ir, mas eu tenho certeza que ele vai. Então você começa a conviver e saber dos gostos das pessoas e tal.
P/1 – E fora o Centro de Música e o CPF, tem alguma outra atividade que você gosta de fazer no SESC?
R – Acho que não.
P/1 – É mais o Centro de Música lá no Vila Mariana.
R – É.
P/1 – Lá você fez quais cursos?
R – No Vila Mariana?
P/1 – É.
R – Eu não lembro muito, não, mas eu posso te falar o número que teve com o Irineu Franco Perpétuo sobre Introdução à Música Clássica que foi muito bom. Mas no Canto Coral eu fiquei quase cinco anos. E eu já fiz oficina com o professor Valdir também sobre, eu nunca sei o nome verdadeiro do curso, mas era uma divisão de grupos pra fazer um quarteto ou um trio, então um cantava, o outro tocava saxofone, o outro não sei o quê. Tem uns dois anos que eu fiz esse também. Já fiz com o professor Maurício também cursos sobre compositor. Fiz um pouco de flauta doce com Renato Veras. Aliás, foi o Renato Veras que botou as notas na partitura pra mim do meu samba porque eu sou péssima de teoria musical, tenho bloqueio. Eu sempre falo, eu tenho bloqueio pra teoria musical e astrologia, não entra na minha cabeça. Então, apesar de eu fazer mil cursos, até com o Renato mesmo eu fiz dois seguidos, não adiantou nada. Muito pouca coisa fica gravada. Falou em dividir a música em compassos e botar não sei o quê, o tempo, tal, não adianta que eu não faço, então eu pedi ajuda pro Renato Veras botar as notas no meu samba, porque eu tinha que levar a partitura pra biblioteca lá, que tem uma filial da Biblioteca Nacional do Rio, porque esses registros são feitos no Rio, mas tem uma filial aqui. Então você vai lá, preenche o negócio, entrega o seu material e fim de papo. Depois eles mandam autorização. Eles precisam de um tempo pra ver se tem alguma cópia, alguma coisa assim. E foi o Renato que botou pra mim as notas no meu samba.
P/1 – E como é que chama seu samba?
R – Domingo sagrado.
P/1 – Domingo sagrado. E ele conta a história do samba lá do evento.
R – É. Se vocês quiserem eu posso falar a poesia.
P/1 – Por favor.
R – Então é assim: “Fui ao Jongo Reverendo do Samba pra Nossa Senhora. Estava bom demais, só vendo, ninguém queria ir embora. Feijoada muito boa. E o pagode, nem se fala! Todo mundo rebolava no Samba pra Nossa Senhora. O cortejo começou exaltando Nossa Senhora, entrou São Benedito, impossível ficar de fora. Assim passamos a tarde exaltando Nossa Senhora. Quem não gostou, por favor, reza por nós agora”.
P/1 – Pode bater palma? (aplausos)
R – Obrigada. Porque foi exatamente isso que aconteceu, sabe? Porque a uma certa altura entrou um pessoal de um Centro de Umbanda do lado lá do Jongo Reverendo com uma imagem de São Benedito, coisa mais bonita, sabe? E aí começou aquele batuque junto, nossa, foi maravilhoso. Ainda tem mais duas ou três estrofes guardadas porque senão o samba ia ficar muito chato porque a melodia é mais ou menos a mesma porque é fácil de decorar, né? E tudo Samba pra Nossa Senhora repetindo muito pra pessoa gravar mesmo. Mas numa eu falo da Lecy Brandão, eu falo do seu Carlão, do Ailton, das coisas que eles fizeram lá também. E aí virou um samba.
P/2 – Você falou que você é católica e você falou que tem uma relação com esoterismo. Você também participou dessa samba e se emocionou com uma manifestação da umbanda. Eu queria que você falasse um pouquinho da sua relação com isso tudo.
R – Eu sou espiritualista. Como eu disse que eu sou muito pacificadora, eu gosto da maioria das religiões, cada um pensa do jeito que quer. Mas como eu tive iniciação católica, estudei em colégio de freiras e tudo o mais, meu filho foi batizado na igreja católica, casei na igreja católica e tudo o mais, mas a gente sempre tem curiosidade e atração por alguma coisa. No grupo de esoterismo aconteceu o seguinte: eu sofri um desastre, um acidente em 1995 que eu quase morri. Um caminhão distribuidor de bebidas passou por cima do meu carro, literalmente. Ele perdeu o freio numa ladeira na Vila Monumento e abaixou o capô do meu carro, só eu que sobrei ali, sabe? Sabe quando você sai do carro pensando se você está viva mesmo? Ainda faz assim no cabelo porque ele ficou cheio de caquinho de garrafa, né? Que era distribuidor de refrigerante da Antartica. E aí eu resolvi ir atrás do meu anjo da guarda, que nesse dia foi ele que me tirou dessa, você está entendendo? E na época estava muito em voga as oficinas da Mônica Buonfliglio, lógico que vocês já ouviram falar, né? Taróloga, angelóloga, tal. E eu comecei a frequentar uma das oficinas dela. E ali eu acabei fazendo um monte de curso. Tarô, cristais, numerologia cabalística, um monte de coisa. E por causa disso eu acabei frequentando outros lugares também pra me aprofundar e saber mais. E aí você começa a fazer amizade, tal, as amigas que vão fazer o mesmo curso. Desses todos o que eu me adaptei mais foi numerologia, que eu gosto muito mesmo. Porque são ciências, na realidade, não é nenhuma religião. Fiz muitas amizades por causa disso também. E a umbanda é muito bom ver, eu gosto. Eu não frequento, mas respeito candomblé.
P/1 – E você usa bastante a numerologia, essas coisas, na sua vida, no dia a dia?
R – Então, você sabe que eu gosto de tarologia também, que eu fiz tarô também. Mas sabe o que acontece? Você fica sabendo muito da vida das pessoas, eu não aguentei. Porque as pessoas sem querer te contam coisas que era melhor você não ficar sabendo, quer resolver ali não sei o quê, sabe? Então eu parei. Agora numerologia é mais leve. Porque a tarologia é um jogo que daqui a pouco muda. A numerologia é gostosa. Por exemplo, eu sempre falo que todo psicólogo, ou até mesmo pessoal de recursos humanos, devia fazer numerologia pra já calcular, já ficar sabendo a personalidade da pessoa. Então é mais fácil de você lidar. Porque acaba o negócio batendo mesmo, bate mesmo o resultado com o jeito da pessoa. É muito interessante.
P/1 – E, às vezes, na sua amizade você faz e fala: “Hum, essa pessoa aqui, não sei” (risos).
R – Porque é assim, a ética da numerologia você não pode fazer se a pessoa não te autorizar. Você não pode sair fazendo. Mas a gente: “Ah, vamos ver como é que ela é? Personalidade dela, o que ela veio fazer, os números que ela tem”. Então dá vontade sim. A minha neta, logo no dia que nasceu eu já fiz o dela.
P/1 – Quantos anos tem a sua neta?
R – Dois anos. Ela fez dia nove de fevereiro.
P/1 – Como que ela chama?
R – Lorena.
P/1 – Você falou que ela nasceu no dia, né...
R – No dia da Santa Apolônia, padroeira dos dentistas.
PAUSA
P/1 – June, conta pra gente da sua vida de atleta no vôlei, um jogo que tenha te marcado, da sua entrada na natação.
R – O vôlei foi a parte mais importante, foi toda a minha adolescência eu passei jogando vôlei. E foram muitos fatos marcantes porque eu participava de campeonatos colegiais, brasileiros, de clubes, interclubes, viajava algumas vezes pra interior para jogos da primavera. Foram muitos fatos marcantes no vôlei. E eu me desenvolvi muito. Em termos de amizade, olha o esporte era um ambiente maravilhoso. Hoje ainda acho que é o menos corrompido, mas o esporte, eu dei graças a Deus de ter enveredado por esse caminho. No Minas Tênis Clube, que foi o meu clube, eu joguei muito por lá. O Colégio Santa Maria, que foi onde eu comecei, depois passei pro Minas. E no colégio municipal também eu jogava. Tinha dia que eu mudava de camisa, eu ia no vestiário, acabava de jogar pro colégio, botava uniforme do clube pra jogar, a gente tem um fôlego maravilhoso. Ganhei muitas medalhas, etc. Agora, na natação foi em 96, 20 anos atrás, eu entrei numa escola de natação pra fazer natação. Aí comecei a me dedicar e quando tinha competições da escola, que ela participava, campeonatos e tal, eles me chamaram pra participar também. Pra mim foi uma novidade do esporte sozinho, que eu participava de esporte coletivo. E na natação você nada sozinho, você fica, sei lá. E eu até me dei bem na natação, que a gente fazia medley, eu nadava bem livre e borboleta, sempre gostei de nadar borboleta. Eu era magrinha, quer dizer, bem mais magra do que estou hoje então era uma beleza. E participava também de campeonatos master, dos veteranos, era dividido por categorias e tal e ganhei poucas medalhas porque foi pouco tempo que eu fiquei na natação. Eu sempre gostei muito de esporte, sempre.
P/3 – June, na juventude como você casou de ser atleta e ainda sair com os amigos, como que era isso?
R – Eu conciliava assim, eu estudava, normalmente os treinos eram à noite e essa questão de sair com os amigos e tudo, tinha dia que eu não ia nas festas porque tinha que ficar de concentração. Se tinha uma festa no sábado eu não podia ir porque tinha jogo no domingo de manhã cedo, qualquer coisa assim, então não dava pra ir na festa. E uma coisa que eu frequentava muito eram essas, a gente chamava de Hora Dançante, eram as festinhas que tinham nas faculdades, aos sábados. Toda vez que eu ia o cara me tirava pra dançar: “Você é a June, né, do Minas, que joga vôlei”. Isso era fatal, era uma coisa assim. Eles eram deslumbrados com o negócio, eu não estava muito preocupada de ser uma pessoa conhecida no esporte, tal. Mas era igual quando você encontra um cantor, alguma artista, você fala: “Fulano, me dá um autógrafo”, não sei mais o quê.
P/1 – Então você era famosa lá.
R – Eu era porque eu saía muito no jornal. Belo Horizonte era uma cidade pequena. Então qualquer coisa que eu fazia ali, ou qualquer pessoa, todo mundo ficava sabendo. Eu ia embora pra casa de onde eu trabalhava, quando eu comecei a trabalhar, se eu entrasse na rua diferente, quando eu chegava em casa meu pai já sabia. “Por que você veio pela rua tal e não passou em tal lugar assim e assim?”, coisa de cidade pequena.
P/2 – E como eram seus pais em relação a você sair, ir pras festas? Sua educação foi muito rígida?
R – Foi. Foi rígida sim. Mas eu tinha horário de voltar. Por exemplo, a festa começava às oito, às dez eles queriam que eu voltasse pra casa (risos). Mas eles entendiam também, sabe, muita coisa. E com relação ao vôlei eles vibravam. Quando eu chegava de treino sempre tinha um belo lanche preparado pra quando eu chegasse em casa. Quando eu viajava eles ajudavam nos preparativos. E pra festa, sair sozinha e tudo, em Belo Horizonte era muita fácil: eu ia treinar sozinha pro clube, andava a pé um pedação, pegava um ônibus elétrico pra ir pro Minas e eles entregavam a gente em casa. O Minas tinha um carro que botava todo mundo dentro e ia entregando uma por uma na volta. E é isso.
P/1 – Você falou que você tinha muitos fãs na escola, que te enviavam cartinhas, né?
R – É. As meninas do colégio.
P/1 – E era por causa do vôlei.
R – Era por causa do vôlei. Nossa, eles me achavam o máximo. Teve uma vez que elas se reuniram na casa de uma delas, que eu te falei que o Colégio Santa Maria era um colégio de meninas com um certo poder financeiro. E aí elas me convidaram pra ir na casa de uma delas, estava um lanche maravilhoso preparado. Porque eu era como se fosse o Neymar, sabe? Era a June que estava indo lá do vôlei. Prepararam tudo. As meninas todas de série inferior. E isso, nossa, eu ficava muito honrada, porque as mães participavam também e preparavam tudo.
P/1 – Como é que era a rivalidade entre os clubes no vôlei? Tinha muita briga, rivalidade entre as meninas?
R – Era mais ou menos. Porque como eu te falei, eu sou uma pessoa muito pacificadora. No meu caso específico, eu tinha festa em outros clubes e eu já dormia na casa das adversárias. No dia seguinte ia ter jogo? Jogo é na quadra, acabava aquela intimidade, aquela coisa e a gente jogava. Então tinha uma rivalidade mais ou menos porque só entre os dois maiores clubes que tinha em Belo Horizonte em termos de decisão de campeonato.
P/1 – Quem eram?
R – Era o Minas e o Mackenzie. Mas era só ali, no jogo todo mundo comia bola, se matava e tal, mas sempre, nunca houve de um não querer olhar na cara do outro, nada disso.
P/1 – Você falou que você estudava numa escola que tinha um poder aquisitivo alto e você dá a entender pra gente que seu pai não tinha esse poder aquisitivo. Queria saber como você foi parar nesse colégio?
R – Eu fui parar porque era perto da minha casa e até então dava pro meu pai pagar o colégio, mas a vida delas era completamente diferente, os lugares que elas frequentavam. Nas festas do colégio, até na maneira que elas se vestiam, nas reuniões de colégio e tal. Mas acho que por isso que Deus me colocou no lugar certo porque eu fui uma pessoa que eu acho que um dos meus defeitos é não ser ambiciosa, então eu via aquilo, eu nunca tive vontade de ter uma vida que nem a delas, de ter as coisas delas. Eu vivia a minha vida ali, vendo aquilo tudo, mas nunca quis. Então eu não tive esse problema, eu poderia ser uma pessoa problemática, né? Querer pasta escolar, caneta, tudo do bom e do melhor, não sei o quê, nunca tive. A única coisa que eu me lembro é que uma amiga tinha uma sapatilha de ponta de balé vermelha de cetim, eu era louca. Eu perguntei pra ela se ela deixava passar o fim de semana comigo, a sapatilha, e eu fique aquele fim de semana com a sapatilha de ponta vermelha, dei umas dançadas e tudo o mais, nunca estudei. Na verdade, nesse ponto eu não fazia nenhum curso extra porque realmente meu pai não podia pagar. Mas foi bom.
P/1 – Você acha que pelo fato de ser uma jogadora conhecida de vôlei lá no Minas Tênis te ajudou no relacionamento com as meninas na escola?
R – Também, né? Principalmente na escola. Porque naquela época tinha chefe de torcida, as meninas todas iam torcer pra gente nos campeonatos. Elas gostavam de mim. Então facilitou, o relacionamento era bom, sim. Eu chegava antes da aula começar pra jogar vôlei. Na hora do lanche eu não queria fazer lanche pra jogar vôlei. Dava o sinal, eu já ia pra quadra. Eu era fominha mesmo pra jogar vôlei.
P/2 – Era um colégio só de meninas.
R – Colégio só de meninas.
P/2 – E dentro dessa rotina toda, atribulada, como eram as paqueras, namoros?
R – Olha, os namoros eram aqueles de porta de casa e nas festinhas a gente curtinha muit porque em Belo Horizonte a gente dançava muito. Aliás, o pessoal lá gosta muito de música. Você vai em loja, não tem uma loja que não tem rádio tocando, é impressionante como o pessoal gosta de música, haja vista todos esses grandes compositores de lá. Eu já recebi serenata de Toninho Horta, ele não deve nem saber que eu existo. Toninho Horta era uma garoto, ele entrava numa varanda que tinha na minha casa e ficava ali tocando e ia embora. Eu já recebi muitas serenatas. Então, os namoros eram assim, nas festinhas, na porta de casa. Dava pra namorar. E uma coisa bem legal é quando eu precisava viajar por causa do vôlei eu distribuía cadernos na minha classe pro pessoal ir anotando as matérias pra mim, as minhas colegas adoravam fazer isso. Porque eu ia perder uma semana de aula.
P/1 – Você falou dessa serenata. Conta um pouquinho mais pra gente como é que era. Ele chegava e fazia sem saber que era você?
R – Sem saber que ia levar o balde d’água, né? Que é assim, lá em Belo Horizonte o pessoal sempre gostou muito de serenata. Eu tinha um amigo também que tocava violão, volta e meia ele fazia serenata embaixo da minha janela. No caso do Toninho Horta também. Eu sei que eu recebia muitas serenatas. Mas é a tal coisa, era pra prazer deles, eles chegavam, cantavam, iam embora e acabou. Mas você convivia com eles, sabia que eram eles. Belo Horizonte o pessoal gosta muito de serenata, aliás, no estado inteiro.
P/1 – E o seu pai não se incomodava?
R – Não, não. É porque ele conhecia os meninos também, não incomodava.
P/1 – E a sua mãe, era uma mãe superprotetora ou ela...
R – Mamãe era muito rígida, brava.
P/1 – Ela brigava, não gostava.
R – Não era nessa parte. Minha mãe era brava no sentido de não deixar você fazer nada. Porque eu não quero, porque não vai, porque isso. Tanto é que estou te falando, a freira teve que ir lá em casa pedir pra mamãe pra deixar eu jogar no time do colégio, qual é o problema, né? E ela falando que não que ia atrapalhar os estudos e tal. Ela era muito brava.
P/1 – E quando você tinha que viajar uma semana?
R – Ela não importava, acho que ela confiava no técnico, né? Tinha sempre uma acompanhante, que era a mulher do técnico. O ambiente era muito bom, não tinha o que ficar com grilo.
P/3 – Tem alguma história, alguma coisa que a gente não perguntou e que você gostaria de contar? Que você fala: “Poxa, isso aqui eu preciso registrar”.
R – Eu vou contar uma história relativa ao vôlei. Uma vez nós fomos, acho que pra São Lourenço, pra disputar jogos da primavera. Ficamos hospedados num hotel em que os donos eram muito festeiros, todo dia tinha aniversário ali, de manhã cedo eles já apareciam cantando parabéns pro hóspede, não sei como eles descobriam, tal. E aí teve um dia que as meninas decidiram que alguém do nosso time ia fazer aniversário pra ver eles fazerem aquele escândalo. Chegavam de manhã cedo, era o casal cumprimentando, cantava parabéns com bolo e com vela. E aí elas falaram que a sorteada tinha sido eu. Mentira, elas resolveram por elas lá, disseram que iriam sortear quem ia fazer aniversário. Menino, aquilo teve uma repercussão que quando eu cheguei na quadra pra jogar o ginásio inteiro cantou parabéns pra mim! Eu ganhei até presente. Menina, eu ficava tão sem graça, o pessoal: “É o seu aniversário, presentinho e tal”. Ai meu Deus do céu, que coisa, foi uma coisa que marcou nessa época do vôlei pra mim. O ginásio inteiro cantando parabéns, você sabe o que é o ginásio inteiro? Eu entrei pra começar o aquecimento e não sei mais o quê, o estádio inteiro começou a cantar parabéns: “É aniversário da June”, não sei o quê. Não é uma história legal, essa?
P/3 – Com certeza.
R – Depois eu quase matei as meninas todas.
P/1 – Mas ficou com os presentes.
R – Fiquei. Eram umas coisinhas simples, que era coisa de última hora, numa cidade do interior. Eu não lembro muito bem o que era, mas eu ganhei umas três coisinhas, tipo um sabonete, um sei lá o quê, uns troços assim, sabe?
P/1 – E as suas amigas que sabiam que era mentira?
R – Todo mundo lá intepretando, minha filha! Todo mundo fingindo que era mesmo, elas não davam a mínima dica de que era mentira. Elas assumiram porque elas que inventaram. Gente, mas aquilo foi uma coisa.
P/1 – Até o treinador?
R – Não, o treinador também não, deixou. Ele que era um cara tão rígido, porque ele era muito firme no serviço dele, exigente, muito mandão, como se fosse um pai mesmo. Até ele apoiou, você acredita? Fingiu que era mesmo. Mas ninguém nem ria, endossaram a situação.
P/3 – June, de acordo com sua história, tal, eu entendi que o SESC entrou depois que o seu filho foi embora, que você começou a procurar cursos.
R – Não, não, antes.
P/3 – No SESC Vila Mariana.
R – É.
P/3 – Antes.
R – Antes. Logo quando ele inaugurou eu já ficava indo fazer uma coisinha ou outra lá.
P/3 – O que te chamou ali?
R – É perto da minha casa, era do lado de um shopping recém... o que me chamou a atenção no SESC Vila Mariana é que ele foi construído do lado do Shopping Vila Mariana hoje, na Rua Pelotas. E aí de frequentar o shopping, quando o Vila Mariana inaugurou eu comecei a ver o que tinha lá de bom, por curiosidade, e comecei a fazer algumas coisinhas lá.
P/2 – Você lembra, mais ou menos, que ano que inaugurou lá?
R – Acho que tem uns 23 anos a inauguração daquele SESC lá, por aí.
P/3 – E você tem uma situação marcante ali de um curso que marcou, alguma situação.
R – Esses cinco anos de Canto Coral que eu fiz com a Gisele Cruz foi muito bom, era muito bom, reunia a mesma turminha, a gente cantava. A Gisele Cruz sempre teve um repertório muito interessante. Tem gente que ainda está lá até hoje nessa atividade.
P/1 – E no final tinha apresentações lá dentro do SESC mesmo.
R – Semestrais. É como se estivesse prestando conta do que foi dado.
P/1 – Aí vocês faziam um repertório.
R – A gente fazia uma apresentação em lugares diferentes, ou ali na praça de eventos, ou no auditório, ou sei lá onde. Uma vez nós fomos pra Santo André. Mas não assim, fora do SESC.
P/1 – Mas tinha um público ali.
R – Tinha. Tinha o público.
P/1 – E você que diz que tem vergonha...
R – Ah, eu morria. E muitas vezes eu fui solista. Ai, menina, não era mole, não. Eu queria ser solista atrás de alguém e tinha que ficar em destaque, mas aí deu certo.
P/1 – E essa vez que você foi pra Santo André, que é diferente o público.
R – É, foi diferente. Nossa, inclusive os funcionários receberam a gente muito bem. E foi um repertório de Natal. Eles arrumaram um lugar lá pra gente fazer apresentação, foi muito bom também.
P/1 – E em conjunto não tem tanta vergonha.
R – Não, não.
P/1 – E lá no CPF não tem tanto isso de ter que se expor, né? Mas em aulas como de ópera e tal não tem nenhum momento que você tem que fazer algum exercício ali?
R – Não, não. Mas assim, eu nunca deixo de dar palpite em curso, eu sempre tenho uma pergunta, alguma coisa pra fazer, eu sou participativa ali também. Mas no curso de ópera não, foi desde o início, da primeira ópera. Depois ela deu um curso sobre vozes líricas, a mesma professora. E no SESC Vila Mariana também tem muito show, que traz uma certa facilidade pra gente ir ali no Vila Mariana, é muito agradável, você se sente em casa.
P/1 – Você vai a pé, de transporte público?
R – Não, eu vou de carro geralmente, eu tenho um calhambeque.
P/1 – Você gosta de dirigir por São Paulo?
R – Gosto. Quando eu não tinha a idade de tirar carteira eu sonhava que eu estava dirigindo, sabe o que é sonhar? Ver o pé na embreagem, não sei o quê? E quando eu pude tirar eu fui.
P/1 – E você tirou aqui em São Paulo ou em Minas?
R – Não, tirei em Belo Horizonte.
P/1 – E você lembra como foi? Foi difícil, não foi.
R – Naquela época a gente fazia aula em Fusca. Até o instrutor que dava aula pra mim era um Fusca, se não me engano, tipo alemão, aquele que tinha o vidro dividido assim. E era fácil, antigamente todo mundo queria dirigir Fusca porque era fácil. E era o carro do momento. Então eu fiz minhas aulas de direção ali.
P/1 – Foi aprovada na primeira.
R – Fui. Porque Belo Horizonte, vou te falar, você tem que arrancar na subida sem usar freio de mão, você tem que fazer baliza na ladeira. E Belo Horizonte é uma cidade que tem muitos asteriscos, agora não sei, muitas ruas desembocam numa praça e aquilo faz xi xi, sem sinal, sem nada. Agora deve ter mudado e sinalizado. Então o exame prático era muito difícil. E o meu instrutor nesse carro da auto escola tinha um confetezinho que ele colou no vidro atrás que você tinha que botar aquele confete pra fazer a manobra? O confete tinha que encostas na lateral do carro que estava lá, que você tinha que fazer a baliza. Era o segredo pra facilitar o teste.
P/1 – E depois que tirou o confete pra dirigir de verdade?
R – Ah, foi muito bom, foi muito bom. Eu consegui comprar um carro a perder de vista, era um Chevette alemão, com câmbio alemão, e eu ia trabalhar na Universidade de Minas Gerais com ele e era muito bom porque era longe, mas era tranquilo, sabe? Andar no câmpus, tal.
P/1 – Você já estava trabalhando e era você mesmo pagando o carro.
R – Sim.
P/1 – Com 18 anos.
R – Eu já tinha uns 20. Não, eu acho que eu tirei carteira com 21 anos, já estava trabalhando. Porque o câmpus universitário lá é meio longe do centro da cidade. E eu gostava muito de dirigir mesmo e ia trabalhar de carro.
P/1 – Todos os dias.
R – Todos os dias. Como é que você consegue, né, pagar gasolina e tudo o mais? Eu acho que tudo era mais fácil antigamente.
P/1 – E sobrava tempo pro trabalho, de sair depois? Você saía sozinha com seu carro, com suas amigas, como é que era?
R – Nessa época saía. Depois eu casei, eu casei com 24 anos. Mas saía sim. Uma coisa que não deu para eu fazer que eu gostaria era curso de Educação Física porque tinha que ter muita dedicação na faculdade e eu precisava trabalhar. Eu gostaria de ter feito curso de Educação Física. Que era meio contramão também, era distante e você tinha que se dedicar mesmo, como toda faculdade.
P/1 – E você trabalhava pra ajudar seus pais em casa?
R – Sim, pra me manter. Desde o momento que eu comecei a trabalhar eu não pedi mais nada pro meu pai. Quer dizer, morava lá, não pagava aluguel, não pagava comida, mas eu me mantinha pras todas as outras coisas.
P/3 – Em nome da equipe aqui queremos agradecer pela sua entrevista, muito obrigado.
R – Obrigada vocês, espero que tenha dado certo, pelo menos o que vocês esperavam.
P/3 – Claro que sim. Você gostou, June, da sua entrevista?
R – Gostei, gostei. É experiência nova, nunca tinha dado entrevista pra ninguém nesse nível.
P/3 – Então tá bom, muito obrigado.
R – Obrigada.
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