Entrevista de Adriano da Silva Lima
Entrevistado por Luiza Gallo
Rio Branco, dia 20/11/2024
Projeto: Matérias do Brasil
Entrevista número: MAT_HV005
Realizado por Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Bora lá!
R - Bora!
P/1 - Primeiro eu quero te agradecer demais por estar aqui com a gente, e por dividir um pouco da sua história. Queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, a data e o local de nascimento?
R - Ok! Vamos lá! Eu sou Adriano da Silva Lima, nascido aqui no estado do Acre, no município de Xapuri.
P/1 - Que ano?
R - Em 1985.
P/1 - Você sabe como foi o dia do seu nascimento?
R - Não! Eu sei a data, que foi dia 28 de dezembro, mas eu não sei informar como foi, assim.
P/1 - Foi em hospital?
R - Eu sei que foi no hospital, hospital na cidade, único hospital que tinha na cidade. Bem pequeno.
P/1 - E o seu nome? Qual é a história dele?
R - Meu nome? Foi a minha mãe quem me deu, eu não sei qual a história que ela… Como foi criado, mas eu sei que foi…
P/1 - Foi ela que escolheu?
R - Foi ela que escolheu.
P/1 - E você tem irmãos?
R - Tenho! Tenho sete.
P/1 - Sete?
R - Sete.
P/1 - Você está em que lugar?
R - Eu estou… Sou o penúltimo. Tem um mais novo do que eu.
P/1 - E quem são eles?
R - Vou começar pelo mais novo. O Adenor, aí vem eu, que sou o Adriano, aí o Almir, aí Luciana, Marcina e a Marineide. E a Francisca, tem outra, a Francisca. Aí, tem uma só por parte de pai também, que é meu irmão também, por parte de pai.
P/1 - Mais velho?
R - É, o mais velho de todos, é o Jorge.
P/1 - Como era sua relação com eles na infância?
R - Era boa! É bom ainda, até hoje, toda vida eu tive relação boa com os meus irmãos.
P/1 - O que vocês gostavam de fazer?
R - Olha, na infância… Fora andar no mato, brincar de baladeira.
P/1 - Como é que é?
R - Estilingue, aquele que você… Uma liga, você sai atirando. A gente chama de baladeira ou estilingue. Eu...
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Entrevistado por Luiza Gallo
Rio Branco, dia 20/11/2024
Projeto: Matérias do Brasil
Entrevista número: MAT_HV005
Realizado por Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Bora lá!
R - Bora!
P/1 - Primeiro eu quero te agradecer demais por estar aqui com a gente, e por dividir um pouco da sua história. Queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, a data e o local de nascimento?
R - Ok! Vamos lá! Eu sou Adriano da Silva Lima, nascido aqui no estado do Acre, no município de Xapuri.
P/1 - Que ano?
R - Em 1985.
P/1 - Você sabe como foi o dia do seu nascimento?
R - Não! Eu sei a data, que foi dia 28 de dezembro, mas eu não sei informar como foi, assim.
P/1 - Foi em hospital?
R - Eu sei que foi no hospital, hospital na cidade, único hospital que tinha na cidade. Bem pequeno.
P/1 - E o seu nome? Qual é a história dele?
R - Meu nome? Foi a minha mãe quem me deu, eu não sei qual a história que ela… Como foi criado, mas eu sei que foi…
P/1 - Foi ela que escolheu?
R - Foi ela que escolheu.
P/1 - E você tem irmãos?
R - Tenho! Tenho sete.
P/1 - Sete?
R - Sete.
P/1 - Você está em que lugar?
R - Eu estou… Sou o penúltimo. Tem um mais novo do que eu.
P/1 - E quem são eles?
R - Vou começar pelo mais novo. O Adenor, aí vem eu, que sou o Adriano, aí o Almir, aí Luciana, Marcina e a Marineide. E a Francisca, tem outra, a Francisca. Aí, tem uma só por parte de pai também, que é meu irmão também, por parte de pai.
P/1 - Mais velho?
R - É, o mais velho de todos, é o Jorge.
P/1 - Como era sua relação com eles na infância?
R - Era boa! É bom ainda, até hoje, toda vida eu tive relação boa com os meus irmãos.
P/1 - O que vocês gostavam de fazer?
R - Olha, na infância… Fora andar no mato, brincar de baladeira.
P/1 - Como é que é?
R - Estilingue, aquele que você… Uma liga, você sai atirando. A gente chama de baladeira ou estilingue. Eu não sei como é que se chama o nome em outras regiões. Mas a gente mais chama de baladeira. “Vou fazer as caçadas de baladeira.” Era a parte legal.
P/1 - O que vocês caçavam?
R - Vixe Maria! No mato tinha… Sei lá, nambu… A gente fala de nambu, juiti, esses bichos assim. As aves, né?
P/1 - E era de brincadeira? Vocês não faziam nada com elas?
R - Era de brincadeira. Para comer, era comer.
P/1 - E como era? Vocês iam para o meio do mato.
R - É, saia andando. Os dois mais novos, eu e o meu irmão mais novo. Que os outros já eram mais velhos, então quando eu nasci os outros já eram mais velhos. Então, só nós dois mesmo, os mais danados.
P/1 - Você era danado?
R - Eu não, mas meu irmão era.
P/1 - Por que, o que ele aprontava?
R - Ele era o mais brigão na escola. Eu nunca fui, não! Eu acho que não, eu acho que eu não era, não. Estou falando de mim, né! Mas eu acho que ele era mais do que eu. Arrumava muita briga. Até hoje, ele ainda é um pouco mais danado do que eu. Fala muito! Eu também não sou de falar muito, também. Sou mais quieto.
P/1 - E como você descreveria a sua mãe, o jeito dela? Alguma história com ela?
R - Minha mãe era focada nessa parte ambientalista, então era do jeito dela, querer preservar essas coisas, queria está plantando um monte de plantas. Igual lá em casa, é um monte de plantas no quintal, na casa dela, pendurado lá, e um monte de plantas, aqueles cordãozinhos. Ela é uma senhora morena, mais alta do que eu um pouquinho. E ela é isso.
P/1 - O que ela contava sobre preservação?
R - Ela contava as histórias dos embates que ia com o Chico Mendes e tal. Que ela participava também, que era os embates que eram contra os fazendeiros que estavam naquela época, querendo invadir a área de floresta que tinha no Acre, no Xapuri, principalmente. Era mais Xapuri. Aí, ela contava várias histórias desses embates. Eu tinha até umas coisas, eu não encontrei, eu procurei, e não encontrei, um recorte de jornal da época assim, que tinha, mas eu não encontrei para mostrar.
P/1 - Conta aí uma história que você lembra que ela falava.
R - Uma história legal? Rapaz, tem história! Agora, lembrar assim… Eu só sei de uma que é sobre mim, que eu gravei esse daí, eu não esqueci. Que eu era pequeno, eu tinha acho que um ano e pouquinho, não lembro bem ao certo a data. Mas aí, ela trabalha na cozinha, aí estava tendo um embate desses, com um monte de gente da cidade. E aí, chegaram… A minha mãe cuidava de mim, a Marineide, que a gente chama de Branca. E aí ela cuidava de mim, aí quando eles chegaram, tinha um cara tentando me levar. Na época, me sequestrar. Aí a minha irmã me pegava pela cabeça e o cara pelos pés. Essa história que eu lembro da minha mãe contando, assim. Que eu gravei, isso daí eu não esqueci.
P/1 - E sua mãe chegou nessa hora?
R - Foi! Aí, foi que chegou esse que é o primo do Chico Mendes, que é o Raimundo de Barros, que é o meu padrinho, foi que chegou na hora, que me socorreu, né?!
P/1 - Caramba!
R - Essa história…
P/1 - E como era essa época? O que falavam do Chico Mendes, desses embates?
R - Rapaz, eu lembro de poucas… Assim, depois de Goiânia que eu já ouvi muitas coisas, mas o pessoal falava de que ele queria a Amazônia, não sei o quê. Tem várias histórias, entendeu? Era muito brigão com fazendeiro e não fazia nada. Entendeu? O pessoal fazia essas… Contava essas coisas assim: “Não, o Chico Mendes não fazia nada. Chico Mendes só arrumava briga.” Só que, no entanto, ele só queria preservar o que a gente tinha, entendeu? Foi o que aconteceu, uma parte.
P/1 - Você conheceu ele?
R - Não! Eu era muito novo, eu tinha dois anos e pouco. Dois e pouquinho, quando ele morreu. Não cheguei a conhecer.
P/1 - Mas o seu padrinho é o irmão dele?
R - Raimundo de Barros, eu conheço. Até hoje ainda conheço ele.
P/1 - A sua família teve conflitos assim, com fazendeiros?
R - Não!
P/1 - Não?
R - Não! Minha família não. Minha família morava perto da cidade, então não morava bem no interior, na floresta, não. Então não teve. Não teve.
P/1 - E desde pequenininho você ouvia sua mãe falando de preservar? O que ela falava? Ela falava dessa importância? Como que ela contava pra vocês? Vocês plantavam juntos?
R - Ninguém falava muito… Ninguém tinha muito essa conversa sobre a importância. Ninguém conversava muito sobre isso.
P/1 - E seu pai?
R - Meu pai? Meu pai não era muito… Ele não participava não, entendeu? Ele era mais… Meu pai era seringueiro também, então ele cortava seringa, mas ele não participava desses eventos. Ele era mais por fora desses eventos, desses embates que tinha. Aí, ele… Meu pai faleceu em 2008, um acidente.
P/1 - Um acidente?
R - Uma árvore caiu em cima dele.
P/1 - Tá brincando.
R - Foi em 2008.
P/1 - E que histórias você tem com eles? O que vocês gostavam de fazer juntos?
R - Meu pai?
P/1 - É!
R - O pai… eu aprendi cortar seringa com ele. A história que eu aprendi. Que eu caçava, aprendi a caçar também, andar no mato, caçar. E cortar seringa eu comecei com treze anos, aí eu cortei até os meus dezoito, eu acho. Dezoito anos.
P/1 - Como era o dia a dia de vocês?
R - Ele me ensinou e eu ia só… Eu comecei só, com quatorze anos, ia sozinho, entendeu? Eu tinha medo, mas eu ia. Mas era bom, dia a dia com ele… Meu pai era qente calma, tranquilo, falava pouco igual eu. Não era de falar muito, nem falar alto. E ele era tranquilo. Tem muita coisa assim, só dos trabalhos mesmo que a gente ia. Eu ia para o trabalho de roçado, plantação.
P/1 - O que vocês plantavam?
R - Plantava feijão, macaxeira, milho, plantava todos esses.
P/1 - Ele que te ensinou tudo?
R - Ele que me ensinou, eu fazia tudo com ele. Que era eu, ele, e meu irmão mais novo. E o irmão atrás de nós, o mais velho, depois de mim. Também morava em casa, lá. Eram os três que moravam em casa.
P/1 - A gente não sabe como funciona para cortar seringa. Como que era? Explica pra gente.
R - É fácil! Cortar a seringa. Cortar a seringa a gente tem… Se a gente for começar do zero, a gente tem que abrir a estrada, fazer a estrada de seringa, sair caçando as seringueiras todinhas, marcando tudinho, limpando o caminho, que é com muita curva, aí dar um rodo e fecha aqui assim. Essa é a estrada de seringa, você dá um rodo e fecha. E aí, você vai, você demarca as bandeirinhas, vai cortar em cada seringueira, para fazer o riscozinho, para cortar. E aí você vai… Você tem que… Em uma seringueira você pode cortar duas vezes por semana, você vai, vai, aí você tem que passar três dias pra você poder cortar de novo. Você não pode repetir, seringa nativa é assim. Não é que nem a seringa de planta, que você pode ir, depois no dia, dois dias depois pode ir também. Seringa nativa, não, você tem que passar duas vezes por cada estrada de seringa. Então, você tem que ter três estradas de seringa, para você cortar normal a semana todinha, para ficar a seringa boa, sem matar o seringueiro, se não cansa muito a seringa. Ele tem que ter três estradas de seringa. Aí é o dia todinho. Você dá uma volta, corta todinho, botando as tigelinhas, para colher o látex. Aí quando você vai para casa, se for perto, aí você demora ali uma horinha, já volta com um balde, colhendo o látex no balde. Isso aí já termina de tarde, isso. Não é ligeiro, é lento.
P/1 - E vocês guardavam tudo isso na cabeça ou vocês faziam algum registro?
R - Na cabeça.
P/1 -Tudo na cabeça?
R - Não tem onde guardar registro não, é tudo na cabeça mesmo. Nada anotado. Tudo na cabeça.
P/1 - As estradas?
R - As estradas, tudo!
P/1 - A seringa que cortou?
R - É! Tem que ser tudo… Tá todo o processo na cabeça, nada no papel.
P/1 - E a hora de almoço?
R - Hora de almoço? Praticamente não tem hora de almoço. Praticamente não tem! É a hora que parou, deu tempo para comer, você come uma farofinha de ovo, um negocinho, uma farinhazinha, e come, e continua. Você que trabalha na roça assim, não tem que fazer hora de almoço. Raramente você faz hora de almoço certa, não tem um padrão.
P/1 - E aí, você recolhe o látex e faz o quê depois? Como é o processo?
R - O látex, quando eu comecei, eu fazia borracha. Você botava numa caixa lacrada para coalhar, para vender por peso, por quilo. Aí, passou um ano, aí no outro ano, aí o governo abriu a fábrica de látex aqui em Xapuri, que trabalha com luva cirúrgica, preservativo, essas coisas. E aí eu passei a vender leite para lá. Aí vendia o leite. Eu chegava, a gente recebia uns galões com produto, botava o látex lá dentro para não coalhar. Aí botava dentro e guardava. Aí, toda quinzena eles vinham buscar aquele látex. Aí melhorou um pouquinho, em questão de preço. Essas coisas melhoraram. Melhorou um pouquinho, muito. Melhorou bastante.
P/1 - Você tinha quantos anos nessa época?
R - Já estava nos dezesseis, quando eu já estava cortando para a fábrica. Agora quando eu comecei para fazer borracha, eu comecei com treze. Foi toda essa parte.
P/1 - É como que era sua casa nessa época?
R - No início era uma casa de madeira. Tinha uma parte de madeira, e uma parte feita de… Não sei se você já ouviu falar, de paxiúba, que era… A cozinha era feita de paxiúba, que é ripinha de palmeira. Mas a parte maior era de madeira mesmo, de tábua mesmo de árvore. Era uma casa… Da época, era uma casa boa. Na época era uma casa boa. Mas bem antes, atrás, antes de eu trabalhar, de eu começar a trabalhar, que eu era mais novo, aí a gente tinha uma casa toda de paxiúba, coberta com palha. Era diferente, uma época bem atrás, dos cinco anos.
P/1 - E todos os meus irmãos dormiam juntos?
R - A gente tinha… Acho que a gente tinha dois quartos. Eram dois quartos. Dormir tudo junto num quarto.
P/1 - Tinha bagunça?
R - Tinha! Sempre tem a bagunça.
P/1 - Como que era?
R - Conversando até altas horas, até os pais mandarem se calar. Aí o pai mandava se calar, para dormir, porque se fosse deixar mesmo, era só na bagunça.
P/1 - Você lembra de algum dia marcante, assim?
R - Eu não lembro de ter, não recordo muito. Mas teve muito, só que eu não lembro detalhado muita coisa, tem muita coisa.
P/1 - E seus pais são de onde?
R - São daqui mesmo, do Acre. Minha mãe é de Xapuri mesmo.
P/1 - E você sabe como eles se conheceram?
R - Não sei! Sei que eles eram vizinhos. Mas eu não sei como foi.
P/1 - E você conheceu seus avós?
R - Sim!
P/1 - Todos?
R - Não. Minha avó. Eu lembro do meu avô vagamente, eu era bem novo. Eu lembro que ele era branco, alto, carecão. Mas a minha avó não, minha vó faleceu está com três anos. Minha vó era legal demais, eu gostava dela. Eu ia sempre pra lá, que ela morava em Xapuri. Eu ia sempre pra lá. A vó por parte da minha mãe.
P/1 - O que vocês faziam juntos? Como que ela era? Ela cozinhava para você?
R - Cozinhava. A vó gostava de cozinhar. Eu ia para lá só para comer os doces dela. Quando nós viemos embora de Xapuri, para o município de Capixaba, ela… Eu não sei como foi bem, eu sei que ela… Por último ela morava onde eu nasci, no lugar que eu nasci, ela morava lá. E aí eu sempre ia lá visitar, passava por lá, encostava. Conversar mais ela.
P/1 - Ela contava histórias?
R - Ela contava. Eu acho que se fosse gravar a história que ela contava… Ela contava muita história.
P/1 - Você lembra?
R - Na época que eu era pequeno. Lembro de algumas, sim. Tipo… Eu sou mais velho que meu irmão, aí ela dizia que ele… A gente comia tudo numa bacia só. Comendo na bacia, ele comia bem rapidão, papapapa, comia muito mais do que eu. E eu mais lento. Ela contava isso, que eu ficava reclamando, mandando parar para eu comer, que ele comia mais do que eu. Eu lembro dessas histórias assim, dela.
P/1 - Tem mais?
R - Não recordo. Tem mais, mas não recordo. Não lembro! Só se eu tivesse anotado alguma coisa pra lembrar.
P/1 - E outros parentes, você chegou a conhecer? Tem alguém importante? Primos? Que fazia parte da sua vida.
R - Não, não! Eu conheço umas primas, assim, mas eu não sou muito de… Quase não vejo, entendeu? Eu passo muito tempo sem ver. Faz tempo que eu não vejo algum deles.
P/1 - E a sua família, tinha algum costume muito específico, alguma comida? Como eram as datas comemorativas? Vocês faziam alguma coisa específica?
R - Não, normal. Algum fim de ano, Natal mesmo, às vezes se reuni todo mundo. Quase todo mundo, porque todo mundo é difícil, é muita gente. Agora, há uns quatro meses atrás, foi que eu encontrei duas tias minhas, irmã da minha mãe. Que fazia muito tempo que eu não via, aí elas vieram lá para a mãe, aí eu fui pra lá e consegui encontrar com elas. Mas foi muita coincidência, que fazia tempo que eu não via. E aí deu certo de eu ir para lá, no dia que elas vieram. Que elas moram em Xapuri, moram num interior, bem longe, o acesso é muito difícil lá, para chegar. Aí deu certo de eu ver elas.
P/1 - E música, fazia parte da sua vida?
R - Não, não.
P/1 - Não ouviu nada, rádio?
R - Rádio sim. Rádio todo dia de manhã tem rádio ligado aqui. Aquele radiozinho tocando aquelas músicas da rádio mesmo. Esse programa de rádio normal. Mas eu gosto de música, mas não… Mas a minha música mais é rap. Eu gosto de rap.
P/1 - Tem algum aí?
R - Que eu saiba?
P/1 - É!
R - Não, eu só sei de nome, mas não sei cantar. De nome eu sei.
P/1 - Qual que você gosta?
R - Eu gosto de nacionais e internacionais, tipo, internacional, eu gosto de Eminem, e nacional eu gosto de Tribo da Periferia, que é uma galera de Brasília ali que tem. Eu gosto, acho bacana eles. Tem uma música deles que é legal, que é “Resiliência”, que é legal. Eu acho bacana. Eu sempre, quase todo dia, escuto.
P/1 - E energia, tinha na sua casa?
R - Não! Era na lamparina. No óleo diesel, que a gente chama lamparina. Não tinha energia não. Naquela época não tinha nada disso, era tudo na vela, ou lamparina.
P/1 - E como que vocês faziam? Como vocês guardavam as carnes, as caças? Como vocês se viravam?
R - As carnes de caça, a gente, quando não seca no sol, a gente botava em uns sacos. A gente fala saco encaixado. A onde carregava o leite de seringa, é um saco, que é um emborrachado, que é para não vazar nada. Aí salgava ali dentro, você amarrava bem amarrado, que aí não estragava a carne. Quando não queria deixar secar no sol, a gente fazia isso, para preservar ela. Era o meio que tinha, na época. Aí foi passando. Depois de uns quase trinta anos, que eu me lembro, não, tem 25 anos, aí chegou energia lá para nós.
P/1 - E aí, como foi?
R - Aí a mudança foi grande. Quando chegou a energia começou a mudar muito. Primeiro a gente comprou gerador, e começou com gerador, aí chegou o projeto de Luz para Todos, a gente já largou o gerador para esperar o projeto de Luz para Todos. Aí quando chegou, mudou tudo, assim. Facilitou. Eu achei que facilitou bastante. Melhorou, você consegue tomar banho que não seja numa água gelada. Água gelada era estranho.
P/1 - É? Você lembra a sensação?
R - Eu lembro. A água gelada era estranho. A gente criança, pensava logo que estava quente. Era legal, os meninos assim. Eu estava até contando para um amigo meu esses dias aqui. A primeira vez que ele foi chupar um picolé. Ele jogou no mato, porque disse que estava quente. Ele conversando comigo, contando, eu não aguentei. Eu digo: “Rapaz, você imaginou que era quente, se era fumaçando de gelado, como é que você achava que era quente, rapaz?” “Não conhecia nada disso.” Eu digo: “Ah, então tá explicado”. Morava bem no interior do Sena Madureira. Eu vim de lá ontem. Eu estava trabalhando lá.
P/1 - Tem outra coisa muito diferente que você se lembra, com a chegada da luz?
R - Televisão. A televisão, era todo mundo sentado para assistir a televisão. A gente conhecia televisão, mas ninguém tinha televisão, era difícil. Antes de ter luz, tinha um rapaz que tinha, e ia todo mundo para a casa dele, aquele monte de gente na sala, sentados assistindo televisãozinha, bem pequeninha. Mas era, era mais divertido, eu acho, do que hoje. Hoje não tem mais, o pessoal nem se senta mais, nem para conversar se senta. Hoje é mais difícil.
P/1 - A vizinhança tinha uma união.
R - Tinha uma união, hoje em dia não é tanto assim mais não. Hoje em dia, a vizinhança, a gente mal conversa… Até quando eu saio para ir num jantar, uma pessoa, ninguém conversa mais. Agora é todo mundo no telefone, ninguém se conversa. Mas era bom naquele tempo. Aí quando chegou a energia foi… Todo mundo tinha sua televisão, começou a melhorar. E o telefone também. A gente botou telefone, antenazinha. Aquele telefone grandão, já era uma novidade muito boa. Foi legal! Essa parte eu achei que foi uma coisa boa, a energia.
P/1 - Você tinha quantos anos mais ou menos?
R - Ih, rapaz, eu já era bem grande. Quando chegou a energia mesmo, foi logo quando eu vim embora para a cidade, com dezoito já. Chegou um pouco antes, eu tinha uns dezessete. Foi rapidão, chegou a energia.
P/1 - E até [mudar para] a cidade, você trabalhava com seringa?
R - Era. Trabalhava na seringa, fazia tudo, plantação, seringa.
Daí você foi para a cidade?
R - Aí, eu vim para Rio Branco, pela primeira vez.
P/1 - Como foi?
R - Falei para o pai mais a mãe. “Rapaz, eu vou para a rua.” “Tá, pode ir! Se não der certo, pode voltar.” Aí, eu peguei só uma bolsinha, coloquei umas coisinhas dentro, e vim aqui para Rio Branco. Sem nada, sem ter para… Tinha a minha irmã que morava aqui na rua. Aí aluguei uma casinha aqui em Rio Branco, fui trabalhar de entregador, na época. Entregando numa loja de construção. Aí fiquei. Aí voltei de novo. Só que eu voltei para trabalhar, fazer um trabalho de manejo, fazer umas áreas de manejo. E aí, eu vim de novo para Rio Branco. Aí vim trabalhar aqui na FUNTAC, que é a Fundação de Tecnologia do Estado do Acre. Que fica aqui em frente ao parque, aqui pertinho. Aí eu fiquei seis meses. Vim trabalhar como botânico mesmo, botânico escalador. Aí de lá fui indicado para o curso de Parabotânica, que foi em 2011. Aí, eu fui fazer o curso de ______ agrícola, aí terminei o curso, foram seis meses, só que foi um curso intercalado, fazia quinze dias, quinze dias em casa, quinze dias no curso, terminei. Nesses seis meses.
P/1 - Tá! Vou voltar um pouco. Eu queria saber como foi a decisão de ir para a cidade? Como veio isso?
R - A decisão de eu vir para a cidade... Eu queria ter um emprego, queria arrumar um trabalho, para ganhar, eu sempre gostei de ganhar meu próprio dinheiro, que o pai e a mãe dão pra gente assim, para gente, mas eu pelo menos me incomodo de estar pedindo dinheiro e tal. Eu gostava sempre de trabalhar para ter meu próprio dinheiro. Aí eles aceitaram, deixaram eu vim, eu vim de novo. Foi a última vez que eu cortei seringa. Aí eu peguei o dinheiro que eu tinha ganhado da seringa naquela data e vim.
P/1 - Você lembra a última vez que você cortou seringa?
R - Lembro!
P/1 - Como foi?
R - Da última vez, não foi muito assim, eu cortei, eu acho que foi… Eu acho que eu consegui seiscentos reais durante esses dias que eu cortei seringa, acho que foi seiscentos e trinta reais que eu trouxe. Aí foi esse o dinheiro que eu trouxe, que eu vim para a cidade, foi o dinheiro que eu trouxe. Ficar por aí.
P/1 - Como que você veio?
R - Vim de pé no caminho, que era longe. Aí cheguei na estrada, a gente pega o ônibus, eu peguei o ônibus e vim para Rio Branco, de ônibus. Aí aqui em Rio Branco eu tinha uma irmã minha, só que morava… que era a Francisca. Eu fiquei na casa dela um dia. Tinha um amigo meu, aí nós alugamos uma casinha, cinquenta reais o aluguel. Já viu que não é boa a casa, né?
P/1 - Como que ela era?
R - Rapaz, tinha mais porta, aquela casinha bem caidinha. A gente ficou lá. Peguei esse dinheiro que eu tinha, comprei umas panelas, um fogãozinho desses de duas bocas. Aí começamos ali.
P/1 - Você se lembra da impressão que você teve quando você chegou em Rio Branco?
R - Pra mim tudo diferente, tudo novo. Era um pouco difícil também porque você conseguir ir se adaptando, você está num outro ambiente, chegar assim na cidade, já ter que procurar trabalho e conseguir as coisas, era mais difícil. Mas eu consegui me virar tranquilo. Eu sempre gostei de me virar assim, pra conseguir sempre ter.
P/1 - Mas porque foi ruim?
R - Eu aprendi muita coisa, trabalhei em tudo, trabalhei como servente de pedreiro, trabalhei de pedreiro, trabalhei de entregador, em vendas nessa loja, com vendas. Fui aprender umas coisas que eu nunca sabia, então sair da seringa para ir para uma venda, um negócio assim, entregador, já é mais difícil. Foi só essa parte aí quando eu vim.
P/1 - E por que foi ruim e bom?
R - Foi ruim, porque você sair de casa, sai do conforto de casa pra ir numa vida arriscando, você não tem nada, você está arriscando do zero ali. Você tinha aqueles seiscentos reais que você trouxe, você tem que se virar com aquilo até conseguir mais dinheiro. Essa é a parte mais ruim. Quando você sai de casa, você tem que ter um controle para não se envolver com o mundo do crime, ter toda uma cabeça, senão a gente…. Tem muita gente que não conseguem, né?
P/1 - E a parte boa?
R - Na parte boa, eu conheci muita gente, consegui trabalho, ai conheci um povo lá da FUNTAC, aí me indicaram para lá, eu fui trabalhar lá, aí já mudou tudo. Ganha bem. Pra mim era bem, na época era um salário bom.
P/1 - Chama FUNTAC?
R - FUNTAC.
P/1 - Mas isso, antes você voltou para lá…
R - Eu voltei para lá de novo.
P/1 - E aí, como foi isso de voltar? Porque não estava dando certo? Como foi a decisão?
R - Quando eu voltei, foi quando eu me juntei, que foi quando eu cheguei aqui na rua, aí logo eu me juntei, que foi em 2007, final de 2007. Aí, eu arrumei mulher. Aí foi nessa, quando eu voltei para lá.
P/1 - Foi com ela?
R - Foi! Mas ela era de lá, só que eu me juntei com ela aqui.
P/1 - Vocês se encontraram aqui?
R - Foi!
P/1 - E vocês voltaram para lá por quê?
R - Porque aí ficou mais difícil o trabalho. Eu tinha um trabalho aqui, mas eu peguei e arrumei um trabalho lá no Cachoeiro, lá em Xapuri, de trabalho com inventário. Aí eu voltei para lá para trabalhar de inventário de novo, todo inventário é uma época do ano só. Só tem uma época do ano, que é aquela época que não chove, na época seca. Aí foi nessa época que eu fui.
P/1 - O que é isso?
R - Fazer um inventário de manejo. Inventariar e identificar as árvores, patentear. Foi quando eu fui de novo.
P/1 - Explica para a gente como é esse trabalho?
R - O manejo e você fazer o talhão, você seleciona as árvores madeireiras para corte dentro, e vai patenteando e pegando ponto GPS, e dando o nome dela. Aí dali você gera uma área, um talhão para manejo, onde vai ser explorada aquela madeira ali dentro que é selecionada.
P/1 - Para cortar?
R - Para cortar. Foi quando eu voltei para lá. Foi nessa época.
P/1 - E aí você trabalhava para quem?
R - Era uma cooperativa de produtores rurais.
P/1 - Quanto tempo você ficou nesse trabalho?
R - Ida e volta, acho que uns seis meses. Ida e volta, porque é um trabalho que ficava três meses no ano, três meses no outro, porque tinha que esperar o verão passar, entendeu? Nessa idas e voltas aí.
P/1 - E como você conheceu sua esposa?
R - Conheci desde pequeno. Ela é de lá, do interior também.
P/1 - Mas como vocês resolveram ficar juntos?
R - Quando eu vim para a cidade, em 2007, ela veio também. Ela veio, a avó dela era doente, ela veio cuidar da avó dela e ficamos na mesma casa alugada aqui. Tinha uma casa que a gente alugou, o pai dela alugou, tinha um irmão dela também. A gente ficou tudo na mesma casa.
P/1 - Aí se juntaram?
R - Aí já não voltou. Já não voltou mais. Quando voltou foi comigo.
P/1 - E vocês têm filhos?
R - Tem. Tem uma filha.
P/1 - Uma filha? Qual é o nome?
R - Nemora.
P/1 - Nemora? Como foi ter ela?
R - A Nemora foi um ano depois. Um ano depois. Foi bom! Eu acho. Ela é estudiosa, gosta de estudar. Hoje em dia as crianças têm mais dificuldade com isso. Ela tem dezesseis anos, completou agora no dia trinta do mês passado, dezesseis anos. Como eu viajo muito, eu tinha pouca convivência com ela, que a minha vida e mais é fora, trabalhando. Quem trabalha nessa área de botânica fica mais tempo fora do que em casa. Mas era a mãe dela que ficava com ela, cuidando dela. Mas a gente se dá bem.
P/1 - E como vocês escolheram o nome dela?
R - Foi eu que criei esse nome aí.
P/1 - Você?
R - Eu procurei no dicionário lá. Eu digo, é esse nome aqui, Nemora, diferente, ninguém tem esse nome. Os meninos manga dela, chama ela: “Nemora, cadê o Neme?” Ela fica brava.
P/1 - Mudou muito a vida depois que ela chegou?
R - Mudou tudo! Depois que tem filho muda tudo.
P/1 - Por que?
R - Você muda tudo, comportamento… Logo quando nasce um filho, você já não dorme de noite, já começa a mudar aí. Você tem que dobrar os cuidados, tem que ir ao médico. É corrido ter filho. Ter filho não é fácil, não. Dá trabalho. Mas é bom! Um só é bom. Não quero ter mais não.
P/1 - Vocês decidiram ter um só?
R - Só um. Tá bom demais.
P/1 - Aí depois do manejo, vocês voltam para Rio Branco?
R - Foi. Aí depois eu vim para Rio Branco. Quando eu terminei de fazer o curso… Foi do manejo, eu vim para a FUNTAC, aí fiz o curso, quando eu terminei o curso eu fiquei… No final do curso de botânica, parabotânica, que eu fiz. Aí o rapaz de lá, de Nova York, o coordenador do Jardim Botânico de Nova York, me chamou para eu trabalhar com eles.
P/1 - O Douglas [Charles Daly]?
R - Esse ai mesmo. Senhor Douglas. E aí eu fiquei trabalhando com ele.
P/1 - Antes disso. Como foi esse curso? Você já tinha interesse?
R - Já! Eu tinha interesse em aprender os nomes científicos. Eu sabia o nome vulgar, só que o nome vulgar não é uma coisa certa, entendeu? Eu posso chegar numa árvore, e falar o nome dela, vai vir uma outra pessoa, de outro local e falar outro nome. Tem vários nomes para uma árvore só, então não é um negócio certo. E o nome científico, não. Você vai falar um aqui, você pode chegar em qualquer país, vai ser o mesmo nome. Isso aí que eu queria, que aí é o certo. Porque eu cheguei lá para aprender isso. E na época, eu não sabia nem o que era uma família. Família da planta, eu não sabia o que era. Cheguei lá só com o nome do lugar mesmo, do zero. Vou lutar para aprender aqui. Eu saí de lá, depois, eu acho que uma média de 70% eu já tinha
aprendido. Do que eu sei hoje.
P/1 - Tudo guardado na cabeça?
R - Tudo guardado na cabeça.
P/1 - Como foi a sensação de aprender o nome científico?
R - Olha, a sensação de aprender… É difícil explicar, porque aprender o nome científico de planta, você tem que primeiro aprender algumas coisas na teoria. Você tem que estudar um pouco morfologia, sistemática, essas coisas. E aí, eu foquei mais nisso, morfologia e sistemática, que era o professor Marcos Silveira, na época, que é daqui da UFAC, que deu aula para nós nessa parte. E aí eu foquei bem, quando eu conheci ele, eu fiquei sempre perturbando ele. Ele me ensinou muito. Aí a gente fazia aquele sistemazinho no período do curso, de avaliação de campo, fazer aquele inventariozinho. Eu não era muito de estar falando assim, eu ficava só observando o que os outros estavam fazendo, que era pra mim ir gravando aquilo. Então fui aprendendo aí. Eu achei fácil no início, sabia? Eu achei fácil! Tem gente que acha difícil. Mas todo mundo fala que é porque eu tenho a facilidade de gravar mais o nome, gravar uma coisa e não esquecer. Então tenho essa facilidade.
P/1 - E tem alguma… A gente não conhece nada. Então, alguma curiosidade, algum aprendizado que foi muito interessante para você?
R - Tem muita coisa!
P/1 - Conta aí pra gente?
R - E eu que nunca tinha feito nenhum curso desse, uma base dessa assim, de curso de identificação. Aprender essas partes… Você pega uma folha, um ramo de uma planta, um galhozinho, você tem que saber a morfologia dela. O que é uma folha simples, uma folha composta, uma folha alterna, o que é uma folha espiralada, uma folha ______ . Você tinha que saber essas coisas assim, que achava legal. Tipo, eu achava bem importante. Em base desses detalhes aí que você consegue chegar numa família de uma planta, entendeu? Você olha um ramo assim… Hoje em dia, eu já olha assim, de longe já dá para perceber, entendeu? Mas na hora não dava.
P/1 - Se eu pegar uma você explica pra gente?
R - Dá para explicar.
P/1 - Posso?
R - Pode!
P/1 - Vou pegar uma aqui do chão. Pode ser?
R - Vou começar por esse lado. Esse aqui pra você é um galho, né? Um galho normal. Aí eu estava falando da filotaxia, que é a parte importante que tem que aprender para chegar na família. Para chegar na família dessa planta aqui. Você tem que saber a disposição das folhas no ramo. A disposição das folhas no ramo que elas estão, você tem que olhar que tem outros detalhes no ramo, aqui, aqui ó, tem umas… Essa aqui não está mostrando, que também é pequena. Ela vai ter uns pontinhos, alguns vai ter uns pontinhos. São detalhes simplezinhos que vão mudar tudo. Tipo, mudar um gênero, mudar uma espécie, a família. Isso aqui é uma folha simples oposta.
P/1 - Por que?
R - É uma folha simples no ramo, mas é uma folha oposta, oposta, cruzada, ainda mais. Simples, cruzada, oposta. Folha oposta cruzada, que é uma assim e outra. Isso já caracteriza a família dela.
P/1 - Que é qual?
R - É ______. Para chegar a família tem que ser nesses critérios. Você tem que saber, na verdade.
46:25 - Pode ser só simples?
R - Pode ser simples, mas pode ser oposta, mas se não for oposta cruzada, não pode ser ______, mas pode ser outra família. Pode ser uma simples oposta, pode ser uma… Qualquer outro tipo… _______. Pode ser… Qual outros? Tem outras famílias? Tem várias outras famílias que têm essa característica, mas com simples aposta cruzada, e se tiver estipula, que são uns pontinhos que tem aqui, umas ______, que chama estipula, os pontinhos que tem assim de um lado e de outro. Aí já cai para a família da _______, que entra café, entra ____. Entra um monte de outras plantas.
47:16 - E espécie?
R - De espécie já tem que ser um negócio mais detalhado, pegar espécie. Aí já não é mais … A espécie você tem que ter uma flor, um fruto. Você tem que garantir uma espécie. Você não pode caracterizar uma espécie, de certeza, se você só pegar um galho desse e não ter nada, entendeu? Você tem que ter uma coisa para confirmar. Você não pode confirmar uma espécie de uma planta, se você não tiver mais detalhado, principalmente flor e fruto, tem que ter, pelo menos flor ou fruto para você confirmar a espécie. Aí é uma coisa que você está dizendo o nome dela, que pode ser que não seja. Às vezes, você está até falando de uma planta que é… Como é que chama? Uma planta que esteja em sua extinção. Você está dando um nome para ela, que às vezes um nome que não é, aí você vai lá e corta. Aí a planta estava em extinção e você cortou, por causa do nome errado. Então por isso que a gente tem que ter cuidado ao falar espécie de planta sem ter certezas, certeza mesmo. Então tem que ter muito cuidado nesse detalhe. Aí tem outros detalhezinhos na folha. Aí é mais complicado. Isso não vale a pena explicar não. Tem vários detalhes para explicar… Sobre as nervuras, nervuras principal, secundária, tem terciária. São as nervuras terciárias, nesse meio. Aqui é principal e aqui é uma secundária. Tem gênero de família que a gente descobre só pela quantidade de nervura secundária que tem em cada folha. Tem todo… Tem folha que você pega que é igualzinho. “Essa aqui é igualzinho aquela outra lá.” Aí você.. “Tem certeza?” Aí você pega, olha, conta as nervuras. Se você não tiver flor e fruto, isso aí já ajuda. Conta por nervura, para você descobrir. “Não é igual aquela outra, não, tá um pouquinho errado.” Esses dias eu estava me confundindo com uma lá no mato. Fazendo um trabalho também, assim... O colega cortando uma, que é da família ______. Aqui com o nome vulgar a gente chama de seringarana, o gênero MAB. E eu estava dizendo que tudo era a mesma MAB. Só que aí, o meu amigo que estava mais eu, o Erison. O Erison é botânico também. Aí ele: “Rapaz, não é não!” Eu digo: “Rapaz, é sim! É igual!” Aí ele: Não. Aí, ele começou a contar as nervuras, não batia. “Não, não bate, uma só tem doze, a outra tem vinte e poucas nervuras.” Aí eu fiquei calado. Depois eu fui conferir. “Rapaz, acho que você está certo. Eu estou errado.” Ele estava certo. Que ela nem tinha nem flor, nem fruto, eu estava identificando só pela casca, então já é mais difícil. A gente que trabalha no campo, parabotânica, que tem que chegar e ver. Ver a árvore, ver a casca, você tem que dizer o nome. Então, é mais difícil. Tem que dar ali, pelo menos a família e o gênero, tem trabalho que pede. Ele não pede a espécime, mas a família e o gênero ele pede. Aí eu chego, olho para uma árvore, assim, grande. Você tem que falar. Mas é mais difícil.
P/1 - E aí desse curso você já saiu com um trabalho?
R - Já saí com um trabalho. A parte boa. Sai trabalhando com o Jardim Botânico de Nova Iorque, que é parceria com a UFAC, eu fiquei aqui na UFAC.
P/1 - O que você fazia?
R - Eu fazia coleta de plantas, e fazia a parte de montagem no laboratório, montar as plantas no herbário, umas coisinhas assim montadas.
P/1 - Você fazia?
R - Fazia! E fazia toda a parte de dentro do laboratório, com a galera, arrumar e tal. Cuidar. Quem fazia tudo era eu, eu e o Seu Edilson, na época, também era do mesmo projeto. A gente fazia as coletas.
P/1 - Foi aí que você conheceu o Edilson?
R - Eu já tinha conhecido ele, quando eu nem trabalhava ainda. De um projeto de um francês, que ele foi lá pra minha casa, na época, eu era muito pequeno ainda. Aí o Seu Edilson andava nesse grupo aí, aí eu lembrava dele assim, um pouco. Seu Edilson e outro senhor.
P/1 - Mas como foi trabalhar com ele?
R - Aprendi tudo, né? Eu aprendi tudo com ele, praticamente, de campo, ele que me ensinava no campo. E eu comecei a trabalhar no projeto que trabalhava, eu ia pra campo sempre mais ele, e ele me ensinando. Me ensinou a escalar de espora, que de espora eu não sabia.
P/1 - Que isso?
R - Escalar com espora é uma trava que põe no pé para você subir na árvore, vai pisando, e vai subindo, lá em cima você usa um podão, para lá em cima você cortar o galho, para você colher a amostra. Ele vai trazer de tarde para você ver. Aí era isso. Era legal! Coletei bastante planta.
P/1 - O que foi a mais diferente, assim?
R - Ah, tiveram muitas! Tiveram muitas espécies novas, na época que eu coletava, espécie para o estado. A gente fala assim, porque tem região, que tem coleta… Essa planta aqui, vamos supor, ela não tem coleta aqui no estado do Acre. Aí eu coletei, ela entra para registro no estado do Acre. Aí todo campo que a gente ia tinha isso, planta nova para o estado. Agora, para o país, não, para o país era menos. Uma espécie nova para o Brasil. Esse ano foi que eu… Esse ano? Ano passado, acho que eu fiz um trabalho. Foi um projeto do Douglas mesmo, só que foi com parceria com o CMB e com o UFAC, subindo o Rio Acre. E aí eu coletei, acho que foi três espécimes, aí tinha um registro novo para o Brasil, e dois para o estado. Foi pouquinho coleta, foi tipo… Cem coletas. Aí já é grande coisa, quando é assim, você coletar um pouquinho, tipo cem plantas, cem amostras. E ter ali três registros novos. Já é bem, bem legal. Diferente…Tem umas plantas que a gente coleta dias e dias, e não coleta, as plantas.
P/1 - Todas já estão identificadas?
R - É! Todas estão identificadas. Aqui no Acre, acho que tem uma região, perto do Seu Edilson, que cada cem coletas, tinha um, dois registros para o estado.
P/1 - E aí, qual é a sensação de poder ter um registro novo?
R - É bom. Tipo, eu não trabalho na parte de descrição. Descrição da planta tem que ser um botânico de formação. Só um botânico de formação que pode fazer, e ele que pode registrar a planta. Então, tipo, eu só coletei e entreguei o material. Se quiserem colocar eu também nos dados, pode colocar, entendeu? O certo é colocar. Com certeza. Fazer parte daquela coleta, tem que ter lá quem fez essa coleta, local, o ano. Aí tem que pôr na descrição. Normalmente as pessoas colocam. Agora, você participa de um projeto, você está como autor, agradecimento. O co-autor, então, a mesma coisa, a planta pode entrar desse jeito, o co-autor da planta.
P/1 - Nem sempre esse botânico está com você?
R - Não, nem sempre. Raramente vai um botânico.
P/1 - Quem que vai normalmente?
R - Nesse lá era tudo aluno de graduação, acho que do terceiro ano. Aí era dentro de uma reserva, uma estação ecológica. E aí eu fui ajudar eles, fazer coletas deles, da graduação. E aí o projeto também me pagou a diária pra eu fazer.
P/1 - Nessa época qual foi a viagem mais marcante que você fez?
R - Nessa época…
P/1 - Que você estava no curso.
R - No Jardim Botânico? Que eu estava acabando com o Douglas. Viagem mais marcante, rapaz, foram tantas viagens, lembrar agora.
P/1 - Ah, conta aí umas, então?
R - Ih rapaz, se eu for contar tem quase… Viagem mais marcante? Foi uma expedição que a gente fez. A gente fez muita coleta, uma expedição que a gente começou lá em Mato Grosso, e veio de carro, a gente veio parando nos Municípios de Rondônia, até aqui Rio Branco. Então, essa expedição pra mim foi uma das mais marcantes, dentro de uma área maior, fez mais coletas também, claro. E aí tinha muitos parceiros também. Então foi uma das mais marcantes. Rendeu muito tempo também, que coleta botânica tem que ser um negócio que você tem que andar muito, você não pode ficar muito num canto só, entendeu? Você tem que expandir. E uma coisa que era bom ser feita uma vez por mês, entendeu? Ter um padrão de coleta de um ano, de uma vez por mês, que aí você tem registro de todas plantas com flor e frutos, naquele período. É bom você ter esse padrão. A gente fez um trabalho assim aqui.
P/1 - Onde foi?
R - Foi lá perto do irmão do Seu Edilson. Que eu estou falando desse rio, sempre que a gente fazia coleta, sempre dava registro novo, por causa disso, porque a gente fazia uma vez por mês. A gente fez um ano, eu acho. Foi um ano. Uma vez por mês a gente ia lá fazer. A gente descia o rio de barco, coletando, tudo que estava com flor e fruto, qualquer coisa. Mesmo se tivesse coletado, coletava de novo. Aí toda vez dava espécie diferente.
P/1 - Que rio que era?
R - O rio… Deixa eu lembrar aqui o nome do rio. Não estou lembrando.
P/1 - É aqui perto?
R - É. É perto, uns vinte quilômetros, eu acho.
P/1 - E aí vocês dormem como? Num abrigo?
R - Aí é num acampamentozinho feito com lona, redinha mesmo de baixo. Quando é época de seca, às vezes, nem põe a lona, só amarra a rede de um lado para o outro mesmo, e põe um mosquiteirozinho. Agora na época da chuva, não, a gente leva uma lona para o acampamentozinho, para amarrar a rede. Mas na época do verão, que não chove quase, a gente não precisa fazer esse acampamento e carregar muita coisa também. É difícil, aqui no Acre é muito difícil de acesso, a mata é muito fechada aqui, é diferente dos outros estados. O Acre é mais difícil trabalhar no mato.
P/1 - Porque é mais fechado?
R - É mais fechado, tem muito bambu, aí o bambu tem muito espinho, é difícil. Muito igarapé. E é liso, não tem pedra, ainda tem isso. Os outros cantos, não, os outros cantos tem a mata mais aberta, menos cipó, e tem pedra, os igarapés não atolam. Aqui é mais difícil, aqui é mais complicado.
P/1 - Vocês que montam esse acampamento? Quais as habilidades que precisa ter para fazer esse trabalho?
R - Tem que usar um facão, saber usar um facão, armar uma lona bem, porque se vir uma chuva depois, arreia tudo. Tem que ter uma experiência já com mato, se não pode dar errado.
P/1 - Você lembra da sua primeira grande viagem, assim?
R - Diretamente no campo, para dormir no mato?
P/1 - É!
R - Rapaz, eu já fiz mais de mil, para eu lembrar de uma.
P/1 - Já fez mais de mil viagens?
R - Já! Pra eu lembrar de uma agora, vai ser difícil. Mais marcante de campo, rapaz. Eu fiz um trabalho, que pra mim não foi o mais marcante não, porque pra mim foi ruim. E o marcante porque foi ruim, foi o ano atrasado. Fiz um trabalho numa consultoria, num projeto de _____, e aí a gente fez um acampamentozinho, só que a gente não levou lona, a gente levou uma loninha dessas pretinhas, dessas fininhas, que qualquer coisa rasga ela. E a gente botou umas palhas, umas palhas de jarina, que é uma palmeira que tem aqui. Botamos umas palhas, colocamos a loninha por cima. E a gente deixou tudo arrumado, botei minhas coisas tudo na rede, e deixei minha rede amarrada, de baixo assim. Toda a roupa dentro da rede, tudo. Aí eu fui para campo. Aí choveu o dia todo, nós trabalhando com chuva. Quando eu cheguei, que eu olhei, tinha caído tudo de dentro da rede. A rede estava pingando água. Tipo, um dia de viagem longe de um acampamento, onde tinha uma casa. Só espremer tudo, ajeitar tudo e dormir daquele jeito, dentro da rede molhada. Eu tenho as fotos de lá, posso mandar depois.
P/1 - Dormiu com a rede molhada?
R - Dormi com a rede molhada. A água no nosso acampamento dava bem aqui assim, alagou tudo. Porque é difícil de água nesses locais, a gente faz o acampamento sempre na beira do igarapé, para ter acesso para tomar banho. E aí foi isso que aconteceu. Subiu rápido, a lona também não aguentou, aí misturou uma com a outra, ficando tudo molhado. Todo mundo. Não foi só eu não. Nós éramos em cinco, todos os cinco ficaram molhados.
P/1 - E dá para dormir?
R - Passa a noite. Passa a noite ali, fica ali conversando. Ainda bem que aqui não é muito frio, né? Porque se fosse muito frio, eu não aguentava. Mas agora estou mais esperto. Vou para campo, não deixo mais nada na rede. Tanta viagem de campo, a gente ainda não esquece disso. De se organizar assim.
P/1 - E você já se machucou feio?
R - Não! Não lembro. Machucar, machucar, no trabalho não.
P/1 - E já ficou doente?
R - Já! Vixe! No caso, quando o parabotânico fica doente, se tiver fazendo algum trabalho de inventário, para ________.
P/1 - Ah é?
R - É! Porque a pessoa só vai para campo, se ele for, porque ele que vai identificar os nomes das plantas. Se ele ficou doente, as outras pessoas não vão para campo. Não tem como as pessoas fazerem. Ele tem que identificar os nomes, né? Os nomes das plantas. [Se] os outros forem sozinhos, depois eu vou ter que ir de novo. Então, não compensa.
P/1 - E aí, como foi…
R - A viagem que eu fiquei doente? Eu fiquei três dias doente, arriado na rede, com febre, com muita… Foi ruim!
P/1 - Você sabe o que você teve?
R - Foi só uma virose mesmo. Uma virose, eu sou meio fraco para virose. Fico mal que só. Virose é complicado.
P/1 - Então, o seu trabalho é essencial?
R - O trabalho do parabotânica é essencial. Se não tiver, se ele adoeceu, parou, ali parou. Outras pessoas não vão conseguir fazer, porque precisa dele. E é assim, que tem parabotânica que ele não faz só identificação, ele assume outras funções dentro do inventário, entendeu? Ele, às vezes, é o cara que organiza, que organiza o trabalho, é o cara que sabe como organiza uma parcela. Ele é o cara que faz um bocado de coisa, um monte de funções.
P/1 - Quais são?
R - Ele tem que saber mexer com GPS, com bússola. Ele tem que saber escalar. Ele tem que identificar e saber como montar uma parcela, instalar uma parcela, criar uma parcela. Uma parcela é… Tem vários modelos de parcela, mas dessa que eu estou fazendo lá, era um quilômetro reto, e aí a cada sessenta metros, é medido dez para cada lado, todas abrem, sessenta por vinte, aberto para um lado e para o outro. Aí pula cem metros, aí faz a mesma coisa. Dez para cada lado, por sessenta. Você tem que fazer tudo isso. Dentro daquele sessenta metros por vinte, é dividido entre subparcelas, tem umas de dez metros dentro, são divididos. E dentro daquela divisão de dez metros, é dividido em duas subparcelas, que são uma de dez, no início de um lado, e dez no final, do outro lado. Tem outra parcela que mede todas as árvores, regeneração pequena. É toda uma burocracia. Mas tem que ter tudo isso na mente. É uma coisa para ter em papel, mas a já tem decorado, já tem na cabeça.
P/1 - E aí, os equipamentos são facão? Você estava falando.
R - Facão, trena, GPS, bússola e fita métrica. A fita para medir as árvores, têm uma diferença, é uma fita tape.
P/1 - Vocês demarcam?
R - Tem que demarcar, tem que saber o volume. Aí, você também tem que medir a altura. Tem gente que mede com aparelho, depende do trabalho que é exigido. “Quero só estimar a altura, você fala altura pra eu estimar.” Ou você mede com o cronômetro, ou mede com _____. Tem outros aparelhos que medem.
P/1 - Tudo isso você aprendeu como?
R - Eu aprendi no curso.
P/1 - Tudo isso no curso?
R - Aprendi. Aí, tem várias formas disso aí.
P/1 - E aí, conforme foi passando, você foi se aperfeiçoando?
R - Sim! Eu fiquei trabalhando já, aí eu fui fazendo… Fui trabalhar para o Programa Monitora, que era do ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade], então eu já ia atualizando um monte de coisas. Tipo, já aprendi a fazer outros tipos de parcela, outro tipo de inventário. Fui atualizando. Que na verdade a gente vai se atualizando quando você está em campo, né? Tipo, você começa a trabalhar, sai da teoria e vai para a prática, tem que praticar toda hora, para você aprender mesmo, porque se você ficar… Se você não ficar indo para campo, é difícil você conseguir, que é muito detalhe. A não ser que você receba tudo em papel, para fazer.
P/1 - Você gosta?
R - Muito! Gosto sim! Toda vida eu trabalhei, desde que parei com a seringa, vim trabalhar, foi só com isso. Eu nunca tive trabalho fixo de carteira assinada, nunca tive. Tudo contrato, diária. Toda vida foi assim. Na verdade eu nunca gostei de trabalhar com carteira assinada. Eu acho um pouco preso, aquele negócio de todo dia tem que ir assinar aquele ponto. Eu não sei se dá muito certo para mim não.
P/1 - E como é ficar longe de casa?
R - Isso aí é ruim. É a partezinha ruim. Quando o trabalho é um trabalho contínuo, que você não tem que ficar parando muito no trabalho, é um negócio que passa rápido pra você. Aí se é um trabalho que você passa dias parados, aí é ruim. Estar ali parado, longe de casa, aí é ruim. Você quer vir embora toda hora. Mas não é bom não, ficar muito tempo assim, fora de casa. Você se acostuma com o tempo. Logo no início eu não ligava muito não, agora eu já tô meio… Não estou mais gostando muito de ficar muito tempo fora. Mas eu vou ainda.
P/1 - Qual foi a viagem que você passou mais tempo fora?
R - Foi lá para Parauapebas, no Pará, fiquei noventa dias direto.
P/1 - Como foi isso?
R - Porque foi assim, foi na época da pandemia, né? Então, eu fui, aí teve aquela restrição de você não sair, entendeu? Eu fiquei num hotel, foi pior ainda.
P/1 - Não ficou na mata?
R - Não fiquei na mata, foi pior ainda. Eu fui para a mata, durante esses noventa dias, eu fui 21 dias para a mata só. Mas eu ia e voltava para a cidade. Eu ia todo dia e voltava. Foi o pior tempo essa época aí. Não foi muito legal, não, foi sofrido, eu achava sofrido. Ter que ficar ali, não podia sair, tinha restrição cinco horas da tarde, eu não podia sair. Eu saia meio dia, não tinha o que fazer, eu ia correr numa via que tinha. Hora de meio dia, sol quente, não tinha ninguém na via, era que eu ia fazer. [Pausa]
P/1 - Teve alguma viagem que você sentiu muito medo?
R - Medo? Medo? Olha, eu me lembro não. Pode até ter tido, mas eu tenho que me lembrar. Não lembro de medo. Não lembro.
P/1 - Nenhum desafio assim.
R - Desafio?
P/1 - “Ixi, agora apertou, não sei como resolver isso”.
R - Rapaz, na área de identificação de plantão ou geral.
P/1 - A qualquer momento.
R - A qualquer momento? Rapaz, eu não estou lembrando. Tenho que me lembrar de alguma, mas não estou lembrando. Não lembro! Ah, lembrei uma. Foi uma vez que fui aqui no interior do Acre, foi de aviãozinho bimotor. E o avião com o porta malas com uma corda, aí fiquei um pouco com medo. A gente pegou uma chuva, que parecia que ia se desmontar todo. Aí o menino mesmo, falou assim: “Vocês querem ver o rio?” Ele falou: “Quero!” Ele desceu de uma vez assim: thummm… De lado, para o rumo do rio. Ai, eu fiquei com medo. Foi só a parte que eu tive medo. Fora isso, eu não lembro de mais nada não.
P/1 - E o lugar mais bonito?
R - Aí tem muitos. Teve bastante, se for contar. Eu vou botar a área de reserva, né? O Parque Nacional de Anavilhanas, em Novo Airão, no Amazonas. Lá é o lugar mais bonito, assim. E a área de mata mais fechada, é lá no Tumucumaque, no Amapá. Lá é bonito. Lá, para mim, é um dos lugares mais “top” que tem.
P/1 - Vocês estavam numa aldeia?
R - Não, é uma reserva, é um lugar de conservação. E fui fazer uma gravação para o Fantástico lá, em 2018. A procura da maior árvore da Amazônia.
P/1 - Encontraram?
R - É lá onde tem a maior da Amazônia, no Parque Nacional do Tumucumaque.
P/1 - Qual que é?
R - É o Angelim Vermelho, que é a Dinizia Excelsa. Eu escalei ainda.
P/1 - Jura?
R - Ainda escalei. Essa lá, ela tinha 82 metros. Eu não escalei os 82 metros, mas eu fui até a bifurcação central, assim, a parte mais alta dela que eu consegui alcançar, porque para eu fazer toda a parte para cima, levava tipo muito tempo. Eu tinha que fazer outro material de lá para cima, então demorava. Deu 35 metros, até a primeira bifurcação.
P/1 - Qual é a sensação?
R - Aí, lá a gente se sente o poderoso. Lá ela é grande, estando lá em cima é outra visão, é muito legal! Bonito.
P/1 - É outra visão.
R - É outra visão. Tem disponível isso daí, acha no YouTube.
P/1 - E sons? Outro som também?
R - Lá em cima é. Tem outro… O vento bate mais forte, então… Bate nos galhos, aquele barulho diferente. Não é que nem… Você está embaixo, você nem percebe. Quem está lá embaixo não tem nem noção de como é quando você está lá em cima, no alto, na copa, alto. É um só mais… E o vento mais pesado. Você está na corda, balança, você gira, aquele negócio. Acho legal! Escalar assim, eu não tenho medo. Eu acho legal!
P/1 - E você aprendeu com o Edilson?
R - De rapel não, rapel eu aprendi, foi bem, em 2002, bem atrás, eu era bem pequeno ainda, bem jovem. Eu aprendi a escalar de rapel. Foi outro curso, mas foi outro trabalho.
P/1 - E aí, depois desse trabalho no Jardim Botânico de Nova Iorque, como foi desenrolando?
R - Aí… Foi em 2016. Não, 2019, que foi a pandemia, né?
P/1 - É, 2020.
R - 2020, foi quando eu parei.
P/1 - Com o Jardim Botânico?
R - Foi! E aí eu fiquei trabalhando com consultoria mesmo, pegando serviço particular. Daqui para acolá, eu presto serviço para eles ainda. Mas é tudo mais, só consultoria mesmo. Não é contrato, não é… Aí chegou a época desse projeto de head aí, crédito de carbono, essas coisas. Aí, eu tenho trabalhado mais nisso, nessa área.
P/1 - E como funciona?
R - Aí é área particular, é trabalho privado, então… O inventário é o mesmo, as parcelas, você vai fazendo o inventário, só que é para particular, você entrega os dados para a pessoa, para o cliente.
P/1 - E normalmente o interesse é…
R - Preservação, área de preservação particular. Criar área de preservação particular.
P/1 - É diferente trabalhar particular, com esses outros projetos?
R - É diferente em questão financeira. Cara, ganha mais.
P/1 - Ganha mais particular?
R - Com certeza! Quando é área particular, esse trabalho particular, você dá um valor pra você fazer, aí você vai lá e faz o serviço. Você tem um valor mais agregado.
P/1 - E vocês têm outro nome para isso também? Do seu trabalho parabotânico? Ou é esse que você utiliza?
R - Identificador florestal ou parabotânico, sempre isso.
P/1 - E quando foi a primeira vez que você ouviu falar disso?
R - Rapaz, parabotânico, só foi em 2011 mesmo, quando eu fui fazer o curso, eu fui descobrir esse lance de parabotânico. Eu não sabia que tinha esse nome: parabotânico. Eu também não sei se foi criado na época. Eu não sei! Sei que eu cheguei lá e já tinha esse nome. Foi aí que eu descobri.
P/1 - E desde o momento que você começou a ser parabotânico, até hoje, que transformações na mata você já pode perceber? Tem mudado?
R - Que sentido de transformação?
P/1 - De vegetação, de clima, pensando nas mudanças climáticas.
R - Olha, dos últimos quatro anos, cinco anos, aí, tem dado uma mudada sim. Tem mudado bastante.
P/1 - É? Você percebe.
R - Dá para perceber. Você costuma ir pra campo, para mato, que a gente fala. A gente tinha água em todos os igarapés, hoje em dia, você vai, você já não encontra mais. Tem igarapé que você não encontra água, tem que carregar água, aí já fica difícil. Tem mudado muito. As plantas também, época de fruto também. As plantas estão ficando mais tarde um pouco, outras mais cedo, tipo, está desregular, não está regular. Tem mudado bastante.
P/1 - E qual é o problema disso?
R - Eu acho… Quase certeza que é o desmatamento que foi muito elevado nesses cinco anos. Foi muito alto.
P/1 - Você percebe mais há uns cinco anos?
R - É, há uns cinco anos nós. Acho que o desmatamento nesses cinco anos foi o maior, para mim. Pelo menos para essa região que eu conheço, onde tem a terra também, eu percebo que mudou muito.
P/1 - E você tem conhecimento de plantas medicinais?
R - Não, não muito não. Eu conheço alguns, alguns, não conheço muitas plantas medicinais não. Conheço algumas, na mata, algumas coisas.
P/1 - Na mata você já utilizou?
R - Já sim! Usa muito amburana, Amburana acriano, que a gente chama aqui de cerejeira, pomada de cheiro, faz o chá dela, para rins. Jatobá, casca de Jatobá, faz o chá também.
P/1 - Para quê?
R - Ele é um fortificante, e o vinho dele serve para doença renal também. O chá da casca é diferente do… Que o pessoal tira também o líquido dele, que fura, igual fura Copaíba, faz a mesma coisa. E tem outras, eu acho, algumas outras. Tem uma que a gente chama de Quina-Quina, o pessoal usava muito na época da pandemia, para fazer chá para beber.
P/1 - Por conta do covid?
R - É, por conta do covid.
P/1 - Pra gripe?
R - Não, por causa da febre, que ela é forte, é muito amargo.
P/1 - Você pegou?
R - Sim, uma vez. Foi ruim. Porque na época aqui da covid, antes de eu viajar, eu fiquei uns dias lá na minha mãe, aí foi o rapaz doente para lá, ele não falou, todo mundo pegou.
P/1 - E você foi viajar?
R - Não, aí eu fiquei. Quando eu fiquei bom foi que eu fui viajar.
P/1 - E você comentou que você é uma das pessoas mais jovens aqui da região, fazendo esse trabalho. Como você vê isso? É um trabalho que pessoas mais velhas fazem mesmo? Ela está ameaçada?
R - Eu acho que está ameaçada. Tá precisando de ter mais gente, formar mais gente nessa área, entendeu? Mais na área de parabotânico mesmo, não na área de botânico de formação na universidade. Parabotânico, de pessoas que aprenderam o natural mesmo, entendeu? No campo, no mato, que nasceu ali. Porque normalmente a pessoa que faz a faculdade, que se torna um botânico, é um especialista de uma família de planta, raramente de duas. A medida é de uma família de planta. E o parabotânico, ele é a pessoa que vai conhecer quase todas as plantas no campo. Ele não tem só uma visão, só para uma planta, ele conhece várias plantas. Então, por isso que sempre vai um… Normalmente é para ser um parabotânico e um botânico para ir para campo, que é para ter… O botânico ele vai conhecer cientificamente, como é que se diz? Não sei como se diz. E o parabotânico não, ele vai conhecer mais aleatório, ele vai manter um padrão de identificação, de um gênero, vai conhecer vários gêneros naquela área. Tem pouco botânico que conhece, que faz trabalho de campo. Para fazer um trabalho de campo, raramente um botânico faz. Tem muito botânico bom aí, mas ele não faz um trabalho de inventário de campo com identificação no campo. Ele faz o trabalho de inventário, mas ele não faz a identificação, porque ele não conhece a planta viva lá no mato. Ele conhece só a amostra botânica aqui no herbário.
P/1 - Que é diferente?
R - É diferente. Você pode pegar um botânico e levar no herbário, aí ele vai saber, ele vai olhar, e vai olhar no livro, vai no site da Flora do Brasil, e vai saber. Mas quando leva no mato, ele não vai conhecer aquela planta. Ele pode até estar com o galho na mão olhando, mas se ele não conseguir ver a folha, ele não vai saber qual é a planta. Ele nunca vai saber.
P/1 - E você bate o olho e já sabe?
R - Um bocado eu sei. Um bocado. E aqui no Acre também, eu trabalhei muito também.
P/1 - E qual a importância de todo esse conhecimento? Pensando na questão… no lado científico?
R - A importância é que a gente tem que trabalhar focado na questão de espécies, de prestar atenção nas espécies em extinção e nas espécies que não estão em extinção, você tem que focar nisso. Você não pode… Tipo, você vai fazer uma manejo, você não pode identificar aquelas espécies que estão em extinção para corte, para manejo, entendeu? Porque se você botar errado para corte no manejo, vai ser cortada uma espécie que está em extinção, entendeu? Aí, lá na frente, quando tiver para exportar aquela madeira, a madeira não vai exportar, vai ficar presa numa barreira aí.
P/1 - Mas aí já está…
R - Já está cortada. É esse o problema. Por isso que tem que ter uma importância bem grande nessa parte de focar bem nessa identificação.
P/1 - A sua filha sabe do seu trabalho?
R - Sabe.
P/1 - O que ela acha? Ela entende?
R - Ela não entende muito não. Não entende, não. Não conhece nada de planta.
P/1 - Não?
R - Conhece nada, nada, nada.
P/1 - Não tem esse interesse?
R - Não!
P/1 - E como é para você?
R - Eu deixo a escolha. O negócio dela é animal. Gosta de animal, é diferente.
P/1 - Quando você volta dessas viagens, o que você gosta de fazer?
R - Eu prefiro mesmo ficar em casa. Ficar em casa. Nada de sair para canto não. Quero estar em casa. A gente passa muito, tipo, vinte dias fora de casa. Você chega, você não quer sair para canto nenhum. Você quer ficar em casa, faz a comida em casa mesmo, para comer em casa. Nada de sair. Enjoado de comer comida na rua, comendo essas coisas. Eu prefiro ficar em casa.
P/1 - E você contou recentemente, três anos dessa expedição, você ficou um tempo, agora tem até um documentário. Você quer contar?
R - Documentário?
P/1 - É.
R - Sim. Na expedição, eu conheci uma pesquisadora, que é a Júlia Tavares, que é muito amiga nossa também. E ela mora na Suécia. E aí, ela contou do projeto e tal, e falou que precisava de escalador. Aí fui eu e um amigo meu, que é o Martin, que é biólogo também. Só que é biólogo, ecólogo. Aí nós fomos participar desse projeto do National Geographic, junto com um pessoal da Suécia lá, na Universidade. E a gente foi, primeira ida, a gente ficou quarenta dias lá.
P/1 - Onde?
R - Lá em Tefé, no Amazonas. No Instituto Mamirauá. E a gente ficou quarenta dias lá. A gente ficou quinze dias gravando parte do documentário. E os outros dias foi fazendo um trabalho mesmo que tinha que fazer, um trabalho que a gente ia fazer por fora da gravação. E aí a gente retornou dessa gravação, aí a gente foi de novo, ficamos mais vinte dias, fazendo de novo. A gente acha ruim, né? Tipo, no início, négocio de gravação, quem está trabalhando quer fazer o trabalho, aí tem que voltar tudo de novo. “Vai de novo!” Aí volta tudo de novo. E o dia todinho fazendo aquilo. Até acostumar. Por isso que a gente demorou tanto, que a gente teve que se acostumar, todo mundo, entre tudo, acho que eram umas trinta pessoas. Então tinha muita coisa pra fazer. Era isso. Aí, a gente ansioso para sair o documentário. Passa o tempo todinho… Saiu agora, em outubro.
P/1 - Você gostou de participar?
R - Achei legal. Também foi. Eu participei do artigo também, dela, como co-autor. Já participei de um bocado de artigo dela também, outros trabalhos antes desse, que a gente fez. Mas eu achei legal, importante.
P/1 - Você era o único identificador botânico?
R - De lá sim, era eu. Porque o Instituto não tem parabotânico. Porque eles tem vontade de contratar um parabotânico, todos os cantos aqui, é difícil contratar um parabotânico, que não tem essa… Esse quadro dentro da lei trabalhista, acho que não tem isso. Então para contratar é difícil. Que o valor é mais alto, eles acham o valor muito caro pro quadro que não existe, entendeu? Tem que botar em outra função. Aí é complicado fazer.
P/1 - E em alguma dessas viagens você conhece alguma comunidade, troca com outras pessoas?
R - Sim! Lá eu conheci duas comunidades.
P/1 - Como é isso para você? Você aprende, tem esse tipo troca ou não tanto?
R - Tem! A gente tem conversas com as comunidades, às vezes, tem evento na comunidade, a gente vai, a gente participa dessa parte também, de conversar com a comunidade, com os pescadores. A gente acompanha também a galera no futebol da comunidade. Foi legal! Conhecer regiões diferentes, comunidades diferentes é bom também. Foi bom também essa parte. A gente foi em duas comunidades lá, que eu lembro assim.
P/1 - Que legal! Tem alguma outra viagem que você queira deixar registrado aqui?
R - Outra viagem…
P/1 - Que faça sentido para você.
R - Outra viagem? Não! Assim, tem só do monitoramento, que eu já falei, que depois que terminou a primeira etapa dos monitores, se reúne os parabotânicos e os botânicos e vai, tipo, para um herbário grande, como a gente foi para o Rio de Janeiro, aí vão identificar as plantas que ficou em _____, que gente fala, sem nome. A gente se reúne ali, todo mundo, aí… Tipo, lá foram dez dias, a gente foi lá identificar as plantas, vários identificadores, vários botânicos, tudo junto no Jardim Botânico, no Rio. E aí no Rio, teve essa parte. A gente foi também para Belém, para a Embrapa, reuniu também para aquela região, perto de Belém. As plantas foram para lá, e foi todo mundo para lá também identificar essas plantas. Isso que eu acho que é uma parte legal também que tem que ter nesses programas de pesquisas. Que fica muita planta não identificada.
P/1 - Qual é a parte que você gosta mais do trabalho, de campo ou…
R - De campo. Eu gosto de ir lá e fazer o trabalho no campo, coletar e montar os pacotes de plantas, e trazer para o laboratório. Eu acho mais legal essa parte, para mim é melhor.
P/1 - E quando você vai entrar numa mata. Você tem algum tipo de ritual? Você pede proteção, você conversa?
R - Não, eu não tenho não. Não tenho essa parte. Tem muita gente que eu vejo falando que faz, mas eu não tenho não.
P/1 - Você só vai?
R - Eu só vou.
P/1 - Com fé.
R - Com fé. Tem que ir respeitando. Com fé mesmo que dá certo.
P/1 - E conhece alguma história, alguma lenda dentro da floresta, da mata?
R - Rapaz, lenda, eu já ouvi algumas, mas não lembro. Já vi várias pessoas contando assim, mas eu não lembro de nenhuma assim, decorado, não lembro para contar. Não lembro.
P/1 - Nunca aconteceu nada mágico com você? Ou estranho?
R - Teve um amigo meu, que a gente estava numa aldeia, numa aldeia indígena, ano passado. E aí ele disse que na barraca… A gente estava numa expedição, um trabalho de head que teve lá. E aí, ele deitou na barraca dele, aí ele disse que de manhã ele tentava levantar da barraca, ele disse que tinha um negócio que empurrava ele pra trás, para ele deitar na barraca. “Rapaz, eu não estou sonhando, porque eu não consigo levantar, alguma coisa está me puxando para trás.” Ele contando. E aí, nesse mesmo lugar, eu tinha ido antes, um ano antes, com um Martin, meu amigo, fazer o trabalho de inventário. Dessa vez era a parte de auditoria. E aí eu estava lá, numa redinha, uma casinha de palha, assim, que na aldeia é tudo de palha, aí uma rede de ripa. Eu fiquei aqui na entrada da porta, ele ficou num corredorzinho. Uma casinha aqui, um corredorzinho, uma entradinha, eu fiquei aqui na entrada, ele ficou aqui reto no corredor. E aí, eu estava lá deitado, e falando, conversando besteira. Tem aqui uma entrada assim aqui. Eu fiquei aqui na entrada. Ele ficou aqui reto no corredor e aí eu estava lá e deitado. Ele vai falando, conversando besteira, e aí ele… Alguém falou pra ele assim: “Rapaz, esse lugar aqui tem muita alma, visagem, alguma coisa assim”. Ele falou: “Tem nada, rapaz, que venha uma aqui, que venha deitar na minha rede”. Aí, do nada a rede dele balançou. Aí, ele disse: “Para de balançar a minha rede, deixa eu dormir um pouquinho aqui”. Eu digo: “Eu não estou mexendo na sua rede, não”. Aí, ele olhou, eu estava deitado na rede. Aí, quando ele deitou assim, a porta fechou, na casinha. A porta veio e voltou assim, na casinha. Eu digo: “Rapaz, tu não estava pedindo, agora chegou na tua rede aí”. Aí, eu não sei se foi o vento, ou o que que foi, eu sei que mexeu na rede dele. Sei que a porta bateu. Sei que mexeu na rede dele. O cara achou que eu estava puxando a rede dele, bagunçando, para fazer medo a ele. Só que não era eu que estava bagunçando, não. Digo: “Rapaz, não é eu não!” Aí, ele ficou assustado. Eu digo: “Aí, tu pediu”. Sempre que eu vou para a banda de lá, eu falo pra ele. “Lembra da tua rede lá, que tu pediu.” Pediu uma companhia, viu?
P/1 - Onde foi isso?
R - Isso foi lá na Tribo Arara Shawãdawa, lá em Ponto ___, aqui no Acre. Um pouquinho longe daqui lá. Numa aldeia indígena. Depois disso teve o rapaz dentro da barraca, que ele não conseguia levantar, uma pessoa segurando ele… Disse que sentia puxando ele pra trás, na barraca, ele deitado. E eu já estava acordado. Estava lá também. Eu estava em pé, do lado de fora. E ele tentando levantar, dormindo. Disse que achava que estava dormindo. Mas ele não estava dormindo. Ele contando para nós depois. Foi contar depois só. Ele não contou na hora para a gente não ficar acreditando nele, ele foi contar depois, quando a gente estava saindo de lá, ele contou. Ele ouviu eu contando a história do Martinho, da Rede. Aí, foi que ele contou a história da barraca dele. Digo: “Ah, agora, tá explicado”. Digo: “Eu não estou pedindo nada disso, eu estou aqui quieto na minha rede, eu quero só dormir”.
P/1 - E animais? Você tem alguma proximidade?
R - De animais silvestre mesmo?
P/1 - É.
R - Não.
P/1 - É mais vegetação?
R - É.
P/1 - Mas você cresceu caçando?
R - Sim. Eu conheço de nome os animais.
P/1 - E caça na infância. Tem alguma marcante para você?
R - De caça? Não, marcante não assim. A gente caça aleatório, a gente vai, a gente ia caçando aleatório.
P/1 - Como que é?
R - Ou ia achar uma planta que está dando fruto, pro bicho estar comendo, lá a gente fica esperando. Então, ali o bicho vem para você matar. Ou você sai andando, devagarzinho, no mato, para caçar mesmo. Mas não tem nada muito marcante não. Era isso.
P/1 - Certo! Você gostaria de contar algo que eu não tenha te perguntado? Um registro de alguma pessoa, ou alguma passagem da sua vida marcante? Pensando na sua vida toda. Essa tem que ter, não pode deixar, senão a gente não vai te conhecer.
R - Rapaz, marcante… Olha, é difícil lembrar na hora assim.
P/1 - Eu sei.
R - É difícil. Não lembro.
P/1 - Tenho certeza que você vai lembrar de um monte de coisas…
R - É, depois, vou lembrar mesmo. Com certeza eu vou. Não lembro de nada marcante. Agora, não.
P/1 - E você sonha mesmo a noite? Tem sonhos?
R - Olha, algumas vezes sim.
P/1 - Você tem algum sonho muito comum?
R - Eu trabalho muito com mato, eu sonho com planta.
P/1 - O que você sonha?
R - De tanto estar medindo, e falando o nome, você sonha como se estivesse fazendo alguma coisa no mato. Já sonhei assim. Não é contínuo, um negócio direto, mas uma vez ou outra, aconteceu já. De sonhar assim. Acordar, “meu Deus, ainda estou sonhando com isso”. A gente passou o dia todinho falando, ainda estou sonhando.
P/1 - E seus sonhos futuros?
R - Olha, eu estou com um monte de projetos.
P/1 - Sério?
R - Está com uns três anos, eu abri um MEI, eu estou trabalhando como PJ, estou mudando para PMR. Estou querendo abrir uma empresa. Isso na parte de trabalho aqui com botânica, com pesquisa. E na minha colônia lá, que eu tenho uma terra onde a mãe mora, estou querendo mexer também, fazer plantios. Fazer um SAF [Sistemas agroflorestais], que a gente planta várias coisas juntas, tipo, planta árvore, e planta frutifica por baixo. Eu estou querendo plantar acerola, já plantei um pouco de acerola, plantar um bocado de abacaxi, banana. Fazer um SAF grande.
P/1 - Para vender?
R - Para vender, depois já fica a parte de floresta. Que a SAF é para isso, você tira a primeira colheita, e depois fica a parte de floresta. Fica assim, depois que você tira todos os frutíferos debaixo, deixa ele lá. A maioria aqui começou como safra.
P/1 - O que é SAF?
R - SAF é uma área de reflorestamento, que você quer reflorestar, então você começa plantando frutifica, que é planta, coisa que vai lhe dar um retorno. Você tem que ter um retorno para você ir mantendo. Então, você planta aquilo que vai ser rápido, tipo banana, abacaxi. Uma coisa que você vai ter um ano, um ano e meio, vai ter. E aí, quando você tirar todo aquele produto, que você não for mais querer tirar daquele produto, e vai chegar uma época que não vai dar pra tirar mais, que já vai estar bem velho, e vai ficar só as árvores lá. Já fica reflorestado. O SAF é assim. Eu estou querendo fazer lá. Tem uma ONG aqui no Acre, que é S.O.S Amazônia, que tem um projeto lá. Aí eu estou até inscrito no projeto deles. Eu estou sempre plantando um pouquinho lá. Aí eu já quero expandir mais. Tem uma área lá que eu não uso. Aí, eu quero fazer isso. Eu estou querendo aumentar o negócio, mexer com a empresa, pegar umas consultorias diretas, sem ser terceirizado. Quero trabalhar menos, ou mais, né? Trabalhar mais com a cabeça.
P/1 - Ah, tá! Por que, é muito cansativo?
R - Assim, não é cansativo, é porque tem um lucro melhor, entendeu? E é mais fácil também, você ter uma empresa que você pega o trabalho, pega o serviço direto, é melhor, eu acho melhor. Que você pegar terceirizado, o cara já terceirizou, já passa pra você, já é um trabalho… Você cobra um valor, ele já não quer, porque já terceirizou de outro, entendeu? Aí já fica complicado. Mas ano que vem já quero estar com tudo pronto.
P/1 - Você gostaria de deixar alguma mensagem para as pessoas que vão assistir seu vídeo?
R - Olha! Uma mensagem… Deixa eu pensar aqui, numa mensagem. Gostaria sim, mas tenho que pensar aqui. Na verdade, quando eu comecei, eu comecei…. Quando eu comecei bem lá atrás, que antes de eu começar tudo parte de botânica, e tal. Teve uma ONG, aqui no Acre, que era o Centro Trabalhador da Amazônia, que era o CTA, na época. Então, eles lançaram um projeto de… Um curso de dois anos, que era de agente florestal, e aí eu participei do primeiro que teve, eu era bem novinho ainda. E aí, bem nessa data aí, eu comecei a aprender. Eu não estava muito ligado ainda em querer aprender nome de planta e tal. Mas só que aí eu fui fazendo um trabalho para esse pessoal, na época, fazendo mapeamento de umas áreas de palmeira, que era para vender, na época, para vender os frutos de jarina, que é uma espécie de palmeira que tem aqui. Pessoal vendia muito, chama de marfim da Amazônia. E aí eu trabalhava e ganhava cinco reais a diária. Era cinco reais a diária, na época. Aí o pessoal dizia: “Rapaz, mas tu é muito besta. Tu trabalhar de cinco reais a diária”. Eu digo: “Não, eu não estou trabalhando pela diária, eu estou trabalhando para eu aprender, para daqui uns anos eu ter uma diária melhor, entendeu?” Tipo, eu não trabalhava pensando naquele dia, trabalhava pensando lá para o futuro, porque eu sempre vou pensando lá para frente. Eu tenho que trabalhar pensando no que vai vir mais na frente. Os meninos tudinho que trabalhava mais eu, tudo era menino bom, trabalha bem, escalava, na época, bem, até melhor do que eu. E aí, não queria. Nem ia na verdade, foram uns dias mais eu e abandonaram. E aí eu sempre falo para eles… Hoje eles estão lá ainda. E eu sempre falo para eles. O negócio, o dinheiro, é que eu queria aprender pra hoje. Hoje eu já ganho uma diária razoavelmente boa, assim. Até falo para eles, eu ganho mais do que vocês, porque eu me esforcei naquela época, para hoje eu estar ganhando essa diária. Eu falo para eles, que você tem que ter um esforço, para você chegar, e aprender, e ser reconhecido. Hoje em dia eu conheço muita gente, graças a Deus, essas pessoas me ajudam bastante mesmo. Uma vez por semana um está me ligando para fazer trabalho por aí, que sempre tem. Então, eu já acho que eu já dei um passo bem avançado na minha vida aí. Conheci muita coisa. Então, eu falo para as pessoas, que a gente não pode pensar muito na hora, no que você está querendo ganhar só naquela hora. Você não pode pensar em ganhar só ali. Você tem que pensar para frente. Então, você tem que pensar no futuro. Você tem que estudar, tem que estudar, tem que estudar bastante. Eu não estudei numa universidade, mas eu estudei com as pessoas. Então, estudar com as pessoas, vários pesquisadores que vinham de fora, eu acompanhei muito pesquisador, de um bocado de países diferentes. A maioria não falava português, mas eu fui me adaptando, ia entendendo o que eles iam falando. Então, fui aprendendo. Tipo, nome de planta eu entendia eles falando. Tudo em latim, você tem que ter uma base. E aí eu fui aprendendo. Aí, hoje, graças a Deus, eu acho que eu estou bem. Porque as pessoas tem que pensar nesse rumo. Então, eu acho…
P/1 - E observando.
R - E observando. Tem que observar bem mais do que você quer. Você tem que observar bastante. Observar é fundamental.
P/1 - Colher os frutos.
R - É, tem que colher…. Essa é a parte que tem que fazer para pensar, para colher no futuro. Eu acho.
P/1 - Como foi para você essa experiência, de contar, lembrar um pouco lá do comecinho da vida, até os planos futuros, dividir um pouco com a gente, partilhar?
R - Olha, eu acho bom esse projeto. É um projeto, né? Então, acho uma ideia que seja fundamental, porque na verdade já era para ter isso antes, eu acho, porque é bom saber dessas pessoas que trabalham nessa área… Na verdade, eu perguntei para a moça, quando eu cheguei aqui, se ela sabia o que era nossa área. Ela não conhece, nunca ouvi falar. Então, a pessoa tem que saber, tem que conhecer, saber o que as pessoas fazem, para que serve, qual a função deles, serve pra quê. “Ah, porque serve um parabotânico?” Então, parabotânico é o cara que vai para a floresta identificar as plantas, coletar junto com o especialista, para identificar as espécies, num herbário, ou num laboratório, onde seja.
P/1 - Você acha que pouca gente sabe?
R - Pouca gente sabe. Eu sempre pergunto às pessoas. “Sabe o que é um parabotânico?” “Sei não!” Digo: “Vou lhe explicar”. Tem poucos, né? Antigamente, eu tinha uma lista de parabotânicos. Eu tinha, não sei se eu tenho ainda, um arquivo, bem pouquinho no Brasil. Hoje em dia tem mais, eu acho, mas não que saiba identificar em nível de espécie. Tem parabotânico que só faz inventário madeireiro. Aí ninguém chama parabotânico, quando a pessoa só faz o nome vulgar. Chama de outro nome, só chama de mateiro. A pessoa só conhece o nome vulgar, aí chama de mateiro, pessoa que sabe andar no mato, conhece andar no mato, conhece… Aí, a gente chama de mateiro.
P/1 - Quando você ouviu esse nome pela primeira vez, mateiro?
R - Mateiro eu já tinha ouvido já bem antes, bem, quando era bem jovem, eu já tinha, já conhecia. Mateiro eu conhecia como a pessoa que sabe andar no mato, sabia abrir uma estrada de seringa, um mateiro. O mateiro era o cara que sabia, conhecia, sabia abrir uma estrada de seringa, sabia achar as aves tudinho de seringa, fazer o caminho. Esse era o mateiro.
P/1 - Desde pequeno você era mateiro?
R - Desde pequeno. Desde pequeno já era mateiro. Eram essas pessoas. Depois que veio esse… Fui mudando, criaram esse parabotânico aí. É legal.
P/1 - E desse Brasilzão todo, você conhece bastante.
R - Um bocado.
P/1 - Como é isso para você?
R - Olha, esse trabalho… Essa é uma parte boa desse trabalho, conhecer lugar novo em todo trabalho que você faz. Tipo, você está hoje aqui. Tinha vez que eu estava aqui no Amazonas, tinha que ir daqui para Tocantins, aí para o Maranhão, aí você vai lá pro Rio… Você vai conhecendo várias pessoas diferentes, vários locais diferentes, coisa nova. Todo trabalho é uma coisa nova.
P/1 - Culturas.
R - Culturas diferentes. E também tem nesses cantos… Tipo, aqui tem várias aldeias de indígenas. Então, no Pará, eu conheci algumas aldeias também. E são diferente, as culturas, até dos indígenas muda tudo, então é legal.
P/1 - Tem algum aprendizado que você teve que você leva para sua vida?
R - Aprendizado?
P/1 - Pensando nessas diferenças de cultura.
R - De cultura. Tem! Meu pai, deixa eu ver. Porque tem muitas culturas que é difícil de explicar, na verdade. Tem umas aldeias aí que é difícil explicar as culturas deles. Tipo, nos Arara, tem uma cultura de… A gente foi trabalhar lá, então o rapaz da aldeia que ia cozinhar pra gente. Eu pra mim, ali, já foi ruim pra mim. A comida dele já não batia comigo. Era uma cultura diferente. Eu comia porque é a cultura deles. Tipo, ele não faz um arroz, você não consegue tirar o arroz assim, solto, não existe arroz, é um mingau. É um mingau, ele faz assim, amassa bem amassadinho na panela, aí põe muita farinha, muita farinha. Meu Deus do céu! Eu achava ruim demais, passar a semana todinha comendo aquilo. É uma cultura deles. Normalmente eu comia, não falava nada, é a cultura deles, eu comia tranquilo, não reclamava, porque eu sabia que era a cultura deles. Mas diferente da nossa, a gente não tem um padrão de fazer esse tipo de comida assim, tipo, muito mingau de banana, tipo, fazer as bebidas alcoólicas lá de macaxeira, muda tudo também. São culturas que são totalmente diferentes. A única coisa que eu acho bom é o açaí, que o açaí eles fazem bem. O açaí é bom.
P/1 - Como é isso para você, assim, às vezes é difícil, às vezes é interessante.
R - Eu acho interessante, eu acho interessante. Que assim, uma coisa que eu não conhecia nunca, eu quase não ia, eu não andava em aldeia, porque até para entrar nas aldeias tem que ter uma autorização. Então, eu comecei a ir nesses cantos com autorização, aí eu ia conhecendo. É diferente mesmo dessas aldeias aqui. Eu aprendi muita coisa interessante, sobre a comida, sobre a vivência deles, morar tudo num lugar só ali, aquele negócio, tudo junto. Não sei a regra, se é para morar tudo junto, ou espalhado, mas sei que é tudo junto, onde eu fui era tudo junto.
P/1 - Você tem alguma preferência de trabalhar em algum lugar do Brasil?
R - No Pará.
P/1 - Por que?
R - Porque lá tem mais opção de trabalho, eu acho. Tem mais trabalho também. No Pará, tem muita área que eles fazem levantamento florestal. Então é uma região que eu trabalho tranquilo.
P/1 - E tem diferença da mata?
R - Tem algumas coisas diferentes, mas não muito não. Mas tem diferença sim. Tem espécies diferentes do que aqui, muito diferente, muitas espécies.
P/1 - E qual é a sua primeira lembrança da vida?
R - Na área de botânica? Geral? Eita! Agora você me aperreou. Rapaz, tanta lembrança aí. De botânica eu lembro da primeira vez que eu cheguei numa árvores, no curso, a primeira árvore que eu fui, me lembro até hoje o nome ainda, que foi um… A gente aqui conhece por João Mole, que é um gênero Néia. Me lembro bem, foi a primeira árvore que eu fui chegar para fazer a identificação junto com o professor, na época, foi essa, eu me lembro ainda, da identificação, um João Mole.
P/1 - Mole?
R - João Mole. A gente chama João Mole, que é uma Néia, gênero Néia.
P/1 - Onde foi?
R - Foi no Colégio Agrícola, que fica aqui na Estrada C90, mais para o interior.
P/1 - Que ano?
R - 2011.
P/1 - Que legal. É isso!
P/2 - Cara, você falou que gosta de estar em casa. Deve ficar com saudade de casa. Agora, eu queria saber o contrário. Quando você está em casa, você sente saudade?
R - Aí tem vontade de ir para a mata.
P/2 - Isso acontece?
R - Isso acontece. É normal. Eu chego assim, eu passo uma semana, já quero voltar de novo. Já quero voltar de novo. Já estou achando que estou muito tempo em casa. Isso é normal. Acho que para todo mundo que trabalha fora assim, sente essa vontade. Você está em casa, está doido para ir para campo. Você está no campo, você demora uns dias, já quer vir para casa. Esse negócio, você sempre quer estar andando, você não quer estar num lugar muito tempo parado, você sempre quer estar lá no mato. Se você puder trabalhar dez dias e voltar, ficar em casa, e ir de novo, assim. Esse eu acho que era o ideal, pra quem trabalha fora.
P/1 - Legal. Querido, muitíssimo…
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