Entrevista de Edilson Consuello de Oliveira
Entrevistado por Luiza Gallo
Rio Branco, 19/11/2024
Projeto: Mateiros do Brasil
Entrevista número: MAT_HV004
Realizado por Museu da Pessoa
Transcrita por Monica Alves
Revisada por Luiza Gallo
P/1 - Bora lá!
R - Vamos!
P/1 - Primeiro quero te agradecer demais por ter nos recebido aqui, por ter esse tempo, por estar conversando com a gente.
R - Obrigado!
P/1 - E eu queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R - Meu nome é Edilson Consuello de Oliveira, nasci em 1956, 14/09/1956, Sena Madureira, Acre e essa é a data do meu nascimento.
P/1 - Como foi o dia do seu nascimento? Te contaram?
R - Na época anterior, eram as… Tinha a parteira que ia fazer… Tem parteira lá, especialista só pra fazer aquele parto. Tem fulana lá, tal, aí já levava aquela pessoa e já colocava, já esperando os dias. Então não morria ninguém, era tudo tranquilo, tudo normal o parto. E eu como uma pessoa tranquila, vejo que toda vez… aí eu nasci no normal, cresci graças a Deus, junto com meus pais e família. Tudo sempre normal, graças a Deus.
P/1 - Você nasceu na sua casa, então?
R - Foi em casa mesmo, no seringal. Colocação, né? Aí eu nasci lá, não teve… aí aquela… Depois, depois do parto tem aquele um mês, sei lá, de tanto de resguardo. Hoje parece que não existe mais isso, parece que não existe. Mas é tudo tranquilo, foi tudo bem.
P/1 - E qual é o nome da sua mãe?
R - Maria Consuello de Oliveira. Já falecida, Deus tem ela no céu.
P/1 - Como você descreveria ela pra gente? O jeitinho dela, o que ela gostava de fazer, com o que ela trabalhava?
R - Nossa, minha mãe era impressionante. Sempre mandando a gente se cuidar: “Meu filho, não faça isso”. Cuidava bem da gente, uma mulher muito caseira. Eu não consigo esquecer ela, sempre lembro. Como o meu pai também, né? Meu pai era muito trabalhador, meu pai era focalizado...
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Entrevistado por Luiza Gallo
Rio Branco, 19/11/2024
Projeto: Mateiros do Brasil
Entrevista número: MAT_HV004
Realizado por Museu da Pessoa
Transcrita por Monica Alves
Revisada por Luiza Gallo
P/1 - Bora lá!
R - Vamos!
P/1 - Primeiro quero te agradecer demais por ter nos recebido aqui, por ter esse tempo, por estar conversando com a gente.
R - Obrigado!
P/1 - E eu queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R - Meu nome é Edilson Consuello de Oliveira, nasci em 1956, 14/09/1956, Sena Madureira, Acre e essa é a data do meu nascimento.
P/1 - Como foi o dia do seu nascimento? Te contaram?
R - Na época anterior, eram as… Tinha a parteira que ia fazer… Tem parteira lá, especialista só pra fazer aquele parto. Tem fulana lá, tal, aí já levava aquela pessoa e já colocava, já esperando os dias. Então não morria ninguém, era tudo tranquilo, tudo normal o parto. E eu como uma pessoa tranquila, vejo que toda vez… aí eu nasci no normal, cresci graças a Deus, junto com meus pais e família. Tudo sempre normal, graças a Deus.
P/1 - Você nasceu na sua casa, então?
R - Foi em casa mesmo, no seringal. Colocação, né? Aí eu nasci lá, não teve… aí aquela… Depois, depois do parto tem aquele um mês, sei lá, de tanto de resguardo. Hoje parece que não existe mais isso, parece que não existe. Mas é tudo tranquilo, foi tudo bem.
P/1 - E qual é o nome da sua mãe?
R - Maria Consuello de Oliveira. Já falecida, Deus tem ela no céu.
P/1 - Como você descreveria ela pra gente? O jeitinho dela, o que ela gostava de fazer, com o que ela trabalhava?
R - Nossa, minha mãe era impressionante. Sempre mandando a gente se cuidar: “Meu filho, não faça isso”. Cuidava bem da gente, uma mulher muito caseira. Eu não consigo esquecer ela, sempre lembro. Como o meu pai também, né? Meu pai era muito trabalhador, meu pai era focalizado só pelo trabalho dele, criava os filhos, tal e coisa. Estudo naquela época não existia, muito pouco. Aí ele foi criando a gente de uma forma que ele tinha sido criado.
P/1 - Como que foi?
P/1 - A gente não tinha estudo também, né? Aí nós não estudávamos. Aí depois, já que eu cheguei aqui, já adulto, aí que eu fui estudar um pouquinho e tal, faltou duas matérias, eu acho que foi português e… duas matérias para terminar o segundo grau. Não fechei por problema de muito trabalho, chegava e ia pra outro, aí perdi os dias que foram foi feito. Mas é assim, é a vida que levo, né?
P/1 - Como foi a sua infância? Que recordações você tem desse período? Da sua casa? Você tinha irmão?
R - Sim. Nós éramos oito, oito irmãos, seis homens e duas mulheres. Morreu um. Aí, nós somos em sete, hoje, duas mulheres e cinco homens. Mas nós fomos criados… Naquele tempo a criação era bem rígida. O pai dizia: “Tem que ser dessa forma”. A gente atendia, não é como a criação de hoje. A criação de hoje é uma coisa impressionante. Você não pode educar um filho, que muitos pais também não sabem educar, quer saber de bater nos filhos, essas coisas, e não pode… (pausa para arrumar o som). Aí a criação, hoje, deixa a desejar, né. Criança de um ano, um ano e pouco, já está com o celular na mão, que é um desastre para as crianças de hoje em dia. É, o celular é bom pra quem sabe usar, né? Aí a nossa vida era muito… Os irmãos todos unidos, não brigava, todo mundo trabalhava, fazia aquilo ali, o pai dava uma ordem, a gente cumpria. E hoje não, eu sinto saudade daquele tempo, porque hoje não tem mais isso.
P/1 - E com o que vocês trabalhavam?
R - Meu pai era seringueiro, então fazia aquela roçazinha, um roçado, plantava milho, macaxeira. Ele nos botava lá pra fazer esses trabalhos de casa, milho e macaxeira pra a gente cuidar. E ele ia mais para a seringa.
P/1 - E vocês, as crianças?
R - Nós ficávamos em casa, né, nós ficávamos tranquilos, aquele deverzinho de casa, faz isso, pega uma água ali e volta. “Ajuda a tua mãe”. Aí era isso, um tempo bom. Eram difíceis as coisas, né? Naquele tempo não tinha tecnologia que nem tem hoje, que daqui eu quero falar com o meu meu chefe, que está lá em Nova Iorque. Daqui eu já ligo pra ele e está bem. Naquele tempo havia uma mensagem do Ceará, ou lá de onde meu pai era. Era um mês ou dois meses, sei lá, era pelo o carteiro, não tinha correio, era carteiro que levava a carta. Viajava tanto tempo pra chegar. E hoje tudo é mais fácil e as pessoas ainda acham ruim. O governo ajuda bem, da bolsa família, dá tudo e tem muita gente que ainda vai roubar. Pra quê isso? Pra quê fazer isso?
P/1 - E luz, vocês tinham? Energia? Como era?
R - Nada! A luz era só uma lamparina, assim, um negocinho numa latinha com óleo diesel, aí era aquela luzinha. Aí tinham as porongas também, que colocava na cabeça, aí tinha um negócio assim, só pra clarear pra frente, que era para os seringueiros andar de noite cortando a seringa. Muito difícil. E era onde tinha muita onça, era muito perigoso, de vez em quando era atacado por uma onça, um animal, porque tinha muito animal feroz nessa época. Era difícil, muito difícil, mas a gente passou e estamos aqui. Meu pai já está com alguns anos, meu pai morreu muito jovem, 58 anos, pegou câncer nas amígdalas, aí vendeu bastante gado, foi fazer a operação, tirou a glândula que tinha. Mas aí quando ele voltou de Goiânia, aí ele chegou e falou pra mim, ele disse: “Ah, meu filho. Não tem jeito não, não vou nem gastar mais dinheiro, porque eu tenho uma glândula, na hora que essa outra espocar do outro lado aqui, eu morro”. Aí em pouco tempo ele morreu, passou um mês em casa e morreu. Aí depois morreu minha mãe, aí a gente, os filhos, já estávamos todos criados. Graças a Deus na família todo mundo é trabalhador, ninguém faz coisa errada e vamos levando, né? E eu tenho dois irmãos que não faz coisa muito certa, que é fazendeiro, que desmata muita floresta. Aí pra mim é coisa errada, pra ele não, pra ele é o certo. Mas é assim, é a vida que eles… Quando ele morreu, que a gente fez a separação, aí eu tinha uma terra lá, eu já tinha, quando a minha mãe morreu, eu já tinha começado a trabalhar aqui na UFAC, aí eu olhei meu irmão e disse: “Não, fica com a minha parte pra você”. E ele ficou com a parte. Aí eu tinha outro foco, já tinha descoberto o que era a floresta, o que era esse… Aí eu dei pra ele e segui meu trabalho, que é onde, até hoje, eu estou aqui.
P/1 - E tem conflito com esses irmãos? Como que é?
R - Não, tudo tranquilo, ninguém nunca… Tem algumas coisinhas? Tem. Mas não é assim… Mas depois tá tudo tranquilo. Mas aqueles conflitos sérios, não. Porque família sempre tem, né? Mas tem uns que são meio desunidos, não querem… Mas nós, não, sempre, graças a Deus, como da forma que nós fomos criados, aí nós não temos, graças a Deus. Muito bom, a união é boa demais.
P/1 - E você pode contar um pouquinho, assim, dos seus pais? A família deles? O seu pai era primo de quem?
R - Meu pai era parente do rei do Baião, Luiz Gonzaga. Minha mãe era cearense, eu não conheci bem, mas ela contava a história dos parentes dela. Mas eu nunca tive conhecimento com nenhum dos meus pais. Só a minha avó, a mãe da minha mãe, que era… Eu a vi, mas pouquinho tempo, logo, criancinha, quando ela morreu, então eu não tive muito conhecimento com ela.
P/1 - E aí você conheceu o Luiz Gonzaga?
R - Não, nunca. Eu sei que ele era bom no Baião, né? (risos) No baião ele era… Mas é a vida, nossa, é assim, a nossa vida é… Você prestando bem atenção, o reino humano e o reino vegetal, é muito parecido com outro, porque na floresta, se uma árvore cai, ali vem várias naquela ali, ela vai servir de alimento para os outros, que vai aparecer aquelas espécies invasoras, que são semeadas pelos morcegos, pra fazer… Aí logo cresce outras naquele canto. Então eu comparo muito o reino humano com o reino vegetal, muito parecido.
P/1 - Que outras semelhanças tem?
R - Como as espécies, nós temos a família Fabaceae, o gênero Fabaceae, não, família Fabaceae, dentro da família Fabaceae tem várias subfamílias, uma já puxou para… É igual, por exemplo, eu tenho uma filha, aí ela casa com filho ali do outro, aí ela já vai puxar aquilo ali, puxar a família e vai ramificando, a família crescendo. Então mesmo assim são as plantas. É preciso a gente olhar para nossa natureza com outra vista, enxergar o que é a floresta, ela tá precisando de nós, porque nós estamos destruindo, estamos acabando nossa floresta e cada vez esquentando mais o tempo e fica muito quente.
P/1 - E que música vocês escutavam na infância? O que vocês gostavam? Vocês se reuniam, a sua família? Vocês faziam música? Vocês gostavam de comer juntos?
R - Sim, sempre. Mas as músicas, hum, agora… Mas eram aquelas músicas lá da década de sessenta, setenta, a época que as músicas tinham letras, tinha uma letra bem legal. Hoje não tem, não tem letra, você vê uma música, é uma coisa tudo retorcida, parece uma cobra andando na areia quente, não sabe para onde vai. E é só pelo embalo, e a juventude adora aquilo ali, só pelo… Mas você vai ver na letra da música, muitas delas não tem. Não tem. Mas como o embalo é muito bom, a juventude adora, aí é assim. Mas aquelas músicas de antigamente, Zé Augusto, é aquele Valdik Soriano, Agnaldo Timóteo, eram aqueles cantores, é um cantor… Amado Batista, muito bom. Aí o pessoal está esquecendo. Depois apareceu o sertanejo, né? Foi morrendo lá, aquelas músicas mais antigas. Apareceu o sertanejo, foi bom. Hoje já estão esquecendo mais o sertanejo, já estão entrando noutro ritmo e eu não sei onde vai parar, mas…
P/1 - E brincadeiras de infância, você tinha?
R - Ah, brincadeira, tinha, brincadeira de infância, lembro. Tinham umas brincadeiras… Naquele tempo tinha… Quando era época de Santo Antônio, São João, São Pedro, tinham aquelas festas, comemoração, fazia fogueira, aquela fogueirazona. Aí como não tinha, não existia fogos para soltar aquelas, pegávamos um pedaço de bambu, vários pedaços, colocávamos dentro da fogueira, que aquilo ali quando estoura parece aquele foguete, era pá. E dava aquele barulho. Então, aí as brincadeiras para as crianças era um tal de joão-galamarte, como usava o nome naquele tempo, um toque fincado no chão, pegava uma árvore, um pedaço, furava no meio dela, virava aquele toco, botava aqui, aí botava para o moleque sentar, pregava um pedacinho, aí moleque sentava lá e segurava, aí ficava rodando. Só aquilo ali, a brincadeira era aquela, uma brincadeira mais… Quando não tinha nada dessas brincadeiras que tem hoje, a brincadeira natural. E era uma vida mais saudável. Hoje tudo é mais… E a criançada só gosta daquilo que prejudica ela. Uma coisa que é para o bem da saúde dela: “Não, ah, eu não quero isso. Isso me faz mal. Eu não gosto disso aí. Eu gosto de comer hambúrguer, gosto de comer sorvete.” Aquilo ali é só coisa que prejudica a saúde. Mas é impressionante. Aí cada vez a criança, quando tá com dezoito, vinte anos, já está com problema, tem dor nas costas, dor nas pernas, é isso. E onde a gente vê mais hoje, coisa impressionante, são as carnes bovinas. É uma coisa horrível, mata muita gente e todo mundo fica quieto. A comida mais saudável hoje, é peixe, é frango caipira, que você cria lá, que esse que vem da… Aí você cria um peixinho, um porco, aí é bem saudável, mas carne de boi…
P/1 - O que acontece? Conta pra gente?
R - A carne de boi, ela desenvolve muito câncer. Eu tenho uns irmãos, dois irmãos que trabalham com isso. Ele vacina lá. Uma vez ele vacinou, sei lá, uns 280 bois, que é aquilo ali depois da vacina, eu acho que tem um determinado, sei lá, um prazo, de dois ou três meses para aquele animal ser abatido para você poder consumir ele. Mas lá, foi vacinar hoje, quando é com dez dias, quinze dias depois, pegou e levou direto para o matadouro. Aí quem consome uma carne assim… E aquela carne fica mal passada. Eu tenho hoje essa idade, que eu tenho 68 anos, mas graças a Deus eu não gosto. Eu vou numa churrascaria, carne mal passada? Vish, não quero nem ver. Eu vou na minha casa, eu tenho meu fogão de lenha lá com forno, eu levo lá, tem a churrasqueira do lado, eu faço uma carne bem assadinha, bem passada ou bem cozida, mas mal passada… O menino que vem aqui amanhã, o Adriano, ele vai te contar, se ele lembrar, ele conta a história. Ele era de comer carne mal passada, boi berrando. Ele disse: “Eu quero comer é boi berrando, carne escorrendo sangue”. Ele não pegou a brucelose? Eu não sei se foi da carne mal passada. Nós estávamos em Rondônia, no curso, ele disse: “Ah, eu estou sentindo isso, dor na junta e tal”. Aí adoeceu, pegou febre, veio fazer exame e estava com brucelose. Então muita gente adora isso. Eu não gosto.
P/1 - Tinha algum costume na sua família, de cozinhar algum prato específico de comida?
R - Não, a minha mãe não. Eu não lembro se tinha isso. Já as minhas meninas adoram. Eu tenho duas filhas que já adoram. Quando eu viajo para aí, agora, ela faz um tal de um bobó de camarão, não sei o quê mais, tanta coisa. “Pai, traz camarão para nós.” “Tá bom”. Posso estar onde estiver, aí eu trago. Mas é assim, né? Tá mudando. Só que naquela época nós não tínhamos. Quando a gente morava lá no seringal, era mais… Só consumia ou galinha, ou porco, ou carne da caça, que a gente morava lá, então tinha que comer a carne de caça. Como hoje a gente não vai matar os pobrezinhos dos macacos para comer aquilo, ih, meu Deus! O macaco é muito parecido com o ser humano, se você for observar direitinho, é muito parecido. Então a gente não… Faz tudo para não matar mais isso, né? Tem variedade de coisas para você comer, né.
P/1 - Você caçava com a sua família?
R - Caçava. Fui matador de caça.
00:20:35
P/1 - Como que era isso?
R - Era assim, sempre meu pai, ele gostava de controlar as coisas. Aí ia lá, matava uma caça, não era de ir lá matar, sei lá. “Matei quatro, cinco”. Matava uma, fazia ali para a família. “Tá acabando, nós não temos rancho, é preciso nós irmos lá na floresta de novo”. O dele, tudo era controlado. Os cágados, que são os Jabutis daqui da floresta, no seringal dele, quando a gente ia lá, pegava o jabuti e a jabota, que a gente chama aqui, o macho e a fêmea, ele dizia: “Solta a jabota, mata aquele ali que é macho”. Aí era assim, o jeito que ele era. Eu adorava o jeito que ele levava a vida. É um tempo bom que você não vê voltar mais. O tempo passa, muitas vezes você está achando ruim. “Esse tempo é ruim”. Não é! Todo tempo é bom, a pessoa estando com saúde… Ruim é aquela pessoa que está lá na cama de hospital, deitado lá, esperando a hora de morrer. Tem muita gente que reclama: “Ah, isso não é vida!”. Ele tá cheio de saúde ali e diz que não é vida, só porque está faltando uma coisinha e tal. “Ah, Deus não ajuda! Não existe Deus!”. Deus ajuda. Só basta você ter fé e crer nele, que Deus ajuda. Então é bom, muito bom você crer em Deus.
P/1 - Tem outras histórias que você possa compartilhar com a gente, que demonstra o jeito que seu pai levava a vida?
R - Tem. Ele sempre cuidava bem da floresta, ele não deixava a gente destruir muito a floresta. Até um certo tempo que ele passou… Ele primeiro era seringueiro, de seringueiro ele passou a ser… Comprou seringal, aí passou a ser seringalista. Aí dentro da coisa, aí ele, mas no seringal dele, ele começou a desmatar e virou fazenda. Aí ele foi esquecendo aquela… Como tinha muito gado, para fazer campo para o gado comer, aí ele já começava a desmatar. Aí eu ficava pensando assim: “Mas…”. E eu adorava derrubar a floresta. Não, eu queria que tu visse, eu chegava no pé de uma árvore, aquelas árvores grossonas, tinha muita motosserra nesse tempo, aí eu cortava. Aquilo é um prazer, quando ela saía quebrando, derrubando os outros. Hoje, na minha área lá, Deus me livre! Quando eu escuto uma árvore cair, eu já fico… Aí mudou, mudou desde o tempo que eu conheci o pessoal da universidade, daí pra cá mudou. Eu, pra mim a floresta é: “Isso aqui são só plantas. Isso aqui não tem nada. Isso aqui derruba”. Mas a nossa floresta é uma farmácia completa e é uma biblioteca pra quem quer estudar ela, só basta os nossos presidentes, nossos governos dar apoio para pesquisar, arrumar projeto, colaborar com as pesquisas. Porque nós temos pesquisa hoje através das ONGs, raramente tem pesquisa através do Governo Federal, pouco, pouco. Aqui nós estamos na universidade, mas a pesquisa aqui é muito devagar. E aqui nesse parque zoobotânico, ele foi através de ONG, das ONG's, Jardim Botânico de Nova Iorque ajudando, muito, muito dinheiro, desde 89, que o Douglas veio aqui, veio para o Brasil, eu acho que em oitenta, 82, ele começou a trabalhar aqui no estado do Acre, mas ele já tinha… É um americano, fala o português bem.
P/1 - Ele não é brasileiro?
R - É, não. É americano, mas ele fala o português excelente. Aí foram atrás de mim para fazer esse… Pilotar o barco. “A gente quer conversar com esse Edilson, que tem um barco, ele pilota barco”.
00:25:51
P/1 - Que ano isso?
R - Isso foi em 95. Foi final de 94 para 95. Aí eu cheguei, desci o Rio na BR 364, aqui, desci o rio um pouco, aí chegava na área do meu pai, uma areazinha grande. Aí a gente morava lá, ali tinha de tudo, ali final de semana, a gente não enxergava o dia de manhã, era só hoje. “Hoje está tudo bem. Vamos trabalhar, amanhã é outro dia. É como Deus quer”. Deus disse: “Não te preocupes com o dia de amanhã, porque disso aí eu cuidarei”. Aí eu saí, recebi o recado e fui lá. Cheguei lá, estava o pessoal lá, da universidade, que era daqui. Aí me chamaram para coletar planta: “Tem alguma flor aí?”. Eu disse: “Esses matos velhos está tudo cheio de flor aí, tem muita flor no rio”. “Então a gente precisa que você nos leve lá para fazer umas coletas”. Eu disse: “Bora, não sei de nada disso”. Aí daí ele disse: “Olha aquela planta lá, é uma planta tal, é da família Bignoniaceae”. Eu disse: “Família? Planta tem família?”. Eu não sabia de nada. Sabia cortar as plantas, sabia derrubar, sabia queimar, ia lá e tirava de motosserra e serrava. Aí o finado Reinaldo, que hoje Deus o tenha no céu, já passava e dizia: “Não, são as famílias e tal. Então a nossa floresta é muito importante”. Aí eu fui pegando gosto. Passamos quatro dias. Aí eu dormia e acordava e pronto. Aí ligaram para eu ir lá de novo: “Tal dia, a gente tem vinte dias de campo. Está disponível?”. Aí eu disse: “Estou, vamos trabalhar”. Aí fomos lá. Aí eu já comecei a gostar. Eu era motorista, parava o barco lá, já pegava o cordão, o livro. “Vamos coletar plantas”. Aí fizemos esses vinte dias. Aí eu já fui entrando no conhecimento das plantas. “Olha, essa tem a folha assim, essa é a trifoliada, essas são folhas alterna, liana”. E eu disse: “Quem é liana?”. Ele disse: “Não, são os cipós, a liana, são aquelas lianas candentes, são cipós com gavinhas que agarram”. Eu disse: “Tá bom”. Aí na terceira ida, foi em março, dia 23 de março, acho que foi por aí assim, já meu chefe veio, alguém deu no ouvido dele: “Olha, tem uma pessoa lá assim”. Aí eu disse: “Vamos trabalhar”. Aí eles ligaram e disseram: “Olha, tem mais vinte dias de campo”. Que cada ida lá, nesse rio, nosso riozinho lá, ele chama-se Riozinho do Andirá, eram cinco ou seis espécies novas, dois, três paciência que nem tinha. Aí, apresentou ele, chegou ele lá: “Oi, eu sou o Douglas”. Magrinho e tal, falando muito bem o português: “Vamos trabalhar”. Os primeiros passos, o Reinaldo me deu essas dicas sobre as plantas. Aí o segundo foi com ele, paramos numa casa e ele disse: “Edilson”. Eu disse: “Opa!”. Já me deu uma tesourinha de poda: “Coloca isso aí na cintura, vai coletar planta por aí”. Aí eu saí no campo do homem, coletei um montão de planta, umas vinte plantas. Aí: “Solta tudo no saco, dentro de um saco de ráfia, tudo solto, sem amarrar”. Porque o normal é você pegar uma planta, amarradinha, aquela planta para chegar lá, separar, montar naquela fita, você coloca o nomezinho e quando tem coisa demais, você coloca o nome da árvore. Ele disse: “Não!’. Aí cheguei, ele derramou e disse: “Agora separa as espécies que tu coletou, tudinho”. Essa foi a minha primeira aula. Aí eu disse: “Rapaz, o que esse bicho está querendo comigo?”. Aí separei lá, separei tudinho. Quando ele olhou uma por uma, ele olhou para mim e disse: “É impressionante! Eu nunca tinha visto. Quer trabalhar comigo?”. E eu disse: “Estou trabalhando já!”. Aí daí no final da excursão ele já disse: “Ó, você não fica mais aí, você vai ter que vir aqui para o Parque Zoobotânico”. Aí eu comecei a trabalhar. Trabalhava fazendo coleta e trabalhava no estudo que chamava-se Fenologia, uma observação na floresta, o comportamento lá. Pegamos, eu acho, que foram 28 espécies. Tinha palmeira no meio, que era para incrementar a coisa e tinha as espécies que são caducifólias, trabalhava com espécies que são perenifólias. Caducifólias é aquela espécie que perde todas as folhas, as perene são aquelas que tá caindo folha, tá dispersando a folha, e está com folha, está nascendo folha jovem. Aí começamos a trabalhar. Aí eu tinha… A curadora do parque colocou oito meninas para mim... Primeiramente eu estudei um ano de Fenologia. Aí eu dizia: “Tá assim". Passavam os dados para eles, os dados batiam na metodologia certinha do tempo, aqui na UFAC tem dados do SIPAM, só que muitas vezes a do SIPAM errava e a nossa batia certinha com a nossa floresta. Daí eu passei quatro anos dando aula de Fenologia com as meninas. Depois eu estudei um ano, passei quatro anos com essa aula de Fenologia. Muito bom a Fenologia. Aí o meu trabalho foi se expandindo. Aí não dá mais para fazer aquilo. Aí colocaram na mão de outra pessoa que não sabia direito, sei lá, não tinha conhecimento. Aí a Fenologia foi um desastre, acabou. Aí trocamos isso. Daí pra frente nós tivemos muitas saídas para campo, era muito curso, era excursão, coletava lá três e levava de dez dias, vinte dias, coletava duas mil, era muita planta, mil e oitocentas. A messina era uma que, depois que ela foi e entrou. Aí muitas… Aí foi crescendo, chegou a multidão de planta dentro desse herbário que… Aí eu ia pra campo, coletava aquele tanto de coisa, chegava, cuidava, colocava na estufa. Meu trabalho era corrido. Aí daí, eu digo: “Não era bom a gente trazer uns especialistas para cá e tal?”. Aí o Douglas disse: “É uma boa ideia!”. Eu disse: “Nós saímos, passamos quinze dias de campo, quinze dias juntando uns alunos aí para passar conhecimento mais para eles, especialista de anonáceas, rubiáceas, as aráceas, tudo”. Vários especialistas. Hoje eu tenho onze certificados de plantas, em cada família eu tenho aquele certificado. Aí eu levava eles para campo, a gente ia para campo, passava quinze dias. Lá eu dava apoio à eles, muitas vezes ele dizia: “Edilson, não é preciso nem você fazer o curso, você lá, está me dando aula. Muitas vezes eu não conhecia a planta e você já passava para mim o que era”. Bom, aí fomos levando. Aí assim foi se expandindo. Teve, teve uma ida de campo que a gente ficou, coletamos quatro mil, fizemos quatro mil amostras, coleta de Cruzeiro do Sul. Esse foi com Tom Crouch, um especialista de aráceas. Para tu ver, ele só, fez duas mil amostras e nós fizemos mais duas mil, mas ele era aquela pessoa que coletava tudo, tudo ele estava pegando. E para você descobrir as espécies, muitas vezes tem uma plantinha ali que você não dá nada por ela, quem sabe? Aquilo ali pode ser uma espécie nova que nunca tenha sido coletada. Mas muitas vezes você diz: “É, isso aí é uma planta velha que não serve!”. E muitas vezes descobre a espécie nova assim, né? Aí daí começamos a crescer o nome de coleta e tal. Aí ele teve a ideia, disse: “Olha, a gente está gastando muito dinheiro, então daí vamos, já que nós já estamos meio caminho andado, vamos trabalhar para fazer o catálogo daqui, da nossa Flora do Acre”. Aí, daí surgiu, nesse tempo. Aí começou. Aí o trabalho cresceu. Aí a gente ia para o canto trabalhar. Aí surgiu uma das certas vezes, nós fomos na fazenda da Fátima, quando chegamos lá, eu e o Douglas andando no ramal, ele olhou e disse: “Edilson, não tá… Tem alguma coisa errada aqui, não tem?”. Eu disse: “Estou vendo as identificações da Ceiba Pentandra, tá tudo errado. Não é isso aí”. Que ele fazia a identificação, vinha lá o pessoal que era, acho, que era Madeflona, lá do… Não, não era, era outra empresa lá de Porto Velho ou era Mato Grosso, aí fazia a identificação e colocava lá na placa. Eu acho muito errado, porque se você não sabe o que é que está falando certinho, coloca só a família e o gênero, se você souber, já é uma coisa. Muita gente coleta hoje uma planta, uma planta estéril, estéril e quando não tem flor nem fruto, aí coloca lá família, gênero e espécie. Se não, pelo amor de Deus, não fale, não faça isso, porque o especialista trabalha dez, vinte anos com uma família só, ele vai coletar uma planta dentro da família que ele trabalha. Se ele não tem conhecimento, ele não vai falar naquele momento aquilo, família, gênero e espécie, não! Espécie é um negócio que você tem que estudar muito bem para descobrir o que é uma espécie. Aí fomos lá e olhamos: “Tá errado!”. Chegamos na fazenda, aí: “É, a gente viu que tá errado, tudo”. Daí viemos para cá, acabou a excursão lá. Aí nós viemos para cá. Aí eu disse: “Douglas, para nós melhorar essa identificação, não é melhor a gente formar uma capacitação de pessoa? Cada fazenda, cada madeireira, que tem madeireira, mandar as pessoas que trabalham com isso?”. Aí surgiu isso aí. Aí juntamos o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Jardim Botânico de Nova York, Serviço Florestal, Ibama, ICMBio, Universidade Federal. Aí vamos fazer o primeiro curso, surgiu em 2011 o primeiro curso aqui no Acre. Mas aí, esse primeiro curso abriu, abriu o leque para várias. Aí vai para as bases reservas aqui do ICMBio, são as Reservas Federal. Aí na Reserva Federal, elas abrem aquela linha de cinco quilômetro dentro da reserva, aí dentro dessa linha de cinco quilômetro, abre a Cruz de Malta. A Cruz de Malta é, por exemplo, aqui tem uma linha, aí você escolhe um ponto daquele, aí marca uma Cruz de Malta, uma parcela. São cem metros, duzentos metros quadrados, aqui é o ponto, cem pra cá e cem pra cá. Aí você identifica o meio, o meio não, você anda cinquenta, aí desse esses outros cinquenta é que você vai dez metros para um lado e dez pra outro, aquelas parcelas de dez por dez. Aí a gente faz aquilo ali, aí identifica desde a regeneração daquela safra enorme, tudo, vai lá e coloca uma placa. Acima de 31 centímetros, é que a gente coloca a placa, coleta aquelas enormes, vai lá em cima, dá um jeito de subir numa árvore lá, quando não é, a gente vai com o rapel. Aí coleta todas, que é pra fazer a identificação daquilo ali. Sempre usamos as pessoas da Reserva, que é para cada Reserva deixar uma pessoa capacitada, com escala, com escala de espora, identificação das plantas, que é para haver mais facilidade para eles. Aí nós não paramos mais e cada vez está crescendo mais. E a gente adora trabalhar com isso.
P/1 - Como que faz uma coleta completa?
R - Uma coleta completa…
P/1 - Quais são os cuidados, as habilidades necessárias, os equipamentos?
R - É você ter espora, cinto, ter habilidade, que depois que a gente… Eu dou aula de escalar e é muito importante você formar um escalador, observação dele, não ter nervoso, como ele bater espora, para manusear o podão lá em cima, para coletar a planta. Aí para você fazer uma coleta, a coleta completa, você tem que ver se tem flor, fruto, se tiver os dois, melhor ainda. Aí, na hora de prensar, a prensagem, você sempre coloca as folhas de um lado, mas vira duas ou três folhinhas do outro lado, que é para quando a gente prensar tudo aquilo ali, para quando secar, não dá para ele, pra quando secar, você vai para a cartolina, aquela planta ali, aí ela vê quem foi o identificador, o especialista que for ver aquela planta, aí ela vai ver a abaxial e adaxial da folha, porque é preciso ver. Então esses são cuidados. Saber bater a espora, não danificar muito a árvore. É porque tem muita gente que fere muito as árvores, ficam cortando. Então todos esses cuidados.
00:42:10
P/1 - Quando vocês estão em campo, vocês já vão colocando num saquinho, separando, como que é?
R - A gente leva a prensa.
00:42:19
P/1 - Vocês fazem na hora?
R - Isso. Porque vai o escalador, vai o identificador ali do lado, vai o prensador, que fica ali prensando para ter o maior cuidado para não errar nada em campo, na identificação. Muitas vezes, quando sai uma identificação de campo, porque a gente tem dúvida ainda na planta, então a gente chega, vamos chegar lá, vamos pegar os livros, vamos pegar os auxiliares, que a gente tem para nós sabermos que a gente está aqui e para fazer as anotações delas, que é para ir para aqueles routerzinhos. Aí tira a coordenada de GPS de cada uma, a planta que você coleta, você vai lá e tira a coordenada dela. Se é uma planta importante, que você volta lá, precisa voltar lá, no caso, aí você diz: “Ah, aquela planta está lá, a coordenada é isso”. Você vai bater onde está aquela planta. Então a descrição da vegetação, esse tipo de mata-primária, ou área que inunda, área de várzea, ou mata com bambus, ou palmeiras, ou do céu aberto com palmeira, ou mata fechada, tudo vai naquele routerzinho. Então a gente tem que tomar o maior cuidado para isso, para não cometer o erro, principalmente nas coordenadas, porque muita gente se interessa: “Essa planta é muito importante, a gente precisa dela. Aí vamos voltar lá”. Se não tiver as coordenadas certas, ele não vai acertar mais, não consegue bater com aquela planta lá, onde ele tirou a coordenada. Então as coordenadas são uma coisa muito importante.
P/1 - Você tem alguma preferência? Quando você vai fazer a coleta, você prefere uma das atividades?
R - Eu tenho preferência, assim, em observação de quem está prensando. Eu olho lá, para não fazer… Muitas vezes, quando é um prensador já profissional, eu já não me preocupo mais, agora é um aluno novo ou alguém que não sabe bem, porque uma Exsicata é mal prensada, hum, é um problema sério, né? A gente traz do campus, aquelas prensas, aí chega à noite, a gente vai revisar tudinho como é que tá, a gente passa até dez, onze da noite trabalhando com isso, que é para não cometer nada errado. Aí então a minha preferência, eu cuido de tudo, eu cuidei de escalador, vou cuidar da escrita, na identificação, aí eu fico ali observando para não… A minha equipe, Graças a Deus, nunca deu nada e não aconteceu nenhum desastre, então, porque sempre eu estou cobrando: “Olha, cuidado aí. Olha isso aí, não está certo”. Então é bom a gente estar observando isso.
P/1 - E você aprendeu tudo isso no boca a boca?
R - É, a gente quando quer aprender as coisas… Esse… O primeiro passo, foi o meu chefe lá, que desde o início, da primeira viagem, que ele falou do finado Reinaldo, lá no início da nossa matéria lá, que ele me falou assim: “Olha, aquilo é família tal, você corta uma planta e ela tem um látex meio alaranjado, isso aqui é a família Moraceae”. Eu disse: “Tá”. Aí eu fui captando aquilo ali, já fui pegando tudo. “Aí você vê uma planta lá, com folha palmada, ou folha composta…”. Eu disse: “O que é?”. Aí eu perguntava: “O que é folha é composta?”. “Isso é assim”. Aí eu pegava tudo, pegava tudo. Aí o meu chefe… Eles trouxeram dessa primeira viagem que nós fomos fazer o trabalho, aí eles falaram pra ele, aí ele já foi fazer esse teste comigo. Eu disse: “Rapaz!". Aí ele chegou, conversou comigo: “Eu soube que você é muito inteligente”. Eu disse: “Ah, pode ser. Vamos ver, né?”. Aí foi a primeira ida para campo. E ele fez, numa primeira viagem de campo, quando eu cheguei, ele disse: “Ó, gostaria de trabalhar comigo?”. Eu disse: “Já estou trabalhando”. (risos). Gente muito boa, né? “Estou trabalhando, adoro o trabalho que eu faço!”. Daí começou. Aí são várias coisas que a gente faz. O trabalho ruim é trabalhar com regeneração de plantinha desde pequena, aí é ruim.
P/1 - Por quê?
R - Porque as plantas, tem uma que são folha composta, mas no momento, ali, ela é folha simples, folha simples alterna. Depois é que ela vai mudar tudo. Se você não tiver uma visão boa para aquilo ali, aí você vai falar muita coisa errada. Então trabalhar com regeneração, poucas pessoas sabem.
P/1 - O que é isso? É dom?
R1 - Eu acho que é um dom. Não é? Porque só uma pessoa, o Chris, um menino do Havai, muito bom, aprendi muito com ele, e quando ele disse… Quando nós fomos trabalhar juntos, ele disse: “Tu tem um olho mágico? Ou o que é que tu tem?”. Eu disse: “Não, não sei. Estou vendo que isso pode ser isso, aquilo pode ser outra coisa”. Aí a gente trabalhou juntos um tempo, eu aprendi muito com ele. Então eu adorei muito, gostei muito!
P/1 - Tudo guardado na cabeça?
R - Tudo guardado na cabeça. Aí, daí esse meu chefe, quando chegamos, ele disse: “Quer trabalhar comigo?”. Eu disse: “Vamos trabalhar!”. Aí abandonei a minha família lá, vim morar na cidade, daí eu passei a trabalhar dentro do Parque Zoobotânico, com planta, trabalhar com… E ia para campo, coletava planta, chegava, botava a planta pra secar na estufa, ia lá, via a hora que tinha que tirar da estufa, depois ia montar nas Exsicatas, aí armazenar tudo por ordem alfabética dentro daquele negocinho lá do armário, daquelas… Que antigamente não era daquele jeito, era um pouco mais diferente. A gente colocava na parede lá, tudinho bonitinho. E hoje é mais diferente. É bom, eu adoro.
P/1 - E depois, vocês criaram o herbário?
R - Esse herbário já existia.
P/1 - Vocês foram alimentando ele?
R - Aí nós fomos alimentando, aí puxando, fazendo muitas coletas e botando muitas plantas. Aí chegou uma época, tinha sessenta mil plantas aí dentro. Aí houve um desastre, o forro lá estava vazando, aí perdeu um monte de planta. Aí não sabe de quem é a culpa, né? Mas foi um desastre.
P/1 - E, seu Edilson. Qual é a importância de descobrir a espécie e catalogar e preservar?
R - A importância é muito, muito grande, porque muitas vezes, eu saí… Eu acho que você deve ter ouvido falar bem no Lorenzo, né? Lorenzo é um que faz Árvores Brasileiras, não sei o quê, um de tanto livro, eu trabalhei muito tempo junto com ele. Aí a importância, é essa, aqui você trabalha, Acre, vamos dizer a região do Acre, aqui tem várias espécies, que lá em Rondônia já não tem, que em Manaus não tem, e aqui nós temos, temos ela. Nós temos espécies que lá, Acre, em Rondônia, poucas espécies ocorrem aqui. Em Rondônia, no Pará, Amapá, tudo ocorre a espécie que chamamos, hoje, que é são as árvores gigantes do Brasil, que é o Dinizia Excelsa, que é o Angelim vermelho, ela não ocorre no nosso Acre, ocorre em Manaus, ocorre no Pará, ocorre em Rondônia, e no Acre não tem, não aparece ele. Outra planta que não ocorre, da espécie madeireira, que é muito… É o ________ paniculatum, eu chamo de roxinho. Secou uma beirinha no Acre, lá na divisa de Rondônia com o Acre, com a Bolívia, pertinho de Rondônia, para lá e pra cá também já não tem, não ocorre ela. Aí eu não sei por quê, né? Será que Deus esqueceu de jogar um pouquinho das sementes dela pra cá? (risos) Mas é bom, é bom você conhecer, conhecer as plantas medicinais é muito bom. A nossa… Hoje eu penso nessas pessoas que vendem plantas medicinais nesses lugares, na beira de rua. Aí eu chego, eu cheguei lá em Santarém: “Que família é essa que você está vendendo aí equipe?”. “O que o senhor está falando?”. Disse: “Como é que tu tá vendendo essa planta, se tu não sabe nem o que é que está vendendo? “Ah, mas me passaram a informação de tal”. Aí é por isso que dizem que quem cura, é a fé, né? E Deus diz: “Vocês não sabem o que fazem”. Porque o que tem de plantas medicinais tomadas sem controle, que pode, aquilo ali, a que mata pode ser a mesma que… A que cura é a mesma que mata, né? Se você tomar uma dosagem a mais. Não sei, essas pessoas que vendem plantas medicinais deveriam ter um conhecimento para vender, né? Mas não, fulano diz que a planta é assim, que toma chá, tal. E cura muita gente, né? Cura muita gente. Na nossa floresta, eu conheço muito. Eu fiz uns trabalhos com plantas medicinais no Xingu, no rio Xingu, com os índios, os indígenas, nós, olha, os índios são muito inteligentes. Hoje você fala: “Ah, esse cara é índio!”. Índio é mais inteligente do que um branco, duas vezes, sei lá, falta só estudar um pouco mais. Em termos de natureza, eles são muito bons.
P/1 - Como foi essa experiência de ficar com eles? O que você aprendeu?
R - Eu já sabia muito. Aí aprendi uma parte. Aí passei, tinha coisa que eu sabia e eles não sabiam, nós passamos a experiência de um para o outro. Aí então é bom. Você num canto é bom, quando eu vou num canto, dizem: “Olha, fulano lá sabe muito”. Eu digo: “Que bom! Porque ele vai me ajudar e eu ajudo ele”. Então é muito bom no que é bom. Nunca é bom você… Olha, muitas vezes você sabe um pouquinho, aí querer se exaltar: “É, eu sou o cara, eu sou!”. Não, não é assim não. É bom você saber um pouco e ficar na tua, e vai o outro sabe, aí vai um ficar passando informação. Porque o que vale hoje é a informação, a união. Se eu sei, eu sei um pouco aqui de uma planta e tu já sabe um pouco lá, vai passando informação de um para o outro. Então isso vale muito. Mas tem pessoas, que porque sabem um pouquinho, aí dizem: “Eu sou o cara!”. Não é assim, não é assim. Então a gente aprendeu um pouquinho, vamos dividir com os outros, vamos passar informação para os outros. É muito bom fazer isso.
00:55:51
P/1 - O que você aprendeu lá no Rio do Xingu?
R - Xingu a gente aprendeu, tem a família Acanthaceae, tem umas plantinhas na floresta que você não dá nada por elas, são umas ervazinhas que ficam… Aí você pega a folha dela, em cima, na abaxial da folha, ela é folha simples oposta, quando é simples oposta, é uma folha para um lado, é uma folhinha simples, simples. Aí é uma folha pro lado e outra para... É, são as folhas simples opostas. Aí você olha a folha, na abaxial dela, ela é toda meia fantasiada, aí você… Na abaxial, ela bem cor de vinho. Aí eles arrancam aquela batatinha, arrancam aquela planta, aí tem duas ou três batatinhas, uma ou duas, não, três não, são uma ou duas batatinhas. Se a mulher tem problema de ter filhos, ele vai lá naquela planta lá e arranca lá a que tem… A que são duas, aí faz o chá e toma. Aí os índios tomam, e meu Deus do céu, ali, dizem que é batata aquilo ali. Aí aprendi várias coisas. Aí hoje eu gosto muito de tomar chá de plantas, eu vou na floresta. A menina estava… A Almecina estava falando ali da da sucuuba, da Himatanthus sucuuba, se você tem um braço quebrado, quebra o braço, sei lá aí você vai lá na floresta, corta ela para tirar o leite, leva principalmente algodão, deixa aquele algodão meio úmido, rola em cima, um mês, dois meses o seu braço está normal, volta tudo.
P/1 - Gesso?
R - Volta ao normal, fica tranquilo. A nossa floresta é uma medicina completa ali, só que o pessoal não liga, querem derrubar a floresta, querem desmatar, querem ir fazer tanta coisa. Não é bem assim. Eu sei que tem muita gente que, lá no meio do seringal é preciso desmatar um pouquinho para para fazer o plantio dele, mas não desmatar demais. Aí não.
P/1 - Você falou umas coisas que você aprendeu lá no Xingu, e o que você ensinou pra eles?
R - Ah, eu ensinei muitas coisas também. Ali foi uma troca de informações muito maravilhosa. Porque no Xingu, lá eles não tem a Humirianthera, que é uma… A família Icacinaceae, do gênero Humirianthera. Você tira a batata, daí você tira e rala aquela batata, e tira uma goma dela para curar essas micoses, pano branco, tudo aquilo e outras coisas. Aqui nós temos uma planta chamada de Erythrina, o gênero Erythrina, chamada de mulungu. Vocês têm aquela dor no dente? Nossa, aquela dor que… Você vai lá, tira um pouco da casca, faz um chá no fogão a lenha, tira um pouco daquela cinza que está lá, joga no chá, lava a boca, acabou, não dói mais nunca, simples.
P/1 - E como que aprende? Observando?
R - Observando. Aprendi muito com meu pai. Meu pai, quando ele tinha, era seringueiro, seringalista, ele trabalhava com os índios, aí os índios me passaram muita informação: “Aquilo é planta tal, aquilo é tal, que serve para…”. Então, aí eu fui vendo aquilo ali e gravando, tal, e pegando tudinho. E na verdade, se você souber cuidar daquelas plantas direitinho e fazer um chá ou, no caso, a pessoa está com gripe, aquelas tosses muito… Aí você pega a casca do bálsamo, um pouco da casca do angico, a casca da copaíba e a cerejeira, que é o cumaru de cheiro. Aí faz o mel, o lambedor, que chama, vai e toma, acaba tudo quanto é gripe, tosse, só a casca da cerejeira, que é a planta que tem aqui, cumaru de cheiro, o chá dela, expectorante, muito bom o chá, muito bom.
P/1 - Você cresceu tomando?
R - Cresci mais com o chá dessas plantas, plantas medicinais, porque onde a gente morava, na época, era seringal, seringal era de mês em mês que podia passar ou vinha o noteiro lá, fazer a nota do pessoal, depois que ia trazer a mercadoria que a gente precisava. E remédio não tinha, tinha que salvar com o que Deus deu na nossa natureza. Então era isso, a gente curava muita dor de barriga, dor na cabeça. Aqui na nossa floresta tem uma liana, é Bignoniaceae, a família, e o gênero é uma das arrabidaeas, das variedades arrabidaeas que nós temos. Aí você pega a folha dela… Os índios chamam ela pelo nome comum de cipó-corimbó. Você pega a folha, você machuca, cheira, é o puro Vic. Aí começa, você cheira aquilo ali, dor na cabeça, acaba. Aí com isso a gente vai aprendendo as coisas.
P/1 - E desses cursos que você faz, vocês já levaram para a comunidade, justamente pensando nessa medicina tradicional?
R - Muitas vezes o curso, o tempo dele, é muito curto. Antes eram quinze dias, até mais um pouco, um mês. No início foi um mês, aí a gente viu que é muito longo, é muita gente, a despesa também não... Aí a gente reduziu um pouco os dias. Aí não dá tempo nem de você comentar para as pessoas tudo o que são. Mas sempre que sobrou aquele espaçozinho, a gente está falando: “Olha, isso é planta tal”. Aí eles, muitas vezes, dizem: “Não, isso aqui a gente já sabe. Aquele outro também serve para tal coisa”. É bom, muito bom, assim.
P/1 - E sabe o que eu queria saber mais? Se você puder contar para a gente. Esse trabalho de fenologia, de observação do comportamento da floresta, como funciona isso?
R - A fenologia é um estudo muito legal, muito bom. Você vai acompanhando lá aquelas espécies que são: caducifólia, que são perenes. Caducifólia são aquelas que perdem todas as folhas. Aí a perene vai caindo as folhas aos poucos, nunca perde totalmente. Então, aí quando chega aquelas que são caducifólia, quando é uma época para ter muita seca, eles, em uma semana, elas perdem todas as folhas, dispersa verdinha, folha verde e está caindo lá, porque muitas vezes a folha amarela para poder dispensar… Aí, cerca de 2005 foi assim. Aí eu vigiei aqui, fui no Catuaba, eu vi, eu vi lá, as árvores perdendo as folhas verdinhas, eu disse: “O que está acontecendo?”. Aí quando eu cheguei, eu falei para o Foster Brown, que é o… “Foster Brown, nós vamos ter uma seca muito grande aqui”. Ele disse: “No. Não vai ter seca. Vamos ter muita chuva, o _____, os dados do _____ está marcando assim e tal”. Aí eu disse: “Hum”. Aí eu fiquei quieto, né? Aí quando deu a seca, 2005 ou foi… Parece, para mim, que foi 2005, deu uma seca que, nossa, morreu muitas palmeiras, o rio quase seca. Aí na fenologia a gente acompanha o crescimento das árvores, aquelas que são caducifólia, elas perdem todas as folhas, na hora que começa a chover, aí ela vai engrossar, o caule dela vai crescer em um ou dois meses, no máximo, ela engrossa o caule, que é para ela… Aí depois vai nascer folhas jovens, aí vem a floração. Então é uma coisa muito importante. O crescimento do caule das árvores é só na época de transição do verão para o inverno, época que a chuva chega e elas engrossam.
P/1 - Mas como funciona esse trabalho? Você vai para a floresta e fica observando e anotando?
R - Não. Funciona assim, de quinze em quinze dias você tem que visitar aquela área para saber como é que estão as folhas, saber como é que está a floração e saber como está o comportamento das árvores. Então você tem que ir lá de quinze em quinze dias visitar essa floresta, essas espécies de plantas que a gente marcou pra fazer o estudo. Aí você… É assim que a gente marca todas elas. Aí você capta lá, como está, tá perdendo as folhas. Ela começou a aflorar, perdeu todas as flores, as abelhas não estão polinizando, tudo isso aí vai indicar, tudo. Faz parte do ciclo do tempo, se vai ter chuva, se vai ter muito verão. É muito bom. A nossa floresta é um indicador para o nosso tempo, se vai manter muita temperatura alta, temperatura baixa. No caso das palmeiras, o açaí aqui na nossa floresta tem o Euterpe precatoria, que é o açaí, o açaí solteiro, que nós chamamos. Ela tem a floração masculina e tem a floração feminina, então uma floração dura três dias, dois, três dias, fica pouquíssima flor, que são as masculinas, aí já vem a feminina atrás, aí abre, aí que as abelhas vão fazer a polinização. Não é o caso do buriti. Buriti é a palmeira que é a Mauritia flexuosa, que ela tem a planta, uma palmeira masculina e a outra feminina. E não, o açaí já é diferente, o açaí produz a flor masculina e feminina num cacho só.
P/1 - E por quanto tempo dura essa observação?
R - Poucos dias, porque a floração do açaí são três, quatro dias, no máximo.
P/1 - Essa é a observação de fonologia, por quanto tempo?
R - Ah, tem que ser um ano ou mais, depende do que você quer acompanhar. Se você tem algo… Porque aqui nós temos, na nossa floresta, tem uma espécie de planta que é da família Combretaceae, do gênero terminalia eu acho que é terminalia grandis, ela frutifica de quatro em quatro anos, não sei porque. Aí nós temos outra espécie de planta, que é o tachigali, o tachigali, eu não sei o que é, porque ela aflora, quando ela aflora, dá fruto, que está secando as vagens, lá em cima está começando a secar, o caule dela está secando todinho e ela morre, frutifica uma vez e puff, já foi.
P/1 - Qual é a árvore, a vegetação mais curiosa, assim? Tem alguma que você possa…
R - Que eu acho mais assim, mais legal?
P/1 - É.
R - Aqui nós temos a Itaúba. Itaúba é uma coisa impressionante! É uma planta muito resistente, apesar de ela ser caducifólia também, perde todas as folhas, mas é uma planta muito resistente à seca. Então é muito perseguida pelos madeireiros, quem trabalha com fazenda, porque ela é muito resistiva no solo, ela dura bastante. Aí eles vão lá, cortam, ai faz os tocos para passar as cercas nas estacas.
P/1 - E o seu conhecimento de madeira, como é que funciona esse trabalho? Medição, você estava contando, né? Copaíba?
R - Do crescimento da árvore, a gente coloca pra você acompanhar direitinho, você coloca uma cinta nela que a cinta vem tudo marcado direitinho. Você coloca uma cinta, não muito apertado, aí deixa ela ali, com um ano depois você volta pra ver, você marca onde é que aquilo ali tá, né? Depois você volta lá para fazer a observação dela, pra ver o quanto ela cresceu. Aí na cinta indica lá tudinho, tanto que ela subiu.
P/1 - Isso faz parte da Fenologia?
R - Faz parte da Fenologia, porque a espécie que é, no caso copaíba, é uma madeira semi dura, não é dura, a madeira nem é dura e nem é mole, ela cresce um pouco mais essa aí. Agora quando é uma espécie de madeira mole, ih, companheiro, ela cresce quatro centímetros por ano, ela cresce quatro centímetros. Se tiver muita seca, quando chove, em um mês elas vão dois centímetros, ela bomba! Também acaba logo. Tudo aquilo que cresce muito rápido, você vê uma Apuleia leiocarpa, o cumaru-cetim, ela vai um centímetro, um centímetro e meio por ano. Já os dipteryx odorata, que são os cumaru-ferro, ela vai meio centímetro por ano, meio centímetro. Aí você chega em uma árvore daquela, que tem dois, três metros de circunferência, e aí para você saber quantos anos de vida ela vai ter? Aí nós fazemos assim, vamos nas madeireiras, medimos a circunferência dele, quanto deu, vamos medir aquele que tá na madeireira, que está cortado, aí corta aquela ali pra ver os anéis, aqueles anéis de crescimento. Nossa, são 350, trezentos anos, quatrocentos. É muito, crescimento muito crescimento lento.
P/1 - Seu, Edilson. Então vamos lá, você estava… Na sua infância você trabalhava com a sua família no seringal, aí você vai aprender a ser motorista de barco….
R - Sim.
P/1 - É isso?
R - Sim. Aí eu fui pilotar barcos. Aí quando chegou…
P/1 - O senhor tinha quantos anos?
R - Eu tinha, acho, que era 28. Estava novinho, nossa! Nesse tempo eu estava bem bonitinho. Tem uma coisa (risos). Eu tô brincando. Aí encontrei meu chefe, aí ele disse: “Ah, você vai”. Aí ele fez esse trabalho, mandou coletar um bocado de coisa no saco, bagunçou e soltou. Aí eu peguei de uma por uma, peguei e tal. Aí ele olhou pra mim e disse: “Impressionante! Como você fez isso?”. Eu disse: “Olha, essa aqui é uma folha simples alterna”. Que o menino tinha me falado uma vez. “Essa aqui é a folha composta, essa aqui é a folha verticilada, isso tem pêlo na folha, tem”. Ele olhou: “Alguém te ensinou isso? Eu disse: “Rapaz, a gente vê os meninos falando aí e eu peguei tudinho”. Ele disse: “Não, eu nunca vi [ninguém tão] incrível assim que nem você. Você vai trabalhar comigo”. Eu disse: “Já estou trabalhando, vamos trabalhar aí”. Foi bom.
P/1 - Mas aí, como funciona esse trabalho, contrata por expedição?
R - Não, a gente é pago numa bolsa, pelo projeto do Jardim Botânico de Nova Iorque. Aqui no Acre nós temos duas pessoas que recebem, que sou eu e o Erison. Em Rondônia tem, eu acho, umas cinco ou seis pessoas que recebem essa bolsa. Aí faz o contrato lá por três anos, dois anos. Aí quando termina aquilo ali, aí já tem outro projeto na frente já pra fazer. Aí se baseiam no dólar. A gente vai levando a vida.
P/1 - Entendi. E enquanto isso você trabalhou por dez anos, não foi isso? Aqui, catalogando o herbário?
R - Pra ele mesmo, para o Douglas.
P/1 - Pra ele mesmo.
R - Para ele mesmo. Muito bom, gente boa, educado, tranquilo e muito maravilhoso. Aí trabalhava aí, montava planta, tirava fungo de planta, trabalhava em área de risco, que é tirar fungo de planta dentro de herbários, as plantas fungadas, hum, meu Deus do céu!
P/1 - Conta aí uma história.
R - É, porque tem fungo, são aqueles fungos que são uma bomba, tem deles que são muito venenosos. Aí a gente tirava os fungos, colocava em um freezer lá, passava 72 horas lá, depois ia secar de novo, tudo legalzinho. Aí foi assim. Então é bom, bom a gente trabalhar com isso.
P/1 - E agora você não trabalha mais com isso?
R - Não trabalho mais com isso, porque o tempo não dá mais. Mas aqui eu estou vendo que ela está precisando. Ela tem uns meninos aí que parecem estar interessados, estão muito interessados em fazer coleta. Eu vou ver se eu tiro um tempinho do meu, para eu vir aqui. Mas eu tenho que conversar com ele, porque ele fez, foi ele que formou tudo isso aqui, todas essas plantas, o projeto é dele. Então dá um apoio pra ele.
P/1 - E você pode contar da homenagem da planta com seu nome? Essa história?
R - A homenagem da planta foi uma graça, porque nós estávamos em uma excursão, aí ele me chamou e disse: “Edilson, eu tenho uma planta aqui, que a gente coletou, pois tinha só pouquíssima flor, então não deu de…. Se você encontrar essa planta, eu vou te homenagear, com teu nome. Aí eu saí. Por incrível que pareça eu vi a planta lá, eu olhei, porque eu gosto de andar com binóculo, uns binóculos bons que veja o que tem lá em cima. Porque quando a gente vai escalar em árvore, você tem que observar o que tem, porque ali sobre aquela árvore pode ter as vespas muito valentes, pode ter escorpião nas cascas das árvores, pode ter tudo. Então escalar já é uma coisa séria, que você tem que observar tudo direitinho na hora que vai escalar, se não tem abelha lá em cima, a abelha com ferrão, abelhas sem ferrão, que elas… Aqui na nossa floresta, tem uma espécie de abelha que chamam de Tataíra, se ela chegar, ela não te pica mas ela vem e começa a andar ali, com pouco, levanta uma papoca, papoca fica bem escurecida, queima, ela queima igual pimenta. Então eu tomei uma peia uma vez, a gente está trabalhando as espécies madeireiras, eu vi aquelas abelhinhas, eu disse: “Ah, tira, essas abelhas não valem nada”. Nossa, a minha pressão foi quase lá para zero. O médico disse que quase eu fui. Uma abelhinha pequena, que você não dá nada por ela. Então hora de escalar, observe as árvores, tem que observar direitinho, se não tem galho podre, alguma coisa. Então escalar é uma coisa seríssima. Muita gente… Eu vou para essas escaladas, os cabras dizem: “Eu estou subindo é de peconha”. Pelo amor de Deus, peconha, soltou os braços você cai, já foi. No Amazonas, em Manaus e assim, subindo de peconha, é maluquice, nossa! O cabra solta os braços lá, se ele não tiver alguma coisa segurando, pelo menos uma cinta na barriga de lá, abraçando as árvores, que tem deles que não tem, aí é um perigo.
P/1 - Qual é o seu equipamento que você não entra no mato sem?
R - É podão. Esse é o principal, de podar lá em cima, doze metros de altura. No início nós tínhamos aqui uns podões que eram 2,20 o tamanho de cada hastes daquela do podão, toda vez que eu ia viajar era uma briga no aeroporto. “Vai? Eu dizia: “Vai”. Ganhei diária do pessoal da Latam. A Azul era outra empresa que eu fui para cruzeiro e eles não levaram e me pagaram lá umas diárias e tal e coisa. Até que eu voltei e disse: “Douglas, eu preciso de podão assim e tal”. Foi ligeirinho ele arrumou, lá nos Estados Unidos, uns podõezinhos que a gente… É um metro cada um, 1,20 metros, ele desencaixa todinho, ele pega no bagageiro de um Fiat Uno, você atravessa ele tranquilo ali, de alumínio, você cresce ele com doze metros de altura, tranquilo. Aí eu disse: “Acabou a briga, não tem mais briga em aeroporto, tudo tranquilo!”.
P/1 - Podão, então?
R - Podão.
P/1 - E o binóculo?
R - Binóculo bom e quem saiba usar um binóculo, porque tem muita gente que não sabe, não sabe regular o binóculo, não sabe. Ele sabe levar pra campo, não sabe colocar uma cerca no final do dia lá, para tirar o fungo. Porque tem gente que, olha, ele deixou lá, pô, vai pegar, o bicho está todo fungado, dois, três dias. Então tem que ter binóculo bom, que é pra você ver se tem flor, você vê se está com fruto. E o binóculo é essencial na pesquisa, principalmente na coleta.
P/1 - E o que mais, tem mais algum?
R - Aí tem a tesoura de poda, o normal, né? Aí aquela nossa prensa, que a gente tem uma prensa de pano que levamos para campo, ela é boazinha. Muitas vezes eles fazem uma prensa de madeira, mas fica ruim de você carregar ela, ela já fica um pouco meio pesada. E a de pano não, a de pano é uma maravilha, fecha direitinho as plantas atrás. E a de madeira não é tão boa.
P/1 - E esses animais, assim, você tem um conhecimento de como fugir de vespas, dessas abelhas, escorpiões, esses animais podem…
R - É você ver ele primeiro do que ele te ver, aí que é o segredo, né? Se você ver ele primeiro, você pode escapar dele, agora você não ver, você está subindo numa árvore, está lá com quinze metros de altura, encontra uma moita daquela lá, aí parte, todo mundo vem pra cima de você de uma vez. É um Deus nos acuda. Então você tem que observar primeiro, as árvores que vai subir, se tem caba, se tem escorpião. Tem alguma… Aqui na nossa floresta, tem uma mariposa que parece uma tal de tiranaboia, a castanha… A cabeça dela parece uma castanha de caju, ela vai… Ela tem uma espora grande e dizem que ela fura as árvores lá, não sei, eu nunca vi, mas ela é meio esquisitona. Pra quem tem medo, pode escapar lá de cima, tá com vinte metros de altura, aí cai, já foi, é caixão e vela preta, não tem jeito, né? Mas é assim. Esse trabalho que a gente faz, é ter muito cuidado, né? Porque tudo era de risco. Você entra na floresta com esses trabalhos que nós fazemos, aqui tem uma serpente que chamam pico de jaca, é uma serpente muito… Aqui nós temos a pico de jaca. Lá no cerrado nós temos a cascavel, cascavel, uma cobrinha pequena, mas mata mais do que sogra ruim. Aí é bom. Porque se ela picou é horrível, e ela é grande, tem cinco metros de comprimento, muitas delas, ela vai pegar lá quase na tua metade, talvez até mais. Então observar onde você vai, tem aquelas moitas, olha bem.
P/1 - Algum desses bichos já te pegou?
R - Já, cobra, mas não foi a venenosa não. Mas ela já me mordeu, bem umas duas, já. Uma foi aquela Coral. Eu não sei porquê, eu não senti nada, não. Não sei se era falsa, né? Eu não sei se era falsa (risos) podia ser a cobra falsa, né?
P/1 - E você tem algum ritual pra entrar na floresta, tipo, algum treinamento?
R - Tenho, sim, Deus. Peço a Deus pra livrar de tudo. Aí eu vou lá, a benção dele pra cuidar da gente. Não tem melhor, é muito bom. Deus, se você tiver fé nele, ele faz acontecer.
P/1 - Sempre?
R - Sempre, sempre, sempre assim. Sempre eu peço a ele pra me seguir nos caminhos corretos. Aí, graças a Deus, a gente está indo. É bom, é bom você crer em Deus, porque Deus é todo poderoso e é ele que faz as coisas.
P/1 - E tem alguma lenda, alguma crença, alguma história dentro da floresta que você já viu ou você já ouviu?
R - Já. Aconteceu com o meu irmão aqui. Quando a gente morava no seringal, aí o meu pai, tinha um homem lá que trabalhou para ele, um homem sério, aí ele saiu para espera, aí ele ficou lá, aí alguém balançou a rede dele, ele caiu lá de cima, embaixo, foi embora, aí chegou, contou pro meu pai e tal. O meu irmão, eu tenho um irmão que ele quer ser muito machão, ele é homem mesmo, que eu sei, mas disse: “Ah, ele correu com medo disso?!”. Eu disse: “Rapaz, a gente vê as coisas, fique na tua, porque cada um tem seu dono, a floresta tem seu dono, a água tem seu cuidador lá, tudo. Então você fica tranquilo, porque pode acontecer”, “Que, acontece nada!”. Aí foi lá, atou a rede dele, tá na espera, alguém pegou lá, deu uma balançada que ele caiu foi de cara lá de cima, no chão, e correu também. Eu disse: “Olha, tá vendo?”. Então nunca zombe de nada. Você, tem mal assombro? Tem alma? Bom, acontece isso aí. Muitas vezes você tem aquela visão, que você vê aquele negócio. Tem gente que vê, tem gente que já tem o corpo fechado e diz que não vê, né? Mas tem gente que vê isso aí. Então acontece sim. Nessas coisas de caçador, que ficam andando muito à noite. Aí alguém diz: “Mas, pera aí, você tem que parar um pouquinho. Assombra ele que é para…”.
P/1 - Você já viu?
R - Já vi, alguma coisa soprou no meu ouvido, só que eu virei, não vi nada. Mas, já. Então é uma assoprada danada. Só que eu não vou zombar, eu sei que tem. Então talvez se, “Ah, isso não é nada! Lá, tem nada ". Então eu fico quieto, porque eu sei que tem.
P/2 - Caboclinho da Mata?
R - Caboclinho tem, tem. Agora, o meu pai tinha um compadre, aí ele foi, é uma história muito… Foi esperar o dia de domingo no Barreiro, aí ele: “Lavei muito”. Não deu pra saber, ele tinha carne na casa dele, tinha tudo. Mas ele disse: “Eu vou matar a caça, eu quero é matar”. Aí no meio de muito porco que ia descendo pra dentro do Barreiro deles, ele viu um bem miudinho, bem albino, bem branco, aí ele ficou naquilo, olhou e disse: “Meu, eu nunca vi aquilo! Eu vou matar aquele pra levar pro…”. Aí diz ele que quando botava a espingarda lá, que mirava, ele não via mais, ai tirava e o bicho estava lá, andando, ele mirava de novo e não vai, ele botou lá e quando apertou o dele, ele caiu de lado. Ele foi lá porque, ele só saiu de lá porque os outros foram pegar ele, ele ficou lá no chão, ele não sabia o que tinha acontecido com ele, ficou meio doido da cabeça, só em ver aquilo ali. Eu disse: “É, podia ser o protetor que estava ali guardando, né?”. E acontece, tem, a floresta tem segredos, nós temos. Uma coisa que eu nunca disse, dizem que tem o Mapinguari, pode ser que sim, né? Só que essas histórias de Mapinguari, a Curupira, tá, pode ser, né? Se tem caboclinho, por que não pode ter a Curupira? A Matinta-Pereira?
P/1 - E como são essas histórias?
R - As histórias, eu acho que é a Matinta-Pereira que gosta de fumar. Você tinha… Alguém leva lá um tabaco, deixa lá no canto, em um determinado canto, aí quando vai lá, já tem sumido. A Matinta-Pereira parece que vai atrás de você depois. Eu já ouvi assim, mas eu não gostei, porque muitas vezes você fica pensando naquilo ali, né, aí eu não sei não.
P/1 - Dá medo? Você tem medo?
R - Não. Eu era medroso, antes. Eu creio em Deus o bastante, aí eu não tenho medo. Mas eu tinha medo, nossa! Eu ia. Hoje se for pra ser, eu entro pra dentro do cemitério, eu fico lá, respeitando tudinho ali, ali está morando alguém, aqui, eu fico lá tranquilo, à noite, né. Mas eu não tenho, não tenho medo. Eu tinha muito medo de onça quando eu era mais… Nossa! Eu tinha medo que eu me pelava de medo de onça, meu Deus do céu!
P/1 - Por quê?
R - Porque a onça pegou, pertinho do nosso vizinho, a onça pegou o meu primo. Aí eu disse: “O próximo sou eu”. Que eu andava muito (risos). Mas graças a Deus não tenho. Mas nós viemos embora de lá, mas…
P/1 - Pegou o seu primo?
R - Pegou, mas não chegou a matar, porque o outro estava bem pertinho, aí ficou gritando e a onça queria morder ele e gritando, aí o cabra gritou: “Vem aqui que a onça pegou teu irmão aqui, rapaz!”. Até que o outro chegou, atirou e matou a onça. Mas onde pegou na cabeça dele, assim, as unhas, ela deu um tapa e derrubou ele, pum! Aí ela, pum! O outro estava bem pertinho, descendo no caminho.
P/1 - Eita, tem muita história.
R - Tem muita história.
P/1 - Você está pensando em alguma aí?
R - Não, agora não. Eu sei contar muita história de… Contar história de… Disse que o… Iam dois… dois compadres, na coisa… Tinha um cemitério, aí do cemitério, tinha um pé de laranja que estava cheio de laranja madurinha, só que era dentro do cemitério, aí o galho caía para fora, na rua. Aí o compadre disse: “Compadre vamos entrar no cemitério aqui, pegar umas laranjas dessas?”. Aí entraram os dois compadres. Aí chegou lá, balançou a laranja e caiu o monte, e caiu duas laranjas do lado de fora. Aí estavam os dois compadres lá, dividindo as laranjas, lá num no cemitério. “Compadre, essa aqui é tua, essa aqui é minha, essa é tua, essa minha. Aí o bêbado passou, botou o ouvido ali no muro, ali, escutou, “Essa é pra ti, essa aqui é minha”. Aí, quando passou, a igreja era pertinho, aí correu na igreja lá, a igreja Católica. Disse assim: “Ó, meu padre, corra lá no cemitério que o cão está dividindo as almas, lá. Aí o padre correu. O padre disse: “Vou já benzer e espantar o cão”. Aí vem pra lá. Quando chegou lá, tinha caído duas laranjas do lado de fora. Escuta essa daí! Tinham caído duas laranjas, aí o padre ficou ali ouvindo. Aí disse: “Já!”. Aí ele disse: “Olha, essa é tua, essa é minha, essa tua, essa é minha”. Aí, quando terminou lá dentro a divisão, aí os dois disseram: “Bom, aqui acabou. Agora vamos dividir as duas que estão lá fora. Aí o padre disse: “Filho, corre que agora o cão vai dividir nós dois aqui. Vamos correr!”. Era as duas laranjas que estavam fora (risos). São as histórias. Mas é bom a gente contar história assim e brincar, né? Porque já pensou se você ficasse ali de cara séria, ali, mal humorado, não vai, né. Uma vez nós estávamos indo de Cruzeiro do Sul para [Marechal] Thaumaturgo, num aviãozinho, aquele aviãozinho bem miudinho, que balançava, rapaz, e o cabra que embarcou na cadeirinha, eu sentado lá, o joelho dele tremia tanto que batia no meu. E disse: “Rapaz, você é mole! Só morre quando chega a hora”. Comecei a conversar: “Tu sabe aquele filme do Escorpião Rei e tal?”. Ele disse: “Que filme é esse?”. Aí tirei a atenção dele e acabou (risos). É, pô. E no nosso voo, o cabra queria jogar o avião dentro do rio, lá, porque o tempo que estava vindo, ele deu um balão danado, até que passou. Aí nós conseguimos. Aqui tem uns horários pra voar, depois de dez horas, aqui pra banda Serra do Divisor, que eles não querem ir não, porque balança muito, dá muito vácuo nesses aviõezinhos, nossa Senhora, viu!
P/1 - Passa sufoco?
R - Passa sufoco, pô! Aí nós vamos, quando chega em Thaumaturgo, terrível, vai, tumm, o avião não chegou parar porque atolou (risos). Era, a pistinha de Thaumaturgo era ruim, bem lá na ponta, lá aonde o vento faz a curva.
P/1 - Me conta então do seu contrato. Você não está mais no herbário, mas aí te chamam para as expedições? Te chamam pra quê? Como funciona o seu trabalho?
R - A gente, agora, nós temos um contrato, uma bolsa que é para abrir as Cruz de Malta em todas as bases Federais que tem, que é onde tem um ICMBio, aquelas… Aí nós vamos lá, eles tiram uma linha de cinco quilômetro, ai nos cinco quilômetros, faz uma Cruz de Malta. Aí naquela Cruz de Malta a gente vai identificar todas as plantas e coleta todas elas. Aí aqui na Cruz de Malta, você trabalha com as plantas e ao longo da linha você trabalha com os mamíferos, com as borboletas, com os pássaros. Aí a gente faz o levantamento da linha todinha pra ver quais as espécies os animais se alimentam daquilo ali, os pássaros. Então é bom. Agora, ultimamente a gente foi, nós fizemos uns trabalhos aí e não fizemos esse levantamento ao longo dos cinco quilômetros. Dizem que: “Não, não é. Não está servindo. Já fizeram a Cruz de Malta.”. A Cruz de Malta é uma bolinha de nada, pra cinco quilômetros, vai ter várias espécies diferentes.
P/1 - E quem contrata?
R - É o Douglas. O Douglas é que é…. É assim, faz um projeto, tem que elaborar um projeto, aí vai tal. Aí eles vão, vai e quando vê lá, aí diz: “Aprova”. Aí pronto, aquilo ali, o projeto vai, sei lá, cinco anos, dez anos. Então é assim. É terminando um e já vai para outro. E agora, eu acho que agora é que pode ter muito trabalho mesmo, porque estão investindo muita grana na Amazônia, e deve ter bastante trabalho.
P/1 - Teve alguma história, algum desses trabalhos que foi muito marcante que você? Falando desses anos todos. Pensa com carinho.
R - Deixa eu ver. Teve. Eu saí, fui daqui para Cruzeiro do Sul. Cruzeiro do Sul é pertinho, oitocentos quilômetros. Aí de lá nós fomos para a Serra do Divisor. Aí quando nós estávamos com a passagem comprada, direitinho já, aí nós atrasamos, chegamos era de tardezinha. Chegamos e não deu, porque tinha que vir ao hotel ainda, para pegar o voo. Não tinha, o avião já estava. Aí meu parceiro ficou muito irritado, porque aquilo ali e tal, eu disse: “Deus sabe o que faz, você fica na tua aí”. Resumindo a coisa, o avião caiu, tudo que tinha dentro morreu. Não, não morreu, parece que escapou uma mulher, só uma mulher gestante escapou. Aí o avião foi, saiu, matou muita gente aqui.
P/1 - Você escapou?
R - Escapei por duas vezes já.
P/1 - Duas vezes?
R - De avião já, duas vezes. Agora nós estávamos indo de Belém para Belo Horizonte, Nossa Senhora, saímos lá de Macapá, em Belém, quando foi em Belém, eu vi que o avião estava em uma velocidade muito grande, e lá vai ele, rapaz, ele bateu no solo, assim, que abriu ali, foi um, Nossa Senhora!
P/1 - Você assistiu?
R - Eu estava dentro do avião, eu e a minha turma todinha. Aí quando foi em Belo Horizonte, aí eu digo, aí ele saiu e sentou mais tranquilo, foi e pousou bem macio. Mas os de lá… Ficou todo mundo com medo. Quando ele deu uma pancada daquela, eu disse: “Vai passar direto, vai dar no meio do hangar lá, que vai acabar com tudo e nós vamos morrer”. Ainda bem que… A gente passa, de vez em quando, nessas caminhadas que a gente faz, a gente passa uns apuros danados, às vezes com índios, que por aí tem uns índios que são meio… Aí, que o índio não tá concordando. O índio é o seguinte, ele é muito inteligente e tal, mas ele quer que você vá lá manter contato com ele, conversar com ele, explicar o que está… Está certo, eles estão certo, explicar o que está acontecendo, o que é que vai haver ali. Mas muita gente vai lá, quer fazer, aí não, eles não gostam, né.
P/1 - Já teve isso com você? Aconteceu isso?
R - Comigo, não. Mas com um parceiro meu, o Emerson, o negócio foi, jogaram uma corda lá, que foi para ele botar no pescoço, para enforcar ele, circularam ele, fizeram aquele círculo e deixaram ele no meio. Mas como é uma pessoa, um menino bom e tal, aí graças a Deus não aconteceu nada.
P/1 - Tem uma aranha no seu chapéu. No seu boné.
R - Sério?
P/1 - Sério. Pronto.
R - Rapaz… Ah, a bichinha tava pegando uma carona.
P/1 - (Risos). Tava pegando uma carona.
P/2 - Esse trabalho que o senhor faz também tem um caráter de proteger quem está com o senhor, não é? Porque tem coisas aí da mata que muitas vezes o aluno não sabe ou até mesmo quem está pesquisando ali?
R - Sim. Quando é área de risco, que é base Federal e tal, aí vai a Polícia Federal ou do Meio Ambiente, lá os policiais acompanham a gente. Aí vai aquela cambada lá de gente, danada. Aí muitas vezes não é nem aquilo, mas é para proteger, que já teve, eles viram que já teve ameaça muito pesada, aí eles vão para proteger. E eu acho que é o normal, porque aquelas pessoas que não… No nosso caso, que não conhece dá… Tem muito aluno que não sabe nada da floresta, aí quer entrar de qualquer jeito. Não é assim. Tem que saber, né? Tem que saber que tem as plantas que tem bastante espinhos, têm as plantas que tem acúleo, que quase matam, que tem espinhos, que são mais perigosas. Então a gente sempre está com cuidado, avisando eles que: “Olha, isso corre risco. Você tem que observar os espinhos, as cobras que tem também”. Nós fomos uma vez aqui na Serra dos Pacaás Novos, em Rondônia, aí o menino do ICMBio lá, o chefe da base, estávamos eu e o Douglas, subimos a serra. A Serra de Pacaás Novos, são, acho que, 1100 a altura, sei lá, é bem alta, né? Aí quando nós chegamos lá em cima, o cara disse: “Aqui não tem cobra”. Aí, rapaz. Nós fomos e vimos logo um monte de espécies. As espécies que eu vi na frente, tudo novas. Eu avisando para o meu patrão onde estavam. Aí nós vimos uma planta lá, eu disse: “Vamos pegar aquela”. E eu fui cortando e olhando. Aí que ele falou aquilo, mas eu disse: “Ah, um canto desse”. E eu limpei. Quando eu olhei pra baixo, nas pedras, eu pisando, que eu tinha… Estava um monte de cobra, da que eu te falei, que é a cascavel daqui da Amazônia, que é a pico-de-jaca, mas uma ruma. Eu olhei e disse: “Nossa!”. Eu ia pisar em cima, meter o pé em cima dela. Aí eu parei e disse: “Douglas, vem cá, olha aqui. Aí ele saiu, já chamou o cabra lá e disse: “Tu não disse que não tinha cobra?”. Filmaram a bicha, pegaram ela lá, mediram o tamanho. Eles aqui tem, aqui dentro da universidade, tem o professor Moisés, que ele pega uma pico-de-jaca, tem uma facilidade, sei lá, é muita, é muita coragem, né? É muito risco que ele fica, porque é uma cobra muito peçonhenta. Eu não, eu gosto de trabalhar com as minhas plantinhas que ficam lá quietinhas. A gente corre algum risco, mas pegar cobra não, comigo não.
P/1 - E essas saídas com alunos?
R - Aí é que a responsabilidade aumenta! Porque aluno é igual você levar um filho seu pra mata. “Olha, não faz isso aí, tá errado. Olha, sai daí”. Então aí quando são dez, às vezes vinte alunos, que tem deles que querem mostrar serviço, são muito danadinhos. Aí divide em turma. Quando são muitos alunos, a gente diz: “Um fica com uma parte, o outro fica com a outra. É olho na molecada aí, porque tem uns meninos que querem mostrar trabalho, né?”. Esses cabra que se formam na universidade, novinhos, nossa, tem um gás danado pra trabalhar. Aí a gente tem bastante, muito cuidado, porque se acontecer alguma coisa, é ruim pra nós.
P/1 - Eu tenho entendido que você passa muito conhecimento, você forma muita gente.
R - Sim.
P/1 - Como é isso pra você? Como você se sente podendo ser meio mestre, assim, dessas outras pessoas que estão chegando, os mais novos?
R - É um prazer, prazer muito! Você ver que a pessoa aprendeu, tá ligado naquilo ali, no estudo. Com vários eu encontrei agora em Roraima, encontrei no Amapá, chegaram e disseram: “Esse é o meu mestre! Aprendi tudo com o seu amigo”. Falta alguma coisinha, mas é um aluno tão bom, que de lá, ele fica coletando um monte de planta e manda. Aí eu vou, identifico, mando pra ele e tal. Aí ele diz: “Estou quase fechando a minha sabedoria”. Eu digo: “Nunca vai dizer que sabe tudo, você sabe um pouco, mas vai aparecer coisa que às vezes você diz: ‘O que é isso? Eu não sei. Tenho que pedir ajuda’”. Mas é bom, muito bom, porque nós temos muita falta de pessoas que entendam de planta, que não corte a floresta, não derrube, porque o nosso futuro, né. Você vê como a floresta primária tem bastante água naquele canto, você sente que é um ar puro, você respira um ar puro. Então é muito bom. A floresta é boa. Eu sei que muita gente precisa, alguns deles precisam derrubar ela, fazer sua roça. Muitos deles desmatam por, sei lá, por ganância, pra fazer muito pátio, criar muito gado. Aí eu não sei, depois as consequências, estão aparecendo, né?
P/1 - Quais são?
R - A temperatura alta, né. Cada vez a temperatura esquenta mais. Não tem tanta floresta pra pegar essa temperatura, as folhas não existem. Porque tem uma espécie de folha, que ela, nossa, você está lá no sol, aí você entra embaixo de uma floresta que tem o dossel fechado, é uma maravilha, né? Então a temperatura, aquelas folhas lá, estão quebrando todo aquele raio de sol que a gente está recebendo. Muito bom!
P/1 - O que você diria para as pessoas em relação a preservação, a importância da preservação do meio ambiente?
R - Bom, eu diria que seria muito bom conscientizar as pessoas, não desmatar muito, né. Aquelas áreas que eles não precisam, que não tem floresta, reflorestar aquilo ali. Porque isso ali, muitas pessoas pensam no seu futuro, mas está vindo o futuro do teu filho, do teu neto, tá vindo. Então tá vindo outra geração que talvez vai sofrer muito mais do que o que a gente já sofre com a temperatura muito alta, né?
P/1 - Você tem percebido essas mudanças climáticas?
R - Muito, muito. Tenho percebido porque eu sempre trabalho, só gosto de pegar sol e eu sei que o sol esquentou de uma tal forma que parece que ele queima, né? Ele vem com a… E cada vez a camada de ozônio tá crescendo, o buraco tá crescendo mais. Bom, eu vi uma reportagem falando sobre isso aí, que daqui a cinquenta, não sei quantos anos, dizem que vai morrer tudo queimado, isso aqui vai queimar tudo com a temperatura, sei lá. Tem uns estudos naquela CBN americana lá, começa a fazer uns estudos meio malucos, que eu acho que está certo. Eu fiz uns trabalhos com eles na Bolívia, eu tenho um trabalho na Bolívia também, na Bolívia. Então a gente fez uma reportagem com eles, para a CBN mesmo, aquela, e eles comentaram que daqui a não sei quantas centenas e centenas de anos, isso aqui não vai existir mais, vai ser tudo… Aí eu não sei, né.
P/1 - Qual é o seu… Diga, diga.
R - Se foi Deus que fez, ele pode acabar. Só Ele pode, né? Ele pode. Ele fez, ele pode destruir. Por quê? É, mas a gente não sabe o que pode vir daqui pra frente. Mas se nós não nos cuidarmos, coisa boa não vem não, vai ser coisa muito difícil, muita quentura, muita seca. Porque muita quentura, é sinal de muita seca, né? O rio seca, aí acabou a água, acabou tudo acabou a água, acabou tudo.
P/1 - Eu comentei isso com você, que eu achei bastante interessante essa transição de você mais novo, que gostava, tinha prazer em desmatar e agora o seu prazer é em preservar. Como é esse movimento para você, essa mudança? Como te toca isso?
R - Muito bom. Eu achei muito bom, porque antes eu não, como eu te falei, eu não sabia nada do que era uma floresta, bom, sabia o que era cortar a floresta, desmatar, cortar uma árvore por prazer, para vê-la cair, para quebrar as outras. Hoje você vê o que ela faz por nós? Porque a nossa terra é a mãe natureza e a nossa floresta é quem dá o nosso o ar puro, respirar, né? A nossa floresta é o nosso carbono que faz tudo. Então, sim, eu achei muito bom eu ter uma ideia que mudou o meu jeito, jeito que eu vivia, fazia aquilo tudo errado, que a gente fazia tudo errado. Mas nessa época eu não sabia nada. Aí depois que a gente descobriu, aí pronto, aí eu tenho que cuidar. Hoje eu cuido, tenho bastante plantação na minha chácara lá, verde, tem árvores em volta. A minha mulher diz: “Corta aquilo ali!”. E eu digo: “O quê? Cortar aquelas árvores?”. Tem um monte de castanheira nativa aqui, nasceu lá e está lá. Aí está lá, bem umas trinta, já, trinta. E eu digo: “Deixa a bichinha aí”. Tem uma que vai ficar muito próxima da casa, ela diz: “Não, isso quando crescer vai cair o fruto!”. Eu digo: “Calma, deixa aí, na hora que crescer não vai cair fruto pra cá não, vai cair só pra lá”. E é bom! É bom a gente ter a nossa floresta e cuidar dela, porque sem a nossa floresta eu não sei o que seria de nós, né? Nós temos que cuidar bem da nossa floresta ou os nossos governos apoiarem mais, dar incentivos, os alunos nas escolas, incentivar os alunos nas escolas seria muito bom. Eu já conversei com alguns deles, porque, “Eu tenho tempo, tá? Se você quiser fazer um contrato comigo, eu vou na escola dar aula pra esses alunos, tá?”. Mas aí o cabra diz: “Não, a gente quer logo por tantos anos, um ano, dois anos. Você vem?”. Eu digo: “Não, pra mim todo dia, não é assim. Meu tempo é pequeno, espaço pequeno. Na hora que eu chegar aqui e tiver apoio, eu vou lá e faço isso. Junto os alunos e levo pra campo, digo lá: “Isso aqui é planta tal, você não pode cortar e tal. Isso aqui serve para…". Seria bom demais para os nossos alunos, passar essa sabedoria desde dentro da escola para essas crianças aqui. Eu tenho um menino com doze anos, mas ele já fica: “Ah, meu pai faz isso. Meu pai conhece planta”. Nós morávamos aqui na cidade, aí ele vinha: “Ah, o meu pai conhece planta”. Um dia a professora me chama lá, ai eu vou lá e ela diz: “Não, é para você dar uma palestra para os alunos”. Eu digo: “Professora, é o seguinte”. Chamei ela, conversei. “Vamos direto lá no Horto Florestal, que tem muitas plantas. A palestra boa é lá, eles veem as árvores, a gente passeando, tudo legal”. Aí foi bom. Aí eu vim embora pra cá, mas seria bom essa ideia, na sala de aula ter um negócio desse. Não aqui, só aqui no Acre, seria bom no Brasil inteiro, para os alunos e tal. Eu não vou dizer que, sei lá, 80% iam se ligar naquilo, mas pelo menos, se 10% cuidasse disso aí, já era uma maravilha, né?
P/1 - Seu filho tem orgulho de você?
R - Tem, ele tem.
P/1 - O que ele fala?
R - Ele diz: “Ó, meu pai sabe de tudo isso aí”. Eu digo: “Calma, ninguém nunca sabe de tudo, a gente sabe um pouco”. Aí ele diz: “Ó, o meu pai sabe daquilo, sabe daquilo lá”. Aí a gente fez uns trabalhos lá com o pessoal da Globo, agora, aí saiu na reportagem da Globo, lá. O vídeo ele leva pra escola: “Aqui minha professora, olha aqui! Esse aqui é o meu pai fazendo isso aqui, dando aula lá, subindo lá nas árvores”. Aí a professora já mandou me chamar, eu vou ver se vai rolar ou não. Se for coisa pra muito tempo, aí não dá, né? Porque eu tenho… Eu trabalho ganhando uma bolsa e a bolsa que eu ganho é para fazer o trabalho dele, né? Então eu vou cumprir o que a gente… O que ele tá pagando? Então…
P/2 - Dá pra gente achar na internet os vídeos das reportagens que o senhor participou?
R - Dá.
P/2 - O senhor ajuda a gente, depois?
R - Sim, eu vou te mandar, mandar para vocês. Eu acho que está no YouTube, alguma coisa assim. Vou mandar, cachoeira, a reportagem tudinho. É legal, uma maravilha.
P/1 - E seu Edilson. Você falou das semelhanças dos reinos da floresta e dos…
R - Dos humanos.
P/1 - Como que… O que você percebe? Isso mudou na sua vida, assim, antes você percebia isso, aí depois que você começou a trabalhar com isso, você começou a perceber mais ou não, você sempre teve clareza?
R - Não, depois que eu comecei. Porque o trabalho é o seguinte, tudo que você faz, quando você vai fazer com amor, tem o prazer daquilo que você está fazendo, se torna mais fácil. Então a floresta, quando eu comecei a trabalhar na floresta, que eu entrava na floresta, sítio, olhava, parecia que eu viajava, olhava, parecia que eu estava conversando comigo. Eu dizia: “Bom, muito bom”. Aí então é assim, essas espécies têm uma família, que tem dentro da família, a família fabaceae, nossa Senhora, tem várias subespécies daquela espécie família. Aí a família é ramificação, você casa com a menina, tem um filho, tu tem uma filha, um filho meu casa com a tua filha e tal, daí ela vai herdar o meu sobrenome e o teu, aí já vai e ela já cresce lá na frente. Então mesmo assim são as plantas, mesmo assim são as plantas. Então é isso, o reino vegetal e o reino humano são bem parecidos. Eu nunca aprofundei a estudar o reino animal, mas eu sei que é. Mas o reino animal, geralmente eles não vão se cruzar com espécies que não conhecem uma à outra, parecem que são bem respeitosos uns com os outros (risos). Mas é isso mesmo, é muito bom. Então é bom você aprender.
P/1 - E você tá contando, têm esse conhecimento tradicional que se relaciona muito com o conhecimento científico, não é?
R - Sim, é. Porque aqui nós temos fabaceae, lá nós temos outra planta, é uma subespécie fabaceae, é uma que quase tá parecendo com aquela, tem muitas características com aquela lá, mas não é ela, é outra, é uma subespécie muito parecida, mas não é. Então é aí onde vai descobrir as espécies. Aí você vai ver as nervuras secundárias, e terciárias, a genética que vai ter na flor, no fruto, no corte da casca, o cheiro da planta, porque tem que cheirar um pouco da planta pra saber. Muitas vezes você corta, pega, sente o cheiro ali: “Ah, é família tal”. Cada uma tem uma característica diferente. A fabaceae tem um cheiro, o cheiro do feijão verde: “Ah, isso é uma fabaceae, pô”. A lauraceae é um cheiro impressionante daquele louro que a Natura trabalha com ele: “Não, aqui é a lauraceae”. Aí já vai ter outros que não tem, mas já os que tem, o cheiro já não nega, já vai direto em cima da família. É por isso que em Manaus, lá no IPA, os mateiros lá, eles chamavam de cheira pau, tiravam a casca da árvore e ficavam cheirando. Eles diziam: “Ah, pô. Vocês estão cheirando as cascas das árvores”. Eu dizia: “Pô!”. Mas é assim. E aí depois que você pega o jeitão, o gosto de trabalhar com as plantas, nossa, aquilo ali é uma maravilha. Aí você tem vontade cada vez mais de descobrir espécies, espécies novas. Eu tenho um conhecimento mais ou menos bom, que quando eu chego numa espécie que eu nunca vi, eu digo: “Ah, espécie nova. Aquilo eu não conheço e tal”. Eu mais o Erison. O Erison disse: “Seu Edilson, o senhor me falou em espécie nova lá no Rio do Andirá, é uma Eugenia”. Aí eu disse: “Eu te falei”. Aí foi agora descoberto, o Sobral foi lá e descobriu que é uma espécie nova lá para o Rio, a Eugenia Andirá. Então é bom o conhecimento da gente, o olho já fica de uma tal forma, que você bate o olho e já, já sabe mais ou menos o que que é. E se você nunca viu a planta, diz: “Ah, aquela eu não conheço. Vamos lá ter atenção pra ela, trabalhar com ela direitinho para saber o que é”. Então é muito bom, é pegar o jeitão de identificar. As plantas, cada, olha, eu tenho uma família, lecythidaceae, a estrutura de copa é sempre quase a mesma coisa, são ramos horizontais, um meio… Se você vai para e pra família fabaceae, algumas delas, como no caso da copaíba, tem variedade de copaíba, é bem espalhado, bem a copa, também ramos horizontais, mas não é como a outra, ela só tem mais ramos horizontais, ela não tem uma copa bem, ela é bem espalhada a copa. Então é de longe que você olha, bate o olho lá: “Aquilo é tal e tal planta”. Ai diz: “Como é que está conhecendo daqui?”. Aí vai lá. Eu trabalhei mais o Paul ____, que é um especialista nas annonaceae, aí eu disse: “Ó, Paul. Aquilo lá é uma annonaceae”. Ele disse: “Não, não pode ser, uma planta com 25 metros”, Eu disse: “Annonaceae”. Que aqui nós temos as annonaceaes que tem 25, trinta metros, são as poaceae poderosa, que é uma que cresce bastante, o nome comum dela é manga de anta, que ela parece com uma manga mesmo, tem os caroços e a anta vai… Olha como é que é nome, nome comum, nome vulgar das plantas, né, manga de anta. Alguém passou lá, ela estava dispersando os frutos, e a anta comendo bastante: “Ah, é manga de anta”. Esse negócio de nome, nome vulgar, vem dos indígenas, eles que dão mais. Aí também tem outra planta aqui que é a onychopetalum periquino que é chamada de envira-caju, é um fruto bem avermelhado, gostoso para se comer, bem, mas você tem que tirar a casquinha, se tirar aquela casquinha dela é bem gostoso. Se você comer com a casca, ela fica queimando a tua boca um pouquinho, mas é muito bom. Aí você conhece de longe. Aí nós fomos lá com o Paul __, chegamos lá ele disse: “Como é que você conhece?”. Eu disse: “Ah, pela estrutura de copa, a ramificação dela, a folha de longe”. Então o conhecimento, a gente anda na floresta observando. “Planta tal, tem a copa desse jeito”. Você vai para uma ceiba pentandra, que é a rainha da nossa floresta, aquela enorme, de longe você conhece ela, que ela tem uma copa linda, aquela copona bem esgalhada. Aí de lá você: “Rapaz, aquela lá é uma ceiba pentandra. Aí você vai numa chorisia speciosa, que é outra malvaceae, aquela lilás que dá em praça, já é a copa diferente. Aí, assim, você vai para uma castanheira bertholletia, que é outra família, totalmente diferente. Então a estrutura da copa, nunca uma parece com a outra, sempre é diferente. O caso é você se adaptar e ver aquilo ali, né? É isso.
P/1 - Você quer um repelente?
R - Não. Eu vou tomar só uma águazinha, pode ser?
P/1 - Você se especializou em alguma espécie?
R - Não, quase todas (risos). Brincadeira. Não me especializei, não deu para mim. Eu tive vontade de tirar uma família para estudar, me especializar nela. Aí o meu patrão disse: “Você vai estudar aí o restante das famílias?”. Porque só tinha eu aqui no herbário. Aí não dá. Aí ele disse: “É muito melhor você ir devagar, vai se especializando em todas”. Aí por isso que eu não cheguei a nunca me aprofundar em uma família, naquela espécie, naquele gênero. Já o meu amigo Erison, ele se especializou na família sapindaceae, do gênero Paullinia, que é o guaraná. Aí ele hoje é mestre na família, menino muito bom!
P/1 - Tem alguma família que você gosta, não sei se gosta mais, mas se interessa mais, tem um carinho maior?
R - Tem, as bertoletti, as castanheiras. Aqui nós temos… Já vem gente do Peru pego, dizem que só ocorre uma espécie de bertoletti. Sim, eu tenho algumas dúvidas. E madeira totalmente diferente, a madeira de uma a gente já furou para ver. A madeira de uma é de uma jeito, a madeira do outro, mas lá a flor, frutos, são as mesmas. Por isso que os especialistas dizem que é só uma espécie. Então quem sou eu para dizer que pode ser duas? Não sei, né.
P/1 - Mas você acha que são?
R - Eu fico meio preocupado nisso, não é? Não sei. Tinha que estudar mais um pouco para saber. Mas ele jura de pé junto que tem uma espécie. Aqui tem, teve um especialista aqui na família Rubiaceae, o Del Prette, o Piero, né. É especialista em Rubi. Então tem uma espécie aqui que é chamada de Genipa Americano, jenipapo o nome. É muito usada pelos indígenas para fazer aquelas pinturas, desenhos. Ele pega lá, ele faz um desenho, uma pintura que passa meses e meses, aquilo ali. Aí eu fui e disse: “Existem duas espécies”. Ele disse: “Não existe”. Eu disse: “Existem duas espécies”. Saímos para campo, andamos em vários rios e ele sempre teimando. Aí quando foi agora, ele mandou, ele está na Guiana Francesa, aqui, aí disse: “Olha, confirmado. Tem duas espécies de genipa. O Edilson está mais do que correto”. Eu disse: “Agora? Agora que você clareou a tua ideia?”. Mas é, estava aí em tudo. Eu pegava a folha, via as nervuras secundárias. A terciária é totalmente diferente. Mas ele era especialista da família, não ia teimar com ele. Mas eu disse: “Estuda, porque eu acho que tem duas coisas diferentes”. E deu duas espécies mesmo. Então eu descobri as duas espécies.
P/1 - Olho apurado o senhor tem.
R - É, pô. Tem que…
P/1 - Você pode contar um pouquinho o que a gente fez hoje de manhã? Onde você levou a gente? Quem estava com você? O que a gente fez? O que você falou?
R - Posso assim. Agora de manhã nós tivemos dentro do herbário com a nossa curadora, Almecina [Balbino], mostrando algumas exsicatas, algumas exsicatas dos anduantoses, mostrando algumas, exsicatas de inga e algumas exsicatas também _______. Então é muito bom fazer isso, você ir lá, ver as plantas, você vê lá como é que a gente armazena planta, bem cuidada pra não dar fungo. E ela cuida bem daquilo ali, você vê que lá dentro não tem fungo, não tem nada, bem free, né, porque se esquentar um pouquinho, aí o fungo invade. Então ali tem que ser gelado, tem que ser bem frio, porque você vai… Se esquentar um pouquinho, hum, aí não dá, né. E muitas vezes, se você entrar dentro de um herbário daquele, se você vir suado, com a roupa suada: “Não, não entra não. Fica lá”. É, tem que ser desse jeito, porque muitas vezes o ar vai circulando, aquilo ali vai bater lá nas plantas, pode criar fungo, né. Então em herbário o cuidado tem que ser bem, bem severo. Quem quer ter as plantinhas bonitinhas, para não ter fungo, o material tem que estar bem seco para ir ali para dentro, para montar na cartolina tem que estar muito sequinho.
P/1 - Você ajudou a catalogar muitos daqueles materiais?
R - Foram muitos, muitos mesmo. Eu acho que ali foram mais de vinte mil plantas.
P/1 - Que você catalogou?
R - Sim. Tinha coleta de campo que nós coletávamos quatro mil números. Em uma excursão aqui a gente coletou quatro mil. Um só, uma pessoa só, coletou doi mil números de plantas, o Tom Clout, um especialista, um alemão que é especialista em araceae. Aí a nossa equipe coletou mais duas mil. Aí são muitas plantas. Aí sempre a gente está indo pra campo. Aí quando eu saí daqui, o Douglas se afastou porque teve algum probleminha e tal. Aí acabaram as coletas. Ela fica cuidando aí, esforçada, mas se não tiver ninguém apoiando ela aí, não vai, pô, não vai. Tem que ter alguém ajudando ela.
P/1 - E a Almecina foi sua aluna?
R - Foi, a Almecina foi. Os primeiros passos, muito dedicada, cobrava, pegava: “Isso aqui é planta? Por que? O que faz ela ser essa planta?”. Aí a gente vai e explica tudinho, porque é, cada folha, tem raquelado, tem pecíolo, tem extirpa, aí vai indicando tudinho, o que leva aquilo ser aquela família, né? Tem alguma glândula na base da folha, ali. Aí isso é muito bom, pô. Ela foi importante. O Douglas é o meu patrão, adora ver ela ai, porque ela é muito inteligente, muito esforçada. O esposo dela é americano também, ela casou com americano e estão morando aqui. E é bom ver as pessoas assim, muito tranquilo.
P/1 - E qual é o problema da identificação errada, caso aconteça? Tem que ter esse cuidado, né?
R - É, sim. É que nem aquilo que eu te falei, identificação. Se a pessoa não sabe identificar, identifica pelo menos por família, né? Porque muita gente não sabe o que é direito. Aí coloca lá família e gênero e muitas vezes, espécies, que nem nós coletamos de plantas estéril, coletar planta estéril, coloca família gênero e espécie, pelo amor de Deus, não faça isso não, pô. Vamos estudar! “Tu conhece a planta bem, para você saber o que é isso? Então vamos ter bastante cuidado com esse negócio de família, gênero e espécie. Só pode colocar ali, se você tem uma intimidade com aquela planta, conhece ela, para ele falar aquilo ali, que não pode falar: “Isso é tal coisa”. Mas eu fui para outra floresta lá, tinha um senhor lá que identificava planta, ele disse: “Não, aqui eu já identifico família, gênero e espécie”. Aí eu disse: “Ah!”. Aí eu fiquei na minha, né. Eu disse: “Então ele é muito bom!”. Como é que me chamaram aqui? Aí fomos para a linha, para os trabalhos que ele fez, tinha muita planta lá que não era nem da família que ele estava falando. Aí eu: “Tá bom!”. Fomos, juntamos tudo, fizemos o trabalho todo dentro da parcela. Cheguei lá, chamei ele lá no cantinho, que eu não ia dizer no meio do… Aí passei, é assim e tal, tal. Aí parece que deu uma reformulada nele e ele agora tá bem, desenvolveu, tá bem melhor. Então é o caso, se tem dúvida, se você tem certeza que é aquela família, falem. Gênero,esperem para ver o que é que é.
P/1 - Você já ensinou muita gente, né?
R - Bastante.
P/1 - Quais você considera que são as habilidades exigidas para ter esse trabalho que você tem?
R - Primeiro passo para quem for escalador, é não ter nervosismo e escalar sem ter medo de altura, assim. O segundo passo é ter um olho bem afiado, bem limpo, para olhar para a planta e para ver se você já identifica. Porque muitas vezes você está num no curso, numa excursão de campo, você coleta lá, duas mil, três mil plantas, aí você vai, chega em outra que às vezes, nos primeiros dias de coleta de campo, você coleta muita planta, no segundo dia vai começando a repetir. Aí é que tá a coisa, para você gravar tudo na cabeça: “Aquilo a gente pegou ou não pegou?”. Então o HD tem que ser bem, para… Aí o cabra tem que observar se aquilo já foi, se foi pego ou não. Então é isso, é o cabra ter a mente dele bem focada para aquilo que ele está fazendo, porque se ele não tiver, aí começa a repetir tudo de novo. Aí não dá, né.
P/1 - E a sua relação com o Adriano, como é que é?
R - Boa! O Adriano é um menino bom, menino educado, respeitador, trabalha bem, trabalha bem com planta também, com GPS. Quando ele tem dúvida ele manda, manda pra mim, tira foto, manda, se ele não sabe. Aí então é bom. Então olha, vocês estão em boas mãos. Quando eu vi ele pela primeira vez, eu disse: “Rapaz, ele tem futuro”. Aí eu comecei, o Douglas já chamou ele pra cá, a gente começou a ensinar ele. E ele já tinha dado os primeiros passos, então já foi tudo bem mais rápido.
P/1 - Onde você conheceu ele?
R - Conheci aqui mesmo, ele é daqui.
P/1 - Daqui?
R - É. Agora teve um menino em Rondônia, ele está lá, que é o Cowboy, nossa! Aquele que eu chamo de um engenheiro completo. Ele está muito bom de planta, ele escala bem nas árvores, conhece todas as plantas olhando, já bate o olho… Ele tem dúvida lá, quando ele tem alguma dúvida, já manda a foto da planta: “Companheiro, vê isso aí, que eu estou meio em dúvida aqui”. Ele não vai dizer: “Não, isso e tal coisa". Ele vai confirmar. O direito é: se você não sabe o que está falando, não está conhecendo direitinho, então manda foto. Tem pessoas, têm livros hoje pra fazer isso também. Se não encontrar, manda para aqueles auxiliares que estão ali para ver, porque aí você vai trocando ideia até chegar a uma conclusão.
P/1 - Você comentou do seu filho que tem…
R - Doze anos.
P/1 - Doze anos e é super interessado no seu trabalho.
R - Sim.
P/1 - Ele já foi com você? Já participou? Você já levou ele para o meio da floresta?
R - Não, nunca foi.
P/1 - Não?
R - Hoje ele ficou… Ele queria matar aula hoje para vir pra cá, eu disse: “Não, matar aula, não. Calma que você vai ter tempo”. Ele coloca a espora, vai subir nas árvores lá que a gente está preservando, ele fica furando. Aí a mãe dele: “Ah, não. Para com isso, senão você vai tomar um conselho aí, pô”. Então. Mas ele gosta de subir, ficar escalando as árvores. É bom, é bom. Gosto muito. Quando a gente morava na cidade, aqui, aí eu levei ele para lá e eu fiquei assim pensando, eu disse: “E se ele não gostar de lá?”. Mas ele amou demais! Na frente da minha área lá, eu fiz um campinho de futebol que é para ele brincar de bola, tem banho no açude, vai lá tomar banho no açude, correr de bicicleta. Aí ele disse que adora, nem lembra daqui da cidade.
P/1 - Quantos filhos você tem?
R - Ai, ai, ai… Tenho dois homens e cinco mulheres (risos).
P/1 - Diga.
R - Depois que eu casei, ai, graças a Deus, eu criei juízo, cabeça funcionou e com essa minha mulher, aí ela tem uma certa idade, é tranquila, cuida de tudo, faz… Então foi Deus que mandou. Mas enquanto a gente era novo, arrumava uma menina, muitas vezes elas vinham, ficavam lá, e: “Ah, eu quero morar contigo”. Não dava certo. Aí a minha mãe ficava: “Meu filho, assim não dá, meu filho, tem que criar juízo”. Aí eu andei apanhando e tal, aí agora… Também, depois de velho… (risos).
P/1 - E onde você conheceu a sua esposa?
R - Aqui. Foi um negócio que foi legal. Eu fui para… Eu estive em Rondônia fazendo o levantamento do Banisteriopsis, Banisteriopsis é o Daime, é uma planta alucinógena que os Ashaninka lá do Peru, das pirâmides de lá, que eles usam, então. Aí lá onde a gente morava mesmo, a gente foi chamado lá: “Toma o Daime aí”. Eu tomei. No Daime eu vi aquela… eu disse: “Não conheço”. Aí acabou. E nesse tempo eu tinha família.
P/1 - Você a viu no Daime?
R - Eu vi.
P/1 - Você nunca tinha visto ela?
R - Rapaz, eu fiquei assim, pensando. Aí eu comprei um terreno aqui na… Aí o meu pai disse: “Olha os terrenos lá, porque senão alguém pode…”. Aí eu… E quando eu cheguei lá, ela morava vizinha no terreno. Aí quando eu vi, eu… Aí eu parei e pensei: “É aquela mulher que eu vi no Daime”. Ai tranquilo. Eu tinha uma mulher, voltei pra casa e tal coisa. Aí de vez em quando eu pensava: “Rapaz”. Aí com pouco… Aí é o seguinte, a outra mulher, ela não era muito legal, era meia, não deu certo. Quando não dá, né? A gente se separou. Ah, tá bom. Aí separou, logo eu vi para ajeitar a casa, aí começamos a nos ver, aí casamos e até hoje, tem 25 anos já, já são 25 anos e tranquilo, Graças a Deus. Deus botou ela no meu caminho. Agora está tranquilo, eu viajo, deixo tudo, ela toma conta de tudo, cuida de tudo, tem empresa, eu e ela temos, ela que cuida de tudo. Aí a nossa filha mais nova, que é a Adriana, já com dezesseis anos, eu disse: “Ah, meu Deus. Tomara que apareça um homenzinho aí pra ficar com ela. Porque a menina tem dezesseis anos, daqui um tempo já vai arrumar um namorado, vai querer casar”. Mas não demorou nada e a mulher começou a engrossar no meio, eu disse: “Vish!”. Aí foi fazer exame e tal, tudo do jeito que eu pedi, Deus mandou um homenzinho, hoje ele está aí. Hoje já é o meu motorista, doze anos, já dirige, não, vai só na beira da estrada, com doze anos, ele pega esse carro e vai embora, volta, não na BR, porque eu digo: “Olha, se você andar na BR, se for pego, ai eu já fui direto pra cadeia, porque não pode, né. Aí, graças a Deus, a gente está levando a vida bem, muito bem. Tinha o sonho de comprar uma chácara, compramos lá. Compramos primeiro dois hectares, depois compramos mais outra. Hoje nós temos uma casinha boa, um açude, peixe, casa de farinha, o que é preciso dentro de uma chácara, muita plantação. Então tudo é muita fartura. Eu queria que sobrasse um tempinho para vocês visitarem lá, seria bom, né? Será que sobra esse tempinho? Vocês darem uma visitada, almoçar? Ia mandar ela fazer um almoço lá, legal. Vamos ver o dia que vai sobrar, né? Pois é, é isso. Aí, o Daime é uma planta alucinógena que nós temos aqui na nossa floresta. Só que ele é o seguinte, muita gente que usa muito ele, chamamos ele de, o Santo Daime, só que é o seguinte, se você tomar muito, se aprofundar muito nele, você fica igual aqueles pessoa que usam muita droga, muita maconha, os neurônios da pessoa vai se acabando, ele fica meio retardado, porque quem usa muita droga, você…. “Eu queria saber disso”. Ah, você vai captar é tempo para poder… Não funciona mais legal. Então o Daime é assim. Ele é medicinal, contra veneno, mas tem que saber usar, tem que saber controlar, porque ele você toma, ele indica cada coisa que para o futuro você vê aquilo tudinho que você foi lá. Mas é preciso se você está limpo, teu corpo tá limpo, não tem nada, não ter tido contato com ninguém certo tempo ali. Mas ele é poderoso. A história do, né, usa duas… Usa uma planta da rubiaceae, que é o gênero psychotria e usa a Malpighiaceae, que é uma liana que é do gênero banisteriopsis, psychotria e banisteriopsis, se você usar muito, vai além da tua mente, o gênero psychotria vai querer destruir você, você fica meio abestado. Então tem que ter controle. Que no tempo, era o rei Rubem, que era do gênero Psychotria e a rainha Banisteriopsis, que é da família Malpighiaceae, dizem que é a história, eu ouvi lá no Peru, eles contando isso, os peruanos. Aí um era só do mal, o rei, só queria destruir os outros e tal. E a outra lá que amenizava. Bom, é a história que eles estavam contando lá, os peruanos. Então é uma coisa que também tem que ter controle, tudo com exagero em você, não é legal, né?
P/1 - Tem alguma viagem para fora do país ou aqui dentro mesmo, que você queira deixar registrado? Contar um pouco para a gente?
R - Tem algumas viagens na Bolívia, que eu fui o ano passado, nossa! Isso aí até quando… Até agora quando eu lembro daquilo ali, me dá um arrepio, eu fico meio arrepiado. Eu faço o levantamento das parcelas, que é Estrada do Pacífico, daqui até o Pacifico. Eu trabalho daqui do Brasil até o Peru, no Peru tem outra equipe que vai até lá no Pacífico. Aí tem uns trabalhos que a gente vai e faz fora, que é baseado nisso aí, já para ver quais são as plantas. Aí a gente estava na Riberalta, na cidade, fazendo trabalho. Fizemos o trabalho lá, comendo aquela comida muito gostosa da Bolívia, que é uma maravilha, aí estava acabando, aí a mulher me chama de Riberalta para Pando, são 560 quilômetros, quase seiscentos. Ela disse: "Olha, tu vem aqui amanhã, tu vem pra cá amanhã que nós temos uma reunião muito importante com Steven, aquele lá, um chinês, holandês, holandês! Aí beleza. Aí eu fui dormir, isso à noite, é, já tinha terminado. Aí eu estava lá, eu estava dormindo, aí sonhei, no sonho, muita gente diz: “Sonho não é realidade”. Mas se você pensar direitinho o que é um sonho, ele, mais ou menos, tá dizendo o que pode acontecer no teu futuro, daquele dia a dia que você vai passar. Aí eu sonhei que chegava num balcão grande, uma coisa assim: “Aí, eu quero uma passagem pra eu e para o céu”. No sonho. Aí tinha um senhor de costa, todo de branco, “Ei, a passagem para eu ir para o céu”. Aí vira aquele, numa barba branca e tudo: “Não, filho. Não tem passagem para você, não. Você ainda vai demorar para ir para o céu. Pode ficar aí”. Aí eu, pá, acordei assim. Aí no outro dia cedo o carro chega já no hotel, peguei as coisas, mandei para lá, vou embarcar no ônibus, ônibus boliviano. Eu sou meio nervoso. Aí andamos uns oitenta quilômetros. Uma moto veio e bateu do lado, assim, do ônibus, o ônibus capotou, foi aquele Deus nos acuda! Eu estava sentado na cadeira 39, o outro estava sentado na cadeira 38, na minha frente tinha uma menina, duas meninas atrás na outra cadeira, quarenta, né. Aí o rapaz, que aqui era da universidade, era um professor da Universidade de Porto Rico. Aí ele tinha mandado os e-mails para mim e tal, eu conversei com ele, aí: “Nós vamos viajar juntos”. Aí acertando o trabalho para eu ir lá em Porto Rico fazer uns trabalhos para ele com os alunos, porque os alunos estavam muito ruins e tal. Ali paramos de conversar na estrada, paramos de conversar um pouquinho. Aí eu escutei, eu ouvi aquele: “bum!”, aquele barulho, aquele: “pá! Aiii!”. Aí o ônibus, “Vuh, vuh!”. Ai aquele: “plu!”. Aquele professor que eu estava conversando ali, no momento o pescoço dele já quebrou. A menina que estava atrás de mim, passou por cima, caiu lá, quebrou o espinhaço no meio, morreu gritando lá. Que coisa! Aí eu estava com a mochila grande na frente e o outro aqui do lado, que no bagageiro não tinha mais espaço para colocar nada. Rapaz! Aí o ônibus atrás, o vidro atrás, quebrou tudo, espatifou. A porrada foi tão grande. Aí eu saí meio… Quando sai fora, que eu olhei, que eu vi a bagaceira de gente morta. Vinha um senhor na moto, duas filhinhas, aqueles ali já ficaram mortos na hora. As meninas que iam na frente, no ônibus, sentadas nas cadeiras da frente, na hora que bateu, o ônibus não tem cinto, não tem nada, aí passou, bateu, arrancou o para-brisa, passou lá, o ônibus passou por cima. Eu sei que tinha um monte de gente morta, parecia cena de filme. Quando eu vi aquilo ali, eu disse: “Meu Deus do céu!”. Aí eu lembrei, no momento eu lembrei do sonho. Aí eu bati só o ombro, não senti nada, nada. Eu estava todo melado de sangue do pessoal que ia lá quando o ônibus virou, que alguém cortou-se, sei lá, e caiu. Aí até que eu consegui sair. Isso foi às oito e meia da manhã para às nove horas. Veio chegar socorro, eram três da tarde, numa carreteira longe, muita piçarra, todo mundo morrendo de sede. Tinham uns que ainda estavam vivos, se tivesse chegado socorro lá, não tinham morrido. Aí foi passando o tempo e não tinha água. Aí aquilo ali foi fedendo, gente morta lá, o boliviano pisava por cima. Eu disse: “O homem está morto aí!”. “Patricio estas muerto, no sierve mais de nada, estas muerto!”. Ai, aquilo ali, rapaz. Eu voltei para o hotel, eu não conseguia dormir, não. Quando eu via aquilo e fechava o olho, para mim tinha um monte de gente gritando no meu ouvido. Aí eu me sentava. Aí fomos embora, graças a Deus. Mas ainda bem que eu não comprei a passagem para ir para o céu, porque senão eu tinha ido (risos). Mas aqui na nossa terra, aqui, nós temos um prazo determinado, que é dado por Deus, que você só vai quando chega a hora. Não adianta ninguém dizer: “Morreu, sei lá, uma bala perdida. Foi acidente”. Não, chegou aquela hora, você morre. A morte, ela nunca mata ninguém, ela põe os obstáculos para dizer: “Não, ele morreu porque foi lá, pegou um tiro. Pra que ele estava lá?”. Não, não. É que é a hora da gente morrer. Mas dizem os pastores comentam que, você pode acrescentar seus dias de vida aqui na terra, sim, se você fizer o bem a todos, ajudar, que raramente acontece isso, raramente. Muitas pessoas só vão ajudar os outros com interesse, dizem: “Eu vou ajudar, porque eu vou precisar dele para o futuro”. Então o bem, você faz sem se ver a quem, sem saber, sem ter interesse disso, porque a recompensa vem de Deus.
P/1 - Vou pegar o seu gancho de sonhos, tirando esse que você contou, que foi no ano passado isso?
R - Foi no ano passado, no finalzinho do ano passado. Nossa Senhora, nossa!
P/1 - Você tem o hábito, o costume de sonhar?
R - Sempre eu sonho.
P/1 - O que você costuma sonhar?
R - Uma vez eu sonhei com a minha sogra querendo me matar, sabe? Rapaz! Aí nós fomos para campo e tal. Aí eu fui, passei nos cantos assim, eu vi aquele negócio, pum! Era uma cobra cascavel da grade, ela deu o bote e errou. Aí eu fui, ela deu o bote, passou na minha frente, eu parei, quando eu parei ela enrolou e já jogou de novo, e eu caí lá. Aí eu disse: “Rapaz, sonhar com sogra parece que não é muito bom, não”. (risos) Mas é verdade. Eu não tenho mais sogra, acabou, minhas sogras morreram. Mas tranquilo, isso é coisa à parte, né.
P/1 - Tem algum sonho que você sonha sempre?
R - Tem alguns sonhozinhos bestas que você sonha. Aí depois… Um dia desses eu estava em casa, sábado agora, final de semana agora, aí eu sonhei com avião, “tumm”, voando, eu estava ouvindo o barulho, o avião batia, “pum!”, batia lá e caía. Eu ouvia aquele… Mais cedo. Desci, fui para a minha rocinha aqui, fiquei lá. Aí eu ouvi na BR aquele barulho, escutei aquele barulho de freio e “pum!”, bateu, dois carros, bem na frente. Aí é por isso que eu digo, o sonho, tem alguns sonhos, que ele… Sonho não é realidade, mas ele tem um sentido muito grande que pode se tornar, né? Que bom, né?
P/1 - E sonhos futuros? Aí mudando o estilo do sonho.
R - Ah, o meu futuro. Eu não… Sonhos futuros, seria bom. O futuro, às vezes, a gente… Eu penso, sonho assim, eu sonho, sonho acordado. Meu sonho é acordado e peço a Deus e ele faz acontecer. Isso se você crê, crê muito nele e você pedir aquilo de coração. Aí a minha família, minhas coisas, tudo. Então eu adoro essas coisas que Deus me dá. É muito bom, muito legal!
P/1 - E o Coronavírus, como foi aqui? Você contou que tinha uma planta que vocês usaram bastante.
R - Sim.
P/1 - Como foi?
R - Morreu muito amigo meu. Eu já tinha… Disseram: “Olha, você já tem uma certa idade. Vai lá para a chácara. Eu tinha comprado fazia pouquinho tempo, eu tinha uma casinha pequena e eu fui me esconder lá. Quando estava com uma semana que eu estava lá, o vento levou lá, porque era bem pertinho do aeroporto, ali. Ela me pegou lá. Acordei um dia assim, eu disse: “Que negócio estranho”. Eu olhava, assim, para mim as árvores estavam balançando, alguma coisa esquisita. Aí fui fazer exame, já estava com ela. Um dia eu passei ruim, hein, passei bem esquisitão, meio… Aí disseram que não dava, você perdia o gosto para comer. O meu não foi nada disso, eu fiquei só meio tonto, meio vendo as plantas tudo de cabeça, de ponta cabeça, raiz para cima, copa das árvores para baixo. E eu disse: “Rapaz, o mundo está de cabeça para baixo. Não sou eu não”. Aí foi assim. Aí fui na floresta, a gente tirou as cascas dessas plantas, aí tomei assim, umas três, quatro vezes. Aí fizemos, o cara disse: “Não, você não tem mais nada. O que você tomou? Eu disse: “A casca da geissospermum”. É uma família apocynaceae, do gênero geissospermum, que é a quina-quina. Nós fomos para o Xingu, olha essa que eu vou te contar, quando nós chegamos no Xingu, chegaram dois alunos que estavam meio ruins e a cozinheira, a cozinheira estava tossindo. Eu chamei a turma lá, os professores e disse: “Essa mulher, ela está com…”. “Não, tá, não, tá”. Aí quando tinham dezessete alunos de uma sala, todos pegaram caronavírus lá dentro. Aí fomos para a floresta, achamos lá no Xingu, achamos a dita planta, fizemos lá uma… Tirei a casca, foi feito lá, colocado na água, todo mundo no outro dia bebeu. Três dias depois, estava tudo beleza. Não interrompeu a aula, tudo tranquilo. Então é muito poderosa a planta. E aqui você destrói a bichinha, mata. É uma doença muito perigosa.
P/2 - Eu sei que a gente teria muito mais histórias, a gente poderia ficar aqui dias…
R - É, mas eu posso dar um pulinho aqui amanhã.
P/1 - Eu só queria saber se você gostaria de contar alguma história que eu não tenha te perguntado, que você acha importante estar nesse seu registro, alguma pessoa, algum momento da vida, alguma viagem?
R - E, pô. Tem alguns momentos que na hora que eu lembro, eu escorro água do olho.
P/1 - O que?
R - Meu pai morreu deitado na minha perna, do câncer, espocou e tal, ele ficou lá, caiu. Aí ele foi perdendo a cor, a vista dele perdendo, eu botei a vela na mão dele. Ai, foi horrível, Nossa Senhora! Esse foi, até hoje, quando eu lembro assim, eu fico pensando naquele momento. Mas é a vida, a gente nasceu, morre né? A gente nasceu, vai morrer. Minha mãe também. No ano de 2013, minha mãe… Meu irmão morreu no início do ano, câncer também. Aí quando foi já no finalzinho do ano, meu irmão morreu no início do ano, no finalzinho do ano a minha mãe morreu, em 2013. Nossa! Aquilo ali eu vou te falar, muito, muito doído. Mas é assim, a gente tem que estar conformado, né, porque Deus botou a gente ali até um certo tempo, né? Ninguém sabe do que vai morrer. Mas é a vida.
P/1 - Você gostaria de deixar alguma mensagem?
R - Sim, pô. Gostaria de deixar uma mensagem, o seguinte: quem tiver sua mãe, seu pai, que cuide bem dela enquanto é viva, porque muitas vezes vai dar valor depois que morre, né? Depois. Você tem sua mãe, seu pai ali, tem aqueles filhos que são rebeldes, não cuidam de mãe e de pai. É um tesouro que você não vai achar mais nunca, é mãe e pai, né?
P/1 - É como foi para você contar um pouco dessas histórias, partilhar, lembrar de tudo isso aqui com a gente?
R - Muito bom, muito legal! Gostei muito! Seria bom se eu pudesse participar da história lá, lá em São Paulo.
P/1 - Ah, nem me fale.
R - Mas dito a hora que ele marcou pra vir, ele está vindo pra Rondônia agora, no início do mês. Aí pra ele aqui eu sou a peça número um. Se eu não estiver lá, ele já fica meio sem jeito. Então já mandou os emails falando. Eu contei para ele, ele disse: “Ó, amigo, desculpa! Mas tu conta a tua história aí, depois a gente, né?”. É assim mesmo. Mas foi muito boa a nossa história aqui. Relembrar muita coisa, relembrar coisa que é ruim relembrar, mas é uma história que a gente tem que passar, né?
P/1 - É muita coisa.
R - Ainda bem que eu nunca, até hoje, nunca vi ninguém da minha família, morto de, sei lá, matado por outro e tal. A nossa família é bastante grande, morrem de morte natural, mas alguém chegou a matar outro? Graças a Deus que não, né. Porque é doído você ver qualquer um ser humano, você vê ele morto ali, não, né? A valer outra pessoa, chega, sei lá, tu tem um irmão, alguém chega, te mata, deixa ele com bala ou faca, ixi! Não é bom nem pensar isso, né. É muito horrível! A minha mãe contava uma história, que no Ceará, a família dos parentes dela, tinha uma família que acabou, que ela era lá do do Riacho do Sangue, daquelas famílias ruins. O nome já tá dizendo, Riacho do Sangue, um matou por causa de disputa de terra, um matou o outro. Aí foi, o filho do outro matou o outro. Aí saiu assim, um matando o outro, até que acabou a família todinha, um só no outro.
P/1 - Então posso te agradecer?
R - Sim.
P/1 - Muito, muitíssimo obrigada!
R - Se eu puder amanhã, que eu acho que eu vou dar um pulinho aqui.
P/2 - Seria muito bacana para a gente, para poder terminar a sua história com as imagens, né?
R - Sim, vou vir. Vou vir pra cá junto com o Adriano.
P/1 - É, no final do dia. No final.
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