Entrevista de Manoel Gomes Ferreira
Entrevistado por Luiza Gallo
Comunidade Bela Vista do Jaraqui – Rio Negro, 16/11/2024
Projeto: Mateiros do Brasil
Entrevista número: MAT_HV002
Realizado por Museu da Pessoa
P/1 – Então, queria que você começasse se apresentando. O seu nome completo, a data e o local de nascimento?
R - Já posso?
P/1 - Por favor!
R - O meu nome é Manoel Gomes Ferreira, eu nasci em 1949. No dia 7 de janeiro de 1949. O meu nascimento. E nascido num Seringal chamado Monte Cristo. Depois eu fui pra Caruari, me criei em Caruari. E de lá de Caruari eu fui cortar seringa, com nove ano eu fui cortar seringa junto com meus pais. Desde lá eu comecei cortar seringa. Na época, eu não tinha o sapato, eu pegava evira de matar, um pau que dá no mato, e tirava aquela envira e fazia um sapato no meu pé, para andar no meio do mato. Andando por cima das raízes, se escorregasse ia até o meio da perna, e caía no buraco. Então, eu me acordava para a uma da manhã para caminhar para a estrada, cortava seringa, andava nove quilômetro de estrada. Aí, defumava o leite lá, quando eu ia chegar de volta em casa, era oito da noite. Era quatro vezes por semana que eu fazia isso, eu e meu pai. E a minha vida foi essa. Depois eu fiquei... Meu pai me deixou eu estudar, estudei o primeiro ano,____. Mas não aprendi nada, porque era só trabalhando, trabalhando na agricultura junto com a minha mãe. Eu tinha meu par de seringueira, duas seringueiras, que era um par, ia um dia num, um dia em outro. Eu fazia trinta quilos de borracha. Eu jogava aquela borracha, de quinze em quinze dias, jogava aquela borracha nas costas, andava seis quilômetros, de Varador... Seis horas, seis quilômetros não, seis horas de Varador, aí depois andava mais nove quilômetros, a pé, para chegar na cidade com aqueles trinta quilos de borracha. Eu com aquela idade. Então, me criei no mato diretamente. Não me sinto magoado, eu me sinto feliz, porque o meu pai me ensinou a...
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Entrevistado por Luiza Gallo
Comunidade Bela Vista do Jaraqui – Rio Negro, 16/11/2024
Projeto: Mateiros do Brasil
Entrevista número: MAT_HV002
Realizado por Museu da Pessoa
P/1 – Então, queria que você começasse se apresentando. O seu nome completo, a data e o local de nascimento?
R - Já posso?
P/1 - Por favor!
R - O meu nome é Manoel Gomes Ferreira, eu nasci em 1949. No dia 7 de janeiro de 1949. O meu nascimento. E nascido num Seringal chamado Monte Cristo. Depois eu fui pra Caruari, me criei em Caruari. E de lá de Caruari eu fui cortar seringa, com nove ano eu fui cortar seringa junto com meus pais. Desde lá eu comecei cortar seringa. Na época, eu não tinha o sapato, eu pegava evira de matar, um pau que dá no mato, e tirava aquela envira e fazia um sapato no meu pé, para andar no meio do mato. Andando por cima das raízes, se escorregasse ia até o meio da perna, e caía no buraco. Então, eu me acordava para a uma da manhã para caminhar para a estrada, cortava seringa, andava nove quilômetro de estrada. Aí, defumava o leite lá, quando eu ia chegar de volta em casa, era oito da noite. Era quatro vezes por semana que eu fazia isso, eu e meu pai. E a minha vida foi essa. Depois eu fiquei... Meu pai me deixou eu estudar, estudei o primeiro ano,____. Mas não aprendi nada, porque era só trabalhando, trabalhando na agricultura junto com a minha mãe. Eu tinha meu par de seringueira, duas seringueiras, que era um par, ia um dia num, um dia em outro. Eu fazia trinta quilos de borracha. Eu jogava aquela borracha, de quinze em quinze dias, jogava aquela borracha nas costas, andava seis quilômetros, de Varador... Seis horas, seis quilômetros não, seis horas de Varador, aí depois andava mais nove quilômetros, a pé, para chegar na cidade com aqueles trinta quilos de borracha. Eu com aquela idade. Então, me criei no mato diretamente. Não me sinto magoado, eu me sinto feliz, porque o meu pai me ensinou a andar no mato, trabalhar. E eu sou muito feliz por isso. Meu pai não sabia ler, não sabia escrever, não sabia fazer um O se sentasse na areia. A minha mãe que ainda aprendeu a fazer o nome dela. Mas ele tinha um comércio dele, tudinho. Eu com quinze anos, eu comecei a fumar escondido, meu pai descobriu, aí o meu pai me ameaçou de me dar peia. Ele não me deu peia, porque quando nós ia para o cinto, ele fazia a minha nota de couro de rancho, pro cinto, e a borracha que eu fazia, o valor que dava, o dinheiro, eu não pegava em nada, era para ele, né! Mas ele fazia aquilo para saber se eu assumia a minha responsabilidade. Aí, ele liberou eu fumar, porque eu tinha como pagar minhas despesas, meu consumo. Aí, ele liberou eu fumar. Eu fui e disse para ele: “Pai, você nunca me impeça de fumar, que eu nunca vou lhe pedir.” Quando foi em 1968, quando chegamos em Manaus, ali na Rua da Aparecida, em Manaus, ele veio me pedir um cigarro. Acho que ele deve ter conhecido o cigarro Gaivotinha, que tinha uma gaivota na carteira, e não tinha cortiça, não tinha nada. Aí ele chegou, pediu: “Tem cigarro, Manoel?” “Tenho!” Tirei a carteira do bolso, entreguei para ele. Aí ele: “Tem fósforo?” “Tenho!” Entreguei para ele. Aí ele acendeu o cigarro. “Pega.” “Quero não!” “Não, pega um cigarro.” “Quero não! Eu pedi para o senhor nunca me pedir um cigarro, que eu nunca ia pedir o do senhor. Eu acho feio pai e filho brigando por cigarro. E isso eu não quero, de maneira nenhuma.” Isso foi em 1968, tá! Até hoje não fumei mais. Eu tenho que manter meu coração, o meu capricho, se eu digo que eu não vou fazer aquilo ali, não tem quem faça eu fazer. Só ele, só nosso pai, mais ninguém. Então, eu tenho essa natureza desse jeito. Aí, cheguei me 1968, viemos. Meu pai...]
P/1 - Antes do meu nascimento?
R - Não a história do seu nascimento. Antes de 1968. Se você puder contar para a gente como foi? Você sabe sobre o dia do seu nascimento?
R – Em 1968?
P/1 - Não, 1949.
R - Eu nasci em 1949.
P/1 - Você sabe como foi o dia do seu nascimento?
R - Eu não sei muito bem não, mas a minha mãe me falou que eu nasci às cinco horas da manhã. Diz ela que eu nasci às cinco horas. E eu nasci como mulher.
P/1 - Como assim?
R - De barriga pra cima. A minha mãe disse que eu nasci de barriga pra cima. Porque o homem nasce emborcado e a mulher nasce de barriga pra cima. E mamãe disse que eu nasci de barriga pra cima, que nem uma mulher. Por que o homem nasce emborcado e a mulher nasce desembarcado, de peito para cima? Porque na hora do relacionamento o homem de barriga pra baixo, e a mulher de barriga pra cima. Relacionamento...
P/1 - Você estava contando do seu nascimento.
R - Pois é, eu nasci dia sete de janeiro de 1949. A minha mãe falou que eu nasci às cinco horas da manhã, só que ela disse que eu nasci de peito pra cima, como uma mulher. “Mas por quê?” “Eu não sei!” “Eu sou um homem, eu não sou mulher.” Mas você nasceu de peito pra cima.” Agora, a minha natureza, minha inteligência, criou da seguinte maneira, o homem nasce de barriga pra baixo, a mulher nasce de peito pra cima. Porque no acasalamento, é isso aqui, né! O homem, a mulher, pra poder acasalar. Porque nós não somos animais, nós somos seres humanos, somos outras coisas diferentes. Que o animal é por cima, a galinha, o galo, o porco, a vaca, o boi, o cavalo, tudo é por cima. E o ser humano é nessa maneira, né? Então, foi isso.
P/1 - E você tem irmãos?
R – Sim! Só tenho dois agora, os outros já morreram? Éramos seis.
P/1 - P- Que lembranças você tem deles?
R - Bom, a lembrança que eu tenho de meus irmãos, é que lá no seringal que eu nasci, o meu irmão mais velho morreu, morreu lá, de uma hidropisia, que deu barriga d'água nele, aí ele morreu da barriga d'água. Aí, era o mais velho. Aí, depois dele, era uma irmã minha também, que é o nome dela é Maria, e o apelido era Nó. Aí, chegou em Manaus, nós chegamos em Manaus, ela faleceu, aí eu fiquei como o mais velho dos irmãos. Aí ficou eu, o Zeca, ou Tonho e a Raimunda, quatro irmãos. Aí, já morreu dois, morreu a Nó, né! Aí, morreu o Zeca. Quer dizer, dois não, morreu o Zeca, ficou três. Eu, o Tom e a Raimunda, ficou só três irmãos. Aí, os dois moam pra li. Um mora lá vizinho da Marcilene. Tu viu a Marcilene? Não. Lá na sede do campo, do lado do campo, um casa do terreno bem limpo. Onde vocês subiram na escada, e lá que é a minha irmã, ela mora lá. E a minha vida. Foi essa.
P/1 – E os seus pais, quem são eles?
R - O nome do meu pai é Manoel Gomes Ferreira, era. A minha mãe era Maria Gomes Ferreira. Ela também morreu. O meu pai morreu de uma queda que ele levou bem aqui, ele já está velhinho, veio de lá, tinha uma borracha aqui, levou uma queda, quebrou o fêmur. Foi para o hospital, lá morreu. A minha mãe morreu de derrame, com três vezes, ela faleceu de derrame. Aí, ficou nós. Aí, ficou o terreno lá. Aquele terreno dali pra cá e meu, pra lá é herança dos meus pais, aí foi dividido para os filhos, a herança, tudinho. Aí, ficou assim. Aí, eu fiquei aí. Já fui presidente da comunidade duas vezes, fui vice presidente da comunidade, sou delegado do sindicato rurais. Eu tenho meus documentos aí, tenho carteira de produtor rural. E agora eu tenho a carteira do coco. Que eu falei ainda agora. Para vender produto onde quiser. Tirei a minha carteirinha agora.
P/1 - Seu Manoel, como você descreveria seus pais? O jeitinho deles?
R - Meus pais eram muito bons, eles não sabiam ler, mas eles eram muito bons, souberam ensinar a gente muito bem, sem defeito nenhum. E meu pai gostava demais de mim, todo negócio que ele fazia, pegava dinheiro, ele entregava pra mim tomar conta. A minha mãe gostava de todo filho, mas de quem ela mais gostava era de mim, porque eu era o mais apegado com ela. Quando a minha mãe ia me bater, o meu pai, eu não corria, pra pegar peia na palmatória, lambada, eu não corria. Eram doze bolos na mão, eles paravam de bater porque eu não chorava, só fazia assim: tá! Só fazia isso. Era doze bolos, seis em cada mão, eles paravam porque eu não chorava. Eu sinto feliz por isso, por eles terem me dando uma educação muito boa. E eu gosto de respeitar muito para poder ser respeitado também. Eu gosto demais mesmo. Então, eu agradeço muito meus pais, não é por eles terem morrido que eu vou dizer que eu agradeço eles não. Agradeço eles por terem me ensinado. Meu pai não me deixou aprender ler, mas eu dou graças a Deus por ele não ter deixado eu aprender ler, eu fico feliz por isso. Tu acredita que eu sou feliz mesmo não sabendo ler? Mas tu não sabe o motivo. Mas eu vou te falar. Que se eu souber ler... Já pelejaram para me ensinar. Eu não quis estudar, mas se eu souber ler, aprender a ler muito bem. Eu morro antes da hora. Eu morro antes da hora, porque a polícia vive mandando me matar, porque o meu nome está espalhado, meu foto está espalhada. Em toda a cidade, em todo canto, tem a minha foto. Eu todo tempo sou contra o governo e polícia, por causa dos erros que eles fazem contra a gente, e eu questiono muito. Vou começar a questionar e vão me matar nota. Como já aconteceu muito, já vi muitos numa situação dessas, morre do nada, de infarto, um acidente. Mas é mandado. Tem muito, nega! Muito, muito, numa situação dessas. Então, eu agradeço a Deus eu não ter aprendido ler, porque eu já fui ameaçado, pelo governo, prefeitura, já fui ameaçado, Já veio polícia, um monte de polícia aqui nessa mesa, tudo armado. E eu brigo contra eles, questiono contra eles, não tenho medo. Eu peço de Deus a proteção, para me proteger, mas já fui ameaçado, por causa das questões que eu fico muito brigando contra o governo. Porque eu acho triste, cara, nós não podemos botar um roçado, não pode queimar, porque o governo não deixa. Mas quando eu tiver uma reunião por aí a fora, eu vou brigar. Agora, eu me admiro, vocês não deixam porque o Amazonas, sete países do mundo são donos do Amazonas. Agora, por que Belo Horizonte, São Paulo, tufo lá fora tem direitos de fazer fazendas e nós não temos direito de plantar um roçadinho, plantar uma planta, porque a gente não pode queimar? Vocês dão um trator, o arado, a terra para nós? Vocês não dão, de maneira nenhuma. Eu ganhei... Ganhei, não! Comprei esse balde ali, está coberto com aquele saco, 50kg. Eu fui o terceiro grito da agricultura familiar, lá na UFAM. Aí, como eu questiono muito, questionei muito lá, aí o meu nome já espalhava por aí a fora, aí quando eu pensei um dia, o meu telefone tocou, que a Vivo funcionava aqui, aí eu atendi. “Queria falar com o seu Manoel.” “Sou eu mesmo,” “Seu Manoel, eu sou fulano...” Que eu até esqueci o nome do cara. “Aqui de São Paulo, eu tenho um adubo para o senhor adubar as suas plantas, planta bem as suas plantas tudinho.” “Mas eu não tenho dinheiro, não quero!” “Não, o senhor paga parcelado esse adubo.” R$700,00 esse balde. Sabe o que é isso? Calcário com a tintura dentro. Tá aí o balde, cheinho, tirei só um pouco, tá aí! Não usei mais. Que não deu certo. Gastei dinheiro. Depois veio o ouro verde, R$200,00 um baldinho de ouro verde. Tá ali o balde, tá para ali. Que veio de São Paulo pra cá, para mim, tudo isso. Tudo isso para te dizer uma coisa. Quando eu brigo por coisas, o meu nome espalha, o meu telefone espalha, o povo me conhece fora. Então, eu brigo demais com a justiça, governo e tudo. E a turma me conhece? “Vai, leva aquele cara ali para o final, pega a tampa para matar ele. Por isso que eu não quero aprender a escrever. Eu quero só o que eu sei, fazer o meu nome. Tem muita coisa, eu disse para a advogada outro dia. Eu posso falar?
P/1 - Pode!
R - Eu fui na SEMA, fui falar com a advogada. “Doutora...” Eu peguei um pacote de lenço de mão. “Da licença de eu pegar nesse livro?” “Pode pegar.” Peguei o livro. “Doutora, vocês advogadas, vocês pegam o livro de advocacia que vocês mesmo escreveram, pega o livro e vai ver onde é o caso que vocês vão defender aquela pessoa. Aí, tu acho onde tu vai defender aquela pessoa. Só que tu não defende aquela pessoa, tu condena ela, tu vai defender o outro, porque vai te apontar o dinheiro mais alto. Aí, o outro vai te dar o dinheiro mais alto, tu vai defender o que era pra perder, tu vai defender, e o outro vai perder.” “Isso é verdade.” Aí, eu disse: “O médico... “Nós somos um livro!” Peguei um livro, disse pra ela: “Nós somos um livro, a nossa carne é um livro. Tu corta, abre um corpo humano, abre a carne dele igual um livro, as páginas, igual um livro. E dentro dessa camada tem uma doença que raixo X nenhum descobre a doença. O médico faz um raio-X, Olha lá no sol. “Ah, rapaz, tem só um probleminha aqui, não é nada não, é pouca coisa, toma um remédio.” Mentira! Tá dando remédio pra purificar o teu corpo mais na frente, noutro canto, depois. Porque nem todo médico estudou o corpo humano, é comprado o diploma deles, e comprado a maioria. E outra, aí eu vou falar contigo, eu posso?
P/1 - Claro!
R - Bota tua mão aqui. A mão aqui. Aperta, aperta, aperta, aperta. Não, só uma. Aperta. Essa tabua tá doendo? Deixa tua mão, agora é eu. Doeu?
P/1 - Hurumm!
R - Por quê que doeu? Eu te pergunto. Pode tirar a mão. Porque a tábua não sentiu e tu sentiu. Por que? Eu te perguntou. Eu quero que tu me responda.
P/1 - Não sei!
R – Porque a tábua não sentiu, e você sentiu porque tem sangue nas sua veias, órgãos no teu corpo, teu sangue está circulando em todo parte do seu corpo, e tem órgão, qualquer parte que tocar no seu corpo você sente, porque tu tem sangue, e a madeira não tem sangue, não tem órgão, não tem nada. E como os alunos estão estudando em cima de um silicone, borracha, estão machucando um silicone para saber onde está doendo no silicone. Já briguei muito por causa disso. Onde um silicone sente? Se não tem órgão, não tem sangue, não tem nada. Dois anos atrás vieram cem, entre médicos e alunos de medicina, aqui nessa mesa, aqui nessa casa. Tem até uma camisa ali deles. Cem para falar comigo. Porque primeiro veio vinte, eu expliquei a situação, chamei atenção, da outra vez veio cem.
P/1 – O que você ensinou para eles?
R - Eu expliquei a situação disso aqui. Porque eles estudam em cima de um silicone que não sente nada? Como é que eles vão passar o remédio para o silicone tomar, se o silicone não sente nada? Aí, eu fui aqui nessa árvore, aqui, tirei umas folhas e vim trazer para ela, mostrar como é um corpo humano, nessa folha. Eu posso ir lá pegar uma?
P/1 - Claro!
R - Deixa eu passar do teu lado. Não, vou passar por aqui para não bater aí na máquina.
P/1 - Explica pra gente.
R - Eu vou mostrar. Não, estou atrapalhando não, né?
P/1 - Nada!
R - Mas para o negócio ser bem feito, tem que matar a cobra e mostrar o pau.
P/1 – Conta! Explica! Como que o corpo humano funciona.
R - Isso aqui é um corpo humano. Isso aqui é a coluna, o espinhaço, aqui está as costelas, de um lada e de outro. E aqui tem uma doença. Tá vendo a mancha? Tem essa, e tem aqui. A daqui está dentro do corpo, e está fora, essa daqui só está fora. Não está vendo? A não, só essa que está dentro e fora, a mancha está aqui embaixo. Bem aqui onde está o meu dedo, tem uma mancha. Mas aqui tem? Não tem! Porque a mancha, às vezes, está aberta por dentro, mas fora não aparece nada, e está dentro. E esse que é o problema. Deixa eu ver a outra. Onde é que está? Tá aqui! Tá na coluna. Quando a pessoa... “Minha coluna está doendo.” Porque ter um problema nela. Tá vendo? Não tá vendo?
P/1 - Agora sim!
R - Tá vendo? Um problema que dá na coluna tu sente... Vou pegar mais uma. Tá vendo? Tem um furo, varou. Uma balada que o cara deu numa pessoa, varou de um lado para o outro. Não foi no meio, foi do lado. Tá aí! Está entendendo como que é as coisas, nega? Bem aqui tem uma, entre uma costela e outra. Essa não prejudica tanto porque não atinge o osso, só a carne. E a nossa carne é meia morta, um pouco, só é mais coisada onde tem osso. A tua coluna está toda esculhambada. Um monte de mancha na coluna, emenda na costela. E aquilo foi uma bala raspão. Deu pra entender?
P/1 - Deu.
R - Por isso que vem esses cem, entre médicos e estudantes de medicina. Vieram aqui na minha casa. Márcio sabe muito bem. Eram cem, dia sete de setembro do ano retrasado.
P/1 – Como você aprendeu isso?
R - Aqui dentro, determinado por Deus. Porque nós temos que ter miolos e cabeça, não só para cabelo. Nós temos que ter cabeça pra inteligência. Eu observei as coisas como é que é. Eu não tomo remédio de médico. Tô tomando agora devido a diabete, que eu estou tomando. Mas eu tomo remédio do mato também. Outro dia até disse que eu não ia tomar remédio do médico mais não, porque prejudica o corpo da gente, esse remédio. A doutora: “Não Seu Manoel, o senhor tem que tomar, não sei o que... Pode a diabete lhe pegar de surpresa, o senhor morrer de infarto, não sei o que...” “Tá bom, eu vou tomar.” Mas eu tomo meu remédio do mato. Eu amputei a perna, partiram aqui. Eu vou te mostrar até onde ela findou. Aqui ó. Eu tinha diabete, com trinta dias estava sarado aqui e aqui, sem nada. Cinco anos já fez, agora no dia seis de novembro, cinco anos que fui operado, nunca senti uma dor. E com trinta dias estava tudo saradinho, perfeito.
P/1 - Como você curou?
R – Meus remédios do mato.
P/1 - Quais foram eles? Conta pra gente!
R - Tem um aqui. O médico me deu remédio, na hora que eu cheguei em casa, eu rasguei a receita dele todinha. Porque o médico quer que nós compre o remédio da farmácia, ela passa pra ti comprar, porque ele ganha uma porcentagem do remédio que é vendido na farmácia. E eles não gostam que ninguém toma remédio do mato, pra poder comprar o que ele ganha porcentagem. E comigo ele se ferra. Mas eu não tomei, eu rasguei e joguei fora. Eu tomei remédio do mato. Não sinto nada, Graças a Deus! Tive câncer, acabou, não sinto nada. Eu tomo meu remédio contra o câncer, eu mandei até uma garrafada para São Paulo. Ninguém sabe se o rapaz tomou ou não, porque eu perguntei do tio dele, agora, quando ele veio esse ano. Ele disse: Manoel, eu entreguei para a mãe dele. Eu não sei se ele tomou.” “E como é que ele está?” “Ele está bem melhor.” Mas eu não sei se ele tomou ou não.
P/1 - Quais são os remédios do mato que você costuma tomar? A gente não sabe nada. Conta pra gente?
R - Olha, eu vou te contar o do câncer, tá? .... Tu conhece o que é cupim? Tá vendo aquela coisa presa em cima daquele pau ali? Ali é um cupim, está cheio de cupim lá dentro. Aqui pelo mato tem muito. Tem um cupim que é mais mole de que outro. O outro é duro, a casa é dura, outros é mais mole. Tu tira um pedaço daquela casa do cupim... Porque é assim, olha: Vamos supor, isso aqui é uma casa de cupim. Tu passa ali, é uma casa de cupim, tu pega o teu terçado, tu corta. Aqui na casa do cupim, ficou cortando. Tu vai uma hora pra dentro do mato, quando tu voltar, essa casa de cupim está inteirinha de novo. Tá inteirinha, saradinha, não tem nada aberto. Então, o remédio para o câncer, o cupim, a carne do cupim. Tu tira com formiga é tudo, e cozinha, faz o chá e bebe. Que nem água, não tem gosto ruim de nada. Só que médico nenhum, ninguém pode saber. Não pode de jeito nenhum.
P/1 – Por que?
R - O cara que estava junto com a minha ex-mulher aí, mora bem aí, aqui perto. A mulher dele tinha câncer, operou de todo jeito do câncer. Aí, eu disse pra ele: “Raimundo, porque tu não dá o chá do cupim para ela beber, que é bom. Agora dói! Quando ela beber, vai doer, porque vai mexer com a doença. Tá! Vai mexer com a doença. Mas diz para ela não parar, pra ela continuar.” Aí, ele levou para Manaus, deu pra ela beber, ela não queria beber, ele mandou ela beber, ela bebeu. Quando ela bebeu, aí doeu pra caramba, ela dizia que não queria beber mais, não ia beber mais não. Eu disse: “Beba! Pode beber.” A mulher já estava trabalhando, fazendo comida, tudinho, cara, até trabalhando com serrote. Aí, foi para o médico examinar, fazer um exame. Aí, quando chegou lá, o médico: “A senhora está tão bonita, corada, tá boazinha. O que a senhora está tomando?” “Ela está tomando um remédio caseiro.” Aí, o médico disse: “Agora a senhora não vai tomar nem caseiro, nem do médico, não vai tomar mais.” Com 15 dias a mulher morreu. A mulher estava ficando boazinha, tomando remédio. A mesma coisa o sobrinho do rapaz lá de São Paulo também. Eu não sei! Ouvi dizer que estava bem melhor. Agora não sei se ele tomou. A mãe dele, do rapaz, nunca falou para o irmão, se eu tomo ou não tomo. Que eles moram separados cuide. Não sei, mas disse que ele está bem melhor. Eu tomei. Eu tomei, foi uma senhora, uma índia, que me ensinou. Eu estava fazendo uma dieta nessa perna, durante quatro meses, tomando só fruta e verdura crua, nada cozido, nada passado pelo fogo, só cru. Frutas e verduras. Eu tomei água de mais de 200 cocos, foi o que me alimentava, aquela água do coco, que era para combater a doença, que era para a doença descer, que estava subindo na perna. Com três meses, aí a médica mandou suspender. Podia comer uma coisa. Eu pedi: Márcio, pega peixe para minha, Márcio. Aí, ele foi lá, pegou uns peixes, eu assei na brasa, comi. Aí, da alegria. De 65 quilos, eu fiquei com 54, comendo só assim. Aí, voltou o corpo, depois voltou. Quando eu fui comprar o coco na feira, eu fui e falei. A senhora disse: “Olha, faça chá da casa do cupim para o senhor tomar. O senhor vai ficar bom. Porque eu tinha, meu ceio ia ser operada, já estava marcado o dia da cirurgia do meu seio. Outra índia me ensinou, eu tomei. Acabou o mal do meu seio, não precisou nem operar nem nada, meu seio está aí perfeitinho.” Aí, eu estava lá em Manaus, na casa do meu filho. Eu cheguei lá, disse: ”Marcelo, vamos embora atrás de cupim.” Aí, fomos atrás de cupim, ele se trepou numa mangueira lá, tirou o cupim, fez o chá, eu botei para tomar. Hoje eu tenho ali na geladeira. Essa noite mesmo eu já tomei uma golada. Aqui, acolá, eu tomo. Tomo o chá do mato também, está ali na geladeira.
P/1 – O senhor não toma todos os dias, é quando você sente que tem que tomar?
R - Não, não sinto nada. Eu tomo na hora que... Porque eu não sinto nada no meu corpo, graças ao meu bom Deus, eu não sinto nada. Só o calo. Hoje não, hoje está até bem, que eu forrei bem, ajeitei bem ele, aí está até bem, graças a Deus! Mas ontem estava doendo pra caramba. De eu está andando pra lá e para cá, pra lá e pra cá. Fui lá para acolá, umas duas, quatro vezes, voltei, e já estava doendo. Hoje de manhã, eu ajeitei, e graças a Deus, agora está perfeito, dá pra mim pegar a roçadeira e ir lá... E roçar. Pois é, nêga, a minha vida é essa, moro aqui, e eu com essa pena mesmo, subo em cima das casas, eu trabalho, eu armo casa______ para mim não tem. A única coisa que eu não posso fazer é trabalhar de cócoras, porque a perna não deixa eu me acocar. E nem tirar açaí. Não dá mais para eu tirar açaí.
P/1 – Por que?
R – Por causa disso daqui do açaí, porque faz isso aqui no açaí, abraçar o açaí com a perna. Aí não dá, porque esse lado eu não sinto, e nesse daqui tem o sapato. Talvez, se eu tirar o sapato, deixar só o pezinho, talvez eu suba. Mas ainda não tentei desse jeito. Mas antes, com o meu pé podre mesmo, eu ia, enrolava bem enrolado, eu subia no açaí e ia embora. Eu não subo hoje, porque não dá para subir.
P/1 - Seu Manoel, vamos voltar para sua infância. Você cresceu, até os nove anos...
R - No Monte Cristo.
P/1 - E como que era lá? Como era sua casa?
R - Lá no meio do mato, pra lá no meio do mato, lá. Aí, eu não trabalhava ainda, que era novinho, né! Aí, meu pai cortava seringa, aí ele ia pro barracão, levar borracha, para fazer as contas. Aí, no barracão tinha um tendal, do senhor João Soares, um monte de pirarucu seco, no sol secando. Aí, eu ia lá, enchia o bolso de farinha, aí ia lá para o tendal de Pirarucu, rasgava um pedacinho de pirarucu, e ficava comendo pirarucu, lá escondido, comendo pirarucu e farinha. E meu pai lá dentro da loja, da taberna, e eu lá no tendal, só comendo o pirarucu com farinha. Sempre foi assim.
P/1 - E vocês tinham tempo pra brincar?
R - Naquela minha época, não tinha, o trabalho era só na roça, somente na roça, brincava, tudinho, não tinha problema nenhum. Agora, quando era na hora da farinha, eu deste tamanhinho, assim, a minha mãe fez um pandeirinho, pequenininho, botava na corda, botava mandioca dentro, e eu vinha embora. Aquele cotoquinho carregando mandioca. Quando eu tinha dois anos, ela lavava roupa no Igarapé, um pau caído lá em cima. Aí, eu ia lá por cima do pau, onde ela estava lavando roupa, ia tipo caranguejo, andando de banda, até chegar onde ela estava, miudinho. E a minha comida, meu mingau, era caldo de cana com carueira.
P/1 - Como que é?
R – Carueira não sabe o que é não, né? Seva a mandioca, tu peneira a mandioca, aí fica uns pedaço da casca, que não passa na peneira. Chama crueira. Aí, aquela crueira a gente torra, seca bem sequinha, moi no moinho, aí faz massa, para comer bolinho, para comer mingau. A comida que minha mãe fazia comigo. E o açúcar era caldo de cana, por isso que eu não esqueço de cana, tem até uma engenhoca ali.
P/1 – Cana faz parte da infância.
R - Ano passado, ainda fiz dois litros e meio de mel. Ainda, com essa engenhoca.
P/1 - O que mais que ela cozinhava para vocês?
R – Bolo, o que ela fazia para nós era isso, o mingau era isso, mingau de farinha. Fora disso era o peixe, a carne. Desde nove meses de nascido a gente comia. Nove meses de nascido. “Pega um jaraqui, vai comer!” Jogava no pé, passava na cabeça, mas comia, não se engasgava. Aí, o pessoal diz assim: “Mas tu é muito mal Manuel, fazendo o menino comer o peixe.” Não, eu estou ensinando ele, não é todo tempo que ele poder ter pai e mãe. De repente, pai e mãe morre, e ele fica sozinho, como é que ele vai comer? Não sabe tirar uma espinha de um peixe, quem é que vai dar comida para ele? Então, não estou maltratando, estou ensinando. E é assim, nega! São oito, é 4 homens, e 4 mulheres, Diz ela que tudo é meu, eu não sei, diz ela.
P/1 – E você aprendeu tudo isso na sua casa, aí você repassou para os seus filhos?
R – Tudo isso! O Márcio, era novinho, pequenininho, eu levava pro mato. Eu matei um animalzinho andando de canoa, e mantei um animalzinho chamado Cutiara, deste tamanhozinho, na beira do igarapé. Aí, atirei no bichinho. “Márcio vai buscar!” Aí ele saiu da canoa e foi lá para a terra buscar. Toda vez que eu passava lá, ele dizia: “Pai, foi aqui, não foi? Que você matou a cutiara.” Bem pequenininho ele. Ele tinha dois anos, ele chutava a bola, um _____ de castanha, fazendo de bola. Aí, comecei a ensinar, andar com ele no mato, ensinando o trabalho que tem que fazer com o turista. Eu ensinava pra ele como é que era, como não era. Aí, ele começou a fazer o trabalho sozinho, eu levava, quando é hoje ele já faz sozinho, já explica bacaninha. Então, a Belotur não quer outro guia, se não for eu, e o Márcio, se não for o Márcio, tem que ser eu, não quer outra pessoa para levar para o mato para dar explicação, porque as explicações lá no mato, como faz.
P/1 – O que vocês explicam?
R - Tem uma árvore ali... Então, tem um ali, tem outra pra ali. Tem uma arvore ali, que tem quatro explicações nela, numa arvore, tem quatro explicações. Tem comida, tem medicina, tem calafeto, tem verniz.
P/1 - O que é calafeto?
R - Tem esse buraco, uma brecha. Aí, tu tampa o buraco aqui, calafetou, tampou o
buraco, não entra água. É o calafeto. O verniz, porque tu pega a massa dela, da madeira, tu pega, aí tu passa aqui como verniz. E a mesma coisa de um verniz. Com dez minutos, você não faz nada, ela seca, não larga mais. Aí, a comida, porque a fruta cai, tu come ela normal, tu faz doce, faz geleia da fruta. E a medicina, tu tá com diarreia, daqui que tu vai na farmácia comprar um remédio daqui, tu vai no mato, que é a nossa farmácia, o mato. Tu vai lá, tira, bota dentro da água, tu bebe, a diarreia se acaba.
P/1 – Que árvore é essa?
R - Goiaba de anta. Sabe o que é anta? Goiaba de anta. Porque quando a anta passa por lá, que tem muita fruta, a anta não deixa ninguém no chão, ela com tudo. Por isso que chama goiaba de anta. Aí, para mostrar para as pessoas, eu pego um pedaço, eu mando ela botar nos lábios. Aí, bota um pedacinho na boca e fica lá. Aí eu mando jogar fora. “Como é que ficou nós lábios de vocês?” “Grudou! Grudou nós lábios.” Aí, eu digo para eles: É para isso que o remédio serve. Porque quando tu bebe ele, o teu intestino vai travando. Aí, travou, a diarreia passou. Depois eu vou mostrar ali para vocês, a goiaba direito. E o outro, o nome dele tem três sílabas, aí tem o su, pra cá e o su, tá! A palavra não é feia, porque no abecedário tem ca, que, qui, co. O que é o resto? Cu. Pois é, tem o cu e tem o outro, para completar nome da árvore. O outro eu nem digo o que é. Agora diga o que é o outro. É sucu, e tem o nome do outro. É o nome de um país, para completo o nome da árvore. Adivinha?
P/1 - De um país?
R – É! Um país que é para completar o nome da árvore, que lá está a folha dela acolá. Vai falando o nome dos países que tu conhece.
P/1 - Peru?
R – Não! Vai falando. Se lutar muito e não conseguir, eu digo o que é.
P/1 - Dá uma dica.
R – É pra tu adivinhar. A pasta de vinho.
P/1 - Conta aí?
R - Cuba, rapaz! Sucuba. Sucuba é o nome da árvore. São três sílabas Su, cu, ba. A pessoa enrola de mais os alunos, se enrola de mais para adivinhar. Tem vez que alguns ainda adivinham, mas lutam muito para adivinhar. À vezes 30, 40 alunos dentro do mato para adivinhar colega, é dose.
P/1 – Tá! Posso voltar mais um pouquinho? Eu queria que você contasse pra gente como era cortar seringa? Essa época da vida.
R - Deixa eu ver se tá ali. Posso ir lá? Tá aqui não, tá lá dentro de casa. Eu posso ir lá? Eu posso ir lá dentro de casa? Esse aqui é a faca de cortar seringa. É isso aqui. Aí, tu chega na seringueira, aí tu vai cortando aqui, aí tu pega a tigela e bota aqui de baixo, pro leite escorrer por aqui, e ir para a tigela. Aí, é esse tipo de faca.
P/1 - Nunca tinha visto.
R – Não?
P/1 - Você que fez.
R – Hahan.
P/1 - Quantas horas de trabalho?
R - Vai depender do modelo que tu vai acostumar a seringueira. Se tu cortar de noite, tu sai uma da manhã pra cortar ela até às seis da manhã, pra fazer o rodeio, uma estrada. Ela é assim:... Eu vou fazer aqui em cima que é melhor, a câmera vai focar. Aí, tu vai aqui, tem o espigão. Igual aqui. Quando chega aqui, a estrada vem pra cá. Faz isso aqui. E vem chegar aqui de novo. Aqui chama espigão, e aqui e a volta, aqui é o feicho. Aí, a gente vai, corta tudinho, aí depois que termina, tu passa meia hora parado aqui, esperando o leite escorrer. Aí, tu pega o balde, um balde assim, e pega cinco litros, seis litros. Aí, tu vai pegando o leite, bota no balde, escora aqui na barriga, o balde. Aí, despeja aqui, pega o dedão aqui, aí vapo, vapo dentro da tigela, passa da boca do balde, limpa o dedo, e vai embora. Toda vez, é 100, 150, 170, madeiras que tu tem que fazer isso num dia. O dia todinho fazendo isso. Eu lá no Juruá, que nem eu contei na primeira. Eu saía 1h00 da manhã, andava nove quilômetros em terra, na estrada, chegava 20h em casa, de volta. Todo tempo. Todo dia, todo dia, todo dia, todo dia. Fazia isso.
P/1 - Seu pai ia junto?
R – Ia eu e o meu pai. Aqui, quando chegamos aqui, ainda fomos cortar também, mas a seringa daqui não presta, não dá liga, não qualha. A gente bota no defumador para defumar, aí ela derrete todinha, não qualha. Aí, eu sei fazer sapato de seringa, aí eu sei fazer bolsa, saco, saco grande pra botar as coisa dentro. Pode encher de roupa dentro, amarrar ele, aí joga dentro da água, vai embora, que não molha de jeito nenhum. Tudo aprendi com o meu pai. Eu sei fazer tudo.
P/1 - Ele te ensinava falando, ou...
R - Não, nós fazendo. Fazendo, preparando. A minha mãe fazia o modelo do saco, com fundo redondo, a gente pegava uma vara, partia uma vara em quatro, aí botava uma roda de cipó conforme a grossura do fundo do saco, botava uma roda de cipó em cima, ficava bem redondinho, aí metia lá dentro do saco, aquela rola de cipó. Aí, eu botava uma vara aqui do lado, aí puxava bem, apertava bem, estendia, aí ficava aquele sacão lá. A gente pegava o leite da seringa, uma pena de galinha, pegava o leite da seringa e passava naquele saco tudinho. Aí, botava no sol. Quando enxugava de novo, a gente passava, três, quatro mãos. Aí, você podia encher de roupa e jogar dentro da água que não entrava um pingo d'água. Aí, a liga, pegava um talo de mamão, cortava o talo de mamão, a ponta, aí enchia de leite de seringa dentro do talo do mamão. Quando passava de um dia para o outro, tu quebrava o talão de mamão, ficava a liga. Eu fiz isso aqui, porque eu queria fazer a casa de um defumador ali, para mostrar para os alunos. Mas aí, eu com essa perna, rapaz, para está carregando madeira lá para cuidar, e eu fiz só o______. Até quebrou um pouco, partiu. Eu fiz o buião para quebrar, para jogar para dentro, para queimar, para a fumaça sair. Mas eu tenho que cobrir, fazer uma casinha em cima para não molhar. Tá lá no marceneiro. Eu fiz que era para mostrar para os alunos, pra ficar aí. Porque tem aqui, porque Tarumã, tem um tal de seringal, que tem o forno, as coisas de seringueiro lá escolha de seringueiro lá, mas normalmente, eu queria fazer normal, porque eu queria fazer borracha para terapia. É umas bolinhas desse tamanho, para fazer terapia, fazer na mão, aqui.
P/1 - Nas articulações.
R - Aqui, aqui. Levou três tapas no pé do ouvido, e perguntava: “Quem está me batendo, quem é, quem é? Cadê? Eu quero te pegar.” Não aparecia nada, de jeito nenhum. Não tinha ninguém. Só sentiu foi os três tapas no pé do ouvido, e foi três quedas, diz ele. Aí, botamos apelido nele de Pedro Cão, do cara. Aí, quando chegou em casa deu febre, deu frio, deu dor de cabeça, deu tudo nele, nessa pisa que ele pegou lá no mato. Aí, ficou assim, meio desorientado da cabeça por causa disso. Porque era invisível, era um espírito invisível. Ela não gosta de cachorro, porque o cachorro espanta muitos animais, latindo, barulho, muito barulho. Lá no Juruá ela corria, o cachorro corria atrás de calango, o cachorro entrava debaixo da perna do dono e ela dando no cachorro. O dono só escutava era as lapadas no cachorro, e o cachorro gritando, e a peia comendo. Porque eles só viviam cavando calangozinho no buraco, e arrancava o calango. E lá no Juruá eles davam muito no cachorro, e aqui do mesmo jeito. Um dia, só pra ti ter uma ideia, que eu digo que eu falo com ela, né? Eu chamei meu filho. “Bora lá na cabeceira. Eu vou para o Buriti caçar uma anta, e vocês ficam pescando de noite. Aí, eu fui para Manaus, comprei uma vela verde, aí comprei uma onça de tabaco, aí comprei cachaça. Quando cheguei em casa. “Sai daí café!” Aí, fui lá, fiz o cigarro, chamei meus meninos. “Bora lá para dentro caçar.” Aí, foi eu e meu dois filho pra lá. Aí, quando chegamos lá, ajudei eles ajeitar os anzóis, as malhadeiras, tudinho, ajeitei a canoa, as redes deles. Digo: Agora eu vou lá para o Buriti, espera a anta. Aí, levei a cachaça, o cigarro e a vela. Fui embora. Cheguei lá no meio do mato, tinha uma árvores grande, aí eu me acoquei. Disse: “Olha, eu vim para matar uma anta. Eu trouxe o que tu gosta, eu trouxe a cachaça, o cigarro, a vela para alumiar, para tu ver onde é que está as coisas. Eu vou deixar aqui, agora, se eu chegar, passar a noite, e eu não matar nada, eu sei o que eu vou fazer contigo. Tá bom? Eu vou deixar aqui.” Aí, conversei, conversei, aí acendi a vela, ai peguei o cigarro, enchi o copo de cachaça e botei o cigarro em cima do copo de cachaça, e fui embora pro mato. Quando foi 20h00, a Anta entrou e eu pei, matei a anta. Aí, peguei as coisas, joguei nas costas, andei uma hora no mato, de noite, chegar lá onde estava os meus filhos. “Eu matei a anta.” “O que?” “Matei a ante.” Aí, fomos tirar peixe dos anzóis, da malhadeira, quando foi uma hora a gente estava comendo assado lá no meio do mato. De manhã, vamos lá buscar a anta, abrimos, esquartejamos, fomos carregando de pedaço em pedaço, nós três. Mas trouxemos a anta. Aí, quando eu cheguei, não tinha cigarro e nem tinha cachaça. Os meus filhos não foram, porque eles não sabiam onde era que eu estava. E quem quem usou? Porque quando tu chega aqui, que é uma pessoa que só vive fumando. “Fulano é igual Curupira pra gostar de fumar.” Porque ela gosta muito de tabaco, e gosta de beber. Aí, a gente conhece, a gente faz negócio com ela. Nega, esses anos todinhos correndo no mato, nunca um inseto tocou num turista que anda comigo, nem comigo. Quando eu entro na mata, eu peço permissão para ir e voltar. Já pisei com esses dois pés, pisei em cima de muita cobra, andando no meio do mato, do mato mesmo, descalço, eu não ando calçado, a cobra enrolada e eu pisar em cima e sentir ela lá. Eu vou embora e deixo ela. Quando ela está esticada que ela me vê, ela corre. Não me ataca, nunca, nunca, graças a Deus, bicho nenhum nunca me atacou. Esses anos todinhos com turismo, nunca um bicho atacou turista. Que tem cobra no mato e tem braba, tem cobra de morder e matar na hora, mas nunca aconteceu, nem nada. Tem umas que chama cipó, cobra cipó, a gente anda com ela na barriga. A gente vai andando no meio do mato, sem camisa, sem nada, quando pensa que não a gente vai carregando ela na barriga, a gente pega, tira ela, e joga fora. Deus, eu sou muito feliz, nessa parte. Nega, porque eu sou muito bem protegido por Deus. Eu estou muito feliz, vivo muito. Eu quero ser mais feliz ainda, depois que eu conseguir uma esposa para morar comigo, aí eu vou ser mais feliz, porque é muito ruim a gente acordar de manhã cedo, sentar ali na mesa, fazer o café, olha para um lado e para outro, não ter ninguém com quem conversar. A alegria e a televisão. Não tem luz, com quem? Ontem de tarde eu queria trabalhar aqui, furar uma peça, um parafuso que quebrou do motor. Não tinha luz, como vou furar? Aí, passei a tarde deitado aqui no banco, com a máquina segurando aqui, aí de vez em quando eu apertava para ver se a energia chegou, nada. Aí, 17h eu fui embora lá para dentro da casa, não tem o que fazer mesmo. Mas é assim. Mas eu estou feliz, estou feliz. E mais feliz eu fiquei quando eu soube da notícia que tinha uma pessoa que eu nunca tinha visto na minha vida, que queria falar comigo. Eu digo: É, por isso que é bom a gente fazer um bom trabalho, o conhecimento da gente e andar feliz por aí, para as pessoas conhecerem a gente. Mas se eu não trabalhasse bonito, ótimo, bom, que as pessoa gostasse. Nunca ia aparecer uma pessoa que queria me conhecer sem nunca ter me visto. “Mas como Márcio, tem uma pessoa desconhecida?” “Não, foi o fulano que conversou com ela, e deu a informação pra ela.” Tá bom, vamos esperar. Eu já fui convidado para ir em São Paulo, pelo Israel, o dono da agência Ambiental de Turismo. Mas ele queria que eu fosse lá com ele para encerrar um Jatobá, que tinha caído no terreno dele, no sítio dele, um jatobá caiu, aí ele queria que eu fosse lá para serrar pra ele, porque ele via eu serrando aqui, eu serro, né. “Manoel, procurar um meio de te buscar aqui, para você ir lá serrar pra mim. Nunca deu certo dele vim me buscar, e nem mandar a passagem para eu ir lá com ele. Quando ele chega: “E aí, Israel, não deu em nada?” “Deu não, Manoel, não deu certo, Manoel, de jeito nenhum.” “Tá bom, não tem problema não.”
P/1 - Mas agora você vai. Compramos sua passagem.
R - Eu não comprei passagem.
P/1 - A gente trouxe.
R – A é? Parabéns! Que Deus abençoe vocês tudinho. Agora, me diz uma coisa? Por que tu quer que eu vá lá de São Paulo?
P/1 - A gente vai fazer uma roda de histórias com outros, a gente chama de mateiros, pessoas que tem conhecimento. E vai um pessoal do Acre também.
R – Ah, vai um pessoal do Acre.
P/1 - A gente vai conversar lá, todo mundo.
R – Não, é bom!
P/1 - É bom?
R – Não é mal não, porque eu sinto feliz. Eu digo, eu fico feliz quando a gente se encontra uns grupos que não se conhece, que a gente vai dividir a história de um para o outro. Fica muito bonito, fica muito feliz isso. A gente dividir, eu te conhecer, e tu me conhecer.
P/1 - E compartilhar os conhecimentos.
R - Eu também fui convidado para ir para o Uatumã, Rio Uatumã, pela CEMA, pra conversar com o pessoal lá devido o meu trabalho aqui, que eu faço com turismo, eu levo para o mato, tal, eu faço o acampamento, para eles lá, não tinha o conhecimento. Eu fui lá para conversar com eles, para dar explicação, o conhecimento como é que é. Aí, é fácil tu saber a hora no sol, se tu ter relógio? Não é, de jeito nenhum. E a gente ensina, gente faz isso, é só uma comparação, tá? O sol nasce daqui, tá! Ele se põe aqui, nascente e poente, 06h00, 18h00, olha só, 07h00, 08h00, 09h00, 10h00, 11h00, meio dia. 13h00, 14h00, 15h00, 16h00, 17h00 e 18h00. A gente mede esse espaço? Tu olha o sol quando tem o sol, não precisa tu medir o espaço aqui, tu olha a altura que ele tá, que tu vai saber que horas são, sem precisar de relógio. Eu gosto de ensinar, mostrar para as pessoas, como é que é, porque tu tá no meio do mato, não tem relógio, tá perdido, não sabe como tu sair, aí tu vai olhar para o sol, aí outra, o sol tá meio dia, o sol tá em cima, aí tu não sabe para onde o sol vai. Aqui tu não sabe onde está a nascente, poente, norte, sul, aqui tu não sabe para onde o sol vai. Tu não sabe se ele vai para cá, ou se ele vai para cá, ou se vem para cá, tu não sabe, é meio dia. Aí, tu pega uma vara, tu enfia na terra a vara, aí repara para onde a sombra vai cair, o sol vai se mudar e a sombra vai virar. Ai, tu vai saber onde estar o poente e o nascente, com essa vara. É uma comunicação que tu tem, pensar assim. Então, sei lá, se foi Deus que me deu essas coisas, sei lá, eu não sei. Sei que eu estou feliz e vivo feliz.
P/1 – Seu Manoel, por que você veio para cá, para essa comunidade?
R - Outra história. O meu pai, quando era solteiro, novo, conheceu... Desse seringal que eu nasci, em Monte Cristo. Meu pai conhecia muito bem as famílias, né! A dona do seringal, os irmãos, o pai, filhos, tudo. Aí, um dos filhos foi embora pra Belém, do seringal, foi embora pra Belém, aí se formou pra lá, casou pra lá, meu pai também casou lá, tudinho. Aí, com um belo tempo, um cara veio lá Cariri e conheceu meu pai de novo, aí lutou com meu pai para vir morar pra cá. “Mas rapaz, não...” Aí, naquele tempo tinha avião da FAB. Aí, o cara veio e trouxe o papai para conhecer um terreno aqui na outra comunidade, aqui em baixo. Aí vieram. Aí, o meu papai chegou aqui e passou um rádio pelo difusor, pela Rio Mar. “Maria...” Que é para a minha mãe. “Maria, ajeita as coisas lá, vamos fazer farinha, que nós vamos embora.” Aí, nós passamos um mês fazendo farinha, direto, fazendo farinha. Aí, meu pai vendeu o terreno lá, as coisas lá para o irmão dele, tudinho. Aí, pulamos dentro de duas canoas, uma nos botamos rabeta, enchemos a canoa, e fomos embora. Com um dia de viagem, deu um temporal de chuva, o motor foi pro fundo, o rabetinho foi pro fundo, aí não funcionou mais. Aí, ficamos a roga, remando. Aí, ia passando um motorzinho que o meu pai conhecia, aí chamou ele, ele pegou e rebocou nós até uma cidadezinha chamada Tamaniqua, no Solimões. Aí, deixou nós lá. Aí, tinha outro patrão, que era o patrão do meu pai, que a gente vendia as coisas pra ele, a borracha, para ele, todinha, comprar mercadoria dele, tava lá. Ele falou: “Funciona?” O nome do cara era Funciona. “Funciona, me da um reboque até Manaus.” “Vamos Minel.” O nome do meu pai me Manoel, mas o apelido é Minel. “Vamos Minel, mas vamos esperar o outro barco chegar, que está vindo o outro barco com a borracha, quando chegar aqui nos encanga e vamo embora!” Aí, quando o outro barco chegou, ele disse: “Agora vamos embora!” Amarramos tudo junto e fomos embora para Manaus. Nós chegamos no dia 26 de agosto, em Manaus. Dia 26 de agosto, em Manaus, de 1968.
P/1 – Você, seu pai...
R - A minha irmã casada, meu cunhado, todo mundo, nós viemos em dois batelão. Aí cheguei em Manaus aí, opa! Isso deu uma coceira. Eu fui acordado, mas tá bom, já tá normal. Aí o cara pega a mulher embora pra ir, né? Ah, morreu uma sobrinha minha aí, bem novinho, dia intercambiável.
01:12:33:15 - 01:13:08:20
R - Aí o cara mandou no evento, por exemplo. Aí o cara deu o motor para nós, aí veio pra ir. Aí, chegamos em Manaus... Viemos embora pra aí. Aí, morreu uma sobrinha minha, bem novinha, aí enterramos. O cara mandou a gente vim para aí, deu outro motor para nós, aí viemos para aí. Chegamos aí, fomos morar lá na casa do cara, que nós viemos. Aí, ninguém sabia fazer carvão. Aí, tinha um vizinho lá, botou nós para ensinar fazer carvão. Nós fizemos carvão. Aí, quando chegou...
P/1 - Carvão?
R – Carvão. Aí, o meu cunhado foi fazer visita de cova, da filhinha dele que morreu em Manaus, aí foi lá na casa do cara, aí o cara disse: “Olha, Chico, diz para o Minel, quando ele vender o carvão, ele pegar o dinheiro, me dá, que aí eu dou uma parte pra ele.” Aí, meu pai ficou brabo. Aí, mandou botar o motor na canoa e tacamos para Manaus. Chegou em Manaus, aí teimaram os dois, foram brigar. Aí, teimaram, teimaram, meu pai pegou o que era dele, aí viemos morar bem na boca do igarapé, ai o velho que era funileiro, fazia negócio de funil de lata, lamparina, poronga, balde, tudo de lata. Aí, o velho foi bater no meu sobrinho, e o meu pai não gostou. Ficou brabo, porque o velho foi bater no meu sobrinho, era pequeno o meu sobrinho. Aí, disseram que tinha uma velha pra cá, que tinha um terreno para vender. Aí, o papai veio para cá, e lá onde a Marcilene está, ali o terreno, o papai comprou por trezentos cruzeiros, aí viemos embora para aí de novo, esse tempo todinho. Aí, tirei esse terreno aqui pra mim, tudinho, no Incra, tudinho. Aí, lá o cara do Incra veio me tirar pra fora, porque dizia que aqui era titulado, eu tinha que sair da área. E eu já tinha título de ocupação, documento de ocupação. Aí, eu fui, tinha um pessoal de São Paulo, que fez amizade comigo, que era o diretor da Transatlântica, de avião, da Transbrasil, era o diretor, todo ano, em setembro, outubro, eles vinham fazer pescaria, e eu ia também com a Agência Amazonense. Aí, pegaram conhecimento comigo. Aí, eu falando para eles: “Então, mano, a gente vai coisar.” Aí, pagaram advogado dois anos. Fui para o advogado e ainda remei de remo, daqui para Manaus, saí daqui dez horas, cheguei seis horar em Manaus, de remo, tá? bom. Aí. fui para a questão tudinho. Fui para juiz, fui para todo canto. Eu sei que aí eu consegui. O cara pagou tudo para mim, até tirar o título em cima de título, e usucapião, aqui, porque esse documento tinha 90 anos, na época, e o INCA queria que eu saísse. Por isso que foi tirado do usucapião. Titulo em cima de titulo, são 20 hectares esse terreno. Mas tem o outro terreno lá dentro, que tem 16 hectares, que é documentado também. E aí, as brigas são essas rapaz, todo tempo brigando comigo, eu brigando com a turma, eu não para mesmo. Não posso parar, né! De jeito nenhum não posso parar. Enquanto vida eu tiver e o governo justiça não se ajeitar, eu brigo, continuo brigando. Essa perninha foi R$5.000,00, malfeita que só o diabo, mas estou andando bem. Foi emprestado de um agiota, cinco mil. Porque eu sou aposentado, mas meu salário só sai R$770,00, porque no passado eu fiz um empréstimo, é descontado até 2030. Aí, o cara, o meu filho trabalha na LG, ele disse: “Pai tem um agiota que ele disse que empresta dinheiro.” Então, fala com ele. Aí, o meu filho falou com ele, perguntou: Quanto dá para ele pagar por mês? Eu digo: Até R$500,00 eu dou. É o jeito, eu quero a perna. Aí, uns ajudavam um pouquinho dali, outros ajudavam um pouquinho dali. Aí, eu liguei para ele. “Então, Seu Manoel, e 10 meses para pagar os R$5.000,00, o senhor não vai pagar um centavo de juros.” O agiota não cobrou um centavo de juros. Antes dos dez meses eu paguei ele. Até gente de São Paulo me ajudou, com pouca coisa, mas ajudou, para inteirar os R$ 5.000,00 para pagar o agiota.
P/1 - Comunidade.
R - União. No sindicato nós tínhamos uma música, só não sei mais o resto, só sei de um pé. A união faz a força, né? Porque sem a união não tem nada, nada prospera. E aí, foi feita a união. A união faz a força.
P/1 - E você chegou aqui não conhecia nada?
R – Nada, nada.
P/1 - E tinham quantas pessoas?
R – Ah, moravam duas famílias, onde minha ex mulher mora com o cara. Morava uma do outro lado do igarapé, que é a Cota. É quem mais? Espera aí. Ninguém não. Morava lá na ilha o outro.
P/1 - Só!
R – Só! Não tinha ninguém não. Não tinha ninguém não. Aí, depois que nós chegamos para cá, aí depois de dois anos chegou uma família lá aonde é a comunidade agora, no colégio, né! Depois de dois anos. Aí, foi chegando alguns, foi chegando, os filhos foram casando, foram fazendo casa, foram fazendo. Diz que hoje tem 120, 115 famílias aqui.
P/1 - Você viu tudo isso?
R - Já fui mandante. Eu já enfrentei tanta coisa, até faca já enfrentei. Na festa no meu cuncunhado, na minha cunhada, o cara queria furar o outro, eu tomei a faca dele, quebrei a faca dele. Tinha outro que queria furar o outro rapaz, aí disseram que ele estava armado, eu fui procurar na cintura, não achei, aí que eu meti a mão aqui na braguilha dele, tinha uma chave de fenda deste tamanho atravessada aqui na braguilha dele, eu tomei dele também. Aí, teve outro que queria brigar também lá, lá nessa casa do meu concunhado, brigar também, de outra vez, aí eu cheguei e chamei ele. “Chico, tira a faca e vai embora.” “Tá bom Manoel, eu só vou dar que é para ti, para outro eu não dou.” “Amanhã eu te dou. Você vai pra casa, vai dormir, amanhã eu te dou.” Aí, ele foi embora para casa dele, quando foi de manhã ele foi lá, eu entreguei a faca pra ele. Eu era assim. Aí, eu trouxe o presidente do sindicato pra cá, para fazer reunião, tudinho. Trouxe médico, dentista, tudinho, pra cá, para arrancarem dente tudo, para o pessoal. Aí, um já tinha rixa com outro lá, aí eu 5h00 fui arrodear o meu motor, que tem um porto aqui, eu fui arrodiar pra lá, que 6h30 a gente tinha que sair daqui para fazer reunião no Tarumã, aí a chuva me empatou ali, que eu tinha uma casa para fazer lá embaixo, a chuva me empatou. Aí, quando eu vim já foi tarde. Aí, encontrei a minha irmã ali no campinho. “Manoel pelo amor de Deus Manoel, corre que o pessoal tão querendo matar o Chico, que o Chico furou o Doda, ta lá e o pessoal quer matar o do Chico.” Aí, eu cheguei aqui, desci lá pra casa, estava um monte brigando lá com esse Chico, cheguei lá dei uns gritos, aí se levantou todo mundo. “Pode parar!” Levantou todo mundo. Ai, quando eu dei fé o papai ia descendo com um cabo, arrastando um cabo para amarrar esse Chico Guariba. Eu disse: “Não vai amarrar ninguém nada, volta com esse cabo que não vai amarrar ninguém, o cara já se entregou pra mim, já me entregou tudinho, ninguém vai bater nele não. Aquele que bater nele eu vou levar preso.” Aí, subi com o cara, aí fomos para a beira, aí levaram o furado. Aí o furado ficou no batelão, ficou no meio, e o que furou ficou na polpa do batelão. Eu levei os dois para o batelão.
P/1 - Para conversar?
R - Levei os dois, o furado e o que furou, no meu motorzinho, para Manaus, para prender o que furou. E o outro para levar para o hospital, né! Aí, cheguei lá em Manaus, cheguei em terra, chamei o que furou, o outro já tinha ido para o hospital já. “Rapaz vamos embora tomar um refrigerante, que nós saímos sem comer nada, vamos embora.” O cara jogou a ca misa no ombro. “Vamos embora.” Tomei um refrigerante. “Agora vamos embora para a delegacia, vou te entregar na delegacia, vamos embora.” O cara não fez nada comigo, muito legal, me respeitava, tudinho. Aí cheguei na delegacia, cheguei lá disse: “Olha, eu vim trazer esse um aqui, que ele furou um rapaz lá, está para o hospital, eu vim entregar ele aqui na delegacia.” Aí, entrevistaram ele, fez o depoimento dele, se defendendo, que não tinha ninguém lá para condenar ele. Aí, o delegado disse: “O senhor vai ter que ir lá no interior buscar testemunha.” Olha? Lá de Manaus pra vim pra cá. Tive que vim. Aí eu fui. Quando eu cheguei lá na delegacia, aí o policial disse assim pra mim: “Seu Manoel, tem um advogado que vai soltar o cara.” Eu digo: “O que?” “É!” “Como é o nome dele?” Ah, como é agora meu Deus? Poxa vida, agora deu branco o nome do cara. Aí, eu digo: “Mas eu não conheço ele. Então, quando ele chegar tu me mostra, eu não conheço ele.” Aí, quando o advogado chegou, aquele magrelão alto, o policial disse: “É esse aqui.” Eu fui lá com ele. É Armando Freitas o nome do cara. “Me diga uma coisa, o senhor vai soltar o Chico?” Ele disse: “É, eu vim para soltar o Chico.” Ele já tinha mandado a mulher desse Chico vender um motor de polpa que tinha, pra tirar dinheiro pra dar pra ele. Eu digo: “O senhor não vai soltar não.” “Vou!” “Vai não.” “Por que eu não solto?” “Mas não solta mesmo.” Rapaz, o advogado ficou bravo comigo. Que o advogado era criminal. Ficou bravo comigo. “Por que não solta?” Não soltou não, de jeito nenhum. Ele pulou, bordou, não soltou não. Aí, o preso foi transferido para outra delegacia. Só vai sair da delegacia quando rapaz sair do hospital, estiver bom, enquanto ele estiver lá ele vai ficar preso. O advogado não soltou ele não. Ele só saiu depois que o rapaz saiu do hospital, com 70 dias, aí eles soltaram ele.
P/1 - E aqui, quais foram as transformações que você viveu? Não tinha água de poço, né?
R – Não, era rio, chuva.
P/1 - Sem luz nenhuma.
R - Nada. Carregava água na cabeça do igarapé de lá. Quando eu consegui comprar uma bomba, eu tinha um gerador, um motorzinho, um gerador, um funcionário ligava a bomba lá, ou então ligava pra lá a bombinha para dar água pra nós. Aí veio da poço agora, de uns tempos pra cá que veio aparecer poço. Isso aqui eu comprei mil metros de borracha pra ligar água pra lá, aí deu 800 metros, lá na casa da Joice. Você já foi na casa da Joice já, né? Aquela casinha alta.
P/1 - Estamos dormindo lá.
R - Eu sabia que vocês iam dormir lá. Pois é! Seiscentos de borracha, eu paguei duzentos para cavarem para enterrar, mas está aí. Daqui acolá o Márcio liga, o Márcio desliga, para vim água pra cá.
P/1 - Mudou muito a vida?
R - Mudou, mas não é tanto não, porque quando a luz vai embora todo mundo fica sem água. Fica todo mundo sem água. Pra mim mudou, a minha vida mudou, porque o terreno é meu, não tem nada com o governo, já foi, briguei muito contra o governo por causa disso aqui. Que governo nenhum mete a mão, toma de mim, que não tem direito de nada, que é meu, é meu, acabou. Eu sou dono da terra, e sou dono das plantas. Título de terra, não é título de planta, e título de terra. Por isso que eu já briguei muito na justiça por isso, e continuo brigando. Já fui ameaçado por isso, porque eu brigo demais, como eu já falei pra ti no começo. Então. é assim, cara. Aí, eu estou feliz, não da planta que eu quero, mas eu estou no que é meu, feliz, não tem praga, a minha casa, essa casa veia, me mudei para aquela. Essa casa aí abaixo, se tocar o dedo nela aqui nas paredes, as paredes caem. Mas eu tenho um monte de bagulho aí dentro, um monte de ferro aí dentro, tenho gerador, tem um monte de coisas aí dentro, motor e o diacho eu tenho aí dentro dessa casa. Basta tocar o dedo na parede que a parede cai, mas ninguém mexe.
P/1 - E você foi o primeiro guia aqui?
R – Foi! Aqui foi o primeiro guia, não tinha ninguém.
P/1 - Como começou essa história?
R - Foi essa história da canoa, eu contei lá dentro de casa, não contei aqui, né?
P/1 - É! Conta aqui pra gente?
R - Quando eu cheguei aqui, eu cheguei em 1968, que eu contei lá, quando foi em 1970, eu estava pescando no igarapé, lá dentro, aí chegou uma canoa cheia de turista lá. Aí, focaram em cima de mim, o cara me chamou, o dono me chamou lá, aí eu fui lá. Disse: “O senhor não pode fazer uma caminhada comigo amanhã, que a gente quer fazer uma caminhada com turista aqui, a gente não conhece nada, aí o senhor não pode fazer?” Eu digo: “Rapaz, eu também sou novato aqui, eu cheguei agora, tem só dois anos que eu cheguei aqui.” Disse: “Não, mas dá para o senhor ir, tudinho.” Aí, quando eu cheguei em casa, eu falei com meu pai, meu pai não queria deixar eu ir. Digo: “Não, eu vou, que eu sou de maior. O que é que tem eu ir? O pessoal não vai me carregar não, eu vou!” Aí, eu fui. Que foi no dia sete de junho de 1970, minha primeira caminhada com turista. Aí, eu fui, e até hoje estou aqui.
P/1 - Como você se sentiu fazendo essa primeira caminhada?
R - Eu sentia assim, um pouco estranho, que eu não conhecia nada, não entendia nada, né!
P/1 - Nada?
R - Não, eu não conhecia nada do pessoal.
P/1 - Ah tá, deles.
R – Do pessoal, mas do mato eu já andava no mato por aí, eu sabia como ir e voltar, né! Aí... Mas eu fiquei feliz assim, porque poxa, comecei a conversar com as pessoas, as pessoas comigo. Algumas falavam comigo eu não entendia nada, eu falava com outros, eu não entendia nada, aquela história. Nem inglês, nem português, nem nada. Aí, foi assim a vida, colega. Aí, foi aumentando, foi aumentando, foi aumentando, foi aumentando. Só com essa agência eu trabalhei 17 anos, a Amazônia Explorer. Aí, já tinha conhecimento de outras, aí quando eu precisei deles, eles não me serviram, aí eu peguei e sai fora, já tinha conhecimento com os outros. Saí fora e começou vire outras pessoas, tudinho. Aí, eu comecei a trabalhar, o conhecimento foi aumentando, foi aumentando, ai quando veio o Bernardo, que é da Belo Horizonte, que os intercâmbios, né! Quando veio ele, aí pronto, aí... Os intercâmbios vem falando português, eles não vem falando inglês, eles vem falando português. Por quê? Eles vem porque eles querem saber a voz, conhecer a voz do caboclo do mato, eles não querem transmissão de um lado para o outro, querem diretamente, né! Porque eles vão fazer uma pergunta para mim, eu vou explicar para eles, eles vão entender. Então, eu vou falar com eles, vão entender o que eu estou falando. Eles não querem interprete, querem direto. Porque eles vem assim, eles saem do país deles, quando eles vão fazer o intercâmbio, saem do país deles, aí passa seis meses, oito meses, ou um ano, na casa de um brasileiro no Brasil, para estudar o português. Aí, quando chega a época deles fazerem o intercâmbio deles, eles já estão falando o português. Aí, ele vai fazer o passeio dele.
P/1 - Para entender tudo.
R – Para entender tudo. Aí, o intercâmbio é assim, que eles fazem. Então, aí a gente quando começou mais um intercâmbio, aí eu fiquei mais feliz, porque a gente troca melhor, porque como esses que passaram aqui, dois são turistas, o moreninho e guia, é da Guiana Inglesa, esse moreninho. Então, se os caras não falam português, o guia pode mentir qualquer coisa que o mateiro fala para ele. Que nem eu estava no mato com um turista e o guia, aí eu cheguei numa árvore, aí expliquei como é que era a árvore, para que servia, para que não, tudinho. Aí, quando o guia foi transmitir pro turista, transmitiu, eu acho, que diferente, e o turista escutou tudinho, entendeu tudinho que eu falei para o guia. Aí, o turista disse assim pra mim. “Seu Manoel, quem está mentindo, é o senhor ou é ele?” Eu digo: “Eu estou explicando o que eu sei.” Disse: “Então, eu não quero mais explicação dele, eu vou querer a sua diretamente.” Porque tem muitos turistas desses assim, não fala o português, mas ele entende o português. Se tu tá falando alguma coisa contra ele, ele tá entendendo tudinho. Ele não está falando para ninguém perceber que ele conhece. Então, o cara fica com raiva de mim, quando chegou em Manaus foi reclamar com o patrão dele que eu tinha mentido na frente dele. Eu digo: “Negativo. O turista que não quis mais falar com ele, porque com certeza ele mentiu para o turista, que ele escutou eu explicar para ele, ele foi explicar diferente.” Pra que? Para ganhar em cima de mim o turista. Então, sempre é assim, cara. Porque muitas coisas em inglês eu sei, o cara falar de mim eu sei. Só não ei falar, mas eu sei que está falando de mim, mas muita coisa eu sei explicar, pouquinho, mas eu sei. Do mato, sei muita coisa ainda.
P/1 - E aí, então, você mudou de agência e ficou mais um tempão na Belo...
R – Não, na Belo eu estou ainda.
Você segue com eles.
R - Eu estou na Belotur ainda, trabalhando. Só que eles não querem que eu vá para o mato por causa da perna. Vocês não querem ir lá não, né? No acampamento? A gente vai lá no acampamento para vocês verem.
P/1 – Então, conta do acampamento. Você que fez?
R – Foi! A Belo chegou, aí eu fiz um acampamento. Eu vou fazer, eu vou riscar aqui na mesa, dá pra ver?
P/1 - Dá!
R - Vou riscar aqui na mesa. Eu fiz o acampamento aqui assim, fiz assim, fiz assim, fiz assim. Tipo um U. Aí, era baixinho, tudo no chão. Tudo ideia minha, no chão, era baixinho, era quatro metros, a largura de uma rede. Aí, eu fiquei lá. Aí, até o Ambiental usou ainda, chegou usar ainda ele, ante de desmanchar o ambiental usou. Eu fiz para a Belotur, aí a gente usava ele.
Aí, passou, aí a Belotur, que é o menino, o Bernardo, disse: “Manuel, não dá para mudar de sistema não? Rede?” “Tá bom!” Aí, eu fiz chapéu redondo, mas também no chão. Fiz cinco chapéus redondos. Cinco, ou foi quatro? É, foi quatro. Eu fiz quatro, redondo, para botar a rede arrodeando, fiz quatro. Aí, ficou, como é? Primeiro um breu, dentro ficou sendo o breu, ficou o centro do chapéu, e o outro ficou a copaíba, no centro do chapéu. Os outros ____ mesmo, os outros dois. Aí, passou, passou, eu mudei a cobertura duas vezes ainda, ele disse: “Manoel, não é melhor mudar? Porque está no chão, o pessoal às vezes reclama que vem bicho, não sei o que.” Tá bom. Aí, eu pedi para o Márcio me ajudar. O Márcio levou umas tabuas, eu paguei. Trinta dúzias de tábuas eu mandei o cara tirar, paguei trinta dúzias de tábuas. Aí, tiramos, tiramos os esteios, o Márcio tirou as travessas tudinho, os caibros, aí eu armei tudinho, assoalhei, o Márcio ajudou também. Aí, fizemos de assoalho, fiz dois, 12 metros cada um, pega 80 redes os dois. Aí, ficou lá. Aí, quando o Israel chegou, o de São Paulo chegou, que viu, disse: “Olha, tu mudou é?!” “Foi o jeito!” O cara quer, eu mudei.” Aí, quando tem um ano só, foi o ano passado só, que aí o Márcio tomou de conta, eu pedi para ele ficar, porque eu estava operada da vista, dos dois lados, eu não podia ir. Porque iam chegar em abril, eu operei março. Aí, iam chegar em abril, abril e maio, eu não podia ir. Aí, eu falei com o Márcio, digo: “Márcio, então vai lá e assume, me dá uma porcentagem, vê quanto quer me dar, que é o meu trabalho, né? Aí, tá bom! Aí, ele vai, me dá 30% no que recebe, aí está me dando 30%. É pouco mas dá.
P/1 - E qual é a atividade que vocês oferecem?
R – Não, a atividade é caminhada, dormida. Caminhada e dormida, que a caminhada tem a explicação, tá? Aí, tem a dormida lá no acampamento. Agora, alimentação quem dá é o dono da agência de turismo que dá. Agora, a gente faz o assado, faz o assado, na hora do assado. Agora, não tem vasilha, o prato é uma folha, a colher e a mão, não tem prato. Agora, tem umas duas vezes que vieram, o Guto veio, trouxe aqueles pratos de cartaz. “Mas pra quem isso Guto? É natureza, nós estamos na natureza, não precisa mudar nada. Não começamos desse jeito? Não falei, não expliquei que é na folha, não tem...” “Ah, os meninos estão acostumados a comer só no pratinho com garfo e uma colher, todo não me toque.” Ele não está na cidade aqui não, tá no meio do mato, gente, ele tem que conhecer o que é do mato, a vida. Agora ele vem com a mochila cheia de bagulho, copo, colher, faca, o diacho, carregando peso. Pra quê isso? Precisa não! Olha, um dia que ele anda sozinho por aí, fazer uma atividade sozinho por aí no meio do mundo, ele vai estranhar. E se ele começar a comer na folha, com a mão, ele não estranha mais, que ele está aprendendo a fazer isso. Porque isso? Uma libertação dele, gente. De todo mundo. Agora, duas vezes eles trouxeram aqueles pratinhos, aí eu não gostei, reclamei. Porque mesmo que eu não vou fazer caminhada, mas de noite eu tenho que estar lá. De noite eu tenho que estar lá, para conversar, para dar explicação, tudinho, dar uma palestra com eles lá. Quando é dez horas, dez e meia, eu venho embora pra casa, eu de primeiro dormia, mas agora não durmo não. “Não, vocês dormem. Não tem guia, tem tudo. Tem professor. Eu vou dormir em casa.” Eu venho de noite mesmo. “E como é que você vai com essa perna?” Mas rapaz, eu ponho dentro da minha canoinha e venho embora. Mas toda a noite eu tenho que ir pra lá. As noites que eles dorme lá, eu tenho que ir lá de noite. Ah, se eu não vá! Vão ficar mordidos. Porque vem, porque eu tenho esse conhecimento. Os alunos já vem procurando meu nome. Quando eles chegam. “Cadê o Seu Manoel? Seu Manoel veio? Seu Manoel vem?” Porque já teve meninos que vieram, alunos vieram, e já falara para os outros lá a situação daqui, os outro ficam doidinhos para vir. Teve até uma mulher, a filha dela veio para ir, a minha filha Marcilene foi num curso no verão, a mãe dessa menina também foi no verão. Aí, quando chegaram lá, conversando, aí a Marcilene disse: “Ah, a minha filha disse que foi numa caminhada, dormiu na selva e tudo, com um senhor lá na comunidade, Seu Manoel.” Seu Manoel é meu pai.” A Marcilene disse pra ela. “Ah, é seu pai? “É!” “Pois é, minha filha disse que foi lá com ele, fazer a dormida na selva, tudinho, e ela gostou demais.” Aí, fica naquilo, cara. É como eu digo para as pessoas, se eu fizer um trabalho bem feito, que todo mundo gosta, ele quer vir de novo, mas se eu não fizer direito, bem feito, o pessoal não gosta, ele não vem mais. Porque ele chega... Esse aqui, chega e fala para esse. “Rapaz, não vai pra lá não que o cara não é bom, o cara é mala, é assim, assim, é assim.” Mas se esse daqui sai daqui, chega nesse aqui e fala assim: “Rapaz, eu fui num trabalho lá no canto com o fulano assim, assim, muito bom o cara, trata a gente bem, tudinho.” Aí, o cara diz: “Ah, então eu vou! Se der para entrar eu vou lá.” O que aconteceu com vocês? Contigo, o que é que aconteceu?
P/1 - Foi isso!
R - Tu só veio aqui com ele, vocês só vieram aqui porque vocês tiveram uma boa informação. Se vocês não tivessem uma boa informação do meu trabalho, e agora do que o Márcio está fazendo também, vocês não teriam vindo, de maneira nenhuma. Eu reconheço tudo isso, cara. Essa cabecinha aqui, isso é própria pra isso, para conhecer o bom e o ruim. Como o Israel que chegou aqui, que eu falei lá dentro, subiu naquela escada bem ali, o guia e o Israel, subiu ali naquela escada. Aí, o guia, “Seu Manoel, eu trouxe aqui seu Israel para lhe conhecer.” Pode entrarem. Aí, conversamos, conversamos, aí o Israel disse: “Seu Manoel, você quer fazer uma janta para nós?” Eu disse: “Se vocês trouxerem lá do barco eu faço, porque aqui eu não tenho, o fogão é isso aí. Eu faço!” Aí, trouxeram tudo de lá e fizemos um assadão doido aí, tudinho. Aí, 9h00 botei a mesa, a mãe do Márcio ainda vivia comigo, já tempo isso. Aí, jantaram, fizemos uma fogueira bem ali no meio do terreno, ficaram brincando lá ao redor da fogueira, cantando, eita alegria medonha! Era 40 alunos. Quando foi uma hora da manhã, o Israel. “Bora pessoal, vamos embora, tá na hora. Bora!” “Tchau Seu Manoel!” “Tchau!” Aí, eu fiquei olhando assim para o Israel descendo ali aquela escada, poxa, será que ele não vai cooperar com o trabalho que a gente teve aqui não colega? A quentura medonha que passou aí, pelejando para fazer isso. É, deixa para lá, que ninguém morre por isso não. Aí, eu sempre fiquei assim comigo. Será que se eu tivesse ido lá naquela escada, batido no ombro do Israel. “Israel, e aí, tu não vai cooperar com nada não? Pelo trabalho que a gente teve.” Ele imagina, poxa, o povo só quer dinheiro, só faz as coisas por dinheiro. Aí, eu não fiz. Com seis meses ele ligou pra mim. “Quero falar com o Seu Manoel.” Que a Vivo funcionava aqui ainda. “Eu queria falar com o Seu Manoel.” Eu digo: “Sou eu mesmo.” Seu Manoel, eu sou o Israel, aquele que eu fui lá naquele tempo lá com o senhor, fizemos aquela janta lá. Tó ligando para o senhor para saber se eu posso levar uns alunos para fazer um trabalho com o senhor lá.” “Pode.” Se eu tivesse batido no ombro dele, e cobrado ele, eu acho que ele não tinha vindo, pra mim eu acho que ele não tinha vindo não. Aí, ele veio até agora. Tá aí, todo ano, três vez, em junho, julho, e agosto, eles trazem o grupo para aí. É Gracinha e Santa Cruz, que vem os alunos. Um tempo desse veio um colégio diferente, não era nenhum dos dois, era diferente, foi outra turma. Não é coisa boa? Não é tão bom fazer amizade, conhecimento. Então, pronto.
P/1 - Teve algum grupo muito marcante para você?
R - Teve uns grupos, uns alunos, que era muito malcriado, ignorante, metido. Deixa eu ver se eu me lembro o país. Eu não vou me lembrar o país agora. Jogaram até o guia de cima do motor dentro da água, _______ de lá para cá, eles. Coreano, os coreanos, é muito ignorante, muito bravo, e muito metido, é muito doido, e muito coisado colega, é muito chato. Teve uma vez que eu chamei eles no saco lá na frente do Israel, dos professores tudo, chamei eles no saco. “Eu estou aqui, vocês vieram aqui para vocês ouvirem as minhas explicações, meu ensinamento, então aquele que não prestar atenção, pode voltar para o barco. Eu não quero ninguém aqui. Agora eu estou explicando, eu não sou professora de vocês não, porque lá no colégio de vocês o professor está ensinando uma coisa para vocês, vocês estão escrevendo bilhetinhos um para o outro ali, cochichando, não está prestou atenção no que o professor está fazendo. Depois... ah professora, como é que é? Que eu não entendi. Porque você não prestou atenção. E eu não sou o professor de vocês não. Comigo é desse jeito. Não prestou atenção, eu só explico uma vez, não explico mais que uma, porque eu já estou explicando, eu já estou perdendo tempo, se eu passar mais de uma. Estou explicando para quem presta atenção, quem não presta atenção pode ir embora para o barco.” Uma duas vezes já fiz isso. “Pode ir para o barco.” Quem quiser me chamar de ______, chame. Mas pode ir, se não quiser escutar, vai embora. Ou obedece, nega, ou não obedece. Eu sou chato, eu te digo. Eu sou chato nessa parte, nega. Quer explicação? Presta atenção. Não fiquem, qui, qui, qui, com os outros do lado para o outro. Porque é chato, cara, a gente está conversando e os outros estarem cochichando por ali e não estar prestando atenção. Eu não gosto. Não sei se você está gostando dessa parada que eu estou te falando. Mas eu não gosto não. Pois é, nega, eu não sei se é porque eu sou diretamente. Eu não gosto de rodeios, eu sou diretamente. Porque o que eu gosto é diretamente, eu não gosto de arrodeio. Se eu falara uma coisa pra ti é direto. Eu não gosto de ficar rodeando, tu ficar meio preocupado, sem saber o que está acontecendo. Não, eu gosto logo de reto naquilo. É por isso que tu veio aqui, vocês dois.
P/1 - E Seu Manoel você percebe.... Você cresceu com esse contato com a natureza, né? Mudanças climáticas, você tem percebido isso?
R – Mudou.
P/1 - Como que é para você?
R - Pra mim mudou pela seguinte maneira. Depois que eu cheguei para cá, que mudou. Quando eu cheguei aqui, perfeito. Não tinha proibição de nada, a gente fazia o roçado da gente, plantava, colhia, fazia carvão, a madeira do roçado tudo, derrubava tudo, tourava miúda, fazia caieira, fazia carvão, tu levava, vendia, bacaninha, tudinho, aproveitava a natureza. Agora, de 1995 para cá, mudou demais, estragou a vida de todo, o governo. Porque como eu falei pra ti no começo, porque foram formar uma parque em cima das pessoas, sem explicação, sem comunicação, e nada. E prejudicou tudo, agora ninguém pode fazer nada, pode fazer nada, não pode botar um roçado, não pode queimar, tem que plantar no meio do mato, é aquela situação. Agora tem o RDS, mas não mudou nada do parque, o problema é a mesma coisa. Então, não mudou nada. Ninguém pode pescar, pegar um peixe para comer, não pode ir no mato matar uma caça para comer, que proibiram, se pegar toma multa, a pessoa prende. Então, para mim mudou muito de 1995 para cá, mas mudou mesmo. Não é mais aquela natureza que nós tínhamos não, acabou a natureza, acabou, estragou tudo pra nós que mora no interior. Não estragou para as pessoas que moram na cidade. Agora, quer que as pessoas saiam do interior, vai morar tudinho na cidade. Pra quê? Para roubar, as mulheres se prostituírem, fazer tudo o que não presta. Porque não tem emprego para ninguém. Muitos roubam de safado que é, mas muitos roubam porque precisam, não tem um emprego, não tem nada. E o governo não da solução para nada. Então, mudou muito, nega. Mudou, mudou, mudou. Desculpa o que eu vou falar, não sei se vai prejudicar na gravação, uma coisa que eu vou falar. Porque o nosso Brasil vai ser comandado pelo PCC e o Comando Vermelho, vai ser mandado por eles. Não vai ter mais constituição, não vai ter mais governo, não vai ter prefeito, não vai ter policial mais não, quem vai mandar é o comando. Já está mandando, desde agora, já estão mandando. Até os policiais já estão virando. Estou triste que eu não estou escutando jornal._____. A palhaçada que está acontecendo. Então, é isso, nega. Mudou, mudou, mudou. Não tinha madeireiro como tem hoje. O madeireiro vai serrar a madeira... Não tinha lei para vender madeira, antigamente. Agora tem.
P/1– Então, como é isso?
R – Aí, os madeireiro vai para a ilha, serra, vai para a ilha._____Aí, o policial pega os madeireiros, tora as madeiras, tora as canoas, toma a motosserra, toma as rabetas tudo. Os madeireiros ficam com raiva, vai lá em Manaus, se era um, compra dois, e vai serrar. Estão serrando o resto da vida, está direto, não para. Outro dia torarão duas canoas do meu sobrinho, alagaram, afundaram um bote, levaram dois rabetas. Quando é agora eles remendaram as canoas, e já forma serrar de novo.
P/1 – O que vocês fazem? Tem como denunciar?
R - Não adianta minha querida, denunciar, é uma máfia. O madeireiro dá propina para o policial. É uma máfia, não adianta. Quem se prejudica é a gente se for denunciar, então deixa para lá, deixa a vida rodar para lá, e quem quiser fazer o que quer fazer faz. Eu não faço, não quero nem saber. Tiro madeira, outro dia eu mandei tirar essa madeira para mim, paguei o cara para serrar essa madeira. Não queriam nem que eu serrasse uma madeira caída no chão, dentro do meu terreno, não queria que eu serrasse, a fiscalização. Eu vou! Aí, chamei um rapaz, da outra comunidade, para ver um dia. Ele serrou essa madeira pra mim, ainda tem uns restos lá para carregar pra mim fazer os meus trabalhos. Eu não estou vendendo madeira, eu estou fazendo os meus trabalhos. Ajeitei aquela mesinha ali, ainda falta terminar. Tenho que fazer as minhas coisas. Pega não, pega aquele pedaço de pau amarelo ali. Parece que é aquele, pega lá para mim, por favor!
P/1 - Um prato.
R – Mas saiu um prato daqui ó.
P/1 - Lindo!
R – Um prato.
P/1 - Lindo!
R – Tu vai lá na televisão, abaixo da televisão tem três coisas, tu pega lá de madeira. São dois garfos e uma faca, abaixo da televisão.
P/1 – E Seu Manoel, como você percebe, você tem um conhecimento tradicional, você acha que ele está sendo passado para outras pessoas? Você acha que está sendo ameaçado esse conhecimento? Como você percebe isso?
R - Eu acho que uma parte está sendo passada e outra está sendo ameaçada. Com certeza!
P/1 - Por que?
R - Porque a justiça não quer saber que ninguém mexa na natureza, para passar explicação. Eles não querem, de maneira nenhuma. Então, uma parte está indo bem, outra está indo mal. E desse aqui são três qualidades, arraia, o boto.
P/1 - Caraca, meu!
R - Eu tenho um arraia lá, e um peixe boi, lá do lado da televisão. Ele só trouxe o boto.
P/1 - A gente vê depois. E esses daqui são os talheres?
R - Isso aqui é um talher, ainda vou terminar de aperfeiçoar pra ti trabalhar na frigideira com peixe, com coisa pra fica mais longo, tudinho, ainda vou fazer uns maiores ainda, que fica mias ou menos assim, o garfo, mas coisa aqui. Porque eu faço prato, colher e faca. Isso aqui é para ti cortar pão, cortar carne.
P/1 - Você é artista.
R - Não tem nenhuma fruta aqui pra mim cortar para ti ver, um caju.
P/1 - E corta mesmo, né?
R – Corta.
P/1 - Tudo isso como? Que instrumentos você usa?
R - Pera aí, deixa eu te falar. Bom, esse aqui eu faço na lixa, na mão, com a lixa, aqui dentro. Esse aqui, esses dentes que é com a lima de motosserra, aquelas limas redondinhas de motosserra, para fazer isso aqui. Ainda vou afinar, que está muito grossa aqui, ainda vou afinar mais ela. Mas está aqui. ________
O botinho? _______
P/1 - Muito lindo!
R - Eu parei, porque... De fazer... Eu fiz muito isso aqui, já vendi tudo. Isso aqui, colher, eu vendi. Eu parei porque eu estava comendo tarde, às vezes, ia comer 15h, às vezes, eu esquecia de tirar a comida do freezer para descongelar, pra mim fazer a minha comida, aí eu estava ficando maltratado por isso, que eu sozinho, aí eu parei de fazer essas coisas. Isso aqui foi um curso que vieram para fazer, dá FAZ, aí eu fiz esse boto, fiz uma arraia, e fiz um peixe boi, tá lá em casa. Aí, é pra mim começar aqui de novo, continuar aqui, para fazer as coisas. Só que eu me preocupo devido a minha alimentação, porque quando eu me entreto para fazer uma coisa, eu não quero deixa na metade. Eu deixei isso aqui por causa da luz, que necessita da energia para trabalhar. Eu estou gastando dinheiro com material para fazer uma bancada de torno. Comprando as peças o meu filho vai preparar a banca para trazer para cá, quando encher mais, ele vai trazer pra cá pra mim continuar fazendo os meus trabalhos direitinho, fazendo tudo, aí vai se copo, vai ser taça, vai ser tudo que precisar. Aí, eu quero continuar trabalhando, fazendo a minha atividade que dá uma renda boa. Outro dia o cara queria... A faca eu dei de presente para ele, aquela lancha que está ali, mas a tabua para cortar carne em cima eu não dei de presente não, tó esperando ele me dar dinheiro. “Tem pix?” “Tenho não, nem de pix.” Aí, eu não sei quando é que ele vai me pagar a tábua. Desculpa falar uma coisa pra ti. Não sei se tu é, mas se tu for, tu desculpa eu falar, porque não pode ser todos, mas uma parte é. Os crentes são os mais problemáticos para pagar as coisas. Desculpa falar, se tu for um dos dois. Desculpe eu falar. Porque um adventista me deve R$400,00 já faz seis anos, ele é pedreiro, já chamei ele para vim trabalhar aqui na minha casa, ele nunca vem. Diz que vem, vem, vem, nunca vem. Muito nó cego. Desculpa, se tu for.
P/1 - Não!
R – Então, parabéns!
P/1 – Seu Manoel, você estava contando que tem uma parte desse conhecimento tradicional que está sendo ameaçado, e outra que está sendo transmitida.
R – É, isso! Por que? Porque o governo, a fiscalização, não quer que o cara use nada material da natureza, pra eles é proibido mexer na natureza para tirar, para fazer as coisas. Para tirar uma planta para fazer um remédio é um problema, eles proíbem, é maior luta, maior sacrifício para fazer isso. Então, por isso que eu digo, é ameaçado uma parte por isso, porque ele me proíbem as pessoas arrancarem. Eu tenho muito mato, planta medicinal aí no mato, que a gente pode fazer remédio para as pessoas, tudinho. Mas ninguém pode, se for fazer tem que fazer escondido, sem ninguém saber. Por isso que eu digo que é ameaçado. Outros não, outros ficam muito felizes, ter o conhecimento, aprender aquela explicação que a gente explica para a pessoa, tem deles que fica nota dez de felizes. Que nunca viram aquilo e está vendo agora o conhecimento da pessoa que nasceu e se criou no meio do mato. Uma planta, eu conheci por um índio, ele chegou e disse assim: “Seu Manoel, nessa área aqui tem uma planta, eu quero que o senhor pegue ela, uma folha dela.” “Me mostra aí, como é que eu vou saber?” Ele disse: “Dá teu jeito!” Aí, eu saí de planta em planta, pegando um pedacinho da folha, mastigando. Quando cheguei na planta que ele queria, que eu arranquei o pedacinho, botei na boca. “Caraca, é muito ruim!” Ele disse: “Pois é! É Caferana.” O nome da planta, diz ele, é caferana. Isso é contra malária, causa o aborto, contra muita coisa, febre, muita coisa. A mulher que está grávida, não pode, tiver malária, não pode tomar o chá dela, porque ela pode abortar a criança. E agora, eu pego uma folha daquela, eu passo ali no mato, pego um folha daquela bota na boca, fico mastigando, chupando tudinho aquele sumo, para mim eu não sinto mais tanta ruindade. Nós vamos lá no acampamento, eu vou dar uma pra ti botar na boca. Pra ti também. Para saber quem é. Água tônica, tem ela dentro, também. Por isso que a água tônica tem aquele gosto diferente, porque tem a caferana.
P/1 - É o quinino, não?
R - O quinino. Se tu está grávida você não pode tomar o quinino que tu pode abortar. O quinino aborta, faz abortar. Acredita?
P/1 - Acredito. Claro que eu acredito, você falando.
R – O quinino. A criança não pega malária, quando está no ventre da mãe, ela não pega. A mãe está, mas ela não pega. Só que ela não pode tomar o remédio, só vai tomar o remédio quando acabar a malária, o quinino. Porque se ela tomar grávida, ela aborta, não tem jeito. Porque o sangue é grudado a mãe com o filho, aquele umbigo liga, o sangue é transformado ali, naquilo ali, num para outro.
P/1 - Esse conhecimento muda tudo, né?
R - Muda, muda, muda muito, muito, muito, muda.
P/1 - A gente desenvolve.
R - Muda a gente desenvolve, a gente aumenta mais a inteligência da gente, o conhecimento da gente na natureza, tudinho. Isso é muito bom, nega. É bom também pra quem presta bem atenção e usa a mente para ter aquilo ali. Tem uns que a gente explica, só lembra naquele momento, depois não sabe mais de nada.
P/1 - Mas você é assim, falou uma vez, você ____?
R - Não, não, terminou. Como eu te disse, não aplico mais não. Eu disse para os alunos já umas duas vezes lá no mato, eu não sou professor de vocês.
P/1 - E pra você aprender, uma vez basta para você aprender?
R – Basta! Basta! Pegar o conhecimento eu vou perguntar para ti. Como é que é? Como é que é? Não, já me falou aquilo, acabou. Só não sei ler e escrever, mas a mente escreve tudinho. Você sabia que nós temos dois cérebros? Não? Nós temos dois cérebros. Todo ser vivo, animal, tem dois cérebros. Tem um que é do tamanho da cabeça do dedo, maior pouca coisa. Tem outro grande, o miolo dele é bem pequeno. O porco, o Queixada, quando ele murcha, ele fica sem direção. Quando você muda seu meio de viver, o seu tempo, é porque seu cérebro murchou. ________ Então seu cérebro muda. É como... Como é que chama? Agora eu esqueci. Que eles chamam. O fel que tem no fígado? Como é o nome dele? Agora eu esqueci o nome dele. Tem um nome na medicina.
P/1 - Bile?
R – Não. Que tem na medicina o nome do fel que é grudado no fígado.
P/1 - Putz! Baço?
R – Não, é no fígado, é um pedaço, um negócio deste tamanho. Agora eu esqueci o no que a medicina dá, o nome que adoece a pessoa.
P/1 - Apêndice?
R – Não! Apêndice é embaixo, no fígado. Puxa vida, agora como é que eu esqueço?
P/1 - É uma doença? Cirrose?
R - Não. Quando aquele fel que tem no fígado, ele é amargo, ele tem esse comprimentozinho, é uma bolsazinha que é grudado no fígado, aquela bolsinha. Porque agora eu esqueci, que os médicos dá um nome daquilo ali. Aquilo ali, o nome que eu reconheço, é o fel. Porque que está dando problema na pessoa lá? Porque aquele fel seca dentro do ser humano, é da doença. Tem a doença que eu esqueço agora. Da doença. Então, você tem que fazer o remédio para ele voltar encher de líquido de novo, porque ele murcha o líquido dele, aí dá a doença que o médico dá, quando ele murcha, diminui o líquido dele, que ele tem lá dentro daquele saquinho. Porque agora eu não tô lembrando, eu tó esquecido. Mas tem o nome que dão a doença dele. Aí, o pessoal. “Ah, não é fel.” O outro nome, que não é fel, é outro nome. Amargo que só o diacho, aquilo ali. Todo animal tem, tudo, tudo, tudo. O veado tem dentro da unha do pé, o veado. Quando tu mata um veado por aí, tu abre a unha, tu vê a unha que tem o furozinho lá e tá verde, onde sai o fel dele. É bem dentro da unha do veado. E nós é no fígado. O ser humano, o animal, a galinha, é no fígado. O pássaro é no fígado, o porco, tudo é no fígado.
P/1 – E Seu Manoel, como foi se tornar pai? Como foi se tornar pai, ter filhos?
R – Olha, eu morava aqui, tirava madeira com o meu pai. Aí, chegou a família da Maria, da mãe dele, morando lá dentro do igarapé. Aí, como eu gosto de me entrosar com as pessoas, aí eu... Novato eles. Aí, eu fui lá, comecei a conversar com eles lá, tudinho. Fiz amizade com eles. Aí, eu fui fazer carvão com o tio do Márcio lá, tudinho. Aquela amizade toda. Aí, tava a mãe do Márcio lá, tinha quatorze anos. Aí, a gente conversando e tal, e coisa e tal, a gente começou a se escorar um no outro. ________.
Aí, a gente começou a paquerar e tal, e tal. E foi, foi, foi uma viagem para Manaus, eu levei o motor cheio de carvão para Manaus, para vender, ela foi de passagem, ela, a mãe dela, comigo. Aí fomos para Manaus, aí voltamos, tudinho. Começamos a se abraçar, um ao outro. Aí, chegou o tempo de fazer aquela situação, tudinho. Aí, até que casamos. Convidei ela pra casar. Lá no _____, no católico. Casamos, tudinho. Aí, produzimos o primeiro filho, como oito meses que ela estava, levou uma queda da rede, abortou, perdeu o filho, partiu a cabeça dele. Bateu de cabeça, que partiu a cabeça dele. Passou oito dias vivo ainda, aí ele morreu. Aí, puxa, aquela saudade monstra de um filho, que a gente queria ter um filho. Com doze dias eu fiz um filho de novo, de grávida. Acredita nisso? Com doze dias. Com nove meses que o outro morreu, o Márcio nasceu. Aí, pronto, aí foi, continuando a vida. Essa menina que ligou pra mim agora, nasceu numa casa que tinha bem ali, só ela e a mãe dela, a mãe dela que cortou o umbigo dela. Ela só teve um em hospital, que foi o caçula, que mora em Manaus, que ela queria se operar. Que fez trinta anos agora, no dia cinco de novembro.
P/1 - E como é passar esses conhecimentos para os filhos?
R – O que a gente vai aprendendo a gente vai passando, tudinho. O trabalho de madeira, o trabalho de ferro. Eu aprendi numa oficina mexer com motor, eu chegava na oficina de motosserra, o cara abrindo o motor, cutucando o motor, eu sentava lá, e ficava horas lá sentado olhando, tudinho. Aí, a graduação do carburador, foi que ele pegou e disse: “Manoel, o carburador, essa bichinha aqui, tu bota aí, tu bota uma lamina em cima, que é para ela ficar igual, não pode ter nem em cima, nem embaixo, tudinho.” Aí, eu fui aprendendo tudinho. E aí, eu mexi motor sozinho, assim. Aprendi a fazer canoa, fazer tudo, remo, essas coisas aí foi eu mesmo, sozinho. Aí, eu digo: Quer saber, eu vou trabalhar, vou aprender. O Márcio agora já aprendeu a fazer também, já comprou até uma bancadinha, tá lá. Não sei se tu viu aquela bancadinha dele? Já fez um copo, me mostrou, já fez um pratinho. Eu estou esperando minha bancada chegar, que eu quero botar pra quebrar. Eu já fiz mesa, cadeira pra Manaus, já fiz estante, já foi para Manaus, tudinho. Eu faço tudo, cara, que é preciso. Só não roubar. Isso aí não, Deus me livre, quero não! Quero ter a minha vida feliz. Mas qualquer tipo de madeira que tu quiser que eu faça num casa... Quer que eu faça a casa? Eu faço a casa. E não preciso fazer rascunho não, eu tiro na cabeça, em pensamento. Eu não vou desenhar o modelo da casa, como é que é feita, tudinho, pra cá, pra cá. Não! Eu desenho na memória, quando eu vou armar, o desenho já está na cabeça, eu já sei como é que vai ser feito.
P/1 - E a perna nunca te parou para nada, né?
R – Não, não! Só me empatou nessas duas coisas que falei, trabalhar de cócoras, e tirar açaí. Essas duas coisas que ela me empatou, mas o resto não, de jeito nenhum. Ando no mato, faço caminhada se quiser. Eu estava ajeitando a roçadeira, tá aí o capinzinho cortado ontem, que eu queria bater isso aqui antes de tu chegar. A roçadeira deu pane não quis mais cortar de pronto, aí deu zebra. “Ah, vou para.” Eu tenho um negócio para roçar lá, que o cara roçou, o mato já começou, eu quero roçar que é para tocar fogo melhor. Lá a bicha deu problema, que eu ia levar.
P/1 – Então, vou encaminhar para o fim, para a gente fazer uma... Você continuar explicando para a gente andando, pode ser?
R – Tá! Mas tu não quer ir lá no mangue.
P/1 - Quero! Mas antes disso. Qual é a origem da sua família? Você sabe?
R - Sobre índio ou não?
P/1 - É!
R – Eu... A minha mãe... A bisavó da minha mãe foi pegada no mato com cachorro.
P/1 - Que?
R - A bisavó da minha mãe foi pegada com o cachorro no meio do mato, índio, que ela era índia. A bisavó da minha mãe.
P/1 - Como assim?
R - Morava no mato, era braba, e ninguém conseguia pegar ela, foi cachorro que pegou ela. Aí, pegaram ela, levaram pra casa, e ela se civilizou, ficou civilizada. Aí, produziu a família da minha mãe, minha mãe é cabocla.
P/1 - Cabocla.
R - A minha mãe é de índio.
P/1 – O que é cabocla?
R - É índio.
P/1 - É índio.
R – É! Nós somos Cariú. Nós somos Cariú. Os índios são caboclos. Eles não querem que chame de índio, caboclo. E nós somos Cariú, Turussu Grande. Pessoa grande, não indígena. Aí, não sei mais nada.
P/1 - E seu pai?
R – A família do meu pai, porque todos nós somos brasileiros, somos índios. Não tem como negar. Só que muda por causa do português, né? O português que mudou a origem. O meu pai, a vó, mãe do meu pai, é cearense. O meu pai nasceu no Rio Grande do Norte, aí ele veio embora para o Amazonas. Então, não sei, porque ela nasceu no Ceará e o meu pai no Rio. A minha mãe foi no interior mesmo, no Amazonas. O pai dela é tudo. E aí, a minha mãe contava, que a bisavó dela foi pega com cachorro, na marra.
P/1 - E tinha outras histórias que seus pais contavam assim que foram marcantes pra você?
R - Não, até que não, porque não era muito de história. A única história que o meu pai me contou, foi que antes de eu nascer, quando nasceu o primeiro filho dele, ele foi para um seringal, chamado Monte Lígia, e ele foi trabalhar na seringa lá, e esse seringal, o dono de lá, a prisão era um 44, uma bala. Não tinha polícia. A polícia era uma bala, um 44. Aí, ele foi trabalhar um ano lá. Aí, um belo dia, ele foi cortar seringa, quando ele chegou, a mamãe contou para ele, “Menel, o fulano estava aqui arrodeando a casa.” Aí, ele disse: Se eu chegar aqui, tiver um sujeito desse arrodeando a casa, eu vou dar um tiro nele.” Aí, o outro vizinho escutou, foi contar para o patrão, né? O nome do patrão e João Herculano. Aí, ele foi contar. Aí, o cara chamou meu pai para conversar. Meu pai disse que tinha 18 capangas na casa do cara, 18 capangas. Aí, o papai foi lá, o papai sentou na cabeceira da mesa, o chefe na outra mesa, e os capangas tudo arredor, sentados. Aí, foram discutir. Aí, o cara disse que a sorte do meu pai, era de ser compadre. Porque esse patrão dele, esse João Herculano, foi padrinho do meu irmão, na viagem se batizaram, foi padrinho do meu irmão. Mas a mamãe contava, que quem protegia o papai, era um velhinho, um cearense, porque tinha as orações que ele rezava, guardava o papai, para o veio não bagunçar com ele, né? Aí, de outra vez ele foi brigar com o Darci, filho do João Herculano, no comércio. O papai disse que pulou por cima do balcão, agarrou na goela do cara, e foi aquele aué. Diz ele que não aconteceu nada, que ninguém fez nada com ele. Mas dizia a mamãe, que é porque esse velhinho acompanhava o papai e estava rezando as orações para proteger o meu pai. Até que o velhinho fugiu, pegou seis caras e fugiu, foi embora. Porque o saldo, o cara subia num pé de açaí, aí ele mandava o cara tirar o açaí, o açaí saia verde. “Mas Seu João, tá verde.” “Eu estou mandando você tirar o açaí.” Quando o cara chegava lá em cima, ele pegava o 44, pouuu. “Guaribão bonito.” Pou no chão! “Vou enterrar no buraco do tatu.” Era assim. Diz o papai que era assim lá. Que o cara fazia. Trabalho uma ano, aí ele largou e veio embora. O que ele me contava disso era só isso. Mas de outras coisas não. Ele não tinha... Aquele tempo do passado, não tinha mais aquele envolvimento de coisas, explicação de conhecimento, de coisa, todo mundo... No passado todo mundo era tímido. Todo mundo era tímido. Eu vim melhorar depois que eu cheguei aqui. Eu não tomava água, nem na casa do meu tio eu não bebia água, eu tinha vergonha. Quando eu comecei a trabalhar na Amazônia Explore, o cara chamava. “Manoel vem comer.” Eu ia lá, comia aquele bocadinho. “Come rapaz!” “Não, eu já estou cheio, tá bom, não quero mais não.” Eu tinha a maior vergonha, colega. Aí, depois. “Rapaz come, se envergonha menos, colega.” Aí, foi, foi, até que eu fui pegando aquele conhecimento, aquela coisa, aí acabou aquela timidez. Eu era muito tímido, cara, no passado. Até quando eu comecei a trabalhar com turismo, nos primeiros anos, eu era muito tímido, muito, muito mesmo. Sei lá, porque o meu trabalho lá era cortar seringa e plantar mandioca. Quando eu fiquei já grandão, eu comecei a jogar bola. Eu jogava bola, tinha um time da prefeitura, do colégio, da Polir, tinha os times, eu jogava bola num time deles lá, tudinho. Mas era a atividade que eu tinha na época, somente. O meu pai nem queria que eu jogasse bola.
P/1 - Não?
R – Não. Mas eu ia, que eu queria. E pra mim foi a diversão melhor que eu tive foi a bola, porque ajuda muito o corpo da gente movimentar. Eu aqui era capitão, era presidente, era tudo, nos times daqui, quando eu cheguei para cá, que eu formei campo. Aquele campo quem fez foi eu.
P/1 - E vocês faziam a bola também?
R - Não, aqui eu não fiz não. Mas lá eu fazia, aquelas bolas de borracha. Mas eu estou querendo fazer aí, eu fiz a faca, já, porque ali tem seringueiro, que a minha mãe plantou, tem um bocado de seringueira. Aí, eu estou juntando lata de conserva para fazer tigela, para embutir, para aparar o leite. Aí, quando ir, eu acho que eu vou levar uma lata, eu não sei, aí eu vou cortar uma seringa para vocês verem, uma seringueira. Aí, a gente vai lá, quando vocês irem eu vou também, aí eu vou levar a faca.
P/2 – Seu Manoel, o seu filho Márcio, contou pra gente uma história muito interessante lá sobre os macacos. E ele falou que o senhor tem uma história também. Que o senhor também não come mais macaco. O senhor pode contar?
R - Posso sim! Mas rapaz, _______
P/1 - ... Pode também, se você quiser.
R - Quando nós formos lá para acampamento?
P/1 - É!
P/2 - Não tem problema não. Ou lá, ou aqui, mas devido ao material.
P/1 - Então vai, conta aí pra gente?
R - Eu cheguei de Manaus, um dia, como se fosse ontem. Aí, não tinha nada em casa. Aí, quando foi hoje de manhã, eu disse: “Maria, eu vou lá no mato, vou ver se eu mato um bicho pra nós comer.” Tá bom! Fui me embora. Era mais ou menos 13h00, eu com fome, colega, nada, nada, nada, no meio do mato, aí eu ia passando num canto, eu escutei assim: vrouuu. Eu parei, olhei, olhei. Aí, eu vi um vermelhinho lá em cima, um bolão vermelho. Aqui não chama de guariba. Vocês chamam de buggy. Aí, eu olhei, digo: ah, é uma guariba, colega. Aí, eu procurei a posição, direitinho, disse: é essa mesmo. Pouuu, pegou. A gente tem um costume de pegar a espingarda e virar de cabeça pra baixo, pegar uma rama e dá na espingarda, bater na espingarda, para ele cair, porque ele enrola o rabo, pra ela cair. Aí, não demorou muito, eu escutei filho chorar pra cima, aí o filho chorando, chorando, lá pra cima. Aí que quando limpou mais o lugar que ela estava lá, colega, eu olhei, ela estava com o filho nas costas, a mãe. Aí, ela puxou o filho das costas, o filho gritando, o filho gritando, o filho gritando. Aí, quando ela conseguiu tirar o filho das costas, ela botou no lugar do pau, aí ela caiu, caiu de barriga pra cima e começou a chora.
P/1 - A macaca?
R – A macaca. Ali eu não aguentei. Aí, eu comecei a chorar também. Aí, eu comecei a chorar também. Aí, chorei pra caramba lá no mato, sacrifiquei pra caramba. Eu fiz uma jura pra Deus, pra natureza, enquanto vida eu tivesse, nunca mais mundo eu manteria um macaco. Mas eu trouxe ela pra casa, porque eu matei, eu trouxe para comerem. Eu não comi, mas fiz a jura. Sofri muito por causa daquilo. Assim como eu não quero que ninguém tire um filho meu, tire eu de um filho meu, também não quero tirar o filho de ninguém. Pedi desculpa, pedi muito a Deus. Aí, nunca mais no mundo eu matei. Aí, eu comecei a chamar os macacos pra casa, comecei a chamar os macacos pra casa, eu topava, ia lá para o acampamento, eu tomava____, chamando de Parauacu, esses macacos. Aí, eu chamava. “Vamos embora pra casa.” Eles pulavam. “Ei, para de pular. Eu não vou mexer com vocês, parem de pular.” Eles ficavam me olhando. “Vamos embora lá pra casa, tem fruta lá pra caramba pra comer.” Rapaz, aí começaram a andar aqui em casa. Aí, comeu os Tucumã tudinho que tem. Bem aqui tem uma árvore de tucumã, lá está ela. Dava uma tucumã tão boa, colega. Quando eles vem que está verde, eles tiram as pencas e jogam no chão com raiva porque está verde. Aí, tinha uma Ingazeira, bem aqui, pertinho da caixa d'água, tinha uma ingazeira. Eu estava aqui na casa de farinha um dia, chegou três bandos de macaco, Sauim, Parauacu, e Macaco de Cheiro, aí tinha Ingá, o Sauim estava tirando o Ingá para comer. Aí, o macaco de cheiro viu o sauim com a ingá, aí o cheiro foi lá, deu no sauim, tirou o sauim, foi tirar a ingá. Aí, o parauacu veio, aí deu no macaco de cheiro, aí tomou a ingá do macaco de cheiro, sentou lá e foi comer a ingá. E o macaco de cheiro só olhando. E eu rindo aqui dentro da casa de farinha.
P/1 - Assistindo tudo.
R - Assistindo toda a palhaçada deles, todinha. Quando tem maringá, ingá, tudinho aqui, eles vem aqui de tarde, come tudo. Também não mexo não, deixo eles. Até a bacabeira, ano passado tinha um comendo a bacabeira lá em cima, quando ele escutou eu pisar na folha, ele pulou. Eu digo: ei, pode parar, pode comer, não tem problema não. Aí, é assim. O Márcio foi um Parauacu, eu foi a guariba. O Márco foi o Parauacu, que ele matou e carregou o saco com o bicho vivo na mochila. Eu carreguei viva não, já estava morta, quando eu trouxe ela já estava morta, mas aconteceu isso. Isso eu conto muito para os alunos, toda vez eu conta para os alunos essa palhaçada, eu digo: não foi nada, foi comigo mesmo o que aconteceu. Então, eu tenho que passar, porque o que acontece de ruim com a gente, tem que passar para as pessoas saber o que que é, como foi, como não foi. Comi macaco desde quando eu conheci a entender o mundo, meu pai matava macaco e eu comi, eu matava também e comia, e nuca aconteceu essas coisas, agora veio acontecer, então..... Para! Nada mais. Como não.
P/1 – E o que o macaco tem de diferente dos outros bichos?
R – Nós somos a primeira pessoa do macaco. Os macacos foram nós. Hoje eles são macaco, e hoje nós somos gente, mas antigamente o macaco era nós. Macaco foi transformado em gente. Porque o mesmo saber que um ser humano tem, o macaco tem, a inteligência que ele tem, o juízo que ele tem, nós temos. Então, por isso nós somos descendentes de macaco. Não tem porque ninguém dizer que não, que é. Ninguém me falou isso não, mas eu tenho isso comigo. Entrou na minha cabeça que nós somos descendentes de macaco, sim! Quando macaco prego, o macaco prego é líder da comunidade no mato, líder dos animais, é a pior época que tem de fruta, que os bichos comem tudo, papagaio, maracanã, curica, arara, tudo, destrói toda fruta que você tem no quintal, quando o macaco prego é líder do grupo. Tu presta atenção quanto tu for por aí, no interior, que tu chegar num local, que os pássaros está destruindo todas as frutas, é porque o macaco prego é o líder da comunidade, do grupo.
P/1 - Não querem que ele seja? É isso?
R - Não, mas tem que ser. Cada tempo, troca. Não troca o presidente, o prefeito, o senado, governador, tudo não troca? Na comunidade não troca os presidentes, não troca? Não tem a época de trocar? Não tem época que o presidente é melhor, ter outra época que o presidente é mais ruim, tem uma época que o governador é melhor, outra época o governo é mais ruim, o prefeito, não muda? Quando troca de governo não muda a situação? Assim que é o líder dos animais. Troca de líder. É o macaco prego é o pior líder que tem, que destrói tudo. Analisa bem isso na tua cabeça. É assim a natureza, gente. Ei... Poxa, não dá! Porque tu tá longe. Ela não, eu posso pegar na mão dela, mas tu tá longe. Mas nós podemos fazer. Não, mas não dá para filmar, não dá pra filmar vocês dois.
P/1 - Fala? Como é?
R - Não dá para filmar vocês dois. Filma só eu, mas vocês dois não pode, não dá.
P/1 - Depende, explica pra gente, talvez a gente consiga.
R - Eu vou explicar. Eu faço um trabalho no mato com os alunos, quando o tempo não é tão corrido, que dá tempo, eu chego com os alunos. “Pessoal, eu quero conhecer vocês, eu quero que vocês me conheçam.” “Mas como, não estamos nós vendo?” Eu digo: “Não, nós estamos se vendo, mas não estamos se conhecendo, tá.” Então, é assim: cada um de nós vamos escolher aquilo que mais você quer, mais você gosta da natureza, da natureza toda, da água, e da terra, e do ar. Você vai escolher uma coisa. Pode ser uma formiga, um pássaro, uma folha, um macaco, qualquer coisa, uma árvore, um boto, uma onça, um jacaré, uma preguiça. Você vai escolher o que você quiser ser. Daí que eu vou lhe conhecer, e você vai me conhecer. Aí, pra começar eu digo: “Eu vou começar para vocês entenderem, eu vou começar.” Aí, tem vez que eu faço na bagunça, bagunça não, só para eles rirem. A borboleta, a vida dele é curta, né?
Aí, eu digo assim: “Eu quero ser uma borboleta, porque a borboleta senta no meu ombro.” Aí, as meninas: “Olha, que borboletinha bonitinha, engraçadinha.” Então, estão me achando bonitinho. _______ Quando não eu quero ser um macaco. Por que eu quero ser um macaco? Pro macaco correr nas árvore, pular no chão, sapatiar, fazer tudo que ele goste de fazer. Ou então eu quero ser uma árvore. Por que eu quero ser uma árvore? Porque a árvore da folha, cai na terra, adubada as outras árvores, da fruta para os animais comerem, e da semente para produzir mais. E da madeira pra mim trabalhar na minha casa, tudinho. Por isso que eu quero ser uma árvore. E é gravado tudinho, para os alunos levarem a gravação. Aí, agora, vamos supor. O que que tu quer ser da natureza? Tu vai escolher do que mais tu gosta.
P/1 - Oh, eu escolheria ou uma árvore ou um bicho do rio.
R - Mas aí tu tem que explicar, aí tu tem que explicar, a árvore assim, tu vai explicar porque tu quer ser árvore, ou tu vai escolher o bicho do rio, qual é o bicho do rio, por quê?
P/1 - Então, me falta conhecimento.
R - Porque o que o bicho faz, que tu gosta. Aí, tem que explicar tudinho, porque na gravação é explicado isso.
P/1 - Tá!
R - Se tu gosta do boto, por que tu gosta de o boto? Porque o boto é bonito, ele faz isso, faz aquilo e tal. Tem que explicar a situação, o motivo, por que. Não pode ser, “ah, eu sou o fulano.”
P/1 - Tem que explicar?
R – Tem que explicar o que é.
P/1 - Tá! Eu posso pensar e no final a gente grava.
R - Pode pensar. Não. Pensa o que tu quer. É a mesma coisa ele, ele vai pensar o que ele quer ser na vida dele.
P/1 - Legal, eu vou pensar.
R - Uns que ser uma árvore, um gavião, uma águia. Muita gente faz isso, escolhe qualquer um. Uma formiga.
P/1 - Vou pensar. Vou pensar e te digo, pode ser?
R – Pode, pode pensar.
P/1 - Deixa eu te fazer uma pergunta.
R - Se eu souber te responder, eu respondo na hora.
P/1 - Quais são seus sonhos?
R - O meu sonho é eu ser feliz e ter uma esposa para morar comigo na minha casa, para ajudar a cuidar das minhas coisas, fazer comida pra mim. Eu tô trabalhando aqui, ela está fazendo almoço para nós lá, ela termina. “Manoel. o almoço está pronto.” Almoçar, a gente dormir juntos, palestrar, conversar. Desculpa eu te falar alguma coisa, não pode ser gravado não, eu acho.
P/1 - Fala? A gente tira depois.
R - Não é só por causa de relação não, que eu quero uma esposa. Não é só por causa disso, não. Eu quero uma companhia, eu quero uma vida para ser feliz, porque eu vou me sentir mais feliz. Mas eu também não quero que fume, e nem beba. Pode ser uma senhora idoso, como eu já disse, se ela não for aposentada, quando ela for no tempo da aposentadoria, eu posso aposentar ela. Eu vou no sindicato, declaro a aposentadoria dela, aposento ela, não tem problema. Mas meu sonho é ter uma esposa para morar comigo, para fazer uma companhia, para a gente conversar, para dividir. Esse é o meu sonho, nega.
P/1 - E você gostaria de contar alguma história que eu não tenha te perguntado? Alguma passagem da sua vida? Faltou tanta coisa, né?
R – É, passou, cara, mas...
P/1 - Tá! Oba! Seu Manoel, o que você gostaria de deixar como mensagem? Um registro para as pessoas, o que você gostaria? Pensando em toda sua histórias, todos os seus conhecimentos?
R - Em vida? Para eu falar agora, qualquer hora.
P/1 - É! Deixar mensagem para as próximas gerações como um legado?
R - O que eu quero é que todo mundo seja feliz, que seja abençoado por Deus, e procure usar uma mente cada vez melhor para a vida das pessoas. Ser feliz. Nada de nada errado. O que eu quero das pessoas, como eu dou conselho para muitas pessoas, que seja feliz, e não use nada errado, para fazer nada errado, que deixe todo mundo em paz, que viva em paz com Deus!
P/1 - Como foi para você dividir um pouco dessa sua história com a gente? Lembrar de tudo isso?
R - Rapaz, a vida, a natureza é importante pra gente. É importante a gente ter uma mente limpa, pura, para a gente lembrar das coisas boas cada vez mais. Por isso que é bom a gente ter uma mente limpa e pura. Cada vez que tu se lembra mais das coisas, vai ser melhor para você no futuro.
P/1 - E para encerrar, qual é sua primeira lembrança da vida?
R – Agora, primeira lembrança pra mim encerrar. Eu fico feliz por essas duas pessoas, nunca me conheceu, nunca me viu, está aqui na minha presença, fazendo uma entrevista comigo, e sendo muito feliz do meu lado. Eu deixo isso muito forte para vocês dois.
P/1 - Muito obrigada! Obrigada por nos receber aqui nessa terra. Com maior prazer, com o maior prazer da minha vida, com o maior prazer. Te agradeço muito!
R - E eu que agradeço mais ainda a vocês, porque eu nunca esperava na minha vida aparecer uma pessoa vindo lá do outro lado, sem nunca ter se visto, nunca ninguém ter se conversando, e vim duas pessoas lá do outro lado do mundo, tudinho do tempo, e vir aqui para me ver, conversar comigo, fazer entrevista, explicar. Meu Deus, que felicidade é essa? Que coisa é essa? Que benção Deus está dando pra gente, a pessoa vir para conhecer a gente. É como quando veio aquele jornalista da Rússia, que nunca viu falar, e veio bater aqui na minha casa, fazer entrevista comigo, e gravar, botar o gravador aqui, ficar gravando a máquina, tudinho, cara.
P/1 - Obrigada, querido.
R – Então, quem fica mais feliz sou eu gente, não são vocês, é eu que fico mais feliz. Obrigado, obrigado, obrigado.
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