Entrevista de Jair Costa Freitas
Entrevistado por Luiza Gallo
São Paulo, 06/12/ 2024
Projeto: Mateiros do Brasil
Entrevista número: MAT_HV006
Realizado por Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Obrigado. Primeiro de tudo, eu quero te agradecer por ter vindo até São Paulo. Saiu do Pará para vir aqui, para poder dividir um pouco da sua história com a gente, te agradeço muito.
R - Eu também.
P/1 - Queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R - Tá. Eu sou Jair da Costa Freitas, nasci em Vila Timboteua, a aproximadamente 160 quilômetros longe de Belém. E nasci, passei a minha infância por lá, quando foi aos dezesseis, dezessete anos, fui para Belém com um tio meu, morar lá dentro da empresa, até hoje eu ainda estou lá, no caso a Embrapa.
P/1 - Vou voltar. Posso? Antes. Que dia você nasceu?
R - Dois de setembro de 1963, meia, três.
P/1 - Você lembra como foi o dia de seu nascimento?
R - Não, não, não.
P/1 - Não tem nenhuma história?
R - Não, não tenho história sobre isso. A minha mãe nunca me falou sobre esse tipo de coisa.
P/1 - Nem se foi em casa, em hospital?
R - Não, em casa. Foi em casa. Naquela época, eu acho que eu só tive um irmão… Nós somos sete irmãos, seis homens e uma mulher, e só um, que eu tenho lembrança que foi para o hospital. Foi o mais novo, que eu acho que está com mais de quarenta anos já também.
P/1 - O resto tudo em casa?
R - Tudo foi em casa que a minha mãe teve.
P/1 - E desses irmãos, onde você está nessa ordem? Você é o mais velho, o mais novo?
R - Sou o segundo.
P/1 - O segundo mais velho?
R - O segundo mais velho. O primeiro está com 64, por aí, eu estou com 61.
P/1 - Como você descreveria os seus irmãos? A relação de vocês na infância?
R - Luiza, nós mesmo… Graças a Deus nós fomos uma família que nunca tivemos discussão com nada… Viemos mesmo… Que nem você está perguntando. Eu...
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Entrevistado por Luiza Gallo
São Paulo, 06/12/ 2024
Projeto: Mateiros do Brasil
Entrevista número: MAT_HV006
Realizado por Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Obrigado. Primeiro de tudo, eu quero te agradecer por ter vindo até São Paulo. Saiu do Pará para vir aqui, para poder dividir um pouco da sua história com a gente, te agradeço muito.
R - Eu também.
P/1 - Queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R - Tá. Eu sou Jair da Costa Freitas, nasci em Vila Timboteua, a aproximadamente 160 quilômetros longe de Belém. E nasci, passei a minha infância por lá, quando foi aos dezesseis, dezessete anos, fui para Belém com um tio meu, morar lá dentro da empresa, até hoje eu ainda estou lá, no caso a Embrapa.
P/1 - Vou voltar. Posso? Antes. Que dia você nasceu?
R - Dois de setembro de 1963, meia, três.
P/1 - Você lembra como foi o dia de seu nascimento?
R - Não, não, não.
P/1 - Não tem nenhuma história?
R - Não, não tenho história sobre isso. A minha mãe nunca me falou sobre esse tipo de coisa.
P/1 - Nem se foi em casa, em hospital?
R - Não, em casa. Foi em casa. Naquela época, eu acho que eu só tive um irmão… Nós somos sete irmãos, seis homens e uma mulher, e só um, que eu tenho lembrança que foi para o hospital. Foi o mais novo, que eu acho que está com mais de quarenta anos já também.
P/1 - O resto tudo em casa?
R - Tudo foi em casa que a minha mãe teve.
P/1 - E desses irmãos, onde você está nessa ordem? Você é o mais velho, o mais novo?
R - Sou o segundo.
P/1 - O segundo mais velho?
R - O segundo mais velho. O primeiro está com 64, por aí, eu estou com 61.
P/1 - Como você descreveria os seus irmãos? A relação de vocês na infância?
R - Luiza, nós mesmo… Graças a Deus nós fomos uma família que nunca tivemos discussão com nada… Viemos mesmo… Que nem você está perguntando. Eu vim desde de moleque no interior, a gente tinha aquele hábito, que a minha mãe e meu pai viveram, eu acho que tem uns trinta anos que se separaram, no caso. A gente ficou com a mamãe, então a nossa vida no interior era bem mesmo assim, tem um rio, que chama Rio Peixe Boi, lá onde a gente ia pescar pela manhã, pra a gente…. Era aquela coisa mais ou menos, mas que nem eu falo… Hoje a gente sempre fala, que somos ricos agora, que graças a Deus a gente come de tudo, não precisa mais ir pescar, a gente já compra o peixe de quem está pescando. Então para mim, graças a Deus, melhorou muito. E desde já, fui para a Embrapa, e nessa época meu tio trabalhava lá. Ainda não era da Embrapa. E nessa época tinha os doutores que moravam dentro da Embrapa, e eu ia limpar os terrenos das pessoas, roçar, capinar, tirar o lixo. Era do que eu sobrevivia. Quando houve, em 1987, teve as vagas para a Embrapa, que era prestar concurso público. Era assim, a vaga era para você trabalhar… “Olha, o Jair, sobrinho do Seu Alfredo, é muito bom para trabalhar, bora buscar ele.” Eu morava lá dentro, iam me buscar, então com isso eu fui adquirindo amizades dentro da Embrapa, com os doutores, com as outras pessoas. E quando surgiu a vaga em 1987, treze de agosto de 1987, me chamaram. Aí, eu fui lá no escritório…
P/1 - Qual era a vaga?
R - Para trabalhador de campo. Só tinha essa. Como eu não tinha formação nenhuma, não tenho. Não tinha, não, não tenho. Então, ficou nessa. Você vai trabalhar no campo com o que puder, claro. Então, como eles já sabiam que eu sabia trabalhar em campo, vim do interior para a cidade, mas sabia trabalhar no campo. E a Embrapa é uma empresa de pesquisa, faz de tudo, você roça, você capina, você dirige trator, você faz de tudo, tudo o que for pra melhorar a gente tem que fazer dentro da Embrapa. Eu, no caso, que sou… Agora, pesquisador não, pesquisador, jornalista, tem outro tipo de escritório, escrever e tal, essas coisas. Em 1987 quando eu me empreguei, ficou legal, melhorou mais, porque eu me acertei em um trabalho de carteira assinada. Como a Constituição do Brasil foi em 1988, o pessoal citava muito. “Vocês que entraram em 1987, não podem ficar porque a lei do Brasil não é essa, porque é assim, isso e aquilo.” Eu falei: “Cara, eu pedi para entrar na Embrapa, para sair eu não vou pedir não, né? Eu nunca vou pedir para sair numa empresa que é boa. Embrapa é uma empresa muito boa, paga bem seus funcionários, nunca faltou. Então… Aí, foi passando o tempo, Luiza. Passando o tempo…
P/1 - Mas o que era o trabalho de campo?
R - O trabalho de campo meu era… Eu entrei na Embrapa como pesquisador também, pra melhoramento do arroz. Então, eu fazia experimento de arroz, plantava a semente, colhia, media o crescimento, manipulava, conferia, perfilho, essas coisas. Tudo isso. Via a doença que estava dando no arroz, passava o veneno para matar as pragas. Esse foi o início da minha carreira na Embrapa. Depois trabalhei um ano, dois anos, cinco anos. Quando chegou dez anos, antes de dez anos, eu comecei a viajar pela Embrapa, porque eu tenho uma amiga, a Edna. Eu ia passando pra bater meu cartão de tarde, ela perguntou: “Você quer viajar?” Aí eu falei: “Quero”. Ela disse: “Então tá. Aí quando foi na segunda-feira ela me deu a passagem de avião pra eu ir para Altamira. Eu não sabia nem o que era aeroporto naquela época, que eu era do interiorzinho mesmo. “Tá aqui a passagem, tu tem que estar no aeroporto tal hora.” Me deu. Eu tive que ir. Um edificador, naquele tempo mateiro era o Lucivaldo. Então, tenho muita gratidão pelo Lucivaldo. Lucivaldo foi um cara que ele… Tipo assim, ele sabia. Nessa época eu ia cortar o pico no facão, pra ele falar para um rapaz aqui de São Paulo, conheço muito bem, um colega meu, Eduardo, aqui em São Paulo, estava lá nessa época, em 1987, já com a planilha de campo. E o Lucivaldo falando e eu abrindo a picada, para eles trabalharem. Eu era o fronteiro do trabalho, cortando a picada aqui, marcando de dez em dez metros, botando aquela fita, para marcar os passa linhas. E quando eu terminava, vamos dizer assim, duzentos metros de pico, fazia. Eles estavam escrevendo aqui, eu vinha para trás deles. Fazer o quê? Vou ver se esses caras estão mentindo. Aquela curiosidade, porque parece que eu queria aprender mesmo. Ele falava umas coisas. “Mista selvática.” Aí, eu ficava assim: esse cara está louco, está falando essas coisas que não tem nada a ver. Aí, tá, né? Ele falava esses nomes, e eu ficava olhando, tipo assim, ele falava: mista selvática aqui. Eu pegava aquele galho e comparava para ver se era a mesma coisa que ele estava falando. Naquela época eu já fazia isso. Digo: “pô, será que ele está mentindo? Vou ver se ele está mentindo”. Mas foi só comigo. Então, você vê. Eu passei durante esse tempo, foi cinco anos num projeto, de um pesquisador, de um professor dos Estados Unidos, ele vinha todo ano, um mês, então ele me requisitava pela Embrapa. “Eu quero que o Jair vá. Eu quero que o Lucivaldo vá”.
P/1 - Qual é o nome dele?
R - Lucivaldo Marinho.
P/1 - Não, o dos Estados Unidos?
R - E o professor Milton Mourão, é Milton Mourão, ele é professor de lá. Então, ele trazia os alunos, e nós íamos fazer esses trabalhos. E o Lucival era o identificador. Eu era o que cortava o pico, nessa época. Só que aconteceu um acidente. Eu fui o primeiro ano, o segundo ano, Lucivaldo, o carro matou ele. Aí, no terceiro ano, no caso, ficou sem o Lucivaldo. No outro ano ele vinha, aí pediu o Lucivaldo novamente, mas… “O Lucivaldo não pode, o Lucivaldo faleceu.” Arranjaram um do Museu, Emílio Goeldi, que era o seu Osvaldo. Aí eu fui para o mato com o Seu Osvaldo. Só que nessa época, o Seu Osvaldo era mais, vamos dizer assim, mais idoso do que eu. Eu era mais novo ainda um pouco, estou com sessenta, eu acho que eu tinha uns 35, por ali, estava bem ainda. Aí, o que acontece? O Seu Osvaldo cansou de está marcando ali, ali, ali. Aí eu peguei a trena e fui marcar, porque já era o terceiro ano que eu estava acompanhando o mesmo trabalho. Era um mês por ano, mas fica alguma coisa de um ano para o outro.
P/1 - O mês todo?
R - O mês todo, era um mês, trinta dias que tirava num rio lá. Aí eu pegava… Fui medir. Aí, eu comecei a falar os nomes. E o Seu Osvaldo estava cansado, sentado ali, e esse rapaz de São Paulo anotando. Aí, ele perguntou: “Jair tu sabe?” O Seu Osvaldo perguntou pra mim. Eu disse: “Seu Osvaldo, está certo?” Disse: “Tá certo, Jair. Onde tu trabalha, Jair?” “Eu trabalho lá no campo, lá na várzea, com arroz.” Ele disse: “Não, rapaz, essa sua mão de obra não é para estar trabalhando com arroz, não. Quando eu chegar lá, vou conversar com o teu chefe”. Que era o Joaquim, Dr. Joaquim. Altevir era o pesquisador que trabalhava com arroz, Dr. Joaquim era o chefe da botânica. Aí, ele foi lá. O Seu Osvaldo foi conversar com o Dr. Joaquim, e disse: “Joaquim, você está perdendo uma mão de obra muito boa, cara, o Jair trabalha no campo, sabendo pra caramba, e tu deixando ele no campo.” Aí, foi a briga dos dois pesquisadores. Briga assim, que eu te digo, porque como eu era muito útil aqui, com o Dr. Altevir, ele não queria liberar. E também, então, a história, o chefe da Embrapa, ele brincava bola no nosso meio e ele queria ser bocão. Bocão que eu digo é… Aí, nessa hora… Um dia a gente estava brincando de bola, depois do expediente, ele começou a querer falar alguma coisa. Eu falei: “Cara, tu manda lá na sala, aqui não tem nenhum, não. Nós somos iguais aqui no campo.” Ainda peguei, chutei a bola nele. Esse aí nunca vai me liberar para me tirar do campo pra botânica. Que eu já tinha discutido com ele. Aí, passou um ano, passou mais outro ano. Eu na boa. Aí, quando foi um dia ele me chamou: “Jair, se é pro bem da Embrapa, você vai pro laboratório, a partir de hoje. Aí pronto!
P/1 - Você queria?
R - Eu gostava, porque eu me identificava, eu comecei a gostar. Apesar de eu estar desconfiando dos meus amigos, que antes… Mas é uma outra coisa Luiza, assim: Quatro horas da tarde a gente esperava o carro passar em Altamira, então quando a gente estava sentado lá na beira da estrada, aí botaram uns dez ramos de mato aqui, o Lucivaldo, eu lembro disso. “Jair, tu identifica quantos desses aí?” Poxa… “Fulano, fulano, fulano, fulano”, eu dizia assim. “Errou dois, mas tá bom.” Aí no outro dia, todo dia, que não tinha esse tempo, a gente fazia isso, tipo uma gincana pra gente brincar. Aí, o que aconteceu, eu fui gostando, fui gostando, fui gostando. Aí, foi na época que eu vim mesmo para a botânica. Cheguei na botânica, que eu falo pra vocês, não sabia, sabia que tinha árvore, não sabia que tinha família, não sabia que tinha um nome, não sabia que tinha sobrenome. Então, quando eu cheguei na botânica, um colega meu, César, falou: “Jair, a partir de hoje está aqui o seu instrumento de trabalho.” Me deu um lápis e um caderno de campo, que a gente chama, que é pra fazer anotações. As anotações de campo. Você viu isso aqui, isso aqui é uma Goiabinha, Goiabinha Myrcia SP (?). Então, disso aí, eu fui aprendendo, né? Fui aprendendo, fui aprendendo. Aí surgiram os projetos grandes pela Embrapa, os projetos grandes, que tinha muito recurso. Aí nessa época, essa doutora Regina brigava muito para que esse nosso trabalho virasse profissão, ela foi até nesses órgãos, né? Pra formar uma profissão.
P/1 - Como foi isso?
R - Ela queria que formasse…
P/1 - Não era considerado uma profissão?
R - Não, não é. Então, os órgãos competentes, tipo a Embrapa, o Museu Emílio Goeldi, que tem também muitas pesquisas, queriam brigar para isso virar uma profissão. Porque era tipo assim, um pedreiro, um carpinteiro, é profissão, é assinada a carteira como profissional, nós não temos.
P/1 - Ainda hoje?
R - Ainda hoje. Lutaram, lutaram e não conseguiram passar pelos órgãos. Aí, ela aposentou, desistiu, ela era a mais interessada. E nessa época também, ela conseguiu muito dinheiro de projetos. Então, ela disse assim: “Os meninos aqui da botânica vão ter que sair para se qualificar em algum canto”. Ela mandou a gente para São Paulo. Tanto que eu vim pra cá, para São Paulo, passei no Jardim Botânico, passamos quinze dias lá, com uma professora também daí. Aí, ela explicava as coisas pra gente. Visitou várias áreas aqui dentro de São Paulo, mas faz quinze, vinte anos, mais ou menos atrás. Então foi aí que começou a carreira de identificador, que a gente começa a aprender. Tem um outro cara, que eu também agradeço muito a ele, que é o Mike, que trabalha lá no INPA, em Manaus. Ele não é brasileiro, ele é gringo, mas ele explica muito bem, você não aprende mesmo com ele, só se você não tiver interesse, porque ele é um cara que explica tão legal que não tem como… Então, a gente ia participar desses cursos de Botânica, de identificação botânica, então, Luiza, todo curso que você vai, você aprende algum detalhe, você não aprende tudo de uma vez, mas você vai assim. Eu não sabia que era uma folha composta. Eu não sabia. Eu não sabia que tinha uma folha simples. Eu não sabia que tinha folha simples e oposta. Eu não sabia de nada disso. Eu não sabia que tinha folha imparipenada, nem paripenada. Tudo isso existe. E tudo isso, com esses estudos, você identifica família, você nunca vai jogar uma Meliaceae no meio de uma Anacardiaceae. Por que? Porque uma termina com ímpar e outra termina com par. Então, quando você vê uma folha terminando em dois, “Pô, isso aqui é isso”, essa aqui é três? “Então é para cá”. Isso era uma coisa legal que o Mike fazia. Ele botava um monte de ramo. “Bora separar aqui.” Trabalho mesmo de uma semana assim. Botava tudo aqui. “Jair, separa. Quem é esse?” “Tá certo, aprendeu as famílias.” Depois… “Essa aqui é do gênero tal…” A gente começa dessa forma, bem assim a gente começa a adquirir o conhecimento. Que nem eu falei, todo o tempo, se você for dez dias para o mato, dez dias você aprende uma coisa diferente, não tem jeito, não tem. Botânica, o cara diz: “Eu sei!” Tu não sabe nada não, todo dia tu aprende uma coisinha diferente, um detalhe numa folha, uma estípula, ou uma glândula. Tudo isso te ensina alguma coisa, tudo isso te diz alguma coisa. Uma glândula na base de uma folha, uma Euphorbiaceae, se não tiver aquela glândula, não é uma Euphorbiaceae. “Não, aquilo não é…” Mas isso também, Luiza, você não pode falar em campo, isso aqui tu diz assim, eu vou dizer assim: “Isso aqui é uma Myrtaceae. É! Isso aqui eu sei que é Myrtaceae. Mas eu não posso dizer que é_______, não posso dizer que é outro tipo. Tenho que dizer que é Myrtaceae. Só até aí está bom para mim, para ficar seguro. Porque você sabe, não é só dizer fulano de tal, fulano de tal. Mas se eu sei um pouco, tem gente que sabe mais do que eu, aí vai chegar. “Não, negativo, quem foi que falou isso?” Aí é ruim isso. Isso foi uma coisa que a Dr. Regina… “Meu filho, se não souber, não é vergonha dizer que não sabe, não. É vergonha você mentir para depois alguém vir te consertar, isso é feio.” Então isso aí desde tempo que eu aprendi isso. Então, se eu não sei, eu não sei, Luiza. Não sei, eu estou na mata aqui trabalhando, já é esse horário, está quente, sol quente, bicho mordendo a cabeça da gente. Aí, você olha uma planta. “Não sei.” Pronto, tá bom. É melhor dizer… Vem outro, de outra vez. “Jair não soube?” “Não, ele não soube.” “Então tá bom. Isso aqui é fulano.” Ajeitou para mim. Porque o nosso trabalho de identificação é permanente. A gente faz parcela permanente, que ela dura cinquenta, cem anos. Tem gente, os pesquisadores, os primeiros pesquisadores, montaram parcelas, hoje já morreram todos, e já continuou outra geração de pesquisadores, estão continuando o trabalho. Então, a vida é essa. Eles já morreram, e outros pegaram e continuam o trabalho, é monitoramento da floresta, como ela se desenvolve, como é que ela morre, como é que ela se recompõe depois. Então, é isso aí o tipo de trabalho que a gente faz. Então, todo tempo a gente aprende alguma coisinha diferente.
P/1 - Você faz o monitoramento da floresta?
R - Faço!
P/1 - Hoje em dia?
R - Hoje em dia faço. É isso que é o meu trabalho do dia. Apesar de eu estar em outra área, mas eu sou requisitado pelo pesquisador Ademir, Lucas, Eniel, só dentro da Embrapa. Joice Ferreira, são os pesquisadores que têm essas parcelas, tem esses trabalhos. Então, eu ando com eles. Pra você ver que a minha escala de viagem já começou, já tenho duas viagens, uma para fevereiro, e uma para março. E uma pesquisadora já perdeu, porque eu falei pra ela: “Doutora, ou a senhora fala agora, em dezembro ainda…” Aí, o outro foi lá e já marcou, duas viagens, pra Caxiuanã, uma outra floresta muito linda que tem.
P/1 - Qual o nome?
R - Caxiuanã. A gente vai embarcado, saí de Belém, passa dois dias de barco para chegar lá. Todo o tempo dentro do barco, correndo nesse meio de mundo. Então, é legal! Não fui lá ainda não, mas já está marcada a viagem. E o pesquisador que trabalha com semente, ele trabalha só com sementes. Então, nós vamos lá, vamos ver as árvores que têm sementes. Ele está escrevendo um livro, então eu vou lá com outras pessoas, vamos coletar. Tá com fruto, bate a foto, ajeita tudinho. Ele vai descrever a planta para escrever o livro dele.
P/1 - Nesse trabalho você entra como identificador botânico?
R - Sim, sim.
P/1 - Dá os nomes?
R - Sim! Porque que nem eu falei pra você, hoje em dia eles não querem mais nome popular, que a gente dizia de popular antigamente, ou popular ou vulgar. “Nome vulgar.” “Vulgar não, vamos para o popular.” “É uma goiabeira.” Nome popular, é um jambo, uma mangueira. Mas todos dois tem um nome certinho, que não muda. Então, é esse o nosso trabalho de hoje em dia agora na Embrapa.
P/1 - Como foi essa virada de trabalho dentro da Embrapa pra virar identificador botânico? Começar a ter CLT, enfim, ser convidado pra fazer parte dessa equipe?
R - Dos pesquisadores?
P/1 - É.
R - Para começar a fazer parte da equipe. Eles tem tudo o mesmo tempo que eu tenho lá dentro da Embrapa. Então, eu fui me destacando, porque eu viajava com o Seu Manoel. Aí, hoje em dia eu tenho… Agradeço muito a Deus, pelo conhecimento que eu tenho, não um conhecimento, e sim alguém que me conhece, porque alguém que falou pra você, eu não sei nem quem foi: “Pode ser um rapaz lá do Acre?” “Pode ser”. Não sei quem foi, não sei quem foi, só sei que ele me conhece de alguma forma, me conhece e me indicou pra vir aqui. “Tá tudo bem, então eu vou”. Mas eu não sei quem é, até agora eu queria descobrir quem é.
P/1 - A gente vai descobrir depois. Eu também não sei na ponta da língua. Mas a gente descobre.
R - Tem um cara lá do Acre que ele gostava muito de mim, dois rapazes. Também fui para lá fazer um trabalho com eles, fazer tipo um congressozinho.
P/1 - Você lembra o nome?
R - O que eu lembro é só o cara que é especialista em Burseraceae, que é o Douglas, Douglas não sei o quê. Especialista em Burseraceae. São os ____. Então, eu fui a primeira vez, na segunda vez eu estava viajando, e não compraram minha passagem em dia. Quando chegou lá. “Cadê o Jair?” Eu não sei porque ele falou assim. “Cadê o Jair? Eu quero o Jair.” “O Jair não pode vir, porque o Jair estava viajando.” Não pegou os dados para comprar a passagem, aí não deu para mim. Aí, até hoje eu lembro do Douglas, porque ele perguntou de mim. E também na hora da rodada de apresentação, eu falei, ele falou assim, na brincadeira, nosso amigo aqui, falou assim: “Jair, te aborrece chamar de mateiro?” “Não, cara!” Pra mim não tem nada a ver não, mateiro, identificados, pra mim é uma coisa só”. Aí, nesse dia, eu falei para o Douglas: “Douglas, bora se apresentar.” Aí, não sei o que, mateiro. Aí, eu falei: “Douglas, mateiro não, porque mateiro sabe só o que é o mato. Pode chamar de parabotânico, ou então identificador.”
Daí ele achou graça, acho que por isso que ele me marcou. Foi o único que falei assim… Porque o mateiro, diz que é uma jaqueira, ou uma mangueira, mas não sabe se tem família, gênero, espécie. Aí acho que bateu nele, disse: “Rapaz, os homens estão mais afiados do que eu imaginava”. Eu acho que foi isso. E esse rapaz estava lá comigo, que ajudava o Douglas lá. E foi para o mato comigo, e foi fazer os mesmo teste do mato. “Jair, que árvore é essa aqui?” Lá no meio da floresta lá. Como a gente não podia cortar. Porque o identificador ele tem… Falei para o Saulo que tem várias marcas para identificar. Você chega, você olha ali, você já imaginou o que pode ser, mas você tem mais quatro itens ou mais para identificar. Tem que ter o cheiro, se tem o corte, tem o látex. Quando você tem um ramo na mão, um facão para você cortar, para ver a estrutura da casca viva, casca morta, essas coisas, aí vamos ampliando mais o conhecimento para chegar ali. Agora tem umas que são fáceis já, que já está manjada mesmo, tipo assim, a jarana. A jarana, ela é Lecythis lurida, pronto, beleza. A gente não vai nem bater mais cabeça. A sapucaia, ela é Lecythis pisonis, pronto, tá bom. Castanha do Pará, que a gente chama, Bertholletia excelsa, pronto também. Essas bem comum, a gente nem bate cabeça, claro. Agora, vão chegando as outras espécies, maçaranduba. Maçaranduba não tem só uma, tem a Manilkara elata, tem Manilkara bidentata, tem Manilkara… e se você olhar pra cima, tá alta, você tem que procurar uma folhinha aqui no pé dela, porque realmente tem que cair alguma folha no pé dela, você já sabe que é uma maçaranduba, mas qual? Eu falei três espécies, rapidinho aí. E tem mais. Eu vou dizer assim, tudo é elata. Aí, tem uma que é rara aqui no meio, eu cortei tudo como elata, a única que era rara, foi embora no meio das elatas, e aí? Então, é por isso que hoje fez exigência, tá mais com os identificadores do que com os mateiros. Estão mais. Então, qualquer supressãozinha que tem, que a gente faz uma supressão para fazer prédio, fazer alguma coisa lá em Belém, dois mil metros quadrados, aí tem que fazer um condomínio, mas tem que ir um identificador. Aí, quem vai? O Jair. Aí, vai ter que ter um engenheiro florestal para assinar como responsável, porque eu estou identificando, mas o engenheiro florestal é quem vai dar o aval. Ele vai estar lá comigo, ele vai estar anotando, então a assinatura do engenheiro florestal é que vai valer aquele laudo para poder fazer o desmatamento, para poder fazer o condomínio. Então, tudo isso hoje, já melhorou mais. Melhorou assim, o conhecimento da gente, a gente tem que se esforçar para aprender, para não fazer coisa errada, né? Aí eu falei para o Saulo que eu já tenho ligação real. Eu cheguei, estava aqui, o cara estava ligando para mim ir lá, que vai ter um serviço lá de negócio de condomínio, tem que fazer o levantamento.
P/1 - Isso é dentro da Embrapa?
R - Não. Na região metropolitana, redonda, que está crescendo. Em Belém não pode mais crescer para cá, que é água. Então, tem que crescer para trás, cada vez vai crescendo mais…
P/1 - Mas esses serviços são pela Embrapa?
R - Não, não, não, particular. Particular. Particular, sempre particular. Aí, você, como engenheira florestal, você diz: “Eu faço o serviço”, porque a assinatura é sua, é você que está assinando ali, então você tem que ter garantia. Aí, você leva um identificador que vai mentir lá, aí vem uma fiscalização de qualquer outro órgão. Tipo assim, da CEMA, do Ibama, vai chegar lá, eles conhecem. Diz: “Não, isso aqui tem isso aqui, porque aqui na tua lista diz que não tem?” Aí, já vão embargar o trabalho do cara. Então, por isso que tem que ter muito cuidado com esse tipo de trabalho. Você tem que falar a verdade. Eu fiz um há um tempo atrás, tinha a castanheira, eu tinha que dizer que tinha a castanheira, eu não posso mentir. Disse: “Tem duas castanheiras, uma maçaranduba”, que é madeireira já nobre, então fica mais difícil aceitarem cortar. Daí a mulher falou. “Mas por que tu disse que tinha?” “Mas tem menina, eu não posso está dizendo que não tem. A não ser que tu apague daí, tu apague por tua conta, que eu não… Mas se tiver, tem”! Aí, pronto. Tem gente que é assim, que é só o dinheiro na hora. Mas a gente também tem que pensar no nome que vai ficar. Você como engenheira e eu como identificador. Quem foi que fez esse trabalho? Luiza e Jair. Porra, quebrou! Acabou com tudo, acabou com nossa reputação, a gente fica manjado. E quando a gente precisa de outro trabalho. “Não, esses dois não sabem, não.” É ruim. Hoje em dia está mais exigente esse trabalho nosso, agora. E está diminuindo, porque há pouco tempo morreu Seu Bené, morreu Lucivaldo, Seu Nelson. Dos antigos lá na Embrapa, vem só o Seu Manoel, ainda, mas está com 75 anos, não está mais lembrado. Só vai lá auxiliar, para vocês verem. Eu com 27 anos de Embrapa: “Seu Manoel vai lá, eu tenho uma coisa que eu não sei aqui”. “Rapaz, tu não sabe o que é isso, Jair?” “Não Seu Manoel, se eu soubesse eu teria feito Seu Manoel.” Rapaz, isso é fulano, fulano, falou. Aí, puta merda, não é que é mesmo. Um cara com mais de 75 anos. Ele vai lá ainda, uma vez por semana ele vai lá no laboratório, a gente pega ele, vai buscar no carro lá na portaria, leva. Compra açaí, ele gosta de açaí, bebe o açaí dele, leva ele de volta lá na casa dele. Mas a gente faz isso por que? Porque tem hora que dá um branco na mente da gente que a gente… Eu, Edinaldo, João e o Miguel. Miguel teve problema de vista, perdeu a vista, então tem menos um, no caso. Então, cutucou eu, o João e o Edinaldo.
P/1 - São poucos, né?
R - Na Embrapa tem três. Eu estou fora do laboratório. Porque que nem eu não falei. Eu me aposentei, então tive que me afastar do laboratório. Não dá identificação, porque quando você aprende uma coisa, acho que o que você sabe, sabe, não dá mais para esquecer, não. Não dá mais, fixou na mente, aquela coisa. E que nem a gente diz assim, andar de bicicleta, você andou de bicicleta quando era criança, nunca mais andei, mas eu ainda sei. Sai meio torto, mas depois a pluma vai embora. E que nem a gente faz, passa um ano sem ir na mata, você chega lá, quando eu chego dentro da mata, eu fico doidinho logo. Antes de você se preparar para trabalhar, eu já estou com o meu traçadinho cortando, cheirando, olhando. Por quê? Porque você vai… “Jair, que árvore é essa?” Eu vou ter que responder para você. E você que está perguntando eu tenho que dar meu jeito de responder, não é isso? Então, você não quer saber, você está me pagando para eu identificar. Você só é anotadora. Mas anotadora também aprende muito, que a anotadora está bem próximo, você está falando, você está observando, eu estou cortando…
P/1 - Como é essa história?
R - Pois é! Então, tipo assim o parabotânico e o paramédico, o paramédico é o médico que chega ali na hora para dar só o primeiro alô, né? “Não, não, tem que chamar o especialista em tal coisa.” Mas ele desenrolou o que ali, 50% do caso. É o caso do parabotânico, ele vai para a mata e traz de cem plantas… Eu tenho certeza que um parabotânico, ele traz 80% praticamente feitas, então tem 20%... Umas que a gente não sabe mesmo. Aí, já traz para o laboratório, porque que nem eu falei, lá no mato é quente, é calor, é bicho mordendo o pescoço, então tem hora que tu nem pensa direito, que não dá de pensar. Quando você chega no laboratório, que está no ar condicionado, a bancada bacana, tudo limpo. Aí, você pega uma lupa, caramba, isso era fulano de tal, rapaz, olha. Um detalhezinho da mata, um afobamentozinho da mata, a gente não diz o certo. Então, até nisso também a gente fala, no mato é até três horas, a partir das três começa escurecer, você já está cansado, já está suado, eu começo a querer falar coisas que nem deve mais não. Então, eu sempre quando vou para o mato com as pessoas, eu falo: “Meus amigos, é o seguinte…” Não tem problema chegar sete horas da manhã no mato, não, para mim não tem, sete, oito, leva uma banana, uma maçã pro mato, cerealzinho, uma garrafa. Água tem que ir, mas o resto. Aí, tá. Aí a gente pega, leva isso, e tora o dia todo. Quando dá duas horas, duas e meia, já está cansado: “Pronto, parou, vem embora”. No outro dia continua de novo o trabalho. Que não dá para levar também assim, até cinco, seis horas. A não ser que seja uma coisa para acabar. “Então, só tem duas parcelas, pra gente não voltar amanhã, bora acabar logo.” Mas quando eu estou trabalhando com qualquer pessoa, eu falo logo o esquema de trabalho, que é bom falar logo, porque às vezes. “Não, está cedo.” Poxa, falamos que é duas horas, é duas horas, falam três, é três horas, vamos embora. Porque não vai acabar no mesmo dia. Se sair três, quatro da tarde, não vai acabar, então deixa para o outro dia. Eu penso dessa forma.Também para não estragar muito.
A gente estava fazendo um trabalho agora na Flona do Tapajós, o pesquisador falou: “Se você fizer uma parcela, está de bom tamanho”. Aí eu vi que dava pra fazer mais. O pesquisador está lá na casa dele, ele estava até na França, o pesquisador. Hoje em dia, pela internet, fala todo dia, toda hora, a hora que a gente quiser a gente está falando um com o outro. Aí eu fiz uma parcela e meia. Quando ele chegou, agradeceu. “Jair, dá pra fazer?” “Dá para fazer bem feito. Uma e meia dá para fazer bem feito, saindo às duas horas da tarde do campo. Aí você tem três, tem quatro, tem cinco, para tomar banho, descansar, é para pegar no outro dia só às sete da manhã. Mas também às sete da manhã a gente estava entrando na mata, no escuro. Estava ficando claro, a gente já tinha começado. Mas sempre dessa forma, Luiza. O mato puxa mesmo, cansa, cansa. Não precisa nem beber cerveja para dormir não, dorme logo é de cansaço mesmo.
P/1 - E para essas viagens, qual é a preparação que você precisa? Tem alguma?
R - Não, não, não. Passando uns cinco, seis meses sem ir no mato, você chega meio ruim, mas com dois, três dias, você já está bem no mato de novo. Porque o mato cansa, Luiza, cansa mesmo que você sua, sua que molha, molha, pinga a camisa. Camisa grossa, de manga comprida, você tem que andar na mata, por causa dos espinhos. Chega a ficar pingando. Tem que lavar quase todo dia uma blusa para poder trabalhar no outro dia, senão não dá não. É muito quente.
P/1 - E você sobe nas árvores. O que você faz? Você está dentro do mato, quais são as suas funções?
R - Não, dentro do mato, antes eu subia.
P/1 - Antes.
R - Antes eu subia em árvore pequena, árvore fina. Ah, tem um galho, tem que saber o que é. Eu vou lá e tirava, de boa. E também tinha o podão, nós temos um podão, que vai catar a folha lá em cima para a gente. Porque tem coisa, Luiza, que você não consegue identificar aqui do chão. Quando você vê a folha, você conhece, então… sempre também agora, na equipe que a gente anda, a gente anda com um podão, é um rapaz só com aquele podão, um saco de plástico com uma fita. Eu passei nessa árvore, eu não sei o que é, eu não posso também perder tempo, porque é muito trabalho, então eu tenho que ir pra frente. Então já deixo ali marcada, ele vem bem atrás, coleta, bota dentro de um saco, número da árvore que eu passei, quando chega de tarde lá, que a gente toma banho, que está jantando, já está legal. Aí bora rever as coisas aqui. A gente pega, pega a lupa, vai ver. “Não rapaz, isso aqui não precisa levar para o laboratório não. No herbário. Que no herbário a gente faz o quê? A gente leva a folha daqui, bota pra secar, que chama de estufa, bota na estufa, ela seca, a gente leva para o laboratório, faz a identificação por comparação. Lá nós temos duzentas mil amostras botânicas, lá dentro, duzentos mil. Então, o que é que acontece? Eu já sei um outro detalhe legal, já sei que é uma_______. Eu não vou procurar em outra família, então por isso que eu disse, conhecer um pouquinho já te ajuda, porque se eu levar um galho desse aqui e não disser que é nadinha, porque tem várias plantas que tem a folha simples e a oposta, se eu digo assim: “Olha…” Eu chego lá com um monte de folhas. Digo: “Ednaldo, isso aqui é uma ________. Então aí, não vai mais para outro canto, vai procurar na _______. Aí rapidinho ele chega no verdadeiro. Então, sempre assim, o parabotânico e o paramédico, andam dessa forma. Que o especialista só sabe aquela dele, tem especialista em copaíba, se você perguntou de outra árvore ele não sabe o que. Tem especialista em angelim, que é uma professora lá da universidade, eu trabalhei com ela também. Ela não sabe o que é outra coisa, e é professor de botânica hoje em dia, mas ela não sabe. Vira e mexe ela me chama. Tá aqui, cheio de foto que ela manda. “Jair, me ajuda aí, o que é isso?” Uma foto bem batida também é bem bom. Uma foto bem batida de ver os detalhes. “Professora, isso e tal.” Essa semana agora ela mandou. “Jair, isso é Brosimum?” Eu felei: “Doutora, professora, nunca.” “E o que é?” Aí eu disse assim: “Clarize eu sei que é.” “É Clarize ressomosa. Assim, agora me lembrei.” Porque tem uns detalhes na planta, na mata, que é muito bom, tudo na mata você aprende um pouquinho também, você corta, ela sai um leitizinho, você corta ela sai uma resina, você corta, ela sai uma coisa amarelada, chama látex amarelado, látex bem branquinho, então, você vai separando, essa daqui tem o látex amarelo e da família Moraceae. Essa aqui tem o látex branco, é da família Sapotaceae. Só Sapotaceae? Não, porque tem quatro famílias que tem o látex branco, quatro famílias. Só que fica bom _________, as três, as quatro famílias, todas tem o látex bem branquinho. Você corta aquilo, sai o látex branco, você vai dizer o quê? Aí vai por eliminação. ________, tem a folha simples e a oposta, se é assim, já vai nela que é ela. Se não tem, tem Sapotaceae também, que são os abius da vida. Se você conhece aquela fruta abiu? Não tem pra cá. Então é assim, a gente vai eliminando. A seringueira, que é _______, tem o látex branco também. Aí tem a folha palmada, você vê uma folha palmada, você não vai comparar com essa aqui, tem a folha palmada, tem látex branco você bota logo seringueira, Hevea brasiliensis, pronto! Ou erava ______. Tem várias que diz que é a seringueira. “Ah, uma Hevea brasiliensis.” Não pode ser outra Hevea , mas se você botou erva SP, e levou o ramo, lá no laboratório você vai dizer que essa aqui é irmã dessa aqui, pronto, aí escreve. Sempre dessa forma a gente trabalha. O serviço mais seguro, eu falo pra você, Luiza, é ir pro mato, se tem dúvida, coleta. Não pode deixar dúvida não, coletou, é a melhor coisa, porque quando você coleta, você até aprende também, porque você coletou, você levou pro laboratório, você identificou. Aí você passa um mês, dois meses, você vai no mato, pô, encontra aquela mesma planta. Ah sim, aquela fulana, fulana. Já aprendeu mais uma. Então, você, às vezes, não aprende da primeira viagem, da segunda viagem, porque você não tinha certeza. Você trouxe para o laboratório, identificou, agora eu tenho certeza. Você vai para o mato, encontra ela de novo. Não, aquela ali já não vou levar mais, porque eu já sei que é fulana, fulana, pronto. Aí, dessa forma que começa.
39:22 P/1 - E guardar tudo na memória?
R - É tudo. Tudo na memória.
P/1 - Como?
R - Nem eu não sei também explicar, Luiza. Porque a menina aqui do Rio de Janeiro, que eu estou trabalhando com ela lá no Rio de Janeiro, lá na Flona. Ela diz que ela se encabula, porque além de eu aprender… Porque tem gente que aprende logo é o científico logo, eu consegui fazer isso, eu só consigo fazer, se eu colocar o popular pra frente. Eu chego aqui, mangueira, Mangifira indica. Eu não sei chamar logo Mangifira indica logo daqui. Então, eu tenho que ter esse negócio. Eu não sei porque foi que nós… O Ednaldo já aprendeu assim, já não sabe o popular, e é pouco tempo. Mas ele é um cara bem bom também, o Ednaldo é muito bom, está novo na Embrapa, acho que tem dezesseis, dezessete anos de Embrapa, e está bom. E outra coisa que ajuda muito, Luiza, é computador que você tem pra pesquisar. O nosso amigo Saulo: “Jair, bora pesquisar aí.” Rapaz, rápido, chega eu fiquei feliz, porque eu já mandei o nome para o Ednaldo, lá em Belém. “Ei mano, é essa mesmo, Bala.” Então, é uma coisa que eu vi que a casca era de Myrtaceae, eu só olhando pra casca aqui, sem olhar para cima, eu ia dizer: “É uma Myrtaceae”. Quando a gente chegou bem próximo, tinha um ramo dela, eu peguei, digo: “Nunca mais que é Myrtaceae na vida, que não tem esse tipo de folha”. Aí, na sacanagem, eu e o Saulo lá, antes de bater uma foto do tronco, com a folha aqui, daí ele já me mostrou o programa que ele tem, legal, eu achei bom também. Aí, fizemos a pergunta, eu disse: “Certo, tudo bem, mas não vamos confiar nele não, vou mandar para o meu amigo em Belém”. Eu mandei pra ele, ele lá na frente do computador, pesquisou direitinho. “Não, é essa mesmo, Bala.” Então, já é uma coisa que já está na minha mente, essa planta, na hora que eu ver ela, com esse tipo de casca, aquele tipo de folha, eu esqueci o nome dela agora, mas eu vou aprender ela. Platanus. Ele já decorou, ele é melhor do que eu na mente. Mas eu pelejo, até eu consegui. Eu fico fixando aquilo todo tempo. Fico, fico, ela vai embora, depois eu: “Lá de São Paulo”, assim, assim, aquela planta que tem a folha. Aí eu: “Platanus.” Aí, eu vou memorizando. Depois que ela fixar na mente, pronto, pode passar um ano sem ver ela, mas a hora que tu vê. “Ah.” Aí tu viaja o mundo todo. Essa aqui: Eu estava lá em São Paulo, com o Saulo, fulano de tal, lá lá lá, lá. Até tu chegar nela. É legal, é legal.
P/1 - Essa é a sua técnica?
R - É, minha técnica de coleta. As técnicas de coleta nossas, é que nem eu falei pra você, é ver o tronco, a disposição do tronco, o jeitão do tronco, sapopema, raízes aéreas, tudo isso identifica, o corte, o látex, que é branco, se é amarelo, a seiva, chama tipo sangue. Tem umas árvores que você corta, cortou aqui, escorre um líquido igual sanguezinho. Então, você já vai, Myrtaceae. Legal isso, muito legal isso. Só você estando num campo, para você vê. Sempre estava dando aula de botânica agora pro pessoal do Ibama, aí… Então, a gente diz… Todos eles analistas do Ibama, todos já doutores no Ibama, aí a gente lá. Aí: “Isso aqui?” “Eu vou fazer esse corte aqui, tu vai ver aqui. Se não sai um látex vermelho…” Aí, eu, corta lá. Aí, eles iam pra lá, cortava. “É, está saindo.” Então, é fulano de tal. “Porque tu sabe?” Caramba. Não dá para explicar tudo, não dá, porque ele não vai aprender também num dia. Tinha que ser, tipo assim, um mês com eles no mato, todo dia. Esse aqui é o angelim vermelho. Isso aqui a maçaranduba. Porque o Ibama, ele quer saber mais de árvores madeireiras, que é o importante pra eles, para eles fiscalizarem. Essas outras árvorezinhas, eles não ligam não. Então, passamos o quê? Foi dois cursos que participaram, eles do Ibama, vinte dias com eles, duas turmas, o pessoal de Brasília. A coordenadora do curso, era de Brasília, ela, igual você ela, igualzinha você, o jeito, é igual você. Estava lá com a gente. Ela gostou muito do trabalho. Mas era uma turma só de gente grande, não era uma turma de aluninhos, não. Era grande mesmo, de gente formado, mas a gente desenrolou. Desenrolamos tudo. Que nem eu falo, não aprende hoje, dez dias de coisa, e tem uns que não prestam atenção, Luiza. Tem uns… Eu acho que já estão empregados e não liga. E o curioso é que a gente quer aprender, a gente sabe, e quer aprender mais ainda um pouco, porque quando está eu, o Ademir, o João, o Edinaldo, a gente está no mato todo tempo tentando desafiar um ao outro, todo o tempo. Quatro que identifica no mato, que você quer ver a briga, a gente tenta achar a coisa mais difícil. Eu penso pra mim: Essa aqui é difícil, eles não vão saber. Mas quem sabe a cabeça das outras pessoas? Só eles mesmo. A gente chega: “Tu não sabe.” “Essa aqui é a fulana.” Tu fica até… Filho da mãe, tu me pegou, mas em outra eu te pego. Até que no final do dia, a gente fica brincando dessa forma, ganha um o outro. Mas sempre é assim. Essa profissão sempre tem isso. Estava falando para o Saulo, que a gente vai dirigindo, aí tem uma coisa que tu olha: Pô, mas eu tô dirigindo, não posso olhar mais não. Aí é ruim. Estou falando. Vicia. É uma coisa viciante, quando você quer. Aí, quando você não quer, as vezes, você nem olha. E outra coisa, Luiza, dois amigos, que começamos tem uns cinco anos atrás, a gente estava fazendo um trabalho de doutorado de um cara aqui do Mato Grosso, e passamos um ano e pouco coletando dados, montando parcelas, coletando dados, montando parcelas, coletando dados todo tempo. E no final do trabalho, um colega meu se saiu bem, dois. Aí, na brincadeira eu falei: “Olha, se tu me falar essa parcela todinha de dez por dez aí, tudo que tem dentro dessa parcela de dez por dez…” Eu já tinha passado identificando antes, um ano, dois anos atrás, eu tinha passado lá. “Eu te dou teu certificado de identificador.” Na sacanagem. E me sentei assim, fiquei sentado. Aí o Fernando, que estava fazendo o doutorado, estava com a planilha feita lá na mão. Então, se você errasse, ele sabia que estava errado. Ou eu poderia estar errado também, bem antes, eu poderia estar errado. Aí, eu sei que o rapazinho foi, quando chegou nas duas últimas ele começou a olhar e não saber. Aí falou errado. Quando ele falou errado, ele quis consertar. “Não, já falou errado, perdeu o ponto.” Mas olha, é brincadeira, ele pegou, tinha um serviço para mim bom, era também daqui dessa região de São Paulo. Queriam que eu fizesse o serviço, eu falei que não podia. Aí, a mulher ficou assim, triste. “Poxa, e agora, você me indica alguém?” Eu digo: “Pô, vou indicar o Vitor”. Que é um que eu ensinei durante um ano e pouco. Eu falei para ele: “Cara, tem um serviço assim, assim, é em Marabá, e a mulher está doidinha, cara, que ela já tinha reservado hotel para mim, só que quando coincidiu, a Vale, meu CPF, eu sou empregado, então quando bateu lá, que era a Vale que ia fazer o pagamento, deu CPF que eu sou empregado, aí não passou”. Aí ela: “Poxa”, já com tudo comprado para eu ir para lá, eu indiquei o Vitor. O Vitor foi, deu sorte, fez o serviço da mulher, a mulher gostou, me ligou agradecendo. E hoje em dia o Vitor trabalha numa terceirizada na Vale. Olha lá, como é bom. Mas quando você quer, se você não quiser, não adianta botar na mente, que não vai, não vai, não vai, você fala um mês, dois meses, o cara não aprende, não. É ruim.
P/1 - Jair, mas como é isso, se tornar mestre, ensinar outras pessoas a sua profissão? Como você se sente?
R - Eu acho legal, quando a pessoa se interessa assim, eu tenho prazer de olhar, porque se eu botar dez ramos… Hoje o Vitor, ele tem muita experiência, muito o olhar. O olhar dele é bom. Inclusive, nos no mato, ele me corrigiu. Eu já naquela coisa, é uma tapiririca. Aí, ele falou: “Epa, não é tapiririca não”. Eu tive [que pedir] desculpa. “Não, tá certo! Não é tapiririca”. Eu dizia que era, ele dizia que não era. Aí como ele é bem mais novo. “Me dá a pecônia aqui.” Pegou, subiu lá, tirou o ramo, e trouxe. “É tapiririca?” Eu falei: “Me desculpe, mas não é, é um Tachi-vermelho.” “Um Tachigali guianensis, ele falou. Então, tá bom. Mas eu pedi desculpa para ele, porque eu, daqui de baixo, pra mim eu estava vendo um tapiririca. Por isso que a identificação mais correta é quando você tem os três fatores, o galho, a caixa aqui embaixo, uma folha, para você ver certinho. Mas para você ver como ele é esperto, que ele já me disse: “Não é, Jair”. Eu quis dizer que era, ele disse que não. Daí eu digo: “Eu não vou subir, tu sobe”. Ele subiu, foi lá, trouxe o ramo. “Desculpa, cara, tu está certo, eu estava errado”. Pronto. Mas sempre existe isso, sempre… Se você está bem focado, você pode me corrigir. A única coisa que eu tenho que fazer, é pedir desculpas. Errei, todo mundo, né? Então, é bom. Agora, o Vitor aprendeu assim, na pauleira, ele não aprendeu estudando, folha simples, folha composta, pinada, bipinada. Eu tive mais essa coisinha, porque foi na época que tinha recurso, e a Embrapa mandava a gente fazer esses cursinhos que tinha, uma semana, com professores bons, então já explicava pra gente, então tem que estar ligado, ele está explicando, tem que… O que é folha composta, o que é folha pinada. Então, hoje em dia, eu posso falar, que eu posso separar, posso explicar para algum aluno o que é uma folha pinada, o que é bipinada. Inclusive, eu estava indo direto para uma universidade lá em Paragominas, passando de Belém, fazer aula prática dos alunos de botânica. A professora me chamava, eu ia passar lá, a aula prática, não a teórica. A teórica ela dava lá na aula. A prática era eu lá, pegava 20 alunos, saia pro mato, eles iam perguntando. E eu perguntando. “Porque você sabe que é isso?” Poxa, é ruim. “Porque tu sabe o que é isso?” Você não pode falar nada. Tem que dizer: “Eu sei, eu aprendi assim, por isso, por isso.” “Mas por que?” Aluno é ralado, quando eles começam a fazer perguntas. Então, é assim. Eles ficam insistindo. “É isso, porque tem essa raiz aérea aqui, ou tem esse lado…” “Mas porque tem um lado branco? Só ela que tem?” Aí, tu vai ter que puxar de novo tudinho para explicar para eles. É sempre assim, Luiza, sempre.
P/1 - E quando você vai fazer [uma] viagem grande, quando você vai entrar no mato, você tem algum tipo de ritual? Você pede proteção?
R - Não, eu só peço proteção a Deus, só. Quando eu chego na beira do mato que eu vou entrar, as primeiras pisadas pro meio do mato, digo: “Ô meu Deus, me dê um bom dia de trabalho.” Só. Aí quando eu saio, que cheguei na beira do carro, agradeço. “Ô meu Deus, obrigado por não ter acontecido um acidente, uma cobra.” Porque a cobra é a mais perigosa. Uma aranha, aquela tucandeira, se ferrar, vai doer, mas vai passar. Agora a cobra não, a cobra é mais perigosa. A onça tem medo da gente, a onça vê a gente faz é correr com medo da gente. Aí o pessoal tem medo da onça. Eu tenho mais medo da cobra do que da onça. E também tenho medo da abelha, a abelha africana, que ela também, se ela pegar de bobeira, ela mata, mata mesmo. Então, são os perigos que a gente… Eu tenho mais medo da cobra e da abelha, esse dois… Eu digo assim, se um enxame de abelha correr atrás de nós aqui, nós temos que se defender de algum jeito, ou você entra dentro de uma casa, um carro e se tranca, se não elas matam. Matam em pouco tempo mesmo. Que são muitas, então, aquela coisa… Eu tenho medo, quando eu vejo qualquer barulho, já é coisa de abelha, começo a olhar para um lado, para o outro. E a cobra também, a cobra eu tenho medo.
P/1 - Já aconteceu alguma história?
R - De abelha sim. Abelha não faz nem três anos, não, que elas me botaram para correr longe, longe, longe. Eu já estou com essa idade, pesado. Elas me deixaram longe. Pegaram na minha cabeça, eu sempre cortei o cabelo bem baixinho, pegaram aqui, aqui, aqui, eu batendo, correndo pelo meio do mato, e cai aqui, cai acolá, e elas em cima de…. Eram cinco. Aí cada uma se espalhou para um lado, e eu sendo o mais idoso, aí eu sofri mais. Eu corri assim, mais ou menos uns cem metros. Eu digo: “Não, se ela tiver que me matar, ela vai me matar aqui”. Só que eu fiquei bem quietinho, eu acho que elas passaram voando, aí não me enxergaram mais, não me sentiram mais. Aí, depois… Caiu o óculos do meu rosto, ficou para lá, e agora eu para olhar alguma coisa sem óculos, nada. Aí tem uns bem mais novos que a gente, bem rapaz. “Tu vai lá!” “Vou lá, Jair, pra ti.” Quando eles chegavam assim, mais ou menos uns dez metros de onde elas pegaram a gente, elas corriam atrás deles de novo. Eles, novinhos, corriam bem, que rapazinho novo é bom de mato, de correr, acostumado a caçar na mata, eles. Aí, eu digo: “Não, mas eu não vou mais, não”. Aí fomos noutro dia, cedinho a gente foi lá, o óculos estava bem assim. Essa parcela faltou fazer trinta metros de passada, até hoje ninguém foi mais lá, não. Porque pediram para levar o mel, tirar elas de lá. Pronto! Aí, fica legal, a gente vai trabalhar. Agora, só agora, esse ano, 2025, vamos reiventariar de novo.
P/1 - Essa foi a situação mais embaraçosa que você viveu?
R - Foi, da abelha. Pra mim foi, abelha. A cobra não, a cobra a gente não vê, que Deus protege a gente mesmo. Mas tem que usar uma perneira. Tem que ter perneira. Porque é que nem você fala, uma cobra sendo grande, ela morde aqui na sua coxa, morde aqui no seu braço, onde ela pegar, ela pula e te morde. Mas que nem a gente fala, reza logo antes de sair, pedir proteção mesmo. Aí pronto, só.
P/1 - E você já ouviu alguma história, alguma lenda, alguma coisa dentro da floresta, dentro do mato? Ou que aconteceu com você, ou com algum amigo, parceiro?
R - Não. Para falar a verdade, nunca ouvi essas histórias. O pessoal dizem que tem, mas eu particularmente nunca vi. E a gente brinca, às vezes, um com o outro, quando… Até esse Miguel, que ficou ruim da vista, ele é medroso, ele é medroso. Ele é medroso assim, sabe, de fazer menção de correr, já quer correr também. Mas a gente não está vendo nada, a gente só faz isso de brincadeira mesmo, né? Até o livro da [Flora da] Reserva Ducke, que é um livro de botânica, da Reserva Ducke, foi a gente, aquelas fotos, tudo foi aí a gente que bateu na mata, eu, a professora Glacialda [Costa Ferreira], mas outra amiga de Manaus, mas três de Manaus. A gente andava na mata, fazia tipo um cenário, botava um pano preto, e tirava o ramo, batia, eu fingia como estivesse lá em cima da árvore, a gente batia uma foto para fazer o livro. Aí eu lembro de um caso, que foi o Miguelzinho. A gente estava numa mata, muito dentro da mata, eu falei: “Miguel, vai com cuidado…” E a gente tirava um pedaço também da árvore, para bater foto da madeira também. Aí eu falei para o Miguel: “Miguel, vai ali para aquela árvore, que eu vou aqui ajeitar o motosserra.” Só que quando ele saiu, eu falei: “Cuidado que tem muita onça. Mas eu falei assim. Aí eu continuei olhando o motosserra, que eu ia usar o motosserra. Aí quando eu puxei o motosserra, fez aquele barulho. Rapaz, esse Miguel passou perto de mim… Eu te juro, que até hoje a gente lembra e acha graça do Miguel. Porque ele passou com tanta velocidade, cortando o vento, pra cima e pra baixo. “Que foi Miguel?” “Não é a onça?” “Rapaz, foi o motor que eu puxei aqui para a bicha funcionar.” Você vê que tem coisa que a gente acha graça mesmo do amigo. Isso aí foi uma, porque ele é medroso mesmo. O Miguel, é sempre assim, foi sempre o mais mais medroso. A gente não, eu, o João, o Edvaldo. “Que nada, bora, embora, que não tem nada não.” A gente é sempre mais… Mas o Miguel vinha bem.
P/1 - Eu imagino que você tenha feito muitas viagens marcantes. Mas você consegue dizer umas três mais significativas pra você?
R - Olha, para mim, marcante…
P/1 - Algum lugar, pessoas interessantes…
R - Não, tem. Tem um local que eu disse que a minha alma nunca tinha passado por lá. Minha alma nunca passou. Eu fui para Altamira de avião, cheguei a Altamira, o carro da Embrapa me levou na beira de um rio, que eu não sei qual rio, até hoje não sei, acho que é Rio Anapu, se eu não me engano é o Rio Anapu. Então passava um barquinho às seis horas da tarde lá. Então a gente pegou, armou nossa rede lá, e seguiu, agora em rumo que eu nunca vi, não sei pra onde é. Até hoje eu não sei. Eu vou perguntar para essa professora Gracialda, que nós fomos ministra um curso de identificação botânica. Eu já estava como… Como é que se diz? Como monitor, eu já estava ajudando. O Mike, a Gracialda, e a Nívia, fomos nós quatro para uma Vila. Então, uma coisa que até hoje eu não esqueço… Como ia muita gente da Embrapa, e esse rapaz dessa cidade falou que um dia ele ia levar um curso pra lá, pra vila dele, e ele conseguiu, através da prefeitura, um monte de coisas, um monte de órgãos, consegui para lá levar esse curso pra lá, que esse local até hoje eu não sei. Só sei que eu passei uma noite de barco, depois desci numa cidade, peguei um outro barco, foi até umas cinco da tarde. Aí o que acontece? Aí, quando chegou assim, na beira do rio, o barquinho parou ali, muito equipamento, material de alpinismo, material de espora, um monte de coisas. Aí eu botei uma sacola nas costas. Eu falei: “Professora, aqui ninguém conhece a gente.” Aí, eu botei esse monte de coisas nas costas, saí andando naquelas pontezinhas, que sai da água até lá na terra firme. Aí: “E Jair?” Aí, eu não liguei. Disse não, acho que ninguém me conhece, não. Aí, tinha um rapaz, que participou de um curso em Belém que se lembrava de mim. Aí, eu digo: “Então não se esconde mais em canto nenhum não, desse mundo”. Porque porra, eu jurava que só era nós quatro conhecidos lá, o resto… E o cara me conheceu. Inclusive, ele me levou pra casa dele, não quis nem que eu ficasse lá no alojamento. “Não, bora lá para a minha casa.” Aí, eu me dei com ele, a gente ficou de boa lá. Mas é aquilo, é uma coisa que marca mesmo, essa ida lá, que eu jurava que ninguém me conhecia, alguém me conheceu. Não tem jeito, sempre tem alguém conhecido da gente, não tem… Pra onde a gente vai, tem alguém que conhece a gente. É bom, esse conhecimento é bom. É bom que a gente fica… Alguém: “Conhece o Jair, tal.” Lá na Inglaterra tem gente que conhece, nos Estados Unidos tem gente que conhece a gente. Passa tempo, mas eles voltam com a gente, mandam buscar a gente para fazer algum trabalho com eles. É legal por isso. A vida nossa sempre é assim. Tá aqui um mês… Tipo assim, passa um mês aqui em São Paulo. Tu passa dois meses lá, não vou voltar mais para São Paulo. Rápido surge alguma coisa para vir para cá. E que nem pra lá, passo uns dois anos, às vezes, sem ir para Santarém. Eu fui quatro viagens em seguida para Santarém, quatro viagens de vinte dias, em seguida, praticamente, chegava, passava só dez dias em Belém e voltava. Dez dias em Belém e voltava. E não acabamos o serviço, vamos continuar agora, a partir do ano que vem. É assim, às vezes. A vida nossa é essa. Passa tempo sem ir num local, depois chamam a gente, aí vai duas, três vezes. Esquece a gente um ano, depois volta de novo. É sempre assim.
P/1 - É?
R - É
P/1 - E como é ficar fora de casa por um tempão?
R - Eu vou falar para você, eu gosto. A gente conhece coisas legais, conhece pessoas legais. Quando passa de vinte dias, é ruim Luiza, já é ruim, já começa a estressar a gente mesmo, né? Eu passava… É que a Embrapa não quer mais me liberar vinte dias, ela quer me liberar pelo menos doze dias, quinze dias, pra tu vim embora para tua casa. Mas os caras… Também pra você vim, tipo assim, Belém… Porque a passagem para São Paulo é mais barata do que para Santarém. Para Santarém está mais caro do que para São Paulo. Então você ir uma semana para passar uma semana, uma passagem cara, para voltar, eu também acho desperdício de dinheiro, né? Pô! Dá para passar. Dá para passar meio ruim, meio brabo, mas dá. Já meio zangado, mas dá. Mais cinco dias, também não vai fazer tanta diferença. Mas eu já estava… Porque foi a primeira viagem, foi legal. A segunda foi boa. A terceira, de vinte dias, eu já estava ficando meio bravo. Aí bora embora para casa. Acabou os vinte dias, vim embora. Aí eles queriam me buscar de novo, daí eu fingi que eu tinha outro compromisso. Sabe quando era pra eu chegar? Chegar dia seis. Queriam me levar para o mato para eu chegar dia seis, para voltar já pra cá, pra São Paulo. “Não, não, não, não quero mais não.” Tá bom! Dai me aquietei na Embrapa. Então, até o final do ano, se Deus quiser, eu vou vir aqui com vocês e daqui eu vou pra Belém, eu vou sair de férias em janeiro, e pronto. Só em fevereiro que eu quero estar na Embrapa em Belém. Mas sempre assim, nunca tem… Essa vida de identificador é assim. Já tem duas viagens para 2025. Nós estamos em dezembro. Já tem marcada. É bom que são dez dias cada uma. Tem vinte dias, uma em fevereiro, outra em março. Pra você ver como é.
P/1 - E plantas medicinais, você tem conhecimento?
R - Pouco, pouco. Conheço, né? Porque hoje, muita gente, tudo o que vê é medicinal. Eu conheço da mata, na mata mesmo, tem a quina, diz que é remédio para o fígado, para negócio da malária. Tem a paracaúba, que é para o estômago. Tudo isso também eu aprendi com Seu Benezinho, também que era outro identificador lá da botânica, ele era bem mais cheio de coisa, de negócio, de crença, né? Qualquer coisa: “Isso aqui é remédio pra isso.” Aí, eu digo: “Eu não sei não, eu só passo o que me passaram. Ele disse que era bom pra isso. Agora, se quiser tomar e morrer, eu não sei o que vai acontecer, não. Eu não estou te mandando. Só estou falando o que o Seu Benezinho me falou. Mas se tu quiser usar, tu pode usar.” Não digo não, porque eu tenho medo. Tenho medo de dar um remédio, a pessoa dizer que foi eu que dei, e morrer. Já pensou? Eu digo que eu não sei não. Eu pego na casca de paracaúba, coloca dentro de uma garrafa de água, durante o dia tu fica bebendo. Durante o dia coloca numa garrafa de cinco litros, corta um bocado de cachos, joga lá dentro. Ela não faz mal.
P/1 - Pra que é?
R - Pro estômago. Diz que limpa o estômago. Mas isso é coisa de crença mesmo, de gente que… Eu não acredito muito não.
P/1 - Mas toma?
R - Tomo. Tomo, mas eu nunca vi efeito. Quer dizer, eu nunca senti efeito de nada. Tomo porque estou com sede. Aí, eu estou, bebo a água.
P/1 - E com quem você aprendeu essa profissão mesmo? Quais foram os mestres?
R - Pra mim, em primeiro lugar, foi o Lucivaldo, depois o seu Benezinho. Todos os dois morreram já, no caso. Vamos dizer assim: Lucivaldo e Benezinho, tipo assim, eram dos bons, porque eu considero bom. O cara conheceu bem. O outro era o seu Manoel, esse que ainda vai até hoje lá. Bom, esse é muito bom, muito conhecido, internacionalmente também. Ele é muito bom, todo mundo conhece ele. Projeto de muitos anos, que nem eu tinha nascido. E o que é que acontece? O Ednaldo, já é discípulo do seu Manoel, o Ednaldo que tá lá, muito bom também o Ednaldo. Mas o Edinaldo passou quinze anos trabalhando em capoeira, mata baixa. Mata capoeira que a gente chama, é mata assim, de cinco metros de altura. Eu sempre trabalhei em mata de vinte, trinta metros de altura, então é difícil, mais difícil. Então, Edinaldo não gosta de ir para a mata. Eu gosto de ir para a capoeira, porque da capoeira você vê bem aqui a folha, você não tem como se enganar. E o Edinaldo gosta de capoeira. Então, ele vai para um canto, quando tem trabalho, ele vai para um canto, e eu vou para o outro. Quando ele tem trabalho: “Jair, fulano quer um trabalho de mata, mas eu não quero ir não, tu vai nesse pra mim?” Eu digo: “Vou”. Aí eu vou para a mata, porque eu tenho já um conhecimento de cortar, puxar fibra, cheirar, aquela coisa. Ele não, ele aprendeu mais… A técnica dele foi ver e já escrever científico. Porque que nem eu falei para você, hoje em dia a internet te ensina muito rápido, porque tu pega, tu lê, escreve no computador, o computador ajeita pra ti o nome que tem dois Ps, dois Ts, ele começa a fazer e já completa para ti. Então, tu vai fazendo isso, tu vai acostumando também com aquele nome. Inclusive, no caso, eu sei falar, Guatteria, Guatteria poeppigiana. A Guatteria tem G, com dois Ts, poeppigiana, é um monte de coisas ruim de escrever. Aí, você no computador, você vai, bota “Gua…”, ela completa. Aí tu presta atenção, tu começa a aprender escrever. Eu também sou assim, quando eu estou no mato com alguns pesquisadores. “Como é que escreve?” Do jeito que a tua língua der, você escreve aí, depois você vai pro computador e te ajeita com o computador, eu não vou te falar, que eu vou errar também. Mas sempre assim, a gente brinca. Sempre na brincadeira mesmo. A menina que é do Rio de Janeiro, está até lá. Ela que perdeu a viagem de agora, em fevereiro. Ela ficou doidinha. Ela foi lá comigo, conversou comigo, e eu mandei ela fazer o pedido, ela não fez, o cara fez na frente dela. Agora ela me ligou: “E agora, Jair?” Eu digo: “Vocês se viram pra lá, eu não posso fazer nada.” Que eu não posso escolher. Eu queria ir para Santarém, mas não dá para eu ir para Santarém, que já pediram, eu tenho que fazer por ordem. Se você pedir primeiro, eu vou. Se outro pediu, eu tenho que atender na ordem, sempre assim.
P/1 - E Jair, quais são as habilidades necessárias para ser identificador botânico?
R - Habilidade mesmo é prestar bem atenção, a questão é atenção mesmo. Você tem que ter atenção, se alguém está identificando, você tem que estar ligado ali, vendo o que está falando. Eu aprendi dessa forma. O cara falava, eu ia lá, ele cortava a árvore, eu ia lá, ele cheirava, eu ia cheirar também. Então, sempre assim, sabe? Eu digo assim, porque ele está cheirando? Aí a gente vai aprendendo, vai memorizando o cheiro. Sempre memoriza o cheiro dos louro, é um cheiro diferente, tem um cheiro gostoso. Os louros tem um cheiro muito gostoso. Já as Anacardiaceae, tem já um azedo, que nem esse aqui. Agorinha o nosso companheiro cheirou, quebrou um galho, cheirou, e é um cheirinho azedo. Então tudo isso tu vai memorizando, esse cheiro. Quando eu cheguei lá, que quebrei, que cheirei, eu já digo: “Não, já sei o que é”. Então, fica sempre na mente da gente isso. Aí eu olhei a folha, senti o cheiro. Então, sempre dessa forma. Você tem que ter interesse pra poder fazer, se não… Se não tiver esse negócio de estar insistindo, vai a primeira vez, erra, vai a segunda, tu erra, mas na terceira tu já acerta. Mas sempre tem que estar insistindo mesmo, para poder ter um pouquinho de conhecimento.
P/1 - Você lembra da primeira viagem que você fez?
R - Lembro.
P/1 - Como foi?
R - Lembro, lembro, lembro. Foi com o Benezinho, como o seu Bené. Seu Bené era também da botânica lá, né? Foi com esses americanos também. Eu fui pra lá, eu lembro. A primeira viagem, eu iniciei nessa conversa, que foi com a Edna. Foi uma das primeiras viagens minha, pra Altamira. Foi dessas primeiras viagens, foi com o Lucivaldo, que eu nem conhecia ele direito. Foi com o Lucivaldo, porque como ele já era o mestre… Quando ele chegou, chegamos em Belém, ele disse: “Agora você vai prensar.” Aí eu fui para o laboratório, prensei tudinho as espécies, botei na estufa. Tipo assim, já tava me dando ordem ele, porque ele já sabia mais do que eu, então foi, tipo assim, o ajudante dele. Então, tipo o mecânico, o ajudante do mecânico, tem que lavar as ferramentas. Ele chegou, pegou a bolsinha dele, foi embora. Eu fiquei pensando até… Botando na estufa, organizando o trabalho. Então, daí, é assim que começa. Aí, me lembro que foi isso, essas primeiras viagens nossas. Legal. Me lembro.
P/1 - Quantos anos você tinha?
R - Eu acho que foi antes de… Eu entrei em 1987, por ali, em 1988, 1989, por aí. Em 1989, não era 1990 ainda não. As minhas primeiras viagens foram nesse tempo, que eu passei… Entrei na Embrapa, fui para um outro campo, passei uns dois anos lá, não deu certo, eu voltei para a Embrapa de Belém. Aí daí eu comecei a viajar. Eu acho, que eu tinha uns três, quatro anos de Embrapa.
P/1 - Na Embrapa, quais são as motivações das suas viagens? Qual objetivo?
R - Pra mim, é aprender mais. Eu não quero parar, porque eu tenho certeza que cada viagem que eu vou, eu consigo aprender alguma coisa diferente. Então, para mim, o motivo é esse. Tudo bem, tem coisas que são legais, conhece pessoas. Mas para mim, para mim é conhecer mais. Se eu for, eu gosto de sair, tipo assim, com especialista. Especialista em Burseraceae, que é o Douglas, que me conhece. Quando eu saio com ele, eu colo nele, por isso que eu aprendo. Quando tem um especialista, que eu saio com ele, ele dá um passo, eu estou no mocotó dele. E olhando o que ele está falando, porque. Entendeu? Então sempre assim. Quando eu saio com outras pessoas que… Todo mundo tem o seu conhecimento. Eu tenho o meu, o João tem o dele, o Ednaldo tem o dele. Mas tem uns especialistas que são bons, que já estudaram só aquilo. Então, se você sair com um especialista de Burseraceae hoje, você aprende alguma coisa diferente. Você sai com um especialista de Ficus, você aprende alguma coisa de Ficus. Então, é bom sair com as pessoas que conhece bem, que a gente cola. Quando você tem vontade de aprender, cola mesmo, ele cheira a árvore, você cheira também, ele pega um galho, você vai ver o que ele está vendo. Pergunta. Eu pergunto, quando é especialista, eu pergunto mesmo. Fico perguntando: “Por que?” Porque esses dias atrás eu estava andando com um especialista em Ficus, eu passei um sábado e um domingo com eles, andando dentro de Belém. Ele arrumaram o carro, ao redor de Belém, naquelas fazendas, onde tem aqueles Ficus. Eu estava lá com eles. Aí era eu o coletor. E só especialista. Eu coletava, quando eles estavam lá, eu estava perguntando: Por que eles conheciam? O que era que eles conheciam? E anoto também. Se ele pegam uma escapa para eles, eu pego uma para mim, aí eu guardo a minha, seco e guardo, para de vez em quando ir lá olhar. “Ah, essa aqui é fulano de tal.” Vai ficando na mente aqui, eu não jogo fora, se eu saio com um especialista, ele diz o que é, eu guardo também. Seco, e deixo num armário lá, é meu. Porque passo um tempo, eu vou lá, vou lá ver aquela amostra. Eu sei que Ficus fulano de tal. É sempre assim. É bom sair com especialista, tem que roubar alguma coisinha dele. A gente tem que batalhar para sugar alguma coisa dele. Que nem doutora falava: “Jair, cola! Vocês tem que aprender, tem que colar mesmo, perguntar. Não tem vergonha”. Eu fui assim, sempre pergunto mesmo para os especialistas.
P/1 - E qual a importância de fazer uma boa identificação?
R - Luiza, a identificação correta, garante… Tipo assim, você se sente também bem, né? Porque é legal. Alguém: “Poxa, o Jair identificou legal aquele meu trabalho.” É legal. A gente fica mais também feliz. Aquela coisa, eu respeito o trabalho de qualquer um, nunca… Eu também não critico. Tem uma história, que esses dias atrás, faz uns dois, três anos atrás. Tinha uma planta lá em cima do balcão… Estava o seu Manoel, que é o bom, o João, o Miguel, e o Ednaldo. O Miguel ainda estava bom da vista, da visão. Estavam com aquela planta lá, eu estava viajando. Quando eu cheguei, Luiza, eu olhei aquela planta lá, né? Olhei, mas eu olhei, estava lá em cima, não dei importância. Aí eles me chamam de Bala, ou Cunhado, pra mim, porque eu tenho uma irmã. “E cunhado!” “Que foi cara?” Que planta é essa aqui, cara? Só falta essa.” Porque é assim, você manda o teu trabalho… Vamos dizer assim, tu manda cinquenta amostras. Aí a gente vai identificar suas amostras tudinho, corretazinha, amarra, bota teu nome. Você quer o trabalho para alguma coisa, uma tese de mestrado, alguma coisa…
P/1 - Ah, são vários…
R - Vários. A gente trabalha para todo tipo… Aluno, professor, qualquer coisa. Como a Embrapa é pública, tem que atender o público, no caso. Aí se você levar seu material, nós temos por obrigação fazer, te dar resposta do trabalho, porque… Então, estava essa planta lá, só faltava ela para eles fecharem o pacote, amarrar. Aí eles chegaram pra mim, eu ia passando já: “Ei, cunhado?” Eu digo: “Que é?” “Rapaz, que planta é essa? Que nos já estamos com mais de quinze dias aqui olhando essa planta, ninguém sabe o que é.” Luiza, não é brincadeira não, parece mentira. Tinha passado perto de uma árvore dessa, não tinha nem… não tinha cinco dias, eu vi ela assim, a árvore mesmo. Então, quando eu olhei o ramo aqui em cima do balcão, que nem tinha a minha mente. Eu digo: “Ah, aquela que eu passei cinco dias atrás”. Daí, eu falei: “Rapaz, pelo amor de Deus, vocês não sabem o que é isso?” Aí o cara falou: “Não, ninguém sabe, nem seu Manoel não sabe.” “Vai lá e pega, Adenanthera pavonina”. Aí eles me olharam, deram uma risada, eu te juro, deram uma risada. Aí foram lá, pegaram o pacote, foram lá. “Égua, caralho, quinze dias batalhando, rapaz.” “E vocês nunca perguntaram pra mim, cara, eu estava vendo a planta aí, vocês não perguntaram. Perguntaram?” “Não!” Digo: “Pois é, então eu não ia dizer, me meter no serviço de vocês.” Porque, tipo assim, eu estava viajando, então eu vi a planta lá, mas eu não sabia o que eles queriam com a planta. Aí amarraram. “Égua!” Eles acharam muita graça. Tem essas pegadinha. Teve um outro dia que foi um doutor pro mato, só eu que disse que não era Vitaceae, só eu. João, Ademir, todos disseram: “Ah, tu tá é doido, isso não é Vitaceae. Eles diziam que era. “Não é! Não é, não é, não é”. Tinha um fruto desse tamanho, parecia uma goiaba, na beira da mata, e muito. Uma árvore desse jeito aqui. Só eu disse que não era. Olha, até lembrei o nome, ________, o nome dessa árvore. Porque ela tem a folha igual essa aqui, mas não é da mesma família, pra você ver como engana. Só eu que disse que não era Vitaceae. Todos disseram que era Vitaceae. Beleza. Aí eu fiquei com vergonha, já pensou, cinco dizendo que não era, e só um dizendo que sim. Eu digo: “Mas tá bom, eu não vou desistir da minha ideia”. A gente viajou, eu estava numa equipe de viagem, eles estavam em outra. Chegaram lá… Como o fruto dela era igual uma goiaba, tem um pesquisador lá que trabalha com melhoramento, essas plantas da mata, e planta aqui, para deixar ela dar alguma coisa, alguma coisa boa. Eles levaram para ele. O cara também lá, é muito curioso, tem os livros de plantas. Aí ele viu. E nesse dia botaram na estufa, o material. Daí ele ligou, aqueles telefones…. Agora não tem, todo mundo é celular. Aqueles telefones, ligou: “Diga Doutor Urano?” Ele disse: “Jair, vocês já identificaram aquela planta?” Eu falei: “Não, doutor, não identificamos não. Ele disse: “Não, pois é, eu já sei o que é.” Aí eu fiquei só na minha, digo, vai já me falar e eu vou pegar os dois, quer ver! Tem que ter isso, né Luiza? Ele falou: “Jair, dá uma olhada aí em __________. Aí, eu fiquei calado. “Tá bom, doutor, eu vou dar uma olhada.” Aí, quando eles estavam tudo pra lá, eu fui lá no coisa, peguei, o mesmo fruto, o mesmo jeitinho. Digo: “Vão se lascar agora comigo”. Também não falei nada. Aí chegou lá o pacote, já procurei essa planta Vitaceae, e não dava certo, que não dá, as nervuras. Pode parecer, mas tem uma nervura secundária, terciária, que tem que olhar na lupa pra vê se está dando certo, se não tiver dando certo, não coloca, que não é. Aí eles estavam batendo cabeça. Daí, eu falei: “Rapaz, para de teimosia, vamos lá, procura aí __________, essa planta aí. Falei e saí. Aí o Edinaldo, é um cara legal pra caramba. Foram lá: “Caramba, bicho, não é que é isso mesmo. Pô, o Jair está certo, é ________. Aí eu cheguei lá, todo estufado eu. Já sabia, né? “O que é?” Aí o Edinaldo, eu sou o mais novato. “Rapaz, Jair, realmente, cara, tua diária tinha que ser de quinhentos reais por dia. Tu tinha que ter duas mulheres, uma morena e uma branca do teu lado, para ficar o dia todo perto de ti, que tu tá bom, viu bicho!” Sacaneando comigo. Eu tinha que ter duas mulheres do meu lado e uma diária de quinhentos reais, porque eu ganhei uma discussão deles quatro. Só eu ganhei. Mas é porque o outro me ajudou, o outro amigo nosso que me ajudou, no caso, senão eu teria também… Eu ia batalhar também, mas eu não tinha concordância com eles, com a… Como é que se diz? Com a Vitaceae. Eu não tinha, não tinha, não tinha. Parece que uma coisa que dizia: “Não é, não é”. E eles cinco, Ademir, João, Edinaldo, tudo falando que era, só eu dizendo que não era. Quando chegou lá que a gente foi ver. Daí estavam na sacanagem comigo. Eu ganhei duas deles. Porque eles são assim, é uma brincadeira. É que nem eu estava falando, se esperta em aprender mais, se esforçar mais. O Edinaldo, ele está bom, porque tem muita paciência ele, o Edinaldo, ele diz que eu sou mais impaciente. Eu só chego, digo: “Esse é fulano, eu já quero anotar”. Ele não, ele vai observar primeiro. Ele é bem mais cauteloso. E realmente tem que ter cautela. Quer dizer, eu não vou procurar numa mangueira, eu já sei que manga, é manga, então eu já coloco normal. Mas ele não, modificou um pouco, ele está lá na lupa, naquela lupas grandes, que aumenta e tal, ele vê tudinho, aí coloca. Ele é mais criterioso para fazer esses trabalhos dele. Que nem ele falou: teu nome já está feito, já tem que se aposentar, eu tenho que fazer o meu.
P/1 - E Jair, você estava falando no começo sobre a luta para profissionalizar a área de vocês. Uma professora…
R - Era, a Regina.
P/1 - Qual é a importância disso para você?
R - Eu acharia uma coisa legal. Ia ficar bem mais legal, né? Porque virava uma profissão, você tipo assim, ia ter na carteira profissional uma assinatura: Jair, parabotânico da Embrapa. É uma coisa que realmente… Fulano de tal, parabotânico do museu… Tem os bons, também já tudo aposentado do museu também. Muito bom. Da minha safra, da Embrapa e do museu, sempre eles são muito bons lá também, o museu também. Agora, o museu não tem ninguém novo mais, que queira aprender isso. Nem na Embrapa. A Embrapa vai ter o concurso em abril, saiu o edital hoje para fazer o concurso da Embrapa. Parece que vão contratar. E eu estou batalhando, mandei para os meus amigos hoje, aqueles dois que eu falei aqui que aprenderam. Porque parece que os caras grandes, que nem o Lucas, que é pesquisador antigo da Embrapa, também muito bom em negócio de floresta, vai mexer os pauzinhos para fazerem uma prova, não tão como para as outras pessoas. Tipo assim, tirar algumas coisas para cá, e botar sobre botânica para cá, para esses, uns três que vão fazer, para eles terem espaço, para continuar, porque daqui uns dias não vai ter mais ninguém.
P/1 - Antigamente você acha que tinham mais pessoas interessadas?
R - No caso, foi eu… Nessa safra nossa, eu, o João, e o Miguel, e o Ednaldo, quatro, que se interessou e aprendeu. E hoje em dia estamos dando conta… O nosso mestre mais velho vem, mas a gente já dá conta de andar tipo assim, 90% do caminho a gente anda só, os dez… Espero que ele não morra esses anos, que a gente tem que sugar mais ele um pouco. Então, é isso. A gente ainda precisa do Seu Manoel, tipo assim. Porque tem coisa que o seu Manoel sabe que eu não sei, tem coisa que eu sei, que o Edvaldo não sabe. É coisa mesmo. Que tem hora que vai para um tipo de mato, que eu não vou. Ele passa o tempo todo viajando para lá e aprende. Eu passo o tempo todo viajando pra cá, aprendo daqui. Aí quando eu vou pra lá, eu me enrolo pra lá, e ele se enrola pra cá. Aí a gente troca informação. Pois aí então é essa coisa, Luiza, a gente vai para um canto, e eu vou para o outro. Quando eles trocam, a gente pasta logo de primeiro, porque a gente tem esse conhecimento, a gente nunca traz nada cru, cru mesmo. A gente sempre chega numa família, numa espécie, quer dizer, num gênero. Sempre chega dessa forma no laboratório. Nunca chega nada, sem nada não. A gente tenta fazer. “Essa é da família tal…” Agora, tipo assim, quando sai eu, o Edinaldo e o João, é legal, porque a gente traz 80, 90%, feito o que quer. Que às vezes, que nem eu estou falando, eu não sei, mas ele sabe. “Isso aqui é fulano”. “Ah, beleza, bora colocar”. Aí coloca. É legal quando… Mas nunca viajou os três juntos, nunca, nunca, porque é muito, a demanda é grande, a demanda é muito grande, e só está três, o outro ficou deficiente do olho, perdeu a visão, então não deu mais. Eram quatro, e sempre…
1:26:08 P/1 - E a sua… Você tem alguma [Problema com o áudio: 01:26:07 > som e imagem não condizem] Você tem alguma preocupação especial com o meio ambiente? Como é que você se relaciona com essa preocupação de preservar, ou não?
R - Eu tenho, eu tenho, porque eu já andei muito, eu tenho praticamente 27 anos andando, e eu passo em área que era mata, que era sombra, que era legal. Hoje em dia é pasto ou soja. Aí eu digo assim, isso não tem cinco anos que eu falei para uns amigos meu, agora nessa viagem lá para Santarém: “Cara, eu passava aqui, era mata grande, hoje em dia tu vê, tu olha e perde de vista a soja. Aí eu estava lá, a quentura, o vento batia quente no rosto da gente, parecia que estava tocando fogo ali e o ventilador estava empurrando o vento no rosto da gente. Aí, eu tô imaginando: Pô, se continuar assim, como é que vai ficar mesmo? Como é que a gente vai imaginar, que a gente estava ali debaixo, era gostoso ali, debaixo daquela floresta ali, aquele vento batendo. Até agora eu não tô suado, ainda, ali eu estou correndo de suor pela mão. Então, está ficando mais quente realmente. Vamos ter que dar um jeito de… Não sei quem. Eu, hoje, sinceramente, tem muita gente ainda que quer desmatar próximo de rio, porque fazendeiro, o rio passa aqui, ele quer vir até aqui, não tem aquela preocupação de deixar pelo menos cinquenta metros de um lado e de outro para ver se preserva o rio. Então, eles querem, né? Então, está acabando mesmo, né? Eu tenho preocupação, porque que nem a gente fala, eu tenho a minha filha, está nova ainda, bixinha não fez nem… Vai sofrer ainda muito com esse tipo de coisa. Ninguém sabe ainda o que vai acontecer, se não derem realmente um incentivo bacana para fazer planta. E que recupera, que eu vejo aqui em São Paulo mesmo, eu vejo na televisão, os melhores fazendeiros que acabaram, hoje em dia está tudo recuperado. Por quê? Porque se preocuparam agora, onde não tinha água, o maior fazedor de nascente é aqui em São Paulo, cara. Passou na televisão que o mato deitado ia até lá no final onde era a nascente, ele limpava, ele plantava, e começou a pingar água. Hoje em dia o córrego já está no meio da perna dele, ele plantou tudo ao redor, e dando a entrevista dele. Se quiser recuperar, recupera. Aí, o gado dele, fez a cerca dele bem longe pro gado não vir para a água. Então, é só se preocupar mesmo, [01:28:51] tem que ter essa coragem que ele está tendo. Esse rapaz, aqui em São Paulo. Eu vejo na televisão, não parecia nem que estava em São Paulo.
P/1 - Você acha que essa sua atividade, seu trabalho, pode contribuir para a preservação do meio ambiente?
R - Sim! Eu acho que é muito importante, porque o identificador, como eu citei no meio da conversa nossa, sobre preservar, preservar você não pode cortar… Vamos dizer assim, nós temos nove Angelim-pedra, temos só um Angelim-vermelho, na hora do corte, você corta esse único Angelim-vermelho que tinha. Que ele vai dar o fruto, vai jogar a semente, vai produzir mais árvores. É por isso que a gente cita sempre a identificação correta. Porque o madeireiro não quer saber, vai corta, ele quer lucro, quer dinheiro, ele vai cortar única espécie que tinha, que poderia repovoar novamente daqui a cem anos. Porque eu estou com sessenta, quem sabe a minha filha não vai viver mais sessenta, vai ver um angelizeiro grande. Então, é isso que é a preocupação da gente. Porque tem árvores que estão em extinção já. Mas se você formar uma floresta, e não tiver um bom identificador, ele vai dizer que aquilo é porque… Tem Hymenaea courbaril, Hymenaea parvifolia, Hymenaea intermedia. São três árvores que se você não prestar atenção, é detalhe numa folha, o caule é o mesmo, aqui embaixo, o furti(?) que chama, furti(?). É o mesmo aqui embaixo, você olha, o que é isso aqui, isso aqui, isso aqui? Aí você corta tudo. O mais comum é o courbaril, que é o que dá mais. Esses outros são mais raros, um pouquinho. Mas se você disser que é tudo courbaril, madeireiro corta tudo e leva. E aí? Então, eu acho que esse nosso trabalho ajuda muito na preservação do meio ambiente sim. Se você identificar certo, ele não vai cortar aquela ali, que o sistema da lei, tem que dizer: “Não, tem oito dessa daqui, vou cortar seis e deixar dois. Esse aqui só tem dois, tu não corta não, deixa aqui. Eu acho que tem de ver dessa forma para poder equilibrar mais ou menos, se não… Acho que é isso que a gente entra um pouquinho na nossa ajuda, nessa identificação.
P/1 - Posso voltar um pouquinho na sua infância?
R - Pode!
P/1 - Eu queria saber como você descreveria seus pais?
R - Olha, o meu pai, Luiza, vamos dizer assim, eu lembro dele quando eu era bem molequinho mesmo. Meu pai foi funcionário do Estado, porque para lá nossa, era D.R., Departamento de Estrada de Rodagem. D.E.R. Então, meu pai se empregou nessa empresa do governo do Estado. E tipo assim, a gente não vai… Papai era um cara, família, né? Aí começou a viajar, como motorista. Aí, foi, foi, foi, isso aí eu lembro bem. Quando papai chegava, chegava naqueles caminhões, a baixada. Chamava o baixada, o pessoal saía pra trabalhar, passavam 25 dias, quando voltavam, o caminhão parava lá pra deixar o meu pai. Meu pai trazia aquele sacozão de comida, feijão, era tudo, porque naquela época, como o governo dava, era o governo militar, 1964, então eles davam, aquele leite, aquele feijão, aquele arroz, pra a gente. Então, como papai era empregado, eles davam a cesta básica que chamava. Então eu lembro dele assim, do papai. Depois… Agora, a mamãe não, a mamãe sempre foi uma guerreira. Aí foi na época que o papai debandou, começou a dirigir carro, e começou a viajar e foi para Marabá e arranjou outra família. E abandonou a gente para lá. Mas a gente, graças a Deus, também nunca ninguém disse. “Abandonou eles.” Eu ia visitar o meu pai.
P/1 - Você ia?
R - Eu ia. Porque eu comecei a trabalhar também viajando. E um dia eu fui para Marabá, e o papai… Porque o homem, eu vou dizer homem. Ele é assim, ele ia de mês a mês na casa da mamãe. Depois ele passou ir de dois em dois meses, depois de três em três meses. Aí a mulher que nem a mamãe, desconfiava. Eu também não queria saber de nada, né? Eu tinha outras coisas. Aí foi na época que me empreguei na Embrapa, em 1987. Aí comecei a viajar. Aí papai era tão esperto que ele ligava de um orelhão. Ele tinha a casa com a família dele em Marabá, e tinha um orelhão assim… Naquele tempo de orelhão. Então, ele ia lá ligar. Tipo assim, pra não deixar rastro. Aí, só que ele deu o número do orelhão pra gente, pra gente qualquer coisa ligar para o orelhão, que a mulher conhecia. A casa que tinha o orelhão era bem próximo. Aí, a mulher: “Olha...” Chamava ele, ele vinha atender. Aí eu fiquei com aquele número de orelhão. Quando eu viajei para Marabá, eu disse assim: “Eu vou para Marabá, eu vou atrás do meu pai”. Eu nem sabia que diabo era Marabá. Marabá é grande também. Aí, eu peguei e fui. Cheguei lá, liguei. Cheguei num hotel lá em Marabá, tava num hotel, daí eu peguei o telefone e liguei. Aí eu pedi o endereço para a mulher. Ela disse: “E na rua Fulano de Tal, Cidade Nova, W.E. 32, não sei o que, não sei o que.” Ah, tá! Aí o motorista que estava comigo, eu nem dirigia os carros da Embrapa. Aí disse: “Eu sei Jair! Bora lá?” “Bora!” Chegamos no orelhão. Também não falei nada, se eu era filho dele. Não falei nada. Aí foi que eu passei e falei: “Onde é que o Furiba mora?” O apelido do meu pai, o nome dele é Francisco, mas chamava o apelido dele de Furiba. “Ele mora bem ali assim.” Aí eu fui lá, né? Saí andando lá, aí cheguei, bati na porta. Aí, uma irmã minha, já mocinha, de uns quatorze, quinze anos, já. Ela disse: “Quem é você?” “Diga que eu sou filho do Furiba.” Mas essa família lá, sabia que ele tinha família também, só não conhecia a gente. Ela chamou a mãe dela. “Mãe, tem um filho do papai aqui.” E a véia veio lá, a Leó, que é a mulher dele. Aí ela veio. Veio se justificar para mim. Eu falei: “Não, não quero saber de nada. Eu vim aqui para ver.” Ele ainda trabalhava nessa época. “Ele saiu para trabalhar”. Eu falei: “Não, não quero saber de nada não, só vim aqui que eu vou indo para o mato e eu queria uma rede para eu levar, que eu estou indo sem rede. Ela falou: “Não, está aqui a rede.” Levei. Aí, na volta eu passei lá, ele estava lá. Daí eu falei com ele também. Daí começou a amizade entre os irmãos, que eram duas irmãs e dois irmãos lá também, né? Aí pronto, foi melhorando. A minha mãe, realmente, não sei se ela tem os direitos dela, de não querer aceitar. “Mãe, não tem nada a ver, queira ou não queira, são nossos irmãos e acabou.” Aí, foi, foi, aceitou. Hoje em dia… Ele faleceu, tem uns dois, ou três meses, meu pai, lá em Marabá mesmo. Então foi isso. Eu fui, antes dele falecer, eu fui na casa dele, falei com ele, tava ruim. Aí eu abanei, faltou energia, eu abanei, abanei ele, abanei. Aí ele: “Meu filho, você vem me buscar no final do ano para eu passar final de ano com vocês?” Digo: “Venho pai, venho lhe buscar.” É quinhentos quilômetros de viagem. “Eu vou lhe buscar ai, eu venho lhe buscar. Toma seu remédio todo direitinho que eu venho lhe buscar.” Aí saí de lá domingo de tarde, domingo de manhã, domingo, segunda, terça, quarta, quinta, sexta feira seis da manhã, um irmão meu, lá de Marabá, ligou. Vi a ligação. “Puta meu, o véio morreu, quer ver?”. “Jair, o papai acabou de morrer.” “Eu já sabia, quando tu ligou, você nunca liga pra gente, né?” Aí eu já não fui mais lá, eu já tinha ido uma semana. E é cansativo, a estrada é ruim, cansativo pra caramba. Avião na hora é muito caro, é perto, mas é que nem eu falei pra você, às vezes, a passagem de uma hora de Belém para Santarém, de Belém pra Marabá, é mais cara do que ir de Belém à São Paulo. Incrível isso. É muita diferença, eu acho que poderia ser mais barato um pouco lá. Aí só veio a minha irmã. Minha irmã tinha vindo comigo, voltou de novo. Mas veio só ela. Aí pronto. Aí foi essa a minha infância com o meu velho pai. Aí, morreu, só está a velha. A velha ainda está segura ainda lá no interior.
P/1 - E a sua mãe?
R - Mamãe sempre foi aquela mãe rígida, ela era mais ruim do que ele, porque a mamãe batia na gente, me dava cinturãozada nas costas, galho de pau no meio das costas da gente, porque a gente fazia coisa errada. Mas deu sorte, que foram seis homens e uma mulher, aí todo mundo procurou um rumo certo e hoje vive tranquilo todos nós. A mamãe mora no interior, eu tenho dois irmãos ainda, três irmãos no interior, e tem três irmãos em Belém. Eu estou empregado na Embrapa, a Jacilene toma conta de uma empresa lá, o João trabalha na Natura. Então, assim, o resto mora lá pro interior. Eu, a Jacilene e o João, que mora em Belém. O resto mora tudo no inteiro ainda. Aí vira e mexe eu estou lá no interior, final de semana… A praia é bem pertinho, estou falando pra você. Nas minhas férias são cinquenta quilômetros para eu ir para a praia, estrada boa. Aí toda semana eu vou lá na praia, tomar um banho, quando eu tô de férias.
P/1- E na sua infância, vocês brincavam?
R - Sim!
P/1 - O que vocês gostavam de fazer?
R - Bola. Nossa brincadeira era sempre o carrinho e bola, brincar de carrinho, porque os quintais antigamente eram grandes, a gente fazia as estradas no chão, fazia aqueles carrinhos, saía puxando. Brincadeira de criança mesmo, de menino mesmo. E a bola, a bola sempre foi a mais… A bola que fazia a gente apanhar, porque no interior não tinha água encanada, você tinha que buscar lá no poço, lá na beira do igarapé, pra lavar, pra beber. Então minha mãe tinha um bocado de filho, ela queria que nós enchesse as coisas tudinho de vasilha pra gente poder brincar de bola. Às vezes, a gente esquecia de encher, ia brincar de bola, quando chegava, apanhava. Tinha que encher de água. Aí graças a Deus hoje tem água, tem tudo, tem internet, tem tudo. A velha está é bem lá.
P/1 - Essas eram as atividades que vocês tinham?
R - Era.
P/1 - O que mais vocês tinham que fazer naquela época?
R - A mãe sempre trabalhou na roça. Você sabe o que é roça? Roça mesmo, que é plantar mandioca, fazer a farinha. A minha mãe sempre batalhou assim também. E também na época a gente começou a crescer, ninguém era empregado ainda, ninguém tinha renda, o papai tinha ido pra lá, então tinha que se virar, mamãe tinha que fazer a roça, então a gente ia fazer farinha. Tem uma coisa que marca muito. Quando eu era adolescente, eu comecei com dezesseis anos, quinze anos, por aí. Aí, a gente já quer um dinheiro no bolso pra gente já chegar na rua ali, já pensou se uma menina pedir uma menta. Naquele tempo uma menta, a gente não tinha. Isso aí eu também me lembro, muito bem disso. Aí a gente tinha a roça, aí hoje é sexta feira. Poxa, vai ter uma seresta ou tem alguma coisa bacana ali. Cadê o dinheiro? A gente ia lá com o comerciante, falava: “Seu Zé, a gente quer lhe vender uma farinha.” “Cadê a farinha?” “Não, está lá na roça ainda. A gente quer que o senhor dê o dinheiro pra semana a gente vai botar a mandioca na água, para fazer a farinha, e vem lhe pagar. Aí o cara era tão legal com a gente também. Ele adiantava o dinheiro, mas era ruim demais, Luiza. Tu pagar uma coisa que tinha gasto já, ô menina, é ruim. A gente ia na segunda feira, depois da festa, botar a mandioca na água, fazer a farinha, para entregar para o cara. Já tinha gasto o dinheiro. Então, era essa mesmo, essa lembrança que eu tenho…
P/1 - E era festa que vocês iam?
R - Festinha mesmo. Aquelas coisinhas de interior.
P/1 - Como que era?
R - Luiza, coisa de interior é um, eu acho, que um som três em um que a gente tem, aquelas caixas JBL que tem aqui, fazia mais zoada do que aquelas caixas naquela época. Era. Era aquela coisinha, sabe? A gente ia lá, tinha uma luzinha lá, coisa de interior mesmo, Luiza. Uma luz, que nessa época lá no interior, a luz só ia até às dez da noite. Só até às dez da noite. Então apagava a luz, as mulheres botavam aquelas coisas na beira da casa. Era no tempo da bateria, coisa da bateria. Assistir jogo, Luiza, aquela televisão… Eu lembro de uma Copa do Mundo, as primeiras copas que eu me lembro mesmo… Se não me engano era o Rivelino que jogava ainda. Não tinha energia no meu lugar. O que a gente foi fazer? A gente fez uma coleta, botou o motor que tinha gerador, motor de aparelho, aparelhagem naquele tempo. Então fez a coleta, comprou o óleo, pro cara funcionar o motor, para ligar, pra gente poder assistir o jogo. Isso aí eu lembro.
P/1 - Todo mundo junto?]
R - Todo mundo junto. Na vila toda não tinham três televisões. Na vila não tinha, eu me lembro bem assim. Aí depois que chegou a energia já direto, aí pronto, era uma alegria. Aí todo mundo já começou a comprar uma geladeira. A energia também é uma coisa que vem com muitos benefícios. Aí era uma geladeira, já tem um uma televisão. A nossa televisão, Luiza, eu acho graça, era preto e branco. Não tem esses papes coloridos, eu botava na frente para parecer colorido. Isso aí eu lembro também da minha infância, do meu tempo de coisas. Pra lá, no nosso interior. Que realmente eu morava no interior, Belém já podia ser bem mais adiantado, que eu tenho só sessenta anos, Belém já tinha coisas boas, já lá. Mas a gente do interior não conhecia Belém, é 160 quilômetros, eu nunca tinha vindo. Quando eu vi em Belém, eu pensei que era outro mundo na minha vida.
P/1 - Qual foi a sua primeira impressão de Belém?
R - Que eu nunca mais ia sair de Belém perdido. Eu, caboclinho do interior, cheguei lá, eu olhei todo aquele movimento, que aqui tem um milhão de carros, lá em Belém tem um milhão e oitocentos mil pessoas, no caso. Aqui tem vinte milhões, aqui dá dez Belens dentro. Só que onde eu passei voando, que eu olhei pra baixo assim, a casa é igual a essa aqui, eu não dividi nada na minha mente lá em cima. Eu digo assim: “Porra, eu nunca mais vou sair de Belém, que eu tô perdido, com medo”. Aí, pronto, vai se acostumando, vai, vai, pronto. Hoje em dia Belém é pequeno. Pra mim Belém é pequeno já, não dá nem para se esconder mais, Luiza. Não dá mais, que todo mundo se acha já.
P/1 - Todo mundo te conhece?
R - Já! Todo mundo me conhece. Todo mundo já conhece a gente, então se você está lá no [Mercado] Ver-o-Peso, de vocês verem na televisão. Às vezes você está lá, passa um. “E rapaz, tu tá por aqui?” Aí, tu olha é um conhecido lá. Então, não tem. Porque o local que tem mais gente é ali. É o dia a dia ali, naquela feira, naquela feira livre, aquele movimento de gente. Mas te acham lá, acham a gente lá.
P/1 - Você que veio do interior, imaginava isso em algum momento da sua vida?
R - De que?
P/1 - De que Belém seria pequeno pra você.
R - Não, não, não. Não imaginava, não. Eu jurava que eu ia voltar para o interior, e ia viver… Assim, jurava não. Eu sempre… Que nem eu falei para você, eu não tenho estudo. E você está numa capital, sem estudo, você vai fazer o quê? Vou trabalhar pesado, como ajudante de pedreiro, essas coisas, que fiz isso ainda. Ainda consegui fazer, pra tipo assim, arrumar um dinheiro, eu fui ser ajudante de pedreiro, na época que cheguei em Belém. E pra mim, o cara me pagava final de semana, eu botava dinheiro no bolso, pagava o ônibus, e ia embora para a casa da minha mãe. Eu sempre fui assim… Hoje, graças a Deus, a minha mãe tem o dinheiro dela, mas eu sempre reparti. Se eu ganhasse, vamos dizer assim, cinquenta, eu dizia: “Mãe, eu vou lhe dar trinta, vou ficar com vinte. Porque trinta era para ela comprar o negócio dá ____ e vinte eu colocava no bolso, que já ia atrás das meninas ali, pagar um sorvete. Eu não tinha vício de beber, era bom por isso, não tinha. Que eu ia na rua, tomava um suco, comia um pastel, era isso. E voltava pra casa. Dinheiro sempre aqui, e dava, porque você não tinha vício, é barato, era um suco com bolacha, era um suco com biscoito, era só isso. Então, dava para dar para a mamãe. Aí graças a Deus, agora todo mundo tem sua renda, aí dá para sobreviver. Foi na época que eu me casei, vim para Belém, aí deixei de ir mais lá. Deixei de ir, não, todo mês eu vou lá. Enquanto a minha mãe é viva, eu vou ter que ir lá, todo o mês, todo o mês. Todo mês a gente vai lá, duas vezes por mês. São uns 160 quilômetros, eu vou de manhã cedo, às vezes, saio cinco e meia da manhã, sete e meia eu estou lá dentro, porque o trânsito está bom, bem bom mesmo. Aí chego lá, já tomo um café lá na casa da mamãe, da minha sogra. Aí, é assim, a vida nossa agora lá.
P/1 - E o seu primeiro… Você casou duas vezes, ou não?
R - Não, a primeira vez não foi casamento, Luiza. A primeira vez foi… Quer dizer, foi união estável, né?
P/1 - Juntaram?
R - União estável. Ela tinha, a primeira, a mãe do Juan, ela tinha que participar do meu plano médico, que eu era empregado, então tinha que ter algum registro. Daí eu levei a minha carteira profissional, naquele tempo, aí o INSS colocou como companheira, tem um item lá atrás da carteira, que coloca. Aí a partir dali… Aí foi na época que colocou, pronto, aí ela ficou morando no interior, a mãe do meu filho. Só que depois ela disse: “Não, vou me embora atrás dele, que já é meio nó cego, na sacanagem, Belém”. Aí, ela foi bater atrás de mim. Aí eu tive que dar um jeito, a mulher já veio, agora tenho que comprar uma casa, que até então eu morava com a minha tia, com a minha tia. Aí depois: “Não, não, eu vou ter que batalhar, vou sair daqui, vou comprar uma casa”. Por isso que diz, que às vezes, uma mulher ajeita um homem mesmo. Comprei casa, comprei carro, comprei tudo. Por quê? Porque quando você está solteiro, você não pensa, se acabar o dinheiro. Só pensa assim: Ah, se acabar, já vai chegar o final do mês de novo, eu já vou pegar de novo. Tu não pensa lá na frente. Que hoje em dia, eu aconselhei o Juan, que é meu filho: “Juan, se o papai tivesse me dado os conselhos que eu estou te dando, hoje eu era um homem muito rico, Juan.” Eu digo para ele: “Pô, tu fica gastando dinheiro à toa.” Agora que eu quero repreender, mas eu já fiz as besteiras. Então, eu acho que eu não posso nem reclamar muito dele não. Mas eu sempre pego no pé dele: “Rapaz, não é assim, é assim, assim, assim”. Porque para mim ele ainda está novo, 31 anos. Então está novo ainda.
P/1 - Como foi se tornar pai?
R - Olha, para falar a verdade, a gente… Eu nem pensava em ser pai não, eu tinha a esposa, e ela engravidou a primeira vez, perdeu, engravidou a segunda, nasceu o Juan. No dia em que o Juan nasceu, eu viajei para Altamira. Fui na porta do hospital, olhei, ia passando ali. Isso aí foi. Aí até hoje a mãe dele, que já morreu. Ela dizia: “O Jair, no dia que tu nasceu, ele viajou”. Daí eu falei assim: “Eu viajei sim, mas foi atrás de dinheiro para sustentar ele”. Na brincadeira, né? Mas realmente… Porque já tinham marcado a viagem. E você sabe, às vezes, marca uma viagem, é um custo todo, né? Era com os americanos, foi na época que eu fui viajar com os americanos. Inclusive, o nome do Juan, era com R, Ruan com R. Aí, um cara que estava comigo: “Jair, você pode colocar com J, é espanhol, Juan.” Eu disse: “Pode?” “Pode, pô!” Aí, eu coloquei. E realmente pode, né? É Juan com J, Juan. Aí, ficou. Um colega daqui, que andava com a gente que mandou eu colocar, eu coloquei. Isso dele, do Juan.
P/1 - E sua segunda filha?
R - Essa aí, Luiza, invocado, a gente já é pai, né? Eu tinha me separado da mãe do Juan. Aí sim, aí que começa na sacanagem, querer ser solteiro novamente, começa a dar… Aí foi que eu fiquei com essa mulher, com a mãe da minha filha, daí ela era bem nova, ela tinha 22 anos, eu já era bem… Agora ela tem 37. Então, ela falou que queria engravidar. Eu falei: “Rapaz, eu não queria mais filho não”. Eu não queria, mas ela como mulher, ela queria. Daí, agora, se ela quer, eu sou o marido dela, vou ter que fazer alguma coisa. Daí que nasceu a Maria Fernanda, Graças a Deus! E realmente é legal, né? Eu não tinha. Eu só tinha o Juan, mas a filha mulher é muito legal, muito legal.
P/1 - É diferente?
R - Pra mim, eu digo assim, o meu carinho por ela é um, pelo Juan é outro, porque realmente a gente protege mais a filha mulher, no caso. O homem é mais… Mas o gostar, igual a gente diz… Pra mim o Juan já está casado, mas todo dia eu ligo pra ele. Todo dia eu pergunto: “Como aqui está?” É assim, sabe? Não pergunto pela Maria, porque a Maria também tem a mãe dela, a mãe dela que protegia ela lá dentro de casa. Então, só elas duas, elas se viram lá para casa. O Juan não, o Juan, trabalha fora, e como ele é policial, é arriscado, e sempre eu me preocupo com isso. Mas na hora que ele sair da polícia para ir pro bombeiro, eu vou esfriar mais a minha cabeça, vou deixar ele viver mais um pouco. Porque todo dia eu pergunto por ele.
P/1 - E a pandemia, como foi pra você?
R - Eu estava falando para os meninos aqui, que a pandemia pra mim, todo mundo adoeceu em casa, menos eu, menos eu. A minha mãe, meus irmãos, foram bater nas UTI [Unidade de Terapia Intensiva].
P/1 - Jura?
R - Juro. E todo mundo morrendo, trancado dentro de uma casa, em casa, e uma ambulância levando gente. Mas o que acontece? Eu não senti nada, não senti nenhum sintoma. Posso ter pego, mas eu não senti nada, nada, nada, não deu febre, não deu dor de cabeça. Nada, nada, nada. Inclusive, eu viajei para um garimpo. Aí eu tinha que fazer exame para poder entrar no avião, fazer essas coisas. Eu fiz, não deu nada. Então, por isso que eu digo, eu fiz o exame e não deu. Porque só podia viajar se tivesse feito o exame, aí eu fiz, a empresa pagou, no fim não deu nada. Então, pra mim, foi muito ruim, porque foi a minha mãe e mais uns irmãos meu, que ficaram bem ruim, foram para o hospital, cunhada, todo mundo, já bem ruim mesmo. Mas voltaram. Mas muitos amigos meus lá da Vila, foram e não voltaram. Voltaram como diz o cara: Já empacotado. E a mãe do Juan, depois, já quase no final da pandemia, no final, ela contraiu, ela estava no hospital, com um problema, negócio de seio de mulher, câncer no seio, né? Aí ela foi pra lá se tratar disso. O que aconteceu? Lá no hospital contraiu o covid. A um com o outro não dava certo, dava remédio pra um, piorava… Aí, foi pouco tempo, não deu um mês, a mulher não deu um mês, não deu um mês que internou, não deu um mês. Ainda foi duas tardes visitar ela lá. Ela já estava entubada já, não via mais nada. Só olhar ela, olhei, olhei. Foi o primeiro dia, foi o segundo. Quando foi no outro dia, foi já eu e o Juan. Aí quando nós chegamos lá, o médico me chamou. Aí, falou comigo, com ele, aí falou… Porque o médico, nunca quer dar a notícia, ele vai lá, rodeando, rodeando, até que ele chegou… Mas eu já sabia. Eu digo: “Eu já sei o que está acontecendo. Quer ver?” Aí, rodeou, rodeou… Como eu já estava separado dele a mais de… Acho que já mais de dez anos. Aí foi que… O médico perguntou: “O que você é para ela?” Eu disse assim: “Sou o marido dela.” “E ele?” “Filho.” Aí começaram a dar a notícia. Depois: “Olha, ela faleceu.” Daí é ruim, né? E só ele, filho único, ele. Dela, né? Aí ele ficou ruim, ficou ruim. Tive que ajeitar tudo, que ele não deu mais conta de fazer nada. Estava até fardado ele, que ele ia para o trabalho dele. Aí ligou, dispensaram ele. Mas foi isso, pra mim, a única coisa mais ruim, foi essa. Que apesar de separados, a gente se dava bem, cuidou muito bem dele. Ela só ligava para mim quando era para eu puxar a orelha dele, quando ele queria fazer alguma coisa de errado. Que moleque assim, sempre quer fazer alguma coisinha errada. Ela: “Olha, o Juan está querendo…” Aí, eu parava na cara dela, ia lá, pegava o carro, falava com ela, chamava ele. “Respeita ela, ela é tua mãe. O que está faltando pra ti?” “Nada.” “Então, pois é, então, se ela pedir, tu tem que respeitar ela. Não está faltando nada pra ti. Tu quer gritar com a tua mãe?” Aí foi isso.
P/1 - E quais são os seus sonhos?
R - Luiza, agora Luiza, eu quero… o meu sonho mesmo é formar minha filha. Eu quero ver ainda isso, antes, porque eu estou com sessenta, ela está com dez. Eu quero ver ela numa faculdade. Depois disso eu estou com sonho realizado, porque ele tem formação, né? Então, eu não tive esse tipo de coisa. Mas eu quero fazer isso. Ele tem, já estou tranquilo, já está caminhando com as próprias pernas dele. Ela, como mulher, realmente tem que ter mais cuidado ainda. O cuidado que eu digo é aconselhar, é botar para estudar logo, né? A minha maior preocupação é assim… Quando a minha filha estiver numa faculdade, pronto, aí eu me realizo completamente, fico mais tranquilo. Mas hoje eu ainda tenho essa preocupação, porque esse mundo nosso é meio perigoso. E enquanto ela ainda tiver assim, sem proteção… Porque, às vezes, você cresce, uma pessoa que nem você, já sabe se defender de alguma forma. Mas tem hora que a criança não sabe se defender, é enganada, é iludida, e é ruim isso, de ver esse tipo de coisa. Mas eu acho legal o jeito da minha irmã, minha irmã, ela não tem filha, ela se formou também, sempre trabalhou, também começou de frentista de posto, frentista de posto, botando gasolina e óleo nas coisas. Mas hoje em dia está bem. Então, ela soube crescer dentro de Belém, e se defendeu bem. Todo mundo tem seu marido, tem sua esposa. Ela tem o marido dela, não quero saber também, é um cara legal. Mas soube se defender, hoje em dia, é que nem ela diz: “Eu tenho minhas coisas, tenho marido, mas se não der certo, eu mando embora”. Beleza. Eu quero que a minha filha seja assim. Minha filha, não deu, manda. Ah, você casou, não deu certo, pegou filho, vem pra cá. Mas eu, longe desse bicho daqui. Isso aí eu nunca vou deixar de acatar. Isso aí, posso ser meio grosso nas outras coisas, mas não, não. Só não quero… Que nem eu falei uma vez, só não quero que judie. Que nem uma vez, eu soube que um namorado da minha irmã queria bater nela. Rapaz, eu digo: “Não é louco, não. Ele não é louco não”. Ela tem seis irmãos homens. Ele não é doido de fazer alguma besteira. Também abafaram, nunca mais, Graças a Deus. Ela deixou dele também, e está num outro casamento, e também está bem. Ela não teve filho, ela, minha irmã. E ela adotou a minha sobrinha, que é filha do meu irmão mais novo, que é filha dela agora. Aí, pronto! Acho que ela está bem agora.
P/1 - Só para a gente encerrar, então, gostaria de saber se você quer acrescentar alguma história que eu não tenha te perguntado? Contar alguma passagem de sua vida? Uma pessoa?
R - Não, Luiza, pra mim, eu acho que o nosso bate papo aqui, vamos dizer assim, foi legal. Eu respondi as coisas mesmo que eu queria. Eu estava pensando realmente, eu tinha mais ou menos certeza onde ia se encaixar essas coisas. E eu também espero, Luiza, que eu tenha falado algumas coisas que interesse para a empresa, que é o Museu da Pessoa. Que eu também fiquei orgulhoso. E hoje, lá na Embrapa, todo mundo me dá parabéns. “Parabéns, cara!” Pela homenagem. Eu acho que é uma homenagem, é um tipo de homenagem. Então, eu também estou muito feliz. Agradecido por tudo. Eu não conhecia ninguém pessoalmente. Agora estou conhecendo Luiza, conhecendo ela, e tem mais o taxista. E tem a outra menina que eu não conheço, a Ane.
P/1 - A Ane você vai conhecer amanhã.
R - A Ane, não conheço ela. Então, tudo isso para mim, também foi legal. Que hoje, tem uns dois pesquisadores da Embrapa, antes de eu sair na quarta-feira, estava me dando parabéns. “Parabéns! Você vai, né?” Digo: “Vou, cara, vou lá, vou lá.” “Cuidado, Jair, cuidado, te concentra.” Isso também é uma coisa legal. Então, pra mim também foi muito gratificante essa coisa. Porque lá em Belém foi coisa rápida. Foi tipo assim, vinte, trinta minutos de caminhada na floresta, e eles fazendo a pergunta, respondendo, só isso mesmo. Um filmando, a menina perguntando, e o microfone aqui mesmo, e falando, e pronto.
P/1 - Hoje foi um pouco diferente?
R - Foi mais diferente, mais coisas para falar, no caso, tinha que estar mais concentrado mesmo.
P/1 - Querido, muitíssimo obrigado.
R - Obrigado digo eu, Luiza.
P/1 - Por dividir um pouco das suas histórias com a gente. Pela confiança.
R - Beleza! Legal também. Legal ter conhecido vocês.
P/1 - Legal, obrigada!
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