Entrevista de Bruno Bortoloto
Entrevistado por Bruna Oliveira e Giulianna Ramos
São Paulo, 22/10/2021
Projeto: Porto & Cidade - BTP/Ultracargo
Realizado por Museu da Pessoa
Entrevista n.º: PCSH_HV1089
Transcrito por Selma Paiva
Revisado por Bruna Ghirardello
P/1 – Bruno, pra começar, eu queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, a cidade que você nasceu e a data.
R – Tá bom. Bom, meu nome é Bruno Bortoloto do Carmo. Eu nasci em Santos, dia 16 de julho de 1988. É, é tudo isso, né? É que, às vezes, eu me confundo. É nome, local e data de nascimento, eu só inverti.
P/1 – E quais os nomes dos seus pais?
R – Meus pais... meu pai chama José Fernando do Carmo e minha mãe, Aidé Bortoloto do Carmo.
P/1 – E o que seus pais faziam?
R – Bom, meu pai é formado como técnico em segurança e edificações. E a minha mãe é professora, na época em que eu nasci, ela tinha só magistério, hoje ela é formada em pedagogia. Mas minha mãe sempre foi professora, sempre trabalhou em escola, tal. Tanto que a minha infância sempre foi no meio de professores e tal. Minha mãe mesmo antes de eu entrar na escola, minha mãe sempre me levava pra ficar junto com ela, quando ela estava dando aula, assim: eu tenho memórias muito vivas dessa época, com dois, três anos já lembro de estar ali, do lado dela, como professora. E o meu pai, na verdade, ele trabalhou em várias outras coisas, antes dele conseguir trabalhar onde ele se formou. Trabalhou como vendedor, representante naquela antiga Arbes, que era da Antarctica, como representante de vendas. Chegou uma época em que ele não encontrava trabalho nenhum, foi uma época bem difícil, né? Final dos anos 1980, começo dos 1990, Plano Sarney, essas coisas assim. Meu pai chegou a trabalhar até como carcereiro. E aí, depois de algum tempo, inclusive com períodos com e sem trabalho, ele conseguiu um emprego numa construtora, no Guarujá. Não vou me lembrar agora o nome da...
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Entrevistado por Bruna Oliveira e Giulianna Ramos
São Paulo, 22/10/2021
Projeto: Porto & Cidade - BTP/Ultracargo
Realizado por Museu da Pessoa
Entrevista n.º: PCSH_HV1089
Transcrito por Selma Paiva
Revisado por Bruna Ghirardello
P/1 – Bruno, pra começar, eu queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, a cidade que você nasceu e a data.
R – Tá bom. Bom, meu nome é Bruno Bortoloto do Carmo. Eu nasci em Santos, dia 16 de julho de 1988. É, é tudo isso, né? É que, às vezes, eu me confundo. É nome, local e data de nascimento, eu só inverti.
P/1 – E quais os nomes dos seus pais?
R – Meus pais... meu pai chama José Fernando do Carmo e minha mãe, Aidé Bortoloto do Carmo.
P/1 – E o que seus pais faziam?
R – Bom, meu pai é formado como técnico em segurança e edificações. E a minha mãe é professora, na época em que eu nasci, ela tinha só magistério, hoje ela é formada em pedagogia. Mas minha mãe sempre foi professora, sempre trabalhou em escola, tal. Tanto que a minha infância sempre foi no meio de professores e tal. Minha mãe mesmo antes de eu entrar na escola, minha mãe sempre me levava pra ficar junto com ela, quando ela estava dando aula, assim: eu tenho memórias muito vivas dessa época, com dois, três anos já lembro de estar ali, do lado dela, como professora. E o meu pai, na verdade, ele trabalhou em várias outras coisas, antes dele conseguir trabalhar onde ele se formou. Trabalhou como vendedor, representante naquela antiga Arbes, que era da Antarctica, como representante de vendas. Chegou uma época em que ele não encontrava trabalho nenhum, foi uma época bem difícil, né? Final dos anos 1980, começo dos 1990, Plano Sarney, essas coisas assim. Meu pai chegou a trabalhar até como carcereiro. E aí, depois de algum tempo, inclusive com períodos com e sem trabalho, ele conseguiu um emprego numa construtora, no Guarujá. Não vou me lembrar agora o nome da construtora. E foi uma época que começou a melhorar de grana lá em casa. Inclusive, uma época que meu pai era meio “pai do Chris”, sabe, do Todo mundo odeia o Chris? Ele tinha dois empregos. Ele passou num concurso da prefeitura, para trabalhar como guarda municipal. E ele trabalhava nesse lugar, nessa construtora, como técnico. Então, tinha dias que ele trabalhava 24 horas por dia. Ele trabalhava durante o dia e de madrugada, como guarda noturno, na prefeitura. Isso cobre bastante do que meus pais faziam, na minha infância. Minha mãe dava aula para crianças, para o ensino infantil e também pra fund I, né, fundamental I.
P/1 – E de onde eles são?
R – Minha mãe nasceu em São Paulo. Minha mãe nasceu ali no bairro, se eu não me engano, no bairro do Limão, ou na Casa Verde, para aqueles lados dali. Só no fim dos anos 1970, começo dos 1980, que ela se mudou para Praia Grande, com a minha avó. Eu mesmo, na verdade, quando eu nasci, eu nasci em Santos, mas fui morar na casa da minha avó, com a minha mãe e com meu pai, em São Vicente. Parte da minha infância foi em São Vicente. Minha mãe nasceu em São Paulo e veio morar em Santos. Meu pai, não. Meu pai é nascido em Santos e aqui ficou a vida inteira. Apesar que a minha avó e o meu avô, pais do meu pai, são migrantes de Minas Gerais. Eles vieram pra cá no fim dos anos 1950. Meu avô, já falecido, meu avô não conheci, mas ele veio, os dois, minha avó e meu avô, vieram pra cá porque meu avô tinha uma promessa de emprego no porto, como estivador. E aí ele veio pra cá. No meio dos anos 1950 ele já começou a trabalhar como estivador, ele e o irmão dele. Ele morreu bem cedo, morreu com trinta e poucos anos. Meu pai tinha oito anos quando ele faleceu, muito provavelmente devido a alguma carga que ele trabalhou, tóxica, até hoje a gente não sabe. Tanto ele quanto o irmão dele trabalhavam no porto, trabalhavam embarcados, como estivador, no porão do navio, os dois morreram do mesmo tipo de câncer, muito próximo, assim, o meu tio-avô em 1966 e o meu avô em 1968, se eu não me engano. Inclusive, aí que começa, mais ou menos, a minha relação com o porto, porque eu perguntava assim pra minha avó: “Onde é que está o vovô?” Eu conhecia as minhas duas avós e não conhecia o meu avô, né? E aí ela falava assim: “Não, seu avô trabalhava no porto”. Na época, eu nem sabia o que era porto, não sabia o que era estivador, o que era ser estivador, mas ela falava que ele trabalhava no navio e ele foi morar com Papai do Céu. (risos) Na época, ela falava assim: “Não, o vovô não está mais aqui, ele foi morar com Papai do Céu”.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Não, sou filho único, sou filho único. Inclusive, mesmo de distância e de primos, eu fui bem mimado quando era criança, porque eu era o único primo pequeno, assim, sabe, de quando eu nasci. Foi o primeiro filho, primeiro neto e o primeiro filho das irmãs da família da minha mãe. Minha mãe tem quatro irmãos. E o meu pai tem três irmãos. Do lado do meu pai tinha um primo, meu primo Tiago, ele já era mais velho, então já tinha passado o período de mimar, de criança. Já tinha sete anos, oito anos, quando eu nasci. E, do lado da minha avó, não tinha nenhum neto. Então, eu fui, eu meio que nasci e tive atenção de todo mundo da família ali, dos quase sete, oito tios que eu tinha.
P/1 – E como você descreveria essa relação dos seus pais? Como é que era?
R – Ah, sempre foi uma relação muito boa. Inclusive, eu costumo pensar que quando a gente costuma pensar na nossa memória, nas memórias das coisas que passaram, a gente sempre ouve os mais velhos falando assim: “Ah, no meu tempo era muito melhor que hoje, hoje as crianças não…”. Todo mundo tem essa memória boa de infância, se não teve nenhum trauma. Eu não tive nenhum trauma quando era criança. Sempre tive a atenção de todo mundo, meus pais sempre tiveram uma relação muito boa entre eles. Por mais que tivesse, às vezes, alguma coisa da parte deles, assim, com sogra, às vezes, tem esse problema, mas isso nunca me afetou, sempre tive uma relação muito boa também com as minhas duas avós. Então, uma coisa que eu ia comentar, na verdade, essa questão que eu falei, de que os meus dois… o meu tio-avô e o meu avô eram estivadores e os dois faleceram muito cedo, né? Eu falei dos meus tios, tal, que de um lado meu pai tem três irmãos e da minha mãe… Meu pai tem três irmãos, na verdade, ele tem dois irmãos que são da minha avó mesmo. E um deles, o meu tio Zé Luís, foi morar com eles, ele veio do meu tio-avô, porque é uma história até um pouco triste, do lado do meu tio-avô, meu tio-avô morreu e a mãe ‘picou a mula’. Então, nesse ponto eu não sei quantos irmãos que eram, mas sei que dividiu entre vários, entre várias famílias, assim. Acho que eram sete irmãos. E aí, meu tio Zé Luís foi morar com a minha avó e, enfim, foram dois pra Uberaba, minha avó era de lá, Minas Gerais, foram dois pra lá, foi um morar com não sei quem, no Guarujá e tudo mais. Então, eu tenho esse meu tio que descobrimos quando era criança, né: “Ah, então, o tio Zé Luís…”, me contavam essa história, quando eu era criança. Que meu avô tinha falecido, meu tio-avô também e esse meu tio era filho do meu tio-avô e tal. E tinha essa história e eu me perdi. (risos) Eu ia falar outra coisa, mas agora eu não lembro. (risos)
(10:49) P/1 – A gente estava perguntando sobre a história dos seus pais, né? A relação.
R – Ah, não, então, é que eu estava falando, eu estava pensando nisso aí, da questão do meu avô ainda, estou pensando no meu avô que trabalhava no porto. E uma coisa que a minha avó sempre me falava, é que os estivadores sempre foram uma classe muito unida. Porque eles recebiam por semana, assim, por trabalho. Você tinha o sindicato, que dava um apoio, tanto que minha avó, até o fim da vida, recebeu pensão do meu avô que faleceu. Mas, logo quando o meu avô faleceu, eu lembro que a minha avó contava, que na semana seguinte veio… meu pai também conta, que ele lembra isso, quando ele era criança, ele tinha oito anos, mas ele fala que ele lembra... que, na escadaria, estavam um monte de estivadores que vieram perguntar como é que a minha avó estava, se ela estava precisando de ajuda, porque minha avó trabalhava como cabeleireira, mas, ainda assim, para sustentar dois filhos e ela já tinha o terceiro, né, porque tinha chegado fazia uns dois anos e aí meu pai conta que os estivadores trouxeram, num lenço, uma quantia de dinheiro pra dar pra minha avó, falando assim: “Ó, isso aqui acho que vai dar por uns dois, três meses. A gente juntou entre todo mundo lá do porto, pra tentar segurar, até sair a pensão do Donacir”, que é o nome do meu avô. É que você estava falando dessa coisa de como era a minha relação e tal. Eu conversava muito, converso ainda, com meu pai, com a minha mãe e eu sempre tive muito interesse em saber, saber da história da família, saber o que tinha acontecido, tal. Tinha foto do meu avô lá, em preto e branco, que eu ficava sempre cutucando a minha avó, o meu pai, a minha mãe, pra saber dele um pouco mais. Essa história é uma história que eu ouvi muito, quando era criança, dessa coisa e que me marcou também, porque é essa coisa da solidariedade de classe que, hoje, conhecendo outros estivadores, dessa época, a gente vê que era bem assim. Inclusive, quando eu entrevistei alguns estivadores dessa época, dos anos 1960 e tal. Quando eu fui entrevistar, minha avó ainda era viva, eu perguntei assim: “Vó, o vô tinha um apelido no porto, né? Aí ela falou: “Sim. O chamavam de Marta Rocha”, porque eles só trabalhavam sem camisa, com um shortinho curto e diziam que o meu avô tinha umas pernas bonitas, de modelo, aí o chamavam de Marta Rocha. E aí, quando eu fui no Sindicato dos Estivadores, para procurar gente… tem aquele momento que você tem que quebrar o gelo, né? As pessoas não sabem por que que você tá ali: “Ah, quero conversar com você sobre porto, sobre café e tal”. E ninguém queria falar comigo, aí eu usei o meu avô, eu falei assim: “Ah, quando você começou a trabalhar?” “Comecei em 1959, não sei o quê” “Ah, 1959, você deve ter conhecido Marta Rocha” “Marta Rocha? Conheci” “Você o conheceu?” Teve um que até saiu, um pouco, uma lágrima, assim: “Nossa, quanto tempo eu não ouço esse nome, Marta Rocha. Conheci sim, trabalhou junto com a gente, morreu cedo, não sei o quê”. Então, é essa coisa também de você conhecer a história da sua família e como eu usei isso. A gente pode conversar um pouco mais pra frente, de como eu usei isso pra fazer as pesquisas com o pessoal do porto.
P/1 – Queria saber, Bruno, na sua infância, assim, quando você era pequeno, você lembra de algum costume que sua família tinha? Pode ser uma comida que era, assim, que você lembra da sua infância, ou um cheiro, uma data comemorativa.
R – Olha, já que a gente está falando de porto, exatamente, eu morava em São Vicente, durante um tempo, mas a minha avó, por parte de pai, morava em Santos, a gente sempre ia visitá-la e tal. E aí a gente pegava o ônibus pra ir pra Santos. A minha memória de criança nunca foi a memória da praia, porque o ônibus intermunicipal de São Vicente, o que a gente pegava, pelo menos, ali na Antônio Emmerich, vinha pela zona noroeste. Então, ele vinha pela zona noroeste inteira, pela Nossa Senhora de Fátima. Antônio Emmerich, Nossa Senhora de Fátima e pegava a entrada de Santos ali, o Saboó e uma parte do porto e do Centro. E aí eu sempre via aqueles morros e tal, os navios. E também, quando eu saía com a minha avó, pra ir pra cidade, né, tinha ainda esse costume de falar que a gente vai pra cidade, pra ir pro centro da cidade, pra fazer compra, né? A gente passava por dentro do porto, com o ônibus. E um cheiro que, pra mim, é super, hiper, mega característico, é aquele cheiro ruim, aquele cheiro de… depende, às vezes, é açúcar, às vezes, é laranja, às vezes, é soja. Hoje em dia tem mais soja, hoje em dia a gente reconhece mais. E eu lembro que, tanto com a minha mãe, com meu pai, ou com a minha avó, eu ficava perguntando: “Nossa, que cheiro é esse?” Aí eu lembro da minha avó falando: “Ó, isso é açúcar, isso aí já é laranja, tá vendo? É mais... “. Pra mim, era sempre o mesmo cheiro ruim, mas hoje em dia, com a minha esposa, com a minha namorada, com a minha esposa, eu falei que eu sou solteiro, mas a gente não se casou, então... (risos) mas eu tô junto faz quinze anos com a minha esposa. Quando ela vem pra cá, pra Santos, a gente passa pelo porto, ela fala assim: “Nossa, esse cheiro...”. Aí eu falo assim: “Ah, isso aí é açúcar”. Aí ela fala: “Como você sabe que é açúcar?” “Não, você… desde criança eu ouço que esse cheiro é açúcar, então, pra mim, é açúcar”. Pode até ser que não seja porque, quando você passa pelo porto, hoje em dia até você não passa por dentro dos armazéns, mas antes você passava, tinha uma parte que o ônibus ia por dentro dos armazéns. Então, você não vê, de fato, o que está dentro do armazém. Mesmo quando você é criança, eu não conseguia nem alcançar a janela direito, (risos) pra saber o que era. Mas eu lembro dessa diferenciação, inclusive, dos cheiros que eram ruins. Pra mim é uma memória boa, pra mim é uma memória agradável, mas o cheiro não é agradável. Quando você sente esse cheiro de podre, sei lá, não é um cheiro agradável, mas, pra mim, é uma memória que, quando eu passo por ali, me remete à essa época, quando eu ia da uma casa de uma avó pra outra casa da avó, que era de São Vicente para Santos. Mas, agora, mais de comida, eu não me lembro. Vamos conversando, que eu vou lembrar sim, mas eu não pensei nada em comida, específico.
P/1 – Não tem problema. E você falou que, quando você passava nos armazéns, antes, você via os navios, depois passava os armazéns. Foi neste momento que você começou a entender que existia um porto? Porque, quando a gente é pequeno, não sei se a gente tem noção do que significa, das coisas que tem na cidade. Em que momento que veio?
R – Sim. Olha, pra te falar a verdade, sabe quando você é criança e a minha mãe era professora, né? Então, ela ficava com aquela coisa, eu acho que ela não desligava a chavinha de professora, quando chegava em casa, sabe? Então, ela ficava com essa coisa de me ensinar as coisas. Me ensinou a ler muito antes de eu entrar na escola, eu já tinha alguma noção de letra e tal. E eu lembro que a primeira dobradura que eu aprendi a fazer foi dobradura de barquinho. E meu pai me levava muito pra ir na ponta da praia, pra ver os navios saindo ali. Eu não sei se eu tinha a noção de que aquilo era um porto e a proporção também, daquilo, de que aquilo era um porto. Mas eu sabia que era um lugar onde passavam navios, sabia que tinha o mar, sabia que tinham cargas ali, porque minha avó falava que tinha açúcar, tudo mais. Mas não sei em que momento… pra mim, é uma relação já intrínseca, assim, de que eu moro numa cidade que tem praia e que tem porto. E também, eu lembro quando eu era criança, não lembro quando exatamente, eu já era um pouquinho mais velho, devia ter uns oito anos. Não sei se você já ouviu falar que, às vezes, vem pra cá pra Santos, uns navios-escola da Marinha, o último que veio era um navio que tinha tipo uma livraria. E eu lembro uma vez que veio um navio da Marinha que a gente podia visitar. Então, acho que foi a primeira vez, inclusive, a gente não chegou a entrar no navio, porque a gente chegou atrasado, estava chovendo. (risos) Eu não cheguei a ir, mas foi a primeira vez que eu vi porque, quando a gente vai pro porto, não sei se você já passou pelo Porto de Santos, você não consegue ver. Você vê armazém e você vê portão, mas você não passa pra lá do portão. Foi a primeira vez que eu vi, de fato, o que tinha do outro lado. E aí, isso marcou também muito a minha memória de ver uma murada enorme, assim, aquela coisa que pra mim, era como se fosse uma rua que não tinha fim, porque boa parte das ruas de Santos, quando eu era criança, não eram nem de asfalto, né, eram paralelepípedo, principalmente no Centro, ali. Então, era como se fosse a continuação das ruas do Centro, só que do outro lado, com o mar na frente. Isso, pra mim, marcou porque me deu essa perspectiva de como se fosse uma cidade diferente ali. E isso é muito doido. Pra mim, inclusive, mudou muito quando eu comecei a estudar o porto, porque aí eu comecei a ver como que era antes, como é hoje, como que foi construído. Como que aquilo tudo… porque fizeram daquela forma e tudo mais. E aí as memórias acabam sendo até um pouco ressignificadas. Mas, pensando em sensação, do que foi o impacto, ver aquilo pela primeira vez, foi essa coisa assim: “Nossa, tem…”, é um troço que não entra muito na sua cabeça, de como que funciona. Pra mim, quando eu era criança, eu não tinha muita ideia de como aquilo funcionava, mas sabia que - minha mãe falava, meu pai - o barquinho vinha, parava, aportava, as pessoas desciam, tal. As cargas, você via também aqueles guindastes enormes levando os containers de um lado pro outro. Não era já tanto mais como era na época do meu avô que trabalhava no porto, que era com sacos, já era com container, mas você via aquele mundo de containers ali. Ah, tem outra coisa, que isso foi uma coisa que mudou bastante a minha perspectiva de trabalho, de porto, no geral. Quando eu era pequeno, com acho que seis, sete anos, minha avó comprou, num desses… nos anos 1990 era muito comum ter produtos do Paraguai aqui. Hoje é mais da China, né, os produtos paralelos. Mas antes minha avó sempre ia na lojinha do Paraguai, que vinha produto do Paraguai e comprava umas coisinhas. Uma coisa que ela juntou dinheiro pra me dar foi um par de walkie-talkie, de radinho. E aí, eu não tinha muito amiguinho quando era criança, assim. Tinha uma pessoa no prédio, assim, meus pais não deixavam muito eu sair, não era muito criança de brincar na rua e tal. E aí, ela me deu walkie-talkie, mas eu não tinha com quem brincar com aquele walkie-talkie. E aí, na época, eu ligava o walkie-talkie sozinho e o walkie-talkie tem uma frequência de rádio e, na época... hoje eu acho que eles não usam mais frequência de rádio, mas na época eles usavam frequência de rádio pra se comunicar no porto. E aí o walkie-talkie pegava essa frequência. E eu ficava horas, horas, horas, dia inteiro escutando a frequência do porto, que, às vezes, era um operador de empilhadeira falando pro outro que: “Olha, vai chegar… vai não sei o que, chegar não sei o que lá”. Às vezes, era um cara contando uma piada pro outro e eu ficava horas ali, escutando aquilo. O cara contando piadinha do Piu-Piu pro outro, fazendo graça, sabe? E eu ficava dentro desse, sei lá, falando aqui, que vai ter, vai chegar tal carga, para tal horário. Eu tinha sete anos e ficava ouvindo isso, eu ficava imerso ali. Minha vó ia pra feira, eu pegava o walkie-talkie e ia junto, escutando ali e eu achava que eu ia conseguir falar com alguém, mas não dava, né, o walkie-talkie só recebia, e, às vezes, eu ficava tentando falar, pra ver se alguém me escutava, que tinha um negócio de apertar, pra falar. Aí, depois de um tempo, eu percebi que ninguém me escutava, só ficava ali. Mas é uma coisa que me veio agora, que eu fazia bastante. Eu fiquei uns bons dois anos, fazendo só isto, de brincadeira.
P/1 – E você lembra da casa e da rua que você passou a infância?
R – Perdão. Se eu lembro da… sim.
P/1 – Como era a casa e como era a rua que você passou a infância? E onde que foi, também.
R – Bom, então, tiveram dois lugares que eu passei boa parte da minha infância, né? Um é em São Vicente, era uma casa mesmo. Então, do meu nascimento até os seis anos, eu passei na casa da minha avó por parte de mãe, que era lá em São Vicente, na Vila Cascatinha, que é perto da Antônio Emmerich, mas descendo. Era uma casa, pra uma criança, enorme. Tinha a casa da minha avó no fundo e uma casinha pequenininha na frente, onde eu, meu pai e minha mãe morávamos. Pequenininha mesmo, assim, daquele que, se você sair correndo, sai pela janela. Tinha uma salinha, o corredor já era a cozinha e o quarto, que era o quarto que eu morava com os meus pais. A gente morava ali meio que de favor, meu pai e minha mãe pagavam um valor meio simbólico, assim, pra minha vó, para gente morar ali. E aí a gente morava nesse espaço. Eu lembro que era um espaço grande, a minha avó tinha dois cachorros. Era um rottweiler e um doberman. E eu brincava com eles. Era uma rottweiler, a rottweiler era minha companheira. Quando eu era criança, às vezes, até montava nela, pra brincar. O doberman era meio antissocial e ficava no canto dele. Mas era um lugar bem grande e a rua mesmo, eu lembro que era uma rua de paralelepípedo, tinha uma igreja perto, às vezes, eu escutava os cantores, era uma igreja pentecostal. Na época, eu nem sabia que era igreja evangélica, essas coisas assim, mas escutava as cantorias da igreja, porque ficava perto. A escolinha também, que a minha mãe dava aula, era do lado. Então, quando eu ia com a minha mãe pra escola, a gente ia a pé. E eu lembro que a rua que a gente pegava pra ir casa da minha avó em Santos, era uma ladeirinha, que a gente subia pra pegar o ônibus. Aí já a casa da minha avó, onde depois eu fui morar lá, a partir dos seis anos. Houve uma rusga ali entre o meu pai e a mãe da minha mãe, minha avó e aí a gente acabou tendo que ir morar na casa da minha outra avó, (risos) em Santos. E aí, lá já era um prédio, aqueles predinhos de três andares, sem elevador. Ela morava no primeiro andar, nos fundos. Já era num local mais movimentado, era em frente a uma avenida. Ali em Santos, na Avenida Afonso Pena, a minha avó falava que era perto do Macuco. Ali se chama Aparecida e o bairro que tem à frente é o Estuário, assim, já é o porto mesmo. É bem pertinho mesmo da casa, da janela não dá pra ver mas, da rua, você vê os guindastes, você ouve até um pouco do trem, quando passa buzinando e tal. Mas eu acho que ela falava que morava perto do Macuco, porque aquela área, durante muito tempo, chamou o “Grande Macuco”, o bairro do Macuco era quase… desde onde hoje é o Macuco mesmo, até a ponta da praia, era tudo o que é o bairro do Estuário hoje. E ali, esse apartamento, a minha avó, eu sei que ela comprou, meu avô comprou, quando ele trabalhava como estivador e foi onde ela viveu a vida inteira e era onde eu brincava também. O prédio tinha um corredorzão grandão, uma área nos fundos. Então, às vezes, eu pegava uma bola, eu ia bater bola nos fundos ali do prédio. Mas eu pouco saí pra rua, assim. Como minha mãe e o meu pai sempre estavam fora de casa, trabalhando, minha avó não gostava muito que eu fosse pra rua, porque era avenida, passava carro adoidado ali. Então, eu ficava brincando mais no prédio mesmo. O prédio é aqueles prédios… hoje em dia já é de ardósia o piso, mas na época era aqueles caquinhos vermelhos, bem tradicional, classe média anos 1950, assim. O prédio, inclusive, se eu não me engano, ele foi construído nos anos 1950. Meu avô o comprou na planta, mesmo. Minha avó tinha, inclusive, o papelzinho que eles pegaram quando estava construindo o prédio. Acho que até comentei contigo, depois eu fui descobrir. Quando eu era criança, eu conhecia todos os moradores do meu prédio. Eu conhecia, era tudo velhinho. Tinha o ‘seu’ Antônio, tinha o ‘seu’ Manoel, tinha o ‘seu’ Guilherme. E aí, depois que eu comecei a estudar, que eu comecei a conversar mais com a minha avó sobre o trabalho do meu avô, ela falou assim: “Ah, então, aqui só morava gente que trabalhava no porto, porque é perto, eles iam de bicicleta, eles iam a pé, às vezes, ou pegava o bonde pra ir pra parede, pra pegar os trabalhos. Era doqueiro, era estivador, era ensacador. Meu pai mesmo, quando eu converso com ele, ainda hoje, fala assim: “Ah, o Guilherme, que morava embaixo da minha vó, era doqueiro. ‘Seu’ Antônio, que era um senhorzinho, morreu quando eu era criança ainda, era estivador, morava no outro de baixo. ‘Seu’ Manoel era não sei o quê”, sabe, tipo… então, o prédio inteiro, cada um… e também ali, por aquela região, basicamente, só morava trabalhador portuário, mesmo.
P/1 – Você falou que você era uma criança que ficava brincando em casa, né? E quais eram suas brincadeiras favoritas? Além do radinho, o que você brincava?
R – Bom, eu, novo, tinha um ou outro amiguinho no prédio. Quando a gente se juntava, vamos supor, eram uns três. E aí a gente pegava uma bola e ia bater bola nos fundos. Aí, sei lá, gol a gol. Eu gostava muito de futebol, de ver futebol. Então, cada um ficava num canto da parede, ficava batendo bola e os dois eram goleiros. Às vezes, marcava um gol, mas era péssimo em bater, fazer embaixadinha. Às vezes, tinham umas brincadeiras mais pesadas, porque tinha um menino que era mais velho e ele tinha uma bola de capotão, né, que era pesada. Aí a gente brincava, ele sugeria, a gente brincava de malha… não é malha, como é que era? Esqueci o nome. Era uma coisa que a gente batia a bola na parede e tinha que pegar quando ela batesse e voltasse, tinha que bater de novo. E, se não acertasse, você ia pra parede, pra ser carimbado. E você tinha que, de alguma forma, pegar a bola, pra sair da parede. Mas você não conseguia, né? Você tomava umas boladas na cabeça, na bunda. (risos) E era esse tipo de brincadeira. Aí, às vezes, a gente ficava brincando de, sei lá, pega-pega, de esconde-esconde, mas isso aí geralmente já não dava muito certo, porque era pouca gente. E também videogame. Aí, um ia na casa do outro, pra jogar videogame. Eu sempre tive o videogame que veio da casa de alguém. Então, o meu tio, irmão da minha mãe, meu tio Dinho, que era o mais novo dela. Quando eu nasci, meu tio Dinho acho que tinha uns dezessete, dezoito anos. Ele já tinha o emprego dele, tal, sempre comprava os videogames dele. Então, meu primeiro videogame foi o Atari, que foi o videogame que ele teve, ele me deu. Aí, quando ele comprou o Super Nintendo, ele me deu o Master System que ele tinha. Então, sempre veio vindo os videogames e aí a gente se juntava, quando eu já morava na casa dessa minha avó de Santos, tinha um menino que tinha Super Nintendo, aí todo mundo ‘colava’ lá na casa dele, porque: “Olha, tem Super Nintendo, vamos lá, vamos jogar”. E aí, também, a mesma coisa que a gente fazia fora, a gente fazia no videogame. Tipo: jogo de futebol. Aí tinha outros jogos em que a gente se juntava no fim de semana, pegava todas as moedinhas que a gente tinha e ia na locadora, pra alugar algum jogo diferente, pra gente jogar no fim de semana. Era basicamente isso. E aí, quando dava sorte de algum pai estar descansado e sem ter que trabalhar no fim de semana, porque tinha um amigo meu que o pai era estivador e aí ele trabalhava de turno, às vezes, ele… e meu pai também, trabalhava feito um corno. E aí, muitas vezes, final de semana não dava, mas tinha final de semana que meu pai pegava todo mundo e ia pra praia pra jogar bola, ou pra empinar pipa. Porque também, empinar pipa perto de casa, com um monte de fio, era difícil. Daí a gente ia pra praia ou pra empinar pipa, ou pra jogar bola. Ou pra pescar também. A gente ia na ponta da praia, ali onde já são as muretas ali da praia, a gente ficava num cantinho lá, ia até o mercado do peixe pra comprar uns camarõezinhos pequenininhos, pra usar de isca e ficava pescando no lado de cá, da ponta da praia, né? Ou então a gente pegava a barquinha, ia pro lado do Guarujá, pra ficar nas pedras ali, onde tem o Forte, a gente fica ali também, pescando. E também, de brincadeira assim, pra se ter uma diversão diferente, às vezes, meu pai pegava a gente pra ir nos clubes. Ainda era bem comum a gente ir pro Saldanha, porque meu avô, enquanto ele estava vivo, comprou um, eu não sei como é que chama, mas é uma sociedade que…
P/1 – Um título?
R – Um título, isso. Esqueci, tinha esquecido. Um título do Saldanha. E isso era estendido pra família inteira, assim. Tipo: enquanto meu pai continuasse pagando, a gente tinha a sociedade do Saldanha. E aí a gente ia tanto pro Saldanha, na ponta da praia ali, ou no Guarujá, do outro lado, para sede náutica. Aí, lá no Saldanha, você podia pegar canoa e ficar brincando ali no mar ali, onde era mais sossegado, na praia do Góis, a gente pegava uns caiaques pra ficar ali. Ou fazer churrasco ali no Saldanha mesmo. Era uma das coisas que eu fazia de diferente, de ficar em casa jogando videogame, ou jogando bola no prédio.
P/1 – E qual é sua primeira lembrança da escola?
R – Ah, como eu te disse, minha mãe gritando com aluno, falando: “Senta!” (risos) Porque minha mãe me levava quando eu tinha dois anos, três anos. Daí, eu lembro dela tentando controlar a sala e eu não entendendo muito bem, porque os alunos eram todos mais velhos, os alunos tinham cinco anos, eu tinha três, sabe? É essa a minha memória. Mas a minha memória de infância é de estar na escola, de participar do ambiente escolar. Todas as escolas que a minha mãe foi mudando, eu fui junto com ela. Então, eu tive aula com a minha mãe. Eu tive na segunda, terceira e quarta série do fundamental, minha mãe deu aula pra mim de Estudos Sociais e Ciências que ela dava, já era separado, não era uma professora para cada turma, mas era separado da segunda em diante, naquela escola. E aí eu tive aula com ela. O que é interessante, como eu a via na escola e, desde criança, eu via as crianças a chamando de professora ou de tia… é engraçado isso, eu falava com a minha mãe, dentro da sala de aula, como professora. Eu não a chamava de mãe. Eu achava estranho chamar, dentro da sala de aula, de mãe. Aí, se eu tinha aula com ela, eu tinha que pedir pra ir no banheiro, tal, alguma coisa assim, eu chamava: “Tia Aidé, posso ir no banheiro?” Porque minha mãe nunca - até falo com ela hoje sobre isso - me pediu pra eu fazer isso, mas eu fazia, achava que era o certo pra fazer, pra ser tratado igual. Eu não queria que eu fosse tratado diferente. Tinha medo de ser chamado de filho de professora. E, geralmente, a minha mãe me dava bronca igual até, dentro da sala. Não era nem pior, nem melhor, assim, se ela tinha que me mandar pra fora da sala, ela mandava. (risos)
P/1 – Então, além da sua mãe, que foi uma professora marcante, teve outro professor, ou alguma professora que foi marcante, que marcou você, de alguma forma?
R – Olha, eu não sei se é porque, hoje, eu tô na área de História, que eu acho isso, ou eu fui, eu me interessei sempre pela área de Humanas, mas as professoras de História, geralmente, me marcaram. Especialmente quando já estava perto de entrar na faculdade. Eu ainda não sabia que eu ia fazer, não tinha certeza se eu ia fazer faculdade de História, mas teve um ano que eu fiz um cursinho, esses cursinhos, era um cursinho que tinha em Santos, chamado Noroeste, que era mais baratinho e tal, tipo, que era baixo custo, mas os professores eram excelentes. E todo mundo era professor dos outros cursinhos, só que eles faziam esses cursinhos pro pessoal que não podia pagar um Anglo da vida e tal. E eu lembro que a professora de História, que até, hoje em dia, é minha amiga, a professora Nanci, foi uma das que eu olhei assim: “Nossa, se um dia eu for…”, eu nunca dei aula de História, de fato, nunca estive dentro da sala de aula, porque sempre trabalhei como pesquisador, no museu, mas eu olhava na época, assim: “Nossa, se eu tiver que dar aula, eu quero ser que nem ela”, sabe? Mas eu já estava com essa ideia da faculdade, pensando talvez em fazer faculdade de História e tal. Então, talvez seja por isso que ela tenha me marcado. E um outro professor, mais pra quando eu era pequeno, era o professor de Artes, o professor Aurélio, que ele era doidão, assim. Acho que por conta disso, Bruna, porque ele era diferente dos outros professores. Ele queria que a gente tivesse esse contato com umas paradas diferentes, trazia lata de spray pra gente usar na escola. Levava, sei lá… tem uma coisa que eu lembro que a gente estava na aula de História, aprendendo sobre arte rupestre e aí ele levou a gente pra uma praça e deu uns carvões pra gente, carvão de churrasco mesmo e falou assim: “Pensa, faz um desenho como se você estivesse fazendo arte rupestre, como se fosse um homem das cavernas mesmo, olha, tenta ver o que tem na sua volta e desenha, mas não precisa desenhar bem não, não precisa ser... desenha palitinho mesmo”, sabe? Então, eu lembro dele, por ser essa pessoa que tinha umas sacadas diferentes, parecia que a gente não era criança pra ele, sabe? Parecia que ele estava falando de igual pra igual, eu achava bem legal isso. E isso é uma coisa que eu trago pra mim até hoje: não ter essa barreira com criança, sabe? Criança não tem coisa que é de criança, tem que falar com uma outra pessoa, uma pessoinha. (risos)
P/1 – E como foi seguindo sua formação, desde pequeno, você mudou de escola, como é que foi isso, crescendo?
R – É, sempre fui seguindo a minha mãe, né? Então, nesse período de mudança, de São Vicente para Santos, minha mãe estava desempregada. Um dos motivos foi este, porque eles ‘estavam na pindaíba’ e aí, nesse meio tempo, ela conseguiu um emprego numa escola em Praia Grande. Foi uma das escolas que eu fui, essa que ela deu aula, em Praia Grande. Eu lembro até que era a maior correria porque, tipo: a gente morava em Santos, tinha que pegar o intermunicipal para Praia Grande. A Praia Grande não era a Praia Grande de hoje, né? A escola ficava numa rua de terra, tinha que descer no meio da rodovia ali, descer e era um ônibus, a gente tinha que pegar sempre o mesmo ônibus, no mesmo horário, senão ela se atrasava, ela batia ponto com aqueles cartões… eu lembro dela batendo aqueles cartões de ponto de fábrica, assim, sabe? Se ela chegasse atrasada, ela era descontada e tal. Então, eu lembro até que a gente conheceu o motorista do ônibus. Se a gente se atrasava, o motorista do ônibus ficava fazendo hora na frente do prédio da minha avó, porque sabia que minha mãe, se perdesse o ônibus, só depois de meia hora ela ia pegar outro. Então, eu lembro dessa aventura de quando eu estava na primeira série. Aí, depois, ela conseguiu um emprego em uma escola mais próxima. Aí, a minha vida, entre a segunda série e a oitava série, ficou entre, ali, o bairro da Aparecida, em Santos e a praia, porque a escola onde ela trabalhava e eu estudava, o Vitas, era perto ali da praia, na Aparecida. Então, a gente ia praticamente a pé, assim, porque não tinha nem ônibus pra ir direito assim, de tão perto que era. Foi bem diferente da escola que ela dava aula em Praia Grande. Aí eu fiquei ali, da segunda até a oitava série. Aí, nessa escola não tinha ensino médio e quando eu terminei o ensino fundamental, foi a primeira vez que a minha mãe falou assim: “Olha, não tem dinheiro pra te colocar numa escola particular, aí, vamos ver aí, então, que escola pública você pode estudar”. A gente estava vendo umas vagas, assim, em escolas públicas. Fiz aquelas coisas de bolsa, mas nunca consegui uma bolsa mais do que trinta por cento e minha mãe não conseguia pagar os setenta por cento de um Objetivo da vida, tal. E foi a primeira vez que eu me vi assim, tipo: “Entendi agora que eu estudava…”, eu era bolsista na escola onde minha mãe dava aula e entendi também por que que eu tinha que ficar sempre na linha, ali, pra não criar problema para minha mãe. Aí, nessa época, surgiu vestibulinho da Etec, que tem aqui em Santos. Na verdade, tinham duas opções, ou essa Etec, ou a federal daqui de Cubatão. Mas eu não era tão crânio para conseguir uma federal de Cubatão, porque federal era quem conseguia, de fato, gabaritar a prova. Se eu não conseguia nem trinta por cento nos Objetivos da vida, não ia conseguir passar na federal. Mas, na Etec eu consegui passar, eu fiz o ensino médio na Etec. E é isso. E aí o ensino médio eu fiz lá, meus pais queriam que eu fizesse algum técnico, né, já que o meu pai trabalhava como técnico, eu também poderia conseguir alguma coisa por ali. Nessa época eu nem pensava em fazer História, nem nada. Tinha opção de informática, mecatrônica, mecânica. Eu acabei fazendo Administração, sou formado em Administração, sou técnico em Administração, mas nunca usei na vida. (risos) E aí, terminando o ensino médio e o técnico, eu acabei indo pra faculdade, quando finalmente eu entrei na faculdade de História. Eu tive ainda um período ali sem entrar na faculdade, não entrei logo com dezoito anos, porque na Etec você não repetia de ano, mas você carregava DP e eu a carreguei, não vou justificar que eu estudava no técnico e não conseguia estudar no ensino médio, assim, mas eu peguei uma DP no segundo ano, de matemática e aí eu fiquei um tempo fazendo essa DP de matemática, por isso que eu fui fazer o cursinho. E aí, no cursinho, ainda nessa época, eu não sabia muito bem o que eu ia fazer, eu pensei em Arquitetura, porque o meu pai trabalhava com edificações, tal, eu achava legal esse negócio de trabalhar com plantas e tal, com projeto… eu via os materiais dele de edificações e aí eu pensei: “Ah, legal, vamos fazer Arquitetura”, só que Arquitetura era caro, se eu não fizesse em universidade pública. Na época, eram mais de mil reais, hoje em dia eu nem sei quanto que deve estar uma faculdade de Arquitetura. E aí meu pai falou assim: “Olha, você não trabalha e tal, enquanto você não trabalhar, a gente não consegue pagar mais do que tanto”. Aí tinha aquele negócio do Fies, tal, ia ser ‘mó’ trampo de ter que pagar. Arquitetura era cinco anos, ia ter que pagar mais cinco, se endividar e tal. Aí eu fui ver quais eram as outras opções, História era mais barato. Na época, faculdade de História, aqui em Santos, era uns trezentos ‘paus’. E eu gostava de História, tal, por que não? Acabei indo pra História. Comecei fazendo história em dois… isso um ano depois de eu entrar naquele cursinho… entrei com dezoito, dezenove anos, por aí.
P/1 – Antes de entrar na faculdade, eu queria saber como foi essa juventude em Santos. Você saía, você ficava mais em casa, como foi sua adolescência?
R – Ah, então, entre os quinze, dezesseis anos, meus pais ainda tinham aquela coisa de: “Ah, não, vai sair, mas toma cuidado, não sei o quê”. Tinha uma rédea mais puxada ali. Depois, eu ia na casa de uma amiga pra tentar, eu falava assim: “Ah, não, eu vou passar a noite na casa de fulano”. Aí eles descobriram que eu falava que ia dormir na casa de fulano, mas ia, saía, ia pra praia e tal. Então, basicamente, o que a gente fazia pra se divertir era passar a noite num bar que tinha ali, em frente da praia, no canal quatro… eram os anos 2000, 2003, 2004, era o bar “Matrix”, (risos) a gente bebia cerveja ali, pode falar isso? Que eu bebi com dezesseis anos? (risos) Foi quando eu comecei a beber. Ia na praia, o bar ficava em frente à praia e ali ficava muito cheio de gente. Ainda hoje, na verdade. Acho que o CPE ali é o lugar que mais lota de gente. Na época era o começo do movimento emo. (risos) Tinha os clubbers, tinha os emos, eu ficava com os metaleiros, assim, tinha o grupinho lá, que se vestia de preto, eram os “darks”. Mas era isso, a gente ficava na praia conversando e bebendo e foi a época que eu comecei a me interessar por música também. Então, eu ganhei uma guitarra e a gente formava banda, passava fim de semana também tocando violão, tal. Era basicamente o que eu fazia, pra me divertir.
P/1 – E foi nessa época que você conheceu sua companheira, ou foi depois?
R – Foi, porque, assim, (risos) eu tinha uma banda, a gente tocava rock japonês. E a gente tocava em evento de coisas japonesas em São Paulo, tal. Tinha tanto os eventos de anime mesmo, mas também tinha uns evento, isso já tinha dezoito para dezenove, eu a conheci quando eu tinha acabado de entrar na faculdade. Então, foi bem nessa passagem. Aí, eu tocava nos eventos, tanto esses eventos maiores, de anime, onde tinha espaço pra tocar, o que hoje é o k-pop, na época era o j-rock e o j-pop (risos). E aí também tinha uns eventos que a gente conseguia fazer menores, em pubs, em umas casas de show menores, ali na Augusta. E foi nesses rolês que eu a conheci, ela já estava no começo da faculdade de designer gráfico, ela é um pouco mais velha que eu, eu sou de 1988, ela é de 1986, tem uma diferença de dois anos. Então, ela já estava na faculdade, eu estava ainda pra entrar na faculdade. E aí ela tinha essa coisa de um projeto paralelo, assim, pra ela aprender também a praticar um pouco, a coisa da fotografia, ela fez esse projeto de tirar foto de banda. E aí foi quando a gente se conheceu. Eu a conheci no Orkut. Sabe aquele negócio que tinha no Orkut: ‘quem visitou o seu perfil por último’? Tinha cinco pessoas que visitaram seu perfil. Então, aí eu a vi: “Olha essa pessoa aqui, deixa eu dar um oi pra ela”. Ela sempre estava no meu perfil e eu sempre estava no perfil dela, tipo, aí eu fui lá no scrap dela, dei um oi e desde então a gente está junto, (risos) desde 2000 e... dezembro de 2006. A gente se conheceu pela primeira vez num evento, num bar lá na Cardeal Arcoverde, em São Paulo, um bar, um bar de metaleiro, de punk, que a gente fez um evento, um bar bem zoado, assim, o som era horrível (risos). Sabe aqueles lugares que tem equipamento velho, tal? Foi num rolê desse que eu a conheci.
P/1 – Era no Carioca, será?
R – Carioca? Não, era uma casa chamada Morpheuz, era na Cardeal, tinha o Morpheuz, que a gente fez. Quando melhorou um pouco de vida esses eventos, a gente fez na Outs, que acho que ainda existe hoje, a Outs. Aí já era luxo, porque a Outs é baladinha bonita, o Morpheuz era uma casa caindo aos pedaços.
P/1 – E como é o nome da sua companheira?
R – Regina, Regina Kambara Hirata, japonesa. (risos) Ela é descendente de japonês, é nipo-brasileira.
P/1 – E me conta como foi essa transição, de ensino médio, aí você fez o cursinho? Você falou que não foi assim, tão rápido, né, que você entrou na faculdade, mas como foi sua transição para entrar na faculdade? E o momento que você entrou, assim.
R – Então, no cursinho que começou a ficar mais claro pra mim que eu queria fazer História. Eu comecei, de fato, a me dedicar mais às aulas de História, de Geografia, Geopolítica, Literatura, eu gostava bastante, das aulas de Literatura. E aí acho que começou a ficar mais claro na minha cabeça que eu gostava disso, eu queria aprender mais. Mas era isso, assim: eu queria aprender mais. E, desde então, só fui aprendendo mais, no mestrado, no doutorado, mas aí eu me dediquei, mais às aulas de Humanas, mesmo. E aí, quando eu entrei na faculdade, eu comecei a tentar entender um pouco, porque História é uma área muito ampla, né, muito difícil de você se localizar. Ainda mais no curso de História, que você começa aprendendo História Medieval, História da Antiguidade, História do Egito, persas, os reis de Portugal. A gente tinha, acho que no curso de História não tem mais nem essa matéria hoje, que é História Ibérica. A gente tinha uma matéria só pra estudar a História de Portugal e da Espanha. E aí eu comecei a me entender um pouco, o tanto que eu estava tão empolgado com o negócio de estudar História. Quando eu conheci a minha companheira, eu marquei com ela, falei assim: “Ah, a gente vai se conhecer no evento, mas vamos se ver um dia antes”. E aí, eu pensei: “Ah, eu vou ‘pagar uma’ de que sou historiador, vou levá-la ao museu”. (risos) O primeiro encontro que eu tive com ela foi no museu paulista, foi no Museu do Ipiranga. E aí, antes, assim: “Não, vou ler um pouquinho, como é o museu paulista”. E, no fim das contas, ela me mostrou, porque ela conhecia bem melhor o museu paulista do que eu. Eu tinha ido uma vez no museu, quando eu estava na segunda série, nem lembrava direito de como era. Mas foi aí que começou a ficar um pouco mais claro qual era a área de História, o que eu posso fazer. Aí, dentro do curso, passando os anos, eu comecei a ver que eu me interessava bastante por Filosofia da História, a história da historiografia. A história da História, (risos) a história do pensamento histórico, né? Como que as pessoas, ao longo dos anos, entenderam a História. E acho que começou a cair a ficha pra mim assim: “Nossa, então acho que eu me dou bem com esse tipo de matéria” - muita gente não se dava – “então acho que eu posso me dar bem aqui”. Eu, às vezes, ensinava pra alguns amigos meus uns textos que eram um pouco mais difíceis. A gente sentava pra estudar junto, eu gostava de fazer isso. E aí, foi no primeiro pro segundo ano do curso, que eu comecei a estagiar. Eu precisava estagiar pra ver a Regina em São Paulo, pra ganhar uns ‘caraminguá’, pra poder subir a serra. Aí, o meu primeiro estágio, na verdade, foi com arqueologia, que eu queria conhecer as áreas de História que não eram exatamente ligadas à sala de aula. E tinha essa professora que fazia arqueologia no porto, inclusive. Tinha até esquecido disso. É a professora Eliete. Na época estava construído a Perimetral, que é aquela avenida que passa por trás do porto, que era exatamente a avenida pra tirar o fluxo de ônibus e de carros de dentro do porto e deixar exclusivo para caminhão, né? E estavam fazendo essa obra e ela foi contratada para acompanhar e ver se aparecia alguma coisa de artefatos e tal. E é um lugar muito….na época, eu não tinha nenhuma ideia, do que era o trabalho de arqueólogo, mas era um trabalho muito insano, você trabalha junto com o pessoal lá, tirando os cascalhos da obra, da avenida, abrindo a rua para asfaltar de novo e você tinha que ir no meio da escavadeira e falar assim: “Não, para, espera aí, tem um caco de vidro aqui, vamos tirar, tem um não sei…”. E ali, aquela região é tudo de aterro, então, é tipo uma coisa que é meio difícil até de se trabalhar com arqueologia, porque a ocupação humana ali... antes era mangue.. Então, na época eu não tinha ideia. Hoje eu entendo que era meio sem noção a gente estar fazendo aquele trabalho de arqueologia naquele ponto específico, porque era tudo aterro, né? Basicamente, o que as pessoas faziam era ‘tacar’ o lixo que tinha, tapar com terra e ir aterrando, para fazer o aterro do porto. Tanto que até teve um dia que parou a obra inteira, porque encontraram uma âncora de cinco toneladas. Mexia, não sabia nem como é que tinha que tirar aquela âncora de lá. E a gente ficou se perguntando: “Mas como que veio parar a âncora aqui?” E aí, vendo os mapas, a gente falou assim: “Não, aqui, antes, era mar, o que deve ter acontecido é que tinha uma âncora aqui e (risos) todo o aterro do porto foi em cima da âncora”. Antes, o navio parava aqui, né? Aquela área era uma área de mar, que foi aterrada. Então, esse trabalho foi legal por isso, assim, porque foi a primeira vez que eu comecei a entender um pouco como é que funcionava a cidade, como é que… tentar entender como é que a cidade se transformou, até chegar aquilo ali, né? Aí, depois eu fui trabalhar, eu consegui um emprego. Esse emprego ganhava super mal, ganhava, sei lá, por hora trabalhada, sabe trabalho intermitente, que hoje é estágio intermitente, a gente ganhava, sei lá, cinquenta reais a cada duas semanas, depois ganhava vinte, porque trabalhou duas horinhas ali, pagavam as horas que a gente trabalhou. Aí, apareceu um emprego no Museu do Café, na época não era ainda Museu do Café que a gente conhece hoje, ainda era particular. Hoje, o Museu do Café é estadual. Foi um estágio pelo Ciee, fim de 2007. E naquela época eu consegui o meu primeiro salário cheio, de trezentos reais. Era pra trabalhar de pesquisador, não era nem como educador, era na biblioteca. Foi meu primeiro trabalho com essa coisa, assim, de organização e tal, eu trabalhava com a outra bibliotecária que ficava lá e auxiliando a diretora que fazia exposições. E aí, depois disso, concomitante até a esse estágio do museu, apareceu o estágio no Arquivo Público de Santos, hoje em dia não tem mais essa função, não tem mais ninguém lá que recebe esses alunos, mas, na época, era o melhor estágio que a gente podia ter, porque era com a Rita, com a Rita Márcia, que hoje está no Museu do Café, com a gente, como documentalista. Ela se aposentou e veio pra lá, foi pro museu. Mas ela trabalhava no arquivo, organizando os documentos do Império, da Câmara Municipal, na época do Império. E tinha o Nelson, o Nelson ainda está lá, mas ele, se eu não me engano, não recebe mais estagiários. O Nelson está lá como arquiteto e aí ele trabalhava com as plantas, do cartográfico. E aí eu fui pra trabalhar nesses, no meio desses dois setores. Fui trabalhar no processamento técnico, para entender os documentos do Império e da Primeira República, para entender a contextualização das plantas do cartográfico. E aí foi meu primeiro contato com documentos do século XIX, tal, com paleografia, lendo aquelas letras tortas, daqueles caras que escreviam com o pé esquerdo, com aquelas tintas, caneta tinteiro que borrava tudo, você não conseguia entender nada do que estava escrito. E a documentação que eu uso até hoje no meu doutorado, meu mestrado, usei no meu mestrado, meu doutorado, porque foi ali que eu entrei em contato com um tipo de documentação, de fato, corrente. De fato, que era uma documentação, que eu acho, desde aquela época, eu achei super legal, de você ler uma ata, por exemplo, de 1850, 1860 e ler diariamente, entrar naquele cotidiano dos vereadores, ou mesmo do, sei lá, dos fiscais da Câmara multando carroceiro que tinha parado no lugar errado, que tinha desacatado funcionário, porque não sei o que, sabe? Foi dentro dessa documentação, lendo essa documentação, que eu tive interesse de ir pro mestrado e depois pro doutorado, porque a minha ideia era pegar essa documentação, para entender o cotidiano da cidade e como que os costumes da cidade se desenrolaram por meio da atuação da Câmara Municipal e como que eles tentavam, de alguma forma, reger a cidade. E, de alguma forma, como que a cidade retornava isso e como isso é impossível de ter essa ordem, porque, se você tem a lei, você tem o jeitinho, você tem a forma de burlar. Então, é desse espaço de leitura que eu acabo vendo o cotidiano da cidade, nessa ordem e a burla. Eu já fui pro mestrado.
P/1 – Muito legal.
R – Fui pro mestrado, já. (risos)
P/1 – Não, está ótimo. Não, está ótimo. Você respondeu metade das perguntas que a gente tinha numa só. É ótimo!
R – Pra mim, foi uma coisa só. Porque é isso: quando eu entrei no estágio, foi aí que eu comecei a entender o meu espaço e onde eu realmente gostava de trabalhar. E aí, depois, quando eu saí do estágio, o Arquivo Público não recebe funcionário contratado, só concursado. E é muito complicado também, porque a Fundação Pró-Memória é concurso e não tem concurso próprio, eles recebem pessoas de outros setores. Então, se eu quisesse entrar no Arquivo, eu teria que, sei lá, me concursar para uma vaga no administrativo da Secretaria de Finanças e torcer pra ter uma transferência para Fundação e a Fundação, cada vez menos tem transferência pra lá. Então, é muito complicado. E aí, quando eu saí de lá, apareceu a vaga no Museu do Café, eu entrei na faculdade em 2007, saí em 2010. Em 2008, o Museu do Café passou de uma entidade privada para uma entidade pública, gerida por uma OS, como são todos os equipamentos públicos do estado. A Pinacoteca é assim, o Museu do Futebol é assim, Museu da Casa Brasileira é assim, Museu Afro, todos eles são públicos, mas contratação direta, CLT. E aí eu dei sorte de estar saindo da faculdade no momento que o museu estava se requalificando e estava ainda naquela coisa de pequenininho, museu particular para, de fato, ter uma equipe. Então, quando eu entrei, o museu não tinha um museólogo, a museóloga nossa, a Cilene, entrou. No mesmo ano que eu entrei, em 2011, o meu colega, pesquisador, o Pietro, tinha entrado em 2010. Foi o primeiro pesquisador que foi contratado, eu fui o segundo. Na época, eu não entrei nem como pesquisador, eu entrei como documentalista, porque eu trabalhava no arquivo como estagiário, tinha noção de organização documental, arquivística. E aí a Marília, que foi quem me contratou, Marília Bonas, hoje ela não está mais no museu, ela é diretora do Museu do Futebol e do Museu da Língua. Mas, na época, ela sentou comigo e falou assim: “Bruno, gostei do seu currículo, você tem experiência em arquivo, você tem experiência em pesquisa, sua pesquisa é boa, você faz os dois?” (risos) Porque ela queria que eu auxiliasse. O Pietro ia fazer a parte de pesquisa e como a gente não tinha ainda um museólogo, o museólogo estava chegando, ele ia fazer a parte de organização da documentação museológica. E eu ia também fazer pesquisa e a organização da documentação arquivística textual e fonográfica, tudo mais. Então, a gente veio meio que dois pesquisadores, para duas tipologias de acervo diferentes. E aí, com o tempo, por exemplo, a Rita, que eu comentei, que era minha chefe no Arquivo, em 2012, se não me engano, se aposentou. E aí eu virei pra Marília, a gente era próximo, aí eu falei: “Má, tem uma documentalista boa aí, que está se aposentando e seria ótimo que ela estivesse aqui com a gente, tem espaço pra…”. E era uma época de vacas gordas do estado (risos), que dava pra contratar. “Ah, não, vamos chamá-la, sim”. Foi a época que eu saí do Arquivo, a Rita veio pra ser documentalista, para organizar, porque eu estava organizando uma documentação que eu conhecia, mas não sabia bem organizar, estava tendo muita dificuldade. Sempre que eu tinha algum problema, eu corria pra Rita. Eu falei isso pra Marília: “Ó, Marília, sempre que eu preciso, eu vou pra Rita, a Rita é a pessoa pra estar aqui”. E a Rita teria uma experiência muito melhor de organizar a documentação do museu, que isso eu não teria condição de fazer, organizar a documentação corrente do museu. Entender como funciona. Aí, essa parte de arquivística, você tem que entender da organização do museu, entrar em contato com o administrativo, entrar em contato com as tabelas de temporalidade do estado e tal, enfim. Isso é uma coisa que a Rita começou a fazer, a partir daquele momento. E aí eu fui mais pra parte de pesquisa mesmo, do museu. A gente começou o projeto de história oral, que foi aí que eu comecei a me inteirar com a metodologia da história oral, entre 2011 e 2012. A gente começou a fazer o mapeamento… aí eu fui mais pra esse lado de pesquisa de campo também: ir pras fazendas, para levantar os acervos das fazendas, tudo mais. Para participar mais das exposições. Em 2011, eu não participava quase nada da exposição. De 2012 em diante, eu comecei a participar das curadorias mesmo, junto com a diretoria, com a nossa coordenação e tal. A Marcela Rezek ainda está hoje lá com a gente, é a nossa coordenadora e também arquiteta. Então, ela começou a fazer internamente essa parte de entender como é que funcionam as exposições e tal. A gente começou a formar esse grupo, porque o museu, até então, fazia tudo externo, contratava um historiador para fazer uma pesquisa, contratava um expógrafo para fazer uma exposição. Aí a gente começou a fazer mais internamente essas coisas. E ficar mais consistente mesmo, né? Pra gente conseguir fazer exposições com mais propriedade. E também não ser uma pesquisa que você contrata uma pessoa pra fazer e aí, depois, tem que contratar uma outra e aí, tipo, você perde a continuidade. Tem muitas exposições que a gente faz, que a gente faz uma exposição em 2015, mas aquela pesquisa pode dar uma outra exposição em 2019, você vai pesquisando aos pouquinhos e vai melhorando aquele entendimento sobre o assunto. Então, foi mais ou menos por aí que eu fui.
P/1 – Queria te perguntar uma curiosidade.
R – Pergunte.
P/1 – No começo, lá no seu primeiro estágio, você lembra o que você fez com seu primeiro salário?
R – Fui pra São Paulo. (risos) Fui pra São Paulo ver a Regina. Fui, inclusive, olha, se eu não me engano, peguei um ônibus… os pais da Regina ainda moram em Osasco. A gente mora hoje na divisa São Paulo/Osasco. E eu fui, muito provavelmente, peguei, inclusive, o ônibus Santos-Osasco, ou fiz o caminho Santos-São Paulo/Jabaquara, peguei o trem até a Barra Funda, Barra Funda-Itapevi, Itapevi-Osasco, Osasco-ônibus pra Jaguaribe. (risos) Fui ver a Regina.
P/1 – E esse interesse pelo museu, quando você começou a estagiar, veio, assim... você já tinha tido contato - tanto com artigo, quanto com o Museu do Café - com essas instituições durante a faculdade, ou foi na hora que apareceu uma oportunidade nesses lugares que você se interessou? Como surgiu seu interesse por trabalhar nesses lugares?
R – Bom, como eu falei, a minha mãe, quando eu entrei no curso de História, virou pra mim e falou assim: “Tá, você vai entrar no curso de História, mas, pelo amor de Deus, não vira professor, a sala de aula vai te enlouquecer”. (risos) E aí eu lembro que eu fiquei com isso na cabeça, eu falei assim: “Não, mas se eu tiver que ir pra sala de aula, eu vou”. E isso, eu, inclusive, tinha essa ideia. Antes de eu conseguir o meu emprego definitivo no museu, eu me vi colocando currículo em todas as escolas que eu via porque, né: “Dar aula, é o que eu posso fazer e é o que eu sei fazer, eu sei, eu estudei História, então, não é um sacrifício”. Mas a minha mãe não queria que eu virasse professor. Não porque ela não goste de ser professora, mas porque ela sabe o que vinte e cinco anos de docência fizeram com ela e o quanto ela já estava cansada. Então, a perspectiva dela, da docência: “É gostoso, mas você vai ficar doido”. (risos) Aí, eu tinha sempre essa coisa assim: “Ah, então vamos descobrir”. Na faculdade eu já tinha, tanto que eu fui conversar com o professor de arqueologia, fui conversar, fui procurar algum professor, pra fazer uma iniciação científica, que eu sabia que a iniciação científica seria um primeiro passo pra eu poder fazer uma pós-graduação e tal. Então, eu já entrei na faculdade pensando nesses espaços, né? E lendo sobre esses espaços. O Museu do Café eu já conhecia, porque eu tinha ido na escola, já conhecia o museu e tal e até hoje, às vezes, eu entro no museu, no salão do pregão, assim, eu olho por fora, assim: “Nossa, eu trabalho aqui, que doideira, né?” Porque é um prédio imponente, é um prédio que tem uma representatividade absurda pro santista mesmo. Pras pessoas que são de Santos. Mas eu não tinha muita ideia do que era trabalhar no museu, do que era trabalhar no Arquivo. Mesmo o Arquivo Público, a fundação, conhecia por nome só, mas não sabia o que esperar de estar ali dentro. Então, foi um processo de constante aprendizagem. Até hoje é, né? Mas foi um processo de, quando a gente fala que os depoentes nossos, do Museu do Café, quando a gente conversa com eles, a gente vê essa coisa do estivador, do ensacador, do corretor de café mesmo, do classificador de café, quando a gente ouve deles que eles não fizeram nenhum curso pra aprender, o que eles fizeram aprenderam com outras pessoas, o estágio, pra mim, foi isso: eu fiz a faculdade, mas a minha faculdade também se deve muito à Rita Márcia, ao Nelson, à Marília, no museu, à Marcela, sabe, essas pessoas que sentaram com a gente ali e perderam um pouco de tempo com a gente e tal, conversando. E também de pessoas que… eu não tive nenhum chefe até hoje, pessoas, chefes diretos, assim, que me olharam de cima pra baixo, sabe? Eu sempre tive pessoas que, por exemplo, a Marília, no começo lá do museu, sentava comigo e queria ouvir o que eu tinha a dizer. Eu tinha acabado de chegar, sabe? Eu não sabia um centésimo do que era o museu, mas ela queria ouvir o que eu tinha a dizer. Então, ter pessoas que te tratam de igual pra igual e te colocam nessa posição, te fazem querer crescer, te fazem querer ajudar as pessoas também, que chegaram e que vão fazendo dessa forma. Então, eu fui aprendendo muito no dia a dia, mesmo. Fazer exposição, a gente aprendeu na marra mesmo, como fazer um texto de exposição, saber diferenciar o que é um texto acadêmico de artigo de quinze páginas e saber que o texto de quinze páginas não vai caber na parede e que a pessoa, quando entrar no museu, não vai ler um artigo científico na parede, ela vai ler um texto. Então, saber dosar o que é, isso eu aprendi na prática, não tive aula disso na faculdade.
P/1 – Queria te perguntar, entrando um pouco agora dentro dos projetos, desses projetos que você contou que vocês fazem lá no museu. Principalmente, o projeto de história oral. Como ele funciona, como é que foi desenvolvido?
R – Bom, o projeto de história oral, principalmente, que é a nossa menina dos olhos ali, porque eu acho que a história oral, é interessante a gente falar de história oral num depoimento de história oral, é quase um meta-depoimento, é metalinguagem. Mas eu acho que, pro Museu do Café, principalmente, é o lugar, é o ponto de encontro com pessoas que não faziam parte da memória do café e a gente pôde, de alguma forma, colocá-las ali dentro do museu. Que o museu, bom explicar, porque, às vezes, a pessoa que está vendo não sabe, mas o museu está localizado na antiga Bolsa de Café, que foi construída em 1922 e era um lugar de comércio de café da alta sociedade. Quem negociava ali, negociavam sacas e sacas que iam ser exportadas e não era qualquer saca de café, era o café fino, tinha um mínimo de qualidade. Então, não era qualquer um que entrava ali. Inclusive, a gente descobriu, outro dia, que até, às vezes, que até 1946, era proibido mulheres trabalharem como corretoras dentro da Bolsa. Então, você tinha também um petit comité mesmo que atuava ali dos anos 1920. A Bolsa começou em 1917 e até os anos 1960, pelo menos, com negociação e anos 1980 funcionando ali, com aqueles restaurantes. Então, tinha restaurante de exportadores, grandes exportadores, grandes corretores. Eram coisas chiquérrimas, assim, essas coisas de uma pequena elite comercial. Então, quando a gente começou a pensar no primeiro projeto de história oral, lá em 2011, fim de 2011, a gente pensou: “Tá, nosso Conselho, as pessoas que fazem parte do Conselho Administrativo do museu têm a expectativa de se ver representadas”, que são as pessoas que participaram da Bolsa, né? São pessoas que estão no mesmo círculo social, ali, do alto comércio. Então, corretores, exportadores, enfim. Então, o mais próximo que a gente está é dessas pessoas, então vamos entrevistar, começou por essas pessoas. Os primeiros entrevistados foram pessoas bem velhinhas, a gente sempre fala que história oral a gente começa sempre atrasado, né? Sempre tinha alguém que a gente podia ter entrevistado no ano passado, mas acabou de falecer, enfim. A gente pegou os dois mais velhinhos que a gente tinha na lista: era o ‘seu’ Saul, que tinha noventa anos em 2011, hoje ele já teria cem anos, faleceu já e o ‘seu’ Oscar, corretor também, com noventa anos, na época. A gente pegou as memórias deles. O ‘seu’ Oscar, inclusive, chegou a ser corretor oficial dentro da Bolsa. O ‘seu’ Saul chegou a participar das negociações por fora, vendas, negociações. Então, a gente tentou pegar pessoas que fizeram parte ali, daquela realidade ali dos pregões, tudo mais. Mas, ao mesmo tempo, a gente pensou assim: “Pô, mas a gente não pode ficar só nesses caras, né? A gente tem que ir além, tem que ver”. Aí a gente começou a pensar o que é o comércio do café em Santos. Então, a gente falou: “Tem os corretores aqui, tem os classificadores, tem os exportadores, mas aí tem os estivadores, então, tem os ensacadores que trabalhavam nos armazéns e tal, como é que a gente vai chegar nessas pessoas? Vamos no sindicato, tal”. Então, a gente se perguntava assim: “O que mais de profissão que tem?” Aí fulano conhecia uma costureira de saca, que trabalhava costurando saca com buraco, ela pegava as sacas avariadas e fazia uns remendos, pra elas continuarem sendo usadas nos armazéns. Tinha catadeira de café, que eram mulheres que ficavam nos armazéns, até os anos 1970 tinha. Hoje em dia tem máquinas que reconhecem os defeitos do café e fazem a separação, mas, na época, eram pessoas que iam lá, ficavam catando feijão, só que sacas e sacas e sacas. Era um trabalho superespecializado, porque ela tinha que ter uma visão muito boa e super precarizado também, porque ganhavam muito pouco, né? E a gente começou a perceber: “Poxa, essas pessoas nunca nem entraram na Bolsa. Se entraram, entraram com o museu, mas, na época que elas trabalhavam, elas não podiam entrar no prédio, elas não podiam ter acesso ao prédio. Ou, se podiam, será que dariam acesso para essas pessoas? Elas teriam uma roupa adequada, pra época, né?” Tudo isso. Então, a gente percebeu que esse projeto, esse primeiro do comércio do café, foi um jeito da gente colocar em pé de igualdade e colocar dentro do museu, pessoas que não faziam parte do prédio da Bolsa, né? Acho que é um dos que eu mais me orgulho, assim, porque, por exemplo, os ensacadores, o Sindicato dos Ensacadores, durante muito tempo, hoje é o Sintrammar que é o sindicato de movimentadores de mercadorias. Eles trabalham com várias mercadorias, não só café. Mas, durante muito tempo, eles foram o sindicato de ensacadores de café, só trabalhavam com café. E aí, quando a gente foi conversar com o Beto, que era um dos diretores na época, ele parou, assim, uma hora, ele pensando, assim, quem que ele poderia indicar pro projeto, ele falou assim: “Poxa, cara, sabe que eu acho superlegal vocês estarem aqui, porque eu conheço o museu já faz tempo” - o museu existe desde 1998, né? Na época, 2011, 2012, a gente estava conversando com ele - “A primeira vez que o museu veio falar com a gente”. E aí, esse projeto, a gente trouxe, está lá disponível, pra quem quiser pesquisar os depoimentos. A gente, na época, não tinha possibilidade de fazer registros em vídeo, então a gente fazia só no gravadorzinho de áudio mesmo, só pra ter o registro mesmo. Mas a gente, na exposição de 2014, renovou a exposição de longa duração, a gente fez uma sala, que é a sala da Praça de Santos e todos os personagens que a gente entrevistou, um trechinho está lá. Tem um nicho só pro ensacador, um nicho só pro estivador, um nicho só pra costureira de saca, junto com o corretor, com o exportador, enfim. Todos eles estão ali, juntos. E vira e mexe, sei lá, o ‘seu’ Zeca, um estivador que a gente entrevistou, eu tô lá, trabalhando, teve um dia que eu tô lá trabalhando, aí tocou meu telefone, era na recepção, a moça falou assim: “Ah, então, tem um moço, um senhor aqui, o ‘seu’ Zeca, que ele falou que ele está na exposição. Ele queria mostrar o depoimento dele pra netinha dele”. E aí eu falei: “Ah, o ‘seu’ Zeca, pô, deixa eu ir aí. Não, deixa ele entrar, ele foi depoente do nosso projeto, tal”. Ele queria levar a netinha dele, pra mostrar assim, ó: “Vovô está no museu”. E a abertura dessa exposição, a gente chamou todas as pessoas, tipo esse ‘seu’ Beto, que era o diretor do sindicato, levou os dois velhinhos que a gente entrevistou e ele estavam lá na abertura, no corta-fita, estavam todos orgulhosos de se fazerem representados ali no museu. Pô, foi um primeiro passo ali que a gente percebeu que, de fato, a gente estava no caminho certo de trazer mais vozes pra dentro do museu. E aí, a gente foi pra outros caminhos também. Esse é um dos projetos. Mas a gente tem, por exemplo, um outro que é bem legal, que a gente fez recentemente, 2017, até 2019, é o projeto “Memórias do Café Árabe”, que aí já é outra história. Aí já é essa coisa, assim, que a gente sabe que tem o costume do café coado, mas tem outros costumes de beber café aqui no Brasil. Tem imigrantes que tem outras formas de entender o café, né? E o café árabe é um que a gente pouco conhecia. A gente queria conversar com imigrantes árabes, libaneses, sírios, se aquele café da panelinha lá, de café sem coar, se eles preparam ainda esse café, os imigrantes sírios que chegaram recentemente em refúgio, se eles trazem essas práticas, o que o café representa pra eles. A gente entrevistou um senhorzinho libanês, que é diretor da mesquita de Santos. E aí ele falou - além dos ritos que ele tem, de servir café pras pessoas que acabaram de chegar em casa, pra visita - um pouco dos ritos de café no… de quando tem velório, que o café é diferente, ritos de café no café... de café no café... rito de café no casamento. E aí tem esse outro lado também, de história oral, que a gente pega esses depoimentos de imigrantes. Tem os sírio-libaneses, que a gente foi buscar. A gente tem também a perspectiva de fazer com turcos, que é pra tentar também diferenciar um pouco o que é o café árabe e o café turco, porque você fala que o árabe é turco dá problema. E também tem outros projetos, no interior, nas fazendas, pra conversar com produtor rural. Tem um projeto que a gente fez recentemente, que a gente... foi um pouco antes da pandemia, a gente não conseguiu, só pegou um depoimento, que são pessoas que trabalham com pesquisa genética de café, no Instituto Agronômico de Campinas. Aí, esse é mais específico de estudos acadêmicos em biologia, genética, é uma coisa mais específica do estudo do café enquanto cultivar e como eles trabalham isso com o produtor, né? Este já é outra coisa. Mas tem vários, tem várias frentes que a gente faz, com história oral. Tô falando demais, né?
P/1 – Tá ótimo. Eu queria saber se nesses projetos de história oral tem alguma história que venha na sua cabeça, que tenha sido marcante. Uma pessoa que te tenha marcado e queira compartilhar com a gente.
R – Ah, um que me marcou muito, inclusive, que me emocionou muito quando ele faleceu, que foi o primeiro depoente nosso, o ‘seu’ Álvaro. Ele era corretor de café e, assim, ele recebeu a gente na casa dele, sentou com a gente, conversou. Ele era, ele trabalhou durante muito tempo com o museu também, ele doou coisas pro museu, tal, então. E foi um dos caras que, ao longo do projeto, a gente o entrevistou duas vezes e a gente podia tê-lo entrevistado uma terceira, porque ele era corretor, o entrevistou como corretor. Na época, quando a gente o entrevistou a primeira vez, ele tinha até acessado a entrevista que ele deu pro Museu da Pessoa, que foi a nossa base, pra gente saber o que a gente não precisava perguntar, ou onde que, tipo: foi a primeira pessoa que a gente entrevistou, então a gente estava meio com medo de saber como a gente perguntaria as coisas e tal. Então, a entrevista do Museu da Pessoa ajudou bastante a gente, nesse primeiro. Mas, assim, não é que me emocionou a entrevista dele ou as entrevistas, que depois a gente o entrevistou de novo, porque ele foi presidente do Sindicato dos Corretores, tal. Ele chegou a trabalhar na atividade sindical da classe. Mas foi, acho que foi uma das primeiras pessoas que me abalou, quando faleceu. Que aí que eu percebi a relação, que não é profissional que a gente tem, só, sabe? A gente tem uma relação de amizade mesmo com as pessoas. Algumas, não todas. Mas a gente tem uma relação de... sabe, porque o ‘seu’ Álvaro, às vezes, eu tinha alguma dúvida com relação à corretagem, eu pegava o telefone e ligava pra ele: “Oi, ‘seu’ Álvaro, tudo bem?” Ele era todo brincalhão, assim. Foi ele que me explicou como é que os corretores, na rua, cada um se chamava com um apelido. Ele tinha uma gagueira, que ele falava hum hum hum hum e aí o chamavam de “ponto e vírgula”, porque ele sempre colocava um ponto e vírgula na hum hum hum hum “Sabe quem está falando?” E aí, ele que me deu essas dicas de como pensar além do que a gente queria saber mesmo. Porque quando a gente ia conversar com o corretor, perguntava como é que era o trabalho, mas o ‘seu’ Álvaro falava: “Tem o trabalho, mas tem o dia a dia, tem a sacanagem que a gente faz e nessas coisas também tem um pouco de trabalho, tem um pouco do dia-a-dia, porque a gente vivia junto, tal, não sei o quê”. Então, ele era uma pessoa que estava sempre muito próxima da gente. Então, é a primeira pessoa que me vem à cabeça exatamente por isso, por esse contato direto que eu tinha com ele. E, em 2018, foi que ele faleceu. Eu tinha conversado com ele uns dois meses antes, perguntando se a gente não podia conversar com ele mais uma vez, pra um outro projeto que a gente estava fazendo, que era de telecomunicações. Ele tinha falado bastante sobre como era a vida dele… porque a gente fez um projeto de telecomunicações, para entender como era a vida antes da internet, do telefone, do DDD e eles tinham sempre um monte de traquitana no escritório. Tinha telex, ele tinha um rádio, que ele doou, um walkie talkie, que ele conseguia falar com a fazenda, os contatos dele de fazenda. Então, a gente queria conversar com ele sobre isso. E aí eu falei dois meses antes dele morrer. E eu lembro que eu conversei com ele, ele estava já meio malzinho, nem estava conseguindo falar muito, tal. Acho que foi 2018, 2017, 2018. E aí, dois meses depois, eu vi que ele tinha falecido. E aí, foi o primeiro que, assim: “Nossa, ‘seu’ Álvaro foi!”, sabe? Mas, é!
P/1 – Bruno, me explica uma coisa: como foi decidir na Academia, assim, o seu tema de mestrado, decidir o seu tema de doutorado? Como foi entrar na PUC, né? Decidir que queria fazer mestrado em História na PUC, como que foi? E também a escolha do tema, como se deu esse momento?
R – Bom, a escolha do tema, como eu te disse, foi lá atrás, foi lá quando eu vi os documentos e vi que aquilo dava jogo e deu, como deu mesmo. Está dando até hoje e pode dar para pós-doc, se você quiser fazer o doutorado no tema que eu tô fazendo, eu posso te passar um monte de coisa também, porque dá uns cinco doutorados ali, fácil. (risos) E aí, quando entrei no museu, eu tinha acabado de sair do Arquivo, né? Eu sempre gostei da história de Santos, história do porto, e por mais que eu estivesse no Museu do Café, não queria fazer sobre café, não queria me especializar no tema café. Porque, se eu falasse da história de Santos, eu estava falando da história do café também. Mas eu queria falar sobre a cidade, sobre essa relação da cidade com o porto, sobre essa coisa do cotidiano e tal. E aí, por coincidência, numa atividade do museu mesmo, a gente chamou uma professora da PUC, a professora Maria Izilda. E aí ela fez uma atividade lá, que foi a primeira vez que a gente trabalhou sobre gênero no museu e tal, que ela é especialista em gênero. E aí, no fim, eu já estava pensando em fazer mestrado, eu estava naquela coisa meio “não conheço ninguém em São Paulo”, tal, eu pegava meu projeto e mandava a esmo pra um monte de professor da USP, da PUC, da Unicamp, mandava aleatoriamente, assim. Tinha recebido uma ou outra resposta, mas nada muito certo. E aí, a Izilda foi lá em Santos e ela já tinha um contato com Santos, porque ela tinha escrito alguns textos sobre Santos e tal, tinha escrito sobre mulheres no porto, as lavadeiras, as mulheres lavadeiras, enfim. E aí, ela conversando comigo, falou assim: “Ah, me passa seu TCC”. E aí eu tinha uma cópia, dei pra ela. Na semana seguinte ela me perguntou, ela me ligou no meu telefone: “Nossa, seu trabalho é incrível, vem fazer comigo aqui, vamos acertar seu projeto, pra você mandar pra PUC”. Aí eu virei pra ela assim: “Mas, professora, eu não consigo pagar, a PUC é…”. Hoje já é caro, na época era caro pra cacete. Pode falar palavrão? A primeira vez que eu falo palavrão. (risos) Mas era caro, né? Era mil e setecentos reais na época. Ela falou assim: “Não, fica tranquilo. Com o seu projeto, a gente consegue inscrever um pedido de bolsa e você vai conseguir tranquilamente”. E consegui mesmo. Entrei, consegui a bolsa. Desde então, o mestrado, tanto o doutorado, eu consegui bolsa cem por cento. Não fiz com bolsa Cnpq, que recebe. Essa só cobria a taxa. Continuei trabalhando no museu, foi difícil trabalhar e trabalhar, (risos) porque você trabalha duas vezes, mas foi ali que eu comecei. Mas aí eu fui pra esse lado da história de Santos mesmo, de entender a história da cidade. E foi a coisa mais sábia que eu fiz mesmo, porque você estuda essa parte do café e tal, mas você também entende que a cidade e o porto vão além do café, vai além. O porto é entrada de pessoas, entrada de imigrantes, a circulação de escravizados, tudo isso eu poderia fazer pensando numa questão de temática de café, mas pensando de uma forma mais ampla, em história da cidade, história urbana, história do cotidiano, que, pra mim, foi importante para entender a cidade, tanto que, desde a época do Arquivo até hoje, uma das coisas que eu mais gosto de fazer é me perder no Centro ali, seja de carro, seja a pé, se eu vou a pé pra algum lugar, eu tento sempre pegar uma rua que eu não entrei. Não tem nenhuma rua que eu não entrei ali, no Centro. E tentar - olhar, pensar na documentação que li e nas fotos que eu vi - pensar nessa coisa de ontem e hoje, sabe? Tem muita gente que olha a foto do século XIX, essa coisa da Belle Époque de Santos, tal, achando: “Nossa, a vida devia ser tão linda naquela época!” E aí, pra mim, o que me vem é o cheiro dos miasmas, daquele cheiro que eles falavam da cidade, da lama fétida. A própria Rita, lá no Arquivo, falava que as pessoas que têm saudade de foto da Belle Époque é porque foto não tem cheiro, né? (risos) Sempre falo que, às vezes, vem aquele cheiro de fossa, aquele cheiro do século XIX, sabe, está vendo, assim. Mas mesmo isso me faz me transportar, sabe? Por exemplo: teve um dia que eu estava passeando com um colega nosso, pesquisador do Iphan, o Jaelson e ele estudou, ele é de lá e estudou bastante Santos também. A gente estava, ele foi um dia lá, fazer uma palestra, eu fui dar uma volta com ele no Centro. E aí a gente foi, acho que ali pro Valongo. Aí, passou em frente à Rua São Bento e acho que era, estava dando seis horas, cinco e meia, seis horas e tem um horário específico que vem um cheiro específico, que é um esgoto, mas não é bem um esgoto, é um cheiro de rio também. Sabe pedra de rio, que tem um cheiro característico? Tem três rios que estão canalizados, no Centro de Santos: o Rio São Bento, o Rio São Jerônimo e o Itororó. E tem uma hora que acho que a maré sobe, eu não sei direito como que funciona, mas tem uma hora que a maré traz esse fluxo do rio e o cheiro sobe. E aí eu virei pro Jaelson: “Jaelson, o São Bento está aqui, o Rio São Bento?” Ele falou: “É, o Rio São Bento passava aqui”. Aí eu falei assim: “Você está sentindo esse cheiro?”. Aí ele falou: “Sabe que eu nunca tinha reparado? Mas é, esse é o rio, é o Rio São Bento, ele passa aqui, só que ele está canalizado debaixo da terra”, debaixo de onde a gente estava, a gente não o vê mais. Então, isso da cidade, também tem essas coisas de você se reconectar com ela, né? De você rever algumas coisas que você não via antes, ou você não via da forma como era. Então, quando eu falo pra você dos cheiros do porto, muito provavelmente, eu tô falando com uma perspectiva que eu tenho hoje. Quando eu estava lá, com oito anos, não sei se eu tinha toda essa percepção que eu tenho hoje. Então, a memória é muito presente nesse ponto, assim: é o que eu tô pensando agora e que eu tô falando pra você. Eu sei que você entende isso, mas eu só tô elaborando aqui. Mas é isso e isso, fazer um mestrado em Santos, fazer sobre Santos, fazer o doutorado sobre Santos, ler muito sobre como as ruas foram calçadas, como…. ah, por exemplo, você sabe do… já ouviu falar dos becos de despejo? Tinha umas ruas na colônia, à direita, as ruas que corriam, e algumas ruas que eram só os fundos dos prédios, mas elas eram ruas, eram uns bequinhos assim. A própria rua onde é hoje o Museu do Café, a Frei Gaspar, era um beco de despejo, que era… hoje é Frei Gaspar, mas antes era chamada de “beco do inferno”. Pelo nome... (risos) E era porque, assim, você não tinha encanamento na cidade, né? Então, é onde as pessoas ‘tacavam’ as águas servidas ali, xixi, cocô. E aí, você vê, na documentação, falando assim: “Ah, o beco de despejo da rua tal, está numa situação lastimável e quando vem a chuva, aquela lama fétida corre pra Rua Direita, que é uma rua de senhoras, que isso não pode continuar e tal”. E aí, às vezes, quando… tem uns bequinhos… perto do museu, tem uma rua que eles não conseguiram alargar tanto assim. Ela era bem mais curtinha, passava só uma pessoa, mas hoje até passa um carro ali. E ela é bem isso, ela é os fundos dos dois prédios e aí, quando eu passo ali, eu fico imaginando, assim, as pessoas na parte de cima do prédio tacando penico pra fora da janela. Tinha o costume de dizer que você pode tacar o xixi pra fora da janela, desde que fala três vezes “vai água”, pra você avisar as pessoas que estão lá embaixo. Aí, depois, vem o costume de você levar os barris de merda e xixi pro cais e depois que vem o encanamento, mesmo. Mas aí, você vai vendo, você vai olhando pra cidade, você vai se conectando com ela e vai pensando de como ela funcionava, né? Então, pra mim, não seria a mesma coisa se eu estudasse, por exemplo, Paris, sabe? Se eu estudasse Londres. Paris, eu conheci até, porque eu fiz uma parte do meu doutorado lá, eu fiz doutorado sanduíche lá, inclusive pra estudar cidade e tal, mas, enfim, o exemplo foi ruim. (risos) Mas Londres, por exemplo, eu não conheci. Se eu estudasse Londres, não seria a mesma coisa, porque eu não conheço. Esse negócio de morar na cidade, você estudar a cidade, é o essencial pra você tentar viver aquilo que você está lendo. Isso foi uma coisa que me falaram muito no Arquivo, de você pensar a cidade enquanto uma coisa viva, né? Você não pensar a cidade só pelo plano urbano, você pensar a cidade pelos canais. Você pensar a cidade só pelo concreto, você pensar a cidade pelas pessoas.
P/1 – E, Bruno, assim, pensando a partir de suas pesquisas e do seu trabalho, tanto no museu, quanto acadêmico, eu queria saber, pensando também nas descobertas que você teve durante esses anos todos, se você consegue fazer, assim, uma relação entre a importância que o café tinha, né, pra cidade de Santos e a importância disso pro desenvolvimento do porto, assim, da cidade, da própria cidade. Eu queria que você falasse um pouco sobre isso, assim. Não precisa ser muito, mas o que você descobriu.
R1 – Você viu que eu não consigo falar pouco, né (risos)?
P/1 – Pode falar o que você quiser.
R – (Risos). Não, mas, assim, é interessante a gente estudar a cidade, principalmente nesse período, entre 1850, até a virada do século XIX para o século XX, porque é exatamente nesse período que a cidade começa a tomar a proporção que ela tem hoje. Pra você ter uma ideia, a cidade de Santos, em 1870 ainda, não precisa nem voltar muito, tinha dez mil habitantes. Em 1913, que é quando se faz o primeiro censo da República, né, a cidade de Santos tinha noventa mil, para cem mil habitantes. Hoje em dia, com a cidade em quase quinhentos mil, São Paulo, com 13 milhões, a Grande São Paulo, né, com mais de dez milhões de habitantes, pra gente cem mil não é muita coisa. Mas a gente pensa, eu penso na escala que foi isso pra uma cidade que era um ovo, que era uma cidade que era, como diria minha avó: “Uma rua que vai, com três que cortam”, sabe? (risos) Era uma cidade minúscula e você tinha uma estrutura para dez mil habitantes, você chega e aumenta dez vezes isso. Antes de 1870, 1867 que vem a São Paulo-Rio, a estrada de ferro. Antes de 1867, eram mulas que subiam ali a Serra do Mar, levando os gêneros pra cima da serra e trazendo café pra baixo. O impacto que deve ter sido pra uma pessoa… o Hobsbawm fala, no Era do Capital, o que deve ter sido pra uma pessoa no interior do Egito, ou no… sei lá, nesses lugares onde fizeram essas ferrovias enormes, o que deve ter sido o impacto. Pra mim, assim, olhando pra Santos, o que deve ter sido um impacto pra uma pessoa ver uma obra como aquela de vencer a Serra do Mar, que não sei o que você pensa, quando você vai subir a serra, mas, pra mim, ainda é, hoje, impressionante, você pegar a Imigrantes ou a Anchieta pra vir pra cá, pra Santos, porque é muito alto, são novecentos metros, né, que você sobe. Então, é o impacto que você tem que pensar para uma pessoa da época, que foi a pessoa que viveu isso. Tanto isso, como, sei lá, até 1874, todas as mensagens que chegavam da Europa ou de qualquer outro lugar do mundo, vinham por paquete a vapor, já era uma transformação, pra época, porque os paquetes a vapor começaram a chegar fazia pouco tempo. Antes era via vela, que demorava muito mais. Mas o paquete a vapor demorava trinta dias, vinte e oito dias pra chegar da Inglaterra até aqui. E aí, em 1874, você tem os cabos submarinos do telégrafo, que consegue chegar uma notícia da Inglaterra, ou dos Estados Unidos em cinco segundos. Pensar nessas mudanças tecnológicas e quanto isso chega tudo ao mesmo tempo, praticamente. 1867, a ferrovia. 1874, o telégrafo internacional, o terrestre veio junto com a ferrovia, mas o internacional chegou em 1874 com a US Telegraph, com a companhia inglesa. Que mais? Em 1870, Santos ainda não era o porto, que se tornaria, no final do século XIX, o porto do café. 1870 estava ainda engatinhando, estava vindo bastante coisa, por conta da estrada de ferro, mas ainda não era aquele volume que se tornaria em vinte anos, assim, quase, mais ou menos vinte anos. Até 1870, não chegavam diretamente os navios a vapor da Europa. Eles vinham só até o Rio de Janeiro. E aí, se você quisesse exportar alguma coisa, você tinha que levar até o Rio de Janeiro, recolocar num navio transatlântico e aí você mandar pra Europa. A partir de 1870, com o crescimento do Porto de Santos, com a exportação de café, as companhias começam a considerar Santos como um porto válido para você ter a ligação. Então, aí você fazia Salvador, Recife, Rio de Janeiro, Santos. Até então, Santos era um porto de segunda. Era um porto auxiliar, como era o Porto de Ubatuba, como era o Porto de São Sebastião. Era quase a mesma coisa. É que o Porto de Santos começou a se desenvolver com essa ligação com o interior e com essa ligação do café. E aí, mesmo assim, com todas essas alterações… 1870 começa a chegar os bondes, começa a chegar o encanamento, a água encanada, pra algumas pessoas, lógico. E só em 1890 que o porto, de fato, é modernizado, começa a se transformar no porto que a gente conhece hoje, né? Até então, eram aquelas pontes de madeira. E aquilo que eu te falei, da relação que é diferente da relação que a gente tem hoje com o porto, que é um porto distante. Porto lá, a cidade aqui. Naquela época, porto e cidade, cidade e porto, pessoas, pescador vindo aqui, de São Sebastião, vem e faz o cerco do peixe, traz os peixes para vender no Mercado do Peixe, que era no Centro, do lado que estava o navio carregando de café, pra ir pra Trieste… era aquela confusão, o porto era totalmente diferente do que a gente entende hoje. Em 1890, que a Companhia Docas chega com essa ideia de porto organizado, com cais, o cais de pedra e também com essa ideia de fábrica, portão, daqui pra lá, é o cais, daqui pra cá é a cidade. Tanto que, por exemplo, quando a minha avó falava do meu avô, do trabalho dele na estiva, ela me mostrava a carteirinha dele da estiva, que era a carteirinha que ele entrava no porto, aquela carteirinha que ele podia passar pra lá, pra ir buscar outro trabalho. Aí se juntavam os estivadores ali, ele mostrava a carteira dele: “Ah, eu quero…”. E aí eles pegavam os trabalhadores, mas só com essa carteira, com essa autorização da capitania dos portos você podia entrar, não é qualquer pessoa que entra no porto. Hoje mesmo, se você pegar o carro e ir lá pro portão dois, portão três da doca, você não entra sem autorização.
P/1 – E a importância… você consegue, assim, dimensionar a importância do café na construção da cidade? Eu queria saber se você consegue dimensionar a importância do café naquela época, pra Santos.
R – Ah, tá. Então, eu falei de todos essas renovações... essas renovações… essas tecnologias que chegaram pra cidade e pensar não só no crescimento populacional, mas também, pelo menos no meu mestrado e no meu doutorado, eu sempre falo assim: pensar que, se a cidade tinha dez mil e aumentou quase dez vezes a população, pensar o quanto de experiências diferentes, de vida, estavam coexistindo ali. Você tinha português, espanhol… a maioria dos imigrantes eram portugueses e espanhóis, italianos menos. Assim, quando a gente pensa nessa coisa café ‘terra nostra’, sabe, café italiano, italiano, o café, Santos não era tanto italiano, era mais português e espanhol. Todas essas pessoas tinham acabado de chegar de regiões do interior da Europa, com ex escravizados que tinham acabado de chegar na cidade, não fazia nem dez anos, por conta de Santos ter sido um polo de atração, por conta da abolição. Santos teve um dos maiores quilombos urbanos, o Quilombo do Jabaquara. E uma coisa que tem pouco ainda, na historiografia de Santos, é como esse período foi um período de tensões mesmo, na cidade. O Sidney Chalhoub, que eu comentei antes, contigo, sobre o que ele estudou no Rio de Janeiro, o mestrado dele, do Chalhoub, chama Trabalho, Lar e Botequim, o nome do mestrado dele. E ele estudou o cotidiano do Rio de Janeiro. E principalmente o cotidiano do Rio de Janeiro no começo do século XX, quando o ex escravizado era, já estava difuso ali na sociedade, ele era considerado como nacional, porque, na documentação, antes, o escravizado era visível por conta da condição de escravizado. Quando ele passa pro trabalho livre, ele se torna o nacional, muitas vezes o vagabundo. Então, aí, essa tensão na cidade com os imigrantes chegando, principalmente portugueses e espanhóis, tomando os trabalhos, muitas vezes, braçais, que eram prioritariamente de recém libertos, né, de pessoas que estavam ali e como isso se tornava um ambiente bastante hostil. E isto se traduz aqui em Santos também. O trabalho portuário desse período aí, do boom do café, é esse momento de tensões aí, de busca por trabalho, é um momento de grande disponibilidade de mão-de-obra, porque o porto estava crescendo, o café estava chegando a rodo e muitas pessoas não conseguiam trabalho, por conta de uma visão deturpada, de uma visão racialmente estabelecida da sociedade, que é que o imigrante era tecnicamente superior, era mais apto pra… antes, o trabalho manual era só feito por escravizados, agora, depois que o imigrante chega, o ex escravizado é ‘indolente’ e não é apto pro trabalho, porque quem assume esse trabalho são os europeus recém-chegados. E é esse cenário que eu vejo em Santos, na época aí do crescimento, do boom do café. E é muito doido pensar que a cidade cresce de um jeito, assim, meio desordenado quase. É muito rápido, mesmo. Santos, se eu não me engano, o café passa a se tornar um produto importante em 1850, mais importante do que qualquer outro produto, foi em 1850. E Santos passa a se tornar o principal porto exportador de café, mais até do que o Rio de Janeiro, em 1890, a safra de 1892 e 1895. Então, você pensar em cinquenta anos, setenta anos, é um crescimento muito acelerado para uma cidade que era do tamanho de Paraty, sabe? Quando eu fui a primeira vez pra Paraty, eu lembro das fotos de Santos de 1860, das primeiras fotos do Militão, eu olho pensando: “Nossa, isso aqui era Santos!” Isso, o aspecto da cidade, aquilo era Santos. E aí Santos se tornou isso, por causa do café. E de novo: quando as pessoas olham de uma forma saudosista, de uma forma: “Nossa, como devia ser bom morar nessa cidade, como devia ser…”, você tem que pensar no que eu falei, da foto não ter cheiro, (risos) mas, ao mesmo tempo, pensar que não é tão bucólico quanto parece olhar uma foto, não é tão pacífica a convivência da cidade, a cidade tem seus conflitos, a cidade tem suas tensões, a cidade tem as suas disputas. Pensar na cidade enquanto esse corpo vivo aí, pulsante. Minha professora sempre fala da Raquel Rolnik, uma arquiteta, urbanista, que fala da diferença entre espaço e território, né? Espaço é o espaço que não foi apropriado por alguém. E o território é o território que alguém toma conta dele e se apropria. Então, o espaço está em constante... o espaço da cidade está sempre em constante disputa, pra se tornar um território de alguém, de algum grupo, de alguma rede, seja nessa época que a gente está falando aí, do final do século XIX, de portugueses, ou de espanhóis, ou de ex escravizados. Às vezes, eu penso um pouco em Santos como gangues de Nova Iorque, sabe? Que tinha isso mesmo, tinha essa coisa dos grupos que se apropriavam do espaço, que ganhavam o espaço pros seus, pras pessoas que faziam parte dessa rede. Portugueses. Portugueses, em Santos, era o que mais tinha, eles se filiavam entre os patrícios, para trabalhar como estivador, trabalhar como carroceiro, pra arrumar lugar pra morar. Era uma padaria que tinha um quartinho em cima, que tinha chegado um patrício que acabou de vir do porto, que já colocava ali como padeiro, para trabalhar em cima, pra depois encontrar um lugar como estivador. As redes funcionavam dessa forma. Então, eu penso no boom do café mais pensando nessa cidade pulsante, da cidade que efervescia vida.
P/1 – E agora, assim, pensando no seu trabalho, na sua trajetória profissional, qual foi o momento mais desafiador, pra você? Do seu trabalho mesmo, da sua trajetória inteira, profissional?
R – Bom, o mais desafiador está sendo agora, terminar o meu doutorado. (risos) Porque eu nunca tive que escrever um texto de mais de trezentas páginas e estou agora nos ‘finalmentes’. Mas tem outros, tem outros. Em 2014, no Museu do Café, o fato de eu ter participado da curadoria, junto com... não fui eu sozinho, mas… o corpo lá do museu, de uma exposição nova, de longa duração, que era a exposição principal do museu. Isso foi um desafio bem grande, assim, de pensar, por exemplo, nessa sala da história oral, pensar numa sala que fosse acolhedora e que trouxesse essas memórias que tinha registrado. O meu doutorado sanduíche, de ter feito na França também, porque eu não falava francês, tive que aprender. (risos) Eu pensava em fazer alguma coisa com uma língua que eu conhecesse, tipo inglês. Minha orientadora virou e falou assim: “Não, eu conheço só francês, você vai se virar pra aprender francês e ir pra França, porque…”. E, bom, era minha oportunidade de fazer uma coisa com bolsa mesmo, com tudo pago. Nunca teria ido para Paris, morar em Paris por seis meses, se não fosse por conta de uma bolsa de estudos. Eu morei por seis meses num lugar, assisti aula em francês, aprendi francês, trouxe coisas pro meu doutorado, trouxe coisas pro museu também. Continuei trabalhando no museu, que o museu me deu uma licença sem vencimentos, para eu ficar fora esses seis meses, então foi bom também conseguir conciliar tudo e continuar ainda no museu e voltar. Eu voltei bem no comecinho da pandemia, fui em outubro de 2019 e voltei em março de 2020. Eu cheguei com quase os aeroportos fechando. Esse foi um outro momento que é isso, de conseguir se virar num lugar que você não conhece, conseguir se virar no meio de francês, que não é um povo fácil de lidar, (risos) que não está nem aí, a gente se vê num outro país como latino, como um povo latino, que eles olham pra gente como um ‘bando de subdesenvolvidos’, né? Que, então, também ter essa… fazer parte de um espaço que acaba sendo também um pouco hostil para você e tentar entender um pouco como é que é um imigrante que está… tá bom que eu era uma pessoa que estava estudando, mas, mesmo assim, eu acabei vivendo coisas que imigrantes acabam vivendo, de preconceito, xenofobia e tudo mais. Você entende um pouco, estando do outro lado. Você estuda isso, a gente vê as coisas que eu conversei com os árabes que chegaram aqui, mas você não pensa o que é que um árabe magrebino está vivendo lá na França, com xenofobia. Então, também tem essas questões, não é só ‘viver em Paris, que chique!’ (risos).
P/1 – Tem alguma história dessa época, que você queira compartilhar? Desse tema mesmo, de ter se deparado com essas dificuldades. Teve algum momento marcante?
R – Não dificuldade. Porque, assim, eu morei num bairro que era basicamente imigrante, que a gente tinha uma grana, que a gente recebia da Capes, e morar em Paris, Paris é basicamente só gente com muita grana, que consegue morar, morar mesmo, lá. Um aluguel, em reais… o meu aluguel custava o triplo do que eu pago aqui de aluguel, né? Então, eu tive que morar afastado. Eu morava num bairro que era basicamente de asiáticos, chineses, árabes e congoleses, outros, pessoas de outras partes da África. E eu achei superlegal isso de, assim, ver até uma França que não é a França... não é Paris da Torre Eiffel e do Arco do Triunfo. É ver a Paris dos caras que estão ali, trabalhando, tal. E aí eu não consegui dissociar essa coisa… eu tinha acabado de vir daqui do Brasil, saído do projeto “Memórias do Café Árabe”, então, eu nunca tinha entrado em contato com árabes que não fossem libaneses ou sírios. E ali tinha muita gente da Tunísia, do Magrebe, que eles chamam, tipo, o norte da África, né? Egípcios, enfim. E aí eu peguei como costume, eu ia cada dia numa… eles chamam de Kebaberia, assim, tem uma em cada esquina. E aí eu comia, tal, conversava com as pessoas lá, tipo: “Ah, não, não sei o que, você é de onde?” “Ah, sou da Tunísia, tal”. Aí eu tinha achado de perguntar assim: “Pô, você toma café?” (risos) E aí teve um que eu fui, eu acho que era um egípcio, que tinha um restaurantezinho perto lá. Aí, eu sentei pra comer, o cara estava fechando o caixa do meu lado, já era fim da noite, estava voltando pra casa. E aí eu perguntei pro cara: “Você tem café?” Aí ele falou: “Ah, tenho, você quer espresso?” Eu falei: “Não, cara, eu quero… você não toma… você tem…”, eu falei no termo árabe, que eles chamam: “Você tem no ibrik?” No ibrik, não. “No ____ ?” Eu estava falando em francês, em árabe (risos) e aí ele pegou, assim, tipo: “______ ?” Aí: “É, _______ é café com cardamomo”, porque eu não conseguia falar “café árabe”, porque ele entendia que era café arábica. E aí eu falei assim: “Café com cardamomo”, que eles tomam café com uma especiaria. Aí ele falou: “Ah, tá!” Aí ele foi lá atrás, ele foi na cozinha dele e veio todo feliz, assim: “É esse aqui que você quer?” Aí: “É, é!” E aí ele sentou comigo, a gente ficou falando e tal, assim, ele: “Ah, não, você é de onde?” “Ah, eu sou do Brasil” “Ah, a gente tem muito…” - eles falam ______ - “... primo lá no Brasil”. Porque eles se entendem mesmo meio como que uma família grande. Muitas vezes a pessoa, quando imigra pro Brasil, quando não é numa situação de refúgio, às vezes, eles vão para outros países árabes antes de vir pra cá, pro Brasil. Questão de comércio, tal, né? Eles têm uma rede muito grande. E aí eu fiquei um tempão falando com ele. Eu só não gravei porque eu não conseguia, eu não sei nem o que ia fazer com aquilo. Mas aí, eu fiz isso com outras pessoas. Teve um cara da Tunísia que me falou que: “Ah, tomo café sim, eu tomo, eu coloco raspa de laranja no café”. E aí, você conhecer essas outras formas… aqui no Brasil, aqui em São Paulo, pelo menos, eu não sei se tem muito tunisiano, pessoas de outros países. Aqui é mais sírio-libanês e palestino, né? Então, pra mim, foi um ponto fora da curva, assim, poder entrar em contato com as pessoas e falar com pessoas que vão além do francês. A gente estava falando em francês, ele falava mal o francês, eu também falava mal o francês, a gente se entendia não sei como e é isso. (risos)
P/1 – Bruno, e como foi voltar... como que a pandemia... assim, como que foi voltar e de cara, assim, ver a pandemia? Como que afetou, tanto a sua vida profissional, quanto pessoal, assim?
R – Bom, até hoje está bem estranho, porque a gente ainda está, tomou vacina e tal, mas ainda não está cem por cento. Mas foi muito estranho, porque eu voltei, acho que eu voltei pro trabalho, em uma semana já estava em casa. E quando eu estava lá mesmo, a gente já estava ouvindo as notícias, né? E, como tinha essa coisa de que o vírus veio da China, de Wuhan, eu morava num bairro chinês. E tinha muito imigrante, imigrante mesmo, chinês recém-chegado. Tanto que, não era bem como o que é o bairro da Liberdade, assim, mas tinha essas festividades e tal. E, por exemplo, de janeiro para fevereiro, ia parar uma praça lá pra fazer o Ano Novo chinês, não teve, cancelaram. Então, já desde aquela época, eu estava ouvindo coisas, quando peguei o avião pra cá, a gente não tinha ideia de que precisava usar máscara, tal, né? Mas já tinha essa coisa assim: “Nossa, estou entrando num avião, mediram a temperatura, tem umas pessoas com umas roupas estranhas aqui, tudo encapotado, assim, o que está acontecendo?”. Era uma coisa meio… mas, como eu estava numa situação que era também fora do meu normal, era tudo meio fora do normal, mesmo. (risos) Aí, quando eu cheguei aqui, caiu a ficha, assim: “Nossa, está acontecendo isso mesmo, tal”. E uma coisa, pra mim, a principal, que afetou a minha percepção no trabalho e na própria tese... esses dois últimos anos foram os dois anos finais da minha tese, né? Eu comecei a olhar de uma forma diferente a documentação que eu lia sobre as epidemias de Santos no XIX. Questões que eu nunca tinha parado pra me tocar e coisas mesmo que eu não… como é que eu posso dizer? Coisas que não me emocionavam, começaram a me emocionar. Coisas que não me tocavam, porque eu estava muito distante daquilo, sei lá: uma família de cinco irmãos e pai e mãe, sobrar só dois irmãos, ficarem órfãos, isso é uma coisa que eu não tinha ideia do quanto isso… qual que era o impacto disso, até eu ver pessoas que, de fato, perderam pais, mães, o pai, a mãe, os irmãos pra pandemia, né? Então, foi uma coisa que me aproximou de uma parte do meu estudo que eu não… olhar aquelas vistas aéreas de covas abertas sem destino, sabe? Só porque você tinha que abrir covas, porque estava morrendo mil pessoas, duas mil pessoas por dia, a documentação também conta isso, de pessoas que eram enterradas em covas rasas, duas, três na mesma cova, porque não tinha espaço. O cemitério do Saboó, aqui em Santos, foi aberto por conta da pandemia de febre amarela e varíola de 1890, dessa coisa das pessoas terem medo de falar que estão doentes, porque iam pro isolamento e poderiam morrer e isso é uma coisa que eu não tinha noção do que era, de como isso poderia estar próximo. Isso eu via na documentação… eu tô falando tudo isso que eu vi na documentação, mas parece que eu tô falando de hoje. Hospitais de campanha, o Mosteiro do São Bento, aqui em Santos, todos as igrejas, a Santa Casa e a Beneficência Portuguesa, todas elas tinham, abriam alas de campanha na época das epidemias, porque muita gente ficava doente e muitas vezes as pessoas morriam em casa, escondiam os corpos, porque tinham medo de que fossem levadas pro isolamento, porque estavam doentes. Tudo isso estou falando do século XIX, não tô falando de hoje.
P/1 – E hoje você não mora mais em Santos, né? Mas, pensando assim, do que você consegue observar quando você desce pra Santos e relacionando também com suas pesquisas, o que você observa, assim - desde aquela época, eu sei que é um grande período, assim, mudou tudo - de principal transformação da cidade?
R – Você está falando depois da pandemia? Depois que começou a pandemia, ou do geral?
P/1 – Do geral, assim. Desde que você se mudou de Santos, assim, até agora, quais são as principais mudanças?
R – Porque, assim, eu comecei a morar mais em São Paulo agora, na pandemia mesmo. Antes eu ficava nesse sobe e desce quase que diário, ou a cada dois, três dias ia pra São Paulo, volta. Então, a minha casa era meio que o ônibus, o Cometão. Então… mas a minha relação com a cidade, hoje, agora que eu tenho vindo menos pra cidade, é tentar entrar em contato, mais, com ela. Quando eu tô aqui, por exemplo: agora eu vou sair daqui, muito provavelmente eu vou lá pro Centro, vou dar uma volta ou vou pegar o carro e se eu pego o carro, eu não vou direto pra casa, eu pego, vou até a ponta da praia, dou uma volta, vou até São Vicente, sabe? Agora menos, porque está cara a gasolina, né? (risos) Não dá pra ficar fazendo essas graças, mais. Mas… ou então eu paro o carro, assim, dou uma volta e tal. Mas eu tenho essa coisa de ficar olhando e… é, então, agora que eu voltei e tenho vindo menos pra cidade, eu vejo as coisas que fecharam… antes do… a última coisa que eu fiz, antes de subir, pra ir pro home office em São Paulo, foi comer uma última vez no restaurante que eu almoçava todo dia, que era um PF, ali perto da prefeitura. Fechou. Um monte de restaurante que eu conhecia, de pessoas, que fecharam. Alguns bares, assim, que eu conhecia, hoje já não… estão com uma coisa de vender na frente, então tem essa coisa da pandemia mesmo, de um quebra-quebra geral de comércio que você conhecia, mas também tem coisas, assim, mais simples que eu sinto falta que, por exemplo, quando eu vou pra São Paulo, eu pego dois pães de cará e levo pra casa, pra comer com a minha companheira, sabe, porque pão de cará, não sei se você conhece pão de cará, mas é um pãozinho que tem aqui em Santos, que me faz sentir em casa, sabe? Tem uma torrefação, ali perto do museu, ali do café, que eu conheço o dono, aí eu vou lá, converso com ele um pouco, compro café lá. Eu gosto muito mais do café de lá, do que do café do mercado. Então, eu compro um estoque pra passar uns dois meses, lá, de café. Mas eu faço isso: eu vou nos lugares que me fazem sentir em casa.
P/1 – A gente já está chegando no fim, eu tenho mais duas perguntas. Eu queria saber quais são os seus maiores sonhos hoje, pro futuro.
R – Ser pai, mais pra frente. (risos) Não sei. Eu quero continuar com as minhas pesquisas, terminar o doutorado é um bom começo, me tornar doutor, de fato. Poder defender a tese. Se tudo der certo, eu vou defender ano que vem. E continuar as pesquisas, seja se for no Museu do Café, ou se for em algum outro lugar, mas quem sabe mais pra frente conseguir dar aula em faculdade, ser professor de faculdade, ou mesmo só continuar como pesquisador, pra mim, já estava ótimo, sabe? De poder, de fato… Eu só fiz o mestrado e o doutorado porque eu gosto da documentação que eu leio, então, se eu continuar lendo a documentação, já está ótimo, sabe? (risos) É isso.
P/1 – A última pergunta é: você gostaria de apresentar alguma coisa que eu não perguntei? E se você gostou de dar a entrevista, como foi esse processo, pra você?
R – Bom, primeiro eu gostei muito. Não… tinha hora que eu nem sabia o que eu estava falando, eu só estava deixando ir. Eu acho que era… como eu já fiz muitas vezes isso, eu sabia que eu tinha que fechar a chavinha da razão e pensar algumas coisas mais de fatos emocionais, que trazem a memória. Então, acabou sendo quase que como uma sessão de terapia também aqui, eu fui falando coisas que eu me lembrava e que eu associava. E gostei muito. Eu acho que não teve nenhuma... eu acho que todas as coisas que eu pensei que eu poderia falar, eu falei e, enfim, cada depoimento é um depoimento, se daqui uns dez anos a gente sentar aqui pra fazer a mesma coisa, vão sair outras coisas, porque a memória é assim, né? Muito obrigado!
P/1 – Muito obrigada! Eu que agradeço. Nossa, foi muito legal, muito obrigada mesmo!
[Fim da Entrevista]
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