Depoimento de Krikor Tcherkesian
Entrevistado por Roney Cytrynowicz e Márcia Ruiz
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 29 de outubro de 1994
Transcrita por Marina D'Andréa
P- Senhor Krikor, inicialmente a gente gostaria que o senhor dissesse seu nome, data e local de nascimento.
R - Meu nome é Krikor Tcherkesian, nasci em 1º de maio de 1938, São Paulo, descendente de armênios.
P - E o nome e local de nascimento dos seus pais?
R - Meu pai era Pedro Tcherkesian, minha mãe Anike Tcherkesian, ambos de Adana, hoje Turquia, também descendentes de armênios.
P - E que atividade que eles tinham?
R - Meu pai veio para o Brasil numa contingência especial, porque ele, a irmã dele, que tinha 14 anos, estava se casando com um rapaz, lá no Líbano, e ele estava mudando para o Brasil. E aí, como a família não permitia que ela viesse sozinha para o Brasil, com 14 anos, então meu pai foi determinado a vim com ela para a tomar conta dela. E, assim, meu pai veio para o Brasil acompanhando a irmã que estava se casando. Ele veio com nove anos de idade, primeiro tiveram que descer em Pernambuco, em Pernambuco não gostaram do local, e através de contatos eles descobriram que o local ideal, onde havia muita gente descendente de árabe e alguns armênios, era São Paulo, então eles, através de muito esforço, conseguiram chegar em São Paulo e aí eles se estabeleceram. Inicialmente ele trabalhava com, de empregado numa fábrica de sapato, na Rua Barão Duprat, perto da Rua Vinte e Cinco de Março, e depois, com alguns amigos, eles abriram uma fábrica de sapato, e essa fábrica de sapato prosperou muito, mas em 1932, com a Revolução Constitucionalista, eles tiveram problemas e tiveram que encerrar a atividade da fábrica.
P - O que é que aconteceu?
R- Com a Revolução de 32, a economia paulistana, paulista, sofreu um, deve ter sofrido uma grave crise, então, em decorrência disso, a indústria de calçados, ou todas indústrias em...
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Entrevistado por Roney Cytrynowicz e Márcia Ruiz
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 29 de outubro de 1994
Transcrita por Marina D'Andréa
P- Senhor Krikor, inicialmente a gente gostaria que o senhor dissesse seu nome, data e local de nascimento.
R - Meu nome é Krikor Tcherkesian, nasci em 1º de maio de 1938, São Paulo, descendente de armênios.
P - E o nome e local de nascimento dos seus pais?
R - Meu pai era Pedro Tcherkesian, minha mãe Anike Tcherkesian, ambos de Adana, hoje Turquia, também descendentes de armênios.
P - E que atividade que eles tinham?
R - Meu pai veio para o Brasil numa contingência especial, porque ele, a irmã dele, que tinha 14 anos, estava se casando com um rapaz, lá no Líbano, e ele estava mudando para o Brasil. E aí, como a família não permitia que ela viesse sozinha para o Brasil, com 14 anos, então meu pai foi determinado a vim com ela para a tomar conta dela. E, assim, meu pai veio para o Brasil acompanhando a irmã que estava se casando. Ele veio com nove anos de idade, primeiro tiveram que descer em Pernambuco, em Pernambuco não gostaram do local, e através de contatos eles descobriram que o local ideal, onde havia muita gente descendente de árabe e alguns armênios, era São Paulo, então eles, através de muito esforço, conseguiram chegar em São Paulo e aí eles se estabeleceram. Inicialmente ele trabalhava com, de empregado numa fábrica de sapato, na Rua Barão Duprat, perto da Rua Vinte e Cinco de Março, e depois, com alguns amigos, eles abriram uma fábrica de sapato, e essa fábrica de sapato prosperou muito, mas em 1932, com a Revolução Constitucionalista, eles tiveram problemas e tiveram que encerrar a atividade da fábrica.
P - O que é que aconteceu?
R- Com a Revolução de 32, a economia paulistana, paulista, sofreu um, deve ter sofrido uma grave crise, então, em decorrência disso, a indústria de calçados, ou todas indústrias em geral na época sofreram muito com aquela, aquele acontecimento. E ele se viu obrigado a encerrar a atividade, porque parece que na época, houve um colapso na indústria paulista, e ele ficou... foi obrigado a encerrar a atividade dele. E aí, através de um conselho de um senhor de idade, disse para a ele que, como ele já tinha filhos, ele tinha que abrir um, a melhor maneira de ele ganhar dinheiro, era ir trabalhar na feira. Que na feira comprava mercadoria nos atacadistas, vendia na feira, no dia seguinte já tinha um lucro e podia sustentar sua família. E assim ele fez, a partir de 1938. Trabalhou na feira e nessa época eu, praticamente, nasci dentro da feira porque eu era muito pequeno, então minha mãe levava eu muito criança para a dormir em baixo da barraca. E minha infância foi toda ela dentro do ambiente comercial, só que especificamente nas feiras livres. Fui na, fui crescendo e aprendendo, descobrindo as técnicas de venda e comércio e tive uma grande sorte, porque nós morávamos ali nas imediações do maior centro atacadista na época, da América do Sul, que era Paula Souza, Santa Rosa, Vinte e Cinco de Março. Então, eu, muito garoto, tinha então dez, 12 anos, eu já mantinha contato com todos os grandes atacadistas, cerealistas de São Paulo. Que eram os donos daqueles depósitos na Santa Rosa, que eram os Alves Veríssimo, Dias Pastorinho, Dias Martins, F. Monteiro, na Vinte e Cinco tinha os Lascani, Abdo Aires. Então eu fui, praticamente nasci no meio desse comércio. E fui aprendendo que precisava ser rápido e ganhar dinheiro. Era o melhor meio de conseguir realizar todos os seus objetivos. E, assim, aprendi que é preciso ter mercadoria boa, bonita e barata, para a poder ter êxito na atividade comercial. Comprava mercadoria, dificilmente nós como feirantes, éramos marginalizados pelas indústrias da época, eram algumas multinacionais. A única indústria que dava apoio a toda o comércio de São Paulo, do Brasil podemos dizer, era a indústria Matarazzo. Matarazzo na verdade foi a maior empresa que deu suporte a esse crescimento que o Brasil viu. O Matarazzo tinha produtos, que ele vendia na Vinte e Cinco de Março, que o prazo de pagamento era 365 dias fora o mês. Que eram tecidos. Nessa área, os árabes é que tomavam conta. Todos os que trabalhavam com tecidos, na Vinte e Cinco, por isso que é a pujança da Vinte e Cinco, era o prazo de pagamento que o Matarazzo dava. Na área de alimentos, que era a área dos portugueses lá da Paula Souza, Cantareira, Santa Rosa, era... o prazo era 180 dias, fora o mês. Com isso, não tinha inflação, não existia correção monetária, e o Matarazzo ele cumpria o pedido. Ele tinha obrigação moral de entregar um pedido, às vezes, a mesma mercadoria que ele estava vendendo a 12, ele entregava, para a nós a seis. Porque o pedido tinha sido tirado na, com o preço de seis. Então, este, esta indústria alavancou o comércio no Brasil de tal forma que cresceram todos esses grandes, essas grandes lojas, esses grandes depósitos, tudo com o apoio que o Matarazzo dava para a esses comerciantes que estavam começando, que são, hoje, a potência de São Paulo.
P - Seu Krikor, do que é que era a barraca de feira do seu pai? Que produto ela vendia?
R - Nós trabalhávamos com, na época, chamava-se empório latarias. Mas na verdade era gêneros alimentícios. Então, entrava tudo que era de alimentação: arroz, feijão, azeite e aquela época era difícil, né, o Brasil não tinha produtos para a atender à demanda. E era normal faltar farinha de trigo, uma hora faltava açúcar, outra hora faltava azeite, e era muito câmbio negro, e as firmas, elas não entregavam, não tinha mercadoria para a entregar, não havia produção no Brasil para a atender à demanda da época. Então a minha juventude toda eu me acostumei com a falta de produtos para a vender. Então nessa época a recordação que eu tenho é que para a conseguir produto para a trabalhar, era muito difícil. Não existia farinha de trigo, não existia nada. Então muita gente ganhou muito dinheiro especulando em cima desses produtos.
P - Como é que eles eram embalados esses produtos, seu Krikor, eles eram ensacados?
R - É a embalagem, a embalagem era interessante. A embalagem, tinha farinha de trigo, que imitava o saco, aqueles sacos grandes de 60 quilos. Tinha outras embalagens de farinha de trigo que eram papel celofane. Estourava muito e a gente perdia muito. Tinha, os azeites. Eles eram uma embalagem, assim, mais ou menos iguais as de hoje, é. Mas as embalagens eram mais ricas, parece, mais onerosas. Hoje elas são mais, mais simples, descartáveis, e tal, mas aquelas embalagens eram duráveis, algumas.
P - Nesse período, onde o senhor morava? Como era a casa do senhor? Como era a convivência na sua família?
R - Nós é interessante, né? Nós trabalhávamos todos na feira. Era eu, minha mãe e meu pai. E tínhamos os ajudantes. Nós morávamos numa casa de dois andares, e tinha um porão. Então, nosso estoque era os dois andares de baixo, em cima a gente morava. E eram tempos difíceis. A gente acordava quatro horas da manhã, todo o dia, para a ir montar nossa barraca na feira, era dificílimo, embaixo de chuva, e às vezes, os empregados não apareciam, tinha que descarregar, montar tudo, até às sete, oito horas, quando começava chegar aquelas donas de casa que compravam bem, mas era uma época gostosa.
P - Em que feiras que...
R - Nós, meu pai, meu pai tinha matrícula na prefeitura, era número 381. E, as feiras, uma era no Largo do Arouche, outra, tinha outra na Praça Roosevelt, meu pai tinha as melhores localidades. Como ele era um dos mais antigos, ele tinha o privilégio de ter os melhores pontos. E nós tínhamos uma boa clientela. Então nós tínhamos: segunda-feira era Jardim Paulista, domingo era na Lapa. E naquela época não existia supermercado, não existia pontos de venda. Então, o público, ele esperava a feira se instalar para a invadir as feiras. Era uma multidão de pessoas querendo comprar, porque não existia distribuição de alimentos como existe hoje.
P - E o que é que o senhor fazia exatamente quando o senhor começou bem pequeno. Qual era a sua função exata na...
R - Eu arrumava as mercadorias para expor, fazia aquelas pilhas de quatro metros de altura de sabão, ficava montando, devagarinho, tinha uma hora para a terminar aquilo, depois fazia pilhas de óleo, era interessante o volume que se vendia. Nós tínhamos feira que vendia mais de dez caixas de óleo. Vinte caixas de sabão. Era, a população era ávida por comprar, porque é impressionante. Hoje não tem mais, não existe mais esse volume hoje. A coisa está tão distribuída que... tem um fato interessante que aconteceu comigo. Eu era garoto, devia ter uns 15 anos, e começou a surgir na feira as pessoas procurando óleo Mazzola. Então, eu, como gostava de ser bem informado, eu descobri que quem fabricava aquele óleo era Refinações de Milho Brasil, acho. Então eu fui no escritório deles. E fui conversar com eles, e eles ficaram surpresos comigo perguntando daquele óleo porque aquele óleo não tinha sido lançado. E como é que eu estava já perguntando daquele óleo. Aí eu falei: "Não sei, eu trabalho na feira e toda a mulher chega e pede para a mim, óleo Mazzola. Eu não conheço esse óleo, eu queria comprar aí, dos senhores aí, uma caixa, duas caixas, só para a mim atender minha freguesia e tal." Aí eles falaram: "Olha, para a você nós não podemos vender, porque você é feirante ,você não tem inscrição, essas coisa, não tem crédito, mas nós vamos te indicar uma pessoa que vai receber esse óleo semana que vem. Você vai lá e ele vai te arrumar uma caixinha para a você." E aí eu descobri que essa empresa, ela usou os médicos para a divulgar o produto. A propaganda que eles fizeram na época foi em cima dos médicos. Os médicos receitavam óleo Mazzola para os clientes, e os clientes vinham procurar na feira Foi o produto que eu me lembro, que teve a maior venda que podia se imaginar. Não existia esse produto. Era procurar ouro. Porque eles massificaram em cima dos médicos essa propaganda de tal maneira que o produto não dava conta. Todo o mundo queria óleo Mazzola.
P - E era receitado para o que, exatamente?
R - Foi problema de colesterol, que era óleo de milho, que evitava problema de colesterol, problema de coração, e a técnica que eles usaram foi tão perfeita que esse óleo, até hoje, que eu sei, ele é campeão. Ele num, num ... Quem tem, vende.
P - Como era o pagamento, nessa época seu Krikor, as pessoas na feira tinham crédito, elas pagavam só em dinheiro, tinham caderneta na banca, como é que era?
R - Não, era difícil. As feira que eu fazia era tudo feiras de primeira, pessoas de bairros muito abastados. Eu... ninguém, ninguém regateava assim preço, nós tínhamos uma banca muito boa e nós tínhamos uma clientela muito especial, que eram mulheres ricas. Então, elas vinham, faziam o pedido, a gente já separava na hora, já tinha pessoas para a entregar na casa dela, e elas num, algumas até fechavam os olhos na hora de conferir a compra, mais tarde eu vim descobrir que aquilo elas faziam era mais para a ajudar a gente a vencer do que compra que ela estivesse fazendo. Era muito garoto, ajudava meu pai, minha mãe, então era uma maneira talvez de ela ajudar a gente. Eu tinha muita freguesa assim. Mandava, entregava mercadoria na Avenida Brasil, eu me lembro bem a Avenida Brasil com aqueles jardins todos, eu entregava nas residências os pedidos que eles faziam, e eu ficava surpreso que a mulher não conferia nada. Eu achava que ela era boba, sabe lá eu, né, mas no fundo, no fundo, por incrível que pareça, mais tarde, com 40 anos, percebo que o que ela queria, no fundo, era ajudar a gente, para a gente ganhar dinheiro.
P - Seu Krikor, o senhor ia à escola também?
R - Fazia escola à noite.
P - À Noite?
R - À noite. Eu fiz, eu fiz o primário, primário era dois turnos, era de manhã e à tarde, José Bonifácio, que era da colônia armênia, e o ginásio eu fiz no Alfredo Pucca, à noite. E o colegial também fiz à noite, no Pucca. Depois eu fiz contabilidade, na Rua São Caetano, no Marechal Deodoro. Sempre estudei à noite. Nunca pude estudar de dia. E me formei em Direito, também, em Guarulhos, estudando à noite, também. Acho que foi uma grande coisa a escola, à noite.
P - Senhor Krikor, me diz uma coisa. Com relação à essa fase de criança, o senhor, como é que eram as brincadeiras, o senhor tinha tempo para a ir para a escola, o senhor ficava na feira a maior parte do tempo, mas, o senhor brincava? Como é que era o relacionamento?
P - Era difícil era muito difícil. Porque, no primário, a escola que eu fiz, era dois turnos. Era de manhã e de tarde. Era uma escola muito boa, mas muito boa mesmo. Não sei se tem escolas hoje de primeiro grau que tem a riqueza que aquela escola tinha. E eu não conseguia pegar o primeiro, a parte da manhã. Porque eu tinha que ir na feira. Então nós terminávamos a feira e o caminhão me deixava na porta da escola e eu pegava só a parte da tarde, na escola. E ia sem almoçar, mas eu tinha sempre o carinho das professoras. Elas me, elas levavam em conta a minha dificuldade, então isso me ajudou muito. Mas não tinha esse negócio de brincar. O que eu podia fazer era, mas um pouco mais tarde, era ir no cinema à tarde, pegar aqueles filmes na cidade, no Cine Dom Pedro, na, onde é o Vale do Anhangabaú, e, muito, muito, comer um sanduíche de "salchicha" que era o McDonald da época, no Três Porquinhos (risos). Então, a gente tinha um dinheirinho para a comer, aquele sanduíche de "salchicha", e lá pelas sete horas, seis horas, eu estava em casa de novo, pronto para a se preparar para o dia seguinte. Mas, foi o meu momento, foi minha era, minha época de maior riqueza, nessa época. Por isso que eu acho que é importante qualquer criança começar a trabalhar cedo. Quem começa a trabalhar cedo, não tem como errar.
P - Senhor Krikor, e depois, o senhor continuou a trabalhar até que idade na feira com o seu pai?
R - Na feira foi um negócio, na feira eu trabalhei mais ou menos até os 20, 22, 23 anos. E nessa época começou a surgir os meus problemas, porque meus amigos, todos, também descendentes de armênios, todos eles eram industriais. Mas o único que tinha dinheiro no bolso era eu. E era feirante. Então determinados programas, eu não conseguiria, não conseguia acompanhar que eram programas que tinha que ficar até mais tarde, baile, essas coisa, e eu, eu abria mão do, de ir, né? Então, mas, qualquer lugar que a gente ia, cinema, ou um lugar que tivesse alguma coisa, quem segurava tudo, toda a despesa era eu que eu tinha dinheiro, que ninguém tinha dinheiro. O pai deles era industrial, todo o mundo tinha fábrica de sapato, que os armênios todos tinham fábrica de sapatos, mas eles tinham aquela mesadinha do pai, e a mesadinha não dava para a nada. E eu não, eu tinha muito dinheiro no bolso, porque eu já movimentava um volume de dinheiro muito bom. E isso meu pai sempre falava. Ele falou: "Olhe, você tem dinheiro no bolso. No nosso ramo, todo o dia tem dinheiro no bolso, os outros, o dinheiro deles, eles tem que esperar 30 dias alguém pagar. Tem que descontar duplicata no banco. O nosso não É dinheiro todo o dia no bolso." Isso aí foi abrindo os olhos. Fui aprendendo, tudo. Então, eu comecei muito cedo a sentir que a força do dinheiro movimenta tudo.
P - Mas até que idade o senhor trabalhou na feira com seu pai?
R - Até os 20, 22, 23 anos, porque eu tinha feito também uma promessa, né, que era de sair da feira. Porque a feira era muito sacrificante, era muito dolorido o negócio, e por mais que você trabalhava, você não era bem visto assim comerciante, não era bem visto como empresário. As próprias indústrias já te marginalizavam, elas não te vendiam mercadoria. O único, com exceção do Matarazzo, o resto era tudo complicado. Nenhuma firma te abria uma linha de crédito, porque, na verdade, nós não tínhamos nem inscrição estadual nós éramos na época isentos de imposto. Pagávamos uma taxa estimativa, uma coisinha mínima lá, então isso aí dificultava. E eu não via a hora de sair disso aí porque não adiantava você estar movimentando muito dinheiro, você tem o estoque, você tem tudo, mas ninguém te respeita, e você é marginalizado. Era um comércio marginal. Então eu comecei a planejar que eu tinha que tomar uma atitude para a mudar de ambiente. Então na época começou a surgir a figura de supermercado. Nos Estados Unidos já estava começando a aparecer grandes supermercados, e no Brasil, a família Simonsen, que era muito poderosa, ela tinha aberto um supermercado na Gabriel Monteiro da Silva, o Sirva-Se. E o Peg-Pag, que era um grupo de pessoas, tinha aberto o supermercado Peg-Pag na Rego Freitas. Aí eu descobri, na Praça Roosevelt, uma loja muito grande, boa, e fui conversar com a dona, ela tinha um procurador, e o homem ficou impressionado comigo, eu era muito novo, querendo abrir logo um supermercado, que estoque eu tinha, faltava só o ponto, e se estruturar. E aí ele, eu falei para a ele: "Olhe, o senhor consulta a dona do imóvel, que eu quero, que eu eu não tenho fiador, eu não tenho nada, eu." Eu não tinha fiador naquele tempo." Vê se ela quer alugar, eu quero abrir um supermercado." Aí ele marcou uma reunião minha com essa senhora, aí eu fui lá, na Avenida Higienópolis, conversar com ela, e ela falou para a mim: "Olha, a loja é tua, você pode preparar tudo que você vai ser o inquilino nosso. E aí eu abri o supermercado, o terceiro supermercado do Brasil. Chamava-se Kiko.
P - Aonde ficava exatamente?
R - Na Praça Roosevelt 158. Não tinha aquela praça ainda como é hoje. Era uma praça, ela estava, tinha asfalto, tinha feira lá em frente, por isso que eu descobri esse lugar. Porque eu fazia feira lá. E quando abri o supermercado, eu avisei todos os feirantes amigos meus. Falei: "Olha, abre supermercado, que vocês vão ver como é bom, não tem frio, não tem chuva, não tem sol, e o negócio é todo arrumado, todo o mundo te respeita, as firmas te paparicam", e é assim, as indústrias vinham lá e tudo, queriam por bandeirola, queriam enfeitar, queriam. Todo o mundo estava iniciando naquela fase. Fabricante de máquina registradora, NTR, que o representante hoje é o presidente do Sindicato dos Comerciários, então ele me ajudou muito, na época, porque, eles também estavam importando máquinas registradoras, e eles me passaram todo o know-how de iluminação de exposição dos, das gôndolas, aquela coisa toda, e assim eu consegui abrir, fazer esse supermercado funcionar, e fiquei famoso nessa época. Eu era muito paparicado pelas indústrias, todo o mundo queria colocar o produto lá, eu não tinha noção ainda, porque eu era muito novo, do que valia o espaço, o espaço de uma mercadoria colocada numa prateleira . Hoje a gente sabe a briga que é colocar uma mercadoria numa prateleira de supermercado, o retorno que ela dá em dinheiro, né, eu não conhecia bem isso. Fui aprendendo, fui ganhando dinheiro, fui fazendo os meus serviços, e aí me surgiu a compra da Água São Lourenço. E um amigo nosso que eu tinha, que me conhecia, me ofereceu a Água São Lourenço. Me entusiasmei pela idéia e acabei comprando a concessão para São Paulo e Paraná. E a água era um negócio que, à primeira vista, era tudo lucro. Na época não tinha plástico, não tinha embalagem de plástico, era só de vidro, aí então eu comprei essa concessão, mas as coisas não andaram muito bem, comecei a perder dinheiro, e aí um amigo do meu pai, um senhor de idade muito inteligente, ele foi nos visitar e falou para a mim: "Você fez um mau negócio." Eu falei: "Mas, por que, e tudo... a água é barata, é tudo quase lucro." Ele falou: "Mas, eu vou te dar um exemplo." Ele pegou duas garrafas, jogou no alto, a garrafa caiu se espatifou no chão, a água se esvaiu, ele falou para a mim: "Tá vendo, não sobrou nada. Todo o negócio que você tem quando quebra, cai, não sobra nada, não é bom negócio. E dito e feito. Perdi muito dinheiro, fui obrigado a vender o supermercado para o Pão de Açúcar, que foi a primeira loja que eles compraram, saiu da Brigadeiro para a comprar minha loja, vendi para a eles, eles cresceram e ficaram essa potência, e eu, depois mais tarde, vendi a água São Lourenço também. Porque só dava prejuízo.
P - Nessa época de supermercados, como é que eram expostas as mercadorias? É como a gente vê hoje, eram em gôndolas também?
R - Era a mesma coisa. Toda essa, essas informações vieram dos Estados Unidos. E quem foi precursor foi a NTR - Caixas Registradoras Nacional na época, então, eles nos traziam materiais, folhetos americanos, e iam mostrando para a gente como deveria ser a iluminação do produto, como é que deveriam expor o produto, qual é o produto que tem que ficar perto de outro produto, foi tudo coisa que nós começamos a aprender, nós não tínhamos noção nenhuma disso, então, a ajuda dessa firma, acho que foi de muita importância nessa ramo aí. Hoje o Brasil já tem know-how suficiente para a até exportar essas técnicas. Mas na época foi muito difícil, havia problemas com fiscalização. As paredes, eu me lembro, que para a mim abrir o supermercado, no dia que eu ia abrir o supermercado, veio a prefeitura e não deixou abrir porque as paredes todas tinham que ser ladrilhadas. Era uma fortuna na época. Então eu descobri um funcionário lá no serviço da prefeitura, e ele disse para a mim: "Olha, surgiu uma tinta nova aí que é a mesma coisa que ladrilhar, chama-se látex. Você vai passar o látex, (risos) que nós vamos quebrar o galho para a você aqui. E assim eu fiz, (risos) e consegui abrir o supermercado. (risadas) Sempre tem um jeitinho, né? ( risos)
P - Senhor Krikor, como que os clientes reagiram à mudança, à inovação do supermercado comparando, por exemplo, com o cliente da feira?
R - Ah, o supermercado era um paraíso, né, era a mercadoria na mão das mulheres, o custo, as mulheres se sentiam donas da situação. Era um negócio. Mas supermercado tem uma coisa ruim. Você pode ter três mil produtos, vem uma mulher e pede um que não tem. Aí não vale nada você ter os três mil produtos. Não podia faltar mercadoria. A mulher, hoje não. Hoje não. Ela compra o que tem. Mas naquela época não: "Eu quero uma farinha de trigo marca tal." Pronto. Não tem, não compra. Então, você perdia a freguesa. Então toca você correndo lá nos atacadistas, arruma aquela farinha, porque aquela mulher é chata, ela quer aquela mercadoria, e você vai buscar. Hoje não, eles compram o que tem. Tanto é que o governo hoje, os próprios supermercados hoje estão fazendo uma campanha, de não comprar aqueles produtos que estão querendo aumentar, porque tem outros similar que é mais barato, mesmo preço, e estão vendendo o similar. Mas naquela época havia uma fidelidade da dona de casa com o produto que era um negócio fantástico. Então, era freguês só daquilo, daquela marca, e não tinha como abrir, num mudava. E o que eu vejo hoje, eu fico impressionado, porque, naquela época, nós tínhamos uma tabela simples, que era CLD - Custo, Lucro, Despesa. Você comprava uma mercadoria, aplicava o CLD em cima dela, você tinha quanto ela vai custar, você botava na prateleira e vendia. Hoje, como tem inflação, esse negócio morreu. Não tem como você fazer o valor do preço. Felizmente, tá o Plano Real aí, mas, o que é que nós estamos vendo? O comércio desorientado, os industriais também desorientados, por quê? Porque eles não perceberam ainda que alguma coisa está acontecendo, na área de controle, de inflação. Há 15 anos que o Brasil vem escorregando nesse setor delicado, que é aferir os índices de inflação. Nenhuma autoridade percebeu ainda que tem uns meninos brincando, ali, com os índices de inflação, inviabilizando qualquer plano que o Brasil apresente. O Brasil já apresentou dez planos, esses planos todos vão parar no lixo. Por quê? Porque tem um diabinho trabalhando nos índices de inflação. Então, enquanto o governo não prestar atenção nisso, não adianta fazer projeto, nem plano, porque não vai dar certo. No meu tempo de feira era, existia os produtos básicos. Que não podiam ser alterados, sob pena de influir na inflação, que eram: gasolina, luz, telefone pouca gente tinha, rapadura fazia parte, rapadura, que no nordeste todo o mundo come rapadura no lugar do açúcar, sal, feijão, arroz, querosene - por causa da lamparina muita gente não tinha, não tinha luz - então, esses produtos eram os fatores de que mostravam a inflação. Então o Brasil ficou, puxa, 20 anos trabalhando em cima daqueles produtos sem inflação. Quando aumentaram uma vez o bonde de 20 para a 50 centavos, o povo saiu na rua e derrubou tudo quanto é bonde que estava na rua. Ninguém aceitava o aumento. Hoje é um absurdo. A mercadoria sobe o governo faz um Plano Real e o aluguel está influindo no custo de vida, como se o aluguel, que é que tem que ver, quem tem casa, quem não tem casa, quem mora na favela, no nordeste, na beira do rio. Vai aumentar a inflação deles por causa disso? E nós estamos nesse desencontro. Então é difícil trabalhar nesse clima, então fica acusando: a indústria ganha mais, o comércio ganha mais, e fica todo o mundo ai um se acusando contra o outro.
P - Me diz uma coisa, seu Krikor, no supermercado, o senhor falou que tinha uma fidelidade muito grande do cliente com relação ao produto. Mas tinha uma variedade muito grande como a gente vê hoje?
R - Não, não existia. Não existia. Fermento era só Royal. Não existia. Você era obrigado a comprar dele. E se você não fosse falar com ele dando risada ele falava, não vendo mais para a você, pronto, e você ficava sem comprar.
P - E as embalagens, como é que eram?
R - As embalagens, eram embalagens boas, né, bonitas, mais deterioráveis, né, hoje elas têm mais consistência, tudo. Mas é interessante. Tem produtos que sumiram, né, tinha um tal de Mandiopã, vocês não devem estar lembrado, vendia barbaridade. Aquilo levava, aquilo a gente expunha dez caixa, meia hora depois não tinha mais. Era um negócio tipo batata frita. Nem sei do que era feito aquilo ali. Mandiopã. Então, tem uns produtos que sumiu, mas não tinha, na verdade, não tinha produto. O Brasil era carente de tudo. O Brasil não tinha nada. Era escasso. Eu me lembro que eu levava para as donas de casa, de tarde, eu levava para a elas, farinha de trigo, aí, eu chegava lá, estava as irmãs dela, ela chamava as irmãs dela toda, era um negócio, eu chegava lá com sacola, com dez quilos de farinha de trigo na casa delas, para a vender para a elas que elas tinham pedido que precisava de farinha de trigo, não tinha farinha de trigo eu levava lá. E lá ela tinha reunido todas as irmãs dela para a fazer aquele charme que arrumou farinha de trigo para a cada uma, dois quilos para a cada uma, elas ficavam contente, me davam, faziam chá, um chocolate para a mim de presente, e davam uma gratificaçãozinha. Fiz muito isso. Vendi muito mercadoria que não existia. Porque, eu ficava na Santa Rosa, eu morava ali perto da Vinte e Cinco, Paula Souza, eu ficava vendo quem é que está descarregando a mercadoria que não existe. Então, eu via lá F. Monteiro, entrou farinha de trigo. Eu chegava lá: "Eu quero uma caixa da farinha de trigo." Não podia falar não, porque já sabia, eu brigava, arrumava encrenca, tudo. Então eu arrumava. Tudo que era, tudo o que era mercadoria que estava, não existia na praça, eu arrumava. Isso era normal. Todo o dia, o ano todo faltava mercadoria. Um dia, se não faltava açúcar, faltava óleo, faltava arroz, faltava feijão, então toda a época tinha esse negócio de faltar mercadoria.
P - Com relação a essa coisa da mercadoria, me diz uma coisa senhor Krikor, ela, a mercadoria, como o senhor falou, tinha acesso, como é que era feita a distribuição? O senhor mesmo pegava e levava, ou a distribuição era feita de uma outra forma?
R - Não, eles entregavam em casa, meu pai coitado tinha um medo de duplicata. Então, eu comprava, que eu era garoto, os vendedor gostavam muito de mim, porque sabiam que eu trabalhava ajudando meu pai e minha mãe, então eles tiravam o pedido para a mim de mercadoria que não tinha, é proibida a venda, não tem. Então de repente, chegava lá na nossa casa, um caminhão, entregando 60 caixas de farinha de trigo. Mercadoria de ouro. Ninguém tem. Eu aceitava aquilo, mas, meu pai via. Meu pai tinha medo do tamanho do valor da fatura que chegava, na hora nós não íamos poder pagar .Porque no comércio é isso, você vai pagando, vai pagando, não sobra nada. E até hoje acho que é assim, você vai pagando, pagando, chega no fim do mês, cadê? Não sobrou. Então fica para o mês que vem. E vai continuar nessa briga toda a vida toda. Então, a gente armazenava lá na nossa casa, e, a tarde, lá pelas cinco horas, a gente já montava todas as mercadorias para a feira seguinte. Então a gente sabia que naquela feira vende um pouco mais daquela, um pouco menos, ali precisa mais disso, precisa mais daquilo, dia de chuva, menos mercadoria, porque vai chover, vai estragar, então a gente já fazia. Chegava, já dava tudo certinho, tudo distribuído, e se faltasse, havia uma solidariedade entre os feirantes, um emprestava para o outro: "Me empresta uma caixa de massa de tomate que eu te dou semana que vem que o meu vai acabar apareceu um cara comprou muito." Então era fácil, essa parte de distribuição de mercadoria.
P - Senhor Krikor, como é que o senhor chegou na Ducal?
P - Então, a Ducal eu acompanhei a Ducal, porque a Ducal foi a precursora de toda a transformação que o comércio sofreu no Brasil. Não existe nenhuma firma no Brasil que tenha contribuído para o desenvolvimento do comércio no Brasil como a Ducal. A Ducal foi pioneira em tudo. A Ducal, eu me lembro bem, que era chamado o estranho grupo Ducal, porque era um grupo autenticamente nacionalista. Era um pernambucano arrojado e que gostava, era um vendedor , ele montou a Ducal e conseguiu construir essa rede fabulosa aí, que revolucionou todos os setores do comércio do Brasil. Toda a indústria, toda a indústria de vestuário do Brasil deve à Ducal. Lay-out, embalagem, publicidade, propaganda, tudo tudo foi a Ducal que desenvolveu e auxiliou os fabricantes a se atualizarem para a acompanhar, porque a Ducal massificou o comércio. O comércio antes da Ducal, eram lojas estáticas, lojas para a dentro, lojas onde a pessoa tinha que entrar, eram personalizadas, eram tipo aquele negócio inglês, as mercadorias tudo escondidas nas gavetas, um senhor sóbrio para a te receber, te atender, então, o brasileiro não podia entrar num negócio desses, o brasileiro é humilde, simplório, então o nível de venda era muito pouco. Então, esse pessoal da Ducal, comandado por esse, o fundador foi o José Luiz Moreira de Souza, um homem especialíssimo.
P - Em que ano?
R - Em 58, por aí. Então, ele criou uma filosofia revolucionária. A loja é do povo. O povo tem que ter acesso a ela. Então ele contratou na época o maior arquiteto do Brasil, Sérgio Bernardes, e mandou Sérgio Bernardes ir para os Estados Unidos, para a Inglaterra, mais algum pessoal da Ducal, para a ver quais as técnicas de vendas que existia na Europa, nos Estados Unidos, na França, foram na Galeria Lafayette, assessorados pelo Itamaraty, eles tiveram as portas abertas em toda a grande rede de organização nos Estados Unidos e na Europa. E lá eles foram convencidos de que a mercadoria tem que ser exposta. Porque se não expor a mercadoria, não vende. Aí eu... me contaram que um dos interlocutores falou: "Escuta, mas se expor a mercadoria vão roubar. Vão passar a mão e levar embora." "Não faz mal. Está na conta. É melhor você expor e vender do que você não expor, e não vender." Então a Ducal veio para a cá, o Sérgio Bernardes fez a Rua Direita, importou vidro da Inglaterra, triplex, na época, e fizeram as lojas com a fachada tudo para a rua. Você vê tudo essas lojas que você vê na cidade, assim, é da Ducal que trouxe. Então, as lojas abriram as portas e colocaram seus produtos tudo na vitrina, na calçada, assim na frente da loja assim. E isso aí tomou conta do comércio de São Paulo. Logo depois veio esse processo todo da melhoria da nossa economia, a oitava economia do mundo, explodiu, explodiu, foi um negócio fantástico. A Ducal, ela abriu a linha de crediário sem nenhuma exigência. Isso é impressionante. O comércio no Brasil é fora de série. O brasileiro vem comprar, sem carteira de trabalho assinada, sem dinheiro no bolso, sem emprego, sem conta no banco, que ele não tem talão de cheque, sem dinheiro, ele chega na loja e fala: "Quero comprar." E compra. E nós vendemos e ele paga. E ele paga. Quer dizer ele, por si, é uma pessoa de honestidade. Então, graças a isso, o comércio cresceu, o Brasil se tornou a oitava economia, apareceu de uma hora para a outra, em cinco anos, o Brasil se tornou uma potência, industrial , fantástica, por causa disso. O comércio foi a mola que alavancou tudo isso. Foi a Ducal que participou disso daí.
P - Que tipo de roupa a Ducal vendia, seu Krikor.
R - A Ducal, ela surgiu com o nome: duas calças, né, um terno com duas calças, né, du-cal. Bem, bem brasileiro, né? Ducal. Então, aquilo foi um estouro, né: "Ô, duas calças", quer dizer, comprar a um terno e vem duas calças, todo o mundo gasta o paletó, gasta as calças e não gasta o paletó. (risos) Então foi um gancho publicitário fantástico. Filas e filas na porta. Foi um negócio muito louco, vendeu barbaridade, não tinha produção. A Ducal foi obrigada a fazer uma fábrica, uma confecção, no Rio de Janeiro, foi a Esparta, que fabricava 20 mil, 24 mil ternos por mês, para a atender a demanda das loja, e não dava conta. Fomos abrir uma outra no nordeste, naquela época, porque o volume de venda era muito grande. E depois ela criou, ela descobriu, aí um publicitário muito bom, que era o Sep... e associou com ele e criou a Denison Propaganda, que também começou a veicular aqueles anúncios, na televisão, no rádio coisa que não existia antes. Ninguém fazia anúncio na televisão, não existia essa força. Os anunciantes na televisão eram raríssimos. Então a Ducal fez a Oferta do Dia, a Oferta Ducal, a Oferta da Semana e mobilizou aí todas essas indústrias para a produzir para a poder... porque o apelo publicitário era tão forte que o povo vinha nas loja. Não precisava ter dinheiro, era só chegar e dizer: "Quero comprar"
P - Que ano o senhor comprou a Ducal?
R - Em 83. A Ducal tinha um acervo de cliente negativo de 400 mil quando eu assumi. Quatrocentas mil pessoas compraram na Ducal e não conseguiram pagar. Mas para a Ducal era o giro, o giro era tão grande, que conseguia, entende?
P - E como o senhor cobrava essas pessoas?
R - Na verdade não se cobra, com essa mudança de economia, muda, zero tira zero, aquele, aquela, isso tudo foi para o fogo, né, morreu tudo porque não tem como, né? Em cima do acervo da Ducal, dos negativos, nasceu a SPC. A Associação Comercial criou o SPC - Serviço de Proteção ao Crédito, porque com um acervo de 400 mil negativo, (risos) você tinha lá todas as pessoas que não conseguiram pagar Foi muito, valeu para a isso, só. E hoje já existe um certo rigor assim na elaboração de crediário, né? Mas ainda o brasileiro ele, ele chega na loja, quer comprar sem dinheiro. Por isso que o ministro tem que ir na televisão e: "Escuta, vamos parar um pouco, deixa para a depois."
P - Seu Krikor, antes da Ducal o senhor teve um período que o senhor produziu um disco, teve uma relação próxima com o João Gilberto, o senhor poderia contar isso?
R - É eu tive a felicidade de ter como amigo o João Gilberto, que na minha opinião e a maior expressão da cultura brasileira. Ninguém no mundo, nenhum brasileiro no mundo, conseguiu elevar a cultura brasileira como o João Gilberto, e isso eu vi porque viajei por todas as partes e notei que a música brasileira deve muito a ele, esse, esse... essa força que ela tem no mundo todo. E eu tenho a felicidade de tê-lo como meu amigo. E num determinado momento, eu, me surgiu uma proposta, para a mim produzir um disco, com a participação dele, e mais Gil, Caetano e Maria Bethânia. Eu aceitei, porque era um projeto cultural, que era mais para a, dentro desse disco, arranjo de Johnny Mandel, que é o mais premiado arranjador, com Oscar nos Estados Unidos, para a gente tentar mudar o cenário da música popular brasileira, que estava, muito confuso muito, muito quebra-cabeça. Então, eu trabalhei nesse projeto cinco anos. Fui contratado da Warner, fiquei morando no Rio de Janeiro e tentamos fazer esse disco. O prazo nosso era dois anos, mas ele levou quase cinco anos. E tive duas úlceras por causa disso, (risos) todo o mundo conhece bem como é trabalhar com esse pessoal todo.
P - Além do João Gilberto?
R - Gil, Caetano e Maria Bethânia. O disco hoje é um disco consagrado. Foi nominado para o prêmio Grammy, ele é muito bem vendido na Europa, nos Estados Unidos. Ele é classificado como disco de primeira linha, ele não é comercial, aqui no Brasil também ele é bem vendido, eu tenho, no preço de capa, como produtor, eu tenho 2%, mas eu confesso que eu nunca recebi também. (risos) Foi um prazer ter feito esse trabalho.
P - Senhor Krikor, que ano que o senhor casou?
R - Eu casei mil novecentos e... fazem 14 anos, né?
P - Como é o nome da sua esposa?
R - Clarice Mendes Cortez. Descendente de espanhola. (risos) Ela também é empresária, no ramo de materiais ferroviários, só que é na área da indústria. Agora, eu não sei, eu acredito que nessa área comercial aí, muita coisa vai mudar agora com o novo governo. Porque o comércio, com o decorrer do tempo, ele vai mudando o seu aspecto. No início, era... as ruas principais de comércio era a Rua São Caetano, Rua Lavapés, tem aquela rua lá no Cambuci, Independência, Silva Bueno, tinha lá, no Ipiranga. E de repente essas ruas foram sumindo, comercialmente. Foram surgindo outras. A mudança do tráfego dos ônibus, de repente, no decorrer do tempo, aquela rua comercial que era importantíssima, ela acaba se diluindo e muda. Eu acho que, agora, a Rua Augusta era uma rua famosíssima, o comércio lá era violento, o ponto comercial lá era absurdo, mas depois que surgiu o Shopping Center Iguatemi, acabou a Rua Augusta. Rua Augusta hoje, o ponto lá é de graça. Não precisa pagar ponto, nada, e o comércio lá não desenvolve mais. Então eu acho que com esse projeto do Plano Real aí, o comércio vai mudar muito, está sofrendo muito, ele vai encontrar os seus novos caminhos e o surgimento desses shoppings, outlets, essas coisa toda, eu não sei como é que vai ficar... se nós vamos, talvez, chegarmos bem mais próximo do comércio dos Estados Unidos, porque aquela mundo de pessoas comprando nas lojas não existe mais, e não vai ter mais. A tendência é cada vez mais você brigar pelo seu freguês. É oferecer produto, com preço e é o que vai atrair, porque a deslocação do pessoal em São Paulo também é difícil, você, para a atravessar a cidade para a fazer uma compra num local, você não consegue. Então eu acredito que nessa, até nesses dez anos aí, seis anos que falta aí para o milênio aí, o comércio vai mudar muito. Vai se transformar demais.
P - Senhor Krikor, nós estamos nos aproximando do final, a gente queria fazer mais duas perguntas, e a primeira é: qual é o seu maior sonho ainda a realizar?
R - Meu sonho é ver o país estável . Meu sonho é chegar no banco e fazer um empréstimo para a fazer investimento, com juros, juros honestos, né? Hoje você trabalha com capital próprio, é muito difícil. O banco não é teu parceiro, é teu inimigo, teu agiota. Ele quer te, ele quer ficar com a parte do teu trabalho. Isso aí atrapalha, por isso que o Brasil está sofrendo muito. O dia que nós tivermos um parceiro, o banco, como parceiro, o juro for baixo, como é nos Estados Unidos, na Europa, coisa de 4% ao ano, não vai ter mais desemprego no Brasil não vai ter mais gente miserável. A miserabilidade do povo brasileiro é de 20 anos para a cá. De 20 anos para a cá, eu nunca vi o brasileiro miserável. Eu não conheço brasileiro miserável, eu estou vendo brasileiro miserável agora, eu não conheço, nunca vi essa figura de brasileiro assim. O brasileiro, ele comia e vivia, ele tinha sua roupinha, tinha integridade, tinha tudo, ele não estava morando debaixo da ponte, não estava passando necessidade, não estava brigando. Então isso tudo é decorrência da má administração da coisa pública, porque esse sonho de ter um país direito, eu acho que talvez, quem sabe, né, talvez a última chance, o último governo, esse governo que tá aí, se... se ele tiver a inteligência de internacionalizar a área bancária, como fez o México a Argentina e o Chile antes, eu acho que o Brasil resolve todos seus problemas. E uma coisa que eu queria aproveitar para a dizer também é o seguinte: nós nunca tivemos esse pessoal viajando de um lugar para a outro para a arrumar lugar para a dormir. E eles ainda não se deram conta que isso é decorrência da lei trabalhista. Quando eles implantaram a lei trabalhista para o campo, todos aqueles proprietários de terra que deixavam as famílias morar na sua propriedade, davam um cantinho para a pessoa plantar arroz, plantar, suas horta, por causa da lei trabalhista eles foram obrigados a pôr esse pessoal para a fora, esse pessoal foi para as estradas, invadiu as cidades, criou essa marginalidade toda, eles não entendem que tem que resolver esse problema, então vem tudo para a cidade grande e vira aí esse terremoto que é isso aí e que você tem medo até de sair de casa. Eu toda, eu quase toda semana eu tenho problema policial. Toda a semana. É assalto na loja, é roubo disso, é roubo daquilo, toda a semana tenho um coquetel de novidades. Isso aí faz parte já do nosso dia-a-dia. Outro dia invadiram a loja de um amigo levaram com caminhão e tudo, levaram até o cofre, com guindaste. Não dá para a entender.
P - Senhor Krikor, para a terminar, que é que o senhor achou de ter dado esse depoimento e ter contado a suas história de vida para o Museu da Pessoa?
R - Eu achei que é um projeto interessante, é um projeto que faltava. Está de parabéns os patrocinadores desse projeto, é papel da Federação do Comércio, o papel principal da Federação do Comércio, levantar esses depoimentos para formar um material, para o futuro, para todos terem conhecimento de como foi difícil esse trabalho, porque só conhecendo o que houve no passado é que nós vamos poder dar valor e corrigir o futuro. Eu acho que está de parabéns todo esse pessoal que participou desse projeto e espero que ele seja ampliado, muito, muito, mas muito mais, para que todas as pessoas tenham a oportunidade de saber como foi construído esse país.
P - Obrigado seu Krikor.
P - Obrigada.
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