P/1 – Patrícia, obrigado pela participação.
R – Eu que agradeço.
P/1 – Pra gente ir aquecendo e você se acostumar com a ideia da entrevista, vou começar com a pergunta mais fácil: seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Patrícia Pacheco da Cruz. Eu moro em Santo André, na Rua das Figueiras, apartamento 21-B, Campestre. E a outra?
P/1 – Quando você nasceu e onde.
R – Vinte e três de novembro de 74, eu nasci em São Paulo.
P/1 – Patrícia, e o nome dos seus pais?
R – Maria Iraci Pacheco e Luís Carlos Pacheco.
P/1 – Eles são vivos?
R – São.
P/1 – Me fala um pouquinho deles, como eles se conheceram, o que eles fazem?
R – Ah, eles foram primeiro namorado um do outro (risos). Eles são pessoas muito, extremamente simples, só que de uma evolução espiritual muito grande e isso me ajudou muito no meu crescimento. O meu pai é mais quieto, mas a minha mãe é mais de dar exemplos, de coisa de vó, sabe? De exemplos vividos, assim. Então ela me ensinou muito a partir disso, da experiência de vida dela, não aquela coisa que se aprende numa faculdade, que se aprende em livros, não. O negócio dela é mais experiência de vida. Então eu agradeço muito a ela muita coisa que eu sinto, que eu penso hoje.
P/1 – E o que eles fazem?
R – O meu pai tem uma empresa e minha mãe é dona de casa.
P/1 – Você tem irmãos, irmãs?
R – Tenho um irmão.
P/1 – Como ele se chama?
R – Rodrigo.
P/1 – Mais novo ou mais velho?
R – Mais novo.
P/1 – Fala um pouquinho da sua infância. Quais são suas primeiras lembranças, suas lembranças mais remotas que você tem da sua infância?
R – Minha infância foi também muito simples, não tinha luxo. Não faltava nada que uma criança precisa. Porque hoje, comparando assim com o que a gente dá pros nossos filhos, imagina, eu não tive nada do que meu filho tem hoje. Mas não faltou nada também. Hoje eu vejo que não faltou porque o que a gente dá hoje é o mais, é o que não é necessário. Então eu tive muito amor, eu tive muito carinho, eu andei muito de bicicleta, andei muito de carrinho de rolimã, que não existia nada. E minha mãe sempre presente e meu pai ali, sempre. Não tinha dinheiro pra viajar, não tinha dinheiro pra conhecer outros lugares, mas a gente sempre fazia festinha dentro de casa, arrumava piquenique fora de casa e dava um jeito de curtir, então eu tenho boas lembranças.
P/1 – E dentro desse costume de festinha, de piquenique, de bicicleta, brincar na rua, teve alguma passagem especialmente marcante, alguma ocasião que tenha ficado mais forte na lembrança?
R – Ah, eu acho que foi muito a convivência que eu tive com meu irmão. O meu irmão cresceu muito, embora ele seja quatro anos mais novo, mas essa convivência onde um ajuda o outro, sempre ajudar quem tinha menos e nunca julgar nenhuma criança, isso sempre foi muito claro na educação da minha mãe, como você via a outra pessoa. Então aquilo de não fazer com os outros aquilo que você não quer que faça com você, isso daí ela sempre pegou muito, muito pesado. Então eu penso muito nisso, na convivência do meu irmão e das brincadeiras mesmo, que era criança. Hoje eu não vejo muito as crianças sendo crianças e eu fui bem criança, isso eu lembro.
P/1 – E escola? Você lembra quando você entrou, qual foi sua primeira escola, como é que foi...
R – Ah, foi péssima (risos). Eu me sentia a criança mais horrorosa do mundo. Porque a minha mãe era super protetora. Então assim, ela não colocava um lacinho no cabelo porque podia dar dor de cabeça na gente. Então, eu era um menino, né, eu só usava roupa de malha que não pinicasse, que não machucasse, então quando eu entrei na escola eu fui totalmente excluída. Porque eu não era a menina da escola, não era. Aí começou a pegar isso, de eu não querer ir pra escola. Então foi um sufoco, eu chorei até a quinta série pra não ir pra escola. Meu irmão não teve nenhum desses problemas, mas eu tive. Eu não gostava, eu tinha vergonha, eu me achava muito, muito diferente de todo mundo.
P/1 – Teve algum episódio dentro desse contexto de inadequação que tenha sido mais relevante? Aquele bullying infantil ou algo que tenha sido...
R – (risos) Vocês vão dar risada, é uma bobeira, mas até hoje todo mundo brinca, acho que todo mundo sabe. Eu odeio verde água, eu odeio, odeio (risos). Porque eu nunca tive uma caixa de lápis de cor com 24 cores. É uma bobeira, mas. E a única caixa de lápis de cor que tinha o verde água era a partir de 24 cores. E eu tinha de seis só. Eu estudei no Sesi, tudo, só que tinha crianças lá que tinham a bendita da caixa de lápis de cor. Tanto que meu filho quando entrou na escola, a primeira coisa que eu comprei pra ele foi a maior caixa de lápis de cor que existia. E eu pedia muito essa cor para uma amiga que sentava atrás de mim. E essa amiga, ela simplesmente, amiga, ela não era minha amiga, ela começou a espalhar pra todo mundo que eu era muito chata, que não queria mais sentar perto de mim, que eu só pedia as coisas. Então ficou muito isso, eu não tinha algumas coisas e eu já me sentia o patinho feio da escola e foi isso.
P/1 – Mas devia ter coisa boa na escola também, né? O que tinha de bom, que te fazia feliz? Uma professora, uma amiga?
R – Olha, eu não tenho muita recordação boa de escola, eu gostava da hora de ir embora, eu vou ser sincera (risos). O sinal pra ir embora pra mim era uma alegria, eu não curti essa infância de escola.
P/1 – E quando é que a escola começou a ficar legal, se é que ficou em algum momento?
R – Não, ficou! Aí ficou, depois do sexto, sétimo ano, aí eu já comecei a caminhar, fazer as coisas mais do jeito que eu queria porque até então era tudo certinho, tudo regrado, não podia dar um passinho. Tinha que ser amizade certa, na hora certa, comer na hora certa, era tudo muito regrado, sempre, desde quando eu nasci. Uma coisa que me pega muito, muito regrado e eu carrego isso comigo até hoje.
P/1 – Mas aí a partir da sexta série, quando começou a ficar legal você já está um pouquinho mais velha. Me conta um pouco agora desse ambiente escolar já um pouquinho pra frente. Teve algum professor, por exemplo, especial na sua vida?
R – Teve o Professor Albano de Educação Física. Ele era muito legal e ele me dava força no sentido de: “Não se põe pra baixo”. Porque eu nunca fui esportista, de jeito nenhum, então eu via uma bola na minha frente e eu falava: “Meu Deus, o que eu faço? Eu não tenho ideia”. Pra chutar no gol eu não chuto, eu consigo errar, eu não tinha noção nenhuma de esporte. Aí ele começou a me colocar pra cima em outro sentido, de falar: “Poxa, isso não é, você sabe fazer outras coisas, tudo”. Foi aí que eu entrei pra fazer teatro no colégio, o colégio tinha a opção. Eu fiz magistério, tinha opção de fazer esporte ou teatro. Eu falei: “Ah, eu preciso do teatro pra me soltar um pouco, pra ver as coisas de outra forma, pra não sentir esse medo, tudo”. Aí deu certo. E foi esse Albano que me cutucou.
P/1 – Como é que era fazer teatro?
R – Ah, sempre foi maravilhoso, sempre foi. Por mim eu nunca teria parado. É que eu tive que parar porque tinha outras coisas pra fazer. Mas eu descobri um mundo assim que eu podia ser quem eu quisesse. E eu sempre fui quem eu tinha que ser, eu nunca fui quem eu quisesse. Então aí lá eu fazia o que eu queria, eu ria. Imagina que eu ia ficar nervosa em frente a uma câmera? Nunca. Eu via uma câmera eu queria ir lá pra frente. E me ajudou bastante.
P/1 – O que você teve de mais gratificante nessas aulas de teatro naquela época?
R – Ah, eu me soltar, eu falar o que eu pensava, eu conseguir olhar e falar não. Eu tinha uma dificuldade muito grande em falar não.
P/1 – E um grande momento? Um ensaio ou uma apresentação, você se lembra de algum em especial?
R – Eu me lembro de um momento que a diretora do teatro falou que eu não ia mais ser a atriz principal do teatro. Eu comecei a chorar e ela falou: “Você vai ser a diretora a partir de hoje”. Daí eu achei muito legal. Ela falou: “Você está super bem, você conhece todos os papéis”. Porque eu ensaiava todos os papéis, eu queria fazer parte de todos os personagens.
P/1 – Você tinha quantos anos nessa época?
R – Treze.
P/1 – Nossa! E como era ser diretora com 13 anos?
R – Imagina, né?! Eu sabia a fala de todo mundo, então eu corrigia todo mundo, na minha cabeça eu estava corrigindo tudo certinho. E eu ajudava a fazer o roteiro, eu mudava as falas. Eu ajudava a confeccionar a caracterização, arrumava cabelo, tudo. Confeccionava peruca, essas coisas. Eu comecei a viver totalmente fazendo isso.
P/2 – Isso tudo foi no Sesi ou você trocou de escola?
R – Não, não. Isso foi no colégio de magistério, foi em outra...
P/2 – Você trocou de escola.
R – Troquei, troquei.
P/1 – E naquela época, você se lembra quais eram seus sonhos? O que você queria se, quais eram seus planos de adolescente, digamos assim, pra vida.
R – Eu sempre quis ser uma pessoa que ensinasse algo. Na época eu falava professora, mas poderia ser qualquer coisa que ensinasse alguma coisa e que cuidasse da pessoa e que tirasse alguma coisa ruim dessa pessoa. Ou ensinar, ou ajudar a andar, ou bom, iniciou-se assim, professora, professora, professora. Aí depois não: “Eu quero ser professora, mas eu quero ser psicóloga porque eu quero entender o que a pessoa está pensando, eu quero saber se ela está realmente feliz ou triste”, e foi indo, indo, tudo nesse sentido.
P/1 – E aquelas brincadeiras, aqueles hábitos da infância que você falou, a bicicleta, piquenique, etc, como que foi entrar na adolescência? O que mudou o seu círculo social, conta um pouquinho dessa sua vida adolescente.
R – Então, como eu era muito fechada, muito só eu, minha mãe, meu pai e meu irmão, eu acabei dando um pulo meio alto. Aí eu já não queria mais a família, eu queria mais os amigos. Então eu já passei totalmente, eu via outro mundo, eu estava ligada naquilo. Então eu não queria mais brincar, eu não queria mais fazer isso. Até que aos poucos você vai caindo na realidade que nem tudo é uma coisa e nem tudo é outra, né? Mas isso foi curto, eu não tive muito problema em relação a isso.
P/1 – Namoro, seu primeiro namoro?
R – Namoro mesmo? (risos) Foi com 17 anos.
P/1 – Como é que foi essa história? Era colega de escola?
R – Ah, pra variar era amigo da minha mãe e do meu pai (risos). Eram amigos e ele filho dos amigos. Na verdade não foi um namoro porque a gente mais, sei lá, brincava, saía, se divertia junto, ia na época pra Playcenter, sabe, essas coisas? Então esse nós ficamos bastante tempinho juntos.
P/1 – E você com suas amigas nessa época? Você falou do Playcenter. O que vocês costumavam fazer? Você se lembra de alguma festa especial?
R – Não, eu não tinha muitas amigas, eu nunca fui de grupo, eu sempre tinha uma amiga, duas amigas. Agora o grupo eu poderia até sair com ele, mas eu não era aquela pessoa de colocava a mochila nas costas e: “Vamos acampar todo mundo junto. Vamos fazer uma festa para amigos”. Não, eu nunca tive, eu nunca tive. Eu gostava de observar, de ficar olhando, eu não gostava de estar ali, sempre de olhar.
P/1 – Você não era daquelas que, tipo assim, teve uma grande aventura na juventude, algo que você lembra, uma viagem ou algo que tenha fugido do padrão, digamos assim?
R – Ah, todas as minhas viagens sozinhas com uma amiga, que é a Sílvia, todas fugiram do padrão (risos).
P/1 – Conta pra gente.
R – Porque aí você se sente livre, leve e solta, né? Minha primeira viagem foi com 18 ou 19 anos, eu fui pra Porto Seguro com minha amiga sozinha. Imagina, né? Você fala: “Pera aí, que planeta que eu estava, que planeta que eu estou?”. E é bom, é ótimo, claro que hoje eu não faria 1% do que eu fiz, tudo tem sua época, mas eu acho que também foi válido porque eu tinha que conhecer um lado que os meus pais não deixavam. Com essa superproteção eu não conhecia o que prestava e o que não prestava, droga, sexo, eu não conhecia essas coisas. Então eu não estava preparada pra me proteger dessas coisas também, não estava. Eu aprendi ali, vendo. Então o jeito de cada um, a criação de cada um, pessoas realmente ruins, pessoas ruins, pessoas que são boas. Então eu vivia no mundo de Bob, assim, é tudo bom. E aí saindo, viajando, você curte, você bebe. Imagina que eu ia beber? Bebi, tomei o primeiro porre da minha vida, quase morri no outro dia, essas coisas. Mas eu nunca fiz nada de tão absurdo pra falar: “Nossa, Patrícia, o que é isso?”, que eu me arrependa.
P/1 – E outras viagens? Essa foi a primeira. Você fez mais? Você costumava viajar com a sua amiga?
R – Sim. Na verdade assim, eu comecei a trabalhar com eventos, então eu fazia feira e nessas feiras eu consegui um emprego fixo que foi de uma marca, Mit. Eles tinham uma rede de couro, carteira, bolsa, cinto e tinha o perfume que era da mesma marca. Aí eu comecei a trabalhar distribuindo, dentro da feira, os papelzinhos olfativos, né? E distribuindo, tudo, só que eu consegui vender muito, muito mais do que o stand estava preparado. Aí o coordenador do stand perguntou se eu não queria fazer isso em todos os lugares, todas as cidades, indo para o Nordeste, Norte, Sul. E tudo sozinha, né?
P/1 – Você tinha quantos anos?
R – Vinte, 21.
P/1 – Foi seu primeiro emprego?
R – Eu fazia muita coisa ao mesmo tempo. Meu primeiro emprego foi num consultório odontológico. Mas assim, eu não conseguia ficar só em um. Aonde dava para eu ganhar uma coisinha eu fazia. Porque como meu pai, eles não tinham uma condição de dar nada, comprar um batom caro, uma coisa supérflua, cara. E eu queria, às vezes, comprar, então eu ia atrás. Eu decorava posto de gasolina com balão, eu fazia o que tinha que fazer.
P/1 – Isso com 18 anos, 17?
R – A partir de 17, 18 anos o que vinha pra fazer eu já fazia.
P/1 – E você começou nesse emprego nas feiras.
R – Nesse da Mit, né? Então esse ficou fixo, eu fiquei por três anos. Eu comecei a viajar todo Nordeste, tudo, fazendo vitrine da empresa, fazendo a divulgação do perfume, aí me chamaram pra fazer a foto do perfume também, aí eu fiz a foto do perfume e foi todo o Brasil, menos o Sul. Fui viajando por todo o Brasil. Aí eu cresci bastante, porque era eu sozinha e pronto, eu tinha que me virar.
P/1 – E o que você encontrou de mais supreendente nessas viagens? Coisas que ficaram na sua memória, passagens específicas.
R – Olha, infelizmente eu acho que foi o jeito de cada um, a diferença de cada um, de cada pessoa. Que não é tão simples assim, que não é tão simples você olhar e falar: “A pessoa é tal, isso daqui é tal porque ele se veste assim então ele é assim. Essa aqui é assim porque”. Não, é o pré-julgamento que a gente faz. Que você conhece muita gente com muita dificuldade, muita gente que não tem nenhuma dificuldade, então você acaba analisando cada um, né? E isso, quanto mais gente eu conhecia, mais eu achava que eu não conhecia nada, porque eu me surpreendia com as pessoas. O jeito, a índole das pessoas, tudo.
P/1 – E em todas essas viagens, qual foi a melhor que você fez, a que te deixou mais feliz?
R – Ah, foi pra Salvador.
P/1 – Por que?
R – Ah, foi bom porque eu conheci muitos lugares. Eu peguei um representante com a esposa e eles me pegaram pra conhecer tudo. E foi legal, foi legal porque eu conheci muita coisa, eu fiz coisas que eu nunca tinha feito.
P/1 – Por exemplo?
R – Não ter hora, não ter regra. Quer beber? Bebe. Quer se jogar na água? Joga. Quer ir passar a noite inteira acordada? Passa.
P/1 – E a experiência mais difícil que você encontrou nessas viagens, viajando o Brasil inteiro, se relacionando com pessoas diferentes?
R – Então, eu acho que é justamente isso, é como você fica diante dessas diferenças.
TRECHO RETIRADO A PEDIDO DA DEPOENTE
P/1 – Entendi. E nesse meio tempo que você estava trabalhando nas feiras você tinha parado de estudar? Como é que foi?
R – Eu parei. Eu saí do magistério aí eu consegui entrar pra fazer Psicologia. Fiquei só seis meses. Não dava porque eu trabalhava à noite, eu fazia divulgação de bebidas também, de energético, à noite e trabalhava de dia. De dia eu trabalhava com a Mit, às vezes eu fazia lembrancinha pra festa de madrugada pra vender e trabalhava à noite com divulgação, então não dava porque era da meia-noite às quatro da manhã ali, com aquele som, com aquela coisa vendendo bebida, ia embora e chegava em casa às seis. Às oito, oito e meia eu tinha que levantar. Então não tinha espaço. E entrando dinheiro, então eu consegui, com 18 anos eu comprei um Fiat 147, com todo esse dinheirinho que eu ia guardando. Aí com 20 anos eu já troquei e peguei um Uninho zero. Então eu tinha essa expectativa do dinheiro. E a faculdade, meu pai não tinha condição de dar nada e eu não ia poder trabalhar, então eu fiz essa opção.
P/1 – E quando você teve o diabetes diagnosticado?
R – Aí foi na minha gravidez.
P/1 – Então foi um pouco mais pra frente.
R – Foi pra frente.
P/1 – Então vamos chegar lá ainda. Nesse momento você conheceu seu marido? Como que foi o namoro?
R – Esse meu primeiro namorado ficou aí uns quatro anos, tudo, a gente ia e voltava, ia e voltava, terminou. Terminou, eu peguei essa minha amiga, Sílvia: “Vamos pra praia. Vamos ficar lá na praia não vou fazer nada, tudo, não quero mais saber de namoro, ai que coisa chata”. E nós fomos nos carnaval, acho que de 98. Pular carnaval na praia, imagina. Eu dei de cara com meu marido (risos), que é hoje. Ele olhou assim, um olhou pra cara do outro e ele subiu na mesa, começou a cantar, dançar. Eu olhei e falei: “Nossa, o que é isso? Pelo amor de Deus”. Aí ele desceu fumando, tocando pagode, eu falava: “Eu jamais vou casar com um pagodeiro, com fumante, com corintiano, Deus me livre!”. Ele era os três (risos). Bom, aí a gente foi indo, foi indo e acabou noivado, casamento.
P/1 – Mas aí vocês já conversaram naquele dia? Conta um pouquinho mais desse primeiro encontro.
R – Então, o primeiro encontro foi eu só criticando ele, só criticando. Eu olhava e só falava coisa ruim, que eu não gostava, que ele era tudo o que eu não queria. E a minha amiga ficou com um amigo dele, aí ficou todo mundo junto, uma turminha junto, eu fiquei de um lado e ele ficou do outro.
P/2 – E como ele te convenceu? Como foi esse processo?
R – Não, ele chegou e falou assim: “Eu vou casar com você”. Eu falei: “Tá bom”. Aí foi indo, ele sentou, ficou conversando de uma coisa, conversando de outra, aí ele começou a falar da família dele, eu comecei a falar da minha família. Eu falei: “Ah, até que por ser um coritiano, tudo, você não é”. Aí começou a falar de time, que eu sou palmeirense, aí foi indo. Não teve aquele dia: “Estamos namorando”, foi uma amizade que foi indo.
P/1 – E foi quanto tempo de namoro?
R – Quatro anos.
P/1 – E aí?
R – Aí nós casamos em 2002.
P/1 – E logo depois você engravidou?
R – O Vitor nasceu em 2004.
P/1 – E foi na gravidez que você foi diagnosticada. Conta um pouquinho desse processo.
R – É, aí é que foi. A minha gravidez começou complicada. Em outubro eu fiquei sabendo que eu estava grávida, tudo, mas eu não tinha muito essa noção de gravidez, de nada, eu não sabia, criança, eu não tinha muito a noção do que estava acontecendo comigo. Aí no segundo mês eu fiz todos os exames que tinha que fazer porque eu vi que eu estava grávida, tal. Aí veio o diagnóstico do diabetes. Eu não sabia o que era diabetes. Diabetes pra mim não podia comer açúcar, a pessoa era obesa e estava prestes a morrer, é isso que eu sabia de diabetes. E pronto. Aí eu olhei e falei: “Não, mas o que é isso?”. Eu passei com o médico, que eu não vou citar o nome porque ele não merece nem que eu cite o nome. E esse médico cuidou de mim a gravidez inteira. Ele falava que eu podia comer o que eu quisesse desde que eu tomasse uma insulina, essa foi a explicação que eu tive. E eu não comia porque eu não tinha coragem. Então eu passava mal, eu tinha hipo, eu ia pro hospital, eu voltava. Aí eu tive descolamento de placenta, pressão alta, eu tive tudo o que você imagina, foi uma gravidez realmente muito complicada. Eu engordei 33 quilos, eu inchei, porque eu não comia, então não era gordura. O Vitor nasceu de oito meses. Eu fiquei praticamente em repouso a minha gravidez toda. Eu parei de trabalhar, parei de fazer tudo e ficava conversando com ele, oito meses. Eu ficava conversando, conversando, conversando e pedindo pra que ele não tivesse nada, pedindo pra que tudo ocorresse bem. Eu senti muito medo na minha gravidez. E eu não tive ajuda nenhuma em relação ao diabetes, nenhuma. Tudo o que o médico poderia fazer em relação a mim de pior ele fez. Então eu não sabia nada, eu perguntava as coisas e ele falava para eu não esquentar a minha cabeça, para eu pensar no meu filho, que tudo isso ia se resolver porque o meu diabetes era gestacional e ia passar, ia passar. E ele falava: “E aí quando você ver seu filho vai sair tudo junto com a placenta. Aí pronto, aí você vai poder comer seus doces, tudo à vontade”. Aí eu falei: “Tudo bem, então não vou me preocupar tanto com isso”. Só pedia para o Vitor nascer bem, bem, bem. Até que chegou um dia que eu quase explodi, eu estava de oito meses, o ginecologista, o obstetra resolveu fazer o Vitor nascer. Aí ele nasceu, tudo, ele teve, como chama? Ele teve que ficar internado, aquela coisa comum que as crianças nascem, que ficam com o olhinho amarelo? Esqueci o nome.
P/1 – Icterícia?
R – Icterícia. Isso. Icterícia, então ele ficou internado e logo quando ele foi internado aquilo pra mim foi o pior dia da minha vida. Foi o melhor dia, o do nascimento, e pior ao mesmo tempo porque ele ficou internado. As pessoas eram, os médicos, as enfermeiras eram muito inexperientes porque passavam pra mim uma realidade de: “Está estável, teu filho pode morrer, teu filho pode precisar de uma transfusão de sangue”. Foi me passado tudo o que há de pior. Aí o médico que é o endocrinologista que passou comigo toda a gravidez entrou a falou: “Patrícia, infelizmente eu tenho que te dar uma notícia”, foi exatamente assim: “Bem-vinda ao mundo dos diabéticos”. E saiu. Isso pra mim eu nunca vou esquecer. E eu fiquei lá chorando sozinha. “Calma, tudo vai ficar bem. Nós vamos fazer um tratamento, tudo vai ficar bem”. E saiu. Então isso foi péssimo. Meu filho ficou internado 11 dias, meu diabetes ficou em torno de 450 todos os dias, eles davam uma insulina que eu nem sei qual foi na época, nem lembro, ninguém sabia nada. Todo mundo vinha me visitar com aquela cara de: “Ah, coitada! Coitada!”, sempre foi assim: “O filho internado, ai, coitada”. Porque realmente eu fiquei um monstro. E todo mundo olhava e só falava isso: “Coitada, coitada, coitada”. Minha mãe quase morreu, meu pai também, o meu irmão. Nossa, porque pra eles eu tinha uma doença que eu não ia durar muito. E por que, por que, por que? Procuravam, eles me perguntavam: “Por que? O que você fez?”, aí vinha um: “Ah, é porque ela comia muito chocolate, tá vendo o que ela fez?”. Então você escuta tanta besteira, mas tanta besteira. E bom, saí do hospital e fiquei pulando de médico em médico, de endócrino pra endócrino. E uns falavam uma besteira, outros falavam uma besteira maior ainda, eu ia atrás, tudo. Até que surgiu o doutor Márcio Krakauer, que esse foi um anjo na minha vida, ele mudou completamente a minha vida. Ele sentou e falou: “Esquece tudo o que você passou até agora. Esquece tudo o que você sabe sobre o diabetes, vamos começar do zero”. Aí ele me mostrou o mundo verdadeiro, o que realmente existe. Tudo. Insulinas, tratamentos, tudo, tudo que eu não tinha ideia, que tudo o que eu fazia era errado, tudo errado.
P/1 – Antes da gente chegar nessa fase deixa eu voltar só um pouquinho. Naquela época que os seus pais estavam alarmados, que seu médico estava longe de ser o ideal, que você estava vivendo o pós-parto ali, tudo acontecendo ao mesmo tempo, o que você pensava? O que você sentia em relação ao diabetes? Especialmente nessa época da sua vida, tendo acabado de ser mãe?
R – Então, eu sabia que eu tinha que passar por aquilo, eu não achava nada injusto, eu nunca achei injusto. O fato de eu ter o diabetes, o fato de eu estar sofrendo com aquilo, eu falava: “Não, tudo tem a sua razão de ser”, eu sempre pensei assim. E o que eu posso fazer, como eu vou, são momentos da vida, esse é o momento que eu estou passando, então como eu devo reagir, o que eu tenho que aprender com isso.
P/1 – E nessa fase antes do bom médico, digamos assim, as agruras pelas quais você passou. Conta pra gente algum exemplo de situação difícil que você passou nesses primeiros momentos.
R – Ah, preconceito, preconceito das pessoas, de apontarem como “a diabética”, deixei de ser Patrícia, eu passei a ser a mãe diabética. Tem até uma história que as pessoas dão risada. No prédio que a minha mãe morava tinha uma senhora, ela devia ter mais ou menos uns 80 anos e toda vez que ela me via ela não entrava no elevador, ela segurava o elevador para eu entrar (risos). Que ela achava que eu tinha uma prioridade, que eu tinha que ter uma prioridade de entrar no elevador porque eu era a Patrícia diabética. Isso foi pela família inteira porque a família não tem ninguém, tanto do meu lado como do lado do Leandro não tem ninguém diabético, então ninguém sabia nada. E todo mundo realmente me olhava com cara de bicho de sete cabeças. Quando eu entrava numa festa, sabe aquela pessoa que está comendo e, isso me incomodava muito, muito, me tratar diferente. Eu não queria ser tratada diferente, eu queria que deixasse, cada um com seu problema, deixa que a gente vai ver o que vai acontecer, era tudo muito novo, eu não sabia. Minha mãe parou de fazer sobremesa, minhas tias pararam de fazer doce, então tinha almoço em família, acabava o almoço ficava todo mundo um olhando pra cara do outro com cara de: “Ah, não vai ter nada”. Aí ninguém falava nada, então era um tabu, ninguém comentava. Quando chegava na casa de alguém um olhava assim pra cara do outro: “Você conhece? Você sabe, né?”, como se fosse a pior coisa do mundo. E não é, não é. Então é o preconceito.
P/1 – E o que mudou na sua vida em termos práticos depois do diabetes?
R – Depois do diabetes? Ah, você tem cuidado com tudo. Aí eu me cuidava por mim e pelo meu filho porque eu falava que eu não ia admitir que nada acontecesse comigo por conta do meu filho, mais por conta dele do que por mim. Aí eu fiquei com ele sozinha, eu cuidei dele sozinha, sozinha o tempo todo, por opção minha, e eu tinha muito medo disso, então eu me cuidava bem. Só que o meu cuidava era, como que eu falo? O que o médico me falava, o que eu não sabia. Hoje pra mim me cuidar é outra coisa, me cuidar naquela época era não comer açúcar, que não tem nada a ver, só que eu comia um pão pullman inteiro mas eu não comia açúcar de jeito nenhum. Ignorância, eu era totalmente ignorante em relação a isso, por mais que você lia, você lia uma coisa, mas você lia outra que não batia, então foi isso, a diferença eu acho que foi o cuidado.
P/1 – E quando começou a ficar melhor, quando você encontra esse médico, conta um pouco dessa mudança.
R – Ah, aí foi muito bom. Foi muito bom porque eu me senti melhor, eu falei: “Poxa vida, eu vou mudar essa situação, eu vou mudar tudo isso, eu vou ficar bem”. Porque eu achava que eu ia ficar, eu não tinha a visão que as outras pessoas tinham de: “Ah, ela vai morrer amanhã”, mas eu sabia que eu tinha um problema e que esse problema poderia ser agravado. Mas depois que eu conheci o doutor Márcio, ele me passou que: “Pera aí, vai agravar se você deixar. Não é assim, você tem o tratamento”. Aí eu consegui pelo governo toda a medicação porque era muito cara, continua sendo muito cara, e comecei a fazer o tratamento e meus exames melhoraram muito. Então eu comecei a ver a vida de uma outra forma, eu fiquei muito mais feliz. E comecei a passar isso pras pessoas também, que aí eu não ficava mais quieta. Porque antes eu ficava quieta, a pessoa falava e eu não falava nada. Agora eu tinha argumentos pra falar: “Não é assim, você não conhece o diabetes. A pessoa não está morrendo, você não tem que me tratar diferente”. Então aí eu falava.
P/1 – Você falava, igual você deu o exemplo da senhora que abria a porta do elevador pra você.
R – Falava, eu falei pra ela.
P/1 – Dá um exemplo, conta pra gente um pouco dessa sua mudança de atitude diante do outro.
R – Eu fiquei mais segura, eu fiquei mais sabendo o que estava acontecendo comigo e eu falei: “Eu não vou admitir que as pessoas me tratem diferente. Não tem”. Ai eu falava: “Dona Lourdes, eu agradeço”, que era a senhora, “mas não precisa. Eu tenho uma doença autoimune, tudo, mas eu vou cuidar, eu vou tratar e não é assim, existe insulina”. Ai expliquei pra ela, né, mas as pessoas, o que eu senti depois da diabetes assim, elas gostam muito de ouvir o lado negativo, não o lado que está tudo bem, o lado positivo. Não só com diabetes, né, muita coisa, mas com diabetes em especial. Se eu falar: “Olha, eu estou com a perna, se eu te mostrar minha perna”, vai vir um monte de gente pra querer ve a perna que está com problema. Agora se eu começar a falar de uma insulina, de um produto novo que entrou não interessa muito, não chama muito a atenção. Então eu acho que as pessoas têm uma tendência ao negativo, parece que dá mais assunto, e eu ia cortando.
P/1 – E a sua vida em família? Porque coincidiu você ser diagnosticada com diabetes quando você se tornou mãe, quando você estava aumentando o núcleo familiar ali. Como que foi a vida familiar? Interferiu, que medida interferiu, como seu marido encarou e apoiou, conta um pouco dessa relação.
R – Pra ele também era novo, então ele ficava também perdido. O apoio que eu coloquei inteiro foi no meu filho, foi nele. Eu falei: “Pera aí, aconteceu mas veio uma coisa muito boa junto”, então foi a melhor coisa da minha vida que veio junto, eu tenho só que agradecer e eu tenho que passar por isso da melhor forma. Eu tenho opções, eu posso sentar, deitar, ficar me lamentando, eu posso ir atrás, eu posso falar: “Não, eu vou pra frente, eu vou me cuidar” e o meu marido assumiu isso junto, falou: “Não, vamos lá, é isso aí, o que precisar ser feito nós vamos fazer”. E foi mais focado no meu filho mesmo toda a mudança, a força.
P/1 – E episódios de hipoglicemia? Você tem algum caso assim mais relevante para compartilhar com a gente?
R – Tenho. Tem muita coisa que eu não me lembro, eu lembro direito de acordar e ver minha cozinha toda cheia de sangue, esse é o que eu lembro, eu acordei, vi tudo cheio de sangue e falei: “O que aconteceu, o que aconteceu?”, só que você vê o sangue mas não é um sangue que aparece, você fala: “Como, mas você vê sangue e não faz nada”. É que eu não sabia exatamente o que estava acontecendo. Eu comecei a limpar a cozinha. Eu falei: “Mas eu tomei banho, eu tomei banho, meu cabelo está molhado, por que eu estou com o cabelo molhado?”, era sangue. Porque eu levei 18 pontos na cabeça. Eu caí, eu tive uma hipo e eu caí. Aí eu enrolei uma toalha na cabeça e falei: “Ah, eu me machuquei, está saindo da cabeça”. Mas tudo assim, com essa tranquilidade, com essa calma. Limpei um pouco da cozinha, me machuquei, liguei pro meu marido, meu filho estava na escola, liguei pro meu marido e falei: “Olha, eu me machuquei, eu tive hipo, eu acho que eu bati a cabeça, está sangrando, eu vou no hospital”. Ele falou: “Tá, eu estou indo pra lá”. Eu peguei o carro (risos) e fui pro hospital. Aí eu liguei pro doutor Márcio, que por sorte estava perto no momento, o consultório dele era próximo ao hospital, ele foi pra lá. Quando ele olhou ele falou: “Meu Deus”. Fez uma abertura enorme aqui na cabeça, aí precisou raspar o cabelo aqui, isso foi traumatizante, eu não queria mais tomar insulina. Eu falei: “Eu não vou mais tomar, eu não consigo”. Eu ia aplicar insulina, eu tinha que aplicar 20, 30 unidades e eu aplicava dez, aí minha glicemia começou a subir, dar picos, picos e picos, porque eu tinha muito medo da hipo. A hipo é horrível, é horrível, é o pior da diabetes. Se você me falar o que é pior no diabetes, é hipoglicemia. Uma sensação de morte muito grande, que você não pode fazer nada. Você está vendo que você está indo e você não pode fazer nada, então isso é muito ruim. Quando eu voltei do hospital, aí que eu fui ver o que realmente tinha acontecido, o porquê que voltou, por que que não voltou. O açucareiro estava totalmente derrubado e vazio em cima da pia, essa foi a única pista que nós tivemos. Então eu acho que eu senti que eu estava mal e tomei todo o açúcar, aí eu caí e acordei. Isso foi chato (risos).
P/1 – E o monitoramento da glicose, como você faz?
R – O aparelho. Faço quatro vezes por dia. Fazia mais. Tem épocas que eu faço mais e tem épocas que eu faço menos.
P/1 – E o que você acha disso?
R – Chato. Isso é chato. Incômodo, né, mas tem que fazer. Mas é incômodo porque se você faz isso na frente das pessoas, pronto, é foco, você vira foco. Diabético já tem foco, aí você vira, a pessoa faz. E é anti-higiênico porque não é qualquer lugar que você vai picar, vai colocar. Então realmente é desconfortável. Mas sem isso não tem o que fazer, isso é o ponto principal de tudo, sem isso não dá pra você fazer nada.
P/2 – Deixa eu fazer uma pergunta da época quando você falou que recebeu o diagnóstico, teve vários médicos que não te auxiliaram muito bem. Como que ficou a sua vida profissional, a sua vida pessoal nesse período e depois de você encontrar o doutor Márcio, o que mudou na sua vida profissional e pessoal?
R – Então, profissional acabou no momento em que eu engravidei, eu parei de trabalhar, acabou tudo e eu não voltei mais, não fiz mais nada, ficava 24 horas ali com meu filho e cuidando de mim, né? E depois que eu conheci o doutor Márcio mudou assim, o profissional não mudou também porque eu não trabalhei mais, mas mudou tudo, né? Mudou a vida, o tratamento, eu já comecei, 30 dias depois eu já estava recebendo todo o tratamento. Então as medições eu fazia, nossa, no começo eu fazia muito, toda hora eu estava lá vendo como que está, antes e depois. Aí você vai aprendendo, carboidrato, caloria, essas coisas, aí foi um aprendizado que está até hoje.
P/2 – Houve uma evolução de qualidade de vida.
R – Totalmente, totalmente.
P/1 – Mas ainda sobre o monitoramento, que você falou: “Ah, a gente acaba sendo o foco”, tal. Teve alguma passagem que você se viu assim, alguém olhando desconfortável?
R – Com a medição não, mas com a insulina várias vezes. Festa, você vai no banheiro. Você vai, lava a mão, você acha que ninguém está olhando, você vai lá e aplica. Eu já escutei em banheiro de shopping: “Esse mundo está perdido mesmo, hoje se drogam em qualquer lugar. Olha que absurdo! Não é só homem, é mulher também, e está com filho lá fora!”. Então todos esses comentários você ouve, acham que é droga, as pessoas acham que você está se picando com droga. E quando vê você medir fica olhando com aquela cara de: “Ah, coitada. Poxa, olha”. Sangue, chama a atenção.
P/1 – Você disse que a pior coisa do diabetes são as crises de hipoglicemia. Qual pra você é o principal desafio pra você conviver com o diabetes?
R – Esse autocontrole que a gente tem que ter de olhar, ser, como eu posso dizer a palavra certa? A disciplina. O desafio é a disciplina. Realmente, eu sou sincera em falar que eu não sou totalmente disciplinada, mas a disciplina, esse é o desafio, de você realmente fazer as coisas tudo certinha, corrigir, contar a caloria, contar o carboidrato, isso é o desafio. E pra você fazer tudo isso você tem que medir muito, você vai ter que fazer o teste, o destro, quantas vezes por dia? E é complicado, né?
P/1 – Eu ia te perguntar isso, em que medida você acha que o monitoramento pode implicar na sua qualidade de vida, ou no prejuízo da sua qualidade de vida?
R – Na qualidade de vida tudo, porque se você não monitora você não sabe como você está, não tem uma maneira de saber. Igual agora eu não sei quanto que eu estou, para eu saber eu vou ter que fazer o teste. E se eu não tiver esse teste? Aí não tem jeito, não tem como. Como que eu vou saber se eu tenho que corrigir se está 400, se está 100, se eu estou próxima de uma hipoglicemia. Pode ser que daqui meia hora eu comece a sentir um calorzinho, um friozinho junto, é hipoglicemia que estava iniciando.
P/1 – E nesses anos todos, você falou do desafio, mas e a vitória? O que você acha que nesse seu histórico de convivência com o diabetes que foi a sua grande superação? Sua conquista?
R – Eu me sinto vitoriosa hoje, eu não me sinto em nenhum momento uma pessoa coitada, de jeito nenhum. Eu tenho oportunidades que muita gente não tem, eu tive a oportunidade de encontrar um médico que me abriu um mundo diferente, um outro mundo. Hoje tem tantos medicamentos, tantas coisas, então de verdade eu só agradeço. Eu tenho um filho saudável, maravilhoso, eu tenho uma vida, eu não tenho do que reclamar, não tenho.
P/1 – Qual é seu sonho? Ou um dos, ou alguns dos sonhos?
R – Sonho em relação a mim você fala? Eu sou muito de sonhar pros outros, sabe? Pra mim, eu sonho em sempre estar bem, em ter uma vida bem, nunca ficar doente. Eu nunca quis depender, ficar numa cama, ficar doente, ter uma velhice, uma terceira idade bem na medida do possível. Eu sonho muito com meu filho, é tudo pra ele, sonhos que eu tenho de verdade. É vê-lo formado, ele quer ser médico, então ele é um orgulho na minha vida.
P/1 – E pra você, o que é viver plenamente?
R – Viver plenamente? Sem nada de ruim dentro de você. Eu acho que se você é feliz, se você não sente ódio, se você é capaz de perdoar, se você não julga as pessoas, se você consegue ver que todo mundo é diferente, respeitar. Respeito eu acho muito importante, tudo é respeito, educação. Se você consegue respeitar todas as pessoas você se respeita, você é feliz, você não arruma problemas, você deixa os dias cada vez mais leves e você leva a vida mais tranquilamente.
P/1 – O que você achou de contar a sua história pra gente aqui?
R – Passou meu nervoso (risos), eu gostei muito. Gostei. Não vi como uma entrevista, vi realmente como uma conversa.
P/1 – Tem alguma coisa que a gente não te perguntou e que você gostaria de contar?
R – Ah, eu acho que eu resumi tudo, não tem como a gente contar detalhes, senão nós vamos ficar aqui muito tempo. Eu acho que não, eu acho que é a oportunidade que eu estou tendo de agradecer, de agradecer a vocês também, eu estou me sentindo muito bem, estava muito nervosa (risos).
P/1 – Que bom.
R – Agora não, agora estou tranquila.
P/1 – Que bom. Então a gente agradece por ter compartilhado a sua história, muito obrigado, foi um prazer.
R – Obrigada, igualmente.
FINAL DA ENTREVISTA
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