Entrevista com Ilmar Rohloff de Mattos, em 23/08/2022, no Rio de Janeiro. O encontro foi realizado no Estúdio STE da UERJ.
Estavam presentes
- Professora: Sônia Maria de Almeida Ignatiuk Wanderley
- Professora: Gisele Pereira Nicolau
Legenda da transcrição:
E1: Entrevistadora 1: Gisele Pereira Nicolau
E2: Entrevistadora 2: Sônia Maria de Almeida Ignatiuk Wanderley
R: Entrevistado
A transcrição foi realizada por Aldry Pereira Chaves e revisão realizada por Yomara Feitosa Caetano de Oliveira.
Antes da entrevista, Sônia Wanderley e Gisele Nicolau receberam professor Ilmar Rohloff de Mattos, no estúdio do STE da UERJ, onde foi explicado sobre a dinâmica da entrevista para a pesquisa Projetos histórias de vida e memória dos Pesquisadores e Pesquisadoras do campo do ensino de história. Sônia Wanderley agradeceu o professor pelo seu aceite em participar da pesquisa. Falou do limite de duas horas desta explicando se necessário retornariam em outro dia, para atender ao questionário ou qualquer questão pertinente do entrevistado.
E2- Boa tarde. Professor Ilmar. Hoje é dia vinte e três de agosto de dois mil e vinte e dois, estamos aqui eu, Sonia Wanderley, e Gisele...
E1 – Gisele Pereira Nicolau.
E2 – Então vamos lá, para começar, gostaria que o senhor repetisse aqui o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Ilmar Rohloff de Matos, nasci em cinco de maio de mil novecentos e quarenta e quatro, próxima ao final da segunda guerra mundial e nasci... Sou Carioca, nasci no Rio de Janeiro, no subúrbio da Penha, um subúrbio que se dizia muito na época da Leopoldina, porque era fia férrea. E, dava acesso a... a cidade estava se expandindo, tinha as linhas férreas. Uma da Leopoldina e outra da central do Brasil e para a zona sul eram os bondes, já começava uma certa diferença espacial dos grupos sociais na cidade. Era um bairro cuja parte, a linha da Leopoldina dividia em duas grandes partes, uma delas, naquela época, muito menos povoada, que é hoje em dia o complexo do Alemão, e a outra que dava para a Avenida Brasil, que também tinha acabado de ser aberta, embora eu não saiba exatamente quando. Eu me lembro da Avenida Brasil, quando inauguraram eu devia de ter uns sete ou oito anos, a iluminação com luz florescentes, em uma parte dela, acho que chegava até a Penha, passou a ser mais civilizada por causa disso. Mas a Penha na parte que eu morava tinha uma característica, que talvez seja importante para o projeto. Ela se situava uma fábrica, uma indústria de couro, que parece que atualmente já não está lá. Era o curtume carioca. O curtume carioca foi aquilo que já na faculdade eu consegui entender, o que era um modelo, agora fugiu o nome...de controle dos operários, tem um nome já....
E2 – O fordismo?
R – Fordismo! Tá vendo. Que era muito interessante, que o curtume, ele era praticamente a prefeitura do lugar, ele não calçava as ruas, porque não tinha essa coisa de ruas calçadas, mas as ruas não tinham buracos, porque passava os carros deles, que carregava o couro, o couro curtido, tinha um grande refeitório que a gente via as onze horas os trabalhadores almoçando, era um fordismo mesmo. Era coisa do fordismo, mesmo.
E2 – Ou seja, as pessoas viviam em função das necessidades, dos horários da fábrica.
R – A minha família, era uma família, vamos chamar assim, de uma classe média baixa, e que uma grande questão, pelo menos do meu ponto de vista, claro, muito posterior, era impedir que nós nos proletarizássemos, aquela coisa de uma classe média baixa. Eu tive uma irmã, tive não, tenho ainda hoje. Uma irmã mais velha dois anos mais velho que eu, uma temporânea que nasceu seis anos depois que já não era esperada, que para mim foi uma grande frustração, não por não ser esperada, mas porque a minha irmã, como uma prima também mais velha, me contaram que viram a cegonha passar. E, eu não vi que foi uma frustração que quase disse para minha mãe engravidar de novo. Mas, então era isso, quer dizer era, digamos o horizonte dessas famílias, não deixavam... os filhos tenham algum caminho na vida que não fosse uma... mesmo que fosse trabalhar no curtume, que era uma coisa diferente, que não se proletarizasse, digamos assim. Era o grande ideal deles.
E2 – Você prefere ser chamado de Ilmar, não é isso?
R - Pode, claro, é tranquilo.
E2 – Porque é uma pergunta, eu falei: não, isso eu já sei. Aproveitando que você está falando então Ilmar, da família dessas lembranças da infância. Que histórias mais você lembra sua família e desse local?
R – Olha, eu lembro pouco, eu lembro de algumas histórias, mas não tanto quanto hoje em dia eu gostaria de lembrar. Não tanto por questão de história da família, para mim mesmo, até para contar para os meus netos, lembrar eles como a vida era diferente, e por aí em diante. Meus pais eram comerciários, no sentido amplo do termo, mas trabalhavam em uma padaria. Meu pai era uma espécie de gerente e minha mãe era caixa da padaria, se conheciam ali. E, uma terceira pessoa que acabou sendo uma madrinha, vamos chamar assim, torta, porque ela não era uma madrinha, madrinha era sempre os avós. Aproximou os dois, meu pai... isso eu acho muito interessante. Desculpe se eu já estou começando a me estender muito. Meu pai escrevia cartas para a minha mãe se declarando, falando dos objetivos nobres dele para casar. E, essa moça levava a carta para lá, e minha mãe respondia. Eles trabalhando no mesmo lugar. E, acabaram se casando, continuaram morando na Penha, em uma casa que a minha avó tinha construído, com... era uma pessoa pequenininha mas muito ágil, que gostava de bater nos braços assim dizendo: Eu carreguei os tijolos que fizeram essa casa. E, era verdade, era verdade. Ela casou três vezes, sendo as duas primeiras... claro sucessivamente, com dois irmãos, que eram três, e os três eram apaixonados por ela, ela era pequenininha, mas tinha uns olhos lindíssimos e muito decidida. Casou com o primeiro, o mais velho, que era uma espécie de um engenheiro militar, não existia esse nome, foi para as guerras no sul da revolução federalista. Uma das nossas distrações na infância era quando ela contava para a gente como eles viveram ali em Santa Catarina, não foi no Rio Grande do Sul. Tiveram que fugir, e já tem mais detalhes que vocês gostariam, mas eu acho que a gente não tem tempo para isso. Quando ele voltou foi mandando para Canudos. Para você ver que... infelicidade.
E2 - Não é à toa que você estudou história.
R – Exatamente, eu escutava isso tudo, quer dizer, é relativo porque as minhas irmãs não foram fazer história, tem uma que é bióloga, a mais nova aliás. Em Canudos, ele morreu de peste, da peste da... do movimento mesmo, morreu de peste. Então, o segundo irmão se apresentou, estava na fila, não tinha nenhuma revolução ocorrendo para ele ir, para que o terceiro tivesse esperança. Isso é brincadeira é claro. E, o terceiro acabou sumindo, que eu só fui descobrir onde é que ele estava, quando eu já estava na faculdade. Mas, isso é outra história, que se for o caso eu conto depois. A minha mãe é filha do segundo marido da minha avó. Esse segundo também morreu, seguiu o meu avô, digamos... legítimo, não cheguei a conhecer, minha avó casou uma terceira vez, depois de ter construído a casa. Com um coronel, entre aspas, da Guarda Nacional, que tinha até arranjes no estado do Rio, era proprietário de terra no estado do Rio, e fundamentalmente, na região de Duques de Caxias. Ele foi um dos fundadores de um município que se destacou de Caxias, São João de Meriti.
E2 – Onde eu nasci.
R – Que tem esse nome porque é o primeiro nome dele. Ele era... eu tenho até hoje lá em casa, tenho poucas coisas, mas se for lá em casa, o diploma dele da guarda nacional que é deste tamanho realmente. Assinado pelo Epitácio Pessoa. Por isso, ele era conhecido, por todo mundo naquela época, como coronel, embora não tivesse nada de... coronel fazendeiro. Não era uma coisa...Coronel João Teles. Não sei se São João tem rua com esse nome? Teles Bittencourt? Não sei se tem, mas Caxias tem até hoje tem várias ruas com esse nome: Rua Bittencourt. Não sei mais o que. E, aí já foi outro ramo e com esse avô eu escutei muitas histórias da República, que ele é claro não chamava de velha. Com a revolução de trinta ele perdeu praticamente todas as terras. Então, ele incutiu na gente, mas isso não pegou na gente porque nós éramos muito pequenos, mas as histórias dele eram sempre fazendo críticas ao Getúlio. Que foi graças à revolução de trinta, oh graças, por causa da revolução de trinta, que ele perdeu as terras, não ficou pobre. Ele continuou na política, foi prefeito de Caxias, foi prefeito acho de São João, mas a minha infância mesmo foi com eles, com essa minha avó e com o vovô João, tanto é que eu tenho um filho, o terceiro que é músico, que tem o nome de João, em homenagem a ele.
E2 – E o seu pai e a sua mãe?
R – Minha mãe era filha do segundo marido da minha avó. Meu pai eu sei de quem era filho homem...do homem que era pai dele. Conheci pouco porque ele também morreu muito cedo. Tenho uma imagem muito apagada dele, não conheci a mãe porque ela já tinha morrido e ele tinha casado de novo com quem era a madrasta do meu pai. Uma relação meio complicada porque as duas avós disputavam, acredito que uma dizia para outra: Você não é avó dele. Não sei não, quem sabe sou eu que estou inventando ai. Mas, eu era afilhado de batismo dela, que era uma coisa que tinha muito peso naquela época, o batismo e não sei o que. Eu gostava dela. Coisa de criança. Mas, como a minha outra avó estava sempre lá, porque ela fez a casa, minha mãe casou ela deixou a casa para a minha mãe, deixou no sentido de deixar morar lá, ela foi morar em Caxias com o coronel João, e a gente tinha muita convivência com ela, ela contava as histórias não sei o que, essa outra... a minha madrinha mesmo era meio caladona, mas também tinha muitos filhos, tinha muitos filhos, aquele pessoal tinha uma coragem que eu vou te contar.
E2 - (Risos) Outros tempos. E as suas irmãs? Você tem duas irmãs.
Interrupção na gravação
E2 – Suas Irmãs, como é que...
R - As irmãs é...
E2 - Uma mais velha e uma mais nova.
R – Uma mais velha e uma mais nova. A mais velha não era muito chegada aos estudos, mas assim mesmo fez o curso normal, mas acabou nunca lecionando, casou muito cedo. Quer dizer, casou aí também com seus dezenove a vinte anos, para época era cedo, muito cedo.
E2 – Para hoje já é cedo. (risos)
R – A outra ficou muito próxima a minha, ela era temporã, tinha seis anos de diferença, mas ficou muito próximo a mim e brincava muito comigo e com os meus colegas. Gostava de jogar futebol, brincadeiras de meninos ela praticava, acabou... tentou medicina, tentou três vezes. Ela é muito inteligente, mas eu acredito que ela não passava pelo nervoso, ela não conseguia se concentrar nas provas. Não estou justificando, mas tenho quase certeza disso. E, acabou fazendo biologia. Digamos assim era... já vou explicar por que do tempo verbal. Uma excelente bióloga, tanto é que ela foi durante muito tempo, chefe do Laboratório Médico Sérgio Franco, se eu não me engano, acho que o nome é esse Sérgio Franco, que era um dos maior do Rio de Janeiro. Hoje em dia é tudo dentro desse Daza que domina essas coisas de laboratório. Mas ela sofreu um... ficava o laboratório, o centro mesmo, claro, ela não conferia todos os exames, seria impossível, mas ela selecionava algumas e conferia, e isso era feito, por uma coincidência que eu não sei por que, em Caxias, que a sede está lá Laboratório Sérgio Franco, em Caxias, na beira da Rio Petrópolis. E um dia ela voltando do trabalho ela sofreu um desastre de automóvel, ela está viva, mas está com muita dificuldade de andar. Largou tudo, e quando passou para esses grupos multinacionais, aí mesmo que o Sérgio Franco, ainda apoiava ela. Manteve o salário não sei mais o que, então ela está muito apagada hoje em dia, embora seja uma pessoa muito competente, muito competente mesmo.
E1 – Professor. Pode descrever um pouco a rua e o bairro que marcaram mais esse momento da sua vida?
R – É um bairro que como eu já disse, que dizer, tinha duas partes. Ao norte da linha, da linha férrea, e ao sul, que era onde, o limite dessa parte sul era a Avenida Brasil que tinha acabado ser aberta. Não sei o ano, e também tinha ali o que a gente chamava de uma fazenda, que é um centro até hoje de pesquisa agrária digamos assim.
E1 – E a casa o senhor lembra?
R – Lembro, lembro a casa que ela oh - Ilmar sinaliza para os próprios braços quando fala ela – construiu, com esses braços, entendeu. A casa eu lembro sim.
E2 – Mas é interessante como o senhor lembra dessa importância do curtume (? 0:49) carioca.
R – Marcava muito!
E2 – Dessa atividade fabril para a população daquela região.
R – Muita gente...grande parte inclusive... é tinha um emprego ali, uma grande parte tinha um emprego que era um negócio imenso, mas os outros não... é tentavam escapar daquilo. Outra coisa muito marcante, quer dizer, tem tantas (risos) dá para ficar duas horas falando da infância (risos). Mas, uma coisa muito marcante também é que por aí essa minha segunda irmã nasceu em cinquenta, é... é por quarenta e nove começou a construção de um conjunto habitacional na Penha, o IAPI da Penha.
E2 – IAPI da penha.
R – IAPI da Penha, conjuntos industriários não é. Ele foi construído muito rápido, mudou era muito próximo a minha casa, eram famílias de industriários realmente, aí mesmo que o pânico da [...].
E2 – Da família.
R – Da família o mentor, não era nada também assim, mas a gente não estava isso, nesse momento...
E2 – Isso significava então para os seus pais, para a sua família, como uma proletarização?
R – Uma proletarização entendeu, não se falava tanto nisso naquela época, não é. Mas já se ambicionava uma certa medida a faculdade, o curso universitário entendeu. Antes tinha uma coisa para os rapazes que era na hora de servir o exército ir para o CPOR, eu não aguentava nem ouvir falar em exército entendeu, custei muito, mas fui dispensado, até porque eu já era muito magro naquela época. Mas, fui lá três anos seguido para ser dispensado. Então, ficou na perspectiva mesmo era a universidade. O bairro tinha isso tudo, mas só tinha uma escola pública, que era muito longe da minha casa, isso era outro pavor da minha mãe. Minha mãe sempre pensava o mais complicado, no modo de... entende.
E2 – Por que a escola pública era ‘A escola’, não é?
R – Pois é... mas como era muito longe, ou ela levava a gente todo dia, era longe mesmo, dava para ir é claro. Mas, como é que ia ficar cuidar da casa? Porque ela fazia as coisas da casa, ainda teve a minha irmã, temporão e aí mesmo que complicou tudo. Só quando nessa escola pública estudou um professor de história bastante conhecido, embora já não o vejo a muito tempo, o Francisco Carlos, de história contemporânea, história moderna e contemporânea. Eu não sei nem se ele está na UF se ele está na... não sei se ele se aposentou também?
E2 – Ele se aposentou na UFRJ.
R – Ou na UFRJ, eu acho que é isso.
E2 – Se aposentou na UFRJ.
R – Mas também é muito cedo não é ... ele é muito novinho ainda (risos). Mas, com o IAPI surgiu uma outra escola, uma outra escola primaria. Muita bonita, um prédio muito bonitos. Mas, nesse intervalo de tempo que nós íamos para as escolas. Eu fui para uma pequena escola que ficava a umas cinco casas da minha casa, que funcionava na própria casa da diretora, entendeu. Era uma escola que tinha muitos poucos alunos, em uma outra rua paralela tinha uma outra escola (? 4:42), tanto é que durante muito tempo, não foi na minha infância não. Eu tinha uma imagem que cada rua tinha uma escolinha. Entendeu? Cada rua tinha uma escolinha entende, não era isso, era uma coincidência. Tinha várias, sim, várias escolas. Na minha...
E2 – Essa prática de que não existia escola pública...
R – Não tinha escola pública.
E2 – [...] No espaço.
R – E para os pais era uma coisa muito boa que fosse ao lado da casa. Essa minha escola, sai sinceramente... uma coisa que eu gostaria de estudar, eu tenho até um dos livros da escola primária, era um livro que eu encontrei em Porto Alegre, em um sebo, uma vez que eu fui lá em uma banca, chamava: Meu Tesouro. Era um verdadeiro tesouro aquilo para mim, eu sabia aquele livro de cor, a parte de história então? Sabia Tudo.
E2 – Era um livro didático.
R – Um livro didático, desse tamanhinho, caindo aos pedaços. Mas eu tenho lá em casa.
E1 – Em relação ao bairro da Penha, essa fábrica de curtume é a fábrica Kelson ou não?
R – Acho que eu não sei.
E1- A Kelson foi a que surgiu depois?
E2 – Depois, bem depois. A Kelson é da década de sessenta.
R – Eu já disse, eu não sei se o... eu nunca mais voltei depois que eu me casei. Eu devo ter voltado a penha uma ou duas vezes, até que eu voltei a primeira vez me deu um sentimento tão ruim, porque não tinha mais ninguém, nem meus colegas mesmo, e eu perguntava: e o fulano? Morreu. E o beltrano? Morreu. Parei de perguntar por que se não, e o Ilmar? Morreu. (Risos) Aí eu parei está certo.
E2 – Não, está vivo.
R – Tô vivo, entende. Mas, então a escola funcionava muito bem, entendeu? Essa escola que eu cursei, escola Santa Isabel, que era o nome dela. Ela funcionava, claro, que não era bem a casa da diretora, mas era na casa da diretora que ela adaptava, tanto é que ela tinha turma da manhã e turma da tarde para aquelas turmas pequenininhas, não é.
E2 – Era multisseriada, professor. Me desculpe perguntar, mas seria ela multisseriada? Uma mesma sala várias...
R – Não, não, cada sala tinha a sua turma.
E2 – Eu falo isso porque comigo aconteceu, e eu tenho sessenta e cinco anos, que quando eu saí de São João de Meriti e fui para o subúrbio no Rio, a escola pública só aceitava com sete anos, e eu tinha menos, eu tinha seis anos. Então, para não deixar parar de estudar, porque eu estudava em uma escola privada em São João de Meriti, eu fui alfabetizada com quatro anos, então meu pai me colocou em uma escola desse tipo de escola, escola Ceará, nunca esqueço mais. E era assim, também na casa da diretora, só que era em uma grande sala, um grande galpão.
R – É, juntava todo mundo, não é?
E2 – E era multisseriado, por isso que eu perguntei.
R – Não, essa escola, por isso também ela tinha poucos alunos, mas para poder atender todas as séries, tinha séries só de manhã e séries só à tarde. Me pergunta... Geralmente as minhas foram, quer dizer, no início foram a tarde. Imagino que sempre foi assim, as séries iniciais sendo a tarde. Mas, eu digo que a grande vantagem acredite se, isso valeria uma pesquisa. Ela era gaúcha a diretora, uma senhora já, e no Rio Grande do Sul, a questão da educação sempre foi levada muito a sério, claro dentro da perspectiva do positivismo, entendeu? Então, nós fazíamos tudo dentro da classe daquelas coisas, é eu me lembro... todo mundo dali tinha mania, quer dizer todo mundo os adultos, jantavam, sobretudo no verão, pegava as cadeiras e se sentavam nas portas das casas. Quer dizer, porque as casas tinham um jardim grande então lá de fora. Aí, passava uma senhora, muito mais idosa, muito gorda, grande. Então, todo mundo levantava e cumprimentava ela, um dia eu perguntei para o meu pai quem era ela, para a minha mãe, sei lá. Ela era inspetora de ensino, do público, ensino público. Ela visitava as escolas para ver como estava, via os cadernos dos alunos, essa coisa toda, entende? Para ver como é que... era uma coisa...eu acho até que era mais adiantado, do que a gente pensa hoje, entendeu. Muito mais.
E2 – Essa relação da sociedade com essa escola.
R – E vou te dar um outro exemplo, saindo um pouco desse negócio. Minha mãe fez também essa escola, quer dizer, não essa, mas esse tipo de escola. Eu acho que ainda foi um pouco antes de trinta, não tenho muita certeza não. E, uma vez um inspetor, um inspetor que era um título na época seguramente, maior que o dessa senhora, que ia visitar a escola da gente. Um título mais importante, quase que um secretário de educação. Visitou a escola dela, conversou com os alunos, entendeu. Se encantou pela a minha mãe, e pegou um livro, um livro infantil, capinha dura, aqueles livros antigos, que você encontra no sebo hoje, e fez uma dedicatória para ela: Para Elsa Rohloff, não sei o que, pelo seu estudo, não sei o que. Minha mãe guardou aquilo, claro. Ele era um líder anarquista no Rio de Janeiro, um dos grandes anarquistas, chamava Fábio...
E1 – Fábio Luz
E2 – Fábio Luz
R – Fábio Luz
E2 – Olha, que barato.
E1 – Ele escrevia poesias anarquistas
R – Livros! Livros de pedagogia, em termos...
E1 – Anarquistas?
R – De como, leituras pedagógicas anarquistas, leituras pedagógicas anarquistas, entendeu?
E2 – É o anarquismo tinha um modelo, uma proposta de modelo de educação.
R – Uma proposta, claro! Que é o negócio de Barcelona, não é? Ter algumas escolas, Barcelona é diferente do resto da Espanha, nesse particular, não é. Mas por que eu estou puxando isso aqui? Comecei a namorar a minha atual esposa, estamos casados não sei quantos anos, já perdemos a conta, também não conta pode dar um certo (risos) bom deixa para lá. E, a primeira vez que a Selma, que é o nome dela, foi a minha casa.
E2 – Outra historiadora também.
R – Foi a minha casa, ela... nós tínhamos uma estante pequenininha assim, com quatro prateleirinhas, quer dizer a estante dos livros que eram dos meus pais. Não éramos nós, não é. Quer dizer já tinha as minhas, que eu já estava na faculdade. A Selma foi minha aluna no vestibular, entende? Quando eu olhei para ela: É com essa que eu vou me casar (risos) olhei bem.
E2 – Naquela época e pensava: é com essa que eu vou me casar.
R – É exatamente. Mas, então ela foi na minha casa, para ver, conhecer não sei o que, ela chegou nessa estante, que era uma coisa curiosa, pegou o livro: - Eu tenho... eu tenho esse livro lá em casa, como que a senhora ganhou? Porque estava no nome da minha mãe, para Elsa não sei o que. - Ele é meu bisavô.
E1 – Nossa!
E2 – É um mundo muito pequeno, não é?
R – É um negócio legal. Não dá vontade de vender para a globo fazer uma novela? (risos).
E2 – (risos) Olha, um enredo fantástico. O nome da sua mãe é o mesmo que a minha, Elsa. Agora o senhor falou da escola...
R – Tomar cuidado que eu vou contando essas histórias não vai chegar nem na primeira comunhão (risos).
E2 – Mas é isso mesmo (risos). E aí pensando ainda na sua infância, o senhor falou da escola, dessa relação da sociedade com a escola, e aí das brincadeiras? Você falou um pouco da sua irmã que gostava das brincadeiras com os meninos, das suas brincadeiras, do seu lugar lá na Penha?
R – Era brincadeira típica de... não vou dizer de meninos daquela época, pelo menos na minha época, entendeu. Primeiro que não tinha muita separação entre brincadeira de...
E2 – De menino e de menina.
R – Menino e menina. Tinha, tinha separação, tinha algumas que elas expulsavam a gente e não sei o que não é. Mas essa minha terceira irmã, por exemplo, era a goleira do nosso time da rua.
E2 – É, eu adorava soltar pipa.
R – É, era soltar pipa, jogar pinhão, pique-esconde, pique não sei mais o que lá, e aí juntava todo mundo e as brincadeiras eram essas, sempre nos arredores da casa, para ninguém se perder não é. Era um mundo muito diferente, né Sônia? Muito diferente. Até que em cinquenta apareceu a televisão não é, aí começou a mudar um pouquinho.
E2 – O senhor teve acesso a televisão logo na sua casa?
R – Meu pai adorava novidades, entende? Meu pai trabalhava na... na padaria, casou-se com a minha mãe nasceu a...
E2 – Sua irmã mais velha?
R – A minha irmã mais velha. Ilma, Ilmar, Ilmara (risos).
E2 – Gente! (risos)
R – Como diz a minha mulher, a minha esposa: ainda bem que não teve outras que ia ser Ilmararara. (risos). Bom, é... então meu pai quando nasceu a primeira filha, ele disse, para minha mulher e para o padrasto dela, mas que ele era um... era uma pessoa completamente enturmada com a gente: - Minha filha não pode ser um... não pode ter por pai um proletário. Aí esse meu avô olhou para ele assim e disse - Você prefere um desempregado?
E2 – Mas como essa questão era fantástica na família de classe média baixa, mas que no meio da proletarização.
R – Quem vem de uma visão sociológica não é não. Sociológicos usam a história para fazer sociologia.
E2 – Da precarização nesse momento dessa década de quarento, década de cinquenta.
R – E a sociedade estava mudando muito.
E2 – Isso.
R – Por resumo, aí ele tomou um outro rumo, ele tornou-se despachante municipal, que era por nomeação, fazia um concurso por nomeação. Deve ter tido uma ajudazinha, porque foi ser isso em Caxias, em Duque de Caxias, teve uma boa prosperidade. Uma média prosperidade, quer dizer aquele negócio das firmas. Nenhum de nós foi filho de um operário, digamos assim.
E2 – Nossa, como é que pode!
R – Mas tinha uma coisa também a respeito disso que eu....
E2 – Então as brincadeiras são aquelas brincadeiras que a gente lembra, sempre no entorno da casa.
R – Pique-esconde, não sei o que.
E2 – Algum amigo de época, o senhor nos disse que quando visitou a Penha muitos já tinham morrido o senhor não quis nem lembrar, algum amigo de época que tenha até hoje?
R – Infelizmente não, eu tive um grande amigo que tive na escola primária, que começou na escola primária. Foi comigo, claro em outra escola, já era uma grande escola, que depois apareceram as grandes escolas no subúrbio. Fomos até o terceiro científico. Estudamos juntos até o terceiro científico. Ele não quis fazer faculdade, fez concurso para o Banco do Brasil, passou, e aí eu fiz o vestibular. Desde a formatura, nunca mais o vi, nunca mais o vi.
E2 – Você falou, fiz o vestibular. Como é que foi essa passagem, porque antes a gente não tinha esse vestibular, que a minha geração já viu, e a dela mais ainda e a deles ainda mais? E, tudo unificado, a gente fazia concurso para cada faculdade.
R – Para cada faculdade e para cada curso.
E2 – Como é que o senhor fez?
R – O vestibular na... o concurso, não é? Mas, já tinha cursinho para duas áreas. Que era direito e engenharia, medicina também tinha, mas não era uma coisa tão forte, porque medicina era muito difícil. Eu acho que não tinha muita gente que fizesse é... digo proprietários que quisessem ter um curso de medicina especializado, que era um negócio muito elitizado. Mas, eu soube, não sei ou alguém me disse isso, que tinha um cursinho na faculdade nacional de filosofia que era dos estudantes.
E2 – A atual UFRJ.
R – Que era dos estudantes, que era a universidade do Brasil naquela época.
E2 – É universidade do Brasil, meu pai ainda falava.
R – Exatamente. Eu me formei pela universidade do Brasil. Então eu estava no terceiro ano do científico, podia ter feito o clássico, mas não tinha, mas o colégio não oferecia. No meio do ano, minha mãe foi comigo, nós fomos lá, era um curso dado pelo diretório, era noturno. Foi lá ver como que era, era mais um negócio da distância, porque era ali ao lado da Maison de France, daquela até hoje, que aquilo ali era. Voltou a ser o consulado da Itália, mas aquilo ali foi um prédio tomado pelos estudantes durante a guerra. A UNE tomou aquele prédio durante a guerra e virou a faculdade nacional de filosofia, entende? E, a minha mãe achava que tinha muita briga lá dentro, não tinha nada disso! E, eu fiz seis meses daquele curso vestibular. Pra dizer... quem dava era os próprios alunos Para dizer a verdade o curso era muito fraco. Se eu passei eu passei em função do que eu aprendi na própria escola e estudando também. Eu tive ali um professor, grande professor que já faleceu. Ele já não era aluno, mas era um grande professor de geografia do Rio de Janeiro. E, como ele tinha militância no partido comunista, e o partido estava no diretório, eles chamaram o cara porque o curso de geografia era os piores de todos. Isso aqui vai ser uma vergonha para gente, uma vergonha política. Ele foi lá deu sete ou oito ou nove aulas, no fim de semana para gente.
E2 – Qual era o nome, o senhor lembra qual era o nome?
R – Murilo Alves Cunha.
E2 – Cunha, Murilo Alves Cunha.
R – Murilão, ele era grandão.
E2 – Murilão fazia as minhas apostilas do vestibular.
R – Exatamente, editora Campos, pode confirmar lá. Editora Campos. Eu fiquei amigo dele, primeiro porque era uma aula de uma geografia que eu nunca tinha escutado na vida. Uma geografia inteligente, não era aquele negócio rios e não sei o que, afluentes mais à direita, afluentes mais à esquerda, não sei o que lá. Tinha um professor no vestibular que dava as ferrovias, que dava as bitolas dos trilhos, que foram os ingleses que inventaram as ferrovias com as bitolas diferentes para não poder articular, não sei mais o que lá... Quer dizer, articular que eu digo, é fazer ligação, não é? Mas, foi assim que eu fui parar lá. Pensei em fazer também, mas acabei não fazendo porque eu passei na... na federal, quer dizer, na faculdade nacional como é que a gente dizia, na nacional. Pensei em fazer no que chamava na época na Lafaiette, que era...
E2 – Instituto Lafaiette.
R – A UERJ.
E2 – Que era UERJ
R – A UERJ, que a UERJ sempre funciona no prédio do Colégio Lafaiette. Quer dizer, pelo menos a filosofia.
E2 – A filosofia depois se uniu e criou à primeira UEG, que é do estado da Guanabara.
R – UEG, do estado da Guanabara, não é? Mas não cheguei a fazer. Não precisava claro, eu já estava cansado daquilo, mas foi um momento marcante porque eu...
E2 – E, aí você foi fazer História?
R – Eu fui fazer história porque... tinha prova escrita e a prova oral. Na prova oral era os catedráticos que faziam a prova. Eu saí da prova oral, minha grande companheira foi sempre foi a minha mãe. Até porque meu pai trabalhava muito. Conversava muito com ela, eu falei - mãe não passei, eu não passei. Porque o catedrático, que era um cara muito quadrado, muito quadrado, a História do Brasil era aquela de nome e data, nome e data, nome dos Bandeirantes e não sei mais o que. E, na prova escrita, que tinha a prova escrita e a prova oral, das dez das perguntas deixei uma em branco. Ele era bandeirante. Que foi o levante da... aquele levante monarquista na revolução francesa, esqueci o nome agora.
E2 – A reação nobiliárquica?
R – Não, foi um levante mesmo, esqueci o nome, é... daqui a pouco vem. E eu não sabia, eu sabia as noves respostas, respondi como eu achava conveniente, minha mãe falou assim – você é maluco? não mãe eu não vou. Chegou na prova oral, ele fazia então de história do Brasil, ele falou – você deixou o levante da... não é Vendeia, como é? Bom, você deixou aquela resposta em branco. Eu falei, miserável. Desculpa, apaga essa parte (risos).
E2 – Isso foi em que ano você lembra?
R – De sessenta em um para sessenta em dois, eu entrei em sessenta e dois, e me formei em sessenta e cinco.
E2 – Você se formou em uma...como você se sentiu em uma faculdade, de filosofia, nesse momento de sessenta e quatro até sessenta e cinco.
R – Não até desde antes, foi uma coisa que... me mudou a cabeça completamente. Não quer dizer que eu tenha passado a pensar como eu penso hoje, mas tem coisas que eu nem. Primeiro que tudo era uma faculdade, que era o governo, Jânio tinha renunciado em sessenta um. Então, era o governo João Goulart. Então, aquela reforma de base, aquela coisa toda. A faculdade não fechava, o prédio não fechava, não deixavam, que o diretor não deixava. Era uma coisa, eu vinha de uma... minha escola no subúrbio era uma escola grande, mas perto daquilo era uma caixa de fósforo. Mesmo no vestibular que era de noite. Como eu tinha aula na escola no dia seguinte eu ia embora para casa. Mas, eu morria de pena, eu tinha muito.
E2 – Uma efervescência grande.
R – Uma efervescência! E sessenta e quatro foi muito doloroso não é, nós tivemos um colega que era um líder da filosofia, do curso de filosofia, que foi morto, que até hoje de vez enquanto sai no jornal. Ali do clube militar, de forma a apedrejar o clube militar na Cinelândia, que foi morto, e por aí vai. Mas, conseguimos terminar o curso. Não tivemos formatura formal, nos chamaram na secretaria e deram o diploma. Nossa formatura informal foi na Mangueira, fomos dançar o samba na Mangueira. (risos).
E1 e E2- (risos).
R - Já que a gente estava dançando, vamos dançar o que a gente quer. Mas, o curso foi fraco, o curso da...
E2- Você lembra de algum professor? Assim desde as suas escolas, o senhor já falou da sua professora, da escola.
R – No ginásio não tive nenhum professor mais marcante. No colegial eu tive um professor de história que eu achava ele interessante. Mas, depois que eu fui dar aula, um período muito pequeno, na Gama Filho, depois de formado. Encontrei com ele lá. Ele dava história antiga, era uma história antiga... ele sabia tanta, eu não entendo isso, ele sabia tanta coisa da história do Brasil. Quer dizer, eu fui assistir uma aula dele, eu tinha as minhas aulas para dar lá. Fiquei tão decepcionada, mas tudo bem, e... o que é que estávamos falando mesmo?
E2 – Dos nomes dos professores.
R – Ah dos professores! A cadeira do Brasil era muito ruim, por causa do Hélio Viana que era o catedrático, ele tinha um... ele tinha dois grandes assistentes. Tinha uma senhora, que também era muito ruim. Um era o Manuel Maurício de Albuquerque.
E2 – Eu tive aula com o Manuel Maurício.
R – Que era um cara sensacional, mas que também... quando ele faltava ele faltava, quando Hélio Viana faltava, ele faltava por duas razões, ou quando ficava doente, ele já estava bem velho. Ou, quando tinha reunião do instituto histórico, então o Manuel Mauricio dava aula nesses dias. Aula era duas horas, alguma coisa assim, quando estava no melhor da aula ele chegava, o Mauricio piscava o olho e mudava o conteúdo repetindo a aula dele, que era o livro, que estava escrito no livro. Eu tive essa sorte, minha turma esteve essa sorte, no ano que a nós fomos ser alunos dele o livro dele de história do Brasil saiu, que era as aulas, ele sabia o livro de cor.
E2 – Do Mauricio?
R – Não, não, do Hélio Viana. Uma hora ele dava uma aula completamente diferente.
E2 – O livro dele é impressionante.
R- E muito animada. A gente ria o tempo todo, aquele negócio todo.
E2- Eu tive aula com o Manuel Mauricio professor, quando eu fazia comunicação na UFRJ.
R – Na UFRJ.
E2 – Que o Manuel Mauricio foi, não continuou lá na UFRJ por causa daquele famoso atestado ideológico, e a gente tinha aula com ele na casa ele.
R – Ele foi preso inclusive.
E2 – Marxista. A gente tinha aula na casa dele.
R – Ele não era sabia? Ele não era, ele era um cara que tinha uma visão de história progressista. Quem fez ele cair nesse radicalismo foi a ditadura. Foi uma espécie de reação dele, a isso.
E2 – No livro dele tem uma marca, tem um livrão dele que na primeira edição.
R- É um que é uma capa verde se eu não me engano.
E2 – É, exatamente.
R- E, o outro era o José Luís de Werneck da Silva, que fez até um primeiro livro comigo. A história dinâmica. Está lá o Werneck.
E2 - Você pode falar porque história dinâmica professor?
Corte na gravação
R- Do nosso presidente, mas já acabou? Eu nunca vi cinismo igual. (Risos)
E1 e E2- (Risos)
E2 – Nem com a colinha (? 28:50)
E2 – Gente eu não consegui assistir não.
E1- Eu também não.
R- Ah, eu falei, minha mulher não queria assistir, eu falei como é que eu não vou assistir isso gente? Isso é um documento histórico. Está gravando tá?
Bolsista confirma que está gravando
R- Ih Calma!
E2- (Risos) Porque Histórica Dinâmica, professor. Estávamos falando do livro: História Dinâmica, que o senhor fez com o...
R- Werneck e a Ella Grinsztein, que era a professora da aplicação.
E2- Isso! E eu usei muito esse livro, com meus alunos da licenciatura, para trabalhar esses livros... esses manuais didáticos, como é que o manual didático, naquele momento conseguia ir além das censuras existentes. Pode falar um pouquinho como é que foi pensar, naquele contexto, essa História Dinâmica?
R- Eu entrei ali meio por acaso, quer dizer, mais ou menos, por acaso mais ou menos. Tinha um grande editor de livros didático no Brasil. Naquela época tinha duas grandes editoras. A Companhia editora nacional e a Editora do Brasil. A Companhia editora nacional foi uma companhia que foi criada pelo Monteiro Lobato e pelo Octalles Marcondes, que era uma espécie de capitão da indústria. O Monteiro Lobato entrava só com as ideias. Depois, o Monteiro Lobato desistiu porque ele gostava mesmo de fazer os livros didáticos dele, que eram os romances, as histórias para as crianças, os livros dele para criança. E que diga-se de passagem eu não sei o que as crianças, o meu neto não gosta muito, porque ficou uma coisa meio datada, não é.
E2 – Ficou datada. Eu tenho a coleção completa até hoje.
R – Eu também tenho.
E2 – Aquele capão verde.
R- Se você for lá na biblioteca, vocês vão ver isso aí. Mas, e esse outro diretor, o Octalles Marcondes, ele é do típico capitão da indústria, como se chamava na época. Ele enxergava o dinheiro. Onde é que o dinheiro estava brotando, ou poderia brotar. Ele aí no final dos anos cinquenta, ele chegou à conclusão de que o mercado de livro didático estava ficando regionalizado. E, que não adiantava ter as grandes editoras de São Paulo ou algumas do Rio de Janeiro, que nas regiões iam surgir livros de autores locais. Até porque tinha alguns professores, que no ensino médio tinha uma alumbrência alastrado, desde trinta, até porque até trinta ensino médio era uma bobagem. Então ele resolveu fazer livros para essas disciplinas todas, quer dizer menos para... as disciplinas de ciências humanas digamos assim, esse negócio do regional. Matemática não é diferente em Pernambuco do Rio Grande do Sul claro. O professor é que é, o livro não. Então, ele chamou o Sérgio Buarque para fazer um livro para São Paulo. Sérgio Buarque evidentemente não fez um livro, ele armou uma equipe e as assistentes e fez o livro para São Paulo, mas não ele diretamente, e ele também sabia disso! O Octalles, ele sabia. Era para botar o nome coleção Sérgio Buarque, que chamava muita atenção. E, chamou um professor do Rio de Janeiro, que era um professor de geografia. Tá vivo até hoje, Clóvis Dottori, professor de geografia.
E2- Marido da Ella, era marido da Ella.
R- Era marido da ela. Já não vejo nem um nem outro há muito tempo. Separaram também, não é?
E2 – Separaram.
R – Clóvis inclusive é padrinho, de batismo, de dois filhos meus, quer dizer padrinho que vai lá registrar, de batismo não, de registro, na certidão.
E2 – Registro de testemunha.
R – Meus filhos não são batizados. Para fazer um livro de geografia, aí o Clóvis falou para o responsável no Rio de Janeiro pela editora: - Não o que vende mais é livro de história. Mas você é de geografia. - Não, tem a minha mulher e eu vou chamar dois colegas que vão aceitar a fazer esse livro. O Clóvis eu quase não conhecia, entende. Porque ele tinha sido professor do CAPE, junto com a Ellinha, mas tinha sido mandando embora, não renovaram o contrato dele por negócio de... foi antes até de sessenta e quatro, mas foi esse negócio de política, e aí ele foi. O diretor da editora retornou aqui no Rio e perguntou: – Quem são essas pessoas? Ele disse, olha, tem um que é indiscutível Manuel Maurício de Alburquerque e o outro o José Luiz de Werneck. Que eram dois assistentes do Hélio Viana, fazer que era um livro de história de Brasil, quando na verdade nós só fizemos livros de história do Brasil, mas e esse nós? Nesse momento, eu não estava no meio. Manuel Maurício falou que não ia escrever porque era coisa do estado da ditadura, e ele já estava meio... depois ele botou a cabeça, mas naquele momento é claro, apanhou não sei o que... porque achava que era coisa de ditadura. Aí o Clovis falou: Eu conheço um cara que trabalha na PUC, que é um cara jovem. Na época do Platão, que eu dei aula lá, entendeu? Eu fiz uma apostila, sobre Brasil colônia que era um verdadeiro livro. É que eu nunca cobrei direito autoral daquilo, não, porque eu teria ganho muito dinheiro, no curso Platão. Assim eu fiz aquele negócio assim, o modelo era o Ciro, diga-se de passagem, mas a apostila era deles. Ciro adorava escrever, Ciro Flamarion. Aí fomos fazer, o livro de história. A parte do conteúdo fomos mais eu, da História Dinâmica, mais eu e o Werneck, e a Ella mais na coisa das atividades para atrair os alunos e não sei o que. Aprendemos muita coisa. E, o livro não sei se vocês conhecem, tem inovações. Cada capítulo tem um tipo característico, por exemplo, os primeiros anos, o descobrimento. Então, tem um índio. Então, ao invés do professor precisar dizer: Abra na página tal, que o aluno nunca sabe: - Abre na página que no pé de página tem o indiozinho. Que a gente reproduziu aquele indiozinho ali, quando mudava de capítulo era outra coisa, era outra...
E2 – Outro personagem.
R – Outro personagem.
E2 – O livro é fantástico.
R - Então era assim, tinha várias dessas inovações. Claro, o livro agradou a muita gente, e deixou enciumado outros tantos, e o ciúme aparecia como? É um livro comunista.
E2 - É um livro comunista.
R – Tudo era comunista. (Risos)
E2 – O livro é fantástico professor. Se eu posso agora parabenizar, depois de tanto tempo, o livro é fantástico até os dias de hoje.
R - Não, tá muito desatualizado.
E2 – Ah, sim, mas por favor professor.
R – Porque também tem um momento lá que a gente parou de escrever, mas, a parte de colônia veio, em larga medida, dessa apostila que eu fiz lá no vestibular. Tinha feito, tinha aquilo, claro colocar uma linguagem própria, não sei mais o que. Mas, deu algum trabalho com a polícia.
E2 - É isso que eu queria chegar, porque ele acabou parando de ser editado eu acho ....
R - Não aí não, não foi por isso, não. Nós achamos que já estava na época e tinha que ser atualizado. Ele foi só para a quinta edição, embora chegou a quinta ou sexta edição muito rápido. A gente achou que... e nós tivemos uma crítica (risos) isso é tão gozado. Até colegas assim, íntimos, ex- alunos, que... foi a copa de setenta, que estava se escrevendo o segundo livro, que nós botamos um retrato da Pelé, na última folha (risos).
E2 – Ai recebeu a crítica da esquerda (risos). Tá vendo? E, o livro era comunista. (Risos)
R - Não, Pelé que era comunista (risos) se é que sabia o que era. (risos)
E1 e E2 - (Risos)
R – Mas, são essas coisas na época que a gente sofria muito. Tinha que sair de casa. Minha filha nasceu, eu praticamente só a vi um mês depois.
E2 – Fala um pouquinho dos seus filhos, dessa... né. Fala um pouquinho assim, dos seus filhos dos nascimentos, como é que foi?
R – Nasceram todos em... os três, em três anos e meio, por aí. A Márcia que é a mais velha foi... nasceu antes do que devia. A gente antecipou o casamento por causa disso. Naquela época, casar grávida era uma fofoca que... era uma fofoca daquelas. Um pouco de descuido da gente também. Mas, eu só a conheci praticamente um mês depois que ela nasceu. Porque foi uma época brava mesmo. O Ciro tinha ido para a Europa, fazer doutorado. E, ele trabalhava com a gente do curso Platão, uma postila estava meio desatualizada, eu... o dono pediu, embora não fosse a minha área, pediu para eu fazer uma, é correção não, como é... uma atualização, para uma apostila como a minha. Estimou de colocar meu nome na capa também, eu falei: Poh, eu não tó fazendo não, não sei o que, parecia que eu estava intuindo. O serviço de segurança do MEC pegou e abriu um processo.
E2 – Isso foi em sessenta e... sessenta e...?
R – A Márcia nasceu em setenta e... não nada disso, sessenta e nove, a gente casou em sessenta e oito em sessenta e nove ela já nasceu.
E2 - Período mais duro, não é?
R - Período duro. Foi aí também, já adiantando uma outra coisa, que o professor França, lá em São Paulo, era o catedrático de história moderna e contemporânea. Conhecendo o Falcon, que estava fazendo francês com o Falcon, estava fazendo, Francisco Falcon, que estava fazendo livre docência com ele. Depois o Falcon nem terminou esse livre docência. Ele ia mandar o Falcon para Portugal para acabar a pesquisa e falou: Você tem algum colega no Rio que esteja com algum problema? Que eu falo com o catedrático lá, eu mando para lá. Fomos três lá conversar com ele, eu e mais dois colegas, mas eu sabia que não ia porque a Selma estava grávida. Tanto é que eu só voltei para falar com ele em setenta e oito. Ele falou – Eu te prometi uma vaga, daquela vez. Quando eu fui lá fazer a seleção tinha umas vinte pessoas, ele chegou e disse: Olha aqui, eu tenho duas vagas aqui. Uma era uma assistente dele que também tinha sido obrigado há...: – Uma é do István Jancsó (?) (40:46) a outra é do Ilmar. A autoridade dele era tamanha que aquele bando de gente, ele falou: Não estou mandando ninguém embora não, só vou dizer o seguinte, eu vou examinar vocês e distribuir para os meus assistentes. Que era o Novais, o Carlos Guilherme Mota e outros mais.
E2 – Olha só os assistentes, quem são. (Risos)
R – Eles são mais distantes.
E2- Então teve a Márcia, que é a primeira filha, e aí depois?
R – A Márcia, depois veio o Rodrigo, que foi mais ou menos. Esse foi mais ou menos planejado, quando a coisa deu uma calmada, nós começamos a ter nossa lua de mel na verdade. A Márcia é de sessenta e nove. O Rodrigo e de setenta um, por aí e o João terceiro, é de um ano e dez dia, depois, que mal estava a Selma liberada (risos).
E2 - (risos) Foi três logo, e o último é músico você disse? O que eles fazem?
R – O último é músico, o Rodrigo é mais urbanista do que arquiteto, ele começou fazendo física na PUC, mas foi pro UFRJ e atualmente ele é, infelizmente, diretor da arquitetura, no prédio da UFRJ. A arquitetura fica no prédio da reitoria que é um prédio que está caindo aos pedaços. E, ele tem um projeto muito bonito, que ele só não desenvolve mais porque falta dinheiro e tempo para ele, que é bicicleta de bambu. Ele já foi até em um congresso na Escócia, por aí sei lá, aquela região da Grã-Bretanha. E, dois brasileiros, ele e um outro. Foram melhores aceitos, cada um em sua coisa. João é música, aquela coisa vai, teve que fechar o estúdio onde é que fica a biblioteca tem uma parte baixa do estúdio, que passou para público infantil. Vai nas casas, então fica muito cansado de correr as casas, não sei mais o que, falei: Não tem jeito meu filho. E, a Márcia trabalha na PUC, não é professora não, mas é isso. Márcia fez letra.
E2 - Três filhotes.
R – Três filhotes.
E2 – Bom, vamos passar então para a parte que é o desenvolvimento do trabalho, vamos começar pelo menos, acho que já tá... eu acho que um pouco a decisão profissional, como é que foram as suas escolhas. Um pouco você já apresentou aqui, essa ideia de áreas de humanas, humanidade, parece que estava sempre presente.
R – Desde cedo, desde cedo, eu vou dizer vocês podem não acreditar. Desde muito novo eu dizia para mim que eu ia ser professor. A minha vó queria que eu fosse evidentemente, engenheiro e falasse alemão. Eu já pensava comigo: Alemão? (risos). Eu dizia para ela: Eu vou ser engenheiro, avó.
E2 – A sua origem lá é alemã, não é?
R – Exatamente. Até porque eu não era mau aluno de matemática não, eu gostava. Não gostava de álgebra, mas de matemática no geral assim eu gostava. Mas desde cedo, não sabia professor de que. Eu sabia que queria ser professor. Eu fui mais ou menos alfabetizado pelos meus pais, quando eu cheguei na escola eu já sabia ler, claro uma coisa rudimentar, mas já sabia. Tanto é que nas primeiras aulas o professor chegava para mim e falava assim, era um professor: Você já sabe? Então abaixa a cabeça. Aí eu abaixava a cabeça e dormia, vinha um aluno lá me chamava eu ia lá e fazia o dedo duro: Olha ele me acordou! (risos)
E1 e E2 - (risos)
R- E, com isso apareceu lá um vizinho, foi morar lá ao lado, em um lugar lá que tinha feito um cortiço, uma senhora que alugava vários quartos. Ele estava na idade da escolaridade, pai tinha se mandado não sei o que, aí minha mãe falou: Por que você não pega e alfabetizar ele? Ele veio e eu alfabetizei. A minha mãe foi lá na escola, escola que eu tinha feito. Isso que nós tínhamos feito, escola Santa Isabel, levou a mãe dele, conversou com a diretora: Olha, faz um teste com ele, ele pode ir pro segundo ano. E foi.
E2 - É, tinha essas coisas, a gente fazia um teste para saber se estava alfabetizado.
R – Quer dizer, esse negócio de ser professor, fui desde sempre.
E2 – E a história? Como é que entrou?
R – A história foi um pouco por causa desse professor que eu falei, era sensacional, que depois eu encontrei na Gama filho. Ainda bem que foi depois de eu já estar formado. E muito... provavelmente, não tenho muita certeza, por causa de um livro didático do colegial, que era do Alfonso Esclaiore Toneido de Carmor Morais, professores do Pedro Segundo, catedrático, o Alfredo era catedrático, não é o Alfredo historiador, era da família. Era um livro completamente diferente de história, que livro de história é aquele negócio, vai contando não sei o que, ele era um livro mais analítico, de partir do pressuposto que os alunos já sabiam aquelas coisas. Naquele livro pela primeira vez eu vi, ele transcrevia... infelizmente não tenho mais esse livro, não sei que fim ele levou. Devo ter emprestado para alguém, ele transcrevia texto dos autores, quer dizer, pedacinhos, e eu pela primeira vez...um deles a minha mãe falava muito, esse que a minha mãe falava muito que ela queria muito ler não sei o que, era o Gilberto Freyre, o cara do Casa Grande Senzala, aquele negócio crescia na cabeça dela não sei o que. Gilberto Freyre, a trinca do modernismo, Caio Prado Júnior e Sérgio Buarque de Holanda. Os três. Desses três que eu li a citações o que mais me atraía era as Raízes do Brasil.
Corte na gravação.
R – Simples, não é? Como era simples.
E2- Então, retornando.
E1 – Esses livros inclusive, eles são leitura obrigatória para admissão no mestrado e doutorado aqui até hoje, para ver a atualidade né? Prova do mestrado e doutorado, Raízes do Brasil e Casa Grande Senzala.
E2 - Então voltando, você estava falando dessa trilogia, que serviu de base para o seu... para pensar em história, não é?
R – Já contei... Vou juntar duas que ficou lá para trás, já contei que cheguei para minha mãe e disse que não ia voltar lá, lembra da prova oral, não foi? Então a outra agora, quando eu saí lá da nacional, que era na Avenida Antônio Carlos, eu pegava um lotação na praça Tiradentes para voltar para casa, depois até a faculdade muito tempo eu andava assim para ir e para voltar. Quando eu saí da prova oral, até porque eu não conhecia ninguém, sai completamente estonteado, fui caminhando entrei na Rua México, tem uma livraria que acho que está lá até hoje, Agir.
E2 – Agir.
R – Passei na vitrine da agir, claro só olhei porque eu não tinha dinheiro, estava lá três livros, História Econômica do Brasil, Revolução Política do Brasil, Formação do Brasil Contemporâneo, tudo do Caio Prado.
E2 – Caio Prado.
R – Eu falei: Não, mas ele fala de formação do Brasil Contemporâneo. Ele era o Taunay, o livro dele. Quando eu resolvi fazer, voltei aquele negócio todo. Comecei logo a dar aula, afinal contrataram pelo Artigo noventa e nove, primeiro ordenado... eu fiz duas coisas, comprei duas coisas: um sapato, um sapato não, um par (risos). Um par de sapatos e fui lá na Agir e comprei o Formação do Brasil Contemporâneo, aí eu digo, foi o meu corte, nesse particular foi. O último que eu li, e li muito mesmo em homenagem a minha mãe, queria ter conversado com ela, foi o Gilberto Freyre. Depois a descoberta do Raízes do Brasil.
E2 – Raízes do Brasil.
R – Aquele início de: nós somos desterrados na nossa própria terra. Só isso, poh! Por quê? Porque não sabemos nada da nossa própria história.
E1 – E o Gramsci na sua formação?
R - Ah, esse foi bem mais tarde, foi bem mais tarde. Esse já foi um produto, eu diria um produto indireto, a ditadura atirava em um lado e acertava no outro, quer dizer o cara não acertava, a gente que acertava, foi uma coisa completamente...
E2 - É uma marca da sua geração também, não é? De como é que a ditadura acabou na censura, levando esses jovens a estudar mais sobre o marxismo, a ler mais, exatamente porque era proibido, porque não podia.
R – Exatamente. Mas já foi bem mais... o Gramsci (? 50:49) já tinha terminado o curso universitário.
E1 – Foi mais na época do doutorado seria? Mestrado?
R - Não, porque eu terminei em sessenta e cinco, o doutorado eu comecei por volta de oitenta um, oitenta e dois, eu fiquei vinte anos trabalhando muito, que eu sempre trabalhei muito, sempre trabalhei três turnos, eu fazia questão quando eu comprei, consegui comprar um carro, eu fazia questão de pegar meus três filhos na escola, saia da PUC na Gávea, a escola era em Botafogo, levava para almoçar em Santa Tereza, que era onde nós morávamos, pra poder vê-los, se não eles não iam saber quem era o pai deles. Porque quando eu chegava de noite, de noite era a UFF, eu chegava eles já estavam tudo dormindo, também se estivessem tudo acordado eu ia chorar. (risos).
E2 - (Risos) Então o senhor terminou a graduação, e como é que foi entrar no mercado de trabalho, já foi para o nível superior? Ou trabalhou no Artigo noventa e nove?
R - Já trabalhava desde antes, desde que eu dava aula, eu saia... Desde que eu estava na faculdade, no segundo ano eu comecei a trabalhar no artigo noventa e nove, não era nem supletivo ainda era pelo Artigo noventa e nove, tinha aquela prova, que tinha que fazer, não é. Mas isso era perto inclusive da minha casa na Penha.
E2 – E depois você trabalhou...
R – Aí depois começou o negócio do vestibular, que fecharam o vestibular da universidade, aí eu fui trabalhar no curso, que era o Platão.
E2 – No Platão, vestibular. E quando é que o senhor foi para o ensino superior, ou deu aula em escola pública, município?
R – Aí quase que tinha que fazer aquela linha de tempo com várias coisas, não é?
E2 - (Risos)
R – Eu saí do... me formei em sessenta e cinco, em meados de sessenta e seis, a pessoa que dava a parte mais teórica, na aplicação em história.
E2 - Aplicação na UFRJ.
R – Da UFRJ, que era na Lagoa, ainda é eu acho até hoje.
E2 – Ainda é.
R – Eu saía de casa assim que pude, eu morava na Penha, pegava um ônibus até a central, da central pegava um lotação para ir para lá não sei o que. Em meados de sessenta e seis aconteceram duas coisas que nem me passavam pela cabeça. Primeira que essa professora Lidinéia Dácima ela ficou doente, então entrou de licença, a Ella Dotoria assumiu o lugar dela. Aí os professores dali, de história, aqueles professores de história, quem que nós vamos chamar para substituir a Ella? Aí eu não sei por que mandaram me chamar, eu não conhecia ninguém, quer dizer, eu conhecia de ter passado pelas turmas deles, não sei o que, o Werneck também era ainda da aplicação, depois que o Werneck foi para história do brasil, estava prometido pelo Hélio Viana, e eu fui.
E2 – Foi para o CAP da UFRJ.
R – Para o CAP da UFRJ, isso aí já pegou o finalzinho de sessenta e seis e sessenta e sete. Eles só me pagavam uma bolsa de oito meses no ano, falei: vou ficar aqui enquanto for conveniente. Porque não dá para trabalhar, receber oito meses no ano, sair da Penha ir para lá, almoçar na rua e não sei o que, uma confusão do diabo. Nesse meio tempinho, em paralelo, encontrei uma ex-aluna da, uma colega minha de graduação, só que era um pouquinho na frente, talvez dois anos, eu fui ao arquivo nacional ver alguma coisa, ela estava lá, e ela falou: - Ah que bom que você apareceu? E, eu falei: O quê que foi? - Não, é que eu fui chamada para dar aula lá na PUC e não tenho coragem. Eu sei que você é católico, eu sei que você não é comunista. Porque para ir para a PUC (risos). - Você não quer ir? Eu quase disse para ela: Eu caso com você, que ela era tão bonitinha. (risos)
E1 e E2 - (risos)
R – Estou brincando, aqui é brincadeira. Falei: Por favor, mas por que é que você não vai? - Não, não tenho coragem universidade, não sei o que, essas coisas assim, você vai? - Me diz como é que é? - Você tem que ir lá no andar tal, procurar coordenadora do curso, não sei o que. Que era de história e geografia, na PUC ainda continuava unidos. Cheguei em casa falei com a minha mãe, porque ela era, minha grande conselheira, eu vou lá? - Mas claro, vai lá. Aí fui lá. Quando contaram como era o curso não sei mais o que, voltei para casa: ah não, eu não vou. Primeiro que só tem um homem na turma, o resto era tudo mulher. (risos)
E2 - (risos)
R – Preconceito puro, diga-se de passagem. Minha mãe: Ah é? Você tem que ir de qualquer maneira. E, fui. Cheguei lá à coordenadora do curso, que era de geografia, porque geografia mandava no curso, porque geografia os professores, já não davam muita aula, mas eram todos fundadores do IBGE, ou tinham sido da primeira geração do IBGE. Então, tinham um prestígio. E, a história era um arremedo. Ela perguntou: Você quer dar aula no quarto ano, que na época era ano, ou no terceiro ano? - O que é cada um? Terceiro ano é Colônia e Império, quarto ano é República. - Então eu quero o terceiro ano. E, fui para o terceiro ano, tinha não sei, vamos dizer vinte alunos, um homem e dezenove mulheres. Pior o para mim, iam todos de automóvel. (risos) Eu vinha de ônibus até a central, pegava lotação até a Gávea, levei outra bronca da minha mãe (risos). Minha mãe decidiu meu futuro aí. E fui, peguei, dei e fui ficando. Vocês talvez conheçam de nome, quem era da turma do quarto do ano, que teria sido minha aluna, que até hoje eu mexo com ela, você é uma excelente professora Guida Margarida de Souza Neves, Guida você é uma excelente professora, só tem uma falha na sua formação. Ela: O que é Ilmar? - Não foi minha aluna. (risos)
E1 e E2 - (Risos)
R – Poderia ter sido. Aí fui sendo... quer dizer. Em sessenta e sete, sessenta e oito, época que ia casar entendeu. Eu era um cabide de emprego, em sessenta e seis eu... fiz concurso par o estado. Passei eu fui dar aula a noite em Brás de Pina.
E2 - Já na PUC, no estado, no CAP, não no CAP o senhor parou.
R – No CAP eu saí, foi o único que eu saí, que tinha gente que dizia, assim, fui indicado por Pedro Segundo, e quem mais indicou é um professor que já deve ter falecido, que tinha um livro sobre a revolução praieira, livro interessantíssimo, que eu nunca conhecia, mas que ele me defendeu, ou seja, naquela época. Pedro Segundo não aceitou, porque se era Rohloff, era russo, isso antes de sessenta e oito, isso ainda era sessenta e sete, para você ver como já estava o negócio.
E2 – Era russo, não aceitou.
R – Foi até bom para mim, nesse em particular foi até bom, que eu não tinha mais nada par pendurar. Então eu tinha, a PUC...
E2 – O estado.
R- Tinha o estado, tinha o Platão, que era o curso vestibular e sessenta e sete sessenta e oito, ainda peguei a Gama Filho, que o (?) (59:16) Bores foi chamado para ir pra lá, ele foi, mas essa foi uma história trágica. Faço questão de contar inclusive, porque quando veio sessenta e oito, o AI5, a reação toda, pôs as mangas de fora, não é como agora não que já pôs a muito tempo, ou está tentando por, na verdade. Quem era o diretor da faculdade de filosofia era o Falcon, que nesse meio tempo já tinha providenciado uma bolsa para ir para Portugal completar o doutorado através do França, que eu já contei lá trás: Vocês vão ter que juntar essas pecinhas, aí. Que o França falou: tem mais alguém para indicar, não sei o que. E, o Falcon falou para ele: - olha a reunião vai ser braba. Aí fomos, eu, Manuel Maurício e Werneck, o grupo de história do Brasil na Gama Filho.
E2 – Olha o grupo de história do Brasil da Gama Filho.
R – O diretor, quer dizer o diretor não, quem veio, o diretor o Falcon da faculdade de filosofia, nem foi a reunião. O dono da Gama Filho, que era o dono mesmo era o Gama Filho, o velho Gama Filho. Ele começou a reunião falando dos comunistas, dos subversivos, falando sobre que isso aqui não ia acontecer na faculdade dele, que era dele. Eu não sei onde é que eu estava com a cabeça, eu disse alguma coisa lá que ele, não conversou: Pegue sua arma e vamos terçar armas aqui. Meteu a mão no bolso, botou a pistola em cima da mesa.
E1 – Nossa!
E2 – Jura? Mesmo em sessenta e oito?
R - Não atirou poh, senão eu não estaria aqui. Ai o Manuel Mauricio: Calma Ilmar, calma! Eu era o... poh, todos nós estávamos fragilizados, mas eu era o mais frágil de todos, então tive um cabide de empregos, mas a vida foi depurando. (risos)
E1 e E2 - (Risos)
R – Que a Gama Filho eu saí sem querer sair, quer dizer, não ia ficar lá mesmo, não. Aí aos poucos fui saindo até mesmo do Platão, porque eu fui ficando da PUC. A PUC implantou reforma universitária no Brasil, então querendo ou não tinha que ter professor pelo menos de tempo parcial, a princípio é vinte e quatro horas, não sei mais o que. Embora, os filhos nascendo com aquelas complicações políticas todo, pelo menos estava dando para equilibrara mais ou menos a grana.
E2 – E professor, só para gente fechar aqui.
R – Vamos fechar, vamos fechar.
E2 – Agora eu acho que já... pelo que o senhor falou, não adianta não vai sair do senhor, pelo que o senhor falou... é eu acho que até consegui entender, mas como é que acontece a sua relação com o ensino de história? O fato de o senhor querer ser professor desde sempre, e aí depois de história, o senhor tem textos, embora Ilmar historiadores. Os seus textos sejam assim, básicos para quem está fazendo história, o senhor tem textos fantásticos sobre o ensino de história.
R - Não, poucos.
E2 – É, tá bom, professor. (risos)
R - Não, estou falando sério, até queria que você me dissesse quais são os outros. (risos)
E2 - (Risos) Assim, são fantásticos, então qual é a relação com esse ensino de história?
R – Olha, eu talvez pudesse dizer para vocês, talvez, está certo? Quer dizer, dizer eu vou dizer, mas é uma coisa que não tem um resolvido aqui para mim, mas eu acho que eu. Eu nunca quis ser historiador no sentido estrito do termo, tanto é que eu só fiz a tese. E, o França inclusive me convidou para ir direto para o doutorado, por esses textos que ele conhecia, que ele conhecia esses textos, com finalidades didáticas, apostila, ele olhava: Isso aqui é um livro, não sei o que. E ele era muito, era muito decidido, falou você tem que seguir, ele não tinha dúvidas do que ele falava. Mas, eu... confesso, foi assim a coisa que eu achei assim, que eu ia dar para mim me aposentar e não ia precisar do doutorado, então eu acho que se eu não tivesse feito o doutorado tivesse saído da universidade, teria sido expulso digamos. Eu podia, por exemplo, ter largado o Estado. Mas, eu gostava, e até teve uma época que eu fui para o laboratório de currículos. A diretora era uma professora da PUC, de psicologia, ou de psicologia, a Circe Navarro, ela tinha um projeto para... para a rede estadual, que era, em linhas gerais, assentado no Piaget. Ela tinha a maior biblioteca sobre Piaget no Rio de Janeiro. E, nós fazíamos aquilo, aquele... é uma coisa que você olhando hoje é muito capenga, porque a gente estudava com ela, tinha um dia de estudo dentro da secretaria, chamava Laboratório de Currículos, um nome que é horroroso. Tinha um dia que a gente estudava Piaget, discutia patati, patata. Da área de história quem talvez vocês conheçam de nome que eu também nunca mais vi, já deve estar aposentada, a Raquel Soihet. Raquel trabalhava lá com a gente, que trabalhava história e geografia juntos. E, além de nos fazermos, estudarmos, mas é fazermos as atividades, que era tudo, não tinha nada de texto explicativo, não, né... tem até várias teses sobre isso, nós tínhamos que ir ao local, para treinar os professores, uma vez a cada quinze dias, geralmente no final de semana, não sei o quê.
E2 – O senhor lembra quando foi mais ou menos, que ano, o período?
R – Ah, posso. Eu defendi em oitenta e cinco, isso aí foi um pouquinho antes de oitenta e cinco, um pouquinho depois. Porque quando teve a mudança do governo ela saiu, ela saiu. Porque todo mundo via isso como, quer dizer, todo mundo (risos). A reação via isso como propaganda política, tinha nada a ver de propaganda política. Com isso eu conheci, hoje em dia, não, porque já criaram outros, todos os municípios do Rio de Janeiro. Eu viajei por todos eles para dar curso para os professores, tinha lugares espetaculares, outros... espetacular eu digo da reação dos professores. E, conheci também muita gente, é claro. Então, daí vinha esse interesse pela... vamos dizer pela Educação. Mas, anterior a isso, teve uma outra pessoa, que foi uma outra pessoa da secretaria que entrou e saiu logo depois. Porque tem um gênio, apesar de ser genial, mas tem um gênio para se tratar, não com a gente, mas... ia lá os deputados e os vereadores fazer pedidos, falava: O senhor espera aí. Deixava seis horas o cara lá sentado, para saber quem é que mandava, eu falei: Poxa, não faça isso Maria Helena. Que era minha colega, tinha sido minha colega no (1:07:13), Maria Helena da Silveira. Ela foi a pessoa que... não é que ela tenha me apresentado, eu tenho mais que ajudou muito a descobrir e estudar também bastante Paulo Freire. Então, eu diria, Paulo Freire nessa hora foi o primeiro até, Piaget com a Circe, tinha o Vygotsky também que ficava ali puxando a orelha do Piaget e vice-versa, e em terceiro lugar, o Gramsci e o Thompson, aí que vem o... mas em um outro tempo, quer dizer, tem pequenos intervalos de tempo aqui, entre eles, talvez um fosse pedindo o outro. O Gramsci veio indiretamente através do Thompson, mas o Thompson é mais localizado. O Gramsci, coitado, é mais anárquico, até porque ele escreveu aquilo no cárcere, não é? Anárquico que eu digo, os textos não têm sequência digamos, você tem que saber juntar, não sei o que. Eu tive um colega de infância, que morreu a pouco tempo, até mais tempo, um colega de infância, um colega mais de ginásio, que foi para Campinas, que era um dos maiores conhecedores de Gramsci, ele talvez tenha, quer dizer ele já faleceu, não sei o que aconteceu, a maior biblioteca de Gramsci do Brasil, chamava-se Edmundo Fernandes Dias. Com ele eu discuti também muita coisa sobre o... o Gramsci.
E2 - Você acabou já discutindo um pouco dessas principais referências que imobilizaram, inclusive no campo do ensino. E assim, atividades, quando você foi professor do estado, você já falou das famosas apostilas, que todo mundo considerava que era um livro.
R – Isso era para um vestibular, mas virava livro.
E2 – Vestibular. Você lembra assim de atividade que tenha te marcado nesse seu percurso como professor do que a gente chama hoje de ensino básico? Seja do vestibular, seja no estado.
R - É essas viagens que falei, que eu acabei de falar, do visitando os polos todos do Rio de Janeiro, do estado do Rio de Janeiro. Nesse meio tempo a Ana Maria estava no município, estava com a Yedda, com a Maria Yedda, que era secretaria. Depois a Yedda passou para o estado, mas é porque tinha... aí já estava saindo que o estado foi com... foi quando o Brizola assumiu. Ana Maria é uma outra figura sensacional. Diz Ana Maria que quando ela foi, ela foi minha aluna no vestibular, no Platão, diz ela que no tempo em que... Não vou discordar, até porque é uma coisa favorável, que ela entrou no vestibular para fazer um outro curso lá, que ela até mencionou, mas eu não me lembro, quando assistiu minha aula falou: Não, eu quero fazer história. (risos)
E1 e E2 - (Risos)
E2 - Tá vendo?
R – Pode ter falado isso par me agradar, mas tudo bem, eu recolhi.
E2 - Você falou em Murilão por exemplo, fiquei lembrando das apostilas do meu curso de pré-vestibular, quando eu resolvi fazer, quando eu disse assim: História que eu quero fazer. Embora depois eu fui imposta a fazer Direito, foi por causa disso, e do Werneck, que era também um outro que tinha na minha apostila.
R – Exatamente.
E2 – Professor, a gente vai parar por aqui que eu acho que é... não é?
R – Depois a gente combina outra.
E2 - Aí a gente combina, agora, quando o senhor puder, se sentir à vontade, para gente fazer a segunda parte, que fica mais... é pouca coisa é mais para finalizar.
R – Eu tenho lá um roteiro de entrevista que é com um comerciante não é isso? É esse mesmo?
E2 - (Risos) Com o comerciante? Falta pouco, na realidade falta a relação com a escola básica o senhor falou, mais a questão da universidade, da sua vida acadêmica, como orientador, da relação que você faz com isso, eu acho que o seu texto, esses últimos textos, que o senhor disse: Não são só uns textinhos.
R – Mas quais são os últimos? Eu não sei quais são os últimos. (Risos)
E2 – (Risos) O senhor já pegou quanta bibliografia, quantos textos, falam do texto: O professor como autor? O texto aulas como texto.
R – Ah sim, tá, tá.
E2 – Esse texto você pegar, eu sou mais antiga né, para não dizer que eu sou mais velha, eu sou mais antiga...
R – Eu sou centenário. (Risos)
E2 - (Risos) Quando eu pego os meus alunos, os meus licenciandos, ou que estão, ou mestrando. Assim, de dez, nove citam seu texto.
R - Não, esse eu sei, na época do ProfHistória inclusive, de vez enquanto pedem para eu ir falar no ProfHistória, não sei o que.
E2 - É, citam o seu texto, e citam mesmo, usam muito.
R – E é um texto até meio por acaso, sabia? Mas não vou falar isso não.
E2 - (Risos) Mas, essas questões eu acho que valeria a pena, e já que o senhor disse que tem uma biblioteca, de repente junto com os seus livros eu acho que essa última parte, poderia ser, pode?
R – Pode, é claro. É só a gente combinar o dia. Vocês têm dia melhor?
E2 – Terça-feira para você...
Corte na gravação
R – Nos aposentaríamos para poder ter renovação do quadro, eu acho que é uma coisa legal, mesmo que você seja bom, você já está muito cansado, não sei o que, estão acontecendo coisas que você já não fica lendo, ainda mais com essa pandemia então, foi uma lástima. Então, aos setenta anos foi antes pandemia, me aposentei, e fiquei um mês assim... vamos dizer, sem emprego. Claro, sem emprego. Aí eu fui convidado para ir para a Vice-reitoria Acadêmica, perguntaram o que eu queria trabalhar lá, quer dizer, não é que eu fosse assumir nenhuma direção lá, eu falei: Oh, eu quero ir para as licenciaturas. Meu último projeto, aí sim você tem razão, quer dizer, tem outras coisas também. Na PUC, quando eu já estava saindo, primeiro eu larguei tudo que era de administração. Eu tive muita administração na PUC, não sei mais o que, você vai cansando e vai também mudando a geração, não é poxa. Um morre, não sei o que, você vai ficando bem triste, não é. Meu último projeto foi na história sem ser na história, foi no PIBID.
E2- PIBID.
R – PIBID, para mim é uma cachaça, ou um whiskey, mais sofisticado. Eu adorava o PIBID. Quer dizer, tinha decepções, não com os alunos, mas com os professores das escolas, que alguns eram excelentes, outros: olha, chega, saí, o cara não quer nada entendeu? Até que a gente entende. Então eu estou naquela coisa lá de... estou na acadêmica, na licenciatura, e particularmente dentro do PIBID, pior ainda até, porque estou cobrindo. Quer dizer, ajudando a coordenar todas as áreas do PIBID, da residência não, a residência é diferente.
Entrevista com Ilmar Rohloff de Mattos, em 20/09/2022, em Rio de Janeiro. O encontro foi realizado no Estúdio STE da UERJ.
Estavam presentes
- Professora: Sônia Maria de Almeida Ignatiuk Wanderley
Legenda da transcrição:
E1: Entrevistadora 1: Sônia Maria de Almeida Ignatiuk Wanderley
R: Entrevistado:
A transcrição foi realizada por Aldry Pereira Chaves e revisão por Yomara Feitosa Caetano de Oliveira.
E1 – Bom, hoje é dia vinte e um de setembro.
R – Vinte.
E1 – Hoje é dia vinte um não, hoje é dia vinte de setembro de dois mil e vinte e dois, sou Sônia Wanderley, estamos no estúdio STE UERJ, fazendo, realizando o final da entrevista, a segunda parte da entrevista com o professor Ilmar de Matos. Agradeço mais uma vez professor e vamos retomar de onde a gente parou, a gente estava perguntando ao senhor quais as principais referências mobilizadas no início e ao final da sua trajetória, agora a gente gostaria de saber quais aquelas atividades ou ações que ao longo de sua carreira, no início e ao longo da sua carreira, foram as que você mais gostou na docência, por exemplo?
R – Bom, continuando, pode falar assim, não é? (Tosse) Sempre no início fico um pouco rouco. (Tosse) Não, não se preocupa não, continuando, nós estávamos falando dos três autores principais que me influenciaram (tosse) mais ou menos cada um deles está em um certo momento da minha carreira, claro, não foram os únicos isso é evidente, até porque, ser professor, no meu ponto de vista, tem algumas, quer dizer, professor no sentido amplo, de qualquer nível, etc... tem alguns atributos digamos que são necessários. Então, por exemplo, para mim é fundamental, daria certa especialização que todos nós temos, história do Brasil, história moderna, história... claro, no ensino médio isso...no fundamental.
E1 – Ser mais generalista.
R - É mais generalista. Eu estou falando em termo de formação, é necessário conhecer, estar sempre atualizado com o que está sendo produzido e conhecer pelo menos os clássicos. Eu como desde cedo gostei mais da história do Brasil, da chamada história do Brasil, embora por razões que nada tem a ver diretamente com a coisa da história mesmo. Com pesquisa historiográfica, para dar um exemplo só, no curso primário, tinha lá um livro que, acho que era o livro mais adotado na época. Não posso afirmar isso, chamado: Meu Tesouro, que para mim era meu tesouro mesmo.
E1 – Todo mundo cita esse livro.
R – Quando comprava o livro no primeiro dia no início do ano, no final da semana eu já tinha lido o livro todo, tinha partes que eu gostava, partes que eu gostava mais partes que eu gostava menos, mas um dia lá no livro quando começou um livro de quarto ano, que eu tenho até hoje lá em casa, por acaso comprei. Uma vez que eu fui a uma banca no Rio Grande do Sul, lá em Porto Alegre, que era um sebo imenso, no finalzinho do sebo tinha lá o volume do meu tesouro, exatamente do quarto ano, tinha uma palavra que... me espantava muito. Chamava transmigração, a transmigração da família real para o Brasil, os outros textos. A professora, falava a vinda, a fuga, não sei o que, ali falava transmigração. E aquilo me intrigava muito, e na cabeça da criança, quando eu representava transmigração eu juntava duas coisas, uma imagem... uma imagem de uma aquarela do Debré, que eu também não sabia, estava ali no livro, no próprio livro. Uma família saindo a passeio, então na frente ia o senhor de cartola não sei o que, àquela filazinha assim.
E1 – Eu lembro desse desenho dele.
R – Tinha até os escravos.
E1- Tinha os escravos.
R – E primeiro, eu cismava que aquilo era, o Dom João vindo, a família que estava passeando era a família real. Professora dizia: Não é, é uma família, não sei o que. E aquilo eu associava a uma carreira de formigas, as formigas fazendo assim aquelas carreirinhas que elas fazem, mas porque isso tudo? Para falar que o professor tem que ter minimamente um conhecimento atualizado da historiografia, e mesmo de textos de outras áreas, para poder exercer o seu... a sua tarefa, não é, o seu papel. Isso serve desde para o magistério mais escolar, sobretudo, o magistério universitário, por conta da pós-graduação, para fazer a tese, e por aí em diante, está certo. Então cada um desses momentos da minha trajetória, o Piaget por exemplo, Piaget não perdão, o.... ai meu deus, Pernambucano, como é o nome?
E1 – Freire.
R – O Freire, o Paulo Freire, foi ainda na faculdade, quando eu fui convidado. Já falei isso acho que na vez passada, fui chamado por colegas para trabalhar no programa de educação popular que ele estava instalado no MEC, que foi interrompido em sessenta e quatro. Ele foi perseguido aquela coisa toda. Não cheguei nem a começar. Nesse meio tempo me formei, comecei a dar aula, sobretudo, em pré-vestibular, na PUC também muito cedo. E, foi quando eu passei a estudar mesmo, já estudava bastante, a historiografia brasileira, pelo menos os grandes clássicos, trazendo até o que existia naquela época. Os clássicos maiores naquele momento eram, continuavam sendo o Capistrano, Varnhagen era um clássico, mas não me encantava muito. O Capistrano, ali na passagem do século dezenove para o século vinte, depois no modernismo a historiografia do modernismo tinha pelo menos três grandes autores. Eu acho também que já referi isso na vez passada, que era o Caio Prado Junior, o Sérgio Buarque de Holanda e o Gilberto Freyre. Quando fui fazer a tese, cujo tema foi motivado por diferentes razões, também estava a fim de um... necessitava de ter um suporte teórico sólido. Também não caiu do céu, que caiu do fato de nós no departamento de história, que era uma coisa pequena como é até hoje, naquela época era menor ainda, basta dizer que só existiam quatro professores. Chamava tempo contínuo, não era nem dedicação exclusiva, alguns deles você deve ter até já ter ouvido falar. Eu, um deles, professor Francisco Falcon, professora Berenice Cavalcante, que também já está aposentada e Professor Antônio Edimilson.
E1 - Que ainda está na UERJ, está na UERJ.
R – Professor desta casa. E, nos até para podermos ficar mais up to date, começamos a ler o Thompson, melhor, começamos a ler o Gramsci. E, um professor de filosofia da UFRJ, nós contratamos ele, para nos acompanhar nas reuniões de sexta-feira, que era o dia que a gente estudava. Daí apareceu o Gramsci e por extensão o Thompson. Em paralelo a tudo isso, eu... durante dez anos eu fui professor do estado, em sala de aula. Eu cumpri trinta anos no estado, mas em sala de aula, comecei em um colégio em Brás de Pina, colégio noturno, fiquei ali só o final do ano, que eu fui sessenta e sete, que eu entrei no estado. Entrei no meio de ano, fui para lá, como didático, morava na Penha ainda nessa época. E depois a professora Henriette Amado, que era diretora de um colégio, o André Maurois, no Leblon, que era uma pessoa extremamente criativa, que se manifestava, com todo o respeito, naquela agitação dela, ela falou: Eu não aguento mais esses professores de história daqui, não sei do que. Estou caricaturando o que me contaram. Ai alguém disse: Não, lá em Brás de Pina, tem um professor que dizem que é muito bom, na escola de Brás de Pina e não sei o que. Eles me conheciam mais por causa do Pré-vestibular, do Platão e não por causa do colégio, o colégio eu até faria três, quatro meses, nem lá, colégio era noturno, nem dava para ser um professor muito expansivo. Porque os alunos, a dificuldade aquela coisa toda. Ela monta um estilo dela, quer dizer, tinha por trás um marido, que era o diretor da TV educativa, tinha aquela coisa toda, a família Amado, precisa dizer mais nada, não é? Ela foi até a secretaria de educação como ia sempre, foi lá: Tem um professor no Brás de Pino, quero lá na minha escola, não sei o que, dou vinte e quatro horas. (Risos). E eu parei no André Maurois, que era um colégio realmente diferente, a gente tinha um talento impressionante, mas foi uma experiência interrompida, porque veio sessenta e oito. Isso aí já tinha até passado sessenta e oito um pouco, e invadiram... quer dizer, foram lá, fecharam o colégio, inventaram um monte de maluquice, não adianta ficar falando isso aqui agora. E, eu até continuei lá, mas ali eu perdi muito, todos os professores perderam muito o ânimo. Mas porque eu estou falando nisso? Porque... ser professor para mim, claro, estou falando professor de uma... não apenas de história, de qualquer disciplina. Implica sempre em um bom conteúdo, um bom conteúdo da sua área, e claro, esse conteúdo sempre está surgindo coisas novas. Eu confesso que hoje em dia mesmo, até por estar fora de sala de aula, eu já perdi um pouco o pique disso. Isso para mim a pandemia, além de outros problemas, ela me fez esse mal. Fiquei muito sem vontade de ler, muito pesado e também você lê para responder as indagações que vão surgindo nas conversas com os colegas, nas turmas, não sei mais o que. Fui perdendo a audição, estava conversando com um colega ali a pouco, acho que já falei isso também na vez passado. Já fui perdendo um pouco o prazer de dar aula, que eu sempre dei aula dialogando com os alunos. E, ultimamente eu não perguntava pelo assunto da aula, eu não escutava direito, com turmas grandes, mas eu mais ou menos fazia uma leitura labial lá, o meu jeito, mas eu sabia o que estava perguntando pelo ponto que eu estava da aula, ficava satisfeito não sei mais o que, mas eu não vou chegar, em um ponto de ficar ridículo, digamos assim. Mas, então além, o professor além desse conhecimento da sua área de formação, ele precisa ter o lado também, vamos chamar assim, educacional ou mais propriamente pedagógico. Isso nunca tive a menor dúvida, o lado pedagógico. Como é que eu respondia isso nos primeiros tempos, meio sozinho, hoje em dia eu... tinha um livro, você é muito mais nova não pegou isso. A pergunta que ensina.
E1 – Esse eu não conheço. (Risos)
R – A pergunta que ensina. Era de um militar inclusive, mas era pergunta de história. Então, o livro era um questionário de história, tinha todos os pontos, eu achava que era aquilo, que era assim, tanto é que teve um momento que eu comecei a escrever lá um livro. A pergunta que ensina, não com esse título evidentemente. E essas coisas, então essas coisas todas, método não sei o que, depois de ver aí o... não é estudo dirigido não, instrução programada! Foi a época da instrução programada, até que mudança de um governo. Quer dizer, fusão do Rio, Estado do Rio com o Estado da Guanabara, eu fui parar na secretaria da educação, levado por uma professora que era do André Mourios, da área de língua portuguesa. Aliás, eu soube coisa de... aquela época que eu vim aqui, da vez passada, que ela tinha falecido, professora Maria Helena Silveira, uma pessoa genial e de um... um ânimo, assim impressionante, botava todo mundo para trabalhar em uma boa, não sei o que, aquela coisa toda (muito obrigado 15:06) (tosse). A secretaria nessa época era a professora Mirtis Ventson, lá do centro educacional de Niterói, que era um colégio também, era um colégio, vamos dizer assim, não era experimental, mas era um colégio muito moderno. Então foi lá para a secretaria e de lá em pouco tempo acabei no laboratório de currículos, que era dirigido pela Circe Rima, que era psicóloga, era professora da PUC, a gente se conhecia na PUC, mas era um conhecimento de pilotiz digamos assim, e aí eu fui descobrindo que era o Piaget, a Circe tinha, eu nunca vi, as pessoas diziam isso, seguramente não é mentira, a melhor biblioteca de Piaget do Rio de Janeiro, tinha tudo, em francês, em outras línguas, não sei o que, e muito estudiosa. Então, foi aí que entrou o Piaget na minha vida, tinha entrado o Paulo Freire lá trás, depois o Piaget. Aí eu tive um outro ganho que era muito cansativo, mas viajava o estado todo, quer dizer a gente viajava para dar, na época chamava, hoje me dia ninguém fala mais essa palavra, dar treinamento, dar treinamento. Conheci todos os municípios do Rio de Janeiro naquela época, sessenta e poucos, até um que estava surgindo lá no Norte, no norte do estado, que eu quis conhecer por causa do nome.
E1 – Varre e Sai.
R – Varre e Sai (Risos)
E1 - Também conheci, também assim fazendo treinamento.
R – Come é que o município pode chamar Varre e sai (Risos).
E1 – Eu já descobri porque, você sabe por que Varre-Sai? Varre-Sai é porque na época lá do Império, tinha ali uma hospedagem de viajantes e a hospedagem era pequena, então a exigência era que antes de sair tinha que varrer, o quarto que tinha usado.
R – Varrer, o quarto que tinha usado. (Risos).
E1 – Varre-Sai.
R – Eu não sei nem se era em Varre-Sai que a prefeitura ficava em um lugar que tinha uma Acapela lindíssima.
E1 – Era tudo junto.
R – Era lá. E aí, quer dizer, essa passagem pelo laboratório me foi muito útil para isso, nós produzimos inclusive pequenas orientações para os professores e para a forma de livro e não sei mais o que, todas as áreas, eu viajava. Mas então para mim é isso, o professor precisa ter essas duas é... Essas duas formações digamos assim, essas duas coisas que o acompanham. Aquela mais da sua área de conhecimento, claro, sabendo adequar ao livro da história etecetera e tal, e aquela mais do campo mais pedagógico.
E1 – E pensando assim, duas perguntas aqui.
R – Pois não.
E1 – Uma em relação a essas referências que você apresentou aqui para a sua formação como historiador e diria como profissional de história.
R – Profissional de história. Eu acho que é melhor.
E1 – Porque professor se mistura até na sua fala.
R – Pega as duas coisas. Isso aí foi sempre uma batalha que eu travei, esse negócio de chamar de historiador, bom, daí que saiu aquele texto, mas não somente assim, que eu nunca imaginei que, como diz a pessoa, de viralizar daquele jeito. Foi no ano que meu terceiro neto estava para nascer, no finalzinho do ano, para os professores darem aula para o neto que estava para nascer. Mas é exatamente isso entendeu? Tem que ter os dois lados.
E1 - Então como é que é essas suas referências, você percebia que podia aplicar, de que maneira você aplicou, a esse seu lado professor na escola básica, essa é uma questão. E a outra questão é o professor universitário, professor da PUC lidava com esses alunos, talvez não essencialmente na PUC. Eu não tenho essa realidade na PUC, mas tem muito a realidade aqui da UERJ em que a maior parte dos nossos alunos vão ser professores, ou pretendem ser professores.
R – Sim, claro.
E1 – A licenciatura é um lado muito forte da formação. Então como é que você percebia essa relação, ne esse trato com os alunos da academia, na universidade, essa relação entre um fazer esse professor e essas referências historiográficas. Porque é uma questão que até hoje se debate, esses dois lados estão em equilíbrio?
R – Eu acho que, é, estão em equilíbrio, equilíbrio não quer dizer igualdade. Eles estão equilibrados no sentido de poderem atuar, as vezes você por chance da mais ênfase em um, ao invés de dar mais ênfase em outra, geralmente você enfatiza mais, como professor. O lado do conteúdo da sua área de conhecimento, você enfatiza, até por questão que estão querendo mais isso, mas ao mesmo tempo na sua... ensina, quer dizer, demonstra para eles como é, para você ensinar aquilo não basta você ter o conhecimento, quer dizer, quem descobriu o Brasil, não sei o que, mas como é que o aluno vai receber isso é que você vai... não inventei essa expressão, longe disso, mas sou adepto do professor não ensina, professor conduz a aprendizagem do aluno. Professor não ensina ele conduz a aprendizagem, eu acho que eu aprendi isso, não me lembro mais, que eu sempre fui muito curioso, para ler e procurar, com um psicólogo, vamos chamar de psicólogo, o filho dele era do colégio Aplicação, Mira y Lopez, ele tinha um livrinho pequeninho onde falava isso, não sei onde é que esse livro foi parar. Eu lia aquele livro dia e noite, quinhentas vezes para cima e para baixo, era mais ou menos isso. É... o que o pessoal muitas vezes ficava espantado era eu fazer isso na universidade, porque os colegas geralmente acham que a universidade não precisa ter uma forma, vamos chamar assim, não vou falar nem didática assim mesmo que não querem escutar mais nada, se falar em didática, mas de uma forma... não estou falando mal deles não. Acho que de uma... assim tem que ter uma forma de conduzir a aprendizagem do aluno e isso ai não é com contudo da sua área, isso ai e com a formação pedagógica mínima.
E1 – Esse seu caminho como docente, você viu que essa formação dada na universidade conseguia estabelecer esse equilíbrio?
R – Na minha época não. Era aquele negócio, eu peguei, você eu não sei talvez tenha pegado, o tal quatro mais um, não é isso? O quatro mais um era... sessenta, você tá acompanhando aí, querendo ou não (Risos). Mas, o quatro mais um você tinha na verdade, era um três mais um na prática, um quatro mais um pelos quatro anos você ficava na faculdade, a minha faculdade ficava ali ao lado da Maison de France, ali no centro da cidade que era na casa, o prédio ali da faculdade era a casa de Itália, a embaixada da Itália no Brasil, que a capital ainda era, naquela época, no Rio de Janeiro. Na guerra os estudantes tomaram aquilo, então virou a faculdade Nacional de Filosofia, ao lado da Maison de France. Isso pra nós tinha uma vantagem excelente, isso não... para mim foi um ganho... eu era meio duro, meio é para ser delicado, tinha a biblioteca da Maison de France, que a gente usava muito, que os livros eram quase todos em francês.
E1 – Francês.
R - Não tinham tradução, não tinha essas coisas. É... agora eu me perdi porque eu fui caminhar por aí...
E1 – Quatro mais um.
R – O quatro mais um. E, quando chegava então o quarto ano, a gente ia fazer essas matérias, vamos chamar pedagógicas, que tinha fundamento na educação, uma coisa assim. Psicologia educacional, didática geral, essas as duas que eram mais importantes e a didática especial. Algumas eram dadas na própria faculdade de filosofia, Anísio Teixeira era catedrático de uma delas, não vou dizer qual é porque nunca tive o prazer de ter aula com ele. Eu o conheci pessoalmente em uma outra circunstância, que depois eu posso até comentar. Então algumas eram feitas na própria Faculdade Nacional de Filosofia, geralmente no final da tarde, para poder pegar os alunos das várias licenciaturas, diga-se de passagem, a faculdade era na prática, ela era só licenciatura, a não ser os cursos, vamos dizer assim, de ciências exatas, aí nem sempre ia ser professor então, mas história, geografia, língua portuguesa. Tudo isso era formado para dar aula, bacharelado você fazia para ter um outro curso, quem não fizesse não tinha problema, licenciatura não, tinha que fazer. E, didática geral e didática...
E1 – Especial.
R – Especial, a gente se deslocava para o colégio Aplicação da universidade do Brasil, da UFRJ, lá na lagoa.
E1 – Que ainda é lá na lagoa.
R – Ainda é até hoje, que era um colégio excelente, pelo nível dos professores, mas sobretudo pelo nível dos alunos, era o aluno respondia muito bem, ainda hoje encontro com alguns deles, uns estão por aí. Infelizmente uma grande parte morreu na luta armada, ali também é muito politizado. Mas, eu fiquei lá muito pouco tempo, eu acho que eu já falei isso na outra fez.
E1 - Já.
R – Fiquei lá sete, oito meses, porque só me pagavam oito meses no ano, que era uma bolsa que eu tinha do MEC para ficar lá, mas o que eu aprendi ali, como lidar com os alunos, quer dizer, como atuar como professor e também essa coisa, extrapolar o conteúdo estrito da disciplina. Então, manda ler um romance, vamos ver um filme juntos, vamos discutir, não sei mais o que. O colégio aplicação propiciava isso porque tinha auditório, tinha cinema, tinha não sei mais o que, então propiciava mesmo, era uma coisa...
E1 – Imagina, isso é década de sessenta.
R – Final de sessenta.
E1 – Final de sessenta, são questões que se discutem até hoje.
R – Exatamente.
E1 – Como metodologias e tudo que deve ser...
R - Sem dúvida.
E1 – Que devem (26:51) fosse uma coisa nova, mas está posto ali.
R – O meu caso foi sessenta e sete, iniciozinho de sessenta e oito. Quando eu casei, quando nós casamos. Esse negócio de ganhar só oito meses, aí o diretor do pré-vestibular perguntou, os alunos gostavam das minhas aulas, perguntou se eu não queria assumir tudo de história, falei: Não, vou assumir as turmas que tiver de Brasil, se não for deslocar ninguém, eu assumo, de manhã e de tarde, de manhã, de tarde e de noite, agora as turmas de história geral não. Que era até do Ciro, depois é que o Ciro foi para Paris, aquela coisa toda, e Ciro Flamarion, e... essa coisa. Eu casei, minha esposa estava grávida e não sei mais o que, aquela coisa toda, vai nascer à criança, não dava para viver aquele negócio de ganhar oito meses, aí eu saí e fiquei ali, na PUC nessa época eu ainda era só horista, porque a PUC estava fazendo a reforma universitária, que ai nós passamos para tempo parcial, tempo integral, por aí seja. Mas, no fundamental sabe, dizendo que essas duas coisas estão unidas, a parte de conteúdo a parte mais da área específica e a parte pedagógica, para mim faz sentido porque eu costumo dizer: que o professor, não só o de história, tem como função permitir ao seu aluno aprender a estar no mundo. Eu gosto muito dessa expressão, que eu não inventei, quando eu invento alguma, se é que eu inventei alguma vez (Risos), mas... esse negócio de estar no mundo, essas coisa de estar no mundo é... o estar no mundo seria saber como se movimentar neste mundo, que está sempre desafiando a gente. E esse é o desafio da escola hoje.
E1 - (? 29:10)
R – Além de tudo que a pandemia provocou, que foi um arraso, está sabendo disso, é só ver as pesquisas, as estatísticas, não sei o que. Crianças estão aí acabando o segundo, terceiro ano, não sabem ler, não sabem... claro, estamos falando da massa popular, as escolas especiais não é...
E1 – Fora a evasão escolar, não é?
R – E a evasão escolar.
E1 - (? 29: 40) essas crianças para as escolas.
R – Que eles iam praticamente para merendar, não é? A gente sabia, a gente sabe disso, não é? E... além disso tudo, ainda tem uma outra coisa que é muito mais complicada, aí as vezes eu tenho pena de não ser mais novo para enfrentar esse desafio, com toda a sinceridade, conhecimento todo está mudando.
E1 – É isso aí.
R – Está tudo mudando, quer dizer, não é que a matemática vai ser outra, não é nesse sentido, mas as prioridades, o que é que eu tenho que olhar, meio ambiente, os grupos segregados, oprimidos, parar de matar índio, isso tudo aí está na vida não é... coisa de professor de história, de geografia, de português é da escola, problemas da escola. Isso eu sinto... eu estou na PUC até trabalhando na vice-reitoria acadêmica, na coordenação de licenciatura, a gente tentando fazer isso, mas é uma resistência, você sabe disso.
E1 – Sei, entendo perfeitamente professor. Bom, acho que no próximo tópico aqui tem muitas questões relacionadas a sua relação com a educação básica, a atividades que desenvolveu nessa história, que você já apresentou.
R - Já.
E1 – Tem uma aqui que eu acho que se você pudesse, falar um pouquinho mais. Como orientador na academia, na universidade, essas orientações que você fez, alguma teve a ver com o ensino de história de alguma maneira, como é que você... fala um pouco sobre essas suas orientações.
R – Teve alguma de ensino de história, e caramba agora eu tenho que pensar, teve sim, eu me lembro (risos) teve até mais de uma, agora eu estou me lembrando que eu orientei muita gente.
E1 – Isso é bom para gente saber assim, em um curso como o da PUC, que essencialmente tem uma formação de uma história, pensando hoje, no bacharelado, mas tinha alunos interessados em escrever e pesquisar ensino de história.
R – Não no caso de história lá essa é uma questão que está complicada, porque os alunos entram para licenciatura, a licenciatura de história é a maior da PUC, cento e trinta alunos, perto da UERJ isso é brincadeira, mas eles todos vão fazer bacharelado.
E1 – Bacharelado.
R – Eles fazem licenciatura também, mas não fazem com a ideia de ser professor, até vai ser um professor, por que vai viver de bacharel de que? Todo mundo acha que vai trabalhar em arquivo, vai para...claro, alguns vão.
E1 – Mas, a minoria.
R – Minoria. Trabalham também quando tem a bolsa, que o negócio da bolsa que vão, não sei o que.
E1 – A única opção dos bolsistas é vão até quando dá.
R – Mas é... mas, então essa é uma questão que está se colocando mesmo, e sempre se colocou. Eu orientei algumas teses, estou falando teses genericamente, podia ser dissertação, ligadas direta ou indiretamente ao ensino de história, maior parte não, maior parte era, vamos dizer, não quer dizer que era bacharelado, mas de qualquer forma tinha umas que não tinham a ver diretamente com isso, mas eu participei e a Selma também me ajudou sempre muito nisso, e uma equipe lá de professores que também tem, tem alguns que ainda tem interesse nisso, em alguns projetos do MEC, da CAPES basicamente, que... de formação de professores, é... eu não me lembro mais os nomes dos projetos, que eram uns nomes quilométricos. Um deles era... simplificando assim, como se fosse atualização de professores de história e geografia, que lá os departamentos não eram, não são mais juntos a muito tempo, mas sempre tem uma ligação, ficam próximos, das séries iniciais do...
E1 – Fundamental.
R – Do fundamental, mas lá pegava até o, naquela época até o oitavo ano.
E1 – E é um grande, nó também essa questão do ensino de história e geografia nas séries iniciais do fundamental.
R - É, eu fiz um projeto para isso, até porque os professores de geografia, que gostavam disso eram professores também do CAP, do Aplicação da UFRJ. Eles vieram trabalhar conosco da história. Esse projeto correu muito bem, mas aquele negócio mudou o governo não sei o que, acabou.
E1 – Foi quando isso professor?
R – Olha posso até adivinhar isso depois.
E1 – Ah, não adivinhar.
R – Não, são... não é tão difícil assim não, foi por volta ali de oitenta, por aí.
E1 – Fiquei pensando essa questão dos currículos, aí essa questão estava composta.
R - Já estava surgindo essas coisas.
E1 - Redemocratização do Brasil.
R – E, daí saíram dois livros, saíram dois que eu, que eu organizei, escrevia também, mas foram uma organização, e teve uma espécie de memória do projeto. Um dos livros era, professores que escreviam, da PUC, alguns da UF, etecetera, sobre temáticas que poderiam chegar na sala de aula. Então tem as coisas mais diferentes, desde a carta de Pedro Vaz de Caminha, foi escrita até uma professora que depois ela até virou diretora de departamento, a... Maisa, Maria Elisa. É... o outro livro Ricardo Benzaquen, que já faleceu.
E1 - Já.
R - Que era o... esquemas que ele gostava de desenvolver, muito interessantes, se eu tiver algum exemplar, lá em casa.
E1 - É interessante, porque a gente também está querendo fazer uma espécie de museu com essas obras possam ser doadas.
R – Que saíram até durante algum tempo, eu tive sociedade com alguns colegas, foi uma experiencia meio triste, uma editora, esses dois livros saíram por essa editora. Então, um foi esse, era as palestras que eles faziam, quer dizer, palestra era... falando assim, eles iam lá uma sessão que durava quatro horas, faziam a apresentação depois os alunos praticavam em cima daquilo que eles faziam. Então, esses que foram lá, devem ter sido... o livro deve ter uns doze artigos por aí, fizeram os artigos ficou um negócio muito bom. O outro eram artigos específicos de história do ensino da história no Brasil, que ele trabalhava ali, ali também.
E1 - É, se o senhor tiver esses livros e puder depois, nem que seja os nomes, se não tiver um exemplar que puder, que a gente está querendo também fazer esse, juntar esse material como um material de memória.
R - Não, eu me lembro que é... de um lado vendeu muito de outro lado também foi muito distribuído. Muito distribuído, é...
E1 – Bom...
R - E lá no laboratório de currículo a gente fazia também os textos para as escolas, para os professores, eles participavam.
E1 – Esse material se perdeu ou será que ainda tem?
R – Na secretaria provavelmente têm.
E1 – Na secretaria. Porque é um material tremendo para pesquisa.
R – Na secretária provavelmente tem.
E1 – Para reparar assim na questão do currículo.
R – Currículo.
E1 – Fantástico.
R – Foi uma discussão inclusive que começou muito por essa época, essa coisa de discutir currículo, não sei o que.
E1 – Década de oitenta por causa da redemocratização, fim da ditadura.
R – Exatamente.
E1 – Todo lugar...
R – Superar os estudos sociais.
E1 – Isso, superar os estudos sociais, isso mesmo, como retornar com a história...
R – Com a história.
E1 – Para a escola, história e geografia.
R – Certo, história e geografia.
E1 - Até acho que a gente pode até de certa maneira, o senhor já falou sobre ações extensionistas, ações. Porque essas questões, principalmente na secretaria do currículo.
R – Eu viajei o estado aí que eu não aguentava mais.
E1 – Esse material deve ser superinteressante falar. E assim, presença em associações de classe, instituições de classe. O senhor teve alguma participação, alguma coisa assim?
R - Não.
E1 – Nunca foi, não é? Você nunca, eu também não lembro, estou tentando lembrar do Ilmar...
R - Não, mas não é muito o meu forte não, não tenho nada contra, mas eu sempre trabalhei, pelo menos durante trinta anos, já falei isso, não é? De manhã, de tarde e de noite, sem brincadeira, de manhã de tarde e de noite. Teve uma época que meus filhos eram pequenos fizemos que eu arranjei um jeito lá na PUC de sair um pouquinho mais cedo para o almoço e voltar um pouquinho mais tarde, para poder almoçar com eles, porque senão, pegava eles na escola e almoçava com eles, porque senão eu não via os meus filhos. E a Selma também trabalhava.
E1 - É, é isso aí.
Ilmar diz para alguém fora da visão da câmera:
R - Não sei se você é professora, mas é duro.
E1 – Ilmar é um proletário da...
R – Sou, mas não me queixo não.
E1 – Eu também não Ilmar, também faço isso.
R – Se a gente faz com gosto, claro, nessa época eu tinha muitas... colegas que eram presas, colegas que eram mortos, a gente lembra, estava contando para o rapaz ali, quando a minha filha nasceu, está gravida, contar isso aí para... para um pouquinho nesse momento.
Corte de gravação.
E1 – A mais importante nesse seu trajeto profissional, das publicações aí, como que você disse, que é difícil escolher o filho, não é? Mas (Risos).
R – Eu acho que, o primeiro... o primeiro texto que eu fiz foi uma apostila criada para o curso Platão, eu acho que eu também já falei esse, que cortou aí não ...
E1 – Acho que também falou, falou sim.
R – Que o nome dele era apostila do Ciro, que eram livros, então fiz, fiz isso, fiz não sei o que, é... e aquele ali também teve muito sucesso, mas não, até talvez por ser apostila, acho que é um pouco até de preconceito meu. Era um livro verdadeiramente, eu valorizava muito, mas aí aquilo acabou virando, quando fui chamado por dois colegas, também acho que já comentei isso da vez passada, fizemos um livro didático.
E1- Isso, que eu acho fantástico.
R – Falei, não falei? Já falei disso da vez passada, o História Dinâmica. História Dinâmica.
E1 – Eu uso esse livro, eu achei em um sebo, e eu uso... Minto! Não achei em sebo não, o Américo do CAP da UERJ tinha um exemplar e me deu de presente.
R - É teu amigo mesmo. (Risos)
E1 – Eu continuava no CAP, professora do colégio de aplicação, eu sou até hoje, embora não esteja hoje lá, mas eu continuo lotada, sou a maluca que dou aula em todos os níveis, é.... aí ele falou assim: Eu não estou mais no CAP. Ele era do CAP também.
R – Ele era, era.
E1 - Então eu vou te dar de presente esse livro para você usar.
R - É o jeito dele, é o jeito dele.
E1 – E eu uso até hoje, quando trabalho história do ensino de história com meus alunos da graduação, como um exemplo de uma marca em um momento, como um momento duro, aquele livro didático.
R – Muito duro, saindo e o tempo fechando, foi perseguido. Nós pelo livro não sofremos nada.
E1 – Esse é o livro que eu gostaria de deixar, mas o meu eu não dou não. (Risos)
R - É, eu também tenho um ou dois exemplares, que os meus filhos estudaram nele, deixei lá para estudarem nele, e... quis doar assim, manda tanto ou se não as vezes vai aprendendo as coisas e não sabe nem onde vai parar, não sei mais o que, nessa fase da vida agora eu estou mesmo tentando juntar muito dessas coisas.
E1 - É, mas essas, coisas que você tiver, que você acha que pode doar, que também tem essa questão, não é?
R – Depois você me diz o que vocês estão mais interessados assim.
E1 – Seja qualquer coisa que sirva dessa memória para você, e que você possa doar.
R – Claro.
E1 – Livros, textos, qualquer material, tipo... mesmo a cultura material que a gente quer também fazer.
R – Entendo. Mas então, quer dizer, primeiro livro que eu achei que fosse significativo e me deixou muito feliz foi a História Dinâmica, depois nós fizemos um outro, não mais a... não era a mesma equipe, já era eu, o Falcon, a Selma e a Maria Elise Resende, para Francisco Alves uma coleção que eles queriam fazer também, mais para o... como é que chamava na época. O segundo grau, mas para a confusão lá do período fizemos só o primeiro volume, ficou interessante, mas ficou pesado, então ficou um livro pesado. Nós não seguimos uma... o conteúdo é muito bom, mas não conseguimos encontrar, que a História Dinâmica tem um... isso a Ella Dottori, a Ella Dottori foi muito responsável por isso. Ela trabalhava no CAP, com turmas de... do final do primeiro grau, então ela tinha uma criatividade para isso muito grande.
E1 – A narrativa conseguia...
R - É, e a gente transformava aquilo, ela fazia inclusive grande parte das atividades, que naquela época chamava exercício, hoje em dia não pode mais chamar de exercício, nem em educação física. (Risos).
E1 - (Risos)
R – Mas, é... esse método em larga medida é dela, é... nesse outro da Francisco Alves que a coleção também parou por várias...
E1 – Você não lembra de nome, não é?
R - É história, história segundo grau, na capa cada disciplina tinha na capa a letra inicial.
E1 – Ah, eu lembro!
R – Um a “agazão”
E1 – É um H, um H grande.
R – Sobre..., é quando (? 44:30) a coleção, a pessoa que mora lá no meu condomínio, anda muito triste que a esposa faleceu, professor Bechara, que é um cara maravilhoso, inteligentíssimo, o mundo tem isso, não é? Gosto muito mesmo da tese, não é?
E1 - É, a tese é uma marca, não é? Todo mundo gosta.
R- Confesso que eu não tinha a menor expectativa, quer dizer, sabia que estava boa, sabia, quer dizer, estava boa que eu digo, que eu tinha feito aquilo...
E1 – A tese é O Tempo de Saquarema, só isso. (Risos).
R – Que eu tinha...
E1 - Só um livro clássico da história.
R – Eu tinha certeza de que o que eu tinha escrito, não que estivesse certo, estivesse errado, fazia sentido, isso eu tinha certeza completa. Deu muito trabalho, agora, eu não achei que fosse ter, em uma falsa modéstia, a repercussão que teve, ainda hoje tem gente que me escreve pedindo livro, não sei o que.
E1 – A gente podia ter trazido o meu para você fazer a... da minha graduação. (Risos).
R - É... esse aí eu também, mas é... e depois eu fiz, também já falei isso um dia, mas eu não fiz sozinho, fiz com colegas, dois livros paradidáticos, naquela época estava moda os paradidáticos, traduzindo digamos assim, a tese para o ensino médio base.
E1 – Também usei muito no fundamental, (realmente 46:08).
R – Tá certo. E depois teve esse artigo aí, que ele é artigo não é livro, mas de qualquer forma, que a gente fazia lá na PUC um... até se faz, não é? As pessoas fazem as monografias de final de curso, ninguém lia aquilo, quando muito leitor crítico. Eu inventei lá de fazer uma seção antes da formatura, que eles apresentassem as suas monografias, porque senão, eu falei: Isso tudo para não usar o trabalho de vocês, não sei o quê. E pegou, aí... toda seção que acontecia eu notava que os, os orientadores, que era os próprios professores do curso, falava assim: Não, você agora, já é um historiador. Você escreveu uma monografia, não sei o quê. Aí teve um dia que eu cheguei lá: Calma. (Risos). A Selma até que começou, não é só bacharel que escreve monografia não, licenciando também, e é historiador, aí por isso que eu fiz aquele texto, mas não somente assim.
E1 – Que é um texto muito bom, que é um texto....
R - É, eu também saí, então estava inspirado.
E1- (Risos). É um outro texto que se tornou um clássico nas aulas para o ensino de história, é... Quais os principais desafios, que para você, o campo de ensino de história enfrentou. Eu acho que o senhor já falou um pouco, eu acho que esse aí também o senhor já disse desses campos, desses desafios, você queria acrescentar mais alguma coisa?
R – De um lado, na minha trajetória, um dos... na minha trajetória quer dizer, no tempo que eu fui professo, quer dizer mais...depois da redemocratização, não..., mas, o negócio da perseguição política atrapalhou muito, os currículos controlados, os professores controlados, não sei mais o que. Depois melhorou, ultimamente voltou a acontecer isso, não estou mais em sala, mas eu sei que está acontecendo.
E1 – Sim.
R – Teve uma coisa que de um lado também ajudou, de outro também enfraqueceu o negócio do ensino da história, que foi a criação da pós-graduação, aí enfraqueceu também porque quase ninguém queria fazer tese de ensino da história. Tinha gente, nesse particular acho que o mestrado profissional ajuda um pouco, até porque tem alguns ajustes, eu também não estou participando disso não entende? Deixo lá com o Luiz, que ele entende, Werneck, não é. Mas eu acho que é isso mesmo, mas foi... é... crescendo não é, porque universidade mudou também, foi para negócio de professor de tempo continuo, pesquisas, faculdade que eu fiz não se falava em pesquisa. Não falava em pesquisa, os professores todos eram horistas, não sei qual era a carga horaria de quem era catedrático, os outros todos eram horistas. Aquilo ali era ser professor dali como ser professor de outro lugar qualquer, não faziam pesquisa, a não ser surgisse um projeto específico, entende. Quer dizer, sem dúvida isso é por incrível que pareça foi o governo militar, a ditadura digamos assim, que criou essa universidade moderna no Brasil, por falta de opção, diga-se de passagem, professores de tempo contínuo, pesquisa.
E1 - É, é interessante...
R - Não se falava de pesquisa no meu curso.
E1 - É interessante que esse pesquisa e ensino de história, durante muito tempo, não é visto como objeto da história.
R – Da história, exatamente.
E1 – Essa é a questão que até hoje a gente tem esse debate com isso.
R - (Tosse) Exatamente.
E1 – Bom, vamos fechando agora.
R – Vamos sim.
E1 – Para fechar, você não atua mais no campo como professor, mas está com trabalhos você me disse, na PUC, que tem relação sim com o ensino, podia falar um pouquinho mais, ou aquilo que você ainda não falou.
R – Você deve conhecer onde é que eu estou trabalhando. Também acho que eu já repeti isso tantas vezes, falei já alguma coisa a vez passada, está ligada ao PIBID e a residência pedagógica. Então é isso.
E1 – E como é que você vê essa experiência, que é recente, como é que você vê isso.
R – Para mim, quer dizer, não tenho tanta informação sobre isso, é... a melhor maneira de se formar um professor. Porque... tem ali um desafio que eles agora estão tentando enfrentar, mas é complicado. Porque um professor, quer dizer, um licenciando, qual é a novidade para ele? Que é aquele negócio: ah você tem que fazer prática de ensino. Ia lá marcava o negócio umas duas, três aulas, tinha acabado, quando muito ficava assistindo a aula, o professor não sei o que, uma coisa muito superficial, em alguns lugares era mais aprofundado, em outros lugares, menos, não sei mais o que. Agora não, ele vai e passa o ano inteiro na escola, quer dizer, não, um período, junto ao professor da turma, e junto a turma também, está vivendo... aluno é muito crítico, a gente sabe disso, nas reuniões tinha que maneirar de vez enquanto, começava: Não, calma rapaz, você não sabe o que é ser professor, fica colocando crítica aí. Mas tem professor muito desatualizado, por condições de trabalho mesmo. Então, isso já é um grande enriquecimento, ele ver o quê que é a escola, ver o que é a escola. Infelizmente, ele vê o que é a escola pública, sobretudo nesse período agora, esse último PIBID não funcionou nada com esse negócio da pandemia, funcionou nada. Ensino remoto nas escolas públicas, a maior parte não tem computador, quer dizer, o computador está lá montado, não funciona, não tem internet.
E1 - Não tem rede.
R - Não tem rede.
E1- Pelo menos não uma rede confiável.
R – Exatamente. Então eu acho que isso foi, e é, um grande avanço, uma grande experiência na formação. Eu fico muito esperançoso com isso, e de outro lado acho que o que falta resolver, é trazer o professor, da escola, para participar das reuniões na universidade. Eu durante cinco anos fiquei no PIBID, quando me aposentei podia ficar mais, mas eu fazia isso, sempre que eu podia, às vezes até pagando para o cara. Ele vinha participar das reuniões na PUC, junto com os alunos, os alunos estavam lá, tinha momento que tinham três professores da escola que tinha muitos alunos estagiários e tinha três professores, que eram três professores de três gerações completamente diferentes, o mais novo, que era formado até pela UFF, não sei se porque era o mais novo, era o mais animado (Risos). Chegou até a namorar alguém na PUC, mas tinha essa brincadeira, era o mais animado mesmo, disposto a fazer coisas novas, não sei mais o quê. O mais antigo, até se entende, já estava cansado, aí vai ver tinha discussão, nos primeiros dias de aula, ele mostrou o programa, uma aluna perguntou: Por que não tem conjuração baiana? - Ah porque não foi importante. Por quê? Por que tinha negro? - Não, não, é porque não tem tempo no programa para colocar. Aí discutiram eu deixei rolar a discussão até um ponto que se eles fossem saír na briga eu separava, aí depois eu entrei falei: Não, vamos, dá sim, diminui outra coisa, acrescenta aí.
E1 - É, esses recortes de gerações, de formação.
R – De formação.
E1 – Que a gente consegue ver isso no PIBID, não é?
R – Exatamente.
E1 – E levar, não apenas a universidade a escola, mas a escola a universidade.
R – A escola na universidade.
E1 – Essa relação mais horizontal, eu acho que é fundamental para o PIBID. E aí você já diz um pouco também o que você acha que avalia que mais mudou em relação ao ensino de história, e a pesquisa sobre ensino de história.
R – Mudaram também as pesquisas, não é? As temáticas, várias temáticas novas, história atlântica, história indígena, história mesmo dos povos africanos, mudou a perspectiva, essa perspectiva mudou muito.
E1 - Formação dos professores, nessa... hoje comparada com a que você, por exemplo, teve, como é que você vê?
R – Completamente diferente, completamente diferente.
E1- Para o bem, para o mal? Como é que você vê? Continuidades, mudanças que você vê como mais significativas.
R - Não, não, eu acho que no geral, no geral mudanças mais positivas. Claro, tem uma situação ou outra, aquilo mesmo que eu comentei lá, quando eu falei que a gente ia para o colégio de aplicação, assistir aquela coisa, então tinha aula de como apagar o quadro negro, tinha aula disso. O professor ia dar aula de como apagar o quadro negro.
E1 – Eu lembro que em um concurso que eu fiz eu perdi meio ponto porque eu não apaguei o quadro ao terminar.
R - Tá vendo.
E1 – No colégio Pedro segundo. Eu tirei nove e meio, tudo bem. (Risos)
R - Você está lá no Pedro Segundo?
E1 – Eu tive que sair, eu tive que a minha vida com o Pedro Segundo nunca deu certo, eu gosto muito do Pedro Segundo, eu fiz o concurso no Pedro Segundo, assim que eu me formei, com um ano de formada, aí eu passei, mas não tinha a parte de curricular, não tinha nada em experiência, não fui classificada. Portanto, para entrar, depois eu fiz, algum tempo depois mas passei, fui lá, mas era a época do Collor, ele transformou concurso em provisório, a gente entrou na justiça, porque a gente tinha feito um concurso e não professor substituto. Foi... muitos amigos meus continuavam na justiça depois, quatro anos depois, a gente continuou como professor do Pedro Segundo, mas na justiça, é... daí saiu um outro concurso, eu fiz de novo, passei, fui a primeira colocada, mas aí eu já estava na UERJ.
R - É, aí, não é?
E1 – Comecei na UERJ desde CAP, no CAP da UERJ, com dois anos de formada eu estava no CAP da UERJ, como professora auxiliar, e aí então eu não podia ter três matrículas públicas, aí fiquei com a matrícula no Pedro Segundo, a última que era a certa, e aqui na UERJ. Mas aí foi a época em que não se podia mais ter, professor tinha que ter só sessenta e quatro horas, não podia mais ter quarenta e quarenta, aí eu pedi para diminuir lá no Pedro Segundo. Porque a minha relação com a UERJ era mais antiga e o salário da UERJ era melhor, naquela época, mas eles não aceitaram, aí eu me exonerei do Pedro Segundo, mas eu sinto muito por isso, tive uma relação com o Pedro Segundo muito boa.
R – Eu tenho uma... minha nora é professora de história do Pedro Segundo, ela fez o curso, ela passou para UFF no vestibular, começou lá, depois passou para a PUC, se formou pela PUC, é... é professora do Pedro Segundo, no Humaitá, e os dois filhos delas são alunos do Pedro Segundo.
E1 – Meu filho estudou lá, no Humaitá, no Pedro Segundo, o meu estudou. É um bom colégio, apresar de tradicional, o colégio. Bom, vamos lá, chegando ao final.
R - Já falei isso várias vezes, não é? (R isos).
E1 - É. (Risos). Mas é que está no finalzinho mesmo.
R – Eu estou brincando. (Risos)
E1 - É que eu estou tentando ver que a gente chegou uma hora e depois não seguiu muito. O que você já falou, é... aí já questões mais pessoais mesmo, como está a sua família hoje, é... você também já disse: com quem você mora, continua trabalhando? Também já disse, está aposentando, mas continua trabalhando.
R – Eu estou trabalhando.
E1 - Lá na secretaria.
R – Mas não tenho, não tenho turma, a não ser quando eu vou a escola ver alguma coisa do PIBID, mas isso não é turma. O meu trabalho mesmo é dentro da PUC, mais com reunião com os professores, tudo.
E1 – Essa questão do PIBID e da residência, não é? Além do trabalho o que você mais gosta de fazer?
Silêncio.
R - (Risos)
E1 - (Risos). Que possa ser dito nas câmeras, não é, Ilmar? (Risos)
R - (Risos). Não, é difícil dizer isso porque a pandemia mudou muito a minha vida.
E1 - É verdade.
R – Mudou mesmo, também mudou as coisas que eu sempre gostei muito de fazer, desde criança, é ler. Eu passei praticamente dois anos que não lia nada, em termos de... ou de literatura ou de história. Comprava o livro, pegava, não sei o quê. E eu tive uma PIBID forte, e a minha esposa, tivemos...
E1 – COVID, não é?
R - É, COVID, é, eu falei PIBID.
E1 – Falou PIBID, juntou PIBID e... (Risos)
R - (Risos). Tivemos no mesmo momento, também, por razão mais ou menos obvia, ela teve muito braba e eu não tive nenhum sintoma. Mas, eu tive, porque fiz teste, não sei o quê. Aí ela ficou boa, felizmente, e eu também fiquei bom. Aí começou uma preguiça, de eu ter que deitar, assim, durmo uma hora, levanto, mais uma coisinha, não sei o que... mesma coisa. Agora, ultimamente, está melhorando, mas até muito tempo esse negócio.
E1 - Sequelas são fortes, a UERJ chegou a criar aqui uma clínica para sequelas de COVID.
R – De COVID.
E1 – Posteriores.
R – Mas então, é isso aí que... é isso mesmo.
E1 – Mas você gosta de ler então, de leitura.
R – Gosto, gosto muito.
E1 – E você... claro teria que perguntar se tem, mas tem que ter, qual o seu maior sonho?
R e E1- (Risos)
R - Será que nessa idade a gente ainda tem que ter sonho?
E1 – Ter sonho. Tem sonho.
R – Meu maior sonho é ver esse país tomar jeito.
E1 – Isso é um sonho coletivo.
R – Isso também é uma coisa que me dá muito desanimo hoje em dia.
E1 – A nossa geração então, que a gente lutou muito antes, e agora a gente de repente vê tudo começar. Então, eu também senti isso, eu disse: Caramba, eu briguei tanto, eu era tão jovem, a gente brigou e depois a gente acreditou que pelo menos alguma coisa tinha conseguido, e aí a gente vê tudo voltar de novo. Eu entendo perfeitamente.
R – Mas, essa... mas eu acho que a gente vai conseguir, sei lá, tomara.
E1 - É, tem que ter um pouquinho de otimismo. Bom, alguma outra questão que você não foi perguntado, se é que tem? Eu perguntei tanta coisa para você Ilmar. (Risos).
R - (Risos) Não, tá bom.
E1 – Que não está aqui, que gostaria de narrar?
R - Não, está tudo bem, acho que está tudo bem, pode ser que depois eu lembre de alguma coisa, mas... acho que da minha vida foi isso.
E1 – Por último, então assim, você já assinou, mas expressar a autorização para usar academicamente, dentro de universidade, essa entrevista.
R- Você quer que eu fale isso?
E1 – Isso.
R – Fica à vontade para utilizar o que foi falado aqui.
E1 – E agora só tem que agradecer e muito e dizer que foi assim uma honra.
R – Eu que agradeço.
E1 – Você é muito humilde nessa sua... disso de... de perceber essa importância, mas para mim foi uma honra entrevistar Ilmar de Mattos.
R – Obrigado.
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