Projeto Memórias do Comércio de São José do Rio Preto
Entrevista de Milton Perozin
Entrevistado por Luís Paulo Domingues e Claudia Leonor
São José do Rio Preto, 09 de novembro de 2021
Entrevista HV_092
Transcrita por Selma Paiva
(00:27) P1 - Boa tarde, ‘seu’ Milton, tudo bom?
R1 - Boa tarde! Tudo bem, graças a Deus. Estamos aí numa situação maravilhosa hoje aqui, né, com essa entrevista, estou muito feliz.
(00:40) P1 - Nós também.
(00:41) P2 – “Seu’ Milton, pra começar, eu gostaria que o senhor dissesse o seu nome completo, pra ficar registrado no vídeo, a data e o local onde o senhor nasceu.
R1 – Bom, meu nome é Milton Roberto Perozin, hoje estamos no dia 11 de outubro de 2021, eu sou nascido natural de Cedral, município de São José do Rio Preto, cidade vizinha aqui. Então, eu sou natural de Cedral.
(01:08) P2 – Certo. E a data de nascimento do senhor, quando foi?
R1 - Ah, dia 02 de maio de 1965.
(01:16) P2 – Legal. E qual que é o nome do seu pai e da sua mãe?
R1 - Meu pai se chama Minervino Perozin e a minha mãe, Antônia Pontes Perozin.
(01:27) P2 - Ah, legal. E os seus avós, o senhor conheceu os seus avós, teve contato com eles, assim?
R1 - Conheci os avós, o pai do meu pai é Antônio Perozin, a mãe do meu pai era Joana Sanitar, a mãe da minha mãe Ana Funchal Pontes e o pai da minha mãe, Manoel Pontes Filho. Então, foi unindo aí os portugueses, italianos, essa mistura, que hoje saímos nós, graças a Deus.
(01:59) P2 – Sim. E, ‘seu’ Milton, o senhor sabe a origem deles? Eles moravam onde, seus avós, antes dos seus pais se conhecerem, onde eles viviam?
R1 - Os pais do meu pai vieram da Itália, sabe? Eles vieram da Itália. E os pais da minha mãe vieram de Portugal. E eles se conheceram aqui no Brasil e se casaram aqui. Inclusive teve um caso na família do meu pai, que o irmão do meu avô nasceu no navio, chegando aqui em Santos, 1889. Ele se chamou Brasil Perozin, (risos) era o nome dele, meu tio, tio-avô. E daí vieram pra Sertãozinho e depois se dirigiram para Rio Preto, mais tarde, onde meu pai foi se criando, minha avó também, na região de Uchoa, e se casaram e formou essa grande família.
(03:00) P2 - Muito bom. E o que eles faziam, o senhor sabe a profissão deles? Moravam na capital, cidade, onde?
R1 - Eles eram agricultores. O meu avô veio para a cidade de Cedral, onde lá tem praça com o nome dele, da família, e os pais da minha mãe vieram pra Uchoa, pra cidade de Uchoa, que é uma cidade vizinha também aqui - e onde são muito conhecidos também. Tiveram famílias grandes, sabe, tanto meu avô pai da minha mãe, quanto do meu pai. Meu pai... eram em 12 irmãos, família grande, e todos eles trabalhavam na agricultura, no café, na época dourada do café, e foi assim que ele foi criando a família. Foi muito importante pra nós esse pessoal que trabalhou tanto, desenvolveu nosso município, nossa cidade.
(03:58) P2 – Certo. Então, o forte naquela época era o café, né? Eles plantavam café pra exportar pra Santos, como que era?
R1 - Isso, eles colhiam café, na época, e beneficiavam; aqui em Cedral tinha as máquinas que beneficiavam e ia diretamente pra Santos, onde era exportado, toda riqueza saía de lá, as exportações, e foi uma época muito boa, porque eles conseguiram, naquela época, se tornar, digamos assim, fazendeiros, se tornar pessoas importantes no município, né? Meus avós tinham adquirido terras de colonos e passaram a ser fazendeiros. E depois, em 1945, mais ou menos, por volta aí, deu uma crise no café, onde até o governo acho que de Getúlio Vargas, se não me falha, queimaram um tanto de café e veio se contrapondo uma crise, na época. Meus avós também contavam que sofreram muito com essa crise do café, mas foi superando e assim mesmo conseguiram se manter com tudo que eles tinham e as famílias.
(05:10) P2 – Legal. E o seu pai e sua mãe também participaram das duas partes da família aí da plantação, eles também foram agricultores?
R1 - Sim, ativamente. Meu pai, inclusive, mora em Cedral, hoje ainda eu vou lá jantar com eles, na glória de Deus, meu pai trabalha na lavoura, está com 82 anos, parece um moço: anda a cavalo, tira leite, cuida do limão. Meu pai, graças a Deus, parece moço. Vamos pescar juntos, nós somos amigos, nós temos o hábito de pescar aqui na região, no Rio Grande, então, eu falo assim que meu pai e minha família é meu esteio, né? Meu ponto principal.
(05:56) P2 - Legal. E o senhor sabe como seu pai conheceu sua mãe? Como foi a história?
R1 - Ah, sim, sim. Sabe, aquela época era uma época, assim, dourada, aquele respeito, aquelas coisas maravilhosas. E tinha aqueles bailinhos no sítio. O pessoal era muito povoado, existiam as colônias, as colônias no sítio; naquelas fazendas antigas tinham quarenta casas, trinta casas e aí acontecia, no final de semana, aquele bailinho tradicional, sanfona, forró. E os jovens se aglomeravam lá, se juntavam pra curtir baladinha, dançar o forró, e foi numa dessas que o meu pai conheceu minha mãe. Eles se apaixonaram à primeira vista e estão casados há mais de 55 anos, estão juntos e felizes lá, depois desse bailinho aí. (risos). Famoso bailinho de arrasta-pé.
(06:55) P2 – Legal. E aí eles se casaram e foram morar onde, na fazenda mesmo? Saíram de lá?
R1 – Isso. Como naquele tempo lá meu avô tinha 12 filhos, era de costume, quando casava um filho, que ele viesse morar com a família. Aí meu avô separou, por exemplo, dez mil pés de café pro meu pai, uma gleba de terra, e meu pai passou a ser dono daquele pedaço de terra e plantar o café. O meu pai construiu uma casa com minha mãe, recém-casados, casaram, e começou a vida dele construir desse jeito, fazendo esse trabalho. Aí foi nascendo os filhos e até hoje permanece lá, com o mesmo local, no mesmo sítio, a mesma casa, aquele forno a lenha, aquele jeitão caipira de ser até hoje, estamos juntos.
(07:53) P2 - Muito bom! E, ‘seu’ Milton, isso que o senhor está contando é em Cedral, né, que foi onde o senhor nasceu?
R1 - Em Cedral, isso.
(08:02) P2 – Isso. E o senhor nasceu na fazenda ou na cidade?
R1 - Eu nasci exatamente na fazenda. Naquela época tinha as parteiras. (risos) A minha mãe entrou em trabalho de parto, nós somos em quatro irmãos, eu sou o segundo, e os quatro foram as parteiras. Aí, a minha parteira, inclusive, morreu esse ano, recente agora, há pouco tempo, rapaz. Ela era muito querida. Ela foi lá, minha mãe entrou em trabalho de parto, e ela fazia aquele sistema de dar aquele chá quente, aquelas coisas e ela fez o parto. E graças a Deus foram todos partos normais, os quatro irmãos e todos com saúde, maravilha.
(08:51) P2 - Muito bom. Naquela época, as parteiras eram famosas, né? Nas cidades menores, as parteiras eram pessoas importantes, né?
R1 - Sim, elas faziam o trabalho praticamente de um médico, né? Porque elas tinham tanta experiência, que eram formadas como se fossem uma médica, a formação delas era de profissional, de trabalho, né? De conhecimento. Embora não fez uma faculdade, mas o conhecimento delas era nada menos que uma médica. Porque ela sabia todos os detalhes, até aqueles casos que eram mais sérios, imediatamente eram encaminhados então pro hospital; mas na minha família, graças a Deus, todos foram partos normais, todos com a parteira e é uma maravilha falar isso aí, porque a gente sabe que, num passado não tão distante, estou com 56 anos, olha o desenvolvimento que nós tivemos, né, nesse intervalo de tempo.
(09:53) P2 – Sim. ‘Seu’ Milton, e a sua infância, o que o senhor lembra da sua infância na fazenda, como era, o senhor consegue descrever pra gente mais ou menos onde o senhor morava, o que tinha em volta, o que o senhor fazia de bom?
R1 – Sim. A minha infância, no meu ver hoje, eu olho pra ela com muito orgulho. Fui criado numa casinha humilde, uma casinha confortável, mas humilde, fogão a lenha. Eu estudei durante oito anos, do sítio até Cedral, a pé, oito anos, tinha aproximadamente oito quilômetros, levantava sempre às cinco horas da manhã, quatro e meia, e eu e meus irmãos pegávamos uma estradinha e chegávamos até a cidade. A gente entrava sete horas, era a entrada na escola. Onde, nesse período escolar, nós fazíamos ainda a saudação da bandeira, todo mundo em fila, aquela coisa maravilhosa de se ver, tudo organizado, tudo bem certinho. Então, nessa parte de escola foi maravilhoso pra mim. E, voltando, desde criança meu pai sempre nos levou junto ao trabalho. E meu pai era mais jovem, né, e meu avô um pouquinho mais velho, mas os dois sempre unidos. Aí, o que o meu pai fazia? Colocava eu na frente da rua de café dele, com uma enxadinha, e meu irmão na frente do nono, que o nono era o mais velho. (risos) Aí a gente ia capinando, né? Aprendendo. E nesse meio aí, o meu avô falava assim: "Olha, compadre..." - chamava de compadre, porque ele batizou meu irmão - "... serviço de criança é pouco, mas quem perde é louco!" (risos) - dizia pro meu pai – “Então, deixa a molecada trabalhar na roça”. Nós carpíamos um, enterrava outro, passava por cima do outro, e ele vinha atrás organizando, sabe? Então, a gente fazia do trabalho da roça o lazer, o divertimento. Tinha passarinho, tinha o lagarto, tinha os animaizinhos e nós íamos passar a ferramenta com os animais, a gente aprendia a trabalhar com os animais, com ferramenta, tombar a terra, arar a terra, eu plantei muito milho, amendoim, algodão e café. Então, eu fui sempre envolvido nesse trabalho de lavoura, com a família, foi muito importante. Sem contar que, no fundo do sítio, até hoje está lá um riozinho que nós preservamos, que a gente ia à tarde, chegava da roça e todo mundo ia nadar no riozinho, todo mundo ia se banhar lá, tudo pelado, a molecada se banhava, (risos) todo mundo lá. Era uma maravilha, rapaz, iam dez, 12 moleques lá, toda tarde. Depois subia pra tomar o banho final; era aquele banheiro ainda que nós não tínhamos energia, a mãe esquentava um latão d’água no fogo a lenha, nós colocávamos aquela água morninha dentro do tambor, subia numa corrente, enroscava ela e eram vinte litros d’água pra cada banho, aí você tinha uma cordinha que puxava e se molhava. Aí se ensaboava tal, tal, depois esfregava a buchinha, aí puxava a cordinha e se enxaguava. Se você bobeasse o tempo ali, você saía de lá cheio de sabão. (risos) Mas era um banho maravilhoso, era uma coisa de louco aquilo lá. Tenho uma memória muito grata dessa minha infância.
(13:32) P2 – ‘Seu’ Milton, e as brincadeiras? O senhor falou que vocês gostavam muito de nadar no riozinho, né, que existe até hoje lá no fundo. Além disso, que tipo de brincadeira tinha, na época?
R1 - Nossa, era salva-pega 123, juntava 15, 20 moleques, tinha um pique, a gente tinha que bater a mão no pique, pra se salvar. E ficavam dois tomando conta do pique, então a gente corria, driblava eles, batia a mão, aí já caía mais a noite e brincava de passar anel com as meninas: sentava todos em fileirinha e ficava passando o anel, passando o anel e aquela que você se identificava mais, você largava o anelzinho no dedo dela e aí tinha que alguém adivinhar onde soltou o anel. Era assim, uma brincadeira muito saudável, muito legal. Era salva-pega, era liga, barata, pulava corda, pular corda era todo dia. E aquele terreirão de café que meu avô secava o café, a gente jogava futebol, bola, umas umas bolinhas, bola de meia, bola de tudo quanto é jeito, a gente arrumava uma bola. Então, a molecada dividia lá três, quatro pra cada lado, e nós jogávamos bola, fazia os golzinhos de tijolo e aquilo lá, naquele tempo, eu achava muito importante, porque não tinha, assim, maldade, sabe? Não tinha brigas, não tinha drogas, era uma maravilha. E nós curtimos assim, fomos criados dessa forma.
(15:05) P2 - E cavalo, vocês andavam cavalo, lá, bastante? Lidavam com boi?
R1 - Cavalo, teve vários cavalos lindos. Eu tinha, cada um tinha um pra cuidar, como se fosse um carro. (risos) O meu chamava Alazão, era um cavalo lindo, grande, assim, com a testa branca, assim, aquela crina grande. Eu dava banho, eu cuidava, eu cortava as patinhas dele, assim, o casco do cavalo, eu escovava com escovão, deixava... ele parecia um... olha, brilhando! A crina dele eu passava escovão na crina, no rabo. Ele chamava Alazão e ele entendia muito, se identificava comigo; eu chamava pelo nome e ele vinha onde eu estava. Era muita troca de carinho, sabe, o animal sente e retribui, dava a pata, ele fazia... sabe, era muito bem adestrado. E esse cavalo ficou acho que mais de dez anos comigo lá, companheiro, muito importante. E às vezes também eu pegava o cavalo, aí eu já estava mais adolescente, mocinho, e ia num baile, naquele mesmo baile que meus pais frequentaram, meu pai ia à cavalo, aliás meu pai ia com uma mula. Meu pai tinha uma mulona, que era coisa de louco, ele conta a história da mula, mas eu era a cavalo. Naquele mesmo local tinha esse baile, e nós também íamos lá, eu e meu irmão, principalmente. A gente era dois anos de diferença de idade e a gente ia junto, onde estava um, estava o outro. Foi muito legal.
(16:42) P1 - Ô, Milton, como fazia? Ia pro baile e deixava o cavalo amarrado lá, em algum lugar? Na hora da saída ele já...
R1 - Perfeito! Lá já tinha, em volta do baile, tinha assim um lugar, vários lugares com pauzinho pra amarrar os cavalos. Então, a gente tirava o _____ (00:17:06) do cavalo, amarrava uma cordinha no pescoço e o deixava lá. Tinha o lugar pro cavalo beber água, a gente chegava, dava água pro cavalo, o deixava arrumadinho e, na hora de ir embora, cada um pegava o seu cavalo, apertava a barrigueira e tal e vinha pra casa; mas era uma distância de 15 quilômetros, não era muito perto. E o cavalinho, às vezes tomava um rabo de galo, uma caipirinha, (risos) mas o cavalo sabia o caminho de volta, o cavalo trazia a gente dentro de casa. (risos)
(17:31) P1 - Ele sabia? (risos)
R1 - Era muito divertido.
(17:38) P1 – Ô, Milton, que horas vocês chegavam em casa, quando iam pra esses bailinhos?
R1 - Ah, o sol estava raiando já, era cinco e meia, seis horas da manhã. E o baile ia, nós ficávamos até os últimos, pra fechar o baile, acabava quatro e meia, cinco horas, quando fechava o baile mesmo, que nós íamos embora. A gente passava a noite toda nesse baile. Era muito importante pra nós, sabe? Era um dia de semana ou um sábado, mas era um dia da festa nossa. E meus pais, a gente chegava em casa, eles estavam tirando leite, normalmente, a mãe coava um cafezinho, a gente tomava um café, um leite. A vó fazia aqueles pães feitos em casa, com a manteiga caseira e comia um pão daqueles, que vinha morrendo de fome, comia o pão e já ia deitar. Foi uma fase muito gostosa, muito legal.
(18:32) P2 – ‘Seu’ Milton, e as moças? Elas iam a cavalo também, ou iam de charrete, ou o pai levava, como que era?
R1 - Então, esse baile que nós íamos aí, um dos bailes ficava entre Cedral, Guapiaçu e Uchoa - ficava no meio de três cidades, mais ou menos 15 quilômetros cada uma. Aí, muitas vezes o pessoal alugava ônibus e vinha de ônibus, mas de cidade de fora, vinham dois, três ônibus, e Cedral mandava ônibus. Mas como nós já morávamos longe da cidade, era mais prático pra nós ir a cavalo, porque o ônibus dava uma hora da manhã tinha que ir embora, mas nós queríamos fechar o baile, não queríamos saber de nada, então era mais viável pra nós ir à cavalo, do que ir de ônibus, assim. Então, era um baile que unia três cidades, né, ia muita gente, e o pessoal ir pra curtir, pra dançar mesmo. E o mais engraçado naquele baile, que a gente ia lá e era muita gente dançando, aquela coisa, era um barracão assim: durante a semana era o retiro de leite. Aí, no sábado o pessoal varria, lavava o local tudo e colocava uma mesa no centro e vinha o sanfoneiro e fazia aquele baile, aquele forró, zabumba, aquelas coisas. E aquilo vai andando, levantando poeira, e o colarinho da camisa, se fosse branca, ficava vermelha, vai transpirando, vai grudando e a coisa ia. Chegava em casa com a camisa daquele jeito, a mãe falava: "Vocês foram no baile ou foram plantar café?" Saía tudo sujo, rapaz. (risos) Mas era muito legal.
(20:17) P2 - Ô, ‘seu’ Milton, quanto às comidas, o senhor falou que parte da sua família é descendente da Itália e parte de Portugal. Tinha alguma comida especial, que veio desses lugares, ou era mais a comida da roça, mesmo?
R1 – Tinha, sim. A família do meu pai, a italianada, puxaram mais pro lado das massas, macarrão, lasanha. Até hoje, na casa do meu pai, todo santo domingo tem macarrão, tem lasanha, tem o frango caipira, até hoje mantém isso aí. E o pessoal da minha avó, os portugueses, já era mais a carne de porco, churrasco, pratos mais diferenciados. Mandioca com carne, mas tinha que ter uma carne no meio. Mas a italianada a massa já bastava, mas aí, como se diz, unia o útil ao agradável: meu pai fazia, além das massas, também fazia aquelas carnes, assava pernil, linguiça caipira. Porque a gente matava porco no sítio e a gente usava uma parte da carne pra fazer linguiça. Aí o fogão a lenha, tinha aquele rabo do fogão em cima, aí tinha as varas e ele enchia de linguiça, daquela linguiça e ia defumando. Não apagava o fogão, sempre aceso, então aquela linguiça lá parecia um salame, ficava sequinha, sabe?. E no domingo a vó fazia um macarrão com aquela linguiça desfiadinha no molho, pra temperar o macarrão. Aí colocava vários temperos: louro, manjericão, e a mãe preparava muito macarrão, nós fazíamos em casa a massa. A gente pegava os ovos, a farinha e tal, tinha uma maquininha que desfiava, fazia tudo, aquele macarrão caseiro, cozinhava. Era um processo, sabe, bem interessante, com os ovos, tudo, então a alimentação era perfeita, perfeita a alimentação nossa. Era italiano com português e com alemão. E meu avô... a minha vó que era mais alemã fazia muitos produtos com repolho, tipo chucrutes que fala, né? Fazia charuto, muito charuto, e a gente ia sempre diversificando, e aquele forno a lenha no sítio, assim, também todo domingo era aceso. Assava um frango caipira, assava um pernil, depois enchia de amendoim no final, pra torrar o amendoim e durante a semana a gente ia comendo aquele amendoim e iam passando as horas.
(23:04) P2 - Muito bom. ‘Seu’ Milton, e na cidade, o que vocês... iam pra lá pra fazer o quê? Ia pra estudar, né, porque a escola era lá, e o que mais?
R1 - A cidade foi um lado importante, que eu achei, da minha vida na cidade também, porque eu sempre fui muito dedicado, tanto no sítio, quanto na cidade. Eu, por ser um menino de sítio, às vezes me comportava melhor do que aquele criado na cidade, sabe, em termos de desenvolvimento, de atitude, né? Eu sempre gostei de fazer algo diferente, então eu estudava na escola pública, uma escola que me acolhia de braços abertos, era muito rígida pra estudo, mas aí eu levei muito conhecimento pra escola. O que eu fazia? Eu percebia que, na escola, em volta da escola, não tinha um pé de planta, não tinha uma fruta, não tinha nada, só tinha mato. E eu tive uma aula chamada Educação para o Trabalho, e tinha um professor que chamava João Louco, com aquele cabelão desse tamanho assim, pra cima, um cabelão pro lado, um dia vinha com um sapato com uma meia preta e outra meia azul, aquela loucura. E eu olhava assim pro ‘seu’ João Louco com umas ideias, né? Falei: "’Seu’ João, vamos fazer uma horta aqui nessa escola?" "Mas como assim, Perozin?" – me chamava de Perozin - "Olha, seu João, eu tenho facilidade aqui no sítio de conseguir os estercos, de conseguir os tijolinhos pra fazer os canteiros, nós fazemos umas hortaliças aqui, e cada classe, durante o período, manhã, tarde e noite, tiraria uma aula de Educação para o Trabalho. E nessa aula nós ensinaríamos os alunos a conhecerem o que é uma horta, o que é uma planta, de onde vêm os alimentos". O senhor João abraçou na hora a causa. Chamou na diretoria, conversamos, aí vamos botar em prática, vamos colocar em prática isso aí. O que aconteceu? Eu fui em várias fazendas, eu conhecia todo mundo nas fazendas e nos sítios e falei que ia fazer a horta na cidade. O fazendeiro imediatamente: "Não, Milton, pode ir lá". Peguei o trator do meu pai, a carreta, carregava os estercos de curral, rapava os currais, levava para central lá. Eu fui numa loja de material, ganhei tijolos pra fazer uma passarelinha pra molecada não sujar os pés, então um canteiro de um metro e pouco e um tijolinho separando. Eu sei que nós fizemos uma horta, onde eu fui na casa de sementes aqui de Rio Preto, na época, até hoje existe essa semente, doou alface, almeirão, tudo que você pensar eles doaram de semente. Em prazo de, vamos dizer assim, 15 dias, começou a primeira colheitinha, que era o rabanete, que dá em 15 dias. Aí eu coloquei rabanete com a rúcula do lado, alface, almeirão, couve, couve-flor, beterraba. Resultado: fizemos uma horta que era a coisa mais linda de se olhar, tudo natural, e a molecadinha pegou gosto, que todo mundo ia lá regar, um ia colher o matinho, e a coisa foi expandindo. Era uma delícia comer aquela verdura, a molecada não conhecia, não comia, passou todo mundo a consumir a verdura. Bom, aí como a produção era muita, a gente não dava conta de comer tudo, o que aconteceu? Eu pedi pra diretora se poderia colocar os meninos, uma camisetinha branca, uma gravatinha, mandei fazer uma cesta de bambu, assim, no sítio, e colocava pra vender o excesso da produção. A molecada saía três cada cesta daquela, três em três, rua descendo, rua subindo, né? Acidade era pequena. Toda casa comprava, era bem baratinho, aquela molecada saía e voltava, e o dinheiro na mão, saía e voltava. Eu sei que, no final daquela colheita, sobrou num dia de hoje, assim, vou dizer, uns cinco, seis mil reais, com aquela produção. E era dinheirinho apurado, tudo lá e aí, o que eu fiz? Fui lá, viemos pra Rio Preto com ‘seu’ João, tínhamos uma conga e estava entrando uma tal de kichute, que era um tênis famoso, cheio de cravinho embaixo. Eu sei que eu comprei a conga e o kichute pra escola toda, dei um cada um, cada um, cada um... todo mundo com kichute. E o pessoal do sítio ia de chinelo, descalço, sabe, não tinha, né? A molecada toda, toda, toda. Aí triplicou a plantação, aí assim foi plantando, plantando. Aí eu falei pro ‘seu’ João: "’Seu’ João, vamos fazer o seguinte...", eu olhava naquelas casas e via um amigo ou outro e tal e passei vendo a molecada coordenando com ele, né? E os quintais sujos, abandonados, aquelas coisas, e eu via muita sujeira naqueles quintais. Era assim, falta de conhecimento, vivia daquele jeito. "’Seu’ João, vamos fazer uma campanha do ferro velho" "Como assim?" "Ah, vamos doar, quem doar o ferro velho, nós vamos limpar esses fundos de quintal. Ferro velho, tudo coisa velha, vamos fazer uma limpeza". A prefeitura deu uma carreta, um trator, e nós saímos batendo palma casa por casa, entrava e falava: "______ (28:57) você tem lá ferro velho? Ã toa?" Tudo que entrava a molecada saía atrás daquele ferro velho e o ferro, a gente fala ferro velho, mas ferro não é velho, ferro é ferro, né? E eu sei que nós tiramos não sei quantas toneladas de ferro daquelas casas, estava tudo jogado no quintal. Limpamos. Aí eu observei que tinha muita garrafa, com água dentro, com coisa líquida, garrafão de vinho de litro e, nesse meio, eu falei: "’Seu’ João, vamos fazer a campanha do litro, vamos limpar essas casas". Aí partimos pra campanha do litro, casa por casa, tirando litro, garrafas, limpando os quintais. E aquilo lá foi levando. No pátio da escola tinha lá uma quadra de esportes, que deu uma montanha de ferro, uma montanha de litros. Naquela época, nós fomos na fábrica de bebidas e vendemos os litros, vendemos os ferros e fez um bom dinheiro aí, agregou bastante valor. Deu pra pintar o colégio, pintamos o colégio todo, cobrimos uma quadra, está até hoje lá a quadra coberta, onde joga futebol, as crianças ficavam ao ar livre. Eu sei que o dinheiro crescia lá. E compramos uniforme pra todo mundo, pra todas as crianças, porque era tudo igual, e depois, a outra campanha que eu achei interessante foi de jornal. Naquele tempo lá o pessoal pegava jornal e ‘ponhava’ embaixo de cama, embaixo do colchão, forravam com aquele jornal, aquilo lá ficava velho e dava traça, sabe, e eu botei na cabeça do ‘seu’ João, que eu via a minha avó também colocar jornal debaixo do colchão e eu não achava certo, disse: "Ah, vamos tirar esses jornais dessas casas”. Eu sei que deu também uma montanha de jornal, nós vendemos também e faturamos dinheiro. Era uma gincana. Aí eu observei uma coisa: que, no sítio, tinha muitas casas, mas muitas pessoas do sítio mal tinham um ovo de galinha pra comer, comprava cebola, comprava batata, comprava tomate, comprava tudo na cidade. Eu observei. Falei: "Professor, vamos fazer uma campanha agora pra uma horta no sítio. Vamos fazer uma horta em cada sítio, uma horta". Ah, mas, olha, não deu outra. Fizemos uma horta no sítio e com o seguinte objetivo: quem fizesse a melhor horta, a melhor coisa, ia ganhar uma bicicleta. Naquele tempo lá a bicicleta era uma coisa que quem tinha era só rico. E começamos, dessa forma, a fazer a horta, e eu com ‘seu’ João íamos visitar, várias delas, mas tinha umas hortas lá que você olhava, parecia que tinha sido feita no nível, tudo os bambuzinhos retos, tudo certinho, tudo organizado, portãozinho com tramela, tudo produzindo. Daí conseguimos três bicicletas, e aí, o que aconteceu? Eu falei: "’Seu’ João e agora, como nós vamos dar nota pra isso aí? Todo mundo caprichou, era um ou outro só que não tinha". Botamos o nome de todo mundo num saquinho e fizemos um sorteio da bicicleta, sabe? E eu sei que demos três bicicletas, mas a partir daquele momento mudou a vida do pessoal do campo também, o pessoal passou a cultivar horta, toda casa. E na cidade, aqueles quintais grandes também passaram a participar, com horta. Então, foi uma fase muito importante na cidade. Eu me formei professor, contador, técnico de contabilidade, eu que implantei o curso técnico na escola. Magistério eu também que dei implantação no curso. Então, eu tive uma trajetória assim, importante pra cidade, por onde eu passei eu deixei um bom legado, vamos dizer assim e foi muito bom.
(33:12) P2 – Muito bom, ‘seu’ Milton, e como o senhor decidiu sua profissão? O senhor tem essa ligação com campo muito forte, desde o nascimento, tem a profissão de feirante e de professor também. Como o senhor se decidiu: “Agora vou ser professor”. Como foi?
R1 – Então: a gente, na vida, chega uma hora que você quer ser uma coisa, você põe na cabeça que quer ser professor, eu achava importante, que eu ia ter muito futuro como professor, que eu ia dar muito conhecimento, eu ia mudar muito a pessoa, a vida da pessoa. Me formei, fiz, dei aula por um tempo, participava daquele famoso projeto Ipê que tinha, não lembro qual era a TV que passava no sábado, eu fazia aquele projeto Ipê e tal, só que eu vou dizer pra você uma verdade: o nosso país não tinha nível, assim, de educação, onde um moço de 18, 19 anos, começando uma profissão de professor, ia um dia ter um carro novo, ter uma família, ter a chance de você crescer. Você sabia que aquele salário ia ser aquele salário e que eu ia ser obrigado a conviver com aquilo pra sempre. Não que eu ache que professor não seja... é ótima a profissão, mas pra mim eu achei que ia faltar algo a mais na minha vida. Então como eu sempre via o lado do comércio, um lado promissor, eu fui obrigado a escolher pro lado do comércio. Então, eu deixei a profissão de professor, educador, e vim para o comércio, onde eu já fui pra feira, trabalhar na feira, como feirante, tinha na época muito feirante, eu achei digna a profissão e fui começando a desenvolver esse lado profissional do feirante.
(35:23) P2 – Muito bom, ‘seu’ Milton. Desculpe, eu cortei o senhor, pode continuar.
R1 – Ah, sim. Daí, então, falando um pouco da feira agora: eu vim pra feira, comecei com a banquinha de laranja, eu ainda era solteiro. E fui vendo que lá tinha oportunidade, eu poderia fazer meu pé de meia, vamos dizer assim, na feira, porque o sítio, embora estivessem meu pai e meus irmãos, eu achei que lá também não ia ser fácil crescer muito. Então, eu tinha que tomar conta da minha vida, me tornar independente, eu tinha muito conhecimento e fui pra feira. E tô lá há 35 anos, depois eu me casei e continuei na feira, a minha mulher, na época, era gerente que cuidava de uma empresa grande aqui, ________ (36:19) (Grupo Tarraf) e, nesse meio termo, o que aconteceu? Eu sempre tive como meta da vida, se você tem uma profissão, seja qual for, você tem que ser o melhor, ou entre os melhores, pelo menos, da sua área. Tem que ter dedicação, tem que ter amor naquilo que você faz, então eu sentia assim, que eu tinha condição de fazer um bom trabalho, ajudar pessoas e me beneficiar ao mesmo tempo, me realizar profissionalmente. Portanto, eu estou já no sindicato, entrei no sindicato há mais de 20 anos. A feira livre de Rio Preto é muito importante, a feira livre aqui gera muitos empregos, uns três, quatro mil empregos diretos e indiretos. Ela tem uma participação muito importante, principalmente para os pequenos produtores, onde nós temos hoje grande aglomeração de grandes empresas, nível, assim, Carrefour e outros mais atacados aí, que vêm de fora seus hortifrutis, vêm concorrer conosco. E o feirante, pequenininho, humildemente, ele chega no pequeno produtor, que não consegue vender pros grandes empresários, não consegue vender pra eles e ele vende pro feirante. E com uma vantagem: o feirante é honesto, é humilde, paga direitinho, paga semanalmente, então ele vai gerar renda, vai gerar trabalho no campo, fixando o produtor no campo. Hoje o agronegócio é muito importante. Acho que o país nosso, hoje, a saída pro Brasil é no agro, o agronegócio é uma oportunidade, hoje. No meu tempo de jovem e tal, nós éramos até, de uma certa fase, discriminados. Eram os ‘pezinhos vermelhos’. (risos) No sítio todo mundo andava descalço. Hoje, se o cara vier na cidade com cheiro de bosta de vaca e outras coisas mais, o cara é rodeado de meninas: “Olha, aquele cara é do agro, aquele cara tem dinheiro”. Então, inverteu-se os valores; o cara hoje no campo está muito valorizado. Isso aí eu tenho orgulho, porque chegou a hora do agricultor, do pessoal ser reconhecido, então o alimento sempre vai ser a válvula de saída pras dificuldades, porque cresceu muito a população no mundo, vamos dizer assim, muito alimento e tudo que produz hoje, graças a Deus se vende. Então, naquela época já era mais complicado: você produzia e tinha problema na venda. Não tinha pra quem vender, muitas vezes. Meu pai reclamava, coitado, que às vezes você colhia tantas sacas de amendoim e não tinha pra quem vender, eram duas, três fabriquetas de doce e aí acabava. Hoje não, tudo que se produz vende, então o ______ (39:33) homem do campo, o agronegócio está muito importante. Eu vejo: nós temos feira noturna, temos feira diurna, temos feira em condomínio aqui em São José do Rio Preto, e o sindicato, nós montamos um Conselho Municipal de feira livre. O Conselho é formado por 14 conselheiros, os conselheiros são feirantes, um de cada grupo de trabalho – meu grupo é da pamonha, tem o grupo dos legumes, do alface, do tomate, do café, cada um representando, pra que a feira livre se mantenha organizada, se mantenha limpa, se mantenha viva, pujante, porque, por mais concorrentes que nós tenhamos hoje, no nosso redor, por mais concorrentes que temos, nós temos nosso espaço garantido, sabe? Nossos fregueses. Eu tenho orgulho de falar, eu vou em casamento de gente rica em condomínio, aniversários, vou em velório também, de pessoas importantes. Então, eu adquiri um respeito, um carinho, sabe, aquele orgulho? A pessoa faz aniversário, vai lá na minha banca e me leva um convite. Chega Natal, Páscoa, eu ganho vinho, ganho panetone, ganho de tudo dos meus fregueses. Isso aí é muito importante, dá satisfação, né? Chegar assim o pessoal: “Olha, em vim trazer um panetone pro Natal, trazer um vinho”. Porque são pessoas que adquirem uma confiança familiar, uma confiança de amigo, de família. Eu falo pros meus amigos: “Olha, a feira é uma extensão da família. Ela é uma grande família, então você preserva, você faz tudo certinho, que dá tudo certo”. Por mais que passamos dificuldade, nessa pandemia, conseguimos manter nosso ganho, passamos dificuldades sim, todos passamos, mas conseguimos manter-se vivos, graças a Deus, que Deus acima de tudo; e manter-se vivo e manter nosso comércio. Porque aquelas pessoas que comprariam conosco, mesmo nós não estando na feira, ligavam pra mim: “Milton, eu trabalho com milho verde e derivados. Milton, dá pro senhor mandar pra mim cinco pamonhas? Me manda dez pamonhas pra mim? Me manda tanto, me manda milho? Me manda milho cortadinho?” Então, o que eu fiz? As pessoas já têm meu telefone, meu número, e ligavam encomendando: “Ah, me manda um bolo, pamonha, me manda isso”. Aquele dinheirinho que foi entrando, eu pagava energia, água, os custos da casa, plano de saúde, eu conseguia manter minha casa equilibrada, porque a gente nunca tem, assim, uma reserva tão grande, como foi essa pandemia, né? A gente não esperava isso aí, mas graças a Deus, dessa forma nós conseguimos sobreviver e estamos juntos e firmes. Eu até falo pro pessoal, que o feirante é igual bambu: torce na tempestade, estrala, estrala, parece que está quebrando, mas passa a tempestade e volta tudo novamente, tudo de pé. Graças a Deus!
(43:12) P2 – ‘Seu’ Milton, voltando um pouquinho, porque depois a gente pode até falar mais um pouco sobre esse grande problema que foi a pandemia, mas voltando, quando o senhor decidiu ser feirante, primeiro o senhor foi fazer feira em Cedral, ou já foi direto pra Rio Preto?
R1 – Ah, sim, como eu te falo: eu sempre fui assim, do comércio, tive sangue de comércio, porque meu avô, pai da minha mãe, sempre teve uma hortinha no sítio. E muitas vezes, eu o chamava de nono, era o nono, português, lá no fundinho do sítio, num cantinho, ele tinha aquela hortinha dele, e eu fui me baseando por isso aí, tomando conta da vida, olhando-o fazendo aquilo. Ele plantava um repolho, ele plantava uma abobrinha, ele plantava um cheiro verde, uma alface, tal, tal tal e, aos sábados, ele pegava um carrinho, carrinho de roda de pau e uma mulinha que ele engatava lá e ele enchia aquele carroção dele de verdura, tudo que você pensar, repolho, aquele balaio, ovos caipiras, frango e tal e ele ia vender em Cedral e vendia no bairrinho, na rua, pra lá e pra cá, e ele voltava em casa com a gibeira, ele falava gibeira, cheia de dinheiro. A gibeira gorda, a gibeira do vô era melhor que a do meu pai que tinha o sítio, tudo na mão. Então, eu olhava aquilo, falava: “O nono sempre com dinheiro, puxa vida e meu pai, uma vez no ano ou duas, que era na colheita do café, colheita do algodão”. Eram duas, três vezes no ano a colheita do meu pai e o nono era todo dia com dinheiro. O nono ia pra cidade fazer um negocinho, leva as coisas e vendia. Eu falei: “Ah, sabe de uma coisa, eu vou copiar o nono. Eu vou pra Rio Preto”. Eu tinha conhecimento já de Rio Preto, fui dar uma volta na feira, eu andei trazendo uns produtos do sítio pra cá também, umas laranjas, uns limões e vi aí a oportunidade de trabalho. Falei: “Ah, é aqui que eu vou me encaixar”. Então, eu saí do sítio e vim direto pra feira de Rio Preto. E eu comecei a montar a feira, assim, ainda morava com meus pais, eu montei a feira e não deu 15 dias de trabalho, eu já pensei diferente: nesses 15 dias o que eu ganhei na feira deu pra eu já alugar uma casinha aqui em Rio Preto, quase mobiliá-la com uma caminha, um fogãozinho, um negocinho, uma cama de solteiro e um fogãozinho pra eu começar e já morar aqui, me instalar aqui, porque era facinho levantar cedo e correr na feira e tal e à tarde vou pro sítio, colho as mercadorias e tal. Então, me instalei aqui em Rio Preto em 15 dias na feira, por isso que eu vim direto, porque eu achei que era uma coisa segura, uma coisa que eu ia me dar bem, eu percebi. E a minha mulher, a gente namorava e ela era, eu já falei que ela era gerente de um grupo _Tarraf______ (46:10), era um grupo forte aqui, até hoje são fortes, a família e ela, vendo que eu estava envolvido com a feira, acreditou em mim. A gente namorava ainda. Surgiu lá uma perua kombi lá do menino que trabalhava com ela lá, ela comprou a perua kombi e me deu. “Oh, Milton, essa kombi aqui vai te ajudar?” Eu falei: “Muito!” Era uma kombi abóbora, (risos) ficou mais de 20 anos conosco a kombi. Essa perua kombi, meu amigo, no outro dia, no mesmo dia a peguei e fui pra Cedral, enchi de mandioca, pepino, as coisas tudo, laranja e vim pra Rio Preto, andei na feira, eu tanto vendi na minha banca, quanto pros feirantes. Aí os feirantes viam a qualidade do produto: “Miltão, me traz dez caixas de mandioca, eu quero 20 caixas”. Foi uma loucura! A perua ficou pequena em dois dias, tinha que dar três viagens com a perua, correr e buscar uma pros feirantes, duas pros feirantes, depois uma pra mim. Então, naquele mês de trabalho eu percebi que meu salário na feira equivalia a um salário e meio da minha esposa, que era gerente de um grupo desses daí. Ela ficou abismada de ver, ela falou: “Não tô acreditando que você está ganhando tanto dinheiro assim, com essa perua, nessa feira”. Aí ela sempre me apoiou, sempre se manteve do meu lado, ajeitando as coisas e daí nós fomos tocando e acabei me casando, já moramos juntos aqui há 35 anos de casados, e eu sei que foi uma maravilha. Aí, na feira eu fui trabalhando, trabalhando e aí, com dez anos de trabalho, eu já era o presidente do Sindicato dos Feirantes, onde permaneço até hoje, nessa data.
(48:01) P2 – ‘Seu’ Milton, e como o senhor conheceu a sua esposa? E como ela chama, também?
R1 – Minha esposa é uma pessoa maravilhosa, chama Sueli Olivieri, é turca. Ah, turca, meu amigo. Se o cara casar com uma turca e não der conta de ir pra frente, pode se enforcar. (risos) Turca com judeu. Ela á uma pessoa importante pra minha vida, muito importante, mas se eu contar a história perfeita de como eu a conheci, ela vai ficar até brava. (risos)
(48:34) P1 – Então deixa (risos).
(48:37) P2 – Tudo bem!
R1 – Não, eu vou contar, é engraçado. Eu, aquele moço criado em sítio, bonitão, um metro e oitenta, setenta quilos, me achando poderoso. Fui num baile aqui, chamava sarau, e eu lá no baile era o Zé Galinha, gostava de dançar com uma, com outra, com uma, com outra. E lá eu dancei com uma moça lá, me engracei com ela, rapaz, chamava Ana Paula, a menina. E aí acabou o baile e ela botou o telefone no bolso da camisa. Eu, naquele tempo, cheguei em casa e minha mãe achou o telefone assim, no bolso, e no outro dia eu vim almoçar e ela falou: “Olha, tem um telefone aqui: ‘me liga’, é Ana Paula”. Falei: “Uai! Me liga? Quem será essa Ana Paula?”, pensei comigo. Eu ia pra escola à noite, que eu estava me formando, na época, à noite, cheguei na escola, no colégio, mais cedo, fui no orelhão e comprei as fichinhas, que eram aquelas fichas que você colocava lá, comprei umas dez fichas e falei: “Vou paquerar agora”. E liguei, (risos) essa moça atendeu, falou: “É o seguinte...” – ela mandou ligar umas cinco horas da tarde, eu fui mais cedo – “... você vem na exposição...”, que a exposição aqui era famosa, exposição de rodeio, de gado, de carro: “Eu vou estar aqui na exposição, no stand do _Tarraf_______ (50:08), assim, assim, assim. Você vem que eu quero falar com você, eu adorei te conhecer, aquela coisa e tal, e eu quero te conhecer melhor, achei você legal”. Aí marcamos sete horas lá, num sábado. Ah, meu amigo, lá foi o Dom Juan no sábado, eu tinha um fuscão amarelo do meu pai, passei querosene, lavei esse fusca, ficou um veneno. (risos). Lá fui eu conhecer essa Ana Paula; eu marquei sete horas, mas cheguei até mais adiantado. Camisona vermelha, dobradas as mangas, cordão de ouro, cintão largo e eu olhei assim o local onde ela marcou e eu vi lá o pessoal na mesa, whisky, aquela coisa, e tinha uma moça morena, linda, linda, linda, eu falei: “Nossa Senhora, essa é a mulher que eu não tô lembrando? Meu Deus do céu!” Olhei, olhei, falei: “Puxa vida!’ Eu tomava um ‘rabo de galo’, eu tomei a mais e eu perdi um pouco o sentido da coisa. Eu olhei: “Ah, mas é ela. Eu vou lá”. Cheguei lá: “Boa noite, Ana Paula!” “Boa noite pro senhor, tudo bem?” Minha mulher é a Sueli, ela olhou pra mim, assim e falou: “Boa noite, tudo bem, mas eu não sou a Ana Paula” Falei: “Tudo bem, Ana Paula? Você não é a Ana Paula?” Ela falou: “Não, moço, eu chamo Sueli”. Eu falei: “Ué, não foi você que eu dancei no sarau lá sábado, você me deu o telefone? Trabalhava no _Tarraf_____ (51:30), tal, tal”? Ela: “Não, moço, não sou eu, não! Por favor, não sou eu, não”, não sei o quê. E era um gerente do grupo que estava com ela. O dono do grupo. Ele falou: “Ah, Sussu, seu nome de guerra no sarau é Ana Paula, Sussu?” Ah, eu a coloquei em saia justa, ela: “Não, Gustavo, não, pelo amor de Deus, não sou eu”. Aquela coisa, escapando pra lá, escapando pra, cá e eu de chapelão na cabeça, aquela coisa, fiquei meio desenxabido, assim, tal: “Você desculpa”. Não sabia nem como sair da situação. Falei: “Puxa vida, essa me dei mal”. Aí eu tô me retirando, chega a tal de Ana Paula, rapaz, uma morena de um metro e noventa, do meu tamanho, 110 quilos, forte, cabelo bem armadão, assim, veio em mim assim: “Oi, meu amor, tudo bem?” Me abraçou. E eu, tal, estava louco. “Ah, eu me atrasei um pouco, não sei o que, não sei o que, mas cheguei a tempo. Vamos comigo lá no stand, tomar um whisky. Ó, Luís, fulano, esse é o Milton, lá de Cedral, bebebe, bebebe”. A minha mulher hoje olhou pro Luís e falou: “Luís, não vou deixar essa moça com esse rapaz lá dentro, tomar whisky, não. Não, não, não, não, não, não, não, não, eu que sou a gerente, eu fiz tudo. Essa moça só trabalhava no escritório lá e tomar whisky com esse rapaz lá dentro?” Ela ficou com ciúmes, já. (risos) Estava com ciúmes, né? (risos) Aí a moça entrou lá e falou pra mim, assim, ela fumava: “Você faz um favor pra mim?” Falei: “Faço” “Vai naquele stand ali na frente e compra um maço de cigarros pra mim?” Foi dar o dinheiro e eu falei: “Não, eu te compro o cigarro, vou lá buscar pra você” “Enquanto isso eu vou ajeitar aqui o whisky pra nós, com gelo”. Falei: “Tá bom!” Pensei: bom, já melhorou o negócio, whisky com gelinho, essa hora, vai cair redondo. Eu saí pra fora, pra buscar o tal do cigarro pra moça, quem eu encontro cara a cara, no meio da multidão? A Sueli, a minha esposa: “Ah, moço, você me desculpa pelo negócio aí, mas que pena, não podia ser eu a Ana Paula?” (risos) Eu falei: “Ah, podia ser você, né? Mas vamos fazer o seguinte: vamos então no sarau, vamos lá no sarau à noite, depois que acabar, onze horas, vamos lá pro sarau” - falei pra ela - “A gente dança um pouquinho, toma um negócio”. Eu gostei dela, bonita. Ela falou: “Então, nós vamos lá”. Aí eu já dando galinhada na outra lá. Bom, aí, o que aconteceu? (risos) Eu fui lá, tomei um golinho de whisky com a menina, conversei com ela e falei que eu tinha que ir embora, que na época eu namorava com a filha de um prefeito lá da cidade de Cedral, paquerava lá, mas ficava dando essas galinhadas. Eu fui pra Cedral, pra dar uma voltinha, fazer aquele ‘h’, era uma festa de aniversário da família deles lá. Tinha parente meu na festa, um monte de gente, meus primos, que eram gente rica lá da cidade, de bens, meu primo falou: “Oh, você não vai sair dessa festa pra ir em lugar nenhum, você vai ficar até acabar essa festa” - um primo meu falou - “Você não vai sair daqui”. E eu louco pra largar a festinha lá, pra ir pro sarau, pra encontrar a Sueli. Ah, mas não saí da festa. Resultado: a Sueli foi pro sarau e ficou sozinha, e eu não apareci na festa. Falei: “Acabou, acabou”. E depois o destino da gente é meio engraçado, não sei nem te dizer, rapaz. Passou seis meses, e eu larguei o sarau, depois de seis meses eu voltei pro sarau. Chego no sarau lá, umas certas horas lá, quem que eu dou de frente, cara a cara? Com a Sueli. Ela: “Ah, você é aquele moço que me deu aquele ‘bolo’, aquele dia? Eu vim aqui” e eu: “Não, sim e tal”. E conversamos um pouquinho ali e tal e eu falei pra ela: “Faz o seguinte...” - tinha um barzinho famoso aqui em Rio Preto, na represa, chamava Fragata, era um bar tradicional - “... vamos pegar amanhã, segunda-feira e vamos tomar um chopp lá no Fragata, pra gente conversar de verdade?” - falei pra ela - “Eu gostei de você. Pra gente se conhecer, saber da sua família, saber quem você é. Eu não queria dançar com você aqui nesse baile, dançar e beber e ficar por isso”. Ela falou: “Verdade?” Eu falei: “Verdade”. E nós marcamos nesse Fragata e, daí pra cá, meu amigo, foram 35 anos de alegria. Nós temos um filho maravilhoso, um respeito muito lindo. Uma mulher que me encanta, me ajuda, é mulher, é esposa, é mãe, é educadora, ela é tudo dentro de casa. Aqui somos eu e ela e um filho de 30 anos e um cachorro, o Brasinha, nós temos um cachorrinho, mas eu tô em quarto lugar aqui. Primeiro é ela, depois meu filho, depois o Brasinha e eu sou o quarto. (risos) Mas tá bom!
(56:32) P1 – Milton, como é que chama seu filho, pra gente registrar?
R1 – Ele chama Milton Roberto Perozin Filho. Nós, na época, perdemos quatro filhos. Nós não conseguíamos ter filhos, nós perdemos quatro, era falta de progesterona, que é um hormônio feminino que dá formação no filho, e naquele tempo o médico não fazia os exames e ia perdendo, aí a hora que veio esse Miltinho, aí eu botei meu nome nele e fechamos a fábrica, podíamos ter tido mais alguns, mas ela não quis arriscar, que foi uma gravidez de muito risco. Mas só que Deus deu a benção pra nós, que é um filho que parece muito comigo, trabalha comigo na feira, é carinhoso conosco, fez 30 anos agora, é um moleque maravilhoso, maravilhoso. Somos três aqui, quatro com o Brasinha, o cachorro.
(57:32) P2 – ‘Seu’ Milton, e o senhor, pra abastecer o que o senhor vende na feira, ainda pega lá na propriedade em Cedral, ou já compra em outros lugares?
R1 – Olha, as coisas são assim: vão mudando conforme a natureza. Nós, há 20 anos, tínhamos uma realidade diferenciada de hoje; nós tínhamos muitas matas ciliares, a natureza se comportava de uma maneira diferente. Então, nós tínhamos muita água no sítio, na região, e nós conseguíamos abastecer dessa forma, na região. E agora, dessa seca que assola nos últimos dez anos, vem assolando nosso estado, em geral, não se consegue mais manter a água pra irrigação aqui da região nossa. Então, o que acontece? O milho, na seca, na entressafra, necessita de muita água pra produção, e o rio daqui da região não comporta mais tirar água pra irrigação. Então, qual opção foi? Pegar na região de Guaíra, Miguelópolis, Casa Branca, Minas, alguma região. Então, tudo está assim, contrabalanceado. Quando tem em Guaíra, vamos pra Guaíra; quando tem lá em Minas, vamos em Minas. Então, na região, nós estamos agora na época da safra do milho, eu consegui plantar lá com meu pai três etapas agora, está produzindo já, está pequeno, vai mais uns 40 dias pra começar a produção; mas vai até março - janeiro, fevereiro e março. Findou março, para de plantar, porque ano passado eu perdi três grandes tabelas de milho, por falta de chuva. Hoje os insumos são caros, a semente, a mão de obra, o óleo diesel, enfim, tudo é custo alto. Se você planta uma lavoura e não consegue tirar a produção, você acaba tendo prejuízo. Então, é viável, certa hora, você fazer o seguinte: vou em Minas, por exemplo, e compro o milho lá; se você comprou a um real a espiga, você vai vender a um e tanto. Comprou a oitenta centavos, tanto. Então, você tem o custo do produto; quem vai pagar vai ser a ponta, o consumidor que, graças a Deus, ainda está conseguindo manter um padrão, sabe? Um equilíbrio ainda. Tem subido muito. Então, veja bem: nós temos, aqui na região de Rio Preto, grandes produtores, mas são mais da safra; na entressafra a gente busca em lugares diferentes, onde tem mais recursos hídricos, porque o milho, o tomate, o hortifruti exigem muita água. Mas a gente tem fé que logo tudo passa e Deus manda uma abundância de chuva pra nós também, pra encher os rios.
(01:00:49) P2 – E, ‘seu’ Milton, como foi a sua entrada pro sindicato, depois o senhor se tornou presidente? Como foi esse processo aí?
R1 – Olha, é o seguinte: eu sempre prezo pelo profissionalismo. Eu tinha um pensamento diferenciado, uma visão diferenciada dos demais e coloquei em prática minhas ideias, onde o pessoal da categoria apostou comigo e me apoiou, e daí surgiram muitas parcerias. A gente teve a eleição, a mídia divulgou, e a imprensa no total, rádio, jornal, televisão, e nós fizemos grandes parcerias com o Poder Público, que hoje anda junto o Poder Público, sindicato e o feirante, porque o feirante é importante pela cidade. O prefeito aqui, graças a Deus, me acata, me atende, me ouve e tem muito respeito com o feirante. O prefeito Edinho Araújo se orgulha de dizer: “Sou rio-pretense, só não sou feirante, mas eu tenho os feirantes como meus amigos”. Como pessoas, como se fossem da família dele. Eu me orgulho muito, muito por esse lado afetivo que o prefeito nos dá, sabe? A feira livre de São José do Rio Preto, quando termina uma feira, ela é lavada; a rua, a rua da feira é lavada, caminhão pipa, eles passam colhendo todo o resíduo, varrendo, ensacando, passa o caminhão, depois vem lavando a rua da feira. Toda a rua da feira, quando termina a feira, é lavada e entregue ao munícipe melhor do que nós chegamos de madrugada, pra trabalhar. E sem contar que ele fez a pavimentação em toda rua da feira, tudo pavimentado, tudo certinho, as árvores podadas, não tem buraco no meio da rua, onde a pessoa pode cair, a pessoa de terceira idade. Então, a feira livre pro prefeito é a menina dos olhos dele, que ele sempre fez campanha lá, nós sempre o apoiamos. E nós temos, na feira livre, hoje, oito monitores, que funcionam como se fossem fiscais de postura. Eles passam lá marcando uma falta do feirante, olhando se o feirante está trabalhando certinho, adequado, eles passam tirando aquelas pessoas inconvenientes, que vêm maltrapilho, que vêm pra feira drogado, aquele pessoal de rua, que vêm tudo sujo, coisando, pedindo, lambuzando, eles proíbem esse tipo de ação. Aqueles uns que ficam pedindo em volta da feira, olhando carro, querendo olhar e acabam atrapalhando o andamento da feira. Então, eles monitoram a feira, dois em cada feira, domingo. E nós temos fiscais de postura, que qualquer ação incorreta de um feirante implicará em multa, suspensão e até cassação de alvará. Aquele Conselho Municipal que eu falei no início é formado por feirantes. Então, nós vamos julgar se a pessoa está certa ou se está errada, se teve uma desinteligência, uma briga, ou uma ofensa um com o outro ou com um freguês, ele é julgado e punido. Então, o feirante trabalha assim, legalizado, respeitador e com muito, muito respeito um pelo outro, porque a gente não aceita um invadir o espaço do outro, fazer aquelas coisas desleais. Então, o Conselho está lá, pune se precisar e dá espaço e legalidade pro feirante trabalhar sossegado. O feirante vem, encontra sua banca limpinha, coloca lá sua mercadoria, expõe, vende e vai pra casa feliz, porque ele sabe que está sendo cuidado, está sendo protegido, então é importante isso aí, que eles trabalhem dessa forma. Então, o sindicato tem esse ligamento com a prefeitura: nós temos um departamento de feira livre, um departamento onde tudo que acontece a gente leva pra lá, discute, temos as reuniões uma vez por mês, toda segunda-feira de cada mês, a reunião pra ajustes, pra colocar os pratos em ordem, as coisas em dia: “Olha, é dessa forma, está acontecendo assim, fulano tem um gaveteiro lá que não condiz, o outro tem isso, tem aquele outro acontecendo assim, assim”. E põe tudo em prática, e lá é julgado, colocado, vamos chegar na pessoa: “Fulano, você tem que se adequar dessa forma”. Se vai entrar um feirante novo, ele faz um pedido na secretaria: “Quero uma banca de pamonha na feira tal”. O Conselho vai acatar, ver o pedido da pessoa, se procede, vai analisar se, naquela feira... nós temos uma lei chama 5591, essa lei nós estamos modificando agora, alguns itens dela que já estão ultrapassados. Vai olhar se ele se enquadra naquele pedido dele, se naquela feira que ele quer trabalhar suporta mais uma banca com produto porque, se você colocar dez bancas com o mesmo produto, o que vai acontecer? Você vai colocar aqueles que estão trabalhando em risco e aquele que vai entrar não vai sobreviver. Então, nós temos já, mais ou menos, estabelecido uma certa quantidade de banca pra cada feira, cada bairro, sabendo que a pessoa vai com seu produto e vai vender. E daí nós demos chances pras pessoas estarem entrando em feiras novas, bairros novos; Rio Preto cresceu muito, então tem muito espaço pra crescer a feira e nesses espaços, sem custo algum, a pessoa consegue montar sua banca, seu espaço legalizado, com o caminhão lavando a rua, os monitores cuidando dele, cuidando do espaço e dentro de condomínio da mesma forma: ele analisa o pedido, analisa a pessoa que está indo trabalhar, se ela tem antecedentes, como é a vida dela, porque nós não podemos botar em risco a vida de ninguém. Por exemplo: pôr dentro de um condomínio chique aí uma pessoa que tem problema. Então, nós temos esses cuidados, portanto a feira livre é aceita em todos os bairros e todos os condomínios querem a feira livre, porque sabem do poder que o sindicato tem com a prefeitura, a parceria, a legalidade do feirante. E todo ano é feito recadastramento, pra saber se ele está trabalhando, se está com a família, tudo certinho. Então, a feira livre hoje voltou a ser uma empresa familiar, que a pessoa tem que estar ali __trabalhando_____ (01:08:23).
(01:08:25) P2 – Muito bom! E, ‘seu’ Milton, tem feira todo dia em Rio Preto?
R1 – Olha, todo dia tem feira. Na segunda-feira tem nos condomínios, terça-feira nas feiras de rua, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira, sábado e domingo, a semana inteirinha tem feira. E é distribuída assim: feira 1, feira 2, feira 3, feira noturna. Pra não ficar muito aglomerado, nós dividimos o pessoal em X barracas, que você vê que aquele bairro comporta tantas barracas, então nós colocamos tantas bancas, porque tem que ter esse cuidado, você não pode colocar trinta bancas de legumes onde tem um bairro pequeno, que não vai ter consumidor praquilo. Então, aquele bairro lá que a gente vê que é um bairro médio, com tantas casas e tal, cabem tantas bancas, cabem duas de pastel, cabem duas de pamonha, cabem dez de legumes, três de batata, duas de cebola e assim é distribuído, de alface e tal, seleciona por categoria. Porque aí dá a chance do cara ir trabalhar e vender, e não confrontar com outros feirantes, porque se põe muito produto num espaço pequeno, ninguém vende. Então, isso aí é um critério que a gente mantém, pra mantê-los trabalhando tranquilos.
(01:09:46) P2 – Tá certo. E, ‘seu’ Milton, além disso, como é que é organizar tudo isso aí? Quais são os desafios que aparecem mais?
R1 – Olha, hoje está muito fácil. Estamos terminando agora uma revisão na lei. E nós estamos sempre modificando, sempre adequando, sempre. Nós não bobeamos, o sindicato, a prefeitura junto, a gente não vacila. Nós temos um secretário de agricultura muito bom, chama Pedro Pezzuto. É uma pessoa maravilhosa, que amou a feira e abraçou a feira, o que ele faz pela feira você sente que é de coração, que a feira de Rio Preto é um exemplo e a Secretaria de Agricultura está junto conosco, nos apoiando, no que precisar eles apoiam. Isso aí é muito importante pra nós, então o desafio vai se tornando mais fácil de resolver. Porque na pandemia, fechou o comércio, fechou tudo e tal, aquela loucura, que até então era algo desconhecido, ninguém conhecia a pandemia. Onde que ia parar, o que ia atingir, né? Nós tínhamos medo de botar a família nossa lá pra trabalhar e pegar o Covid, medo de expor a família e precisando trabalhar. Aí nós fomos buscando alternativa: “Olha, vamos fazer o seguinte: vamos colocar uma banca a cinco metros da outra de distância, vamos isolar com uma zebra em volta, um metro, com a fita zebrada em volta da banca, pra que a pessoa não aproxime do feirante, não bote a mão no produto. Vamos fazer a banca de pastel não comer lá na hora, fazer um delivery. A pessoa chega: “Quero um pastel de carne” e você entrega num saquinho. Ele vai e leva pra comer pra casa”. Então, nós fomos aprendendo a trabalhar dessa forma. Nós fomos com álcool gel em todas as barracas, mesinha no meio da feira explicando, fechamos a entrada da feira com uma cerca, fechamos mesmo, pra não entrar um excedente de pessoas, monitorando quando entra e quando não entra. Foi assim, um desafio; nós não sabíamos com o que nós estávamos lidando, o que nós íamos encontrar, então estava sendo um desafio. E nós, graças a Deus, não tivemos baixas quase na feira, foi muito pouco, perante o tanto de feirante que tem. Não tivemos também tantas baixas no consumidor. Tivemos, sim, algumas, mas não foram tantas, e nós acabamos voltando a trabalhar, antecipamos um pouco o comércio, sabe? Antecipamos a feira, o comércio, porque a parte de hortifruti é muito importante. A pessoa não fica sem o alimento dentro de casa, como que ia fazer? O mercado acabava se abarrotando de gente lá dentro, então a feira foi uma alternativa pras pessoas adquirirem o produto e o próprio produtor ter onde vender esse produto. Então, os produtores me encontram e me abraçam, me agradecem e eu falo: “Agradece não só eu, agradece o prefeito, o secretário, agradece todo mundo, que foi um trabalho de todo mundo”. É um trabalho que, graças a Deus, Deus deu pra nós um norte, a gente foi só fazendo ________ (01:13:16). Então...
(01:13:18) P1 – ‘Seu’ Milton, ah, desculpa, pode completar.
R1 – Então, esse trabalho nós executamos com muita fé, com muito amor. Foi um trabalho, assim, que nós sabíamos do risco, mas sabíamos também da importância daquele trabalho. Que ia ser pra comunidade, pro pessoal do sítio, pessoal da ribeirinha, pessoal que entrega seu produto, que estava colhendo, então nós tínhamos que achar uma maneira de equilibrar esse produto, tanto pra ajudar o consumidor, quanto o produtor. E quanto ao feirante, que também se manteve, deu muito certo, muito bom.
(01:13:58) P1 – ‘Seu’ Milton, agora, assim, ao longo da pandemia Rio Preto passou por dois lockdowns, né?
R1 – Exatamente!
(01:14:05) P1 – Teve fechamento mais severo. Como é que o pessoal da feira se organizou? Continuou funcionando, por ser alimentação?
R1 – Não, nós paramos 30 dias de início e mais 25 dias da segunda fase. Na fase mais crítica, na fase que precisava de parar, nós tivemos consciência e eu tive reuniões com o prefeito, com o pessoal da Vigilância Sanitária, da Saúde, nós tivemos várias reuniões, sabíamos do poder da doença, da infecção, como era poderosa e nós recuamos, ficamos em casa, fizemos nossa parte e fomos organizando um retorno. Então, nesse período de ficar enclausurado, nós fomos estudando um jeito de retornar com os produtos, sem que colocasse a vida de alguém em risco. Foi onde eu te falei: nós fechamos a feira, botamos dez, 15 metros uma da outra, aumentou os espaços, e cada banquinha colocava seu produto lá pra vender, a pessoa não manipulava, ela não fazia. Ia lá e pegava um saquinho de quiabo, um saquinho de tomate, um saquinho daquilo e levava pra casa.
(01:15:27) P1 – Já estava tudo separadinho.
R1 – Separadinho. Não tinha aquela escolha de pega, pega. E a pessoa que vinha comprar já entrava na feira, deixamos os monitores já preparados: “Olha, a senhora vai entrar na feira, uma pessoa por família, por favor. Deixe as crianças pra lá, o marido está lá no carro. A senhora entra, compra o que a senhora precisa e faz bem rápido suas compras, porque tem mais gente querendo. Então, a senhora entenda que tem que ser dessa forma. Os feirantes estão todos preparados, todos higienizados, todos direitinho, a senhora vem com máscara”. Quem não tinha máscara a gente já dava máscara pra eles, já higienizava as mãozinhas deles e são pessoas que eu te falo: extensão da família. Você via aquela senhorinha como se fosse sua mãe, sua avó. Então, você tinha um carinho por ela, você tinha aquele amor. Aquela vontade dela sair melhor do que ela chegou. Porque você não podia deixar aquela pessoa sofrer nenhuma agressão, nenhum tipo de lesão, não deixá-la pegar o Covid e ir pra casa dela, então nós tínhamos todo esse cuidado. O feirante foi muito importante nessa fase.
(01:16:37) P1 – E deve ter mudado bastante porque, assim, a feira acaba sendo um lugar de fazer uma social, de conversar com o feirante, de conversar com o amigo, de ir lá na banca de pastel, né?
R1 – Olha, essa parte aí foi a que doeu mais. Porque a pessoa chega em mim, por exemplo: “Ah, Milton” e conta uma historinha, conta uma piada, conta um negócio e conta o que aconteceu durante a semana, se teve alguma novidade, é bem assim mesmo, bem extrovertido. E nessa pandemia você não poderia estar fazendo esse contato, sabe? Era mais: “Bom dia!” “Bom dia!”, com a mascarinha no rosto: “Olha, pega isso, pega isso, tal, tal”. Então, a pessoa te olhava com uma vontade de abraçar, uma vontade de conversar, mas ela entendia que era necessário aquele período. E, graças a Deus, até hoje a freguesia chega lá no sábado, principalmente. Meu filho, é médico, dentista, doutor, advogado, é tudo que você pode imaginar de pessoa, de classe, de juiz, vai na minha banca, me cumprimenta, meu filho e fica conosco e conversa e conta uma historinha, é algo assim gratificante. Muito gratificante a feira livre.
(01:17:58) P1 – “Seu’ Milton, a gente vem gravando ao longo da pandemia, esse projeto ficou parado por seis meses, que a gente estava com a equipe de pesquisa na rua também, eu o Luís Paulo, todo mundo, não só em Rio Preto, mas em Bauru e Ribeirão Preto também, né? Por isso que a gente está com noventa entrevistas e aí a gente pegou as várias fases da pandemia, assim, então, assim, como que o senhor vê o momento hoje, agora, novembro de 2021? A gente está começando a voltar ao normal, como que o senhor vê essas questões da pandemia e o comércio de feira?
R1 – Olha, eu sou muito otimista, eu sou muito otimista. Eu acho que nós passamos já, até no século passado também passaram por várias epidemias, aquela gripe espanhola e várias outras, tiveram várias pestes aí, mas essa pandemia foi diferenciada. Essa aqui vai ser pra não esquecer mais. Quem passou, quem está passando, nós temos uma marca: antes da pandemia era uma vida, pós-pandemia, vida nova. Então, nós temos que estar renovados com Deus, renovados com a família, renovados com os amigos, renovados com nossos fregueses, porque a lição fica: não adianta soberba, não adianta dinheiro, não adianta muita coisa, se você não tiver a saúde do corpo, da mente e da alma no coração. Porque essa pandemia, você percebe que as pessoas mudaram muito o conceito da relação entre um ser humano ao outro. Você viu pessoas milionárias que estavam aí achando que seriam donos do mundo, que simplesmente se renderam, como dizia o presidente: isso daí é uma gripe, uma coisa assim. E sabem da importância, não é apenas o dinheiro, o fato financeiro. O importante é o carinho da família, do amigo, do abraço, aquele abraço carinhoso, gostoso, que muitos não terão a oportunidade de fazer isso, porque se foram. Então, a gente vai ter duas histórias: o que passou, o que estamos vivendo e o que vamos encontrar pela frente. Acredito eu que ela veio pra ensinar. Só não aprende aquele que não quer aprender, só não enxerga quem não quer enxergar, mas está aí a luz do sol, a luz da vida, que é onde os valores têm que ser revertidos, mostrar como era antes. Os valores não são materiais, não é carro, não é ter apartamento, ter casa em condomínio. Os valores nossos estão dentro de cada um, na alma da pessoa, a pessoa tem que viver assim: com amor ao próximo, amor àquilo que faz, amor àquilo que tem, porque o sentido dessa vida é isso. Essa pandemia, eu olho pra ela, assim e tem hora que eu fico pensando: “Por que nós não éramos assim antes? Por que não era desse jeito?” Quantos amigos meus, eu digo amigo que a gente tinha contato, ia numa festa, chegava numa caminhonetona, chegava com carrão. Eu sempre mais humilde, chegava ____ (01:21:49) chegava, você via as diferenças entre uma pessoa receber uma pessoa daquele nível e receber outra pessoa. Então, nós estamos vivendo uma nova fase, e o comércio, aqueles que conseguiram sobreviver e estão aí lutando, sobrevivendo, acredito em sua recuperação. Porque o poder do povo brasileiro, de recuperação, é imenso, é muito grande. É igual àquele bambu que eu te falei lá atrás: enverga, estrala, mas não quebra. Volta, passa a tempestade e está em pé. E eu tenho certeza que o país nosso é um grande país, é um país que vai ter muita mudança, vai ter que ter muita mudança, nós temos que ter consciência que tem que ter mudança na política, tem que ter mudança na igreja, tem que ter mudança na família, tem que ter mudança em tudo. E toda mudança gera esse atrito, constrangimento; não é fácil ter mudança, ainda mais quando você pensa naqueles que pagam com suor, pagam com trabalho, com aquilo que adquiriram. Eu, graças a Deus me mantive, não tive assim tanta queda, né? Consegui me manter, mantive minha banca de feira, tenho minha família, tenho meu cachorrinho e tudo mais. Eu não tenho, assim, almejo grandes coisas pra vida, mas com tudo que eu tenho, eu me mantive e me mantenho e sou feliz, sou muito feliz com minha banquinha de feira, meu trabalho, com meu jeito de ser, meus amigos. Então, que sirva de base pra todos nós isso aí. Tem um quadro lindo do Sesc de uma campanha, do Mesa Brasil, olha lá que lindo, a campanha de doação. Dá pra vocês verem daí?
(01:23:50) P1 – Dá.
(01:23:50) P2 – É o Mesa Brasil, né?
R1 – Isso.
(01:23:54) P1 – O senhor participa do Mesa Brasil?
R1 – Participo. Inclusive, a implantação do Mesa Brasil aqui em Rio Preto, eu fui pra Vale do Ribeira, onde estava acontecendo lá, ajudei na implantação, então é um trabalho muito lindo isso aí. Muito lindo, muito lindo. E nós temos várias ações aqui, que a feira livre faz, junto com o Poder Público, fazemos doações diretas, tem bancos municipais de alimentos, então a feira sempre contribuiu pro lado social. E é muito importante, porque nós sabemos da importância de cada um fazer sua doação, fazer seu lado beneficiário.
(01:24:37) P1 – ‘Seu’ Milton, como é uma entrevista pra registrar assim, pra História, eu queria que o senhor explicasse, em algumas palavras, como é que funciona o Mesa Brasil.
R1 – Ah, sim, aqui em Rio Preto, o Mesa Brasil, como é um programa que onde o alimento é distribuído diretamente para as entidades, ele é coletado, selecionado e no mesmo dia que se coleta, já faz a distribuição. Então, ele vai pras pessoas que precisam, no mesmo instante. Ele é um produto, como se diz assim, aproveitável, um produto bom, de ótima qualidade, onde você percebe que o desperdício diminuiu muito, muito, porque perde-se muito alimento no Brasil. Uma grande parte é perdida, o pessoal não reaproveita, onde que o Mesa Brasil, com esse imenso trabalho que faz, gigantesco, está matando a fome de muitos brasileiros. Muitas pessoas são gratas, que me encontram pelo caminho e falam do programa, que estão recebendo alimento graças ao Sesc, graças a esse trabalho lindo que faz aqui, em nossa região e em todo estado de São Paulo onde tem Mesa Brasil. É um programa muito, muito, muito bem elaborado, onde não tem nada de corrupção, nada de desvio, tudo é reaproveitado, tudo é distribuído, é um programa maravilhoso. A Federação do Comércio me orgulha muito nesse lado do Sesc, do Senac, onde ajuda as pessoas. Ajuda, capacita as pessoas. Isso aí é muito importante, porque é como eu te falei lá atrás, na escola: hoje tem feirante que está assim, uma vida social bem, com casa, chácara, tudo, que me encontra e me abraça, fala: “Miltão, lá na escola iniciou minha empresa, minha horta, hoje eu sou dono do sítio, sou dono de tudo, dono de barraca de feira, entrego em supermercado. Foi você, Miltão, que incentivou isso aí. Na minha casa não tinha horta, você lembra aquela hortinha que você foi lá e deu a bicicleta, você lembra?” São pessoas da mesma idade minha e que me agradecem até hoje. Então, eu vejo essa ação do Mesa Brasil com muito bons olhos, muito, me orgulha esse trabalho deles. Porque é um trabalho que não exige muita gente humana trabalhando, e os que trabalham fazem totalmente a diferença na vida das pessoas. Eu dou parabéns ao Sesc e ao Mesa Brasil, de coração.
(01:27:24) P2 – E, ‘seu’ Milton, e quanto ao futuro? A gente sempre pergunta o que a pessoa almeja ou sonha pro futuro. O que o senhor pensa em fazer?
R1 – Bem, o futuro pra mim era o ontem que nos preocupava. Hoje, pra mim, é o futuro. Então, veja bem: eu tenho 56 anos, tenho meus pais vivos, graças a Deus, meus irmãos, a família. Tenho uma boa casa, onde eu tô aqui agora, nesse momento. Tenho uma caminhonetinha, um carrinho pro meu filho. Esse, pra mim, é o futuro. Nós não vamos querer adquirir muita coisa nessa terra, porque não vai levar nada. Então, se você se manter na família, se você se manter com o que você tem, honestamente, dignamente, esse é o futuro. Se eu estiver mantendo meus freguezinhos na feira com carinho, com amor, com respeito, eu tenho certeza que passaram 25, 35 anos, passarão mais 35 e eu vou estar no mesmo padrão. Porque quem faz o futuro é cada um, é mais ou menos igual a salvação, ela é individual. E o futuro também. Se você for uma pessoa do bem, uma pessoa que cultiva o bem e faz o bem, esse é o futuro. Você vai ser a vida inteira feliz. Eu, na minha humildade, no meu trabalho, sou muito feliz, muito feliz, muito. Sou realizado sempre, eu sou uma pessoa que tenho uma, assim, visão futurista, de que o Brasil vai desenvolver muito, a geração vem vindo aí com tudo, tecnologia na mão, tudo de ponta. Você vê que mudou a produção, hoje um homem com uma máquina produz arroz e feijão pra um milhão de pessoas. O Brasil tem uma extensão geográfica grande, uma terra santa, uma terra que produz, falta só uma coisa: política de boa vizinhança, política de princípio. Onde o ser humano olhe pra outro ser humano com bons olhos e fale: “Não, eu vou ajudar meus irmãozinhos. Isso aqui eu vou trabalhar, vou produzir, eu vou estar ganhando e vou estar ajudando os irmãos”. Não adianta uma pessoa ter mil bois e comer um bife. O que adiantou, se ele come só um bifinho assim e já mata a fome dele? Então, eu acho que as pessoas estão mudando de conceito, sabe? Tô percebendo que o ser humano está, através de uma pandemia, através de umas pancadas, através de umas coisas, mas está acordando pela vida. Então eu sou assim, eu sou muito otimista ao futuro. Eu sei que a mudança vem chegando, a pessoa está enxergando que precisa mudar. E o ser humano, na sua mudança de capacidade, o brasileiro supera qualquer país do mundo. O brasileiro tem uma recuperação imediata, quando vê que a coisa vem assim e de repente levanta tudo de novo. É só ter fé e acreditar que vai dar certo. Eu acho que pra nós já deu até certo, porque nós estamos passando essa pandemia, ela não vai embora, não vamos tirar a máscara tão rápido, mas que fique a lição, né? Vamos trabalhar, vamos ter amor uns aos outros e fazer o melhor que nós podemos fazer, porque você estando bem, os outros também estarão bem. É o que eu deixo de legado, acho que nós temos que estar sempre bem e fazendo o bem, que vamos receber em retorno.
(01:31:22) P1 – Perfeito. E, Milton, o que você achou de ter dado essa entrevista, assim, contando sua história e sua trajetória pro Museu da Pessoa?
R1 – Olha, eu sou privilegiado, né? Até agora me emocionei, porque a gente... olha, eu contei minha história: eu saí lá do sítio, com aquela humildadezinha, graças a Deus, daqui a pouco eu vou lá ver minha mãe, vou comer um frango caipira com ela. Eu tive a oportunidade de vocês, muita gente ir olhar e ver, na pessoa, que eu saí de uma família humilde, onde estão meus pais e eu estudei, fui a pé pra escola, fui descalço pra escola, eu conheci o lado pobre, o lado rico, só que eu sobrevivi pensando no quê? No bem de todos. Eu fui pra escola e eu aprendi, eu ensinei, um ensinamento que fica, né? Que as pessoas até hoje me agradecem, então eu acho que minha participação nessa vida aqui foi importante. E muitos feirantes existem hoje, porque eu coordeno também junto com a minha diretoria, eu os protejo, eu brigo com quem seja pra defendê-los. Eu mantenho a feira como uma empresa, hoje ser feirante pra mim é um status, eu tenho amor no que eu faço, amor na feira e assim eu vou falar pra você: eu poderia estar médico, ser isso, aquilo, contador ou isso; não, eu sou feirante de carteirinha e de coração. E feliz, é aqui que eu mantenho minha família e meu refúgio. E eu fiquei muito contente, agradeço a oportunidade que vocês me deram. Espero ter contribuído de uma forma bem simples, mas de coração. Que a gente, quando fala da vida, a gente vem na cabeça tudo aquilo que você viveu, que conviveu, que você participou, então até agora eu tô emocionado, porque eu revivi tudo novamente isso aí, até saiu uma lagriminha do olho, mas desculpa, mas é assim mesmo, é que emociona. Agradeço por ter participado desse trabalho lindo de vocês.
(01:33:47) P2 – Tá legal.
(01:33:50) P1 – Pra nós é um privilégio, ‘seu’ Milton, o senhor estar contando a sua história pra gente, viu? A gente agradece muito.
R1 – Meu irmão estava ligando e caiu a linha, mas agora deu certo.
(01:34:08) P1 – Não, a gente que agradece muito você ter contado sua história, ter aceitado o convite, a gente sabe que todo mundo tem uma agenda muito enlouquecida, né? A gente agradece muito, foi muito importante pra gente.
R1 – Olha, eu fiquei feliz, feliz, feliz. É um dia único, um momento único e eu agradeço a Deus essa participação, porque nem todos terão essa oportunidade maravilhosa que vocês me deram. Eu fiz de coração mesmo. Foi, assim, algo que me deixou muito feliz. Porque eu sei da importância do trabalho de vocês, um trabalho lindo, onde vocês dão oportunidade pra pessoa falar o que ela sente, o que ela está sentindo e são profissionais de grandeza extrema. E peço a luz de Deus pra vocês continuarem esse trabalho de vocês, convivendo com a família de vocês, os amigos que fazem parte desse grupo de vocês, que uma andorinha sozinha não faz verão. É um conjunto de trabalho, de pessoas, todos capacitados, todos que você vê que fazem com amor o que está fazendo e o chefe vai reconhecer porque, parabéns pra todos vocês, todos, parabéns!
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