Correios – 350 anos aproximando pessoas
Depoimento de Benedito Augusto da Gama
Entrevistada por Karen Worcman
Laranjal do Jari, 25 de julho de 2013
HVC054_Benedito Augusto da Gama
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
MW Transcrições
História de vida
P/1 – Bom, agora vou começar tudo de novo, Seu Benedito, o senhor me desculpa.
R – Nada.
P/1 – Me diz de novo a cidade que o senhor nasceu e quando foi isso.
R – Lá no Olho D’Água, cidade de Olho D’Água.
P/1 – Hoje como é que chama essa cidade?
R – Monte Dourado agora, porque o primeiro engenheiro que veio para trabalhar aí era Doutor Dourado, era diretor da Jari e engenheiro, que veio fazer o trabalho da empresa.
P/1 – Quando o senhor nasceu, que data foi?
R – Eu nasci no dia 3 de setembro de 1921.
P/1 – Como é que o nome do seu pai e da sua mãe?
R – O nome do meu pai é Otávio Augusto da Gama, da minha mãe Maria Florípedes da Gama.
P/1 – O que eles faziam aqui?
R – O meu pai era de Gurupá e minha mãe era de Parnaíba, ela nasceu e se criou-se em Parnaíba.
P/1 – E aí o senhor sabe como que eles se conheceram e vieram morar aqui?
R – Eles casaram em 1910.
P/1 – Puxa!
R – Em 1910 eles casaram.
P/1 – E aí eles vieram para cá para Olho D’Água por quê?
R – Porque, porque teve a.
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em 1928 teve uma Revolta do Zé Cezário.
P/1 – Teve uma revolta?
R – Foi uma Revolução do Zé Cezário.
P/1 – O que foi essa revolução, Seu Benedito?
R – Era porque o Zé Cezário era oficial do exército e então contava aqui que o Coronel José Júlio maltratava o pessoal, aí ele como oficial do exército, ele veio para cá, mas quem maltratava o pessoal era o cunhado dele, Seu Duca, o Coronel José Júlio era cearense, nascido num lugar chamado Sobral, e veio para cá para o Jari em 1900, trabalhar aqui no Jari.
P/1 – Mas o Jari tinha trabalho de quê, quando é que começou a indústria do Jari?
R – O Jari era tudo arrendado, o Jari era tudo arrendado, não era, não tinha dono, não, tudo era arrendado, o camarada ia em Belém, na prefeitura arrendava, por exemplo, dois mil metros, três mil metros de frente, com cinco, seis mil metros de fundo, aí todo mundo era arrendado, quando era no fim do ano o camarada ia pagar arrendado.
P/1 – Arrendado para que, o que o pessoal fazia com a terra?
R – Aqui, aqui era arrendado sabe para quê? Para cortar seringa, tirar castanha e outros produtos, era o que tinha na região.
P/1 – É por isso que as famílias vinham aqui, faziam isso, seringa e castanha?
R – Seringa e castanha, era que tirava a castanha e tirava a seringa, era, faziam roça, lavoura, tudo isso aí.
P/1 – Era arrendado de quem?
R – Era arrendado do Pará, que o governador do Pará era o Barata.
P/1 – Ah, era arrendado do estado?
R – Era arrendado lá do estado, era, que aqui não era Amapá, não, isso aqui era estado, aqui tudinho, em 43 que o Getúlio Vargas nomeou o Capitão Jari, que ele veio pra cá como governador.
P/1 – Entendi, agora, antes disso, quando o senhor nasceu teve essa revolta, quando foi essa revolta?
R – Foi em 1928.
P/1 – Em 28?
R – Foi 28.
P/1 – E o seu pai era do exército?
R – Não, meu pai não era do exército, não, ele trouxe 30 soldados do exército para trabalhar no Iratapuru como seringueiro, mas ele não veio fazer isso, não, ele deixou a esposa dele em Arumanduba, aí ela mandava comprar carne de gado do Seu Duca, que era cunhado do Coronel do Exército, ele mandava pirarucu para ela.
P/1 – Ele veio então fazer o que aqui?
R – Ele veio fazer, libertar o povo, que o Seu Duca era, como diz, era para o exército, era isso que ele veio fazer.
P/1 – O que o Seu Duca fazia para maltratar o povo?
R – Ele, por exemplo, o coronel dava uma ordem, ele não cumpria aquela ordem.
P/1 – O Seu Duca?
R – Seu Duca, o cunhado dele, que era irmão da Dona Laura, da mulher do Coronel José Júlio, era.
P/1 – Era cunhado do seu pai?
R – Era cunhado do Coronel José Júlio, o Seu Duca.
P/1 – E aí eu não estou entendendo bem o seu pai, ele veio com os soldados?
R – Não, o Zé Cezário que veio com os soldados, com 30 soldados para libertar o povo.
P/1 – E aí o seu pai veio como soldado?
R – Não, meu pai trabalhava na Cachoeira.
P/1 – O que ele fazia lá?
R – Ele cortava seringa e tirava castanha, que era a produção daqui, depois que foi balata, foi ouro, foi maçaranduba, depois disso.
P/1 – E aí o senhor, o que o senhor, a primeira coisa que o senhor lembra da sua infância, o que é?
R – Por exemplo, eu fui criado, nasci e me criei aqui do Olho D’Água, aí o meu pai trabalhava em lavoura também, cortava seringa e tirava castanha, no tempo do Coronel José Júlio, era, depois os arrendatários, o Coronel José Júlio chegou aqui, ele trabalhou como seringueiro aqui na Braga, trabalhou como seringueiro aqui na Braga, depois trabalhou lá na Boca do Caracurú, na Boca do Caracurú, depois ele foi trabalhar lá no Jarilândia, que lá os proprietários de lá era bem de vida, fez uma casa de alvenaria, aí o velho morreu e ele se ajuntou-se com a mulher do velho.
P/1 – Quem?
R – O Coronel José Júlio.
P/1 – Ah, entendi.
R – Entendeu? Aí sabe o que foi? Eles iam comprar mercadorias para comprarem uma lancha chamada tapuia, escute bem, comprar a lancha, aí eles vinham vender mercadoria para os arrendatários aqui no Jari.
P/1 – O coronel que fazia isso?
R – Era o coronel que fazia isso porque a mulher, a companheira dele, que era mulher desse camarada que morreu lá em Jarilândia, era bem de vida, aí eles compraram uma lancha e aí compraram mercadoria e vieram residir aqui, era os arrendatários aqui, foi isso que aconteceu.
P/1 – Entendi.
R – Depois, dona, sabe o que foi que aconteceu? Eles foram vendendo, os arrendatários foram vendendo.
P/1 – Vendendo para quem?
R – Para o Coronel José Júlio as posses, por exemplo, se era três mil metros de frente do rio com seis de fundo, seis mil metros de fundo, eles trabalhavam dentro daquela área.
Aí, por exemplo, assim começou desde a Boca do Jari até no Iratapuru, era tudo arrendado, o pessoal conta aí que isso, que aquilo, não, tudo era arrendado, naquele tempo era arrendado, e naquele tempo se a senhora tivesse dinheiro a senhora comprava a terra, hoje não pode mais comprar terra.
P/1 – Não?
R – Não, hoje não pode mais que as prefeituras não vende mais, mas naquele tempo vendia, a senhora tivesse dinheiro, dizia: “Eu quero três mil metros de frente aqui”, vinha o engenheiro medir, o engenheiro vinha medir e entregava para senhora, aí a senhora ia pagando a prestação, era isso que era assim a antiguidade, era.
Tem muita gente hoje que ainda tem muito terreno porque comprou naquele tempo que era, que eles vendia, a prefeitura de Belém, que a prefeitura era só em Belém, era, aí o camarada ia com o prefeito de Belém e comprava o terreno, aí ia pagando.
P/1 – Aí foi gente que foi ficando com muita terra?
R – Pois é, tem muita gente que tem muita terra hoje comprada, isso e aquilo, porque naquele tempo a prefeitura vendia, vendia o terreno, hoje não vende mais.
P/1 – O seu pai chegou a comprar alguma terra?
R – Não, meu pai não chegou a comprar terra, não.
P/1 – Por quê?
R – Porque ele não tinha condição (risos).
P/1 – Ele era muito pobre?
R – Não, sabe que ele não sabia ler, que naquele tempo, dona, o camarada para saber ler, ele tinha que.
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não tinha escola aqui no Jari, não, aqui no território, eu vou lhe dizer, naquele tempo só Capitão Janary que quis escolas de lá do coisa, Macapá até aqui no Jari, ele quis escola.
P/1 – Só, isso foi a primeira fez que teve escola?
R – Foi, foi a primeira fez que teve escola, não tinha escola, não.
P/1 – O senhor nunca foi à escola?
R – Eu não, eu aprendi a ler porque a minha mãe sabia bem ler, que ela era, mas ela sabia bem ler, mas aqui não tinha escola para ninguém estudar, não.
P/1 – A sua mãe sabia ler por quê?
R – Porque ela aprendeu a ler lá em Parnaíba, que o avô dela trabalhava bem, naquele tempo era assim, vou te contar, naquele tempo se o camarada, tinha aquelas mulheres que sabiam bem ler, aí o camarada: “Dona, a senhora pode ensinar meu filho”, ela dizia: “Eu posso”, “Eu lhe dou um salariozinho, quanto a senhora quer por mês?”, ela dizia: “Eu quero tanto”, “ Está aqui”.
P/1 – Para ensinar a ler?
R – Para ensinar a ler, era isso que era o ministério, mas não tinha escola, não, não tinha escola, não, as mulheres que sabiam ler, aí o camarada ia falar com elas para o filho estudar lá com ela.
P/1 – E a sua mãe ensinou muita gente a ler?
R – Não, ela não ensinou porque ela, quando a gente chegou aqui, ela casou logo, porque o avô dela morreu e a mãe dela foi buscar ela em Parnaíba, e ela chegou aqui, com dois anos ela casou.
P/1 – Casou com o seu pai?
R – Casou com o meu pai.
P/1 – Quantos filhos, quantos irmãos o senhor tem?
R – Quantos filhos ela teve?
P/1 – É.
R – Ela teve 12 filhos.
P/1 – 12 filhos?
R – Foi, teve 12 filhos.
P/1 – E aí quantos ficaram vivos, quantos morreram?
R – Só morreu dois.
P/1 – Ah, puxa!
R – Foi.
P/1 – E ela ensinou todo mundo a ler, Seu Benedito?
R – Ela ensinou todo mundo que quisesse ler, a gente ia trabalhar, quando chegava ia estudar com ela lá em casa, ela ensinava.
P/1 – O senhor trabalhava desde criança?
R – Eu comecei a trabalhar desde a idade de dez anos.
P/1 – Para onde que o senhor foi trabalhar?
R – A gente cortava seringa e tirava castanha, de inverno era castanha, de verão era seringa.
P/1 – O que é tirica?
R – Tirica é a borracha.
P/1 – Ah, seringa.
R – É, a seringueira é a borracha que tem.
P/1 – Aqui não tem, assim, do tempo da escravidão o senhor não ouviu nenhuma história?
R – Do tempo da escravidão? Tinha a escravidão, era o povo mesmo quem fazia, não era? Eu vou lhe contar tudinho, por exemplo, a senhora tinha mais um direito, não era? A senhora ia lá no Maranhão, no Ceará, trazia um bocado de gente, aqueles pessoal que a senhora trazia quem governava era a senhora, aí a senhora batia, fazia isso, fazia aquilo, tudo quanto é do povo, porque daqui ele não saía sem a senhora mandar, era isso que acontecia, que o pessoal conta isso, isso.
Dona, a gente conta a verdade, como eu disse, eu gosto da verdade, não gosto da mentira, eu conto a verdade, tudo que eu tenho contando é verdade, então aquele pessoal que eu trazia, ia no Ceará, ia em Pernambuco, tudo aquele pessoal quem governava era eu.
P/1 – O senhor?
R – É, quem governa, por exemplo, eu ia buscar lá e eu governava aquele pessoal que eu ia buscar lá, aqui acontecia era isso, aquele pessoal iam lá trazer aquele pessoal, aí trabalhava, falava com coisa, tinha aquele terreno para ele trabalhar, aí era comandado tudo por ele, era, não tinha o camarada que ia: “Ai, eu vou me embora”, “Com o que que tu vai, tu tem domínio próprio? Não tem, quem trouxe sou eu, no dia que vai te mandar para lá quem vai mandar é eu”.
P/1 – Mas isso o senhor está falando do senhor mesmo, o senhor fez esse trabalho ou outro homem?
R – Não, olha, a senhora entende, por exemplo, tinha os trabalhadores, por exemplo, o trabalhador ia buscar o pessoal lá no Maranhão, no Ceará.
P/1 – Buscar para trabalhar na terra?
R – Buscar para trabalhar na terra onde ele estava trabalhando, era isso que faziam.
P/1 – Quem buscava era o dono do trabalhador?
R – Era, quem buscava era o dono do trabalhador.
P/1 – E nunca teve uma revolta, Seu Benedito?
R – Pois não teve? O José Cezário veio libertar por causa disso.
P/1 – Foi por causa disso?
R – Foi por causa disso.
P/1 – E depois disso teve outra?
R – Pois é, aí foi libertado, aí o Seu Duca, o Seu Duca foi preso, morreu, aí o Coronel Júlio chegou, chegou.
P/1 – Entendi.
R – Porque ele não fazia, quem fazia era o cunhado dele, era.
P/1 – E quando chegou o americano, o Daniel Ludwig?
R – Chegou no dia primeiro de janeiro de 1967.
P/1 – Sessenta e sete?
R – Foi 67.
P/1 – Antes disso o que tinha aqui de indústria?
R – Ele andou, só andando de avião aqui, a terra que ele achou mais rica para trabalhar foi aqui, foi aqui no estado.
P/1 – E aí ele veio parar aqui?
R – Foi.
P/1 – O senhor lembra da chegada dele?
R – Eu me lembro, sim senhora.
P/1 – Como é que foi?
R – Ele chegou aqui, ele veio visitar tudo, que ele era o homem mais rico que tinha dentro do estado, que ele era o petroleiro número um, todo o petróleo ele comprava, para só ele coisar o petróleo.
P/1 – E aí ele veio, o que mudou com a chegada dele aqui?
R – O que que mudou? Aí ele acabou a produção.
P/1 – Como? Me explica melhor.
R – Daí acabou a produção, a produção dele só era, era, nós, não comprou as castanhas, não comprou mais a borracha, não comprou mais a maçaranduba, não comprou mais a balata, não comprou mais nada, vedou todo isso, aí o trabalho dele era só fazer plantio, era gamelina, pinho e eucalipto, era, era fazer desmatação, era.
P/1 – E aí o senhor estava trabalhando no que quando ele chegou?
R – Eu estava trabalhando em seringa, a borracha e a castanha.
P/1 – Com o seu pai até esse momento, o senhor trabalhou com o seu pai a vida toda?
R – Não, eu trabalhei até com 25 anos com ele.
P/1 – Depois o que é que o senhor fez?
R – Depois ele foi embora para Porto de Moz e eu fiquei aqui.
P/1 – E aí o senhor ficou fazendo o quê?
R – Trabalhando na produção.
P/1 – Produção de seringa?
R – Cortando seringa, cortando maçaranduba, tirando castanha, balata, tudo eu fazia, era produção, era isso, era.
P/1 – Mas a terra era de quem, Seu Benedito?
R – A terra era do Ludwig.
P/1 – Ah, a terra já era do Ludwig?
R – Era, Coronel José Júlio vendeu em 48, sabe por quanto ele vendeu? Vou lhe dizer, vendeu por dez milhão.
P/1 – Para o Ludwig.
R – Para o Ludwig, ele vendeu para empresa Jari, que primeiro quem comprou aqui depois do Coronel José Júlio foi a empresa Jari, o português, era cinco sócios português, agora, tinha um brasileiro que não podia ser só português, era estrangeiro, aí eu lhe digo o nome deles tudinho, era Seu Airo, Seu Almeida, o Nilton Fonseca, Seu Martim e Seu Teixeira e o Capitão Crispim, que era cearense.
P/1 – Esses todos, ele eram.
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R – É, era cinco português e um brasileiro que era a sociedade, era uma empresa, ele vendeu esse em 1948, no dia 6 de setembro ele vendeu.
P/1 – E aí, aí o senhor parou de trabalhar com a castanha?
R – Não, não parei, não, aí que a gente foi trabalhar mesmo (risos).
P/1 – Por que, me explica?
R – Porque deu mais dinheiro, porque você sabe quanto a cifra de castanha dava? Oito cruzeiros, que naquele tempo era mil réis o dinheiro, depois que mudou para cruzeiro, de cruzeiro mudou para cruzado, depois de cruzado agora mudou para real, era, naquele tempo o primeiro dinheiro era mil réis, era.
P/1 – E aí vamos voltar um pouquinho, eu quero saber como que o senhor casou com a Dona Celina? Vamos contar do seu casamento, o senhor conheceu aonde a Dona Celina.
R – Eu morava aqui no Olho D’Água, ela morava lá num lugar chamado Arapiranga, depois eu fui trabalhar para lá na casa da Caracuru, sabe, depois ficava mais perto da onde eu morava para onde ela morava.
P/1 – Aí o senhor conheceu ela, achou ela bonita, o que foi?
R – Pois é, (risos) nós ficamos noivo em janeiro, quando foi mês de junho, no dia 11 de junho nós casamos.
P/1 – Mas o senhor que foi atrás dela ou ela que foi?
R – Não, que a gente estava, sabe, naquele tempo a gente visitava as casas, sabe, naquele tempo as pessoas, não era como hoje em dia, não, hoje em dia a pessoa quando a gente quer fazer uma coisa nas casas das pessoas assim, ele quer saber como a pessoa vive lá, naquele tempo não, todo mundo era, não era assim, não.
P/1 – Como que era?
R – Uma pessoa ia nas casas das pessoas, na hora que, eu, por exemplo, eu morava aqui, o fulano morava aqui, eu ia lá na casa dele conversar tudo direitinho como eu vivia como ele vivia, na hora que eu precisasse dele eu ia lá com ele para ele me ajudar, que eu estava doente ou precisava de alguma coisa, era trabalhar na roça, fazer isso, fazer aquilo, era isso que era aqui, que a gente trabalhava, de união, era de união, era.
P/1 – E isso mudou?
R – Isso hoje em dia mudou, não tem mais, não (risos).
P/1 – Por é que mudou?
R – Mudou porque camarada fala, olha, se eu botar um camarada para trabalhar aqui nessa casa como eu botei, ele primeiro julga o dinheiro: “Quanto você vai me pagar?”, aí eu perguntava para ele: “Quanto você quer?”, “Eu quero tanto, mas eu quero logo o dinheiro hoje para amanhã vir trabalhar” e no outro tempo não era assim, não, era um ajudando o outro.
P/1 – Aí o senhor foi na casa que, a sua avó era casada com um tio dela, é isso?
R – Era casada com um tio dela, era, porque eles nasceram e se criaram na Prainha, de Prainha a gente vai para Monte Alegre, de Monte Alegre a gente vai para Além Terra, de Além Terra para Santarém (risos), então é isso.
Eu com idade de dez anos eu tenho a lembrança de tudo, tudo, até agora, com 92 anos de idade, que eu vou completar 92 anos agora no dia 3 de setembro, estou dentro dos 92, eu vou completar no dia 3 de setembro, mas está pertinho, falta um mês e pouco.
P/1 – O senhor lembra de tudo?
R – Eu me lembro de tudo, tudo, tudo.
P/1 – O que o senhor lembra de dez anos?
R – Pois é, eu lembro de dez anos que o meu pai, que eu cortava seringa, tirava castanha, fazia lavoura para nós sobreviver, era, porque naquele tempo o camarada trabalhava, ele não comprava arroz, ele não comprava milho, ele não comprava feijão porque tudo ele plantava.
P/1 – Ah, é?
R – Era, tudo a gente plantava e tinha os legumes para comer, era.
P/1 – O que vocês comiam?
R – Era arroz, era feijão, o açúcar era um açúcar que a gente chamava açúcar da baia, não era açúcar que vinha de.
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P/1 – Como é que era?
R – O açúcar não vinha, não é açúcar refinado, não, era o açúcar batido e feito aquelas coisas, mas não era refinado, que metia nas coisas para refinar, não, não tinha, primeira vez que, quando nós saímos daqui, no tempo da revolução do José Cezário, nós fomos para Belém, para uma granja, hoje não tem mais, que o Major Paiva que era o que trabalhava lá, que botou uma usina lá para fabricar açúcar, era Major Paiva, ele botou uma usina para fabricar, meu pai trabalhou lá, nós trabalhamos, o meu pai trabalhou lá, que naquele tempo eu não trabalhava, trabalhou seis meses, depois nós viemos para cá para o Jari de novo, foi, lá que ele fabricava açúcar refinado.
P/1 – E a roupa, onde é que vocês compravam?
R – A roupa vinha para os comércios.
P/1 – Mas o dinheiro vinha da onde?
R – Os comércios vinha de Belém, era, naquele tempo, hoje, dona, só é, a roupa já vem tudo pronta da fábrica, naquele tempo tudo era em peça, tudo era fazenda em peça, a senhora chegava, por exemplo, em Belém, naquelas lojas, que hoje, naquele tempo a rua que fabricava mais confecção era a Conselheiro João Alfredo, a Rua Conselheiro João Alfredo, era só loja de um lado e do outro e tudo era fazenda em peça, não era, hoje em dia, hoje não vem comprar mais, não tem máquina, para quê? Porque o camarada vai em qualquer uma, uma loja, já compra a roupa toda, serve: “Me dá essa camisa aí”, visto, está bom, pronto, se serve: “Me dá essa calça para experimentar”, é isso, mas naquele tempo era tudo fazenda em peça, era fazenda em peça.
P/1 – Aí, quer dizer, o senhor casou lá, o senhor continuou sempre trabalhando na mesma coisa?
R – Eu continuei trabalhando na mesma coisa, cortando seringa e tirando castanha, cortando maçaranduba para sobreviver.
P/1 – E a casa que o senhor fez para os filhos aonde é que foi, a primeira casa?
R – A primeira casa que, quando eu me casei eu morava lá no Arapiranga, num lugar chamado Escueira, depois eu vim para cá, trabalhar aqui no Olho D’Água, aonde eu nasci e me criei.
P/1 – O senhor veio fazer o que aqui no Olho D’Água?
R – Eu vim cortar seringa e tirar castanha.
P/1 – Aqui também?
R – Aqui também.
P/1 – O senhor mudava de lugar por quê?
R – A gente mudava de lugar por quê? Porque às vezes o patrão ia embora, que o patrão ia embora daquele lugar, a gente procurava outro.
P/1 – Então sempre tinha que ter o patrão da seringa para poder ir?
R – Era, tinha o patrão, tinha o patrão para, aqui da Boca do Jari até na Cachoeira tudo era cheio de patrão, sabe, que trabalhava, era, os patrão trabalhava e arrumava o freguês e quando ele não era daqui, não nasceu e se criou-se aqui, ele ia embora, chegava o tempo dele ir embora trabalhar, eles iam embora.
P/1 – Quem eram os patrões?
R – Era os patrão, por exemplo, olha, como na Cachoeira tinha Armando Barreto, tinha o finado Periguá, tinha o Gaspar, tudo isso, aí vinha tendo, na Padaria era Seu Eugenio Paiva, era o Miguel Gadeia, Olho D’Água era Manuel Marcelino, no Caracurú era João Tavares, José Tavares, era lá no Paraguai, no Paraguai era o coisa, Moura Serra no Bom Jardim, Marapi, o Antônio Olímpio.
P/1 – Mas eles eram daqui mesmo, Seu Benedito?
R – Não, eles não tinha, eles vinham para cá trabalhar.
P/1 – Eles vinham da onde, o senhor sabe?
R – Eles vinham, por exemplo, daqui, por exemplo, daqui do município do Pará, que vinha, por exemplo, porque o Ceará era um lugar seco, o Ceará passou três anos que não caiu um pingo d’água, uma velha veio para cá que o nome dela era Dondora, parente do finado Pontes, ela disse que teve no Ceará, teve três anos que não caiu um pingo de chuva, sabe o que eles faziam lá?
P/1 – O quê?
R – Era, matava o gado e pelava o couro para comer com o que fosse outra coisa, era, com bucho de boi, era, passou três anos no Ceará sem chover, o Ceará é um lugar pobre, o Ceará é um lugar pobre, Pernambuco é um lugar pobre, Maranhão é lugar pobre, era, tudo era pobre porque não tinha de que viver.
Por exemplo, a senhora era lavradora, eu também era, fulano também era, quem é que ia comprar a nossa lavoura? Ninguém ia comprar porque todo mundo tinha.
P/1 – E aqui era mais rico? O pessoal começou a mudar para cá então.
R – É, o pessoal, eles procurava lugar melhor para sobreviver, olha, o Acre, tem o Acre aqui, não é, tem o Acre, Rio Branco, Rio Machado, Rio Madeira, Porto Velho, tudo isso, o Getúlio Vargas tinha dois navios para carregar o pessoal para lá, para se manter, para trabalhar para se manter.
P/1 – O Getúlio Vargas que botou o navio?
R – É, o Getúlio Vargas que mandou fazer dois navios para quando vir o pessoal daqui para lá, você sabe quanto a borracha dava lá?
P/1 – Quanto?
R – Cinquenta centavos.
P/1 – E aqui?
R – E aqui era o mesmo preço, cinqüenta centavos o quilo, era, depois da guerra de 40 que passou para 11 reais o quilo da borracha.
P/1 – Lá no Acre ou em todo o Brasil?
R – Em todo o Brasil, foi em todo o Brasil, o preço era geral, era, aí todo mundo melhorou de situação, todo mundo melhorou de situação.
Você sabe quanto custava um alqueire de farinha, duas latas? Custava três cruzeiros, era, você vendia, você tinha duas latas de farinha: “Quanto é?”, “Três cruzeiros”, um e 50 cada uma lata, era.
P/1 – E aí esse pessoal aqui era o pessoal que chama soldado da borracha?
R – Pois era, soldado da borracha começou porque em 40, que a borracha, foi o tempo da guerra da Alemanha, a guerra da Alemanha passou cinco anos, começou em 40 e terminou em 45, é, quando terminou a guerra da Alemanha só no derradeiro dia morreu 15 milhão de habitante, 25 nação brigando só contra uma nação, porque o Hitler queria ser, disse: “Eu manobro o mundo inteiro, nem que seja um dia”, ele falava, passava na coisa, no Fantástico: “Eu governo o Brasil, as nação todinha, nem que seja um dia”, passou cinco anos, com cinco anos ele desapareceu, cinco anos, no derradeiro dia que venceram, 25 nação foram para lá e venceram mesmo, é, morreu 15 milhão de pessoas, é, das 25 nação.
P/1 – E aí o pessoal daqui, o senhor sentiu, o senhor lembra da guerra aqui no Brasil?
R – Eu me lembro sim, que eu cortava seringa, foi no tempo que a borracha deu dinheiro, foi em 40.
P/1 – Durante a guerra a borracha deu dinheiro?
R – Pois é, foi no ano que a borracha deu dinheiro, em 40, aí foi, por quê? Porque precisava do navio, eu vou lhe dizer tudinho direitinho, porque eles precisavam da borracha para forrar os navios, que naquele tempo era navio de ferro, o Coronel José Júlio tinha seis navios, tudo de ferro.
P/1 – E aí precisava da borracha?
R – Era, forrava o casco do navio por baixo tudo com a borracha porque, olha, foi, só no Brasil sabe quanto foi de navio? Foi cinco navio para o fundo, do Coronel José Júlio, foi cinco navio que eles botaram no fundo, o submarino andava por debaixo da água, era onde vinham as ordens do coisa, eles soltavam uma bomba, a bomba chegava embaixo, tum, no ferro, explodia o navio para o fundo, era.
E botaram foi milhão de navios no fundo, que o casco era de ferro e aí eles compravam a borracha, deu dinheiro, para eles forrarem, que a bomba batia, mas não explodia, no ferro explodia, mas na borracha não explodia, era, foi por isso que a borracha deu dinheiro.
P/1 – Mas o senhor chegou a trabalhar com isso, o senhor chegou a ir para o Acre?
R – Não, senhora, eu nasci aqui, me criei aqui, foi.
P/1 – Nunca saiu daqui?
R – Não, eu saí, foi, um tempo eu fui no Porto de Moz, eu conheço essa daqui até Santarém, porque que todo ano a gente saldava, a gente pegava o dinheiro e ia passear.
P/1 – Tirava férias para ir para Santarém?
R – Pois é, era isso que era o negócio.
P/1 – No tempo que era solteiro, depois que o senhor casou não fazia mais isso, não?
R – Nós fomos, já foi para o Porto de Moz, mas chega lá no Porto de Moz o negócio, a cidade era pobrezinha, só, a produção era só farinha de milho e arroz, mas eu não fiquei lá, não, vim de novo para trabalhar para cá no Jari de novo.
P/1 – E os filhos, quantos filhos o senhor teve?
R – Ela tem nove vivos e dois, três mortos, 12.
D.
Celina – São, olha, as mulher: Creuza, Deusa, Neusa, Celisia, Antônia, Maria José, seis filhas, está viva, homem só três: Zeumar, Deumar e Zigomar.
R – Pois é, é isso que a gente precisa saber e é coisa boa a gente saber do passado, coisa boa a gente saber do passado, como começou.
P/1 – Exatamente.
R – Pois é, porque o primeiro governador que teve foi o Capitão Janary, depois do Capitão Janary foi o irmão dele.
P/1 – Aqui?
R – Sim, no território, depois foi o Barcelos, que era comandante, depois do Barcelos foi outro menino, depois o Waldez Góes, depois do Waldez Góes foi esse outro que está agora, é, filho do Capim, Capim foi filho dele, é esse que é.
P/1 – Aqui era município, o senhor votava, o senhor lembra como é que era, não?
R – A eleição, primeira eleição que eu votei foi em 47, primeira eleição que teve, que era, não era prefeito, não, era interventor, naquele tempo era interventor.
P/1 – Mas o senhor ia lá votar para governador ou estava votando para presidente?
R – A gente não, naquele tempo era nomeado, não era votado, não.
P/1 – Entendi.
R – Era, por exemplo, o governador era votado, o camarada nomeava ele, seu fulano de tal, ele tinha um prestígio, aí ele nomeava ele, o prefeito era interventor quando era nomeado, se ele não prestasse, não fazia o serviço direito, tirava ele e colocava outro, era esse o negócio, era assim, a primeira eleição que teve em 47.
P/1 – O senhor chegou a votar para presidente?
R – Para presidente? Porque naquele tempo o Presidente Getúlio Vargas, Getúlio Vargas ganhou a primeira vez, passou quatro anos, voltou de novo, voltou quatro anos, aí que foi que ele se, ele foi, ele passou, aí ele governou o Brasil, ele governou o Brasil 16 anos.
P/1 – E depois, em 1949 o senhor votou para presidente?
R – Eu, quando?
P/1 – Em 49.
R – Não, 49 já foi, porque o prefeito naquele tempo passava cinco anos, era, passava, era eleito, passava cinco anos para poder a gente ter outra eleição.
O Getúlio Vargas, o Getúlio Vargas, mataram ele, Getúlio Vargas não morreu, não, mataram ele, as Forças Armadas matou ele.
P/1 – Quem matou?
R – As Forças Armadas, agora, isso foi encoberto, que ele ia fazer uma renúncia de novo para governar o Brasil, mas esse Padre Adolfo, que era padre lá do coisa de Porto de Moz, disse para o meu pai e eu escutando, disse: “Otávio, o Getúlio Vargas não se matou, não, mataram ele, as Forças Armadas matou ele, que a bala entrou das costas para o peito, não entrou do peito para as costas”, eu te digo isso que eu, agora, não fizeram alarme por quê? Porque ia ter uma revolução muito grande no Brasil.
P/1 – O seu pai gostava de Getúlio Vargas?
R – É, então o Padre Adolfo disse, que o Padre Adolfo era de Porto de Moz, disse para o meu, eu escutando ele falar tudo isso, o Getúlio Vargas não se matou, não se matou, não, mataram ele porque ele ia governar o Brasil de novo, 16 anos, é, então foi isso que aconteceu, ele disse diante do meu pai.
Que o padre ficava na Cachoeira e aí já descendo, era, fazendo batizado, fazendo casamento, fazendo isso, até chegar na Boca do Jari, quando chegava na Boca do Jari pegava uma embarcação, ia para Porto de Moz, ia para Almeirim, ia para coisa, para Prainha, da Prainha lá para o Santarém, era, Monte Alegre, era assim que era nosso tempo.
P/1 – O senhor chegou a trabalhar dentro da fábrica do Jari ou do plantio?
R – Eu nunca trabalhei, não.
P/1 – Não, o senhor não quis, como é que foi?
R – Não, nunca trabalhei, porque naquele tempo que a Jari chegou sabe como era? Eu vou lhe dizer para senhora ficar sabendo, a pessoa, quando ela chegou ela só empregava de 40 anos para frente, se tivesse 50 anos ou 55 anos ela não empregava, não, porque, para não indenizar.
P/1 – Depois que a pessoa parasse?
R – É, eles dispensavam, até 40 anos o camarada ainda se empregava na Jari, na empresa.
P/1 – Era bom trabalhar na empresa, todo mundo queria?
R – Era, todo, era, sabe quantos ela dispensou agora? Sabe quantos foi?
P/1 – Quantos?
R – Quanto foi, um milhão de trabalhador, ficou com 450 funcionários só, é, ela dispensou um milhão que trabalhavam nela, dispensou, agora tem 450 trabalhador.
P/1 – Seu Benedito, e aqui nessa cidade, Laranjal do Jari, como é que foi, o que mudou aqui?
R – Aqui, aqui, por exemplo, aqui, naquele tempo que começou logo era muito bom, tinha muito comércio, muito isso, muito aquilo, depois foi caindo, foi caindo, foi caindo, foi caindo, foi caindo, foi caindo, sabe por quê? Porque a condição não tem mais, naquele tempo vinha barco cheio de mercadoria de Belém para vender aqui, agora não vem mais.
P/1 – Por quê?
R – Porque, sabe, porque chega aqui o pessoal quer comprar fiado e tira a mercadoria lá para vir vender aqui e pegar o dinheiro e para pagar lá, traz de lá fiado, dos armazéns de Belém fiado, agora, chega aqui e pega, que eles pegava, vendia e pegava o dinheiro logo, porque tinha dinheiro, agora não, agora chega aqui, vende a mercadoria, quando volta cadê o dinheiro para chegar lá, pagar o armazém? Não tem, não tem, é isso que eu estou te falando, de verdade é, aí caiu, você vê hoje, é o maior negociante aqui agora é o Zanon, que vende estiva, é o maior que vende estiva é ele.
P/1 – Ele vende o quê?
R – Estiva, a estiva é o feijão, é o arroz, é o açúcar, é o café.
P/1 – O senhor lembra da chegada dos Correios aqui, do posto dos Correios, da empresa dos Correios, para poder receber carta, falar, receber encomenda, o senhor lembra quando chegou?
R – Não estou bem lembrado, não.
P/1 – Isso não mudou nada na vida, o senhor não precisava de encomendar nada nem escrever para ninguém?
R – Não.
P/1 – O que mudou?
R – Porque aqui, aqui o camarada tinha o telefone, o camarada queria falar, ligava o telefone daqui e falava para onde ele queria, como nós tem o telefone aqui também, o meu filho comprou o telefone e tem o telefone, agora o camarada quer ligar daqui, como ligar para minha filha que mora em Manaus, liga para o meu filho que mora no Suriname, é tudinho, é assim.
P/1 – Hoje em dia os seus filhos, um mora em Manaus.
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R – É, mora um no Suriname, outro mora em Tabatinga, é, na fronteira do Brasil com.
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P/1 – Trabalhando em que, que trabalham os filhos?
R – Dois é pastor, um, dois é pastor e esse que mora no Suriname é pastor e o outro que mora em Tabatinga é pastor, agora, o outro é gerente da empresa do Joana que vende combustível.
P/1 – Ah, ficou todo mundo, entrou, os senhores viraram evangélicos ou não? Vocês são evangélicos?
D.
Celina – Graças a Deus.
R – É, todos os meus filhos são evangélicos.
D.
Celina – Ganhei o marido para Jesus, ganhei os filhos para Jesus.
P/1 – Foi a senhora que levou todo mundo? E o que mudou, a senhora saiu, foi a Dona Celina que levou todo mundo para igreja, foi isso?
D.
Celina – Foi, ganhei tudinho para Jesus, marido, filho, meus filhos tem dois pastor, um diácono, as filhas também tudo são crente, graças a Deus.
P/1 – Quando é que foi que a senhora resolveu, antes vocês eram católicos?
D.
Celina – Era, do papo amarelo.
P/1 – Do papo amarelo?
D.
Celina – Era.
P/1 – E aí o que aconteceu?
D.
Celina – Aconteceu que veio um senhor, o senhor mandou um crente para dentro de casa morar com nós, que veio de Belém, eu tinha um oratório cheio de ídolo, seis horas eu estava rezando lá com os filhos, chamava os filhos para rezar junto comigo, à noite ia deitar, de novo.
Aí acho que esse crente nunca falou nada para mim, mas acho que ele orou muito, muito por mim.
Quando foi um dia a minha sobrinha, a minha prima fez um aniversário lá de um filho que ela teve, aí ela me convidou, eu digo: “Não, não vou, não, vocês são crente, eu não sou, vou impedir a benção de vocês”, ela disse: “Não, tia Celina, não é assim, não, como a senhora pensa, a gente só aceita Jesus quando Deus toca no coração da gente”, aí eu fui.
Aí antes de fazerem o apelo, porque eles fazem apelo todo culto, até hoje tem esse apelo, convida quem quer ser crente, e antes de fazer o apelo eu fui para lá chorando, eu tinha uma raiva de crente, não batia papo com crente, não, e aceitei Jesus, até hoje, graças a meu paizinho do céu, meu Jesus.
P/1 – Como que a senhora fez para levar o marido, os filhos?
D.
Celina – Aí eu orava para Jesus, orava, jejuava para Jesus tocar no coração dos filhos e do marido, eu era nova, jejuava o dia todinho, quando era de noite tinha, esses tempos não tinha igreja, não é, o culto era na casa dos irmãos, era na rua, aí eu entregava: “Papai do céu, eu quero que tu salve todos os meus filhos e meu esposo, eu quero ir para tua casa com toda a minha família te servindo”, mas foi rapidinho, todos aceitaram Jesus.
P/1 – Aí o senhor mudou então, Seu Benedito, o senhor virou crente?
D.
Celina – Foi, graças a Deus.
R – Eu estou com 40 anos que eu sou crente.
P/1 – Ah, isso tudo já faz 40 anos?
R – Quarenta anos, a Jari está aqui com 46 anos, a Jari está com 46 anos, eu estou com 40 anos.
D.
Celina – Pois é, estamos com 60 e poucos anos de casado, casei tinha 16 anos.
P/1 – E aí o que mais, quer dizer, daqui dessa cidade, quando a Jari agora vendeu, mudou alguma coisa na sua vida, Seu Benedito?
R – Não, aqui, por exemplo, aqui o camarada, por exemplo, que ele não tem, que não tem um ramo de vida, por exemplo, um comércio, essa coisa, que ele não é aposentado, ficou ruim, por que que tem bandido aqui? Está arrombando as casas, como a mulher saiu hoje da casa dela aqui, bem ali, ela falando para o coisa, disse: “Olha, Sérgio Abreu, eu saí de casa, quando cheguei a porta estava aberta e o camarada tinha levado meus bagulhos quase tudo”.
Olha, foram já duas vezes lá no, aqui no coisa, aí no, do outro lado, é, Monte Dourado, a primeira vez levaram 115 mil, aí aqui a terceira vez levaram 94 mil.
D.
Celina – Ontem teve roubo lá, telefonaram para Celisa.
P/1 – Esse roubo todo é por quê?
R – Eles chegam armado com revólver e prende o camarada, não é, e agora o que é que faz? Prende o camarada dentro do quarto e vão levando tudinho, primeiro roubo que teve em Monte Dourado foi 115 mil, o segundo foi 94 mil.
P/1 – Então isso mudou muito, antigamente não tinha essa violência?
R – Não, e aqui levaram, arrombaram lá o coisa, levaram 96, aqui no Agreste, 96 mil.
P/1 – E agora, hoje, Seu Benedito, D.
Celina, quem mora aqui nessa casa quem é?
D.
Celina – Só eu e ele, pai e espírito santo, os filhos tudo casaram, foram embora, filha, mora uma filha bem aí nessa casa branca, é uma filha minha que mora aí, ela trabalha, trabalha na loja da Marinete do Justo, e tem outra que.
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P/1 – Mas a vida está boa ou a vida está ruim?
D.
Celina – Está boa.
R – Não, está equilibrada, (risos), está equilibrada.
D.
Celina – Tem uma que trabalha lá no Eldorado, a Maria José trabalha na loja da Lindalva, tudo são empregada as minhas filhas.
R – Pois é, as terras do Coronel José Júlio era três milhão de hectares, ele mandou o engenheiro ver, medir a terra dele, três milhão de hectares, em 1932 veio três engenheiros medir as terras do Coronel José Júlio, era três milhão de hectares.
P/1 – Muita terra.
R – Muita terra (risos), ele vendeu isso para os portugueses por dez milhão, vendeu para os portugueses por dez milhão, quando ele morreu ele deixou sete milhão no banco e o prédio dele, que ele comprou numa rua no Rio de Janeiro, no valor de dez milhão, ele deixou, ele comprou tanto prédio no Rio de Janeiro, ele morreu em 55, morreu em 55 o Coronel José Júlio, era.
Primeiro ele comprou a patente de Senador da República, o navio dele era o Cidade de Alenquer, Cidade Almeirim, Sobral, São Valente, Rio Jari e tudo outro, era, o navio dele, tudo de ferro, agora, tinha quatro lanchas, tudo de ferro, Coronel José Júlio, ele comprou a patente de Senador da República, naquele tempo era comprada a patente, era cem mil réis a patente de Senador da República, e de tenente major era 50.
Tinha tanto tenente major aqui que o camarada: “Ó, o tenente major, o capitão fulano de tal”, aqui no Jari era cheio de capitão e tenente porque era 50 mil réis, naquele tempo o dinheiro era mil réis, o camarada pegava 50 mil réis, ia dando no coisa, comprava a patente e dava a farda, ainda tinha isso, comprava a patente, eles davam a farda, era.
O coronel primeiro comprou de Senador da República, mexia com o tesouro nacional, que hoje todo senador mexe com o tesouro nacional, ele, depois ele comprou a patente, é, de coronel, 50 mil réis, comprou a patente de coronel e todo mundo temia a ele porque ele era coronel, era.
P/1 – Era ele quem mandava.
R – Era ele que mandava em todo mundo (risos), quem que vai abusar do coronel, de um tenente? Ninguém, porque sabe que ele manda prender (risos), era isso.
P/1 – Está bom, obrigada então.
FINAL DA ENTREVISTA
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