Correios – 350 anos aproximando pessoas
Depoimento de Carlos André Guimaraes Souza
Entrevistado por Rosana Miziara
Laranjal do Jari, 29/07/2013
HVC072_Carlos André Guimaraes Souza
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Carlos, qual é o seu nome, local e data de nascimento?
R – Meu nome é Carlos André Guimaraes de Souza, data de nascimento, 14 de dezembro de 1974 e trabalho na agência de Laranjal do Jari há 14 anos.
P/1 – Como que você entrou para os Correios?
R – Através de concurso público
P/1 – Que ano que você prestou concurso?
R – Em 1999
P/1 – Por que você prestou esse concurso? Você tinha um desejo de trabalhar nos Correios, como é que foi essa história?
R – Não, eu fiz porque eu estava desempregado e eu tinha um concurso que na época era os Correios e eu fiz.
Eu estava estudando um período ainda, que eu tinha que ter o segundo grau completo, eu fiz, fiz, eu não tinha nem terminado os estudos, foi o tempo que eu terminei, foi onde me chamaram.
Aí eu entrei, não foi assim que eu queria mesmo (risos).
Mas agora, sou carteiro e não quero sair não.
Não quero ser atendente, quero ser carteiro, que eu gosto de ser carteiro.
P/1 – Por quê é que você gosta de ser carteiro?
R – Por estar se envolvendo com a multidão ai na cidade, conhecendo o pessoal do comércio, é bom.
Eu acho bom!
P/1 – Você deve ter mil histórias para contar, conta alguns causos que aconteceram com você, como carteiro.
R – No momento, estou lembrando, na parte baixa da cidade, morava o senhor Raimundo, aí comprou um terreno na parte alta, só que ao comprar o terreno, ele construiu a casa dele e mudou-se e levou o número da casa junto.
Aí, quando foi um período ele veio na agência fazer reclamação porque não estava mais recebendo correspondência dele.
Aí, nós disse: “Não, senhor, nós fomos lá na sua residência e o rapaz disse que o senhor mudou”, ele disse: “É, eu mudei, mas eu levei o meu número, está lá na frente da minha casa, você pode ir lá que tá o numero, você tem que levar na minha casa” “Não, mas não é assim que funciona.
O senhor tem que atualizar o seu endereço e o numero vai ser outro lá”, e o senhor bravo aqui com a gente.
Ah, teve outro senhor, que nós fomos entregar uma carta para o filho dele, eles estavam numa construção do telhado, falamos lá o nome do rapaz, por exemplo: “Manuel”, aí o rapaz disse: “Não, não tem nenhum aqui não”, aí o pai dele estava assim no telhado e disse: “Eh, filha da mãe, tu não tá vendo que é tu?” (risos), ele ficou bravo, disse: “Ah, acostumado com apelido, nem lembrava mais do nome”.
Teve outra também que foi numa segunda-feira de manhã, fui na casa do senhor Lindenberg, entregar um Sedex.
Aí chega lá, falamos o nome dele, ele disse: “Não, não é aqui não” “Ah, tá”, chegamos na agência, devolvemos o Sedex, quando foi à tarde, apareceu aqui: “Caramba, o Sedex era meu, que eu tava bêbado e não lembrava”, falei: “Agora não tem mais jeito, já foi devolvido”, no momento esses três que eu estou lembrando.
P/1 – Você sempre trabalhou aqui no município de Laranjal?
R – Sempre no município de Laranjal do Jari.
P/1 – Teve alguma encomenda, alguma entrega estranha que você levou?
R – Já, já teve, que um rapaz lá embaixo, ele não gosta que chame ele de “Jabuti”, aí o pessoal conhecia: “André, tem uma caixa aqui pra postar, só que nós não queremos ir na agência” “Vocês dão o dinheiro, eu levo, posto pra vocês e faço a entrega depois” “Tá bom”.
Aí me deram o dinheiro, postei tudo, mas não sabia o que tinha na caixa.
Por coincidência, o senhor estava esperando também uma encomenda do Maranhão, da família dele.
Aí eu cheguei, eu entreguei a caixa e ficou só rindo pra lá, alegre, aí foi no outro dia, ele já queria brigar comigo, que eu tinha levado uma casca de jabuti pra ele (risos).
P/1 – Uma o quê? Uma casca?
R – É, uma casca de jabuti.
Ele odiava que chamasse de jabuti, aí eu levei foi a carcaça do jabuti dentro da caixa.
Aí queriam que queriam que eu dissesse quem foi: “Não senhor, é um serviço dos Correios apenas fazer a entrega, agora quem postou eu não sei não.
Ele queria me dar dinheiro: “Não, não sei não”.
Aí, até hoje, ele quer saber, quando eu passo: “Filha da mãe, tu levou o jabuti pra mim” “Não, eu só entreguei”.
P/1 – Mas era o quê? Era uma encomenda anônima?
R – Só o endereço dele mesmo, que os amigo dele tinham aprontado com ele mesmo, que ele não gostava de ser chamado de jabuti e não gosta até hoje.
Chamar jabuti pra ele, é chamar pra briga.
P/1 – Teve assim, você entregando alguma carta, aconteceu alguma coisa no caminho, uma pessoa que você ajudou? Te chamaram pra ajudar?
R – Não! Não tenho lembrança.
Eu tenho lembrança que eu cai da ponte, já cai com linha de papagaio pelo pescoço, já fui pra dentro d’água.
P/1 – Como que foi? Conta essa história
R – Eu entrei na passarela e tinha umas crianças empinando papagaio e nisso, o fio pegou no meu pescoço, eu larguei bicicleta, larguei tudo, fui pra dentro d’água com tudo.
P/1 – Você caiu entregando?
R – Com as cartas tudo pra dentro d’água.
O único jeito foi levantar e voltar para a agência pra levar as coisas todas molhadas.
P/1 – Você recolheu tudo?
R – Recolhemo todo e vim pra agência novamente.
P/1 – E aí?
R – Aí, enxugamos e no outro dia, efetuamos as entrega, explicamos o que tinha acontecido e o pessoal recebeu normalmente as faturas.
P/1 – E você é chamado por algum apelido, as pessoas já te conhecem na rua?
R – Tenho vários apelidos, tem de “Cuiu”, “Finório”, “Espeto”, é tanto apelido que eu já nem… “Carteiro”, são vários apelidos que eu tenho.
P/1 – É mesmo? Quem coloca os apelidos?
R – Como esse de “Cuiu” é desde pequeno, os outros é os amigos lá na bola, tem bate-bola, eles coloca os apelidos.
P/1 – E você já conhece os moradores? Os moradores te conhecem?
R – Já, pelo tempo que eu tenho eu já conheço bastante, e os moradores já me conhecem.
Aqui quando chega, só pelo nome, eu já sei quem é, não precisa nem do endereço.
Aí com os carteiros novatos tem por causa disso, porque tem que ter o endereço, eu já conheço o pessoal.
Aí eu já vou, pego só pelo nome, levo nos endereços muitas vezes, só por conhecer, só por o nome, que o endereço, eu já nem ligo.
Tem vez que chegam aqui não sabe nem o endereço dele: “O seu endereço é tal”, assim eu explico pra eles: “Mora em tal lugar”.
P/1 – E fala uma coisa assim, tem pessoas assim, que te perguntam: “Ah, chegou carta pra mim?”, tem uma expectativa, que está esperando uma determinada correspondência?
R – Tem, tem bastante, só que eu digo pra ela: “Acabou o tempo de romantismo, agora só é conta.
Seu marido já passou o tempo de escrever carta, agora é só cobrança que vem pelo banco, mesmo”.
P/1 – A maioria das cartas que você entrega é de banco?
R – É, é só de banco.
Difícil aparecer uma de romance mesmo, de amor.
É a coisa mais difícil aparecer.
Só faturas mesmo!
P/1 – E você, quer dizer, você está há 14 anos, há 14 anos atrás, que tipo de correspondência que era?
R – Há 14 anos, ainda vinha mais carta social, usava bastante carta social, agora a gente não vê carta social mais, utilizava bastante a carta social.
P/1 – O que é carta social?
R – É carta que é cobrado um centavo, que é manuscrito mesmo, pesa até cinco gramas só, ela.
São cinco cartas só por direito que cada pessoa tem por postais.
Acabou agora isso.
Temos o serviço, mas não utilizam mais não.
P/1 – E cartão postal, vinha muito?
R – Vinha bastante.
É outro também que caiu bastante, cartão postal também não tem, hoje é mais pela internet.
Acabou o romantismo, não tem mais romantismo pelos Correios.
P/1 – Tem alguma história que você queira deixar registrada? Mais alguma?
R – Não tenho lembrança, realmente não estou lembrando de nenhuma mais, no momento.
P/1 – Quais são suas perspectivas aqui nos Correios?
R – Eu só mesmo ficar como carteiro, mesmo.
Eu não tenho passar pra atendente, outra coisa que aqui mesmo não quero, porque pela família, eu ia embora pra Macapá, eu que não quero ir mesmo, que eu gosto da cidade mesmo, quero ficar aqui.
Até meu pai disse: “Rapaz, vai embora, rapaz” “Não, eu gosto da cidade.
Eu quero ficar aqui em Laranjal mesmo”, eu gosto de ser carteiro.
P/1 – Eu queria te agradecer, obrigada!
R – Se você conseguir falar com o Gilberto, o Gilberto mesmo tem bastante historia, além de tudo, que ele gosta de contar piada mesmo e já fica na memória e realmente sumiram as frases, senão eu ia ceder a vocês.
P/1 – Ah, você tinha contado uma frase lá… “Chegou, leva na minha casa, senão…”, como é que era?
R – Ah, não, Lúcio Figueiredo, que é o…
P/1 – Como é o nome?
R – Lúcio Figueiredo.
Ele trabalha na Câmara Municipal, sempre que ele passa pelo carteiro: “Aí carteiro! Tem correspondência?” “Tem, então leva na minha casa”, filha da mãe, que vem te atrapalhar, ele te para na rua pra ver se vai pegar, ele diz: “Leva na minha casa”, aí da Câmara, ele estava de férias da câmara municipal.
Aí ia passando: “Aí, carteiro, tem carta lá pra Câmara?” “Tem” “Então leva lá que eu estou de férias”, filha da mãe atrapalha a gente! E de quando em muito na cidade, o pessoal: “Carteiro, carteiro, carteiro!” “Que é?” “Tem alguma coisa pra mim?” “Não” “Caramba, faz tempo que não chega nada” “Está difícil! Não é assim que funciona não, alguém tem que mandar pra você.
Você faz dívida?” “Não!” “Então pronto, que só vem cobrança agora pelos Correios”, é só cobrança, acabou a época mesmo, só cobrança.
Ah, eu já apanhei uma vez também que tem a história dos Correios que diz que sempre o cliente tem razão, eu estava efetuando entrega, o cliente ia me atropelando, eu fui reclamar, aí eu liguei pra chefia aqui: “O rapaz quer me bater aqui” “Não se preocupa não, deixa ele te bater, se ele te bater, você vem pra cá, que a gente vai dar parte”, aí o rapaz veio, quase me bateu, eu peguei e vim embora, chegou aqui, ele: “Tu já apanhou, deixa isso pra lá agora”, agora eu não deixo mais esse negócio: primeiro, deixa ele te bater, depois vai atrás, não.
Eu corro logo.
P/1 - Ele queria te bater, por quê?
R - É porque eu fui reclamar que ele ia me atropelando, ia passando com o carro e quase me atropela, aí eu fui reclamar, ele ficou bravo.
Por isso que ele me deu uns tapas ainda, foi logo que eu entrei nos Correios, agora eu já corro.
E tem muito negócio de cachorro também, que os moradores, quando a gente chega assim, bate, vem cachorro, eu digo: “Não, o cachorro está ai” “Vem que ele não morde” “Lá em casa também tem um, se a senhora quiser ir lá em casa, também tem um e não morde, é porque a senhora é a dona, mas a gente ele morde” “Não, pode vir, que ele não morde”, tem essa história deles: “Não, pode vir que não morde”, claro ele é o dono, não vai morder, mas nós somos os desconhecidos, ele morde mesmo.
P/1 – Você já tomou mordida?
R – Já, eu já fui mordido umas três vezes por cachorro.
P/1 – Como é que foi?
R – Entregando conta de água nesse tempo.
Eu fui colocar debaixo da porta, o que eu me abaixei, eu senti já no calcanhar a mordida, mas não tinha jeito, eu invadi a área do cachorro.
A outra, eu estava na ponte mesmo, pedalando eu só senti.
Na passagem, ele me mordeu na ponte.
E a outra, foi lá embaixo também, ia passando e estava deitado, fui lá cheio de passar em cima dele, no que eu passei, ele me mordeu.
Mas também eu jogo muito cachorro na água também.
P/1 – Você joga?
R – Jogo!
P/1 – Como que você faz?
R – Porque na ponte, a gente não tem pra onde ir, tem que passar para um lado, eu coloco a bicicleta para o lado do rio, no que ele vai passar, só dou um triz e jogo ele na água.
O dono quer brigar, eu digo: “Não, o senhor prende seu cachorro”, um dia a gente tem que levar uma.
Só levando o reverse…
P/1 – E você entrega as correspondências de bicicleta?
R – Entregamos de bicicleta.
Tem uma historia recentemente também aí que o pessoal do guarda municipal de meio ambiente.
Aí eu fui numa residência na Rua Cultura, efetuar entrega, o cachorro me mordeu.
Eu achei de ir atrás do cachorro, eles queriam me prender, porque disseram que eu ia maltratar o cachorro, eu disse: “E eu?”, disse: “Não, tu vai se lá, o cachorro tu não pode bater” “Agora lascou, você tem que ter mais direito do que o cachorro”, queriam me prender porque eu ia bater no cachorro, o cachorro tinha me mordido”, tem cada uma!
P/1 – Quando você começou a entregar cartas há 14 anos atrás, você entregava como?
R – De bicicleta mesmo.
P/1 – Já começou de bicicleta?
R – De bicicleta, todo tempo em cima da ponte de bicicleta.
Agora eles estão querendo proibir andar de bicicleta, só que sempre tem exceções.
P/1 – Por que eles querem proibir?
R – É porque bate em muita criança, tem outras pessoas que andam de moto por cima de ponte, eles querem proibir, só que como o prefeito falou: “Tem exceções”, e a exceção é o carteiro, porque se for andar a pé por cima da ponte, não consegue andar toda área, é muita coisa, só o período que a gente vai a pé mesmo é o período de conta de energia, que é conta de energia em todas as casas têm, tem que ir andando mesmo, ai não tem como ir de bicicleta.
P/1 – Você atende que área de Laranjal?
R – Eu entrego área comercial de beira, área ribeirinha, essa área aí todinha, eu que ando pra lá.
É lá que eu gosto, lá que é conhecido.
P/1 – Por que é que você gosta?
R – Porque eu morava pra lá, e a maioria do pessoal são meus conhecidos, já conheço tudinho.
P/1 – As pessoas te convidam pra entrar nas casas?
R – Já, já aconteceu uma vez de uma moça, ela ligou aqui pra mim, disse: “André, chegou uma encomenda pra mim?”, eu disse: “Chegou” “Traz aqui pra mim?” “Trago”, quando foi umas seis horas, eu desci, que eu morava pra lá, aí eu já aproveitei e fui.
Aí, eu bati na porta, ela disse: “Entra”, eu achei de entrar, no que eu entrei, ela estava nua tomando banho, aí ela correu, eu disse: “Não, foi tu que mandou eu entrar”, aí ela disse: “Não, pensei que era o meu namorado”, eu disse: “Agora não tem mais jeito.
Só assina aqui pra mim, que eu já estou indo”.
Aí eu vejo ela, começo a rir também agora, “Foi tu que mandou eu entrar, não tive culpa.
Mas tem isso, é comum aqui na cidade, a gente bater, a pessoa dizer: “Entra!”, digo: “Não senhora, pode vim aqui que eu não vou entrar não”, já peguei uma vez uma nua, corre o risco de novo (risos).
É comum isso aqui, mandar entrar na residência.
P/1 – E oferecer cafezinho, bolo?
R – Ah, cafezinho, nem que não ofereça, eu peço.
P/1 – Você pede? (risos)
R – Nos que eu conheço, eu vou pedindo café, merenda.
Eles dão.
Já tem os pontos certos do lanche.
P/1 – Queria te agradecer.
Obrigada.
R – Nada, está ok.
Eu que agradeço.
P/1 – Foi ótimo.
FINAL DA ENTREVISTA
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