Entrevista de Geni Bock de Faria
Entrevistada por Luiza Gallo
Altônia, 19/07/2024
Projeto: Colhendo Histórias
Entrevista número: COHIS_HV005
Realizado por Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Vamos lá!
R - Legal!
P/1- Pra começar, eu queria te agradecer demais por nos receber aqui. E queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, a data e o local de nascimento?
R - Meu nome, então, é Geni Bock de Faria, eu nasci em Marechal Cândido Rondon, que é aqui no Paraná, dia onze de outubro de 1964.
P/1 - E te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Não.
P/1 - Não sabe de nada?
R - Não. Eu só sei da parte das dores do parto, que a minha mãe falou.
P/1 - O que que ela contou?
R - Ela falou que doía muito aqui. Já vou começar a chorar. Desculpa. Ela falou que foi muito forte as dores aqui na costela, sabe? E os meus dois partos foram desse jeito também.
P/1 - Você sentiu uma dor parecida?
R - É.
P/1 - E seu nome, você sabe a história do seu nome?
R - Não, do nome eu não sei. Nunca tive curiosidade de perguntar e quando pensei em perguntar já não tinha mais jeito, daí já tinha ido, os dois. Daí não sei porque o nome.
P/1 - E como você descreveria sua mãe? O jeitinho dela, o que vocês gostavam de fazer?
R - Ela era bem calma. A gente tinha muita afinidade. Sei lá, eu acho assim, que eu curti ela bastante, bastante mesmo. Tinha muita afinidade, a gente conversava muito, fazia questão de aprender tudo que ela sabia, principalmente na parte da culinária, daquelas bolachinhas gostosas, sabe? É receita dela. Ela era muito tranquila, super inteligente, paciente. Meu pai também. Sempre fala assim… Eles não fizeram faculdade, naquela época era até a quarta série e pronto. Mas eles tinham uma psicologia para lidar com a gente, lidar com os netos, que era assim, diferente mesmo.
P/1 - Tem alguma história marcante assim, que você consegue contar para a gente? Algum dia deles lidando...
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Entrevistada por Luiza Gallo
Altônia, 19/07/2024
Projeto: Colhendo Histórias
Entrevista número: COHIS_HV005
Realizado por Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Vamos lá!
R - Legal!
P/1- Pra começar, eu queria te agradecer demais por nos receber aqui. E queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, a data e o local de nascimento?
R - Meu nome, então, é Geni Bock de Faria, eu nasci em Marechal Cândido Rondon, que é aqui no Paraná, dia onze de outubro de 1964.
P/1 - E te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Não.
P/1 - Não sabe de nada?
R - Não. Eu só sei da parte das dores do parto, que a minha mãe falou.
P/1 - O que que ela contou?
R - Ela falou que doía muito aqui. Já vou começar a chorar. Desculpa. Ela falou que foi muito forte as dores aqui na costela, sabe? E os meus dois partos foram desse jeito também.
P/1 - Você sentiu uma dor parecida?
R - É.
P/1 - E seu nome, você sabe a história do seu nome?
R - Não, do nome eu não sei. Nunca tive curiosidade de perguntar e quando pensei em perguntar já não tinha mais jeito, daí já tinha ido, os dois. Daí não sei porque o nome.
P/1 - E como você descreveria sua mãe? O jeitinho dela, o que vocês gostavam de fazer?
R - Ela era bem calma. A gente tinha muita afinidade. Sei lá, eu acho assim, que eu curti ela bastante, bastante mesmo. Tinha muita afinidade, a gente conversava muito, fazia questão de aprender tudo que ela sabia, principalmente na parte da culinária, daquelas bolachinhas gostosas, sabe? É receita dela. Ela era muito tranquila, super inteligente, paciente. Meu pai também. Sempre fala assim… Eles não fizeram faculdade, naquela época era até a quarta série e pronto. Mas eles tinham uma psicologia para lidar com a gente, lidar com os netos, que era assim, diferente mesmo.
P/1 - Tem alguma história marcante assim, que você consegue contar para a gente? Algum dia deles lidando com alguma situação? [Pausa] Estava te perguntando de recordações com a sua mãe, se você se lembra de algum dia que eles te ensinaram alguma coisa, falou alguma coisa importante que ficou pra você?
R - Ah, sei lá. Acho que são várias coisas assim, mas tudo assim, dentro da simplicidade dela, sabe? Eu lembro assim, quando eu passei no concurso da EMATER, eu morava lá em Marechal e trabalhava na Cooperativa lá. Daí eu passei no concurso do estado, daí eu fui lá no sítio para falar com eles, né? Para ver o que eles achavam. Porque daí eu ia mudar de Marechal, eu não sabia para que lugar. Mas eu ia trabalhar no estado do Paraná, mas não sabia em qual lugar. E daí eu fui, contei, e daí eles ficaram felizes assim… nesse sentindo de ter passado e tal. Ela falou assim: “Mas se eu falar pra você não ir, vai fazer diferença?” Falei: “Não, porque eu vou!” Daí assim, foi mais para comunicar. Mas a gente chega perguntando. “O que você?” Sabe? Mas não, foi mais para comunicar mesmo e tal. Daí assim, eles tinham sempre essa preocupação, mas sabe como é, os descendentes de alemão não demonstram muita preocupação assim, sabe? Daí eu vi que realmente eles estavam preocupados. Daí foi nesse dia também que meu pai falou assim, que ele não estava gostando do serviço que eu estava. Porque eu fazia um trabalho com os grupos de jovens da Cooperativa, e eu tinha muita reunião à noite. Daí eu ia nas comunidades, onde tinha esses grupos, na reunião à noite. E daí ele falou que não gostava disso.
P/1 - E seu pai, como você descreveria ele?
R - Meu pai serviu o exército. Ele era tão certo, tão certinho, que ele… tipo assim, se ele levantasse de noite para ir no banheiro, ele estava com a calça, com a camisa dentro da calça, ele não andava de qualquer jeito, sabe? Ele era sempre muito certinho, muito… E muito trabalhador, nossa como trabalhavam. Isso a gente aprendeu deles mesmo, de ser sempre honesto e ser trabalhador.
P/1 - O que eles faziam?
R - Eles eram agricultores também. Na época, tinha criação de porco, plantação de milho, aí tinha vaca de leite. E uma das coisas que meu pai fez assim, que poucas pessoas fazem e entendiam, na época, era levar nós para escola. Ele tinha uma Kombi e aí e os quatro irmãos, na Kombi, que ele levava, mas os vizinhos e mais os três galões de leite, que a gente tirava antes de ir para a escola. Passava no laticínio e deixava o leite, e daí deixava nós na escola. Aí onze horas ele descia da roça, ia em casa, tomava um banho e voltava para a cidade para buscar a gente. Isso ele fez isso um tempão, até a gente terminar a escola.
P/1 - E seus irmãos? Você é a única mulher?
R - Não, nós somos em três, eu sou a do meio, e o mais novo é um irmão, que mora lá no sítio onde a gente nasceu, até hoje.
P/1 - Como era a relação de vocês quando vocês eram pequenos?
R - Ah, era muito boa! A gente vivia bem! Era bem gostoso.
P/1 - Do que vocês gostavam de brincar?
R - Futebol (risos). A gente tinha um pasto, o pasto na verdade era no sítio da minha vó e ela morava do outro lado, a gente tinha que atravessar esse pasto para ir na casa da vó. Aí os primos moravam na vó, e a gente se encontrava ali nesse campo, mas isso de tardezinha, depois que todo o serviço, a nossa responsabilidade estava pronta, tipo tirar leite, fazer fogo no fogão a lenha, deixar a lenha no jeito para outro dia cedo. E terminávamos o nosso trabalho, o que era nossa responsabilidade e a gente se encontrava lá para jogar futebol.
P/1 - Passava a tarde toda lá?
R - À tarde, não! Finalzinho da tarde. No final da tarde.
P/1 - E a escola, o que você lembra?
R - A escola era muito seriada, claro, né? Imagina, a cinquenta anos atrás. Dava uns três quilômetros, a gente ia a pé. Eu lembro que o primeiro ano eu reprovei, eu só sabia falar alemão, quando eu entrei na escola eu só sabia falar alemão, não sabia falar português ainda. Porque era um costume da gente só falar alemão em casa, sabe? E a gente estudava nessa escola e ali era normal, a vizinhança toda ali. E era uma escola muito seriada, a professora atendia as quatro séries, mas era bem gostoso.
P/1 - Me conta um pouco da origem da sua família?
R - Então, o meu pai nasceu no Rio Grande do Sul, perto de Porto Alegre, num lugar chamado Montenegro. E era uma comunidade que se chamava Maratá, hoje Maratá é um município. Daí com nove meses ele veio para Santa Catarina, num lugar chamado Piratuba, onde minha mãe nasceu. E eles se conheceram ali. E daí que eles vieram pro Paraná, para Marechal, vieram juntos. E aí, a gente já nasceu em Marechal.
P/1 - E você sabe como eles se conheceram?
R - Eles eram meio vizinhos, não era muito longe assim, eram de outra estrada, mas eles se conheceram ali.
P/1 - E a família de alemães é de que lado?
R - Dos dois. Sim! Tanto da parte do meu pai, como da minha mãe. Eu sou quarta geração, na verdade. Na verdade, os meus avós também eram alemães, entendeu? Então, eles nunca se casaram com italiano, com polones, não. É tudo alemão com alemão. Até chegar na nossa geração, que nós mudamos tudo.
P/1 - Seus irmãos também mudaram?
R - Mudaram! Eu tenho uma irmã que é casada com japonês, a outra é casada com um cara bem moreno e meu irmão é casado com uma morena assim, não muito morena, mas ela até brinca que ela é descendente de índio. Assim, sabe, bem… Então, a gente não tem problema de preconceito em relação a raça, a gente não tem isso. Porque dá para… né?
P/1 - E você cresceu falando alemão?
R - Sim! Hoje eu falo bem menos, porque eu não tenho com quem conversar, aí a gente acaba esquecendo. Quando você não pratica uma língua, aí você acaba esquecendo. Mas a gente falava… Eu falo, com o meu irmão eu falo com ele várias vezes.
P/1 - E costumes familiares, vocês tem algum?
R - De… Na verdade tudo vai mudando assim, sabe? Eu eu ainda tento sempre preservar, que nem a história que eu tava falando das bolachinhas, que a gente vai no Natal, na Páscoa… Aquela casquinha de ovo de galinha que a gente pinta e entrega na Páscoa, que é uma coisa bem… que a minha mãe fazia, minha vó fazia. Eu acho assim, dos quatro lá em casa, eu que mais faço ainda algumas coisas assim, que a gente continua as tradições assim, sabe? Aí tem o chimarrão que a gente toma, que o Luiz aprendeu a tomar, que ele não tomava, ele aprendeu a tomar. Isso aí eles também fazem, meu irmão e minha cunhada, meus irmãos fazem. Mas é mais isso mesmo, a parte da culinária, eu acho.
P/1 - E seus avós, você chegou a conhecê-los?
R - Os paternos sim, porque eles moravam perto de casa. E da parte da mãe, só avô, a minha avó eu não conheci. Eles moravam em Santa Catarina e daí não cheguei a conhecer. E meu avô eu cheguei a conhecer, quando eu já tinha dez anos.
P/1 - Você tem alguma recordação com eles?
R - Desse de Santa Catarina, esse? Sim! Ele veio lá em casa uma vez, daí… Eu sei que ele um dia tava cansado de fazer nada, porque estava passeando, ele pegou o machado e começou a rachar lenha. Minha mãe ficou brava, porque onde já se viu, vem passear e está rachando lenha. Uma história assim. Mas eu tive só duas ou três vezes contato com esse avô. E o por parte do pai, que morava do lado da gente, ali… O meu avô a gente tinha mais medo do que… ele era muito sério, muito sério, ele não… um alemão bem fechado mesmo. E a minha avó, a gente conversava mais, daí teve um… antes dela morrer, teve uma época que ela morou com a gente, ela veio morar com a gente, sabe? E daí ela era bem legal, ela tentou me ensinar a ler em alemão. Ela sim, ela só falava alemão. Ela entendia português, mas não falava, ela fazia questão de não falar…
“Querido, isso está me atrapalhando.”
P/1 - E você morou então, um tempo com ela?
R - É! Ela veio morar com a gente, porque ela morava com o tio e a tia, e esse tio e a tia vendeu a parte do sítio e mudou para outro município, e daí ela veio morar com a gente. Daí ela ficou um tempão com a gente.
P/1 - Como que era sua casa?
R - Olha, vou te falar uma coisa, a casa queimou. É uma passagem assim, eu lembro que eu já trabalhava fora, e daí eu fiquei sabendo que a casa queimou. Era uma casa linda, toda de madeira, ela era parede dupla, pintada a tinta óleo, ela era pintada de laranjado e tinha janelas cinzas, uma casa linda, o chão era tudo madeira, casa de… dessas casas de antigamente mesmo. Só que daí depois construiu outra casa, que a casa onde meu irmão mora até hoje, sabe? Mas sempre são casas grandes, com um monte de quartos, daí sempre são essas casas assim, com muita flor em redor, aquela parte cercada com flores no jardim, sempre tem.
P/1 - E você dormia com seus irmãos?
R - As meninas tinham um quarto e o menino, depois ele teve um quarto separado.
P/1 - E o que aconteceu que queimou?
R - A mãe deixou o ferro elétrico ligado. Sabe aqueles ferros de antigamente? E daí foram pra cidade e ela passou roupa, acho que antes de ir para a cidade, e daí deixou ligado e quando viu não tinha mais controle de…
P/1 - Vocês perderam tudo?
R - É, perdeu tudo! Sobrou quase nada. Os vizinhos viram que o fogo tava na casa. Os vizinhos estavam trabalhando num lugar mais alto assim, eles viram que a fumaça saía da casa e tava aumentando essa fumaça. E a minha avó tinha feito fogo no forno, para assar pão. E eles, estava a minha avó em casa e meu irmão, eles viram que tinha fumaça, mas acharam que era do forno. Mas daí… E madeira você sabe, né? Queima muito fácil.
P/1 - E vocês moravam lá ainda?
R - Morava. Eu morava na cidade na época, que eu trabalhava na cidade, daí morava meu pai, minha mãe, minha irmã, meu irmão e minha avó. E daí, como eles tinham saído, só estava meu irmão e minha avó. Mas foi rapidinho. Só que aí assim… daí a gente vê também a solidariedade dos vizinhos. Daí a gente foi morar no paiol, que tinha do lado. Mas a gente ganhou cama, ganhou louça, ganhou roupa, ganhou tudo, foi bem interessante essa parte. E daí consequentemente a família se une muito mais.
P/1 - E pequenininha, você já participava das atividades da agricultura? Vocês tinham tarefas, como era?
R - É, sim. Não, desde que eu me conheço por gente a gente fazia tarefa, de tudo assim. Claro, que não era uma exploração, meu pai e minha mãe, como eles tinham quatro filhos, claro que cada um tinha suas tarefas, suas atividades. Era exatamente para ajudar, né? Mas a gente fazia assim, que nem eu estava falando antes, a gente colocava lenha na caixa de lenha para no outro dia cedo meu pai poder fazer o fogo na hora que ele levantasse. Que se usava muito fogão a lenha, na época. E a gente ajudava a tirar leite, cuidava dos bezerros, sabe? Tinha tudo essas coisas. Engraçado, domingo eu estava no meu irmão, daí eu comentei que eu ia dar entrevista. Aí ele falou assim: “Você vai falar que você caiu da carroça quando você tinha cinco anos.” Eu falei: “Se eu lembrar eu vou falar.”
P/1 - Conta pra gente.
R - Então, essa carroça ali, ó! Essa carroça, ela tem as tábuas do lado… é uma caixa que vai em cima, né? E eu estava com o meu pai indo pelo ______ assim, né? Indo para a roça buscar milho. E eu não sei como foi, mas eu sei que eu caí. Eu tinha cinco anos.
P/1 - Sozinha?
R - Não, eu e o meu pai. Aí a carroça passou por cima da minha perna assim, a roda, eu tenho uma marca até hoje. Daí até o pessoal brinca: “É, tinha que ser _______ mesmo. Sempre gostei de agricultura, de estar na roça, de mexer. É isso mesmo!
P/1 - Qual é a atividade que você mais gostava de participar?
R - Lá no sítio?
P/1 - É!
R - Tirar leite, eu gostava de tirar leite. Mas a gente fazia de tudo, colhia milho, carregava milho, levava pra casa. Fazia, né? Fora a casa, tudo a gente ajudava, tudo que tinha que fazer a gente fazia.
P/1 - E vocês tinham hábito de ouvir músicas, assistir algum programa juntos?
R - Olha, mas… É, música sim, a própria rádio da cidade a gente ouvia muito, porque logo no começo, eu nem lembro que idade eu tinha, não tinha energia elétrica, né? Energia elétrica veio bem depois, para daí… Demorou ainda para o meu pai conseguir comprar televisão, televisão era preto e branca, a primeira nossa televisão era preto e branca. E daí a gente ouvia mais era rádio mesmo, a gente sempre queria ouvir notícia, porque aí tem a hora da notícia lá no rádio, a gente sempre estava por perto para ouvir, pra gente sempre estar informado. A gente tinha esse costume. No domingo de manhã o sindicato tinha um programa, que falava inclusive sobre leis, de alguma coisa que ia mudando. Meu pai sempre escutava. E a gente sempre estava por ali para ouvir também, para sempre estar por dentro.
P/1 - Você lembra de todo mundo…
R - Isso!
P/1 - Legal!
P/1 - E da escola, teve algum professor muito marcante, professora, algum amigo?
R - Então, o meu primeiro professor, o que eu falei que eu reprovei de ano, ele não era nada legal. Eu lembro dele assim, era um cara meio carrasco. Não sei se isso influenciou e tal. Depois, os outros quatro anos, era uma professora só, era a mesma professora, ela morava lá na comunidade, ela não era da comunidade, mas ela morava na comunidade, ela morava numa família lá na comunidade pra dar aula pra gente. Daí, que nem eu falei, que o pai levava a gente para a escola, foi na época do ensino fundamental, ginásio, na época. Daí o ginásio não tinha mais ali na comunidade, a gente ia para a cidade, daí que o pai começou a levar a gente.
P/1 - Aí então, mudou os professores?
R - Daí mudou, é. Aí cada matéria era um professor.
P/1 - E aí, qual que era a matéria mais marcante? O que você mais gostava?
R - Matemática. Eu gostava de matemática.
P/1 - E a que menos gostava?
R - Português. É sempre assim, quem gosta muito de matemática não gosta de português.
P/1 - E teve algum professor nessa fase significativa?
R - A professora de educação física, eu gostava, porque ela, além de dar Educação Física, ela dava umas dicas para as meninas, de como se portar, de como se vestir. Eu achava legal, isso. Tipo, assim, não era obrigação dela, sabe? Mas ela fazia isso. Isso eu lembro.
P/1 - Que legal!
R - Bem legal!
P/1 - E o período pro ensino médio, que é o colegial?
R - Então, daí na verdade, eu fiz dois, eu fiz técnico em contabilidade. Daí, ainda naquela fase que o pai levava a gente para escola, né? Daí eu fiz os quatro anos do ginásio e mais os três anos, aí eu fiz técnico em contabilidade, numa escola particular, inclusive. Porque eu não queria fazer magistério, na época tinha magistério ou técnico em contabilidade. Daí a gente fez técnico em contabilidade, tanto eu como as minhas irmãs. Meu irmão não fez, meu irmão já tinha desistido na época. E era bem legal, mas daí, até outro dia eu tava lembrando, como era tudo no papel, né? Hoje você entra no Excel e resolve tudo. Inclusive, aquela turma que estudou comigo, a gente tem um grupo no Whats, o grupo chama 1983 (risos). Daí depois eu fiz o básico em Agropecuária, à noite, lá em Marechal. Daí eu ia do sítio, pegava o ônibus. Meu irmão estudava à noite também, na época, daí ele desistiu e eu continuei indo sozinho. Daí eu andava o Carrador inteiro, sozinho, à noite. Aí, depois eu fiz a complementação em Castro, por isso que eu sou técnica em Agropecuária. Aí, que eu falei que eu estudei numa turma de vinte e poucos meninos, só tinha eu de mulher.
P/1 - Como foi essa experiência pra você?
R - Então, é assim, primeiro a gente tinha que chegar no colégio e fazer uma prova e passar, tipo um vestibular. Que a gente foi pra lá, toda a turminha de Marechal, entramos no ônibus e fomos para Castro para fazer essa prova. Daí, no primeiro dia a gente fez a prova, no segundo dia já saiu o resultado. Menina, é aquele negócio, você faz o vestibular, fica ansiosa, né? Só que lá enfiaram todo mundo numa sala, e começaram a ler o nome de quem tinha passado. Aí, quando eles falaram lá o pessoal da letra F, quando ia falar o G, o professor começou a dar um recado lá, não sei o quê. Eu falei: “Não acredito, esse cara vai falar meu nome ou não vai? De repente falou, graças a Deus! Foi bem legal. E tem uns meninos que foram com a gente, lá da minha turminha lá do básico em agropecuária, que não passaram. E daí a gente escuta conversa. “Ah, mulher não sei o quê e tal…” Normal. Mas foi assim. Eu tinha um professor de agricultura, de dez perguntas na sala que ele fazia, magina, vinte e poucos alunos. Dez perguntas, cinco ele fazia pra mim. Porque ele queria me testar. Tipo, assim, essa menina vai desistir. Aí, só que ele não entendeu que cada pergunta que ele fazia… E era assim, era muito simples, ou eu sabia responder, eu respondia, se eu não sabia responder, eu falava: “Professor, eu não sei!” E isso me dava cada vez mais força de ficar. Ele não entendeu isso. Aí, no dia da formatura, que ele foi me elogiar e falar alguma coisa, no dia da formatura, na hora que eu estava indo embora. Ele me testou o ano inteiro.
P/1 - Como você recebe esse elogio?
R - Não, achei legal, mas eu pensei assim: “Putz! Agora que eu tô indo embora?!”
P/1 - Você pensou em desistir?
R - Olha, não! Porque eu sou muito do que eu começo, eu termino. Entendeu? Então… Eu ia desistir e voltar pra casa? Eu já trabalhava na cooperativa naquela época, eu saí da cooperativa, pedi as contas, para estudar. E daí eu ia voltar? Não! E era um ano só. Não, tranquilo. Terminou (risos). Foi bom.
P/1 - Você tinha quantos anos?
R - Naquela época eu tinha 21. Porque era o segundo segundo grau, né? Eu sei que eu fui a oradora da turma. Foi legal. Foi muito bom. Nossa! E é a minha profissão hoje, né? Se eu quiser eu tenho essa profissão.
P/1 - E juventude? Então, um pouquinho antes de começar as descobertas dessa época?
R - Então, além da escola ali, daquela comunidade que a gente conhecia, era assim: a igreja, a gente ia na cidade, então não tinha comunidade que nem a gente tem hoje aqui. O que a gente tinha? A gente tinha o Grupo de Jovens Cooperativistas. Os Clubes de Jovens Cooperativistas. Eu acho que a Copagril é uma das primeiras que criou esse grupo. Porque lá em Marechal, tinha os clubes que chamava Quatro S, que era a EMATERA antigamente que coordenava. E daí a Copagril, a cooperativa de lá assumiu isso. Daí chamava Clube de Jovens Cooperativistas. Eu lembro que eu tinha treze anos quando eu comecei a participar desse grupo. E isso me desenvolveu como pessoa. Porque daí assim, você está ali e tal. É um grupo que tem que trabalhar, a gente tinha promoções, tinha a Maratona Cultural, tinha escolha da Rainha. A gente tinha concurso de produção agrícola, de milho e de algodão, tinha naquela época. E cursos e palestras, encontros, reuniões, a gente ia em baile. Coisas que jovem faz. E aí, você começa a se desenvolver como pessoa. Aí, você começa a participar da diretoria. Ah, você pega aquele cargo que não tem muita importância, é vice-secretária. Aí eu passei a ser secretária. Daí um dia ia ter eleição para presidente, não, ia ter eleição. Eu falei: “Hoje eu vou ser presidente!” Aí um menino chegou pra mim e falou assim: “Não, presidente é para homem. Isso é coisa para homem, para menino.” Eu falei: “Não, não é”. Eu fui eleita a presidente (risos). E daí, assim, você tem que ir lá na frente, dar recado, falar e tal. É isso que tira a timidez. Porque, olha, vou te falar, aquela primeira casa lá que queimou, ela tinha porão, ela era alta assim. Quando vinha visita, a gente se escondia, eu era muito tímida. Gente, vocês não tem noção, eu era muito tímida. Não falava com ninguém. Morria de vergonha. E é isso que você precisa, é enfrentar, ficar vermelha, tremer, faz parte, gente, faz parte. Isso só passa se você praticar.
P/1 - Então, foi nessa época que você começou…
R - Isso, foi o Clube de Jovens que começou a fazer toda a diferença na minha vida.
P/1 - Teve alguma atividade marcante desse clube que você se lembra?
R - Sim! Um dia a gente organizou… Porque daí, assim, essa escola onde a gente estudou, essa escola que era muito seriada, quando ela fechou, quem assumiu essa escola, esse prédio, foi o Clube de Jovens Cooperativistas, pra gente fazer reunião, pra gente fazer as nossas festas ali. E esse grupo de jovens criou uma atividade para as mães, que têm até hoje lá. Para você ver. Que chama Bolãozinho. Daí a gente criou… é tipo um clube de mães. Hoje tem muito clubes de mães por aí, mas naquela época… A gente comprou uma mesa de balãozinhos, para elas se reunirem e brincar. Bolãozinhos, é tipo um bolão, que você vai _______ esse não, é pequeno, vai em cima de uma mesinha. E aí, a gente fez uma festa para inaugurar essa mesa de bolãozinho. Foi a época que eu era presidente. E aí, a gente chamou o Presidente da Cooperativa, para dar a primeira tacada, sabe? Eu tenho foto disso, tipo assim, ficou registrado. E a minha mãe foi a primeira presidente do clube de mães.
P/2 - É de berço!
R - É. Minha mãe foi! Foi bem legal. E depois fizemos um campo de bocha, para os homens. Aí… Isso tem até hoje lá, tem o bocha, tem um clube de mães, tem bolãozinhos e tem o grupo de jovens cooperativistas até hoje, lá naquela comunidade. E hoje eles tem um salão enorme construído. Aquela escolinha foi arrancada e fizeram um espaço enorme, hoje dá para fazer baile. Ah, a gente foi almoçar lá domingo, tinha trezentas pessoas almoçando lá. Muito legal. E é legal voltar lá, daí você vê os vizinhos daquela época. Porque quando eu vou no meu irmão, a gente não encontra os vizinhos. Mas numa festa você encontra. Domingo a gente encontrou muita gente lá. Teve uma mulher lá, que fez questão de me chamar para conversar, eu nem reconheci ela, aí quando ela se apresentou, eu lembrei. Fazia mais de quarenta anos que eu não via ela.
P/1 - Quem era ela?
R - A Salete. Daí ela pediu para minha cunhada, se eu tava lá? Daí a minha cunhada veio me chamar e eu fui lá conversar com ela. Foi bem legal.
P/1 - Que legal! E aí, o seu primeiro trabalho, pra além da Agricultura e desse trabalho em casa, qual que foi?
R - De trabalhar fora foi nessa cooperativa mesmo. Na Copagril.
P/1 - O que que você fazia?
R - Eu trabalhava num departamento que se chamava Liquidação de Safra. Eu atendia produtor que vendia o seu produto, por exemplo, vendia o trigo, milho e soja. Eu entregava aquele romaneio que tinha na época e o cheque, entregava pra ele no balcão ali. Era esse o trabalho que a gente tinha, atender produtor mesmo, direto com o produtor ali.
P/1 - Quanto tempo você ficou?
R - De 1984 ao comecinho de 1987. Aí em 1987 eu saí, que eu fui para o colégio agrícola. Daí, quando eu voltei do colégio agrícola, meio ano depois, eu voltei a trabalhar na cooperativa, que daí eu trabalhei na farmácia veterinária, como balconista, daí eu já tinha um conhecimento ali e tal. E daí depois eu fui para o departamento de comunicação da Copagril, onde eu trabalhei com esses Clubes de Jovens Cooperativistas, eu era coordenadora de todos os grupos aí. Como funcionário da cooperativa.
P/1 - Você gostava?
R - Eu adorava. Trabalhar com jovens é maravilhoso.
P/1 - O que você aprendeu nesse trabalho?
R - Além de saber… de lidar com os jovens, era bem legal, assim. E fora essa parte aí de… Foi aí que eu aprendi a pegar o carro e sair dirigindo de verdade, porque eu fiz a auto escola na época. Mas pegar o carro e sair dirigindo, foi na cooperativa, isso foi bem legal. E aí, foi. Daí tinha essas atividades todas, que a cooperativa queria que a gente passasse, que os grupos resolviam fazer. E aí, a gente trabalhava isso.
P/1 - Você ficou nesse trabalho até…?
R - Até 1989, daí em 1989, é. Foi 1988… deu um ano e pouquinho. Daí eu passei no concurso da EMATER, daí que eu vim para Altônia.
P/1 - E como foi esse período? Que você passou no concurso, teve que mudar de cidade. Muitas novidades.
R - É. Eu passei no concurso, aí eu fui para Curitiba, a gente teve que ir lá em Curitiba, no centrão que chama lá, da EMATER, o escritório central da EMATER, que tem até hoje. Aí, foi muito engraçado, porque assim, a gente já teve que mandar toda a documentação, e uma delas era a carteira de motorista. Eu já tinha carteira de motorista. Tá! Claro, já trabalhava na cooperativa, ali. Só que lá, o cara da EMATER colocou quatro funcionários… Quatro pessoas que estavam sendo contratadas pela EMATER, dentro de um carro e fomos para rua em Curitiba dirigir. Para ver se realmente a gente sabia dirigir. Daí, os três rapazes dirigiram e eu fui a última. Daí, eu sentei, toda tranquila… Gente, tem um negócio que chama inspiração divina, vocês tem que usar isso. Sentei, me acomodei direitinho, ajeitei o retrovisor aqui e tal. E sai dirigindo. O cara falou assim: “Quantos anos você dirige?” Falei: “Ah, faz um ano!” Nem sei quanto tempo fazia, fazia pouco tempo. Daí ele falou assim: “Você dirige melhor que esses caras.” Mas é, sabe? Eu falo assim… Hoje eu sou católica e tal, porque antes na verdade eu não era católica, eu era da Igreja Luterana, que lá em Marechal a maioria é da igreja Luterana. Aí, quando eu mudei para Altônia, quando eu casei, que a gente casou na católica, até porque a Luterana aqui nem tem e tal. Aí eu comecei a participar das atividades da igreja aqui, em Altônia. E aí que eu comecei a aprender, sobre Deus, a função, o Espírito Santo, sabe? Daí, eu comecei entender… Eu falei assim: Mas eu já sabia de tudo isso, já estava usando tudo isso, sabe? Nesse sentido. Lá no colégio agrícola, imagina ficar sozinha lá, cara. Menina, você não tem uma ajuda divina ali você não dá conta, você desistiria. E daí eu sempre pego isso muito, inspiração divina, é isso que você tem que ter. Peça sabedoria, né? É isso. Aí é mais tranquilo.
P/1 - E como foi chegar numa cidade nova?
R - Ah, isso é maravilhoso. (Risos). Cara, saí de Umarama com o Fusquinha da EMATE. Aí vim. Menina, pensa numa estrada comprida. Porque você não conhece, você anda, anda, anda… Aí quando cheguei na entrada da cidade, fui perguntar onde era o Escritório da EMATER. Daí o cara me explicou e tal. E não era difícil de chegar mesmo e tal. Só que assim, Altônia… Hoje, claro, é diferente. Mas uma mulher dirigindo um carro do estado, é novidade, né. Foi muita novidade pro povo. Foi legal. Aí eu cheguei, já logo fiz amizade com uma veterinária que morava sozinha, já fui morar com ela. Porque é aquele negócio, você tem que dividir casa com alguém, né? Não tem como você morar sozinha com todas as despesas e tal. E aí as pessoas são muito solidárias, elas ajudam, elas querem ajudar, elas querem saber. Ah, foi um trabalho maravilhoso. Eu fiquei seis anos na EMATER. Se não fosse essa parte meio… As partes assim, meio política, essas partes a gente não gosta muito. Mas assim, o agricultor em si, é gostoso de trabalhar. Mesmo quando ele não faz o que você pede para fazer. Mas… Mas é muito gostoso ter essa convivência, a gente aprende muito também, né! Então, é legal isso.
P/1 - Teve alguém assim que você trabalhou junto que foi muito marcante?
R - Ah, sim! Teve o Marcos, um zootecnista, ele ficou, acho que uns dois anos trabalhando junto. Daí ele foi embora de Altônia, ele mudou, foi transferido. E daí teve o Kleber, é um agrônomo, inclusive ele foi nosso padrinho de casamento. E a gente tem contato até hoje, ele não mora mais em Altônia, mora bem longe daqui, mas a gente tem contato. Muito gente boa, foi bem legal trabalhar com ele. Depois tem o Jorge, o veterinário, esse mora em Altônia ainda e também é o nosso compadre, que ele é padrinho do Felipe e nós fomos padrinhos da Sara, que é filha deles. E a gente tem muito contato. Na verdade nós somos a família dele e eles são a nossa também, porque a gente não tem família aqui e tal. É muito legal assim. Esse tipo de amizade é uma coisa que marca mesmo, fica pra sempre.
P/1 - E como que foi desenrolando a sua vida nesse momento, que já estabilizada aqui em Altônia, trabalhando. Como que…
R - É, então, daí eu conheci o Luiz, um produtor…
P/1 - Foi nesse momento?
R - Foi. Não, na verdade assim, o Luiz eu conheci logo que eu mudei para Altônia, uns dias depois e tal. Mas a gente casou três anos depois. Eu fiquei mais três anos na EMATER. Eu tive os meninos, os dois. E daí a gente resolveu voltar para o sítio. Na verdade o Luiz vinha pro sítio todo dia pra trabalhar, né?
P/1 - Aqui?
R - É, aqui. Ele morava aqui, quando casou, ele mudou para a cidade. Daí eu resolvi sair da EMATER. E daí a gente mudou para o sítio. E aí, assim, a função aqui no sítio é fazer de tudo, né? E foi muito legal, porque as crianças, o Felipe tinha quase dois, o Mateus quase três. Eu falo assim: para você criar filho no sítio é diferente do que lá na cidade. Menina, eu voltava do serviço, eles estavam parados lá no portão olhando para a rua, sabe? E aqui no sítio… E a gente vinha de fim de semana e tal. Porque o vô e a vó deles moravam aqui, meu sogro e a minha sogra. É diferente. E aí, foi tranquilo, mudamos para cá. Aí eu me senti a verdadeira agricultura, sabe? E aí a gente faz de tudo aqui, eu sou daquelas que aproveita tudo que tem de fruta, de verdura, de… Para fazer doce, fazer geleia, fazer… E os meninos crescendo. Os meninos estudaram aqui de primeira a quarta, estudaram aqui, na escola da comunidade. Depois eu fiz essa função que meu pai fazia, de levar até a cidade, de ir lá buscar todo dia, não tinha outro jeito. Porque ônibus o horário não batia, que tinha um ônibus que passava aqui na comunidade, mas não batia o horário. E aí eu fazia essa função, e valeu muito a pena, porque… Aí, eles fizeram o ginásio e o segundo grau lá. E eles fizeram no vestibular e no primeiro vestibular passaram também. Então valeu muito a pena esse esforço, sabe? Essa dedicação. Valeu a pena.
P/1 - Vou voltar um pouquinho, então. Como vocês se conheceram?
R - Ah, então, eu trabalhava na EMATER, a primeira vez que eu vim aqui no sítio para falar com o Luiz, foi para trazer um convite para uma reunião. E daí eu conheci ele, o pai e a mãe dele moravam aqui. E aí ele foi na reunião, e aí a gente se encontrava direto, nas reuniões, nos encontros de agricultura que tinha. Ele passava lá na EMATER. É verdade, eu vinha tomar limonada. Ele fala que ele me conquistou com a limonada dele. É, então, daí demorou, foi uns três anos, depois que eu conheci ele que a gente casou. Daí ficamos mais três lá e depois voltamos para cá.
P/1 - E o casamento, como foi? Teve festa?
R - Teve! Teve o quê? Umas cento e cinquenta pessoas? A gente fez lá no Barracão da Sociedade Rural, tinha um espaço ali. Foi bem legal assim, porque tinha muitos amigos envolvidos para fazer a comida. Isso foi muito legal. Eu acho que eu não vejo mais isso hoje. Teve uma mulher que falou assim para mim: “Geni, você não tem família aqui, você pode deixar que eu me responsabilizo pela salada.” Essa mulher fez a salada. Uns outros conhecidos lá, falaram: “Não, o que vocês querem fazer? Vamos fazer carneiro recheado.” Fizeram carneiro, fizeram porco. Aí o povo foi se juntando. A gente só comprou as coisas, né Luiz? Compramos as coisas, o que eles precisavam, fizeram uma lista. Preciso disso, disso, vamos lá! Eles fizeram tudo. O bolo uma amiga minha fez. Eu queria frutas, só sabia disso. Ela falou assim: “Então, tá! Que tipo de frutas?” A decoração era frutas. Tinha doce de figo, tinha jabuticaba colhida na hora, todas as frutas possíveis que tinha estavam em cima desse bolo. Cada um fez uma coisa. Ficou bem legal.
P/1 - E você estava animada, ansiosa, nervosa? Como você estava se sentindo nesse dia?
R - Animada eu estava, mas assim, nervosa, nervosa, não. A gente até decorou pra falar aquele negócio lá que tem que falar para o padre, falamos de boa. Mas até a gente não prestou atenção em nada. A gente só passa a prestar atenção no casamento depois que fala aquela parte. Foi bem legal. Eu lembro que eu falei com o meu pai, porque eu falei assim, que eu queria que meu pai me levasse na igreja. A gente casou em fevereiro, imagina o calor aqui em fevereiro. Meu pai olhou pra mim e falou assim: “Eu levo, mas eu não vou de terno.” Eu falei: “Não tem problema, o pai vai do jeito que o pai quiser.” Acho que o meu pai era o único que estava de camisa de manga curta. Não tem problema, é meu pai. Era assim que ele queria ir. E aí, eu fico reparando as fotos, todo mundo de terno e gravata, morrendo de calor! Meu pai estava de boa. Foi bem legal.
P/1 - E aí você veio morar aqui no sítio?
R - Não, nós ficamos três anos na cidade ainda. A gente teve os meninos, aí depois que a gente mudou.
P/1 - E como foi se tornar mãe?
R - Cara, eu pensava que eu nunca ia ser mãe… Eu não ia casar e nem ser mãe, eu achava que não. Ó, minha irmã, meu irmão que são mais novos que eu, já eram casados faz tempo. Eu não sei porque que eu achava que não. Mas de repente eu estava namorando, estava grávida. E assim, a minha gravidez foi muito tranquila, foi só crescer barriga, não tive problema nenhum assim, trabalhava na EMATER normal, andava de carro para cima e para baixo. Só a hora do parto, foi difícil, demorou, demorou. Domingo à noite eu senti que ia nascer, nós tava na missa. Aí, saímos da missa, já fomos para o hospital e tal. Mas daí o médico. “Não, não tá na hora.” “Tá!” Nasceu terça de manhã. Demorou um pouquinho.
P/1 - Você ficou todo esse tempo no hospital?
R - Não, não. Em casa. Daí segunda a tarde eu fui para o hospital. Daí eu fiquei. É que é assim, mãe de primeira viagem, sabe. “Ah, não sei!” Daí de madrugada o médico chega e fala assim: “Ah, se não nascer até tal hora, eu vou fazer cesária.” Eu falei: “Porque não cortou ontem?” Tipo isso! Não, mas daí o Luiz rezou Nossa Senhora, a senhora interveio e deu tudo certo.
P/1 - Não precisou fazer cesariana?
R - Não! Os dois foram parto normal. É isso mesmo.
P/1 - E a vida mudou muito depois?
R - Ah muda, muda! Você tira o pé do acelerador, você anda mais devagar. Para começar a conversa, eu lembro que eu andava numa velocidade, de carro assim, numa velocidade, não estava preocupada com nada. Depois muda tudo, muda. Aí, você se preocupa mais com a alimentação, se vai dar e tal. Tudo, tudo. Mas é gostoso. Eu vejo isso assim, pra mim foi tudo normal, sabe? Não me preocupei muito com. “Ah, não sei o que…” Eu vejo hoje muita empolgação, muito não sei o que. Eu não fiz isso.
P/1 - E a mudança para o sítio? Essa decisão de vir para cá, de morar aqui, as funções, como foi?
R - Então, eu tentei pedir a licença, aquela de dois anos sem remuneração, que o estado dá. Aí eu fui falar com o chefe, o chefe não deu. Legal! Então, eu vou pedir a conta. Daí, eu comecei a falar com o pessoal e todo mundo falava assim, que eu era louca. Imagina, eu era concursada. Não que eu ganhasse bem. Que teve uma época em que a gente fez greve, de tão mal que a gente ganhava. Na época que eu saí eu tava ganhando bem. Só que eu queria… a gente queria sair, era melhor para as crianças, era melhor para o nosso negócio, que a gente ia ficar aqui, daí o tempo todo, não o Luiz ter essa vida de ir e voltar e tal. Só que tanta gente falou para mim que eu estava dando uma de doida, que isso não era legal, que isso… Eu comecei a duvidar da minha decisão. Aí, um dia eu falei para o padre, falei para o Padre Ângelo. Eu falei: “Padre, eu tô pensando em fazer assim, assim…” Daí, ele falou: “Não, faz sim! Você vai poder ajudar aqui a comunidade muito mais.” Daí, me tranquilizou, tal. Vim, beleza. Você sabe que uns dez anos, quinze anos, é, uns quinze anos depois eu encontrei com o Padre e falei isso para ele. Ele falou assim: “Eu não me lembro que eu falei isso pra você.” Meu Deus do céu. E daí, na verdade, eu tô aqui na comunidade ajudando bastante.
P/1 - E qual é a história dessa propriedade, do sítio?
R - Então, na verdade assim, esse sítio… O Luiz que tinha que contar. A família do Luiz, sempre foi porcenteiro de café, como todo mundo era aqui antigamente. Só que com os 40% que o pessoal colhia, o porcenteiro colhia, dava para comprar sítio. E a família do Luiz comprou vários sítios, sítios pequenos, foi comprando. Tanto é que depois o Luiz teve porcenteiros também, e os porcenteiros dele andaram comprando sítio também. Então, sempre foi café. E uma época o Luiz começou, e o irmão dele, começaram a plantar limão, cinquenta pés, né Luiz?
R/2 - Começamos com cinco.
R - Cinco!
R/2 - Depois plantamos cinquenta e depois plantamos 120.
R - Isso. E por isso que eu falo, ele é o primeiro produtor de limão de Altônia. Ele plantou limão. Daqui para baixo, dessa parte aqui para baixo. E começou a vender em alguns mercados, bares e alguns lugares assim. E isso foi vendo que dava certo, foi aumentando a produção, o plantio. Depois chegou a plantar laranja, foi quando a Altônia toda começou a plantar laranja. E eu lembro que daí ele arrancou café, um café mais velho, para plantar laranja. Chegou um vizinho e falou assim: “Você é louco, arrancar café para plantar laranja. Onde já se viu?” E também deu certo, dá certo! Hoje a gente não tem mais laranja, mas o limão a gente continua.
P/1 - E o café, a gente ficou sabendo teve uma geada muito importante aqui, que acabou com muitas plantações de café.
R - Foi!
P/1 - O que aconteceu aqui?
R - Então, essa não é da minha época, né? Porque eu cheguei bem depois. Mas o Luiz conta isso, ele fala assim: que ele levantou de madrugada, passou a mão na bacia assim, e tava tudo gelo. E a tarde, num dia antes, já dava para cheirar o café queimado, com o vento frio. E realmente amanheceu as folhas pretas. Isso todo mundo conta, né? E aí todo mundo cortou, plantou novo, ou teve rebrota, alguma coisa assim nesse sentido. Só que o café aqui ainda continua. O café aqui ele é tão importante que a gente, hoje, a gente tem uma agroindústria de café. [Pausa]
P/1 - Café é muito importante, inclusive vocês tem uma agroindústria.
R - Isso! Quando meu filho foi para a faculdade de agronomia lá em Marechal, ele começou a levar café para vender, de pacotinho. Daí ele melhorou a embalagem num dia desses. E a gente torrava naquela bola, que a gente tem até hoje, como todo mundo torrava antigamente em casa. Inclusive, hoje eu vendo isso como uma experiência turística. Se você quiser vir aqui, torrar o teu café, moer o teu café, e você leva esse café para casa. Isso a gente vende separado na parte do turismo que a gente tem hoje. E aí, esse café, ele começou a ter saída e tal. E como ele realmente sempre foi um café muito bom, aí a gente construiu um espaço, por isso que a gente chama de agroindústria, a gente construiu um espaço onde a gente torra o café, onde a gente moe, onde a gente embala, tem liberação da vigilância, então é tudo certo. E aí a gente também fez uma uma embalagem bem bonita. O Sebrae ajudou nisso, pra gente fazer realmente uma embalagem que chamasse atenção na prateleira do mercado.
P/1 - Quando que vocês começaram a fazer isso?
R - Faz cinco anos.
P/1 - Recente.
R - Isso! Isso é recente. Mas a gente já tá em todos os mercados, assim, da região aqui por perto, Altônia, praticamente todos os mercados. Tá vendendo bem.
P/1 - Então, me conta, como que era assim, desde o momento que você veio para cá, começou a morar aqui e começar a fazer todas as funções e as modificações e inovações que vocês foram tendo?
R - Isso! Assim, teve uma época então que a gente decidiu arrancar… a terminar com a laranja, porque ela começou a ficar mais velha e com problemas e tal, eliminamos a laranja. E outra coisa que a gente percebeu também, laranja e limão plantados perto, tem alguns problemas assim, que… Daí, a gente decidiu terminar com a laranja. A gente teve ponkan também. A colheita da ponkan conhecida com a colheita do café, aí faltava a mão de obra. A gente aumentou o café e eliminamos a ponkan. Tudo assim, a gente vai… de acordo com o que vai acontecendo a gente vai resolvendo e fazendo. Hoje a gente tem menos café, exatamente por causa da época do plantio, algumas coisas a gente precisa ainda muito de mão de obra. Hoje a gente tem mais pasto. Mas a gente ainda continua com o limão, café, um pouco de abacate e esse pasto.
P/1 - E qual é o processo de plantação e colheita do café? Não sabemos nada.
R - Então, depois de um ano e pouco, dois anos, você já tem a primeira colheita do café. E daí, todo ano tem, tem colheita, mas assim, você colhe, daí você tem desbrota pra fazer, tem adubação pra fazer, quando falta água, a gente joga água, que tem a irrigação, joga água. Depois tem o preparo do solo pra colher, por exemplo, pra você estender um pano embaixo, para jogar o café em cima, na hora da colheita, você tem que preparar esse solo, sabe? Deixar reto, deixar sem mato, pra isso a gente passa uma máquina que roça tudo. Então, o ano inteiro tem atividades, mas a maior atividade é na época da colheita, porque daí você colhe, leva para o secador, ou para o terreirão. E depois de seco põe na tulha, depois beneficia, que um processo que a gente faz aqui também, a gente tem a máquina de beneficiar, que o Luiz comprou na década de oitenta, mas é uma máquina que funciona muito bem. E daí, aqui, no nosso caso, depois de tirar da casca, esse beneficiamento, a gente leva para torrar, para moer, embalar, também aqui. A gente faz todo processo do café aqui no sítio.
P/1 - E quando você começou a se envolver com a Cooperativa Cocamar?
R - Ah, na verdade o Luiz é associado sempre, já era associado desde que eu conheci. E aí, eu sempre acompanhei ele nas reuniões técnicas. Depois formou o Núcleo Feminino da Cocamar aqui também, na unidade de Altônia, eu comecei a participar. E foi nessa época que eu me associei também, me tornei associada da Cocamar. Acho que faz uns cinco, seis anos já também.
P/1 - Quais são os aprendizados de estar perto, de estar associada, quais são os ensinamentos que você tem?
R - Na verdade, se a gente quiser explorar, muita coisa, né? O que tiver, cursos, palestras, depende muito de cada um. Eu sou do tipo que aproveito o máximo, quando tem reunião e tal. Para você ter um exemplo de uma reunião boa… Porque tem gente que fala assim: “Ah, vou perder tempo, vou lá numa tarde.” A nossa embalagem do café, nós fomos, o Felipe e eu fomos numa reunião do SEBRAE em Altônia, e a gente não sabia que eles tinham esse programa. Daí, eles chamaram as pessoas que tinham interesse em empreendedorismo e tal. E daí, lá nós descobrimos que o SEBRAE paga 70% do processo de montar a embalagem. Eles que arrumaram o design para fazer, entendeu? E daí, acabou a reunião, nós vamos falar com a menina do SEBRAE e já marcou uma reunião com a gente e tal. E conseguimos resolver isso porque a gente foi na reunião, se a gente não vai, a gente não ia ficar sabendo. A gente ia fazer do nosso jeito, ia sair mais caro, de repente não ia ficar tão bom. E a cooperativa é a mesma coisa, a gente vive aprendendo, a parte de finanças, de anotar tudo, essa parte da contabilidade do sítio, que eles insistem muito nessa parte da administração, eles falam muito pra mulher se envolver. E se você não vai lá aprender você não vai fazer isso. Tem que ir lá aprender.
P/1 - E como foi… Hoje em dia a colheita do café também é manual?
R - Sim!
P/1 - Continua manual.
R - Mas a gente já teve uma vez que ela era toda mecanizada, porque a gente tinha mais, a plantação de café era maior, tinha mais pés. Daí como a gente diminuiu, hoje ela é manual, porque não vale a pena a gente contratar uma máquina para ver. Mas ela é manual hoje.
P/1 - E como funciona essa produção com os limões?
R - O limão, ele é colhido toda semana, toda semana é colhido o limão. Daí também é mão de obra contratada. Na verdade, hoje o nosso limão é arrendado, a gente arrendou pra terceiros, tem um rapaz que cuida, ele que colhe, ele que passa veneno, passa adubo, ele faz tudo, daí ele só passa uma porcentagem pra gente. Como só ficou o Luiz e eu, não tem como dar conta de tudo.
P/1 - E o que significa uma boa colheita pra você? O que vocês valorizam?
R - Boa colheita é quando tem qualidade, principalmente, e claro, quantidade também, né? Tem que pagar as contas, tem que sobrar para você fazer uma coisa diferente, né? Não só pagar as contas, tem que sobrar mais um pouco para fazer uma coisa diferente.
P/1 - Tipo o quê?
R - Ah, um investimento em alguma outra coisa, ou então viajar, passear, trocar de carro, fazer alguma coisa, melhorar alguma coisa na casa. Porque se não tiver a mais, você não vai ter dinheiro para fazer isso. Então, é isso. Uma boa colheita tem que ser… É isso aí.
P/1 - E quais são os maiores aprendizagens de trabalhar com e na terra? Com a natureza de uma forma geral.
R - Eu acho que por ser natureza, essa tranquilidade, ela é tipo uma terapia, é mais terapêutico do que estresse, do que metas. Você faz o teu horário, tem tudo isso. Claro que tem dia que você trabalha mais que o outro, mas você trabalha muito, mas assim, é bem mais gratificante, eu acho.
P/1 - E os desafios?
R - Desafios são, tentar comprar mais barato as coisas que precisa comprar, vender com preço melhor. Tem que sempre tá estudando, analisando, pesquisando. Não dá para fazer as coisas de qualquer jeito não. É uma empresa também. É uma empresa, mas assim, uma empresa, mas ela é a céu aberto, porque tem seus problemas, mas daí tem essa parte da natureza, que eu acho que é muito gratificante.
P/1 - E quando o ecoturismo entra aqui e começa a fazer parte?
R - Então, na verdade o turismo há muitos anos… Aqui, como sempre foi uma propriedade que o café era bom, bonito, não sei o quê. Até as escolas vinham, professores traziam para falar de meio ambiente. E aí, um dia, alguém falou assim: “Você podia ganhar dinheiro com isso.” Por causa da história do café e tudo. E aí eu fui fazer curso, pelo Senai, o que a gente não sabe a gente tem que procurar e aprender, né? Eu fiz um curso, daí o professor falou assim: “Ah, você recebe estudante? As escolas vão lá? Quanto você cobra?” Eu falei: “Nada!” “Então não é turismo. Você tem que cobrar nem se for um real, até para as pessoas começarem a valorizar, você tá cobrando o teu trabalho.” E aí eu fiz isso, inclusive as visitas diminuíram muito depois disso. Normal, né? E aí a gente foi aprendendo, se organizando. Hoje a gente tem um grupo que chama Caminho das Paineiras, são três famílias que estão nesse grupo, que tem roteiros, você pode almoçar e jantar num lugar, dormir no outro e aqui você toma o café, o café da manhã ou café da tarde. A gente tem uma trilha aqui dentro da propriedade que a gente mostra. Na verdade, o nosso empreendimento hoje, que se chama Café com Trilha, é exatamente porque a gente serve um café rural, tudo feito artesanalmente, a única coisa que eu compro fora é queijo e linguiça. Eu sirvo em torno de trinta produtos, entre doces, sucos, café, leite, pães, bolos, bolachas. Daí, tem essa trilha que a gente mostra e explica o que que tem tudo na trilha. A gente mostra a agroindústria, conta a história do café e a própria agroindústria. Tem a história da experiência do café, que se você quiser torrar o teu café, que daí a gente cobra isso separado. A gente tem uma adega com vinho, onde a gente faz degustação de vinho, se o grupo quiser a gente abre isso pra eles. E no final a gente termina a visita no armazém, que é um espaço onde a gente vende alguns produtos que a gente produz aqui na propriedade, entre doces, geleias, o próprio café. E eu pego também das vizinhas, têm artesanato das vizinhas, tem cachaça, tem vinho. Porque turismo a gente não faz sozinho, né? Turismo é a comunidade toda envolvida. E aí, o pessoal vai embora daqui de noite, depois que escurece. Na trilha, quando é de manhã, quando o pessoal vem de manhã, a trilha é a mesma, só que a dinâmica é um pouco diferente, tem um espaço chamado… que nós temos, que é o Tempo da Natureza, é um lugar onde você senta para meditar, escutar passarinho, escutar uma água caindo, do córrego do lado. Se você vir à tarde, você pode ver o pôr do sol, que eu acho que é o pôr do sol mais bonito que o Brasil tem, do Brasil, do mundo, não sei. O pôr do sol a gente realmente vende. E eu vejo as pessoas, hoje eu fico observando as pessoas vendo o pôr do sol, tem gente que aplaude, tem gente que fica só admirando, tem gente que não para de tirar foto. E agora eu falo assim, no meio da trilha tem um lugar que a gente para, daí eu falo assim: “Ó, quando a gente chegar naquele espaço do pôr do sol, aproveitem, tirem muitas fotos. Mas também parem, fiquem quietos, observem, fiquem uns cinco minutos quietinhos sentado ali só observando.” E eles fazem isso, as pessoas fazem isso. E aí, a gente faz uma dinâmica também, de você fazer um brinde na hora do pôr do sol. Aí tem uma Pétalas dos Desejos, que eu faço, você escreve um desejo nessa pétala, e você põe ela dentro da xícara e joga café quente em cima, aí essa pétala derrete. É um negócio comestível, é claro. A canetinha também é com tinta comestível. E aí o desejo se realiza. Outro dia tivemos depoimentos de uma menina que já conseguiu o que ela pediu. É bem legal. É emocionante de ver. E o povo se emociona. Pra nós assim, o pôr do sol já é conhecido. Se bem que todo dia ele é diferente, sempre tem uma nuvem diferente, tem um pássaro voando, tem alguma coisa. Sempre tem alguma coisa diferente. Mas as pessoas que vem pela primeira vez, ou mesmo as pessoas que voltaram aqui já várias vezes, sempre ficam encantadas com o pôr do sol.
1:02:23
P/1 - Queria te perguntar se tem alguma história marcante, alguma passagem, alguma pessoa em algum dia, de você recebendo ou escolas, ou pessoas aqui. Alguma pergunta, algum encontro que foi muito instigante, enfim…
R - Eu recebi uma vez um grupo de escola, seis, sete anos, daí eles tomaram café e a gente foi para a trilha. Criança é complicado porque eles não têm noção do perigo, daí eu falo assim: “Na trilha eu vou na frente, ninguém passa na minha frente.” E eles obedecem, eles sabem, eles obedecem quem é estranho, né? Só que todo mundo quer andar comigo de mãozinha dada. E a trilha tem um lugar que é fila indiana, é estreito, e não pode pisar do lado de fora, porque pode ter buraco, pode até ter cobra, você vai no meio do mato. Daí fomos, tal. Daí chegamos lá embaixo, perto de onde tem um tanque de peixes, uma menina olhou pra mim e falou assim: “Quanto tempo vocês levaram para fazer tudo isso?” Eu olhei pra ela, falei assim: “Uns quarenta anos.” “Hã!” Daí ela fez assim. Entendeu, né? Depois eu analisei, eu falei assim: “Nunca um adulto me perguntou isso”. Porque os adultos acham que chegam aqui olha, e fala assim: “Nossa, que bonito!” É bonito, graças a Deus! Mas eu falo assim: Cara, dá muito trabalho, dá muito trabalho. E tem gente que acha que tudo cai do céu. Para uma menina de seis, sete anos, perguntar quanto tempo você levou para fazer isso, porque ela viu que isso dá muito trabalho, que isso é uma função. Isso ficou marcado, ficou muito marcado. E assim, outra coisa que eu vejo assim, as crianças, elas são muito mais espontâneas. Uma criança chegou em casa e foi contar do Felipe, quando o meu filho ainda morava aqui. E ele falava só do Felipe, como o Felipe explicou, o que ele não explicou e tal e tal. E a mãe veio me contar isso, falar assim, como isso era legal. E um dia também encontrei uma professora, que daí eles chegam e voltam pra sala, eles não vem só passear. Tem que fazer uma redação, fazer alguma coisa. E diz que assim, cada história que eles escreveram, é uma experiência tão legal assim para eles. E eles precisam realmente fazer isso, sair da cidade, vim aqui. E aqui a gente fala: “Ó, isso dá trabalho, isso é assim.” E eles prestam muita atenção. Então, eles querem muito vir, até porque sair da sala de aula é o que todo estudante quer, né? Mas vir aqui e conhecer essa realidade. E daí lá embaixo, chegar lá naquela Lagoa, o pessoal do colégio agrícola outro dia falou assim: “Esse é o lugar mais lindo do mundo!” Claro, que são jovens de quinze, dezesseis anos, o que que eles sabem do mundo, né? Mas falo assim: “Gente, pra falar isso, sabe?” É muito legal! E outro dia me contaram, eu servir uns doces numas travessas bonitas, umas mulheres da cidade foram embora, disse que dentro do carro, comentando. “Aonde que ela arrumou aquelas travessas? Não sei o quê e tal.” Eu fiquei pensando. “Putz, só porque eu moro no sítio não posso ter umas travessas bonitas, né?” Falaram assim, ficaram comentando a estrada inteira. Daí uma amiga minha que estava junto me contou depois. Falei assim: “Ah, legal né?” Então, assim, esses comentários assim, pode parecer coisa boba, mas é legal, porque é diferente, né?
P/1 - Você gosta de receber crianças?
R - É, gosto!
P/1 - Tem alguma faixa etária que você prefere?
R - Não tem, não tem preferência, porque cada um é cada um, cada grupo é cada um, cada grupo… Criança come mais alguma coisa, menos outras. Os jovens, então, os jovens dá gosto de ver, como eles comem. Eles comem qualquer coisa, tudo que você servir, tudo é bom. Eu acho muito legal.
P/1 - E você que cozinha tudo?
R - Tudo! Por isso que tem que agendar com antecedência. Você não pode chegar. “Eu vim hoje à tarde tomar café.” Não dá! Porque tem que fazer os pães que levam tempo. E como são em torno de trinta produtos, claro que algumas coisas estão prontas já. Tem doce que tá pronto, tá no freezer, tem algumas coisas. Mas o montar todo esse processo, leva meio-dia pelo menos. Então, se você marca para amanhã cedo… Amanhã cedo eu vou ter um grupo. Hoje à tarde, hoje à noite, eu tenho que deixar um monte de coisas prontas. É assim. Mas é muito gratificante. E dá dinheiro que é bom!
P/1 - Tem um retorno?
R - Tem um retorno, tem um retorno bom.
P/1 - E vocês têm algum cuidado essencial, uma preocupação com o meio ambiente?
R - Sim, sim, a gente cuida de tudo. Nossa, né? Para não ter lixo esparramado, a gente cuida, nossa, tudo, tudo.
P/1 - E vocês têm percebido uma mudança climática? Isso interfere na produção de vocês, ou não?
R - Eu acho que o sol tá mais quente, né? Aliás, o pessoal pergunta sobre o café, por exemplo. “Não tem problema de geada?” Eu falei: “Não, o maior problema no café é o sol quente. O sol prejudica mais do que o frio. Porque a planta, quando está muito quente, a planta para de produzir, né? Ela estaciona. E como no inverno, no inverno elas não dormem, no verão elas também param, quando passa, tem dia que é muito quente, a folha chega a queimar.
P/1 - E você já conhecia o processo de produção do café, ou você conheceu depois que você começou…
R - Aqui. Não, eu conheci aqui. Porque quando eu estudei… Lá em Marechal não tinha. No colégio agrícola tinha dois, três pés. E sobre café realmente eu aprendi tudo aqui em Altônia, quando entrei na EMATER, e daí com os produtores e tal.
P/1 - E como você gostaria de ver a plantação de vocês, o trabalho de vocês aqui, daqui uns anos?
R - Olha, sempre com mais qualidade, com certeza. E essa parte do turismo, eu espero que cresça, não só na função. “Ah, eu quero ganhar mais dinheiro.” Não é isso. Porque eu quero mostrar o que a Altônia tem de bonito, porque eu sou muito assim, ah… Quando eu morava em Marechal eu adorava no município de Marechal, queria falar bem de lá. Hoje eu moro aqui, hoje não, há trinta e poucos anos que eu moro aqui, eu sou o Altoniense sabe, eu quero que Altônia seja lembrada e seja falado das coisas boas que tem. Eu sempre falo isso, quando alguém me pergunta, o que você pretende? O que você espera? Eu espero que Altônia seja falada dessas partes bonitas que Altônia tem, que o pessoal valorize isso, sabe? O turismo, que nem eu fico brincando e fazendo questão de falar que eu ganho dinheiro, eu ganho dinheiro mesmo. Mas porque eu falo. Isso era uma coisa que de repente não precisaria falar. É porque as pessoas acham que não ganham dinheiro. Eu acho assim, hoje, até os políticos tinham que… Eu vou falar isso ainda para eles, que esse ano é ano de eleição para prefeito. A maior indústria que Altônia tem é o turismo. Não precisa trazer indústria de fora, tá pronto. É só investir em cima disso, sabe? Eu acho que é a maior indústria que tem, é só acreditar nisso. E é tão simples, e tão gostoso, é prazeroso isso. Não é uma coisa que precisa se preocupar muito, é só seguir. Aqui eu falo assim, aqui não tem mais volta, esse turismo aqui já acontece e não tem mais volta. E isso é bom.
P/1 - E como é para você, o que isso significa na sua vida, ser uma mulher agricultora, mãe, empresária quase…?
R - É, de certa forma é. Olha, na verdade assim, não faz assim diferença, ai meu Deus, porque a mulher e tal. Não. É um fluxo natural das coisas, é trabalho, tanto faz homem ou mulher, a gente tem que trabalhar, tem que fazer, tudo fazer bem feito, fazer com amor, sabe? Faz diferença sim no sentido… Realmente, chama atenção. “Ah, é uma mulher que tá na frente.” Aí chama atenção, mas não precisa ser assim. O pessoal tem muito esse negócio de separar homem e mulher e tal. Aqui, realmente, o turismo eu tomo a frente, porque tem essa parte da comida, principalmente, então é isso, eu que faço. Eu que resolvo isso. Vou fazer isso e isso e aquilo. Mas assim, normalmente a gente conversa tudo junto, até porque eu não tenho como fazer tudo sozinha. Inclusive, é isso, uma coisa importante que a gente precisa falar, quando eu recebo o grupo, eu contrato vizinhas para me ajudar. Além do Luiz Carlos estar aqui me ajudando, fazendo a limonada e organizando as mesas. Quando é um grupo maior, precisa organizar mesas aqui fora, eu contrato vizinhas para me ajudar, então é uma forma também da vizinha tá ganhando dinheiro. Ali no armazém, colocando artesanato, elas estão ganhando dinheiro. As coisas que eu compro no mercado, o mercado está ganhando dinheiro. O turista que vem, abastece no posto, tá ganhando dinheiro. Então, é assim que funciona. O turismo, ele é geral, ele é para um município inteiro, ele não é só para mim. E isso é legal! Eu só queria isso, que o pessoal entendesse isso assim.
P/1 - E como foi a pandemia aqui? Você que trabalha com pessoas também.
R - Então, parou tudo. Na verdade, esse nosso grupo, O Caminho das Paineiras, estava super organizado, e aí começou a pandemia. A gente tinha roteiros pronto, tudo encaminhado, aí ficamos parados. Só que eu vejo assim, depois da pandemia, aí que… E todo pessoal que trabalha com turismo, fala isso, depois da pandemia veio mais turistas para cá, porque o pessoal quer fazer turismo de curta distância, quer fazer turismo de fim de semana, de um feriado prolongado. Então algumas pessoas querem fazer esses passeios mais curtos. E por isso que vem muita gente da região pra cá. Ou que se vier passear em Altônia, ou aqui por perto, tá vindo pra cá também, junto com os parentes daqui. Então, tem muito isso.
P/1 - Você gostaria de acrescentar alguma coisa que eu não tenha te perguntado, alguma passagem, algum momento marcante, alguma pessoa que seja importante e a gente não tenha falado?
R - Pois é, não sei. Eu só queria dizer assim, em relação a qualquer parte da agricultura, ou o próprio turismo, a gente tem que sempre aprender, estudar, perguntar para quem sabe, porque a gente nunca pode dar o passo maior que a perna. E principalmente no turismo, o pessoal tem medo de começar, mas não. Eu sempre falo assim: Quando eu servi o meu primeiro café, eu usei as xícaras que eu tinha, que eu uso na minha cozinha. É assim que funciona, sabe? É você usar o que você tem. E aí você vai crescendo, vai vendo o que precisar comprar e tal. Então, nunca dê o passo maior que a perna, mas sempre sonhando firme, aprendendo, correndo atrás, pergunta. Pergunta para quem sabe, faça cursos, aproveite. Acho que é isso que tem que ficar, porque ninguém nasce sabendo, né? Mas sempre tem alguém que sabe. Então, é só perguntar.
P/1 - Você é avó?
R - Sou. Sou avó da Julia, que tem quatro anos.
P/1 - Como foi se tornar avó?
R - Ah, foi na pandemia. Cheguei lá, tem que tomar banho, trocar de roupa, lavar a mão e tal. Nossa, foi difícil nesse sentido assim, sabe? É muita preocupação, muito medo. Mas é uma delícia. Eles não moram aqui perto, então a gente não se vê muito. A gente faz muito videochamada, que graças a Deus, isso existe hoje, então a gente faz muito vídeo chamada. E vou lá daqui uns dias, cuidar dela uns dias ali. Mas é maravilhoso. E ser chamada de vovó, vovó Geni, é tão gostoso ouvir isso. Eu acho legal isso.
P/1 - O que você gostaria de deixar como legado da sua vida?
R - Então, eu vejo assim, outro dia eu estava escutando uma pessoa que falou assim: “A gente é mortal, né? A gente não é imortal, a gente morre, a gente vai morrer.” Mas a gente pode ser imortal nas pessoas, né? Então, eu vejo assim hoje, a história do turismo, do jeito que eu vejo hoje, do jeito que eu estou envolvida, se isso acabasse hoje, todo mundo podia falar assim: “Ó, a Geni fez o começo. Isso partiu dela.” Então, eu já tenho uma história no turismo assim, sabe? Uma coisa importante que eu fiz que a gente não comentou, que eu gosto de comentar. Eu ajudei a trazer para a nossa comunidade, uma escola que chama… ela tinha pedagogia da alternância. É um projeto maravilhoso. A criança fica uma semana na escola, e uma semana em casa. E essa escola é assim: você aprende o que você aprende numa escola normal, do sexto ao nono ano, só que além disso você aprende sobre agricultura. E aí cada semana é um assunto diferente, por exemplo, essa semana o assunto é turismo, aí as professoras falam tudo sobre turismo, que eles sabem, em todas as matérias é incluso esse assunto, tem alguém que vai lá na escola dá palestra sobre esse assunto. E as crianças saem da escola para ver esse assunto na prática. Essa escola a gente conseguiu trazer aqui para comunidade, daí ela durou, acho que uns oito anos, depois acabou fechando. Mas ela tinha parceria do Governo do Estado, da Associação de Pais e Professores, ali, da comunidade, ajudava muito, porque daí, na verdade, estudavam crianças do município inteiro, estudavam aqui na comunidade. E mais a prefeitura. Daí ela tinha um pouco de custo e tal. Mas acabou fechando, não vem ao mérito o porquê, mas assim, foi uma coisa que eu consegui trazer. Eu vejo assim, as crianças que estudaram nessa escola e que moram no sítio hoje, elas têm uma propriedade diferente. E isso, eu vejo isso aqui na comunidade, nos vizinhos que eu vou, onde estudou na casa da família rural e eu vejo que é uma propriedade diferente. E daí eu posso pensar assim, isso eu ajudei, isso fui eu que fiz a diferença ali. Então eu acho que isso é um legado que eu já… Já tá assinado.
P/1 - Totalmente, totalmente. Estamos encerrando, estamos encaminhando para o fim, mas eu queria te perguntar qual é a sua primeira lembrança da vida?
R - Aí meu Deus!
P/1 - Uma das primeiras.
R - Eu acho que foi esse dia que eu caí da carroça, eu não me lembro de coisas antes não. Daí eu sei que eu estava subindo o Carrador, eu não lembro do tombo, mas eu lembro no hospital que o médico colocou água oxigenada, e aí ferveu assim, sabe aquela… porque água oxigenada ela da uma espuma, né? Naquela época devia ser uma água oxigenada muito mais forte, porque eu lembro que eu estava deitada e eu vi a água oxigenada fervendo assim, sabe aquelas… Eu lembro disso. Eu acho que essa é a primeira, mas eu tinha cinco anos, antes disso, realmente não me lembro.
P/1 - E veio parar aqui a carroça?
R - A carroça veio aqui (risos). O dia que trouxe essa carroça, o Luiz foi para Marechal levar limão nos mercados, e o meu pai e minha mãe vieram com ele. Meu pai ajudou a montar, porque daí ela veio desmontada. Nossa, você precisa ver o orgulho do meu pai, porque ele sabia que ela ia estar bem guardada, cuidada.
P/1 - Que lindo!
R - É, foi legal.
P/1 - Como que foi para você contar um pouco da sua história pra gente hoje?
R - Legal. Foi emocionante, me senti importante (risos). Mas é, foi emocionante, deu pra ver, né?
P/1 - Muito, muito, muito obrigada!
R - De nada. Foi um prazer. Prazer conhecer vocês. Legal. Quero agradecer a Cocamar que lembrou de mim.
P/1 - Total. Indicação 100%.
R - Verdade, obrigada.
P/1 - Obrigada você.
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