Quando eu era criança achava que o hábito de ler era símbolo de inteligência e conhecimento e que pessoas especiais liam muito. Queria ser como elas. Contudo, morando com meus avós não era fácil ter acesso à leitura. Não havia muitos livros em casa e minha avó não gostava de me ver lendo por muito tempo. O sonho dela era que eu fosse uma criança mais ativa e praticasse esportes e atividades fora de casa. Às vezes, quando eu lia na cama à noite, ela vinha ao meu quarto para me repreender e apagar a luz. Fui um frequentador assíduo da biblioteca do bairro onde morava (o Tucuruvi). Lá passava longas horas lendo e muitas vezes levava livros para casa. Mas os livros não eram meus. Um dia, ao caminhar pelas ruas do bairro, encontrei um livro numa lata de lixo. Era Os Três Mosqueteiro de Alexandre Dumas. Fiquei muito feliz, levei-o para casa e guardei no meu quarto. Foi o livro que li mais vezes durante minha infância e adolescência. Escondi o livro por anos. Infelizmente, minha avó o encontrou e não gostou de manter um livro tão sujo e arruinado em casa, ainda mais por ter sido encontrado no lixo. Ela o jogou fora novamente. Depois desse achado, comecei a prestar atenção às lixeiras que via na rua. Encontrei muitos outros livros no lixo. A Odisseia de Homero, O Rei da Vela de Oswald de Andrade, La Invención de Morel de Adolfo Bioy Casares (comecei a aprender espanhol lendo este livro), Os Irmãos Karamazov de Dostoievski, O Decameron de Boccaccio e muitos outro. Tenho alguns deles até hoje em minha casa e os guardo como lembranças da minha infância e adolescência. Continuo sendo um apaixonado por literatura e devo muito aos livros que encontrei no lixo.