Entrevista de Mariana Limeres Merendino
Entrevistada por Luiza Gallo e Grazielle Pellicel
São Bernardo do Campo, 26/08/2023
Projeto Vestindo Memórias: Legado e Identidade
Entrevista número: VES_HV008
Transcrita por Selma Paiva
R/2 - Melissa
R/3 - Rosana
R/4 - Júlia
R/5 - Benjamim
P/3 - Thais...Continuar leitura
Entrevista de Mariana Limeres Merendino
Entrevistada por Luiza Gallo e Grazielle Pellicel
São Bernardo do Campo, 26/08/2023
Projeto Vestindo Memórias: Legado e Identidade
Entrevista número: VES_HV008
Transcrita por Selma Paiva
R/2 - Melissa
R/3 - Rosana
R/4 - Júlia
R/5 - Benjamim
P/3 - Thais
P/1 – Primeiro eu quero te agradecer demais por estar aqui, por dividir um pouquinho dessa história com a gente e eu quero que você se apresente, dizendo seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R – Meu nome é Mariana Limeres Merendino, eu nasci em São Bernardo do Campo, no dia 28 de fevereiro de 1986.
P/1 – E te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R – Minha mãe sempre conta essa história, repete, conta de novo. Eu lembro que tava mudando o Plano Cruzado, alguma coisa assim, e aí não sabiam se era menino ou menina. Ela queria uma surpresa, aí o médico perguntou pra ela: “Se for menino vai chamar como?” Aí ela falou: “Felipe” “E se for menina?” “Mariana”. Aí ele saiu e falou que era uma menina, mesmo. ________ Minha mãe é muito carinhosa, preocupada demais, amorosa, prestativa. Acho que ela é a melhor mãe do mundo. E o meu pai não tem muitas coisas assim, porque eu não convivi muito com ele, mas ele é engraçado. Não sei dizer o jeito dele. Eu gosto muito do meu pai, mas eu não sei dizer como é o jeito dele. Ele é engraçado, ele gosta de comer, gosta de festa, gosta de música. Não é muito carinhoso, mas também não é muito... é isso aí a minha mãe. Minha mãe é muito ________, muito preocupada, muito tudo. Muito chorona. (risos)
R/2 – Isso é verdade.
R – E o meu pai... meu padrasto, que é o meu pai também, ele é mais briguento assim, mas ele é muito preocupado também, amoroso, brincalhão. Então é isso.
P/1 – E você tem recordações dos seus avós, você chegou a conhecê-los?
R – Sim, tenho. Os pais da minha mãe, o pai da minha mãe sempre foi muito brincalhão, falava alto, era alto, ele era alto então a presença dele já era uma coisa forte, ele chegava já falando, brincando, ele colocava a mão na minha cabeça. Então ele tinha presença e a minha vó sempre foi mais quieta, na dela, mas gostava de conversar, mas era um conversar mais quieto e ele já era um chegar, chegando. Sabe aquela pessoa que chega e todo mundo que vê que chegou, mesmo. E os meus avós por parte de pai, o meu avô era mais quieto, mais preocupado e sempre me perguntava como eu estava na escola ______, sempre preocupado, mas quietinho. Minha avó já era mais chega, chegando, gosta de festa, fazia aquelas comidas pra um monte de gente, diferente.
P/1 – Que comida sua avó fazia?
R – Ela ama fazer pastel, feijoada, macarrão, sempre um panelão de comida. Sempre muita comida, todo mundo ajudando, minha mãe fazendo um pouquinho e eu tenho muitas recordações de almoço, pequenininha, lavando a louça, o outro fechando pastel, o outro fritando. Sempre foi muito um ajudando o outro.
P/1 – E tem algum outro parente que tenha sido muito significativo na sua vida? Primos, tios, vizinhos...
R – Deixa eu pensar. Eu acho que a pessoa mais importante mesmo, na minha vida, foi a minha mãe, que ela sempre esteve comigo, mesmo nos dias bons e nos dias ruins, ela sempre foi tudo, então eu acho que a pessoa mais importante mesmo é a minha mãe.
P/1 – E você tem irmãos ou irmãs?
R – Eu tenho três irmãs. Eu tenho uma que nasceu da minha mãe e do meu padrasto e tenho duas do meu pai com a mulher dele, três meninas.
P/1 – Só mulheres?
R – Só mulheres.
P/1 – E como é a sua relação com elas?
R – Eu sempre convivi com todas. Mesmo as filhas do meu pai biológico conviveram muito na minha casa, com a minha mãe e com a minha irmã. A filha da minha mãe com meu padrasto a gente sempre conviveu junto, a gente sempre era irmãs mesmo. Mesmo que fosse meia-irmã não tinha isso, era irmã mesmo. Inclusive elas, que não eram irmãs, eram duas irmãs, se consideravam irmãs por parte de irmã, muito legal.
P/1 – Que gostoso!
R – É.
P/1 – E você, quando você era pequena, gostava de ouvir histórias?
R – Muitas. A minha mãe sempre contou histórias. Minha mãe sempre gostou de ler e ela sempre comprava, na época que eu era criança, as pessoas batiam na porta vendendo livros e a minha mãe comprava livros, gibis, livrinhos grossos, livrinhos fininhos e eu sempre gostei de histórias. Minha mãe contava histórias, a minha vó, mas a minha mãe também contava muitas histórias e eu sempre gostei. Acho que... como fala a palavra?... Influência que era.
P/1 – Teve alguma muito marcante pra você?
R – Olha, eu sempre gostei da história do Patinho Feio, que a minha mãe contava, que é uma história já que existe. Ela sempre contava essa história, inclusive ela me deu até um patinho amarelinho, que eu guardo até hoje e eu sempre gostei, porque ela sempre repetia a história do patinho que virou cisne e eu me identificava. E teve uma história que ela inventou, do reloginho, também e essa história eu gostava bastante.
P/1 – Como que é?
R – Só eu ouvia o reloginho e ele sempre conversava comigo, falando as coisas que estavam certas e erradas, só que um dia ele parou de falar...
R/3 – É. Ele falava do tempo e que um dia ele ia parar, porque você ia crescer.
R – É. Eu ia crescer e ele ia falar com outras pessoas, outra criança, porque ele ia ajudar essa criança a se tornar uma pessoa boa. Então, quando eu parei de ouvir a voz do reloginho é porque ele ia ajudar outra criança. Uma história bem legal. Eu gostei bastante dessa história. Minha mãe sempre repetia desse jeito, mas era muito legal essa história.
P/1 – E você lembra da sua casa de infância?
R – A primeira casa que eu lembro era um apartamento grande, não era tanto ______, mas me marcou porque eu ganhei uma cachorra e eu gosto muito de animais, principalmente de cachorro e eu lembro de ter ganho essa cachorra e eu morava nesse apartamento e eu me lembro muito dessa cachorrinha urrando tentando morder meu pé e eu ficava agoniando-a e ela tentava morder o meu pé. Ficou gravado nessa casa. Depois eu lembro de uma outra casa também, numa rua sem saída, aí eu já era maior, eu tinha acho que sete anos e eu brincava na rua, muito, porque era uma rua sem saída, eram outros tempos então eu brincava muito e aprontava muito, mesmo.
P/1 – O que você aprontava?
R/3 – Uma vez fugiu.
R – Eu não fugi. Eu queria brincar, só e mais nada. Ir pra escola pra quê? Eu só queria brincar. Eu queria ser livre. Aí um dia minha mãe falou: “Olha, você espera a mamãe se trocar, que a gente vai sair”. Aí ela começou a se arrumar, aí eu peguei a chave do portão, abri o portão bem devagarzinho e fugi. Fugi, não, fui brincar. Aí eu fui pra casa de uma amiga minha e a gente ficou brincando lá a tarde toda e aí, de repente, a gente percebeu uma movimentação na rua, olhamos pela janela e aí eu percebi que a minha mãe estava me procurando, mas já estava de noite. Aí eu falei: “Hoje eu não posso voltar, senão ela vai brigar comigo”, aí a gente ficou lá, escondidinha, até que o pai da menina chegou e falou: “Sua mãe está te procurando, pode ir”. Aí eu fui. Nossa, minha mãe ficou muito brava! Ela estava quase indo na delegacia pra fazer um negócio lá, uma denúncia, que eu estava desaparecida, porque eu fiquei a tarde toda sumida. Minha mãe ficou muito brava. Muito.
P/1 – Que outras brincadeiras você gostava?
R – Eu brinquei muito na rua, era sempre brincar de correr, de comidinha, pegava _______ chão, esconde-esconde, bicicleta, tudo na rua. Eu era tão feliz! Eu era muito feliz. Brinquei muito na rua.
P/1 – E vocês tinham costume de ouvir música, ver alguma coisa...
R – Sim. Eu lembro que minha mãe me deu... não sei se ela me deu, se ela comprou, mas tinha um aparelho de som, de disco, que ficava no meu quarto e tinha vários discos da Xuxa, da Mara Maravilha e eu lembro muito eu ouvindo, dançando lá, toda feliz. (risos) Eu gostava muito, também, de sertanejo, eu ouvia Leandro e Leonardo, Chitãozinho e Xororó, João Paulo e Daniel. Nossa, como eu gostava! Até hoje eu gosto. (risos)
R/3 – Coleção de Sandy e Júnior.
R – Sandy e Júnior também, nossa, eu gostava muito. Os imitava, ficava lá, uhul. (risos) Era muito bom.
P/1 – E nessa época você pensava no que você queria ser, quando crescesse?
R – Eu sempre tive certeza do que eu ia ser. Desde que eu morava nesse apartamento, que eu ganhei a cachorra, eu tinha certeza que eu ia ser médica veterinária. Eu tinha isso como uma certeza absoluta. Eu sempre gostei e gosto muito da área médica. Então, eu tinha certeza que eu ia ser isso. E fui.
(12:48) P/1 – Se você quiser...
R – Não. Acho que hoje em dia, não. Meus planos mudaram. Eu não gostava de ir pra escola, eu só queria brincar. Eu não queria estudar. Eu achava muito chato. Então, eu lembro de eu jogar fora os meus livros, os meus cadernos e falar que sumiu, só pra não ter que fazer nada.
P/1 - Por que era difícil?
R – Eu achava muito chato, porque eu ouvia o que a professora falava e pra mim já estava bom. Eu não queria ficar fazendo lição, copiando.
R/2 – Eu amo lição.
R - Eu já ouvia e pra mim já estava certo. Por que eu vou ficar fazendo lição? Eu queria brincar. Só queria brincar. Só.
P/1 – E teve algum professor, ou professora muito marcante pra você?
R – Teve a professora na primeira série, o nome dela era Maria do Carmo. Ela era muito boazinha, muito delicada e ela tinha muita paciência comigo. (risos) Muita. Eu gostava muito dela.
P/1 – E matéria preferida, tinha?
R – Qual é a pergunta, mesmo?
P/1 – A matéria.
R – Eu gostava de Ciências, porque tudo que é relacionado com animal e meio ambiente eu tinha mais interesse. Também gostava de Educação Física, porque esportes, correr, empinar, essas coisas e Educação Artística. Eu gosto de jogar e pintar, então eu gostava.
P/1 – E você tem alguma história muito marcante, dessa época? Da escola.
R – Tem uma: eu estudava numa escola de freira, uma escola católica. Daí um grupo de meninos começou a fazer bullying comigo. Eu lembro que eu falei pra minha mãe, estava muito chateada e a minha mãe foi lá na escola, conversou com a madre, a coordenadora e pediu pra ela pra conversar com os meninos, só que era uma escola grande e eu não sabia qual era a sala deles, então minha mãe, eu lembro que ela me pegou e foi de sala em sala...
R/3 – A Irmã Odete deixou.
R – Sim, eu falei que você foi conversar com ela e ela deixou você ir e aí ela foi de sala em sala pra falar sobre bullying. Isso há muitos anos, a minha mãe foi, me defendeu, até que eu achei os meninos e falei: “Foram esses” e minha mãe falou que não podia, que isso era errado. Eu me senti muito bem depois disso, porque eu me senti protegida, acolhida, defendida mesmo, essa é a palavra e foi muito legal, porque depois disso eles ficaram meus amigos. Então, eu fiquei muito feliz com essa história.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Mãe, quantos anos eu tinha? Oito?
R/3 – Oito anos. A idade da Melissa.
R – É.
P/1 – E você ficou nessa escola até se formar?
R – Não. Eu fiquei na escola mais uns dois anos, depois eu saí.
P/1 – E como foi essa mudança?
R – Depois disso eu não sei se o que aconteceu, mudou ou não, mas depois disso eu não tive mais problemas. Não sei se porque eu superei e tudo bem, ou se não houve mais nenhum caso nesse sentido, mas eu nunca mais tive problema com bullying, ou falar alguma coisa pra alguém. Eu acho que eu superei. Eu acho que isso mudou a minha postura com relação aos problemas, também.
P/1 – E colegial?
R – Foi tranquilo. Eu tinha bastante amigos e a minha irmã estudava na mesma escola, ela é quase dez anos mais nova do que eu, então eu estava no colegial, ela estava no primeiro ano. Aí eu ficava sempre olhando-a, tinha amigos, não tinha problema no colegial, foi tranquilo.
P/1 – E aí, assim que você se formou, como ‘desenrolou’ sua vida? Você foi trabalhar?
R – Eu me formei, aí eu prestei vestibular, passei, comecei a fazer a faculdade de Veterinária e, por influência do meu padrasto, meu pai, ele é funcionário público, então ele sempre falou: “Olha, vai ser funcionária pública, porque é bom e você tem outros benefícios”. Aí eu prestei um concurso, passei e depois que eu fiz um ano de faculdade aí eu já comecei a trabalhar na prefeitura. Eu trabalhava na Zoonoses, um trabalho com animais também. Então eu tive que parar a faculdade, porque não tinha condições financeiras de fazer, mas eu estava trabalhando na área que eu queria, que era mexer com animais. Eu fui muito feliz. Fiquei sete anos trabalhando lá. E eu só saí de lá porque eu engravidei da Melissa e eu queria trabalhar menos pra ficar mais com ela e lá eu trabalhava muito. Aí eu saí.
P/1 – Nesse período de juventude é momento de muitas descobertas, de si, do mundo. Como foi isso pra você?
R – Sim. Foi uma ‘loucura’. (risos) Eu comecei a trabalhar e eu queria ‘curtir’ tudo que eu pudesse, aí eu ia pra ‘balada’, pras festas, ‘curti’ bastante. ‘Curti’ muito. (risos)
P/1 – E aí você conheceu seu marido?
R – Eu conheci meu marido lá onde eu trabalhava, mesmo. Eu trabalhava lá na Zoonoses, ele foi prestar um serviço. A gente se conheceu, começou a sair e aí foi indo.
P/1 – E como foi receber a notícia que você estava grávida?
R – Eu queria muito ser mãe. Muito mesmo. Aí eu engravidei e fiquei apavorada porque, apesar de eu querer muito, eu tinha medo, aí eu falei: “Ai meu Deus, e agora? Eu preciso contar pra minha mãe”. Aí eu tramei toda uma história pra contar pra ela e, quando eu contei, ela ficou mais apavorada do que eu. Aí eu tive que mostrar pra ela que eu estava segura, pra ela se sentir segura também. E aí foi indo. Graças a Deus não tive nenhum problema na gravidez e foi tudo bem, tranquilo, mas a minha mãe sempre foi apavorada, muito preocupada, muito apavorada, muito tudo. Então eu sempre tive que, mesmo estando apavorada, manter a calma pra tentar acalmá-la também. Eu estava, na gravidez, tudo tranquilo, só que aí teve um ultrassom que mostrou que a Melissa estava abaixo do peso esperado para o tempo de gestação. Aí eu falei: “Mãe, eu acho que ela vai nascer muito pequenininha”. A minha mãe: “Não vai, não” e começou a fazer gelatina e mandava eu comer umas cinco, seis, sete gelatinas por dia, todos os dias. Tome, tome, tome. (risos) Aí no último ultrassom que eu fiz estava tudo dentro do normal, aí minha mãe: “Foi graças à gelatina!” (risos)
P/1 – Por que gelatina?
R – Porque minha mãe fala que gelatina é bom pros ossos, pra desenvolver. Quando você está doente, você come gelatina. Quando você quebra um osso, gelatina. Então, ela falou: “Vai comer gelatina”. (risos) E eu comi muita gelatina, muita.
R/2 – Até ela não aguentar mais.
R – Isso. Até eu não aguentar mais. (risos)
P/1 – Hoje em dia você come gelatina?
R – Como. Mas eu fiquei muito tempo sem comer, porque me enjoou. (risos)
P/1 – E você comentou de medos. Consegue dizer de que ordem eles eram?
R – Medos?
P/1 – É, quando você ficou grávida.
R – Porque como é uma síndrome, os médicos falavam muitas coisas pra minha mãe: que não ia chegar nem a um ano de idade, não ia andar, não ia falar, muitas coisas. (risos) E diziam que eu não ia poder engravidar. Se eu engravidasse, tinha muitas chances do bebê ter o mesmo problema que o meu. Então eu tinha medo que acontecesse alguma coisa, que ela não nascesse. Muitos medos.
P/1 – E quando ela nasceu?
R – Perfeita. Linda, chorona, chorava muito. Quando ela nasceu foi um orgulho, eu me senti a melhor pessoa do mundo, consegui e ela me ensinou muito, mesmo, né, Melissa? Me ensinou a ter paciência, porque ela chorava muito, então eu tive que ter muita paciência, muita, porque era choro da hora que acordava, até a hora de dormir, né, Melissa? Chorava muito.
P/1 – Que aprendizados você teve com a maternidade?
R – Muitos. Muitos, mesmo. Aí, quando eu olhei pra ela, eu falei: “Não, não vai ficar só uma. Eu tenho que ter mais uma, porque é muito bom ser mãe”. E aí veio quem? A Júlia, que é o oposto da Melissa. Ela não chorava, dormia muito, não me deu trabalho nenhum quando era bebê, nenhum. Dormia dando risada. Em qualquer lugar era mamar e dormir, super quietinha e agora é o oposto. Depois que eu trabalhei na Zoonoses, eu gostava muito, eu trabalhava muito. Na Melissa não achava certo eu trabalhar muito e ficar com ela só à noite. Então o meu sonho era prestar outro concurso. Estudei, passei e aí fui trabalhar em escola e lá eu trabalhava meio período. Num período eu ganhava bem mais do que eu ganhava antes. Aí me chamaram, eu aceitei e engravidei da Júlia. Então agora eu trabalho num domingo e no outro domingo eu cuido das crianças.
P/1 – E como é o seu trabalho?
R – É muito bom. Trabalhar com criança é todo dia uma descoberta. Eles fazem coisas que a gente não imagina que eles fazem, mas é muito bom você ver que você pode mudar a vida de alguém, o começo da vida de alguém. Você vê aquele bebê que chega no colo e em alguns meses ele está engatinhando e daqui alguns dias caminhando e de repente ele está falando. Isso é uma coisa que você vê na maternidade, mas você ver no outro é muito legal.
P/1 – Tem alguma história marcante, com alguma criança da creche, que te impacta?
R – Tem algumas histórias, mas a história mais marcante que eu tenho é o meu próprio filho: o meu filho estava brincando, ele pegou uma bala, chupou e engasgou e ele ficou roxinho. De repente veio alguém e falou: “Tome, ele está engasgado”. Daí eu, como mãe, tive que desengasgá-lo e isso, pra mim, foi muito marcante porque, na creche, a gente faz um curso de Primeiros Socorros. Na creche a gente fala muito: “Olha, se acontecer você tem que fazer isso e aquilo”, mas você não imagina que vai acontecer. Você fala: “Não vai acontecer. Está tudo bem”. E de repente isso acontece com seu filho! Eu lembro, foi muito marcante pra mim, eu fiquei muito emocionada, eu consegui desengasgá-lo. Isso, pra mim, é uma coisa que mexe muito comigo, porque podia ter sido qualquer criança, mas foi a minha criança, isso é muito forte.
P/1 – E você está na creche há quanto tempo?
R – Sete anos.
P/1 – E nesse meio-tempo o Benjamim nasceu?
R – Nasceu, na pandemia. Eu lembro que eu engravidei no começo da pandemia e eu só fui descobrir que estava grávida depois de três meses, porque eu estava me sentindo muito mal, fui fazer ultrassom e estava ele lá, se mexendo. A médica ainda falou: “Você tem filhos?” Aí eu falei: “Tenho duas meninas” “Ah, olha um menino aqui!” E eu: “Hummm!” E aí foi uma gravidez tranquila, porque eu estava em casa. Na pandemia não teve aula, então eu fiquei só me dedicando pras crianças e ele nasceu ainda estava na pandemia.
R/2 – E eu não lembro disso.
R – E aí, depois, quando eu voltei a trabalhar, ele já foi pra creche, junto comigo. Então, ele se desenvolveu na creche, mas na creche no meu trabalho e foi muito legal. A Melissa não foi e a Júlia também não, só o único que foi na creche que eu trabalho, mesmo.
R/4 – Não, mãe, eu fui.
R – Ah, é, você foi no último ano, mas não quando era bebezinha. É verdade.
P/1 – E como foi a pandemia pra vocês?
R – Olha, eu vou te falar que pra mim foi bom, porque eu pude ‘curtir’ cada momento, eu pude cuidar de tudo, não tinha aquela correria de ter que trabalhar, ter que fazer tudo correndo, tem que dormir. Então, foi bom, porque eu fiquei em casa, eu ‘curti’ bastante, eu fiquei mais próxima ainda da minha mãe, que eu sou muito próxima da minha mãe, mas fiquei mais ainda. (risos) Então, foi bom. Não tive nenhum problema, não perdi nenhuma pessoa na minha família. Então, pra mim, no geral, foi bom.
P/1 – E você casou?
R – Eu casei no civil, não no religioso.
P/1 – E como foi esse dia pra vocês?
R – Eu já morava com ele, então foi só pra oficializar, mas foi muito bom, porque eu casei no dia do meu aniversário e no dia do aniversário da minha vó, que ela faz no mesmo dia que eu. Então foi uma comemoração tripla. Era carnaval também, então foi uma festa beira-mar, foi bem legal, eu gostei bastante. Meu marido já tinha dois filhos, então eu já tinha dois filhos, foi muito bom. (risos)
P/1 – E me conta a história do casaquinho azul.
R – Conto. Esse casaco é muito especial pra minha mãe, então quando eu usei, a lembrança que eu tenho de usá-lo é a da minha escola, porque o meu uniforme era dessa cor e a minha mãe sempre gostou de combinar tudo. Se eu deixasse até a meia e a calcinha era combinando. Então meu uniforme era dessa cor, eu usava-o. Apesar de eu ter o uniforme, um casaco da escola, eu lembro de usar e eu lembro como a minha mãe ficava feliz quando ela me via usando. Então, pra mim, a história dele é a da minha mãe. É a felicidade dela, o amor que ela passou pros irmãos, pra mim, pra minha irmã e agora passa pros meus filhos.
P/1 – Você lembra da sua... então, o mais marcante pra você era ir pra escola?
R – É. Foi o mais marcante ir pra escola e também uma coisa muito marcante: minha mãe tira foto de tudo. Tudo, tudo, tudo minha mãe tira foto. Eu me lembro, ela falava: “Vamos tirar foto”. Aí fazia pose pra tirar foto. Todo aquele trabalho, arruma o cenário pra tirar foto. É mais marcante pra mim: tirar foto e ir pra escola.
P/1 – E ela te contou, quando ela te deu o casaco, a história...
R – Contou. Ela sempre conta, sempre me falou que o pai dela ganhou esse casaquinho, que veio no navio, de doação, ela não tinha roupa nenhuma. Nossa, a única roupa de frio que ela tinha ela usou, todos os irmãos dela usaram e que agora eu ia usar, aí ela colocou e como eu era muito pequena, usei muito pouco. Eu acho que eu fui a que mais usou, porque eu não crescia muito. Então eu usei de pequenininha, até dez anos. Eu era bem pequena. Eu usei muito. (risos)
P/1 – Como foi você ver sua irmã usando esse casaco?
R – Olha que legal! Minha irmã usando uma roupa que foi minha, da minha mãe, dos meus tios. Só que na minha mãe e nos meus tios eu não tinha essa lembrança, só da minha mãe contar. Agora eu usei, tive a lembrança e ver a minha irmã usando foi muito legal, mas mais emocionante ainda foi quando eu vi a Melissa colocando, meio curto. Eu falei: “Nossa, que coisa! Eu usei e agora a minha filha está usando”. Isso é muito legal.
P/1 – Como foi esse dia, você lembra?
R – A minha mãe colocou e ela me falou assim: “Você não acredita o que eu coloquei na sua filha e já está ficando pequeno”. Aí eu fiquei: “O quê?” Ela falou: “Pensa, pensa”. Aí eu pensei, aí ela falou: “Uma coisa...” “Ah, o casaquinho azul!” Aí eu lembrei, falei: “Não acredito”. Ela: “Acredita, eu vou mandar uma foto pra você”. Ela mandou a foto, depois eu vi, né? Eu falei: “Nossa!” Foi tão emocionante, muito legal.
P/1 – E a Júlia?
R – A Júlia foi com minha mãe. Ela que lembra. Ela falou assim: “Olha, já serve na Júlia”. E a Júlia desfilando, desfilando. Ela: “Agora é meu, agora é meu”. Né, Júlia? Aí no outro dia mesmo a minha mãe falou: “Acho que logo, logo quem vai usar é o Ben”. Aí eu falei: “Não, mãe, ele é muito pequeno ainda. Serve pros mais velhos. Não, imagina! Eu usei com oito, nove anos. Não”. Mas eu acho que já deve estar servindo, mesmo.
P/1 – E vocês, como foi pra vocês receber esse casaco? Você se lembra desse dia?
R/2 (Melissa) – Pra mim foi muito emocionante, porque é como se eu sentia que eu estava usando, a vovozinha também e todo mundo da família da família da vovó já passou por esse casaco, os irmãos dela, a mamãe, a minha tia, que é madrinha da Júlia. Eu me senti - foi um momento muito emocionante - eu me senti muito feliz e fiquei muito emocionada.
P/1 – E como é ver sua irmã usando esse casaco?
R/2 (Melissa) – Ai, eu gostei muito, porque eu não gosto muito de dar as minhas roupas, mas foi bem emocionante, porque o casaco já passou por todo mundo e agora chegou a vez da Júlia, foi bem emocionante pra mim.
P/1 – E você, Júlia? O que você achou de receber esse casaco?
R/4 (Júlia) – Muito legal.
P/1 – E você desfilou muito? É?
R – A cor que ela mais gosta é azul, então é azul, né, Júlia? Então ela gostou muito, mesmo.
P/1 – E você gosta dessa história? O que vocês acham?
R – Fala, Júlia.
R/4 (Júlia) – Eu gostei.
R/2 (Melissa) - Eu achei muito legal, como se fosse uma história de aventura, eu adoro. Então, eu gostei bastante dessa história. A gente vai escrever um livro da história do casaquinho azul.
P/1 – Quem vai?
R/2 (Melissa) – A vovó vai escrever e eu vou ilustrar.
P/1 – Uau! E você, Benjamim, o que você acha desse casaquinho? Você já vestiu ele alguma vez?
R/4 (Júlia) – Benjamim, ta falando com você.
P/1 – O que você acha desse casaquinho? Você já vestiu ele alguma vez?
R/2 (Melissa) – Pode falar.
R – Fala, filho.
R/3 (Rosana) – Ajuda ele. A Júlia que vai dar pra ele agora.
R/4 (Júlia) – Dá aqui.
R – Você gosta do casaco, filho?
R/5 (Benjamim) – Gosto.
R – Ele é bonito?
R/5 (Benjamim) – É.
R/3 (Rosana) - De quem é o casaquinho?
R/5 (Benjamim) – É meu.
R – É seu, mas é da vovó, né?
R/3 (Rosana) – Era da Júlia, que está dando pra você. Olha, já está servindo.
R/5 (Benjamim) – Não fecha, não.
P/1 – Que lindo!
R/3 (Rosana) – Não tira, não.
R – Júlia, deixa ele.
R/3 (Rosana) – De quem é o casaquinho azul?
R/5 (Benjamim) – É seu.
R/3 (Rosana) – É meu?
R/4 (Júlia) – Não, mas de quem é agora.
R/3 (Rosana) – Agora é do Benjamin.
R/5 (Benjamim) – Eu quero ir pra sua sala.
R/3 (Rosana) – Então fala, Julinha, você vai dar o casaquinho azul pra ele. Deixa-a dar o casaquinho azul, pra você vir pra sala da vovó. Vai.
R/4 (Júlia) – Pra você, Ben.
R – Ele vai derrubar a câmera.
R/3 (Rosana) – Vai ali, pra ela dar pra você. Dá pra ele e fala: “Agora o casaquinho é seu”. Agora o casaquinho é seu? Então, vem.
R – Ai, meu Deus!
R/3 (Rosana) – Esse menino está ‘causando’.
R – É, ele ‘causa’.
R/3 (Rosana) – Coitado do casaquinho azul!
P/1 – E, Mari, o que... você consegue descrever o que esse casaco representa pra você, pra sua família, do seu ponto de vista da história?
R – Amor... deixa eu pensar... a história da família sendo passada, um pedacinho de cada um, como se fosse um pedaço da vida de cada um, que foi passando. Eu acho que é isso.
P/1 – Vocês guardam de algum modo específico, ou...
R – Na verdade, quem guarda é minha mãe. Ela guarda num saquinho, dobradinho. Já faz tempo que ele está guardado, né, mãe?
R/3 (Rosana) – Agora está no uso, né?
R – Está no uso. Mas estava guardado junto com outras coisas importantes.
P/1 – E você pretende guardar esse casaco, no futuro?
R – Bom, eu pretendia, mas a minha mãe já passou pra Melissa, ela já foi anunciando pra Melissa, então, ____ é com ela, mas eu conhecendo a Melissa ela vai perder tudo, mas o casaco vai estar com ela, porque tudo que é dela ela não se desfaz, é dela pra sempre.
P/1 – E você, o que você acha disso? Você está animada, não está?
R/2 (Melissa) – Eu estou muito animada, eu vou guardá-lo muito bem guardadinho, muito bem arrumadinho e ele não vai estragar, não vai rasgar, nadinha disso.
P/1 - Você vai querer passar pra outras pessoas da sua família?
R/2 (Melissa) – Vou.
P/1 – Tem essa vontade?
R/2 (Melissa) – Sim.
P/1 – Muito bom! Quer fazer alguma pergunta?
P/2 – Você tem algum primo da família da mãe de vocês?
R – Tenho.
P/2 – Eles também usam?
R – Não, porque como são muito próximos, eu tenho dois sobrinhos: um com a Júlia, que nasceu praticamente no mesmo mês que ela e o outro da idade do Ben, que nasceu praticamente junto com ele. Então, assim que eles usaram... ela usou, agora passou pro Ben e só se minha irmã tiver outros filhos, mas não por causa disso, porque a minha irmã que teve filho é da parte do meu pai biológico.
P/1 – E quais são as coisas mais importantes pra você hoje?
R – A família. Os meus filhos são as coisas mais importantes pra mim. No caso, eles mesmo. A minha mãe está no mesmo nível que meus filhos. (risos) Minha família, em geral. Acho que o mais importante é isso. O resto a gente vai ‘correndo atrás’.
P/1 – E o que você gosta de fazer hoje? O que você mais gosta de fazer?
R – Eu gosto de viajar, de passear com as crianças. Dormir, quando eu posso, (risos) que é uma coisa rara. Gosto de sair, conversar, essas coisas. Coisas comuns. Nada de especial.
P/1 – E quais são seus maiores sonhos?
R – Eu quero poder viajar pra Itália.
R/4 (Júlia) – Mas ela vai viajar pra Itália.
R – É, ela tem certeza que eu vou. Eu quero ser feliz, viver bastante, ver meus filhos bem, cada um seguindo a sua vida. É isso.
P/1 – E você gostaria de acrescentar algo mais, contar alguma coisa que não tenha te perguntando, alguma passagem?
R – Não, está tudo bem. (risos)
P/3 - Eu tenho uma coisa: a sua mãe comentou que você é multi-instrumentista. Como é que foi aprender essa habilidade musical? Você estava comentando comigo que começou com piano. Como foi? De onde surgiu essa iniciativa? Você os tem até representados, ali em cima.
R – Tem. Na verdade, a minha mãe sempre quis me dar oportunidades, então ela me colocou pra fazer aula de teclado e eu fazia em casa e fui aprendendo e prática, até que eu comecei a olhar essas revistinhas, aí eu já fui no violão, na guitarra. Eu sempre fui curiosa e fui tocando na revistinha, aí veio a internet, aí eu comecei a tocar na internet também e também na igreja a gente tem muita oportunidade de aprender, grupos, pessoas da mesma idade. No caso eu querer aprender mais. E aí foi indo. Aí, como a minha mãe já até comentou: eu sou melhor ensinando do que fazendo. Eu sei tocar, mas eu ensino melhor do que eu toco. É uma coisa muito ‘louca’, porque eu falo: “Gente, eu ensinei o que nem eu sabia direito”. E a pessoa aprendeu e faz melhor do que eu. É muito legal.
P/1 – E pra quem você ensina?
R – Eu ensinava pras crianças do projeto da minha mãe. Então, eu dava aula de todos os instrumentos e também depois… então, que eu comecei a dar aula nas igrejas, então eu ia na igreja e ensinava um grupo, na outra igreja ensinava outro grupo e assim foi indo. Agora não ensino mais, porque a minha vida é outra: eu trabalho, estudo, cuido da casa, então não tenho tempo, mas se precisar eu ensino de novo, não tem problema. (risos)
P/1 – E você tem outros hobbies?
R – Tenho. Eu gosto muito de ir no parque e agora eu descobri um evento de carrinho de rolimã, é muito legal, já levei as crianças, a minha mãe também já foi, é muito divertido e sempre que eu posso eu vou, porque é bem legal.
P/3 – E você teve banda também, né?
R – É verdade. Eu tive banda cover Rebelde, RBD cover. Depois eu tive outras bandas… MPB também, toquei, inclusive toquei na faculdade da minha mãe, foi bem legal. Agora eu não toco mais.
P/3 – E as suas irmãs viraram cantoras?
R – Sim, minha irmã. Ela canta no teatro, trabalha com musical. Ela canta, canta muito bem.
P/3 (Rosana) – E a Beatriz tem banda também. [Corte/Pausa]
R – Na verdade, a Pedagogia eu comecei a fazer pra poder melhorar o meu profissional, porque eu já trabalho em creche, mas como auxiliar. Então, eu quero fazer Pedagogia pra dar aula, ser professora, mas não porque eu sei ensinar, porque ensinar não é o foco, é porque eu quero melhorar mesmo o meu profissional.
P/1 – E como está sendo a faculdade?
R – ‘Corrido’, cansativo, mas a gente chega lá. [Corte/Pausa]
Eu acho que ninguém sabia direito sobre o que eu tenho realmente, falaram muitas coisas pra minha mãe e ela nunca falou: “Ah, tá bom. Então já que não tem jeito, não tem jeito”. Ela sempre falou: “Não, ela vai conseguir”. Isso acho que fez toda a diferença. Então, acho que isso faz toda a diferença. Você falar: “Eu consigo”. Agora eu nem penso mais nisso porque, pra mim, isso foi o que eles achavam, o que eles tinham naquela época, então eu tenho certeza que não é nada disso. Então, pra mim está superado. [Corte/Pausa]
Eu presto concurso e você tem uma nota e aí você ganha a sua classificação. Aí uma moça que _______ estava falando que a creche dela era melhor, que a creche dela era bom, tinha mais coisas. Aí, eu conversando com ela e mais uma amiga nossa, a gente falou: “Acho que a gente vai para a sua creche então”. Aí ela falou assim: “Mas você não vai conseguir de manhã, porque de manhã só consegue quem tem classificação melhor”. Aí a minha amiga olhou assim e falou: “Tá bom, mas qual é a classificação melhor, pra você?” Ela falou: “Não sei. Qual é a sua?” Aí ela falou: “A dela está em terceiro lugar”. Aí ela: “Ah, então você consegue”. Então tipo assim, as pessoas julgam muito, aí quando elas veem que não é nada daquilo, elas ficam tipo meio: “Nossa”. É que nem, as pessoas falam: “Nossa, mas você tem três filhos?” Então, as pessoas ainda pensam, ainda julgam, ainda olham, mas não importa, o que importa é o que eu sou, é o que eu tenho. Isso é o que importa.
P/1 – E o que você vai deixar como legado?
R – Não sei. Pra mim o mais importante é eles estarem bem, felizes, é o amor deles um com o outro, acho que isso é o mais importante. E o casaquinho azul. (risos)
P/1 – (risos) E como foi contar a sua história, dividir um pouquinho com a gente?
R – Foi bom. Eu achei que eu ia ficar mais nervosa, mas foi bom.
P/1 – Oba! É isso. Muito, muito, muito obrigada!Recolher