Projeto: 50 Anos da Ponte Rio Niterói
Entrevista de Carlos Henrique Paiva Siqueira
Entrevistado por Paula Ribeiro
Rio de Janeiro, 26 de fevereiro de 2024
Código da entrevista PRN_HV005
Revisado por Nataniel Torres
P - Bom dia, Siqueira! Gostaria imensamente de agradecer a sua participação no projeto, concedendo um depoimento oral para o projeto comemorativo dos 50 anos da ponte. Você tem muitas histórias e uma memória maravilhosa. Vamos então compartilhar um pouco dessa tua experiência vivida com a Ponte Rio-Niterói nesses últimos 52 anos. Então, eu vou começar pedindo, por favor, que você nos forneça seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Carlos Henrique Paiva Siqueira, eu sou paraibano de João Pessoa, da capital, nasci no dia 4 de março de 1948.
P - Seus pais, nome completo e profissão do pai, por favor? E da mãe?
R - Agnaldo Siqueira e Lucinda Paiva Siqueira. Mamãe prendas domésticas, papai no ramo de hotelaria, em João Pessoa. Ele era proprietário do hotel Globo.
P - E os avós? Conhece um pouco a história, a origem dos avós maternos e paternos?
R - Meus avós maternos, eu não conheci. A minha mãe falava que o meu avô era o representante da Shell no Brasil, ele viajava muito, por isso que a minha mãe era interna, porque ele não parava em cidade, Curitiba, São Paulo, Rio. Então, a minha mãe foi interna. O nome dele era Carlos Paiva. Os meus avós paternos, estes sim, eu conheci, meu avô se chamava Henrique Siqueira e minha avó Aurenita dos Guimarães Siqueira. O meu avô, Henrique Siqueira, foi a referência pra mim de minha vida, era um homem extremamente honrado, honesto e trabalhador. Amealhou fortunas com o ramo da hotelaria. E o Hotel Globo, na época dele, era considerado o top lá de João Pessoa, se hospedavam várias pessoas ilustres, inclusive João Pessoa e outros governadores, Getúlio Vargas. E meu avô sempre teve uma dinâmica de trabalho muito grande e passou isso para mim. O meu nome,...
Continuar leituraProjeto: 50 Anos da Ponte Rio Niterói
Entrevista de Carlos Henrique Paiva Siqueira
Entrevistado por Paula Ribeiro
Rio de Janeiro, 26 de fevereiro de 2024
Código da entrevista PRN_HV005
Revisado por Nataniel Torres
P - Bom dia, Siqueira! Gostaria imensamente de agradecer a sua participação no projeto, concedendo um depoimento oral para o projeto comemorativo dos 50 anos da ponte. Você tem muitas histórias e uma memória maravilhosa. Vamos então compartilhar um pouco dessa tua experiência vivida com a Ponte Rio-Niterói nesses últimos 52 anos. Então, eu vou começar pedindo, por favor, que você nos forneça seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Carlos Henrique Paiva Siqueira, eu sou paraibano de João Pessoa, da capital, nasci no dia 4 de março de 1948.
P - Seus pais, nome completo e profissão do pai, por favor? E da mãe?
R - Agnaldo Siqueira e Lucinda Paiva Siqueira. Mamãe prendas domésticas, papai no ramo de hotelaria, em João Pessoa. Ele era proprietário do hotel Globo.
P - E os avós? Conhece um pouco a história, a origem dos avós maternos e paternos?
R - Meus avós maternos, eu não conheci. A minha mãe falava que o meu avô era o representante da Shell no Brasil, ele viajava muito, por isso que a minha mãe era interna, porque ele não parava em cidade, Curitiba, São Paulo, Rio. Então, a minha mãe foi interna. O nome dele era Carlos Paiva. Os meus avós paternos, estes sim, eu conheci, meu avô se chamava Henrique Siqueira e minha avó Aurenita dos Guimarães Siqueira. O meu avô, Henrique Siqueira, foi a referência pra mim de minha vida, era um homem extremamente honrado, honesto e trabalhador. Amealhou fortunas com o ramo da hotelaria. E o Hotel Globo, na época dele, era considerado o top lá de João Pessoa, se hospedavam várias pessoas ilustres, inclusive João Pessoa e outros governadores, Getúlio Vargas. E meu avô sempre teve uma dinâmica de trabalho muito grande e passou isso para mim. O meu nome, Carlos Henrique Paiva Siqueira, deriva da união dos dois avós, Carlos Paiva e Henrique Siqueira.
P - Você poderia contar um pouquinho, como que era um pouco do seu viver. Como é que era sua casa na infância? Você tinha irmãos? Como é que era um dia na sua casa, na sua infância? Que bairro você morava, por favor?
R - Basicamente a minha infância foi num local que hoje é o Centro Histórico de João Pessoa da Paraíba, chama-se… Eu morava na Praça São Pedro Gonçalves, número 36, em frente a uma igreja. Minha mãe era muito católica e eu estudei sempre um colégio de padre, de forma que eu tive uma infância muito sadia, muito feliz. Eu era um… Nós éramos, vamos dizer assim, um ramo pobre de uma família rica, meu avô tinha muito dinheiro, mas o meu pai não teve tanta sorte quanto ele, a gente era um pouco privado de certas coisas. Mas eu me recordo, minha infância foi muito feliz, eu fui muito feliz. Eu brincava de jogar bola na rua, jogar bola gude, peão, essas coisas todas. E naquela região, naquele entorno, eu era muito conhecido, e eu tinha um apelido chamado “Riquinho”, por causa do Henrique, então, ali todo mundo me conhecia. Eu nunca volto a minha terra, João Pessoa, e eu vou todo ano, sem que eu vá a casa onde eu morei, que fica em frente ao hotel do meu pai. E quando eu chego lá, as reminiscências são muito grandes, mas é um tipo de saudade gostosa de sentir. Então, eu não gosto de falar muito nisso porque quem me dera voltar àquela época, se eu descobrisse a fonte de Ponce de León, quando a gente bebesse a água e voltasse a ser jovem, com certeza eu faria isso.
P - São boas memórias, memórias afetivas, né?
R - Muito bom!
P - Você tem irmãos?
R - Eu tenho três irmãs, uma mora em João Pessoa, outra mora no Recife e outra mora em Brasília. Eu tinha um irmão, 11 anos mais novo do que eu, ele por problemas pulmonares, fumava muito, faleceu com 29 anos. Ele me ajudou muito na ponte Rio-Niterói, ele era engenheiro civil também. Os caixões metálicos da ponte Rio-Niterói estão hoje nessas condições, satisfatórias, digamos assim, estruturais e de segurança, por conta lá atrás do que ele fez. Ele era muito inteligente, muito mais do que eu, uma pessoa extremamente pesquisadora e me ajudou muito na ponte Rio-Niterói. Então, resumindo eu tinha três irmãs e um irmão, esse irmão faleceu e agora somos quatro. Eu sou o mais jovem de toda a família.
P - O nome, por favor?
R - É Eliane, Eliete e Erlanda Siqueira, Paiva Siqueira, e Agnaldo Siqueira Filho, que a gente chamava carinhosamente de Júnior, Júnior Siqueira.
P - Em relação a comidas, essa memória um pouquinho… Lembra na sua infância o que que comia? Algum festejo, uma festa de Páscoa ou Natal, já que a família era católica, alguma procissão? Poderia nos contar, por favor?
R - A minha mãe era de origem baiana, ela não gostava de cozinhar, mas ela quando pilotava um fogão, era uma exorbitância de bom. E ela era muito gulosa, comia tudo, tudo que você colocasse ela comia, e ela dizia sempre: “Não pode deixar comida no prato, não pode se perder nada”. E eu passei a ser guloso igual a ela, eu gosto de tudo, o que vier na minha frente eu traço, até cebola, menos crua, o resto eu traço. A gastronomia de João Pessoa, da Paraíba, era muito salutar, nós tínhamos galinha de cabidela, que é o frango ao molho pardo, sarapatel, leitão, cabrito. Meu pai fazia um cabrito que era espetacular, por sinal, o papai e toda a família dele, os irmãos e irmãs, eram exímios cozinheiros. Um irmão do meu pai, que foi durante algum tempo cozinheiro do hotel, Quitandinha, lá em Petrópolis, ele toda vez que Getúlio Vargas vinha para o Rio de Janeiro e esse hospedava lá, convidava para esse meu tio fazer o jantar dele. Ele fazia um leitão que era um absurdo, que Getúlio Vargas gostava muito. Então eu repito, eu era muito guloso e ainda sou.
P - E em relação algum festejo, alguma festa, você lembra alguma festa católica que era mais comemorada pela família, por favor?
R - Nós morávamos em frente a uma igreja, de minha casa para igreja era só atravessar a rua, dava o que? Uns cinco metros. E nós íamos à missa todo domingo e no mês de maio, durante o mês inteiro, tinha naquela época, a coroação de Nossa Senhora e culminava com uma festa muito bonita, no dia 31 de maio, em que a igreja ficava repleta de gente e tinha coroação de Nossa Senhora. Isso nunca me sai da retina, nem da minha memória, era uma coisa que mexia comigo, mexia muito mesmo, não só pelo lado emocional da minha religião, da minha crença, como também pelo lado da festividade. Eu conhecia todos os padres, conhecia todo mundo ali, então isso realmente marcou a minha vida. Além disso, tinha uma festa tradicional lá em João Pessoa, que se chamava a Festa das Neves, que é a padroeira da cidade, e era em agosto, e no dia 5 de agosto, fundação da cidade, culminava com a procissão de Nossa Senhora das Neves, tinha parte de diversão, barraca de cachorro quente, pescaria, aquilo para mim era um deleite. E um dos donos de carrossel, roda gigante, montanha russa, essa coisa toda, se hospedava no hotel do meu pai, nessa época. Então, pra mim era melhor ainda, porque ele deixava eu ir de graça em tudo quanto era brinquedo, eu fazia a festa, chegava de manhã e saía à noite. Belos tempos, bons tempos, saudosos tempos, felizes tempos da minha infância.
P - Ainda em relação ao hotel do seu pai, a casa ainda existe? O Hotel Globo ficou na família até quando, mais ou menos?
R - O meu avô, quando era vivo, o papai estava sem profissão, sem emprego, ele tinha tido duas sapatarias e foi à falência e o vovô resolveu se afastar do hotel e passou o hotel para o papai tomar conta.
P - Você está falando em que época, mais ou menos?
R - Isso na década de 50, 1958, por aí. E o papai assumiu o Hotel Globo, de forma que quando o vovô faleceu, os bens dele foram divididos pelos oito irmãos. E coube ao papai, que já estava lá, o hotel ficar para ele. O Hotel Globo, é hoje em dia, vamos dizer assim, um tipo de um museu, especial. Foi arrendado um certo tempo pelo governo do estado, papai depois vendeu ao Consulado Espanhol, passou a ser durante um certo tempo, se eu não me engano, algo voltado ao cônsul da Espanha. De forma que hoje, o Hotel Globo, é um ponto turístico de João Pessoa. Toda vez que eu vou lá, como eu falei, eu vou dar uma olhada no Hotel Globo, lembrar da minha infância. E sempre tem muita gente olhando, tem uma vista, o Hotel Globo tem uma vista de uma grande varanda externa dele, que dá para o rio Sanhauá, de João Pessoa. Pra mim, é o mais lindo pôr do sol que eu já vi, não tem nada igual. Então, desde criança que eu admiro isso, quando eu vou lá, quando eu tenho possibilidade, eu espero o sol, ao ocaso, para verificar isso aí. O Hotel Globo, realmente, era e é, um marco da cidade de João Pessoa, faz parte da história de João Pessoa, na Paraíba.
P - Em relação ao período escolar, conta um pouquinho as suas memórias da escola? Os irmãos todos frequentavam a mesma escola? A escola era perto de casa? Você lembra o uniforme, material escolar? Só pra gente entender o nosso “Engenheiro Siqueira”, como é que tudo começou? Alguma professora que tenha te marcado, por favor?
R - Nós morávamos na cidade baixa de João Pessoa. João Pessoa tem muitas ladeiras, nós morávamos na cidade baixa, nós não morávamos no lado nobre da cidade, nós morávamos no lado pobre da cidade. Então, para eu ir para o meu colégio, que ficava no topo lá das montanhas de João Pessoa, digamos assim, eu tinha que subir uma ladeira, que era um sacrifício muito grande, se naquela época, eu jovem, já era sacrificante, hoje, se talvez fosse subir aquela ladeira, eu pararia umas três vezes, principalmente no meio da parada, se tivesse uma gelada, uma cerveja, eu tomaria, para me reabastecer pra poder subir. Eu estudei em colégio de padre, toda vida. Primeiro em colégio de freira, que se chamava Colégio Nossa Senhora de Lourdes, jardim da infância, ainda me lembro como se fosse hoje. Eu tenho memórias minhas, eu vou abrir um parênteses, muito interessante, eu me lembro quando eu tinha três anos, que o papai e a mamãe foram com um casal amigo, à Campina Grande na Paraíba, e insistiram em me levar, e eu pequeno perguntei a eles se passava por pontes, se na estrada tinha pontes. E eles ficaram muito satisfeitos imaginando que ia ser bom para mim, disseram que tinha várias pontes. E eu comecei a chorar, porque eu não passava por ponte, de tanto medo que eu tinha. Eu imaginava, com três anos, que se eu passasse na ponte, aquilo cairia. Eu chorei muito. Papai e mamãe viram o meu clamor de criança e resolveram me deixar. Veja que coisa, eu tinha medo de ponte quando era criança, hoje eu trabalho numa ponte icônica, há 52 anos. Mas voltando à minha infância, meu colégio, primeiro foi a Lourdina, no Jardim da infância, posteriormente estudei no Colégio Pio XII. Nesse Colégio Pio XII, eu fiz muitas amizades, era de padres e fui até, naquela época, primeiro ano científico. Depois eu passei pelo Liceu Paraibano, nos dois últimos anos científicos, até que eu fiz vestibular e entrei na Escola de Engenharia. Eu me lembro de várias professoras minhas e vários professores, eu era um bom aluno, principalmente por conta dos arrochos que eu levava da mamãe, se hoje eu tô formado, eu devo a ela, porque por mim eu chegava da escola, tirava a roupa e ia pra gandaia, jogar bola, fazer isso, pescar no rio Sanhauá e a mamãe não deixava, depois que eu fizesse as lições, os deveres de casa e desse as lições a ela, eu poderia brincar. Então eu estudei no Pio XII, dez anos e estudei no Colégio Estadual, durante dois anos. O Estadual era grátis e o Pio XII era pago. Papai, nessa época, tinha muita dificuldade de pagar a minha escola. E as minhas irmãs estudavam, às três, no Colégio Nossa Senhora de Lourdes, o Lourdinha. E por conta disso, sabendo da situação financeira do papai, as freiras faziam abatimentos para as três, porque eram três. Eu me lembro de vários professores, a diretora, Dona Iracema, Dona Alaíde, eram pessoas… Dona Francinete, Dona Edmar, Dona Dalvinha. Tinha professores também, professor Ercilio, de história. E como eu falei, eu sempre fui um bom aluno, eu sempre estava entre os três, quatro, primeiros alunos da turma. Isso mamãe ficava muito enaltecida, muito engrandecida, muito envaidecida, porque ela sabia que no fundo, no fundo, parte daquilo ali eu devia a ela. E no final do ano eu tinha entrega de diploma, aquela coisa toda, eu sempre estava no topo do ranking. Ela ficava muito feliz e eu também.
P - Alguma matéria que você mais gostava, que se debruçava mais, ou que não gostava? Que não gostava, não, não tinha tanto interesse?
R - Não. Eu gostava muito de inglês, francês, história e geografia. Pasmem, não gostava de matemática, nem era um bom aluno em matemática, se eu estudasse uma hora de geografia, para eu aprender aquela mesma quantidade que eu aprendi de Geografia em matemática, eu tinha que estudar quatro ou cinco horas. Mas o destino me levou a fazer vestibular de Engenharia. E hoje eu não me vejo numa profissão que não seja de engenheiro. Eu posso não ter nada, assim, da minha vida, mas eu tenho uma benesse do destino, que foi eu entrar na ponte Rio-Niterói e tá lá até agora. Isso é fruto lá de trás, mesmo não tendo gostado de matemática. Geografia eu gostava muito, muito, só tirava dez, francês eu era primeiro aluno, história era o primeiro, segundo aluno, sempre gostei muito de história, mas matemática era difícil. Português eu não era tão bom, eu não redigia bem, e hoje, de tanto fazer relatório, tenho obrigação de escrever um pouquinho melhor do que naquela época.
P - Sua mãe ficaria muito satisfeita. Siqueira, havia uma diferença entre educação das filhas meninas, para os meninos? Algum tipo de expectativa ou profissional ou de carreira, não sei?
R - As minhas irmãs… Eu era mais novo do que elas, mas eu nunca vi, nunca vi nelas, vamos dizer assim, um prognóstico futuro de um profissionalismo. João Pessoa era uma cidade muito pequena naquela época, provinciana realmente, e as mulheres eram preparadas para ter uma base de educação de escola, mas fundamentalmente para casar. E o homem não, era o contrário. Eu sempre ouvia isso: “Você vai ser o chefe da família, você vai ser o arrendo da família, você tem que saber algo mais". Então, foi assim que eu fui criado. E as minhas irmãs também. Elas casaram bem mais cedo do que eu, e apenas uma delas conseguiu, enveredou, pelo caminho do profissionalismo, porque ela conhecia muito bem inglês e fundou em Brasília uma escola de inglês. O nome dela é Erlanda e ela fez um homônimo, botou Erlene, o nome da escola dela. E ela usufruiu disso durante muito tempo. As outras duas casaram e nunca levaram adiante uma profissão, exceto a de João Pessoa, que resolveu fazer no fundo da casa dela, uma escolinha pequena de reforço escolar de garotos. Então, esse foi o cenário que se delineou na minha época de estudante, Eu tinha que estudar porque lá na frente, eu sempre ouvia isso: “Você não vai ter seus pais e você não vai se sustentado por uma mulher, você quem vai sustentar". Naquela época era assim! Hoje mudou completamente. Eu, quando fiz engenharia, tinham quatro mulheres na minha turma, hoje quando eu dou aula no curso de mestrado, basicamente a turma é dividida, metade homem, metade mulher.
P - Mas vocês brincavam juntos, as meninas com os meninos? Havia diferença, um pouco também, de brincadeiras?
R - Normalmente eu brigava mais com minhas irmãs do que brincava. Era sempre separado, as meninas brincavam de um lado e meninos do outro, e sinceramente, eu nem me preocupava muito com as brincadeiras das minhas irmãs, porque quando dava a minha hora, que eu podia ir brincar, eu não tomava nem conhecimento, abria o portão lá de casa e ia para o que minha mãe chamava, no bom sentido, me juntar a molecagem, e brincar. Engraçado que mamãe dizia: “Você se junta com esse pessoal que não tem tanta instrução, que você vai ficar igual a eles". Ledo engano dela, quando eu me juntava com esse pessoal, eles me viam como um exemplo diferenciado. E isso eu passei para eles uma imagem, que alguns deles seguiram um caminho melhor de educação por conta disso. Mamãe não sabe disso, ela imaginava que eu ia me perder nisso aí, foi o contrário. Essa era a realidade que eu tinha como infância.
P - E em relação à juventude, como foi um pouco da sua juventude, no teu científico? Como é que era, tinha baile, festa em igreja, vocês saiam, vocês viajavam no estado, iam para outras cidades? Como é que foi a juventude? Que músicas vocês ouviam?
R - Bom, eu sou da época do Roberto Carlos, iniciando, Jovem Guarda e dos Beatles, aquilo marcou muito a minha vida. Eu era muito… não digo muito namoradeiro, mas eu era muito paquerado, eu tinha um cabelo muito maior do que o seu, meu cabelo vinha no ombro, eu tinha uma cabeleira que era um absurdo de grande. E naquela época, uma cidade provinciana como João Pessoa, eu recebia alguns adjetivos meio pejorativos, que entrava aqui e sai aqui, eu nunca liguei para isso né.
P - Como quais?
R - Nunca liguei para isso.
P - Mas quais? Cabeludo?
R - Cabeludo, bicha, afeminado, não é homem, coisas assim. Eu adorava, porque enquanto eles diziam isso, eu tava namorando com as irmãs dele, ou até as próprias namoradas. Diziam as garotas naquela época, a frase que eu ouvia, era: “o Carlos Henrique, o Riquinho dá para o gasto". Então, eu usufruia disso. Mamãe era uma mulher muito bonita e quando eu era jovem as pessoas diziam que parecia muito com ela. Eu não tinha muita grana para viajar, por causa dessa situação. Quando eu tinha 15 anos, meu pai me colocou para trabalhar, eu vou fazer 76 agora, então eu tenho 61 anos trabalhando ininterruptamente. Eu comecei com 15 anos, e isso me trouxe benefício, porque me mostrou o suor que era para ganhar dinheiro. E como eu sabia da dificuldade do meu pai, eu estabeleci com minha mãe uma regra, o meu salário eu compro aqui pra casa, pasta de dente para todo mundo, sabonete para todo mundo, pago luz e água. Isso eu trouxe para mim. E ainda sobrava dinheiro para mim. Mas eu não tinha muita grana para viajar, a minha juventude foi em João Pessoa realmente. Quando eu entrei na escola de engenharia, aí eu já tinha um pouco mais de flexibilidade, eu ia muito ao Recife, e Recife, naquela época, era a terceira cidade do Brasil, então tinha coisas que o João Pessoa nem imaginava que poderia ter, por exemplo, o meu orgulho, a minha vaidade de garoto, me levava a ir pro Recife uma vez, uma vez e meia por mês, uma vez a cada dois meses, só comprar roupa. E por que isso? Porque eu queria que a minha roupa fosse diferenciada das que as pessoas usavam em João Pessoa, era muito triste chegar num baile à noite, tinha quatro, cinco com a mesma camisa sua, então eu ia comprar no Recife. Essa vaidade de garoto que hoje eu não tenho mais. Eu vejo hoje em dia que as pessoas usam calça jeans, toda rasgada, virou moda, na minha época, se estivesse um rasguinho na calça, eu não usava, tem que fazer um remendo muito bom, porque aquilo chamava atenção negativamente. Mas eu tinha uma juventude também muito sadia, gostava muito de dançar, principalmente o rock and roll, na época do Beatles, do Roberto Carlos, do Elvis Presley. E em todo canto que tinha música, restaurante com música em João Pessoa, tava eu lá, e dançava a noite inteira, tomava meu “cuba libre". Mas nunca fui de arrumar confusão, quando eu via a confusão aqui, ou acolá, eu deixava as pessoas brigarem e ficava rodeado de belas damas, que é o que me interessava naquela época.
P - Interessante você ter comentado sobre o trabalho aos 15 anos de idade. Então, conta um pouquinho, vamos rememorar esse seu primeiro trabalho, não sei se foi também uma primeira carteira de trabalho, o que que estava assinado nessa carteira, vamos rememorar um pouquinho, por favor, Siqueira?
R - O meu pai, entre aspas, me “obrigou” a trabalhar por conta da nossa situação financeira. Então, com 15 anos eu fui trabalhar num banco, naquela época em um cargo chamado escriturário. O banco ficava a duzentos metros da minha casa, porém, a escola que eu militava, ficava a três quilômetros, e eu ia a pé para escola de manhã, voltava nas carreiras para casa, trocava de roupa, nem tomava banho, todo suado, metia roupa do banco e corria para o banco. Isso me foi salutar sobre um certo aspecto, mas sobre outra ótica, foi muito negativo para mim. O que que foi de bom nisso aí? Eu aprendi a dar valor ao dinheiro, eu aprendi a ter responsabilidade, eu aprendi um pouco de contabilidade, eu tenho uma boa noção de economia, mesmo que seja daquela época, mas o arcabouço, a raiz, não muda, eu tenho uma boa noção disso. E sobretudo eu me vi igual ao meu avô, eu ganhava, e ele sempre me dizia, nunca gaste tudo que você ganha, e eu guardava a metade, eu guardava metade. E isso no banco, com um certo tempo, eu aplicava num negócio lá, não tinha caderneta de poupança, chamava-se prazo fixo, e o meu prazo fixo era maior do que todos do banco, porque eu juntava muito dinheiro. Esse foi o lado bom! O lado negativo, me roubou muitas horas de estudo, à noite eu tinha que ficar até de madrugada, duas horas da manhã estudando, para às seis da manhã levantar e ir para escola às sete, isso foi muito sacrificante. Como eu era muito jovem, eu tinha que fazer uma vez por semana ginástica, não era educação física, chamava-se ginástica, na escola, e tinha que chegar às seis da manhã lá, isso para mim era mortal. Quando a mamãe ia me tirar da cama, como era a mamãe, era mais delicada. “Mamãe, daqui a pouco eu me levanto". E às vezes eu enrolava e às vezes não ia ou chegava atrasado. Mas aí a mamãe começou a fazer o seguinte: “Você não levanta por mim, o teu pai vai te chamar". Aí não tinha jeito, aí realmente não tinha jeito, eu tinha que sair nas carreiras. Então foi uma época muito difícil para mim. Mas somando as duas situações, o saldo é positivo, muito positivo, por conta disso, eu dei muito valor ao trabalho. E passo essa imagem pros meus filhos. Agora eu lembro que essa imagem de um homem trabalhador, eu herdei do meu avô, isso eu devo a ele. Meu avô na época dele, foi o mais rico da Paraíba, tinham três carros na Paraíba, o do governador, o do prefeito e o do meu avô. E o do meu avô não se chamava com motorista, era chofer. Meu avô tinha quarenta casas alugadas, fazendas, propriedades inteiras em frente ao mar. Isso tudo quando ele foi embora ficou dividido pelos filhos. Este é o homem que me serviu de referência.
P - Você tem o nome dele?
R - Eu tenho o nome dele, Carlos Henrique Paiva Siqueira, o Henrique Siqueira vem dele. O meu neto também, o meu filho colocou… meu neto de 3 anos, vai fazer quatro agora em setembro, o nome dele é Henrique Tarre Siqueira. Então, eu fico muito feliz, porque a mamãe dizia assim: “Você…". Para mim. “Como filho homem, vai poder levar a família adiante com o seu sobrenome". E está acontecendo, tem agora o meu neto que é Siqueira também, porque essa tradição dos Siqueira na Paraíba é notória.
P - Então, Siqueira, dando continuidade às suas memórias na juventude, dessa necessidade de trabalhar, você começou então trabalhando como escriturário? Você desempenhou outro trabalho? E o seu irmão, seu irmão também precisou começar a trabalhar mais cedo, ou ele já foi estudar? Só para a gente entender um pouco a dinâmica dos homens e meninos da casa, por favor?
R - Meu único emprego, fora estar formado, foi em um banco. Eu trabalhei num banco em primeiro lugar, cerca de um ano e meio, e depois eu trabalhei a cerca de um ano em outro banco. Foi a minha primeira… Meu primeiro contrato com carteira assinada, eu ainda tenho isso. E vira e mexe, eu ajeitando minhas coisas lá em casa, me vem aquela carteira de trabalho assinada e me dá uma saudade muito grande. Eu só tive esses dois empregos, antes de me formar, depois quando eu me formei, na própria Universidade, eu fui convidado para dar aula, eu era monitor de uma cadeira “resistência dos materiais". Eu estava no quinto ano da escola e comecei a lecionar. Muito bem, o meu irmão Júnior, ele trabalhou também, dando aula em colégio particular, ele dava aula de inglês, dava aula de matemática. Junior sempre foi um garoto muito inteligente.
P - Bom, vocês todos são da área de educação, né? A irmã em Brasília teve curso, a outra tem um reforço escolar.
R - Exatamente. O Júnior ensinava no colégio, que naquela época se chamava Sagrado Coração de Jesus, matemática e outras outras matérias, ele era muito bom, como eu falei. E sempre foi disparado o primeiro de turma. Quando ele se formou-se, eu logo trouxe ele aqui para o Rio e ele morou uns tempos comigo e foi trabalhar na ponte Rio-Niterói. Foi a minha sorte, porque os caixões metálicos da ponte, ficou sobre a égide técnica dele e de outro engenheiro americano, amigo nosso, chamado Raulsa. E eles tomavam conta desses caixões metálicos com muito carinho, muito carinho mesmo. O Júnior aqui no Rio, eu dava aula também na Universidade Veiga de Almeida, de materiais de construção, ele assistiu algumas aulas minhas. Ele era uma pessoa muito focada em direitos humanos, ele exigia muito do trabalhador dele na Ponte Rio-Niterói, mas ele dava muito ao trabalhador dele. Eu era chefe dele, eu era chefe de uma equipe de mais de cem pessoas. E eu tinha discussões homéricas com Júnior, porque ele sempre pedia aumento além do que eu dava para a equipe dele, que ele dizia que merecia. Em determinadas ocasiões, eu me lembro uma vez que ele falou: “Se você não quiser dar por conta de que não tem valor, você não me dá o aumento e divide o meu pelo pessoal". Ele era assim. Então, o Júnior era uma pessoa desse quilate, conhecimento técnico e científico, era disparado melhor do que eu, falava inglês fluente, redigia fluentemente, de forma que nos sete anos em que ele ficou comigo aqui na ponte Rio-Niterói, ele realmente deixou o legado dele, que tá aí a ponte. Então, esse era o meu irmão Junior. Eu era onze anos mais velho do que ele. Eu me recordo, quando eu era garoto, que eu ia para as farras, chegava de madrugada em casa, eu dormia no mesmo quarto que ele, eu quando chegava, nem me importava se ele tava dormindo ou não, quatro horas da manhã acendia a luz, tirava sapato e ele acordava e olhava para mim. “Poxa, eu estava dormindo". Falava: “Cala a boca e vai dormir!”. Olha que absurdo, né! Mas acontecia, eu me lembro muito bem disso. Mas o Júnior foi uma pessoa realmente… um irmão amigo. A ida dele para a esplanada celestial com tão pouca idade, me deu um baque muito grande e sempre que eu posso, eu faço referência ao nome dele.
P - Muito bonita a relação de vocês, muito linda a relação, fraterno.
R - A gente vive também, você sabe, né! Quando um coração transborda de emoção, quem trabalha são os olhos. Essa frase não é minha, alguém disse lá atrás, eu achei muito bacana. Então, essa emoção é natural. Mas eu devo lembrar do Júnior nos momentos bons que ele teve comigo. Junior era bom garoto. A ponte Rio-Niterói deve muito a ele, muito mesmo. Mas tá tudo bem! Ele tá lá, certamente lá de cima, olhando essa entrevista.
P - Muito orgulhoso do irmão, né?
R - Tem que ser. Ele deixou a marca dele na ponte. Qual é a marca dele? O que se faz lá agora é ipsis litteris, o que ele há trinta anos inventou de fazer, caixão metálico da ponte Rio-Niterói, estrutura de concreto no Brasil, naquela época, todo mundo falava dela, mas metálica não. O Júnior estudou com afinco e ele é quem me dizia como que tinha que fazer as coisas. Mas é a vida, vamos em frente que sempre tem algo mais que vai nos nortear aí pela frente. Ele não tinha vaidade humana nenhuma, se vestir bem, não vestir bem, não importava para ele, o que importava para ele era o seguinte: “o caixão metálico da ponte Rio-Niterói tem que estar bem”. Pronto! Isso é o que interessava para ele. Foi uma época… minha melhor época de ponte Rio-Niterói foi quando ele tomava conta do caixão metálico. E naquela época, a engenheira Margarida, que veio a ser minha esposa e, no governo Itamar Franco foi Ministra dos Transportes, trabalhavam juntos, ele tomava conta da estrutura metálica e ela de concreto e eu chefiava os dois, ficava aqui na parte técnica muito absorvido, mas eu saía desse âmbito para fazer o meio de campo, para arranjar dinheiro para ponte, representar bem a empresa que eu trabalhava, corrigir os relatórios deles. Essa foi a melhor época da ponte Rio-Niterói para mim, em que Júnior tomava conta do caixão metálico e a Margarida do concreto. Passou, não dá para fazer comparações, mas essa época atual para mim também é extremamente benfazeja.Tudo que se refere à ponte Rio-Niterói para mim me traz alegria. A ponte Rio-Niterói pra mim não é um trabalho, a ponte Rio-Niterói, entendam, é um lazer, quando tem uma dificuldade, um desafio na ponte, me entregam, é tudo que eu quero, porque eu vou rebuscar aquilo que eu já sei, vou analisar, estudar. Por isso que eu gosto de História, porque lá atrás eu tenho tudo escrito, senão eu tava roubado. Então, esses desafios que o cotidiano da ponte Rio-Niterói me impõe, pelo fato de eu ser consultor, mexe comigo. Eu vou fazer 76 anos, mas em termo de juventude interna, para mim, é como se eu tivesse quarenta, eu tenho o mesmo ímpeto que eu tinha há 40 anos, quando me pedem uma coisa pra ponte é espetacular. E outra coisa, qualquer serviço fora que venha com novidades, pode ter certeza, o camarada chega com um problema enorme em determinada obra, para mim não é problema, porque na ponta eu já passei por isso. Eu costumo dizer também, falando em ponte, já que eu desviei do assunto, essa obra é tão grandiosa comigo, que ela não é a agência de turismo, mas por conta dela eu já viajei trinta países, a convite de pessoas lá de fora. Isso é que se chama representar bem a engenharia brasileira. A ponte Rio-Niterói é o maior símbolo da engenharia brasileira, aqui e além mar também. Eu já dei palestra no Canadá, nos Estados Unidos, na Índia, no Japão, na Coreia, na Suíça, na Bélgica, onde você imaginar nesses países, por conta de quê não é o Carlos Henrique que tem valor, é a ponte quem impõe esse valor em mim. Então, quando eu falo é dela, e o mérito não é meu, quem tá na apoteose é a Ponte Rio-Niterói.
P - Uma linda declaração de amor.
R - Por isso que às vezes eu fico na dúvida, eu tenho quatro filhos homens, eu não sei se chamo a ponte Rio-Niterói de minha filha, mulher, ou da minha namorada eterna. Eu fico na dúvida.
P - Bom, antes da gente entrar no assunto ponte, vamos voltar, então. Estávamos falando de educação. Como se deu, quer dizer, o seu interesse por fazer uma universidade, uma faculdade de engenharia? Isso partiu de você? Isso era, naquela época, os meninos ou iam fazer engenharia ou iam fazer direito? Enfim, como é que se dava isso já que a matemática não era muito o seu forte? Você gostava das humanas. Como é que foi a decisão? Você estudou em qual faculdade? Que período você entrou, por favor?
R - Quando eu terminei o ginásio estabeleceu-se uma dúvida na minha cabeça: o que que eu vou ser? E naquela época, na década de 60, eu terminei o ginásio em 1962, eu acho, tinha opções em João Pessoa, engenharia, agronomia, que não era lá, era numa cidade vizinha, medicina, direito e economia. Essas outras que eu falei, fora engenharia, eu não tinha a menor aptidão, então mesmo não sendo um ás em matemática era a opção mais viável para mim. Então, quando eu entrei no científico, eu já escolhi o científico versando para engenharia, se não eu teria feito o clássico, direito, alguma coisa assim. E isso é o que me levou a fazer engenharia. Tinha um hóspede no hotel do papai, chamado Luciano César Vareda, ele era professor de desenho da Universidade Federal da Paraíba, da Escola de Engenharia. Eu via o Doutor Vareda, como eu chamava, um homem íntegro, de uma postura de muita retidão. E eu jovem, naquela época, imaginava que todo Engenheiro teria aquela seriedade dele, alguma coisa. Isso também no fundo, no fundo, mexeu comigo e me levou a optar pela carreira de engenheiro.
P - Então, que ano você entrou e um pouco do ambiente? Estamos falando de anos 60, como é que era o ambiente da Universidade naquela época? Um pouco do seu curso, por favor? E de novo, professores que te marcaram e disciplinas que você gostava mais, se debruçava mais?
R - Eu entrei na universidade em 1967.
P - Universidade Federal da Paraíba, se chamava assim?
R - Universidade Federal da Paraíba, Escola de Engenharia da Universidade Federal da Paraíba. Eu entrei em 1967 e acabei em 1971. Na universidade eu conheci uma garota, que eu já conhecia do ginásio, que era um ano já na minha frente, que veio a ser minha namorada e eu casei com ela. E ela, posteriormente, foi engenheira do DNER.
P - O nome dela?
R - Maria das Graças. Maria das Graças da Silveira Farias. E ela sempre foi disparada a melhor aluna da universidade. Eu não namorei com ela por conta disso, eu namorei com ela pelas atrações normalmente físicas daquela época, mas eu comecei a descobrir que eu tinha achado a galinha dos ovos de ouro, porque ela era a primeira de turma, copiava tudo que os professores diziam, as apostilas dela eram mais disputadas do que os livros didáticos. Aí eu fiz a minha festa. Primeiro, porque eu tinha que estudar mesmo, pra não fazer vergonha a ela. Segundo, eu pegava tudo pronto dela, isso me ajudou muito. Logicamente eu estudava e vi com o tempo que eu tinha aptidão para engenharia, mas isso dela me serviu de exemplo, isso aí foi realmente um diferencial. Eu tive vários professores que me chamaram atenção, mas um deles foi o que me chamou para ser monitor da cadeira dele, foi o professor Victoriano González e González, ele chegou a ser diretor da Escola de Engenharia, e ele me convidou para ser monitor da cadeira dele, que era a resistência dos materiais. Outros professores também me chamaram atenção, foi Argemiro Figueiredo, de estabilidade da estrutura, professores de ponte. Eu gostava muito, desde a escola de engenharia que eu gostava de pontes. Tinha cadeira de estradas, mecânica dos solos, topografia, essas eu fazia, tirava boas notas, para passar, agora, tudo voltado a pontes e viadutos, essa não, essa eu tirava as melhores notas, com certeza e aprendia mesmo. Foi por conta disso que ao terminar a engenharia em João Pessoa, eu vim para o Rio de Janeiro para fazer pós-graduação, mestrado e voltar para a Paraíba para dar aula de resistência de materiais. Aí a ponte Rio-Niterói entrou na minha vida.
P - Conta só mais um pouquinho, antes da gente entrar na ponte. Esse ambiente de universidade, como é que era… Você tá falando do final dos anos 1960, 1970, do ponto de vista da cultura e da política? Como é que era uma faculdade de engenharia naquela época, Siqueira?
R - Nessa época a gente vivia sob o regime militar, tinha uma opressão muito grande e não se podia falar muito em política. Eu sempre fui apolítico, mas tinham colegas que militavam muito nessa situação e alguns deles chegaram a ser presos e perderam alguns anos de faculdade, dois, três anos, eram mais velhos do que eu, e alguns se formaram comigo, eram para estar formados a dois, três anos. Eu me lembro que eu participei uma vez só de uma passeata que juntou-se todo o diretório dos estudantes e eu fui nessa, mais pela folia do que pelo próprio espírito combativo daquele regime, daquela situação. E nunca mais quis ir, porque foi um corre-corre danado, polícia, cavalo, se esconde aqui, se esconde acolá, foi terrível, nunca mais participei disso. Essa época foi difícil sobre esse aspecto, mas sobre o aspecto de estudar, namorar, festa, juntar tudo isso, foi uma das melhores épocas da minha vida, muito. João Pessoa é uma cidade pequena, você tinha aquele título. “Ele é estudante de engenharia". Então, isso criava uma pompa muito grande. Minha mãe era toda orgulhosa disso. E eu ainda sou da época do vestibular que quando você passava, raspava a cabeça. Hoje, se fosse o caso, não precisava fazer isso. Mas naquela época quando a pessoa passava no vestibular, você raspava a cabeça e botava um gorro. O raspar a cabeça, hoje talvez não precisasse mais, né! O gorro sim, mas talvez raspar, não. Então, eu saía pelas ruas de João Pessoa muito orgulhoso. O meu gorro era azul e tinha escrito “EEUP”, Escola de Engenharia da Universidade da Paraíba. E isso dava uma uma conotação de importância muito grande, perante as meninas, perante os outros colegas, perante a quem não era estudante de engenharia ainda, eu ficava muito feliz por conta disso. Depois com um tempo você vai se tornando conhecido na cidade e esse glamour, digamos assim, se acaba. Mas na minha época era realmente salutar.
P - Algum amigo da época da faculdade, amizade que você tenha mantido ou que você mantém, algum colega engenheiro? Bom, você casou com uma colega, né?
R - É, casei com uma colega, vim morar com ela no Rio de Janeiro. Eu tinha amizade com todos os meus colegas, mas eu não tinha um colega preferencial, digamos assim. Eu terminei a engenharia, eu peguei o meu CREA no dia 21 de dezembro de 1971. No dia primeiro de janeiro de 1972, eu já tava no Rio e nunca mais voltei, não tive encontro, festa de cinco, dez, quinze, vinte, nunca participei. Eu sei que os colegas fazem almoço, jantares de confraternização, eu nunca participei porque estou aqui. De toda forma, eu prezo muito pela aquela turma da Escola de Engenharia, porque a gente tinha nossa divergência, de garoto mesmo, brincadeira, aquelas bagunças, mas na hora da seriedade, a gente mostrava quem era. Tem colegas meus admiráveis, de João Pessoa, que foram do DNER, uns trabalham em Salvador, outros no Recife, outros em São Paulo, eu no Rio. Quer dizer, foi uma turma que marcou época na Escola de Engenharia, pela diversidade de acampamento de cidades, que se espalhou entre eles. Mas eu talvez seja o único que vim para o Rio de Janeiro e fiquei, de forma que eu nunca tive um colega especial na faculdade. Eu tinha um colega, que não era de faculdade, que era um Paulista e a família toda dele mudou-se para João Pessoa, o pai dele trabalhava nas indústrias Matarazzo, que era famosa naquela época, tinha uma fábrica grande em João Pessoa. O apelido dele era Fioti, todo mundo chamava ele de Paulista, ele não era Engenheiro, não estudava engenharia, mas esse foi o meu amigo de juventude, as bagunças, as travessuras, tudo que a gente fazia de bom e de ruim, naquela época de garoto, era eu e ele. Esse realmente marcou. Ele já faleceu, eu cheguei a namorar com a irmã dele, a Isabel, era uma garota linda, hoje tá casada. E dessa época eu tenho saudade também.
P - Agora, vamos então conversar um pouco sobre a tua vinda para a cidade do Rio de Janeiro. Você disse que chegou logo em 1972 no Rio e o foco era estudar e fazer uma especialização. Gostaria, primeiro, que você rememorasse um pouco como foi a viagem, a saída de lá, quais eram os anseios, onde foi morar? Para depois a gente entrar no profissional, por favor!
R - Eu saí de João Pessoa para o Rio no dia 28 de dezembro de 1971. De forma que no Réveillon de 1970 para 1971, eu passei na estrada, dormindo numa birosca, uma porcaria. Vim de carro com mais três colegas, ou quatro colegas, um carro cheio e levamos quatro dias para chegar no Rio. Eu cheguei no Rio no dia primeiro de janeiro de 1972, ou seja, nós estamos em 2024, eu tô no Rio de Janeiro há 53 anos. A minha ideia era fazer um curso de pós-graduação, como eu falei, para voltar para ensinar na Paraíba. A saída de João Pessoa foi paradoxalmente triste, mas ao mesmo tempo alegre, porque eu tinha um propósito, eu ganhei bolsa de estudo de duas instituições, na COPPE e da CAPES. Eu ganhei duas bolsas de estudos pelo meu currículo e foi o único da minha turma que vim fazer pós-graduação. Então, cheguei na COPPE, já tinha a minha bolsa de estudos, fui muito bem recebido. E logo depois ganhei uma bolsa da CAPES. Mas aí eu não podia ficar com as duas, eu tinha que optar, logicamente eu optei pela maior, fiquei com uma bolsa da CAPES. É nesse intervalo, ainda em 1971 para 1972, começando na COPPE, eu tive alguns percalços aqui, percalços naturais, que pode ser resolvido, eu sentia muita falta. Não tinha comunicação como agora, pra ligar, pra saber da minha irmã, dos meus pais, da namorada, era um sacrifício, a gente mandava carta que levava cinco dias para chegar, escrevia resposta já tinha mudado tudo, completamente diferente de agora. Mas era a forma de vida daquela ocasião e a gente se adaptava. Essa, então, é a história inicial da minha viagem do Rio de Janeiro para cá, que levou quatro dias na estrada, quatro dias, cinco homens dentro de um carro, mala por tudo quanto é canto, a gente vinha devagar e chegamos aqui em Janeiro, primeiro de Janeiro, como eu falei. Um calor danado, enfrentamos a Avenida Brasil, porque nós fomos direto morar em Jacarepaguá, na Praça Seca. Tinha um amigo nosso que tinha um apartamento de quarto e sala lá, então dormiam dois na sala e dois no quarto. Esses quatro tinham tarefas, um lavava no final de semana, lavava roupa, eu escolhi cozinhar, que eu gosto também, minha tarefa era cozinhar. Então, eu fiquei lá durante um certo tempo, depois eu vi que não dava para ficar, porque todo dia era garota, era bebida, era bagunça, eu não conseguia estudar. Sai de lá e vim para Botafogo, morar com um amigo meu, que hoje é vice-prefeito de uma cidade do interior da Paraíba. Ele me acolheu aqui num apartamento que ele dividia um quarto comigo, ele numa cama e eu em outra, um quarto pequeno. E sempre foi muito difícil a minha vida no Rio. A gente comia bem no domingo, que a gente comia um frango de padaria, aqueles frangos de televisão de cachorro, que a gente chamava, uma coca-cola litro e uma bisnaga, isso era um banquete. Fora isso, era o bandejão da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que era muito barato, mas era uma comida sofrível, não era nada espetacular. De forma que na minha vida aqui na época da COPPE não foi muito simples também, não, eu também dei umas rateadas para conseguir sobreviver. Mas a vida é assim, se você não tiver um momento difícil e um fácil para fazer comparação, se tiver um só o bom, você nunca vai ser ninguém.
P - Por que a escolha desse curso e dessa especialização? Não sei, era a única no Brasil, São Paulo também tinha? Alguma outra universidade no nordeste tinha, Recife, por exemplo? Por que você escolheu exatamente esse curso da UFRJ?
R - A Universidade Federal do Rio de Janeiro, a COPPE, a COPPE no Rio, sempre foi top da lista de pós-graduação e engenharia de estruturas, ela é disparada melhor, principalmente naquela época. Ou eu viria para COPPE no Rio, ou para PUC no Rio, só que a PUC é eu tinha que conseguir bolsa, já era diferente, aqui na COPPE eu já consegui bolsa só em enviar o meu currículo, as minhas notas, já me deram essa bolsa. Então, era aqui que eu queria vir, eu poderia ir para a USP também, mas no Rio de Janeiro me atraía, por vários aspectos, até pelo futebol, eu gostava também.
P - Qual é o seu time?
R - Eu sou flamenguista, tem muita gente que não gosta do Flamengo porque realmente é a maior torcida do Brasil e ontem meteu dois no tricolor, com aquela… dois passes de calcanhar que vai ficar… aquilo é um gol antológico, aquilo chama-se antológico. Mas eu não quero falar de futebol não, que desgosta muita gente. Mas eu vim para cá, sob essa égide, eu poderia ter ido para PUC, fiquei na COPPE, poderia ter ido para São Paulo, fiquei na COPPE. Existem certas coisas da vida da gente que já vem traçada, isso chama-se as benesses do destino, era aquilo que eu tinha que fazer, era aquilo que tinha que seguir, o meu programa de vida era aquele. E essa história da ponte interceptar minha vida, também já estava traçada. Isso é uma coisa de Deus, como eu sou católico praticante, eu levo por esse aspecto. Eu não discuto religião, nem futebol, nem política, mas pra mim a minha crença me levou a isso. Eu todo dia, de manhã e de noite, agradeço a Deus pelo que ele fez por mim. Estar nessa ponte durante tanto tempo… Eu fiquei tão conhecido pela ponte Rio-Niterói, que em várias reuniões de engenheiro, as pessoas às vezes comentam: “Você tem visto Carlos Henrique?”, e a outra responde: “O Carlos Henrique da Ponte?”. Então, eu ganhei esse sobrenome, eu ganhei esse sobrenome.
P - Então, como é que era esse curso, o que que aconteceu no meio ali do curso, você foi mudando um pouco os seus planos? E, de novo, o que que te chamava mais atenção nas disciplinas, no curso, nos colegas? E o que que estava começando a acontecer na cidade, ou no Rio, em termos de obras, onde é que tavam as grandes engenharias? Enfim, várias questões para a gente conversar um pouquinho, por favor.
R - Quando eu comecei a fazer a COPPE de estruturas.
P - Como é o nome do curso? Era a estrutura…
R - Era pós-graduação em estruturas. Eu, quando comecei a fazer a COPPE, pós-graduação em estruturas, eu tive uma uma certa dificuldade, porque eu não tinha aquele esquema amigável, digamos assim, que eu tinha em João Pessoa, quando perdia uma aula, alguma coisa, um colega dava, algum negócio assim. Havia aqui, naquela época, muito partidarismo, havia um grupo de Goiás, havia um grupo de Pernambuco, havia um grupo de São Paulo, havia grupos. E o grupo da Paraíba, era só eu! Então, isso me dificultou um pouco. Uma outra dificuldade, é que em João Pessoa eu sempre estudava com livros em português, aqui todos os livros eram em inglês. E o meu inglês, naquela época, não era tão bom que me desse suporte para entender tudo nos livros. Mas eu tive que arregaçar a manga, era assim que era e eu fui em frente. Eu tive um professor chamado Paulo Alcântara Gomes, que foi durante um certo tempo reitor aqui na Universidade Federal do Rio de Janeiro, ele me ajudou muito. Na cadeira dele, eu tive alguns percalços e falei com ele que eu estava com dificuldade, ele me ajudou bastante, de forma que eu tive uma nota satisfatória no curso dele. Ele nem se lembra de mim, mas aqui está gravado o que ele fez por mim. Um dia eu espero encontrá-lo e dizer isso a ele, ele não vai lembrar, mas eu vou colocar isso na mente dele. Então, eu tive muita dificuldade, mas levei. Quando foi em setembro, oito meses depois que eu comecei a fazer a COPPE, eu voltei à Paraíba de férias, 21 dias e um primo meu, chamado Mário Glauco Vilacio, casado com minha prima, Anita Luiza, que a gente chamava de Nitinha, perguntou, sem nenhum compromisso, se eu não gostaria de trabalhar no Rio. E aquilo, eu fiquei pensando, eu acabei a COPPE, tem mais algumas cadeiras para fazer, eu posso parar um pouco, ganhar um pouquinho de dinheiro, ter uma vida melhor e depois voltar. E eu disse a ele: “Ó, eu gostaria!”, então, ele disse: “Procura Américo Matheus Florentino, no Rio de Janeiro…”, que era o economista chefe da ponte Rio-Niterói, toda a economia da ponte passava por esse cidadão, um cara top na economia, naquela época ele foi escolhido o economista no ano, muito amigo do Mário Henrique Simonsen e desse pessoal da velha guarda, top de linha. Eu voltei para o Rio para continuar a COPPE e fui procurá-lo. E o camarada me perguntou assim de tacada: “O que que você quer, trabalhar na construção da ponte Rio-Niterói, ou trabalhar na construção do metrô?”. Por alguns segundos aquilo me balançou, a resposta não preciso dizer, optei pela ponte. Engraçado é que toda vez que eu pegava um ônibus, eu pegava três ônibus aqui no Rio para ir para COPPE, era um sacrifício, a aula começava às oito horas, eu saía de casa às seis, pegava três ônibus. Sempre que eu passava na Avenida Brasil, o ônibus passava embaixo de parte da construção da ponte. E eu ficava olhando aquilo ali, mas não dava o mínimo conhecimento do que que era, nem tomava conhecimento. Veja você, foi ali, aquela obra que me acolheu e que me deu o que eu tenho.
P - Então, vamos à ponte! Vamos à ponte rememorar o seu primeiro dia, será que você lembra? Como é que foi essa conversa com o engenheiro? Que data a gente tá falando, Siqueira?
R - Eu me sinto um privilegiado também por coisas do passado que a minha memória lembra com muita facilidade, não só a memória, mas também ocularmente. Eu me lembro como se fosse hoje, tudo se desenrola na minha visão, como se eu tivesse me transportando pra aquela época. No dia 26 de outubro de 1972, às oito horas da manhã, eu me apresentei no canteiro de obra da ponte de Rio-Niterói. Eu fui recebido por um senhor idoso, chamado Armando Ribeiro da Silva, ele era muito fechado, muito introspectivo e quando eu cheguei com aquele cabelo maior do que meus ombros.
P - Você ainda tinha o cabelão?
R - É, eu fui daquele jeito, eu tinha idolatria pela minha cabeleira. Nossa, aquilo ali matou o cara. E ele olhou para mim e disse assim, eu imagino: “Eu vou te engolir pela tua referência do professor Américo Matheus Florentino, mas trata de cortar esse cabelo". Foi o que eu imaginei, porque ele não me tratou muito bem, ele não foi ríspido, mas eu notei, pelo semblante dele, pela expressão facial, que ele estava incomodado com aquela minha cabeleira. Então, eu cheguei e comecei a trabalhar naquele mesmo dia. Interessante é que o Américo Matheus Florentino, quando perguntou se eu queria trabalhar na ponte ou no metrô, eu escolhi a ponte, de cara ele já lançou essa assim: “Mas você vai ter que começar a trabalhar de graça, porque eu acho que não tem vaga". Aquilo me acabou. Eu falei: “Meu Deus, agora ferrou! Se eu disser ao camarada que eu não quero ir, ele vai dizer que eu sou mercenário, que eu só vou por dinheiro”. E eu fiquei calado. Quando eu cheguei lá no canteiro da ponte, a primeira pergunta que me fizeram: “Você trouxe a sua carteira de trabalho?”, e eu fiquei calado. Eu falei: “Olha, eu não trouxe!”, “mas por que não trouxe? Não faz mal, traga amanhã que o seu primeiro dia começa hoje". A minha bolsa na COPPE, eu vou dar números, que eu não sei atualizar o valor. A minha bolsa na COPPE era R$1.200,00, R$1.200,00. O meu primeiro salário foi R$ 3.000,00, R$ 3.000,00 e a bolsa na COPPE era R$ 1.200,00, unidades. O meu salário na ponte foi R$ 3.000,00. Ah, eu quase mordo as orelhas de tanta alegria. E tem uma coisa, a ponte era tão dinâmica, tão dinâmica, que foi a obra que eu mais ganhei dinheiro, porque o contrato lá era por administração, então o meu empregador dizia: “Se você quiser trabalhar vinte e quatro horas por dia, eu vou te pagar tudo em hora extra". Então, o que que acontecia, eu ganhava R$ 3.000,00 de carteira, eu tirava líquido no fim do mês, o dobro disso aí. Foi a época que eu mais ganhei dinheiro. Mas eu também me dedicava muito, mas muito mesmo. Porque quando eu cheguei, eu não sabia nada, nada, nada. Alguns termos que falavam da obra, eu ficava calado, com medo de decepcionar, quando o pessoal se afastava eu ia ver o que era aquilo, não tinha que nem hoje, pega no Google, não, o Google tem mais de um trilhão de informações. Não era assim, não! O que que era um tubulão das fundações da ponte? Não sei! Mas eu tinha que aprender, pegava nos desenhos e ia conferir. Então, esse é o meu início de carreira, 26 de outubro de 1972, oito horas da manhã, eu comecei a trabalhar na ponte Rio-Niterói.
P - Nossa! Que memória incrível, realmente. Mas várias coisas que eu gostaria que a gente conversasse. Primeiro, quem era o seu empregador? Depois, o que que é um canteiro de obras, aonde que localizava? Qual era perfil, quem eram as pessoas que viviam, eram engenheiros, eram operários, os militares estavam presentes? Rememorar aquele cotidiano como você falou.
R - Olha, que coisa interessante, o canteiro da ponte Rio-Niterói, o principal canteiro, tinha canteiro aqui na Avenida Brasil, perto do cais do porto, tinha canteiro em Niterói, tinha canteiro no mar, vários canteiros flutuantes e tinha o canteiro principal que era no fundão, exatamente onde ficava a COPPE, a quinhentos metros. Então, ir para lá já era minha rotina, não alterou muita coisa. Muito bem, quando eu cheguei no canteiro de obra lá no Fundão, na Ilha do Fundão, eu comecei a travar conhecimento com duzentos engenheiros, eu era o mais moço engenheiro da construção da ponte, eu sempre fui… A ponte foi inaugurada e eu sempre fui o engenheiro mais moço que inaugurou a ponte trabalhando nela. Hoje eu sou o engenheiro mais velho que trabalha nela. Naquela época, tinham duzentos engenheiros, eu escutava falar em Antônio Alves de Noronha Filho, Benjamin Hernane Dias, Raimundo José de Araújo Costa, João de Lima Acioli, Cleto Gerardo Barbosa. Nomes que pra mim, na época, eram deuses, eu jamais pensaria em ter acesso a um time desses. Pois bem, eu participei do que eles chamavam de seleção dos melhores engenheiros do Brasil, estavam na ponte Rio-Niterói. Eu comecei lá sem saber nada, mas fui aprendendo, aprendendo, as pessoas me ajudavam. Mas sobretudo eu ajudava as pessoas. Eu fui contratado pela empresa chamada Noronha Engenharia, naquela época se chamava Escritório de Engenharia Antônio Alves de Noronha LTDA, depois passou para Antônio A. Noronha Serviços de Engenharia S.A e posteriormente Noronha Engenharia. Nesta empresa eu trabalhei 24 anos, sempre tive carreira de chefe, eu sempre me dei muito bem na Noronha. Lá na ponte Rio-Niterói, pelo meu esforço, pela minha dedicação, não pelo meu talento, tinha gente muito melhor do que eu, até por experiência, porque eu era muito jovem. Mas pela minha dedicação, pelo meu esforço, com cerca de oito meses na ponte, sete meses, o Noronha Filho, o doutor Noronha, me chamou na sala dele aqui no escritório no Rio, na Avenida Graça Aranha. Aquilo eu fiquei tremendo de medo. “Eu vou ser demitido, o que é que eu fiz de errado?”. Me chamaram e disseram: “Vai tranquilo que ele vai conversar com você". Aquilo acabou com o meu dia, eu tive que trabalhar até o final da tarde e ir lá. Quando cheguei lá, o Noronha, muito simples, era um gentleman, um engenheiro de mão cheia. Ele me recebeu no gabinete dele e começou a falar do projeto que ele tinha para a ponte, o que que era? Vinha um grupo da Europa, do Laboratório Nacional de Engenharia Civil de Lisboa, o LNEC, na época era o maior laboratório experimental do mundo, com relação à ponte. A gente ia trazer o LNEC para fazer monitoração a longo prazo dessa estrutura da ponte. A ponte ia acabar de construir e ia ficar-se monitorando a ponte. O Noronha queria uma pessoa jovem, ativa, com conhecimento, com garra, com determinação, com profissionalismo, que encarasse isso. E ele me escolheu. Aquilo ali, para mim, foi um negócio assim, que eu falei: “Meu Deus, eu tô sonhando". Mas aquele dia foi marcante para mim. Foi em maio de 1973, quando ele me chamou. Então, eu saí dali radiante de alegria e em junho o pessoal da Europa veio pra cá, os portugueses. E aí eu comecei uma nova fase da minha vida, gerenciando o grupo de ensaios e medidas da ponte Rio-Niterói, GEM, G-E-M, grupo de ensaios e medidas. O que que acontecia? O Ernani Dias projetou a ponte com o Noronha e o que a gente via na montagem da ponte, na construção da ponte, eram se as premissas do projeto estavam sendo atendidas na prática. Isso aí para mim me deslanchou, daí para frente eu realmente deslanchei. Recentemente, em 2018, eu fui a Portugal e encontrei com um dos técnicos que em junho de 1973 veio aqui comigo. Foi um abraço emocionante, cheio de riso, cheio de lágrimas, cheio de recordação, não é brincadeira. A ponte Rio-Niterói é a única obra no mundo que ainda mantém essa instrumentação funcionando, funcionando, tem coisas muito mais modernas, que você aperta um botão e tem tudo no computador, não interessa, aquilo é um acervo histórico, vai continuar até quando os instrumentos não funcionarem mais, graças a Deus estão funcionando. Isso é uma história muito rica.
P - Antes de você entrar nessa nova etapa, depois da conversa com Noronha. Aquele teu primeiro ano, o que que você fazia? Como é que era um cotidiano? A cada empresa, por exemplo, tinha uma uma função? A Noronha se dedicava a um determinado tipo de construção, não sei? Tinham outras empresas trabalhando? Como era a sua relação com os operários? Já que você estava no fundão tinha um alojamento também no fundão? Você pode falar sobre isso, por favor? Esse seu primeiro ano de 1972 a 1973?
R - A Noronha era uma empresa supervisora da construção, ela fez um projeto e foi contratada pelo governo para fazer a supervisão da construção. Eu trabalhava na supervisão. Há um ditado na engenharia que diz o seguinte: “Visão todo mundo tem, mas supervisão, nem todo mundo tem”. Para você ser um supervisor de uma obra, você tem que saber um pouquinho mais do que o empreiteiro sabe, para que ele não te enrole, senão ele te leva no bico. Então, eu participei da supervisão. Eu era consciente disso, eu tinha que saber mais do que o empreiteiro. A Noronha tinha supervisão da obra toda, inclusive dos custos dela e eu entrei exatamente para ajudar no orçamento da ponte. Tinha um senhor, um engenheiro antigo, chamado Paulo Pires, que me ajudou muito, naquela época ele tinha idade de ser meu avô, me tratava com um carinho que era absurdo, eu dei muita sorte. Mas o que eu fiz para retribuir, ele já era idoso, trabalhava lentamente, para ver os desenhos naquela época, plantas enormes, para abrir e conferir, o empreiteiro cobrava… “Eu fiz dois mil quinhentos metros cúbicos de concreto ano, vou cobrar na medição tal. E fiz os pilares, tais, tais". Tinha que verificar se a metragem estava correta. Então eu disse: “Doutor Paulo, não se preocupe com isso, passe todo seu serviço para mim que eu vou fazer o meu e o seu". Eu saía mais tarde lá, eu fazia o meu e o dele. Para mim era gratificante! Aí, eu comecei a conhecer os meandros da ponte Rio-Niterói, eu sabia quanto custava tudo da ponte. Quando a ponte foi inaugurada, eu tinha noção de quanto ela custou, porque lá atrás eu participei, eu comecei trabalhando no orçamento dela. Eu ia de vez em quando, pegava as medições de empreiteiros e ia lá, ao lado do escritório da gente no fundão, cobrar dele. “Ó, você multiplicou aqui e aqui, tá errado! Você disse que deu 80, dá 65". “Ah é, tem razão, me enganei aqui". Não era nada doloso, mas não passava nada, não passava nada. Então, o Paulo Pires começou a me elogiar e eu comecei a gostar mais ainda desse trabalho. Nós almoçavamos, tinha um restaurante lá na ponte, que era o mais chique, tinha uns três restaurantes, o mais chique, o mais simples e o restaurante dos peões. Eu ia com Paulo Pires e outro engenheiro amigo nosso, chamado Luiz Otávio, no restaurante dos peões, porque era uma comida mais farta, não sei o que, era mais rápido e a gente jogava conversa fora. E eu conheci vários peões nesse restaurante. As pessoas não entendiam, como em um restaurante que tem carpinteiro, armador, serrador, soldador, pedreiro, vem comer três engenheiros? Era por conta disso, essas duas pessoas eram muito simples, como eu, e a gente gostava de ir lá. No canteiro da ponte, ao lado do canteiro, tinha uma verdadeira cidade, que era o alojamento dos funcionários. Normalmente esse pessoal de braçal vinha da Paraíba, e eu era o único engenheiro paraibano na obra, era muito interessante. Este alojamento das pessoas era diferenciado, tinha cinema, tinha teatro, tinha campo de futebol, tinha quadra de vôlei, de basquete, de futebol de salão, tinha escola, tinha hospital, tinha ambulatório, tinha casas e mais casas. Era um mundo, era um mundo aquilo ali. Eu fui lá umas duas, três vezes, porque eu conhecia alguns serventes lá e eu ia conversar com eles.
P - Mas era na Ilha do Fundão?
R - Era na Ilha do Fundão, exatamente na Ilha do Fundão, ao lado do nosso canteiro.
P - Nosso é o canteiro dos engenheiros?
R - Canteiro dos engenheiros, canteiro de obra realmente.
P - Canteiro de obras, desculpa, canteiro de obras.
R - Onde tinha fabricação de vigas, uma série de coisas e os nossos escritórios. Naquela época não tinha o advento do computador, era tudo no feijão com arroz. Pela primeira vez foi usado um computador, um programa para calcular a ponte Rio-Niterói. Quem idealizou esse programa foi o engenheiro Ernani Diaz, o Ernani é diferente, o Ernani não é igual a mim, o Ernani é gênio, categoria gênio, não dá nem para eu chegar perto dele, a categoria gênio, gênio acontece uma vez no ano. O Ernani realmente é gênio, mas é um gênio humilde, eu até hoje tenho contato com ele e tiro dúvidas e mais dúvidas com ele. E pasmem, quando ele tem dúvida sobre um assunto que ele sabe que eu domino, ele vem me perguntar, eu acho isso… “Ernani ,é brincadeira". Mas ele me pergunta. Uma vez eu tava em Londres, ia para um congresso na Coreia, apresentar um trabalho sobre a ponte Rio-Niterói, entrei no computador, no aeroporto e tava lá um e-mail do Ernani, eu fui lá ver o que que era, ele queria tirar uma dúvida sobre um determinado aspecto chamado junta de dilatação, que vai em pontes e viadutos. Aquilo me deixou muito enaltecido, porque o Ernani me perguntar isso? O Ernani sabe de tudo. E aí, eu mandei dizer a ele e tudo mais. Então, é a pessoa que projetou a ponte Rio-Niterói. Ernani chama-se categoria gênio, não dá para comparar com ninguém. Então foi assim.
P - Quando você chegou a ponte já tinha alguma estrutura? Quando você chegou em que pé que tava a obra?
R - Sim, já tinha umas estruturas prontas, porém eu peguei no auge da construção. Porque o consórcio anterior, a ponte levou quatro anos e seis meses para ser concluída, em verdade ela ficou seis meses parada. Por que? Porque o consórcio anterior não tinha saúde financeira, nem técnica, vigor técnico, para tocar essa obra. O governo notou isso, tirou o consórcio anterior e contratou a segunda empresa, o segundo consórcio, que foi exatamente, basicamente, um pouco, um pouco antes de eu ter chegado na ponte. Ou seja, o ano de 1973, digamos assim, foi um ano áureo da ponte Rio-Niterói, esse eu peguei todo, esse eu peguei todo. Isso para mim foi uma escola. É interessante porque, eu me lembro uma vez só, que as pessoas diziam assim, brincando. “Pra vim construir a ponte tem que vim esses Paraíbas, pra pegar no feijão com arroz, pega no isso, pegar naquilo". Eu fico escutando, porque eu sou paraibano, com muita honra! Uma vez disseram isso: “Ah, tem que ter peão da Paraíba para ajudar a gente construir". Aí, eu realmente… chegou no meu limite e falei: “Não é só peão não, na sua frente tem um engenheiro que veio te ajudar a construir essa obra e está num departamento que você não tem capacidade de fazer". Isso realmente feriu comigo. Aí, ficou tudo amigo, mas eu tive que jogar essa, porque a gente era tido como peão. “Paraibano é o peão que vai lá só pegar no braçal". Aí eu joguei essa aí e colou, colou.
P - Já que você tá falando da presença de operários da Paraíba, você conheceu, parece que você reencontrou um rapaz que você conhecia da Paraíba, você pode me contar essa história, por favor?
R - Essa é uma história interessante e surreal. Eu quando era criança 12, 13 anos, 12, 13 anos, a minha casa ficava junto da casa da minha avó, nossa casa era mais humilde, mas a casa da minha avó era bem espetacular. E naquela época, a vovó tinha um empregada que era cozinheira, arrumadeira, essas coisas toda e tinha um empregado, que eles chamavam, um servidor, que varria, cuidava do… Varria a casa, cuidava do jardim, cuidava de pato, ganso, galinha, marreco, tartaruga, essas coisas toda que a vovó tinha. E a noite a gente ficava lá em frente, contava história um pro outro, ele era uns quatro anos mais velho do que eu, acho, e jogávamos bola. E eu mantive uma relação de amizade, naquela época garoto, com ele. E depois a minha avó, não sei por que motivo, dispensou. O nome dele era Luiz Franco da Silva, dispensou e eu nunca mais vi, nunca mais vi o Luiz Franco. Quando eu entrei na ponte Rio-Niterói, um dia eu tive que ir lá na ponte, na construção realmente, dentro lá da da ponte Rio-Niterói, estava em construção, verificar uma determinada situação e voltei para o escritório. E logo no dia seguinte, vieram me dizer que um cidadão, um rapaz, que trabalhava lá como servente, disse que me conhecia. E eu fiquei assustado, falei: “Isso é impossível, isso é impossível!”. Porque trabalharam na ponte, duzentos engenheiros e dez mil operários, durante cinco anos. Como é que em dez mil operários um vai me conhecer? Com duzentos engenheiros. Bom, no dia seguinte eu, forçosamente, fui lá no mesmo local e quando cheguei lá eu falei: “Quem é que me conhece aqui?”, aí me disseram: “É aquele ali!”. Então, eu fui lá, olhei para ele, as feições, depois de quantos anos, sei lá, 12, 15 anos, sei lá quanto, né! Não me foram estranhas, mas eu fiquei em dúvida. E eu perguntei, começamos a conversar. Era o Luiz Franco da Silva, que trabalhava na casa da minha avó. Aí, realmente foi uma mistura, um mix, de alegria e de tristeza, tristeza no bom sentido, se abraça pra lá, pra cá. E a obra parou, naquele trecho todo mundo parou para ver. “O que que está havendo, o que é que está havendo?”. E ele comentou o que tinha feito nesse intervalo todo, porque veio para o Rio de Janeiro ganhar a vida, que na Paraíba tava difícil. Eu comentei também a ele o que que eu fiz. Ele ficou muito envaidecido, trocamos abraços, tal, tal. E na minha mente, naquela ocasião, já me veio. “Eu vou ter que melhorar este rapaz". Porque ele é da minha época, eu vou ter que melhorar as condições dele. Muito bem, no dia seguinte chegou uma notícia para mim, eu ia lá de novo e chegou a notícia dizendo que ele tinha pedido demissão. E eu fiquei sem entender nada. “Não é possível, ele esteve comigo ontem, é brincadeira!”, “Não, ele foi bem claro, ele pediu demissão porque ele disse que não suportaria, emocionalmente, trabalhar aqui na construção da obra, que tem um engenheiro que brincava com ele quando era criança de 12, 13 anos, jogando bola e tudo mais, que ele não tinha condições emocionais para isso”. Eu fiquei muito triste, andei procurando um pouco sobre ele, não soube mais do paradeiro dele, isso aí me entristeceu. Mas de qualquer forma, não me sai da lembrança esse fato que aconteceu, foi um negócio assim, surreal, impressionante na minha vida.
P - Siqueira, me conta um pouco então como é que era um cotidiano seu? Você fala de etapas da ponte. Como é que era um cotidiano seu, você chegava a que horas? Você tinha uma função que você era obrigado a fazer todos os dias? Você estava na obra, você estava mais no escritório? O Noronha era um escritório também de engenharia que fiscalizava o consórcio? Qual era o consórcio, por favor?
R - Eu trabalhava na Noronha, como eu falei, e a Noronha era supervisora da obra, fiscalização da obra. O consórcio construtor, chamava-se CCGL, Consórcio Construtor Guanabara Ltda. Então, nós tínhamos que fiscalizar o que eles faziam. Eu tinha uma função, já inicialmente, de controlar as medições e os pagamentos deles, orçamento, era uma coisa muito… de responsabilidade elevadíssima, para um garoto com 24 anos como eu.
P - Você era muito novo.
R - Muito novo! Mas eu tinha consciência da situação. Aí, entrou os benefícios dos meus 15 anos trabalhando no banco, aí eu aproveitei disso, aí eu aproveitei. Eu tinha muita destreza com número, embora fossem números num sentido peculiar e aqui no sentido métrico, em volume, eu conseguia conciliar, isso me ajudou muito. Então, como eu falei, para eu entender da ponte, eu não podia ficar sentado no gabinete, eu tinha que ir à obra ver como é que está. Então, eu misturava os meus conhecimentos teóricos com a prática. Foi assim que eu aprendi, foi assim que eu aprendi. A gente tinha a obrigação de fiscalizar esse consórcio e verificar o andamento da obra, isso aí me deu a possibilidade de fazer essa situação, ora no gabinete, hora na obra, hora no gabinete, hora na obra. Eu não tinha hora para chegar e nem para sair, em verdade, tinha hora para chegar, sete da manhã, mas não tinha hora para sair, porque a empresa Noronha trabalhava por administração, então em cima do meu salário, ela ganhava. Eu como engenheiro, naquela época, imagine, eu ganhava hora extra como engenheiro, não existe isso hoje em dia, então se eu faturasse dois, três vezes mais do meu salário, a Noronha ganhava em cima disso, era uma maravilha. Eu trabalhava sábado, eu ia lá domingo. No carnaval de 1974, eu fiquei na ponte sábado, domingo e segunda de carnaval, três dias. Fazendo o quê? Um teste de carga para saber se a ponte Rio-Niterói aguentaria um carregamento para a qual ela foi dimensionada. Três dias, eu fiquei na ponte. Eu ganhei, naquela época, muito dinheiro por conta disso. Apesar de que eu ganhei muito mais queixa profissional do que isso.
P - Como é que era um teste desses, para fazer para ver se tava…
R - Nós pegamos 18 caminhões e colocamos ele cheios de brita, os caminhões pesavam vinte uma toneladas.
P1 - Saiam de Niterói?
R - Não, saiam do Rio, do fundão. Os caminhões não entravam tudo de uma vez num determinado local da ponte, tinha uns trechos que tinha que verificar as situações específicas. Então, a gente marcava no asfalto onde o centro de gravidade do caminhão chegava. Não tem nenhum caminhão, a gente media topograficamente o nível da ponte, parou um caminhão, a gente media, parou mais uma. E eu mandava, chega um, chega outro, vai parando. Depois a gente via a deflexão que esses caminhões todos faziam na ponte e verificava se essas deflexões estavam coerentes com o que foi indicado em projeto. Só que isso leva tempo, leva tempo. Primeiro, carregar os caminhões, carregar 18 caminhões numa balança lá no fundão, levou um tempão. E a prova de carga foi domingo e segundo, então a gente foi para cima da ponte… Eu fiquei direto lá, fiquei direto lá. Eu me recordo que um dia, nessa prova de carga, acho que foi domingo de carnaval, tinha uma lancha bonita lá embaixo que parou na ponte, eu tava com binóculo, e eu peguei pra ver quem tava ali, deu uma colher de chá, eu tava em cima do vão Central, na parte mais alta. Coloquei o binóculo e quem tava na ponte? O Ministro Mário Andreazza e o Noronha, que era muito amigo do Andreazza. E tinham duas belas companheiras com eles, que era a Vera Fischer e a Liza Minnelli, aquela famosa atriz, filha de Judy Garland, tava aqui, que ela veio passar o carnaval aqui. Aquilo foi um desbunde, todo mundo queria o meu binóculo para ver, eu falei: “Não, não, vai dar confusão pra mim!”. Mas eu me lembro muito disso. Eu me recordo que uma vez eu comentei isso com o Doutor Noronha, ele riu muito. “Ah, você viu?”, “vi!”. Foi isso aí! Enquanto uns se divertiam, merecidamente, esse que tava aqui tava trabalhando para eles se divertirem. Isso foi uma coisa que me lembrei de relance aqui agora.
P - E em relação a mais a esses testes, tinha desastres? Era muito perigoso? Pra se chegar o que é hoje, a ponte Rio-Niterói, quanto… com tudo que foi vivido ali na ponte, porque a gente sempre ouve falar que foi uma obra pioneira, considerada pioneira na engenharia no Brasil, e talvez no mundo, também foi considerado uma obra grande pioneira. O que fez dela esse pioneirismo? Por que ela era considerada pioneira do ponto de vista da engenharia, por exemplo? E o caminho traçado para ela ter se tornado isso? Quer dizer, são essas fundações, foi no mar, a questão de cima, o vão central?
R - A ponte Rio-Niterói não foi só uma coletânea de desafios técnicos que a gente teve que enfrentar, uma obra dessa, as pessoas não fazem ideia do que que a gente passa, de repente a gente está por este caminho, mas a construção indica que você tem que desviar um pouquinho para fazer isso ou acolá. A ponte tem recordes que ainda hoje são mantidos, por exemplo, a ponte está em contato com as águas da Baía de Guanabara, essas águas têm cloreto e sulfato, nunca se havia usado um cimento especial que ajudasse a combater a ação deletéria desses sais, cloreto e sulfato. O cloreto ataca a armadura, oxidando. O sulfato, ataca o cimento, o concreto, desagregando. Nós tínhamos que usar um cimento chamado RS, resistente ao sulfato, não havia no Brasil. Uma fábrica, chamada Paraíso, na época, se indignou a fabricar esse tipo de cimento. Esse cimento, na composição química dele, tem um determinado elemento chamado aluminato tricálcico C3A, que tem que ser em uma percentagem não superior a 58%. Quando se fabrica um cimento com esse teor de aluminato tricálcio, ele é considerado de baixa resistência aos sulfatos, ou melhor, em alta resistência aos sulfatos. Perdão! Então, essa fábrica fez o cimento. Pela primeira vez no Brasil foi usado um cimento com essas características, na ponte Rio-Niterói. A montagem do vão central, na época, era falada no mundo inteiro, era a maior montagem de estrutura metálica no mundo, toda sociedade técnica no mundo falava disso. A nossa obra marcou época por desafios que as pessoas jamais imaginavam que a gente fizesse isso. As fundações da ponte com concreto em contato com água direto, chamado concreto submerso, nunca havia sido feito. A montagem das aduelas, coladas umas nas outras, quando você passa no sistema de concreto para ir para Niterói, ninguém tinha essa técnica. O vão central, foram feitas mais de trinta mil radiografias das soldas para saber se elas estavam perfeitas. E por aí vai. Até hoje o vão central de trezentos metros é recorde mundial nesse tipo de estrutura. E não vai deixar de ser nunca, porque esse tipo de estrutura não se faz mais, então esse recorde ninguém tira da gente. Uma ponte dessa não pode ser entregue à sociedade do jeito que acabou, você tem que mostrar primeiro para você se ela suporta as premissas de projeto, por isso que se faz prova de carga, você coloca um carregamento que é previsto em projeto para ver se as deformações, as tensões que estão atuando estão compatíveis com que você viu lá atrás. E a prova de carga da ponte foi um verdadeiro espetáculo. Nós tivemos um insucesso uma vez, muito tempo, eu não trabalhava na ponte ainda, foi com a prova de carga de uma fundação. Esse foi o pior dia da ponte Rio-Niterói, morreram oito pessoas, três engenheiros. O que aconteceu? Nessa prova de carga das fundações, estourou um dos tirantes de reação aqui e uma plataforma de concreto, onde esse pessoal tava aqui, virou no mar e eles foram solapados no mar, todos os oito, foram soterrados. Eu sei bem sobre isso e consultei também o Ernani que me alertou, me aclarou mais sobre isso, porque toda minha vida trabalhando na ponte, eu sempre escutei falar disso. Esse foi o pior acidente que aconteceu na ponte, morreram três, morreram oito, três engenheiros, um deles do IPT de São Paulo. Agora, fora isso, há muita fantasia, muito folclore, muita mentira deslavada que denigre o que a gente tanto fez pela ponte. Olha, na época da ponte, eu tenho foto com pessoas trabalhando sem capacetes, sem luvas, sem óculos protetores, sem o fone auricular para protegendo do barulho, sandália de dedo, sem camisa, de bermuda. Hoje, em determinadas obras, nem de manga curta você entra, nem de manga curta. Eu dou consultoria em outras obras e no meu carro, o porta malas do meu carro, é um verdadeiro guarda-roupa, tudo que eu lhe falei e salva vidas, colete salva vidas, eu tenho! Tudo, porque você não faz mais isso, é um absurdo mesmo. Naquela época era assim. Então, as pessoas mentem muito e inventam. “Morreram na ponte Rio-Niterói várias pessoas. Morreram na ponte Rio-Niterói várias pessoas". É mentira! “Ah, tem pilares e tubulões na ponte que tem gente concretado". É mentira! “Caiu uma vez um peão dentro do concreto do tubulão da ponte, levaram muito tempo para tirar, o concreto endureceu, quando puxaram só veio do joelho para cima, as pernas ficaram lá dentro porque quebrou". Isso é um absurdo um negócio desse. Eu contabilizei durante todo esse tempo que eu trabalhei lá e trabalho, com todos os meus amigos também, aconteceram quarenta mortes da ponte, com dez mil pessoas trabalhando durante cinco anos, duzentos engenheiros, só morrerem quarenta, nessas condições de segurança, é um milagre de Deus. O número absoluto quarenta é muito elevado, o número relativo é muito baixo. Quando a gente chegou às quarenta mortes na ponte, o ministro Andreazza chegou a pensar. “Se tiverem cerca de cem pessoas falecidas aqui, eu vou dar em cada pilar do mar, o nome deles". Ele não conseguiu isso, que só faleceram quarenta. Tá! Então, essa história é preciso que venha a público pra que se desfaça, porque é uma mentira que não tem nenhum sentido, não faz nenhum sentido. Isso que eu tô contando é dos alfarrábios que eu tinha escrito e consultando todos os meus amigos ao longo desses cinquenta anos sobre isso.
P - Como é que era a presença do Andreazza, ele ia muito à obra? Você via, ele se reunia com os engenheiros ou se reunia mais com os consórcios, com os responsáveis pelos consórcios, como que era essa pessoa?
R - O ministro Andreazza, era um guerreiro. O governo o colocou ali não foi sem razão. A ponte chama-se oficialmente, Ponte Presidente Costa e Silva. Porque foi no governo Costa e Silva que ela começou a ser construída. Uma vez me perguntaram se eu achava correto mudar o nome da ponte Rio-Niterói, ponte Presidente Costa e Silva para ponte Betinho, aquele sociólogo. Eu falei: “Com todo respeito ao Betinho, que ele fez um trabalho gigantesco na área dele, nada tem a ver com a ponte. Se essa ponte um dia mudar de nome, o nome que ela merece chamar-se "Ponte Ministro Mário David Andreazza". Ele já faleceu! Eu tinha muito pouco contato com ele, para mim eram pessoas inatingíveis, mas uma vez eu participei de uma reunião com ele, já que eu também mexia com esse negócio de grana da ponte e também com ensaios especiais. Ele fez uma reunião com vários engenheiros e eu lá no cantinho, lá atrás, eu escutei ele dizer, há poucos meses de inaugurar a ponte. “Eu quero essa obra inaugurada no dia 4 de março de 1974". E na época eu não me toquei que era meu aniversário, eu tava lá atrás quieto no meu canto e alguém falou assim: “Mas senhor Ministro, quatro de março é praticamente impossível". “Quem que falou?”, “Eu não, tô…”,“olhe, não tem problema, se é impossível no seu setor, você sai que eu coloco outro que vai ser possível". Ninguém falou mais nada. No dia 4 de março de 1974 a ponte foi inaugurada. O Ministro Andreazza, transferiu-se com a família dele toda para ilha ao lado do canteiro da gente, chamava-se Ilha do Bom Jesus. Todo dia ele ficava com binóculo de longo alcance vendo a evolução da obra. Quando ele viajava, o filho dele, o Mariozinho, eu chamo Mariozinho porque é meu amigo, ainda é vivo, o Mariozinho Andreazza, fazia um relato pro pai. Ficava com binóculo vendo a obra e fazia um relato pro pai. Veja o interesse do Andreazza nisso aí. Por isso que na ponte jamais faltou dinheiro para construção, graças ao Ministro Andreazza, este homem foi um batalhador, foi um guerreiro, estava sempre no canteiro de obra, falava com todo mundo, era muito popular. Eu não tive chance de apertá-lo a mão nesse sentido, nem na época, nem posteriormente, mas ele não sai da minha mente como o homem que fez a ponte Rio-Niterói ser inaugurada e servir a sociedade com tanta segurança física e funcionalidade.
P - Qual era a relevância da ponte Rio-Niterói para o interior do Estado, para Cidade do Rio de Janeiro e Niterói? Por que do empenho do governo na construção? A gente sabe que historicamente já se discute há muito tempo essa ligação.
R - Vamos fazer um comparativo. Imaginemos… Vamos voltar lá atrás, vamos voltar há 48 anos. Eu quando comecei a trabalhar na ponte, eu não conhecia Niterói, um dia eu resolvi ir a Niterói, num domingo, a ponte estava em construção. E eu peguei barcas na Praça XV para a Praça Arariboia. Fui e voltei e disse comigo: “Never more!”. Nunca mais! Entre ficar na fila na Praça XV, colocar o carro na balsa, atravessar e tirar o carro da balsa e chegar lá, uma hora e meia. Não sei se você lembra, você entrava com o carro e a pessoa te perguntava. “Você quer ficar dentro do carro ou fora? Porque se ficar dentro do carro não vai sair no trajeto, porque o outro encosta a um palmo do seu carro, para caber mais aí". Eu preferi ficar dentro. Foi uma doideira! Muito bem! Voltei também! Bom, então veja bem, uma hora e meia. Bom, tinha outra opção? Contornando a Baía de Guanabara, cento e cinquenta quilômetros, com uma rodovia que não era duplicada, uma hora e meia também. Isto já explica a serventia da Ponte Rio-Niterói. A Ponte Rio-Niterói faz parte do Plano Nacional de Viação, é da BR-101, uma das maiores rodovias brasileiras, com mais de quatro mil quilômetros, ela é um pontinho ali, porém, no duro, no duro, ela é uma obra urbana e tem um movimento pendular, pela manhã sentido Niterói-Rio, à tarde sentido contrário. Eu tenho a primazia de fazer o inverso. Eu vou no sentido contrário do trânsito, é uma beleza pra mim! Então, já imaginou essas duas cidades sem a ponte Rio-Niterói? Vejamos outro exemplo, acontece um acidente na ponte no sentido Rio e acontece outro, ao mesmo tempo, no sentido Niterói, você para as duas cidades, literalmente. Em 1980 foi feito o primeiro reparo de uma trinca numa solda num caixão metálico da ponte, era uma solda que tinha uma função estrutural muito grande. Nós, naquela época, fomos fazer o reparo da trinca e não nós… 1980, hein! Nós não nos tocamos que poderíamos engarrafar a ponte. Começamos a fazer o reparo à tarde e entrou noite adentro. E a ponte começou a engarrafar, o diretor do DNER na época, era Inaro Fontan Pereira, ele vinha de Brasília, não ele vinha dos funerais do Tancredo Neves e vinha de avião. E viu em cima da ponte toda parada e o Rio de Janeiro todo parado. Muito bem! Ele conseguiu chegar na obra vindo pela contramão, mandou parar todo o trânsito sentido Rio, veio pela contramão num carro oficial. Quando ele chegou lá em cima, que me viu lá com o pessoal, eu fiquei todo feliz. “Doutor Inaro tá aqui!”. Ele me demitiu. “Quem é o responsável pela obra?”. “Sou eu Doutor Inaro". “Sai daqui! Você tá demitido!” “Mas…”. “Não tem mais, você está demitido! Você sabe o que você fez? Você parou, a gente parou literalmente o Rio de Janeiro". Em 1980. Se você parar a ponte Rio-Niterói hoje, você para tudo que você puder imaginar, Niterói, São Gonçalo, Rio de Janeiro, Nova Iguaçu, o que você puder imaginar. Isto aí já mostra a serventia da ponte. Quando a ponte estava em construção, você tinha o Estado da Guanabara, capital Rio de Janeiro, era uma cidade estado, tipo Singapura, que é um país estado e a capital é Singapura. E tinha o estado do Rio com a capital Niterói. Com a fusão dos dois Estados, criou-se o estado do Rio de Janeiro, capital do Rio de Janeiro. Quem lucrou com isso? Ambas as cidades. Com essa fusão o estado do Rio cresceu em lazer, em cultura, socioeconomicamente, em tudo que você possa imaginar. É impossível pensar em Rio e Niterói sem essa ponte, aliás, eu já ouvi, mesmo que seja um zum zum zum, que se um dia não comportar mais de veículos a ponte, faria outra, num trajeto maior, talvez de dezoito quilômetros, ligando a Cidade Universitária, Avenida Brasil, Cidade Universitária, até São Gonçalo, derivando para a ponte Rio-Niterói. Isto eu já ouvi falar uma vez. Falei coisas que você não sabia.
P - Com certeza!
R - Essa do Tancredo foi ou não foi? Foi no dia dos funerais de Tancredo Neves, até isso eu me lembro.
P - Então, vamos voltar para o ano de 1974, vamos rememorar como é que foi, como é que era essa corrida dos profissionais? A obra foi entregue como havia sido pedida? Como é que foi esse dia da inauguração? Eu acho que a gente tem muita coisa, você tem uma memória maravilhosa, mas eu queria que você me contasse um pouco mais sobre isso. E a data da inauguração, é claro!
R - A ponte já tinha um ritmo, uma dinâmica muito acelerada, depois que o Andreazza falou que queria inaugurar no dia quatro, aí realmente ninguém parava. Não tinha sábado, domingo, feriado, dia santo, madrugada, carnaval, fim de ano, nada! Virava vinte e quatro horas ininterruptas. Bom, não faltava gente, não faltava material e não faltava dinheiro. É tudo que precisa para uma obra. Então, todo mundo arregaçou a manga e cumpriu o que foi indicado pelo Andreazza. Até chegar nesse ponto, tinha gente que dormia na ponte, porque entre ir para casa e voltar, não dava tempo. Quando a ponte foi inaugurada, o Andreazza… Antigamente onde era o INTO, Instituto Nacional de Traumatologia, era o Jornal do Brasil, ali chama-se rampa quatro, na subida da ponte. Ele cortou a fita simbólica ali, ele, o presidente Médici, o governador do Estado da Guanabara era Chagas Freitas e por aí vai. Eu participei de manhã da inauguração na Praça do Pedágio e a tarde teve uma missa solene, eu só me toquei que era dia do meu aniversário, sem brincadeira, porque eu tava tão empolgado na inauguração daquela obra no meu currículo… E quem me chamou a atenção disso aí foi a minha mulher, a engenheira Maria das Graças, naquela oportunidade. “Hoje é o seu aniversário". Aí que me dei conta. Então foi uma comemoração duplicada. Na tarde teve uma missa, coisa linda. E os seguranças não conseguiram conter a multidão, quando acabou a missa o povo, aquilo tava lotado de gente, resolveu ir a pé na ponte Rio-Niterói, então todos seguiram a pé até o vão central, a ponte ficou coalhada de gente, uma coisa espetacular, lindo, lindo, lindo! Existe fotos sobre isso, é uma foto histórica, memorável. Veja como a sociedade estava necessitando dessa obra. No dia seguinte… A ponte foi inaugurada no dia quatro, primeiro veículo passou no dia cinco, quando o pedágio foi aberto, tinha filas quilométricas de carro para ser o primeiro a pagar o pedágio.
P - E você lembra qual foi o primeiro dia que você passou de carro na ponte?
R - Bom, quando a ponte já estava quase pronta, eu levei, entre aspas, alguns convidados meus para conhecer a ponte, antes de inaugurar. Então, eu passei de carro até Niterói, tal, tal, tal. Eu tinha esse privilégio. Agora, a primeira vez que eu passei na ponte, depois de inaugurada, acho que foi uma semana depois, porque os serviços físicos da ponte acabaram, mas ainda tinha muito serviço de gabinete. E outra coisa, a ponto foi inaugurada sem ter o sistema de proteção de duque dolphin, e defensas, os dolphins, que a gente chama, para proteger contra choque de navio. Quando a ponte foi inaugurada, a gente continuou a fazer sistema de defesa de proteção contra choque de navio. Então, eu fiquei mais tempo também na ponte por conta disso aí. Eu que fazer, aproveitar a ocasião para fazer um pequeno reparo. Nesse dia que aconteceu esse grande engarrafamento, que o diretor geral do DNER veio, me demitiu, no dia seguinte ele me readmitiu, essa coisa toda. Isso foi exatamente no dia dos funerais de Tancredo Neves, eu fiz confusão, não foi em 1980, acredito que tenha sido em 1985, por aí. Essa realmente é a data certa, agora o fato existiu e foi isso. Então, eu corrijo a data, então. Tá bom.
P - Bom, Siqueira, a ponte foi inaugurada no dia do seu aniversário e você se tornou, que dizer, a gente acompanhando e lendo um pouco a literatura, você se tornou um engenheiro com uma expertise na área de vistoria e engenharia de manutenção de pontes. Como é que foi um pouco, porque a gente infelizmente não vai conseguir dar conta de todos e você tem uma memória maravilhosa. Como foi um pouco dessa tua trajetória profissional, dessa especialidade? Que no fundo a sua expertise advinda da sua experiência na construção da ponte, por favor?
R - A ponte foi inaugurada do dia 4 de março de 1974 e sofreu a sua primeira intervenção de vistoria em fevereiro de 1979, durante 5 anos a ponte ficou acéfala, sem ninguém tomar conta da parte estrutural. Aí, nesse intervalo, tinha um engenheiro americano, que trabalhou na construção da ponte, chamado [Raulsa]. Ele batalhou muito para conseguir um contrato junto ao DNER, para que se fizesse a vistoria da ponte. Naquela época, não havia cultura de vistoria ponte, se chamava fiscal de obra pronta. Então, o DNER deixou durante cinco anos a ponte sem ser vistoriada. Quando nós voltamos lá, em 1979, em fevereiro, nós já encontramos alguns defeitos. E a ponte declinou em termos de qualidade. Muito bem. Quem me escalou para ser o chefe da vistoria das pontes, foi o Noronha. Noronha disse: “O Carlos Henrique vai chefiar a vistoria da ponte". Porque era um consórcio Noronha, HNTB. HNTB é uma empresa norte-americana chamada Howard, Needles, Tammen & Bergendorff. Ela é autora do projeto dos caixões metálicos, Noronha e autora de todo projeto de concreto. Então, havia um consórcio desses dois, na época, da construção, na época, da manutenção e inspeção, também eram o consorciado, só que o cabeça do consórcio tinha que ser brasileiro. Então, eu fui o chefe desse consórcio para vistoria da ponte. Tudo começou, assim, Noronha me escalando para lá e eu gostando desse lado tecnológico. Eu comecei a entender que uma estrutura tem vida como a gente, precisa de tratamento, precisa de manutenção, se é uma manutenção, uma reparação medicamentosa, ou cirúrgica, a gente que vai dizer. É igual ao médico. E tem uma coisa importante, a medida em que a ponte envelhece, por mais que você faça por ela, você tem que fazer bem mais. Veja, hoje eu com 76 anos, se eu for fazer um plano de saúde, vai ser X, uma criança de 15 anos, vai ser X sobre dez. Então, cada vez mais essa comparação com o ser humano é válida. A ponte jamais vai deixar de necessitar dos préstimos de um engenheiro dessa natureza, de vistoria de pontes e viadutos de concreto.
P - Esses caixões metálicos que você fala, estão no mar?
R - A ponte Rio-Niterói tem quatorze quilômetros entre seus extremos mais afastados. Alguns falam treze mil duzentos e tantos metros, treze mil e não sei o que. Em números redondos, os pontos mais afastados, nos extremos mais longínquos, a ponte tem quatorze quilômetros. O vão central da ponte, de oitocentos e quarenta e oito metros, é estrutura metálica por dois motivos, condicionantes de navegação aérea e marítima. Por que aérea? Aeronáutica nos diz: “Você não pode colocar a ponte setenta e dois metros acima do nível do mar por causa do cone de aproximação do aeroporto Santos Dumont e Galeão”. Pá! Estabeleceu altura máxima. A Marinha veio e disse: “Você não pode deixar uma luz em uma altura mínima de sessenta metros para a passagem dos navios. Então, a Ponte Rio-Niterói está milimetricamente, está setenta e dois metros acima do nível do mar e sessenta metros aqui para passar navio. Esses são os condicionantes pelos quais… Por que não fez uma ponte estaiada? Porque tem que ter o mastro. O mastro ali, de setenta e dois metros. Por que não fez outro tipo de estrutura? Porque aconteceria. E por que não fez em concreto? Porque tem que ter um canal de navegação. O canal de navegação tem trezentos metros, nesse canal de navegação com trezentos metros… Essa estrutura metálica do vão Central, teve que ser dessa forma por conta desses condicionantes em posições que eu falei. Agora tem outra coisa, o vão central de trezentos metros, que é o maior vão do mundo desse tipo de estrutura, é para passar os navios, a ponte tem um canal principal de navegação e dois secundários, esse tem trezentos, dois adjacentes de duzentos. Então, a ponte Rio-Niterói não poderia ser em concreto vencendo trezentos metros. Livre? Não existe isso! Não há ponto com trezentos metros livres de vão de concreto. Então, tinha que ser dessa forma, tinha que ser dessa forma. É isso que se justifica o traçado geométrico e arquitetônico da Ponte Rio-Niterói.
P - E qual é o seu elo ainda hoje com a Ponte? Profissional e afetivo.
R - É muito difícil responder isso, porque é paradoxo. É muito difícil e muito fácil. Muito fácil porque eu tô lá há 52 anos, é muito difícil porque os meus laços com a ponte não são só profissionais, eu tenho um relacionamento com a Ponte Rio-Niterói muito emocional, o que eu tenho na minha vida eu devo a ponte. “Ah, mas você já teve várias outras construções…” Teve! Em termos de consultoria de pontes, eu tenho mais de cinco mil no Brasil e no mundo, obras vistoriadas e mantidas, mais de cinco mil. Mas por que eu tenho esse número tão elevado? Porque por trás de mim, no meu currículo, tem a Ponte Rio-Niterói, isto abre qualquer porta. Então, a pessoa que trabalha na ponte, qualquer um que trabalha na Ponte Rio-Niterói, se apaixona por ela. A Ponte é uma obra em que você não tem soluções de gaveta, aconteceu um problema na ponte você resolve, se, por exemplo, aconteceu em 14 de novembro um shopping de uma embarcação se desgarrou contra a ponte, foi uma véspera do dia quinze que era feriado. Eu fui lá, foi uma confusão danada. Se acontecer outro acidente na ponte com um navio, o que eu fiz para remediar esse anterior, não vai servir para esse. A ponte, cada caso é um caso, ela é muito pormenorizada. Que estrutura no Brasil tem concreto armado, concreto provido, tubulões submersos, concreto em contato com água do mar, concreto envolvido com camisa metálica, super estrutura metálica, solda de vários tipos, equipamentos especiais de vistoria, problemas de recuperação que nenhuma outra ponte tem? A Ponte tem os seus problemas. Qual é a diferença da Ponte para as outras obras do Brasil? É que na Ponte a gente sabe exatamente onde tem a doença dela e nós vamos na ferida. E se tem duas ou três doenças ao mesmo tempo, a gente sabe dizer, esta é mais importante do que aquela, do que aquela, então a gente sabe remediar. A diferença é essa! Enquanto a gente conserta uma a gente monitora a outra, mas não deixa para depois, porque é o seguinte, há um ditado chamado lei dos cinco na engenharia: O que hoje custa um, se você fizer depois de amanhã, custa vinte e cinco, e se fizer depois, custa cento e vinte e cinco. Isso se chama Lei dos Cinco ou Lei de Sitter. Isso para engenharia é fundamental.
P - Siqueira, como é que você vê a Ponte Rio-Niterói nos próximos 50 anos?
R - Eu costumo dizer algumas coisas nas minhas palestras que eu vou comentar aqui. Sempre tem gente que vai lá na ponte, a gente dá palestra. Eu costumo dizer o seguinte: “Hoje, na minha visão… eu venho de uma época em um rádio, tinha que esperar a válvula aquecer para você ouvir. Você ligava o rádio e esperava uns trinta segundos para aquecer uma válvula, um olho mágico aquecia, aí o cara falava. Geladeira, tinha geladeira a querosene. Fogão, era com carvão. Isso virou história. Que comparação eu quero fazer? Do jeito que o progresso da humanidade está célere, provavelmente daqui a cem anos, por exemplo, não exista mais veículos motorizado, ninguém vai usar mais carro, nem elétrico. E como é que vai ser? Aí, onde vem a ficção que todo mundo me chama de doido, mas que eu digo que pode ser. Eu não sou um Júlio Verne, mas pode ser. Nós estamos aqui reunidos, daqui há cem anos, qualquer motivo, cada um tem um chip no braço, quando acabar: “Vamos resolver onde a gente vai almoçar?”, “vamos!”. “Vamos à Champ des Elysees lá em Paris?”. “Vamos!”. “Então, põe ai no seu". “Champ des Elysees, ok?”. “Ok!”. Teletransporte ... Pum, chega lá! Isso é um sonho, um devaneio. Não importa meu amigo, não importa. A duzentos anos, trezentos anos, quinhentos anos, você não imaginava o que é agora. Vamos voltar a realidade agora. É possível que daqui a cem anos não tenha mais veículo automotor, ou o homem aperta um chip aqui e sai voando. Essa ponte deveria ficar aí. Pra quê? Para que as pessoas do futuro imaginassem o que eram os ancestrais dele e dizer assim: “Que absurdo levar treze minutos para vir do Rio para Niterói, a gente vai 0,01 segundo”. Onde eu quero chegar? Se esta da ponte tiver o mesmo nível de manutenção que vem tendo ao longo de todo esse período que eu to lá, ela vai ter uma vida longeva, a vida útil dela é a perder de vista, cem, cento e cinquenta, duzentos anos. Sem nenhum problema! Mesmo que sirva de museu. No Japão tem pontos com mais de duzentos anos em madeira. Madeira é muito mais suscetível aos ataques da agressividade atmosférica do que o concreto, o japonês mantém essa ponte intacta, é o orgulho da engenharia japonesa. Eu não sei que óleo de peroba é esse que ele passa naquela madeira, o fato que a ponte está sempre bem mantida e é motivo de orgulho do japonês. É isso que eu gostaria quando eu estivesse na Esplanada Celestial, que fizesse por essa obra. Porque custou muito caro para a nação. Ela já pagou tudo? Quantos milhões de pessoas já passaram pela ponte? Mais do que a população mundial, oito bilhões de pessoas já usaram essa Ponte Rio-Niterói em cinquenta anos. Então, ela tem que ser preservada e mantida, mesmo que seja um museu. “Olha como era na época do meu tataravô". É isso que eu imagino
P - Qual seria o conselho que você daria para um engenheiro que está se formando e que gostaria de trabalhar com engenharia de manutenção de pontes? Por favor, Siqueira.
R - Eu tenho um defeito que eu não leio muito, eu deveria ler muito mais. Uma pessoa para ser culta tem que ler muito, tem que saber, da literatura, coisas do passado. Mas eu vi uma vez num livro, ou no jornal. Eu ainda sou do tempo que assinava o jornal fisicamente, O Globo, em que o ministro da educação e da cultura, na China, pronunciou a seguinte frase. Eu digo isso em todo congresso que eu vou que tem aluno, ou palestra que eu dou em Universidade. Eu não lembro o nome dele, ele disse o seguinte: “Uma nação que quer crescer, tem que formar os melhores profissionais do mundo, por isso tudo começa aqui sentado nas aulas, é aqui que começa". Olha que frase importantíssima. Eu tive na China pela primeira vez a convite do governo chinês, eles vieram aqui ver a Ponte Rio-Niterói e ficaram admirados como a gente mantinha a ponte. E perguntaram se eu podia ir lá dar aula pra eles. Eu pensei que fosse brincadeira, 15 dias depois chegou a passagem em casa. Eu tive que correr no consulado, pegar o visto, uma fila danada, daqui a pouco chegou uma chinesa lá. “Quem é Carlos Henrique Siqueira?”. “Sou eu!”. Já estava tudo pronto! Eu fui pra China, dei aula durante uma semana a eles. Na despedida, num restaurante que eu nunca vi nada igual, só em cinema, uma mesa redonda enorme, vários chineses. Tinha uma tradutora, a secretária do chefe, ele falou um negócio e eu perguntei a ela o que é que ele tinha dito. Ela falou: “Ele está dizendo o seguinte: ‘o senhor está aqui em 2004, daqui a vinte anos o senhor vai ver o que a China, a potência que vai ser a China com a educação que ele está dando ao nosso povo’". Olha a China aí! Nada se constrói sem o estudo. Se essa geração que vem aí quiser prosperar, batalhar pra ser alguém no ramo que ele seguiu, aprenda as missões nas cadeiras em que você tá ocupando, ouvindo o seu professor, estude! Porque depois você não tem tempo para isso não, ou se tiver, você vai sofrer igual o Carlos Henrique, que tem que estudar de madrugada para entender um pouco da ponte Rio-Niterói. Este é o conselho que eu dou, é agora que você tem que estudar, faça essa bagagem teórica, que a prática você vai adquirir, mas você precisa da teoria. Esse é o conselho que eu dou para os alunos aí.
P - Já que a gente está falando de educação, eu gostaria de finalizar o seu depoimento, você nos mostrando a sua tese de doutorado. Você depois de tantos anos de experiência prática produziu uma referência, né?
R - Depois de velho, digamos assim, eu resolvi estudar. Então eu fiz mestrado na UFF, já tinha feito pós-graduação na COPPE, na minha época de garoto, fiz mestrado na UFF acho que em 2002, 2003. E fiz doutorado na UFF em 2009. E o que que eu pensei, vários assuntos técnicos e passava um, passava o outro, falei: “Não, eu tenho que retribuir pra prima-dona das pontes brasileiras o que ela fez por mim". Então eu resolvi escrever uma história completa, desde os primórdios do Brasil Império, quando surgiu a ideia de irrigação das cidades. E coloquei no meu projeto de teste de doutorado: “Projeto construção, inspeção e manutenção da Ponte Rio-Niterói”. Este documento, são dois tons, volume um e volume dois, os dois juntos tem mais de seiscentas folhas. Isso é a resposta que eu dou em agradecimento o que a ponto fez por mim. Eu fiz propositadamente, defendo a minha tese no dia 4 de março de 2009, eu tinha 61 anos. Exatamente no dia do meu aniversário, exatamente no dia do aniversário da ponte. Esta coincidência de datas, eu considero isso uma benesse do destino, não é possível tanta coincidência. Então, eu fico muito feliz em ter escrito esses dois volumes para homenagear aquela que realmente me deu tudo o que eu tenho: a Ponte Rio-Niterói. A primeira dama das Pontes brasileiras, o maior símbolo da engenharia do Brasil. Hoje ela é a vigésima terceira maior ponte do mundo, quando foi inaugurada, em 4 de março de 1974, era a terceira maior do mundo, só perdia apenas para duas nos Estados Unidos. Veja que arrojo da engenharia brasileira naquela época. Quando a Brooklyn Bridge, nos Estados Unidos, em Nova York, completou cem anos, o governo deu uma festa lindíssima, a Brooklyn Bridge. Tem outra ponte famosa nos Estados Unidos, que eu acho linda, só perde pra Ponte Rio-Niterói, logicamente, é a Golden Gate. A Golden Gate é belíssima, belíssima. A beleza dela é fantástica, repito, só perde para Ponte Rio-Niterói, ela vai fazer em 2037, cem anos, já se pensa o que vai ser feito para homenagear essa obra. É isto que eu já não estando mais aqui, espero que a sociedade faça, uma festa digna desta obra que representa o Brasil lá fora, a ponte é referência mundial na arte de manutenção de grandes estruturas.
P - E quem estava na sua banca de doutorado, Siqueira?
R - Tinham pessoas importantes que sugaram muito por mim, mas que foram de fato renomes. Aqui tem um, dois, três, quatro, cinco. Eu não quero desmerecer ninguém, todos são importantes, mas eu quero destacar um, este aqui que eu tô apontando, Ernani Diaz, o projetista da Ponte Rio-Niterói. O fato de eu ter escrito esses dois documentos, que somados dão um, que é a história completa da ponte, passando pela época de Brasil Império e chegando até 2009 e ter o referendo deste cidadão, que é projetista da Ponte Rio-Niterói, o maior calculista estrutural que esse país já teve, eu não preciso dizer mais nada, isto é o maior referendo que eu tenho, que essa minha tese foi realmente bem escrita. Este é o ponto de honra para mim da minha tese de doutorado. Eu agradeço sempre o Ernani, este homem que não é um ser humano normal, é um gênio. Eu jamais vou ter um bilionésimo por cento da capacidade que esse homem tem. Mas com todo meu parco conhecimento, ele me ajuda sempre que eu peço. Agradeço muito ao Ernani por isso aqui.
P - Muito bacana a participação dele. Siqueira, para finalizar, nome completo dos filhos, netos, por favor?
R - Eu tenho quatro filhos homens, dois do primeiro casamento, com Maria das Graças, que o nome da minha mulher, ela é engenheira civil. E os meus filhos chamam-se Cristiano Faria Siqueira, ele é engenheiro químico, mas agora trabalha na área de finanças, e o outro é Fabrício Faria Siqueira, que é engenheiro eletrônico, só vive viajando o mundo inteiro para dar as consultorias dele. No meu segundo casamento, com Margarida Coimbra do Nascimento, eu tenho dois filhos homens, gêmeos, tô em forma ainda, hein! Gêmeos. É Rafael Nascimento Siqueira e Gabriel Nascimento Siqueira. O Cristiano, o mais velho, vai fazer este ano, está perto dos 50, já vai fazer… tá perto dos 50. O Fabrício veio logo atrás dele, com 46, por aí. E o Gabriel e o Rafael, tem 23 anos, esse ano faz 24. Essa é a minha rica prole. Ainda tem um neto, que chama-se Henrique Terá Siqueira, tem três ou quatro anos, que é uma figura fantástica também. Então, eu me sinto agraciado pela vida que Deus me deu. O que é que eu posso mais esperar? Nada! Só que a Ponte me segure até eu ir embora pra outra esplanada.
P - Sonhos? Sonhos futuros?
R - Sempre me perguntam e meus filhos mais ainda. “Você tem que parar de trabalhar. Já trabalhou demais, trabalho não sei o quê…”. O trabalho pra mim é um lazer. Eu faço com tanto prazer. Mesmo que não seja a ponte, na minha área, patologia das estruturas, que isso me diverte, me motiva e me impulsiona a fazer mais coisas. Então, eu já disse aos meus filhos, eu um dia vou me aposentar, mas eu quero me aposentar e viver do que eu ganhei do meu trabalho. Eu vou me aposentar, ganhar, sei lá, um ou dois salários mínimos. Isso não me interessa. Interessa é que a economia que eu tenho vai me levar a ter uma vida modesta, mas uma vida modesta pecuniariamente, mas uma vida extremamente honrada e dela e grande que é da Ponte Rio-Niterói.
P - A nossa última pergunta. E o bairro da Urca, é um xodó?
R - A Urca é meu xodó, é realmente meu xodó, porque a Urca é o Oásis do Rio de Janeiro. Eu quando vim pra cá, como eu falei, eu fui direto para a Praça Seca, Rua Barão. Depois eu vim pra Praia do Botafogo, depois morei em Copacabana. É isso mesmo. Até que eu consegui um apartamento na Urca, pequeno, um quarto sala, mas muito jeitosinho. E comecei a morar lá, já trabalhando na Ponte. E resolvi, daqui eu não saio, daqui ninguém me tira. Todo mundo se conhece, mesmo que você não fale o nome da pessoa, ela já te viu. Eu tenho muitas amizades com os paroquianos lá da igreja da Urca, o padre Morais é meu amigo, eu sou um católico praticante, eu sempre converso com ele, é meu consultor espiritual, uma pessoa de um elevado, com um técnico saber muito elevado. Tem outras pessoas que eu conheço de lá, sempre me perguntam se eu conheço o Roberto Carlos, ele teve durante vários anos comigo, ia a missa no sábado a tarde, no banco da frente ninguém sentava, que já era cadeira cativa, sentava eu, Lady Laura, Roberto Carlos, Maria Rita e o segurança, ele sempre falou comigo, quando encontra na Urca. Não sei se ele lembra mais de mim, porque faz tempo que eu não o vejo, mas da última vez que eu o vi na rua, ele parou e me cumprimentou. Então, a Urca é um bairro que me lembra a minha terra, João Pessoa. Tem mais residência do que qualquer coisa. E tem uma gostosa cerveja gelada e quem sabe um dos melhores pastéis de camarão do Rio de Janeiro.
P - Está bom Siqueira, eu te agradeço profundamente. Eu gostaria de saber como é que foi para você contar um pouco dessa história, rememorar um pouco, participar do nosso projeto comemorativo dando um depoimento também para o Museu da Pessoa?
R - Eu fiquei muito à vontade. Eu me senti muito à vontade, parecia que eu conhecia vocês a anos e que eu estava falando com pessoas da minha família. Porque numa situação dessas a pessoa normalmente…. Numa situação dessas, a gente via de regra tem um pouco, pelo lado… de fraquejar em alguma coisa. Eu me senti muito natural, falei com vocês como eu dou uma aula, muito natural. E quando eu dou uma aula, eu sempre lembro, pra não ficar nervoso, que quem tá ali sabe menos do que eu. Não é possível! Se souber mais do que eu, eu vou pra lá e ele vem para cá. Então, fico mais tranquilo. E numa palestra também, as pessoas que estão ali, se eu tô levando um caso que eu sei, eles sabem, menos do que eu. Aqui foi muito natural, nada me deixou nervoso, preocupado, sob nenhuma ótica, sob nenhum aspecto. Se está feio, se está bonito, se é posição, se penteou aqui, se está de banda, de lado. Eu fiquei muito à vontade. Agora sabe o que é isso? O que está por trás disso tudo? O fato de falar da Ponte. Pode ter certeza! Eu me sinto muito ______. Essa obra um dia vai sair da minha vida, não tenho a menor dúvida, mas vai demorar um pouquinho, porque alguma coisa eu deixei para ela, com certeza! Alguma coisa eu deixei para ela, são 52 anos trabalhando numa obra em que vai fazer 50, se eu não tiver deixado nada, realmente eu sou um incompetente. Eu posso até ser, mas não tanto. É isso aí que eu lhe digo. Fiquei muito à vontade e vocês tiveram objetividade das perguntas foi fantástico também. Você fez uma sequência com a minha vida, quase no berço, até a minha idade agora. Eu abri a minha vida toda. Todo mundo já sabe até a idade que eu tenho. Aí não dá! Muito obrigado!
P - Eu que agradeço. Muito obrigada, por esse compartilhar de experiências. E a sua história de vida. Muito obrigada pelo belíssimo depoimento.
R - O agradecimento pode ter certeza que é todo meu. Eu já dei várias entrevistas, em vários locais, em televisão, em reportagem, já fiz um documentário enorme pra Sabrina Sato e para várias pessoas, em TV, todos os canais já dei. Mas nunca me senti tão à vontade como me senti agora. Eu que agradeço imensamente pela oportunidade. Muito obrigado a vocês. Parabéns a equipe coesa, profissional e que me deixou muito tranquilo. Muito obrigado!
P - Obrigada você!
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