Entrevista de Cecília Barros de Melo Falavigna
Entrevistada por Luiza Gallo
Floraí, 23/07/2024
Projeto: Colhendo histórias
Entrevista número: COHIS_HV007
Realizado por Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Para começar queria te agradecer demais por nos receber aqui. E queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, a data e o local de nascimento?
R - Primeiramente eu quero agradecer vocês por estarem aqui, é um privilégio poder estar com vocês ajudando nesse projeto de vocês, que seja assim, de muito sucesso. O meu nome é Cecília Barros de Melo Falavigna, eu sou natural do estado de São Paulo, Ribeirão do Sul, a data de nascimento é 06/04/1945. Com muito prazer, 1945. E estamos aqui para colaborar com vocês.
P/1 - Te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - A minha mãe contou a história de quando eu nasci, que chamou meu pai para ver o bebê, a menina maravilhosa que tinha nascido, o meu pai não quis pegar, porque falou assim: “é muito pequenininha, como é que eu pego?” E a mãe disse que ficou chateada, porque imagina, era filha dele e ele não queria me pegar. Mas eu tenho orgulho do meu pai mesmo ele não me pegando a hora que eu nasci.
P/1 - Você tem quantos irmãos?
R - Nós somos em quatro. Mamãe, papai, mais dois irmãos e tenho duas irmãs e um irmão, eu sou a mais velha dos quatro.
P/1 - Você viu todos nascer?
R - Mamãe teve assim, quase um atrás do outro, mas eu ajudei muito a minha mãe, porque quando o meu irmão já tava com dois anos aí, eu que dava banho nele. A gente morava no sítio. Eu nasci num berço de ouro, lá no sítio, num cantinho, num cafofo bem lindo, maravilhoso, com muito carinho, com muito amor dos meus pais. E aí eu passei a ajudar a cuidar das crianças, que dizer, da criança, do meu irmão que já estava com três aninhos. Então, a gente tinha uma bacia enorme, eu não sei dizer o tamanho da bacia, mas a gente chamava de bacião. E ali que a gente tomava...
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Entrevistada por Luiza Gallo
Floraí, 23/07/2024
Projeto: Colhendo histórias
Entrevista número: COHIS_HV007
Realizado por Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Para começar queria te agradecer demais por nos receber aqui. E queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, a data e o local de nascimento?
R - Primeiramente eu quero agradecer vocês por estarem aqui, é um privilégio poder estar com vocês ajudando nesse projeto de vocês, que seja assim, de muito sucesso. O meu nome é Cecília Barros de Melo Falavigna, eu sou natural do estado de São Paulo, Ribeirão do Sul, a data de nascimento é 06/04/1945. Com muito prazer, 1945. E estamos aqui para colaborar com vocês.
P/1 - Te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - A minha mãe contou a história de quando eu nasci, que chamou meu pai para ver o bebê, a menina maravilhosa que tinha nascido, o meu pai não quis pegar, porque falou assim: “é muito pequenininha, como é que eu pego?” E a mãe disse que ficou chateada, porque imagina, era filha dele e ele não queria me pegar. Mas eu tenho orgulho do meu pai mesmo ele não me pegando a hora que eu nasci.
P/1 - Você tem quantos irmãos?
R - Nós somos em quatro. Mamãe, papai, mais dois irmãos e tenho duas irmãs e um irmão, eu sou a mais velha dos quatro.
P/1 - Você viu todos nascer?
R - Mamãe teve assim, quase um atrás do outro, mas eu ajudei muito a minha mãe, porque quando o meu irmão já tava com dois anos aí, eu que dava banho nele. A gente morava no sítio. Eu nasci num berço de ouro, lá no sítio, num cantinho, num cafofo bem lindo, maravilhoso, com muito carinho, com muito amor dos meus pais. E aí eu passei a ajudar a cuidar das crianças, que dizer, da criança, do meu irmão que já estava com três aninhos. Então, a gente tinha uma bacia enorme, eu não sei dizer o tamanho da bacia, mas a gente chamava de bacião. E ali que a gente tomava banho, brincava, enchia, era nossa piscina. Quer dizer, na verdade não sabia o que era piscina ainda, mas aquilo se enchia. Nós tínhamos assim um tanque, um tanque não, feito de madeira, aqueles cochos grandes e tirava água do poço, enchia aquilo lá, para gente poder lavar roupa, para fazer… E a gente brincava lá também. E numa dessas vezes que a gente tava tomando banho, mamãe… pois assim a água para aquecer no fogão a lenha, botava a lenha ali, botava o fogo, então tinha uma chaleira grande para aquecer a água e depois você fazia a mistura para dar banho. Numa dessas vezes eu estava colocando, peguei a chaleira, colocando a água na bacia, a minha irmã, Célia, que é logo depois de mim, veio e me deu um empurrão e eu caí dentro da bacia. Em vez de por água fria primeiro, não, eu fui botar água quente. Então, o que aconteceu? Foi aquele transtorno, porque queimou meu braço, aí eu chorava, o meu irmãozinho já estava sem roupa para poder entrar, porque queria tomar banho, porque ali era um lugar de divertimento também. E a minha mãe ficou brava, bateu na minha irmã porque ela tinha feito aquilo. Bom, enfim, essa foi uma das passagens que a gente era pequenininhas.
P/1 - Tem outras?
R - Ah, tem muitas coisas assim, tempo de infância, que a gente recorda e às vezes, coisas também que já esquecemos. Uma das coisas interessante, não, eu digo assim, corajosa de criança. Como a gente morava no sítio, a gente não comprava leite, a gente nem sabia que comprava leite. Que dizer, comprava do vizinho. Mas nós tínhamos a vaca de leite. A vaca de leite nossa chamava Morena. E a vaca já estava com bezerro, então tirava o leite, mamãe tirava aquele monte de leite. A gente foi criada com leite, com leite, com a manteiga, com a nata, com os bolinhos feito de nata, então, sempre uma delícia. E a gente saía para brincar, a minha irmã, a outra irmã, a Dalila, o meu irmão era pequenininho, né? E a gente ia brincar, fazer piquenique. Eu não sei se a gente lá falava piquenique, naquela época, mas a gente levava um pano grande, colocava na grama, na beira da cerca, porque para um lado era o pasto da vaca e aqui era o caminho que a gente passava, que era um caminho assim, lindo, tinha uns Eucaliptos bem altos. Portanto, eu plantei Eucalipto aqui, na lembrança daquela época. E a gente ficava brincando ali. E a vaca era tão mansinha, que ela vinha na beira da cerca, para dar mamar para o bezerro. O que a gente fazia? Também ia lá tirar o leite da vaca, pegava uma caneca correndo e tirava o leite na caneca, e a gente tomava o leite quente da vaca. Faz um mal, né? Hoje todo mundo fala isso. Vai falar, meu Deus. Mas era a coisa mais gostosa, mais divertida. Que a gente lá tava tirando leite da vaca, a gente era pequena. Eu não me lembro assim, a idade, mas o meu irmão era pequenininho ainda. E ele tava ali junto com a gente, quer dizer, eu teria o que, a diferença entre eu e ele, eu sou de 1945 ele é de 1950. Dentro de cinco anos, quatro filhos.
P/1 - O seu irmão é o mais novo?
R - Era o mais novo, ele é o mais novo. Outra passagem de criança. Então, quando a gente não tinha vaca com o leite, a gente ia buscar leite no vizinho. E numa dessas vezes… A vaca do vizinho, era vaca da brava. E nós fomos com o caldeirãozinho buscar, a minha irmã e eu, fomos lá para buscar o leite na vizinha. E nisso a vaca veio, e a gente com o leite dentro do caldeirão, você imagina, duas crianças no meio do pasto junto com as vacas. Aquilo nós queria passar por debaixo da cerca e o leite derramou tudo. Aí, nós chegamos em casa chorando com o balde vazio, aí a minha mãe: “Vai buscar leite de novo”. A minha mãe era uma pessoa assim, muito pronta para fazer tudo. E ela queria fazer os quitutes, porque a gente comia. A nossa alimentação era alimentação saudável, porque a gente plantava arroz, feijão, verdura, alface, tudo era acolhido ali na hora para gente comer. E o leite, quando a gente tinha o leite a gente tinha o queijo, porque minha mãe fazia o queijo. Então, a gente foi assim, alimentado, com se diz, com a comida mesmo, nada de embutido, a gente não conhecia nada embutido. Então, a gente comia realmente comida saudável. Abelha, a minha mãe fazia, tinha as caixas de abelha, e a minha mãe ia que tirava o mel, ela botava uma roupa… Eu lembro que ela botava aquela roupa toda branca, e a gente ficava esperando ela tirar o mel, quando ela tirava o mel, aquela bacia, ela botava todos os favos, depois aquilo lá era espremido, corrido, coado e a gente tinha o mel também. E numa dessas vezes, a minha mãe falava assim: “Não comam tanto mel, depois vocês vão tomar água, vai fazer mal”. Que nada minha filha, a gente ia lá pegava o favo e corria atrás da casa, pegava o favor e corria para dentro da casa. O que aconteceu? Deu sede. Bebemos água. Menina, não deu nada, nós ficamos mal do estômago, a minha mãe: “Eu falei, vocês não obedecem.” E aquele drama por causa de comer um mel. Comemos mel demais. Então, a gente, é assim, tudo saudável. Depois a gente já foi crescendo, a minha mãe e o meu pai mudaram daquela casa, mudou-se para uma outra mais perto da família da minha avó. Não era avó, era madrinha, porque a minha avó chamava-se Ana e ela não queria que chamasse ela de avó, porque vó era velha e madrinha, não. Então todos os netos da minha avó, da minha madrinha, todos chamavam ela de madrinha, não de vó, porque vó era sinônimo de velha. Então, a gente… éramos assim, porque o meu pai veio de uma família de onze homens e quatro mulheres, então era um time de futebol e as mulheres que eram os goleiros eu não sei, mas fala… E a gente tinha uma imensidão de primos, e juntava tudo na casa da madrinha, a casa da madrinha ainda tinha os solteiros, às vezes, a gente ficava até tarde da noite lá, depois tinha medo de ir embora para casa à noite, porque a gente não tinha medo, mas a gente tinha receio de ir, porque a gente tinha que atravessar um matagal, capim. Como era o nome do capim? Não me recordo o nome do capim, mas a gente tinha que atravessar, era um caminho estreito assim, para gente poder chegar em casa. E tinha um tio, que era o caçula, nosso tio, que era muito safado, ele chama Camilo, ele tá vivo ainda, ele tá com os seus noventa e pouco também. Mas ele era muito danado, ele ficava escondido no meio do mato para assustar a gente para ir embora para casa. E a gente ficava assustado, porque passando por ali, ouvindo aquele barulho, então às vezes a gente dormia na casa da madrinha. E o que aconteceu? A gente tomava banho e ia para casa da madrinha, todo mundo na juntava-se na madrinha, a tarde assim, aquele reboliço de criança.
P/1 - Morava todos próximos?
R - Todos próximos. Aí o que acontecia? “Ah, vamos dormir tudo na madrinha hoje”. E naquela época, você não se lembra, que dizer, nem nunca ouviu falar. O colchão que a gente dormia era colchão de palha. Hoje, se você for lá na Sociedade Rural, você vai ver uma casa do Colono, que lá resgata essa época, e lá tem um colchão de palha para as pessoas verem. E a gente dormia no colchão de palha na casa da madrinha. E todos os colchões, dos filhos todos, eram de palha. E para dormir tinha que estar com os pés limpos. E agora a criançada tem pé limpo? Não tinha pé limpo. Então a madrinha fazia assim, punha três, quatro, gamela, que chamava gamela. Três, quatro gamela com água, todo mundo tinha que lavar os pés para ir para cama. E era aquele bando de criança lavando os pés para ir dormir, porque senão sujava o colchão. Porque brincava, corria para a terra, grama. Então, era a coisa mais gostosa do mundo. Foi uma infância muito boa, de muitas alegrias.
P/1 - Tinha brincadeiras?
R - As brincadeiras, minha filha, era de correr no saco, era daquele… Nossa, olha, eu sinto saudade daquelas brincadeiras, tinha aqueles ______, como é que chama aquele que jogava assim? Outro de passar anel. A gente não vê mais isso, as crianças hoje não sabem o que é passa anel. Então, a gente brincava de tudo, de pega-pega, de esconde-esconde, de pular amarelinha, de… Nem sei, uma imensidão de brinquedos, que hoje a gente nem se recorda tanto. Mas foi assim, uma infância gostosa. E lá no sítio, lá na madrinha, tinha a escola que era do Estado, então a gente frequentava essa escola, chamava Escola do Capim. Capim era o Rio Capim e o Rio Matão, então o Rio Capim e o Rio Matão se juntavam, aí formava o outro Rio. Então a escolinha ficava no Rio Capim. E essa escolinha que a gente começou a ir para escola, começar o beabá ali. A professora vinha de Ourinhos ou vinha de Salto Grande, ou de Santa Cruz do Rio Pardo. E ficavam na casa de quem morasse na escola. Então, quem passou a dar pensão para as professoras que vinham, porque a gente morava lá num sítiozinho, aí a minha mãe e meu pai mudaram para a escola, porque tinha a escola, um galpão e uma casa. Como não tinha ninguém para dar pensão para as professoras, a minha mãe passou a dar pensão para a professora, dava comida, dava o quarto e ela ficava ali. Às vezes tinha professora que preferia ficar na Vila, que se chama Ribeirão do Sul, morava lá na casa de uma outra pessoa e vinha para dar aula ali. Então a gente morava ali na escola, ali era uma outra época que a gente já estava maiorzinhos, morando na escola. E nesse período aí, o meu pai, a família do meu pai, os irmãos, os meus tios, eles faziam açúcar. O açúcar, o mascavo que todo mundo usa, que pago caro, a gente tinha de graça em casa. Era açúcar, o melado, a rapadura, tudo feito no sítio. Quer dizer, a gente foi criado mesmo, com as coisas da natureza, lá do sítio. O leite era de lá, o açúcar era de lá, o arroz era de lá, o feijão era de lá. E a gente plantava também algodão. Então, a minha mãe fazia as bonequinhas para nós, porque nós não tínhamos bonecas. A minha mãe fazia bonequinha e enchia com algodão, colhido lá no sítio. Fazia bola, fazia bichinhos, tudo. A minha mãe era muito prestigiosa para fazer isso, muito criativa. Minha mãe foi uma pessoa assim, maravilhosa. Depois eu vou falar um pouquinho da mãe. E nessa época, então, tinha lá o engenho. Do engenho que era moído pelo cavalo, rodava aquilo ali, que era o engenho, aí moía e tinha a cana, fazia a garapa. A gente tomava garap, depois dava um sono na criançada. Bom, isso foi… E aquela garapa ia para o tacho, botava fogo aqui, aquele tacho enorme e aquilo ficava cozinhando, e a gente pegava naquela pá assim, puxava e caia, puxava e caia, sabe, a cana. Até que aquilo foi apurando, apurando, virava o melado. Você apurava mais um pouquinho para virar rapadura, aí você pegava aquilo, tinha as forminhas tudo certinho assim, e você despejava aquele caldo grosso nas forminhas, aí deixava um período lá e aquilo lá endurecia e ficava rapadura. Aí a gente comia o doce de rapadura. E às vezes, o meu pai, muito prestimoso e ele falava: “Vamos fazer rapadura de tal coisa.” Então, misturava alguma coisa, alguma fruta, algum sabor naquilo ali. A gente tinha coco, ralava o coco, igual aquele coco que tem ali, ó. Ralava o coco, partia o coco, ralava e punha junto com a rapadura, quando misturava um pouquinho daquilo… não fazia toda a rapadura com coco, mas para variar. Então, o pai fazia isso daí. E as coisas foram crescendo. Vou falar para você, a tecnologia antigamente, era muito devagar, mas devagar e sempre, sempre tinha uma coisa nova para você fazer. Aí veio a fase do Engenho, da cachaça, então foi comprado o tonel, onde põe fogo, esqueci o nome. A caldeira. E o meu pai era o foguista, meu pai é que botava fogo lá para funcionar tudo aquilo lá. Então, meu pai botava fogo lá, e o fogo era feito com a própria cana, moia a cana, o bagaço da cana era que sustentava o fogo. Então, você vê que a gente aproveitava tudo. Aproveitava a cana, porque daí nós não fazíamos mais a rapadura e nem o açúcar, passamos a produzir, fazer a cachaça. A cachaça era coisa do outro mundo naquela época ali, porque não tinha quase. Então, essa cachaça foi assim… Eu não me lembro quantos anos que eles tiveram, só que o meu pai punha fogo e subia, ia lá em cima, para ver a dosagem da cachaça. Porque era assim, eles punham uma uma substância ali, uma base para ele fazer a fermentação, e fermentava aquilo lá, aí saía aquele caldo, e o meu pai ia lá limpava e aquele fermento depois ia para caldeira para ferver para que pudesse sair a pinga. Então, o vapor daquele caldo, daquela cana fermentada e que se transformava em cachaça. A cachaça doce e quente, imagine as crianças experimentando a cachaça quente. Bem, aí meu pai então tomava conta desses dois. E os outros eram a função de buscar a cana com trator, de botar lá na moega. Enfim, era um serviço conjunto dos irmãos ali. E as crianças tudo em cima também olhando, né? Chegava final de semana, juntava a criançada na casa da madrinha, aí a gente saía para andar, ia para a beira do rio, tinha uma cachoeira, os meninos subiam lá em cima, onde caia a água, e vinha junto com a água para baixo, que era um caldeirão grande assim, onde parava a água. E a gente então vinha, puf, dentro da água. E mais para baixo tinha uma uma árvore que atravessava de um lado para o outro assim, a gente chamava de Pinguela. Não sei se hoje ainda chama. Mas era Pinguela, a gente atravessava em cima daquela árvore ali para ir para o outro lado. Horas a gente pegava… Esqueci. Naqueles fios, não me recordo o nome agora. Não é bambu não,
P/1 - Cipó?
R - Era cipó. Você tá por dentro, hein?! Era no cipó. A gente pegava no cipó e soltava, ia lá e se soltava e caía dentro daquele poço de água, aquilo ali era vida para nós. Bem, isso antes de tomar as pinguinhas. A gente ia no tonel, o tonel bem grande, bem alto, e depois que a pinga já estava lá, porque ela ficava adormecida ali, naquele tonel, para depois ser vendida. E tinha uma portinha, uma tramelinha assim na porta, e a criançada descobriu como é que abria aquilo ali. Aí, a gente entrava lá dentro do tonel, e lá no tonel tinha uma cabacinha, era pequenininha assim, que era a dose de você tomar pinguinha. E ela ficava pendurada no prego assim. E fazia fila para tomar aquele golinho de pinga. Aí, a gente abria a torneirinha, bem pouquinho assim, e experimentava a pinguinha. Mas aquilo lá ardia, porque pinga, você já pensou? Bem… Aí, às vezes, nós esquecemos a porta aberta, daí. “Quem foi que largou?” “Eu não”. “Eu não fui”. “Eu não”. Então, era aquela guerra. Aí a gente levava umas cacetadas dos maiores. Porque deixar aberto, a responsabilidade… Que dizer, a gente não tinha responsabilidade nenhuma, queria brincar. Aí, eu voltei para casa, aí eu comecei a ir para escola, aí eu comecei a ir para escola. Esse tempo da escola, até o terceiro ano primário, fazia ali. O quarto ano primário a gente tinha que ir para Vila, ou a gente ia a pé, andava seis quilômetros, a pé, para ir fazer o quarto ano primário. Ou a gente ia a cavalo. Nós tínhamos um cavalo que chamava Gaúcho, era meu cavalo. Esse cavalo era branco, aquele cavalo enorme, alto, lindo. Então, eu tinha assim, uma paixão por aquele cavalo, porque eu saía no meio do pasto, falava: “Gaúcho, com a mão atrás. Gaúcho, Gaúcho.” O Gaúcho vinha e eu abraçava o cavalo. Onde a gente pegava esse cavalo, trazia até onde, eu conseguia jogar… Pequena, eu subia num banquinho como esse, para poder… A minha irmã pegava o ______, que a gente chamava, para jogar em cima do cavalo, para depois jogar o… Aí, a minha mãe vinha e jogava o arreio, para a gente poder montar. Aí a gente montava, apertava mais ou menos a barrigueira do cavalo, e a gente ia para a escola. No dia que o cavalo deixa a gente pegar, a gente fazia isso. Aí, chegava num determinado pedaço do caminho, tinha uma árvore enorme caída, a gente descia em cima da árvore, o cavalo chegava bem perto, a gente puxava aquilo ali, para apertar de novo o arreio, porque o arreio tava caindo. Ia eu na frente, a minha irmã atrás. Aí acabava de chegar na vila. O cavalo ficava amarrado até às cinco horas da tarde, sem água, sem comida. Porque a gente tinha que voltar, e como é que eu ia soltar o cavalo? A gente amarrava no quintal de uma pessoa. Essa pessoa, quando ela estava lá, ela ficava com dó e dava água no balde pro cavalo, então o cavalo _____ porque a gente tava dentro da escola. Bem, aí um belo dia, um senhor chegou e falou assim: “Vamos apostar corrida?” Falei: “Vamos”. Ele de bicicleta, nós no cavalo. O cavalo sabia o caminho direitinho de ir para casa. E a gente passava no meio de uma massa fechada para chegar até em casa. E esse cavalo sabia o caminho, ele só parava se tivesse uma cerca. E esse senhor que apostou corrida, ficou para trás, porque o cavalo… A gente segurou aqui no cavalo, a minha irmã segurava aqui em mim e fazia upu, upu, upu. O cavalo corria, minha filha, erguia o rabo e se mandava. E o cavalo não parou, ele foi parar onde tinha porteira, na porta da minha casa. Aí, esse senhor, que estava de bicicleta, foi até a casa da madrinha, porque era perto. E falou assim: “Dona Ana, cadê as meninas do Cirilo?” “Por que? O que aconteceu? “Ah, nós apostamos uma corrida e elas sumiram. Elas sumiram, eu não sei agora onde elas estão.” Porque a gente já tinha chegado em casa, e a madrinha não viu, já tinha chegado há muito tempo, porque o cavalo desembestou. Que falava. E lá fomos nós a cavalo. Chegamos a cavalo. Outra do cavalo, porque eu amava esse cavalo. O cavalo não queria deixar eu pegar, e esse cavalo corria, corria, corria, corria, e eu falava: “Deixa pai, deixa que eu pego.” Eu pegava um prato com sal e a rédia aqui atrás, a corda. “Vem Gaúcho, vem Gaúcho.” Então, o Gaúcho vinha para comer o sal e eu jogava. Mas tinha dia que ele inventava, eu não quero. E o cavalo não deixava mesmo. Posso falar um nome feio? Ele xingou o cavalo de filho da puta. E como a gente era criança, a gente não xingava, não sabia o que era xingar. Sabia que era feio, que era pecado e que era feio. E o meu pai então, falou isso para o cavalo. E eu chorei o tempo todo, porque… Você sabe quando que eu fui tirar isso daqui, depois que eu já estava casada. Eu fui tirar isso de dentro do meu coração.
P/1 - Como que você tirou?
R - Porque eu cheguei e falei pro meu pai… Eu não tinha coragem de falar pro meu pai. Que o meu pai xingou o meu cavalo de filho da puta. E eu chorava muito por causa disso. Então, o cavalo ficava lá, a gente até às vezes perdia o horário da aula, porque era longe e não chegava. E outra história do cavalo. O cavalo que se assustava com qualquer coisa, e eu na frente e a minha irmã atrás, e chovendo, abrimos o guarda-chuva, e deu um vendaval, o vento derrubou o guarda-chuva, virou o guarda-chuva, o cavalo fazia assim: “Dizuuuu, dizuuuu.” E eu não soltava o guarda-chuva e a minha mãe gritava: “Nossa Senhora da Aparecida, essas meninas vão cair.” Precisa ver o desespero da minha mãe, porque o cavalo não parava e eu não soltava o guarda-chuva. E o vendaval, e o vendaval, e o vendaval, até que eu soltei o guarda-chuva preto, o cavalo viu aquele negócio preto no chão, pisoteou tudo em cima, estragou tudo. Bom, enfim, aí foi. Então, essa história do cavalo, que depois de grande que eu consegui me libertar, porque eu cheguei e falei para o meu pai. “Pai, eu tinha uma dó do meu cavalo, do meu do meu Gaúcho… o Gaúcho morreu e eu não me lembro quando ele morreu, mas eu perdi o cavalo. Mas não porque o meu pai xingou, porque ficou velho. Aí, outra história que eu quero lembrar. A gente não tinha joia, não tinha nada, nem de docinho. Porque antigamente você tinha um anelzinho que vinha no doce, você comprava o docinho porque você queria o anel. Aí, nós tínhamos um casamento para ir, e meu pai e minha mãe tinham aliança. Então, quando saia, colocava aliança, fora disso não usava, senão estragava. E a aliança era de ouro. A minha estava com a aliança e o pai como trabalhava mais braçal, ia para roça, tudo. Eu fui buscar a aliança para ele pôr. E eu olhava aquela aliança, pus no dedo aquilo lá, achava uma coisa linda, maravilhosa, aquilo lá. E tinha… Como é que chama isso aqui? Calçada. E nós tínhamos pato. E a aliança fez assim: tum, tum, tum. E o pato veio e tufe na aliança, comeu a aliança. “Ai meu Deus, ele comeu a aliança.” Aí você não sabe o que eu fiz. Nós fomos na festa, meu pai não falou da aliança e eu também fiquei quieta. E eu no outro dia fiquei andando atrás do pato. Pensando que o pato ia fazer coco. Mas não, minha filha. O pato, diz que ele é tão forte, que derreteu. Eu não sei se derreteu mesmo a aliança. Disseram para mim depois que derretia. Mas que nada, minha filha, fiquei o dia inteiro correndo… E minha mãe fava assim: “Por que você está correndo atrás desse pato? Por que você tá correndo atrás desse pato? Para de correr atrás do pato.” Mas eu não contei o que era, o porquê eu corria atrás do pato. Porque queria ver o pato fazer coco para ver se a aliança estava lá. Que criança faz isso?
P/1 - Não recuperou?
R - Não, nunca. Recuperou depois de eu casada, que eles fizeram 25 anos de casados. Vinte cinco anos de casados, não, cinquenta anos de casados. Eu fiz 25 e eles fizeram cinquenta, aí eu comprei um par de alianças e dei para eles.
P/1 - Você contou a história?
R - Não, aí depois de muito tempo, que não acho, que não acho, que não acho, foi quando eu tive que contar, porque daí, meu Deus, já estava aquilo lá virando uma bola de neve, falando até que alguém podia ter pego, podia ter roubado. E eu fiquei com esse… falar de roubo a gente morria de medo, então eu acabei contando a história do pato.
P/1 - Dona Cecilia, como era o jeito da sua mãe?
R - A minha mãe era uma pessoa assim, era uma pessoa que lia muito. A minha mãe costurava muito bem, a minha mãe fazia crochê muito bem, e a minha mãe fazia tricô muito bem, a minha mãe fazia os quitutes muito bons. Era uma pessoa prestimosa para tudo que era coisa. O que ela via, se ela visse alguma coisa ali. “Aquilo ali dá para fazer doce. Vamos experimentar para fazer doce.” Tudo ela virava em doce. E o meu pai era um formigão, porque se não tivesse o doce ele comia o açúcar na mão. Ele falava assim: “Que saudade da época que eu fazia o açúcar.” Porque daí nessa época já não fazia mais, daí a gente já estava maior, o engenho acabou, o engenho, aí ele só continuava com a pinga. Então não tinha açúcar. De vez em quando ele trazia a garapa para casa e fazia em casa, três, quatro pedacinhos de rapadura. Ele fazia três, quatro, porque ele tinha saudade também daquela época. Como a gente tem saudade, ele também tinha da época que fazia aquilo lá. Mas as coisas vão passando, vão mudando, né? Bem, eu queria passar um outro pedacinho que eu esqueci. Quando a gente ainda morava na primeira casa, que a gente era pequena, que a minha mãe… O meu pai tinha, antes da pinga, antes da coisa, tinha café. Eles plantavam café. E nós crianças, eu e os meus irmãos e a minha mãe, a gente ia para a colheita do café.
P/1 - Pequena?
R - Pequena. A minha mãe levava um lençol bem grande assim, botava meu irmãozinho que era bebê ainda, pequeno, ali, ele dormia, punha um véuzinho em cima por causa dos mosquito. E a gente ia apanhar café. Se estendia um pano debaixo do pé de café e a gente puxava o café e caía tudo ali em cima. Quando não tinha este pano, porque às vezes tinha várias pessoas, o pano não dava, então se fazia na terra mesmo. Aí, pegava o rastelo, rastelava tudo aqui no cantinho, aí juntava aquilo, punha a peneira, abanava o café. E era pequenininha, tinha uma peneirinha deste tamanho.
P/1 - Você estava contando do cafezal.
R - Então, a gente ia para o cafezal e a gente ajudava a colher o café. Mamãe levava assim, o almoço, o café da tarde, pro pai e para nós todos. Levava leite, punha na garrafinha, tudo certinho, belezinha. E a gente passava o resto da tarde, até acabar de colher o café. A gente chegava em casa só com os dentes e os olhos, cheio de terra. Mas era assim, uma coisa gostava, que a gente tava com o pai e com a mãe. Por isso que quando eu fui para lá, eu chorava, porque eu sentia falta do pai e da mãe, de estar junto com eles. Então, essa foi uma fase do café.
P/1 - Antes do engenho?
R - Antes do engenho. Aí depois que veio a fase do engenho. Você vê como as coisas… a tecnologia bem devagar, do café, passou para o engenho, depois do engenho passou para pinga. E assim vai, né? Mas ia devagar. E a gente achava que era muito longo o ano, porque a gente não tinha… a ocupação da criança era aquilo ali, aquela atividade, mas você fica esperando por algo a mais. E o que a gente esperava para final de ano? Um presente. A gente não tinha presente, como agora, qualquer coisa, é dia da criança, e dia de não sei o que. A gente não tinha disso, o presente nosso, o nosso brinquedo, era boneca de pano, de sabugo, de palha. E quem trazia um presente da cidade, era o meu avô. Então, a gente esperava muito para chegar o final do ano, o natal, porque a gente ganhava uma boneca. Eu ganhava boneca, eu guardava a boneca, durava o ano inteiro. Mas minha mãe fazia outra que era para guardar aquela. Demorava muito para chegar o final do ano, para ganhar uma boneca.
P/1 - Como era o Natal de vocês?
R - A festa de Natal era assim, era normal, que dizer, normal. Não era como hoje, que você faz aquelas coisas. Às vezes a gente ia almoçar na casa da madrinha, ou se não vinha alguém almoçar em casa. E a gente fazia o presépio, na época do Natal, montava ali. A gente fazia sacrifício de pedrinha, um sacrifício… “Ai, eu não quero comer isso.” Eu comia. Era uma pedrinha de sacrifício. Era isso que a gente fazia para o Natal. Se fazia um presépio e a gente ia juntando as pedrinhas e colocando lá, o sacrifício que a gente fazia. Então, a gente tinha assim, uma imensidão, porque tudo a gente transformava em sacrifício, sabe? E rezava e punha uma pedrinha lá no presépio. Aí, depois vinha a fase do presente. Quem trazia o presente? O vô que trazia. Deixa só eu contar uma história, que isso eu não contei. Quando a mamãe ficava grávida, quem que vinha trazer o bebê? Era época da cegonha. Isso eu esqueci de falar. Mas a gente ficava olhando para o céu. “Mas aonde que está a cegonha?” Depois você encaixa lá na história, naquele pedaço lá. Olhava para o céu. “Mas que hora a cegonha chega?” E a gente não via essa cegonha chegar. Aí a gente ia dormir, porque ficava cansada de olhar a cegonha, e a cegonha não chegava. Dormia, quando chegava de manhã, o neném aparecia. Aí falava: “Mas a cegonha, nós não vimos a cegonha.” “Ah, vocês dormiram, a cegonha chegou”. Olha, e a gente acreditava nessa cegonha. Aí, depois a gente foi ficando mais espertas, que história de cegonha é essa?
P/1 - Papai Noel vocês também acreditavam?
R - Não. Papai Noel… a gente não acreditava no Papai Noel, era o Papai do Céu. Era o Papai do Céu, e a gente botava assim, quer dizer, tinha a historinha de você pôr as coisas ali, mas a gente tinha que rezar, a gente tinha que fazer o sacrifício, a gente tinha que ser bonzinho, a gente tinha que ser obediente, a gente tinha que estudar, a gente tinha que ajudar a mamãe, ajudar o papai, tudo isso era colocado lá como um sacrifício ou um pedido, então o menino Jesus vinha trazer, ele chegava o dia, porque eu rezei, porque eu fiz, eu fui boazinha, porque eu fui obediente. Então, não era Papai Noel. A gente rezava, a gente fazia tudo aquilo para poder ganhar um presente. Aí a gente ganhava um presente. Quer dizer, do pai, da mãe, a gente não ganhava muito não, porque a gente não tinha. Mas ganhava. A minha mãe, às vezes, fazia as bonequinhas escondidas, e vestia, fazia aqueles vestidinhos lindos, maravilhosos, que a minha mãe era prestimosa, então ela fazia o vestidinho e vinha com a bonequinha bonitinha. Mas a boneca principal era do vô. Uma vez ele trouxe uma boneca linda, e nós fomos num casamento, isso já tinha passado o Natal. E nós fomos num casamento. E na casa que eu fui, era assim, uma casa como essa daqui, e tinha uma escadaria enorme aqui. E eu estava lá na sala com a boneca na mão, perto da escada. E alguém bateu em mim e a boneca foi. E naquela época a boneca era de porcelana, o rostinho de porcelana, os pezinhos, as mãozinhas de porcelana. O que aconteceu? Gente, aquilo eu chorava, e catei pedacinho por pedacinho. A minha mãe pegou, enfiou o algodão por dentro assim, sabe? Fez então a cabecinha dela e colou. Ela fazia a cola com Maizena, fazia uma colinha e colou o rostinho da boneca. E eu ficava adorando aquela boneca, ano inteiro, não mexia com a boneca. Aí a mãe fazia continuava fazendo os outros bonequinhos para poder brincar. Quando a gente não tinha brincadeiras assim, com a boneca, a gente fazia casinha. Como que fazia casinha? A gente ia debaixo do pomar, que era tudo cheio de folha, como aqui, a gente varria, separava a casinha, toda a casinha, fazia casinha, fazia o banheiro, era mictório, não, era, é mictório que a gente chamava. O banheiro para ir fazer o xixi. E a gente fazia o quarto e fazia toda a casinha no chão. Aí a gente fazia assim, que a gente estava… como se fosse, eu era a mamãe, eu pegava a boneca aqui no colo, a sombrinha e descia por uma estrada, eu estou descendo pela estrada e chegava na casa da comadre, que era a casinha que nós já tínhamos feito. Daí a gente ia brincar. A gente construía, para depois brincar. Hoje não, hoje você vai lá e compara o brinquedo, nem brinca, dali dois minutos joga fora. Não, a gente durava com aquilo ali, ficava brincando, às vezes, estragava, depois a gente ia lá com a vassoura… O chão era limpinho como se fosse essa calçada aí, limpinho. E assim a gente brincava, se divertia. Foi uma infância gostosa, uma saudade da infância. Aí, a gente foi crescendo, foi mudando as coisas, aí eu já fui para o colégio.
P/1 - Tem alguma professora marcante da escola?
R - Edinéia, ela já é falecida. A Dona Edinéia, ela era professora lá no sítio e madrinha de batismo da minha irmã Dalila, que é a terceira. Porque é a Cecília, a Celia, a Dalila e o Francisco. Então, ela é a madrinha de batismo da Dalila. E foi uma pessoa que marcou. E uma outra professora que chamava Cidinha. Então, essas duas marcaram muito.
P/1 - Por que?
R - Porque, sabe aquela pessoa, não é que te agrada, mas você se dava como se fosse tua irmã, tua tia, tua mãe, tua coisa, ela era muito carismática. E a gente, nossa, adorava aquelas professoras, porque elas brincavam com a gente. Ela brincava, então ela sentava junto. E eu vou falar para você, eu acho que eu aprendi foi com essas professoras, porque quando eu dava aula para as minhas crianças, no tempo que eu fui professora, eu sentava com as crianças também na calçada. E eles ficavam tudo em volta de mim. Eles brigavam… Olha, eu já estou passando para outra fase. Brigavam porque eles queriam que eu comesse o lanche deles. E eu sentava… Agora que eu tô pensando, isso foi reflexo da minha professora de antigamente, de pequena. É, realmente, olha aí. Agora que eu tô matando aqui. Então, foi assim, uma fase boa de professoras. Depois, quando já tinha terminado o quarto ano primário, eu tinha que fazer admissão, na época, era como se fosse um vestibular. Aí, eu vim para o Paraná, eu vim para Maringá, para poder estudar, porque meu pai, como eles moravam no sítio e era longe de colégio, da cidade de Ourinhos, que é onde que tinha o colégio para você dar continuidade, na Vila aqui de Ribeirão não tinha ainda, era só até o quarto ano, então você tinha que mudar, se quisesse estudar tinha que vazar para outro canto, porque ali não tinha.
P/1 - E por que Maringá?
R - Eu vim para Maringá porque os meus avós moravam aqui. Meu avô, Pedro Sandor, ele veio para Maringá, o Maringá Velho, quando começou. Ele morava em Mandaguari… Então, nessa época eu vim para Mandaguari junto com a minha mãe. E a minha mãe começou a dar aula em Mandaguari, não tinha, porque o Paraná, naquela época, não tinha professor específico para aquilo, então tinha muita falta de professor. E a minha mãe ficou então em Mandaguari, acho que seis meses. Aí eu fui frequentar um jardim de infância, a minha mãe dava aula, não sei em que lugar ela dava aula, e a gente ia para escola. E nessa ida para escola, nesse período que nós ficamos aqui, eu ganhei de uma família, que era João Paulino Vieira Filho, ele foi candidato, foi prefeito de Maringá, mas eles moravam em Mandaguari e eles mudaram para Maringá para ser prefeito. E eles tinham assim, as meninas… nós ganhamos casaquinhos de lã, lindo, maravilhoso, vermelho, coisa mais fofa. Mas lá em Mandaguari, tinha uma história que tinha uma loira que pegava as crianças, e a gente morria de medo. E um homem que tinha… Você já ouviu falar do gancho para pegar balde no poço? Aqueles três ganchos, assim? O homem andava com isso para pegar as crianças. E a gente morria de medo também. E a gente ia sozinha para a escola. E numa dessas idas, nós passamos por um posto de gasolina, e no posto tinha óleo queimado no chão, e eu escorreguei naquele óleo, e manchou tudo, perdi o casaco, porque oléo preto naquele casaco vermelho, e a minha irmã com outro casaquinho branco, naquele óleo, perdemos o casaco, era a única roupa que nós tínhamos de frio, porque a gente não tinha roupas, a gente usava roupa do outro. Minha filha, até hoje eu uso, se tiver uma roupa boa. “Dá aqui que eu uso.” Então, nós perdemos. E o medo por causa dessa loira. E eu lembro essa passagem, e foi a primeira vez que eu tomei, que eu comi salada de fruta, eu não tinha… quer dizer, a gente comia fruta, mas feito salada, não. Eu falava: “Gente, mas que coisa mais gostosa.” Eu ia lá naquele Jardim de Infância para comer salada de fruta, olha se tinha uma coisa dessa. Parece que eu sinto até hoje o cheirinho da salada de fruta, mas eu acho que era maçã. Então, nessa vinda lá de Ribeirão do Sul pro Paraná, nós viemos de trem, onze horas de trem, de Ourinhos a Maringá. Na verdade a gente não chegava bem em Maringá, chegava em Mandaguari, depois de Mandaguari que a gente vinha de ônibus para Maringá. Quando a gente chegava em Mandaguari, tinha um ônibus que vinha para cá, então era aquela correria, aquele monte de gente, eu nunca tinha visto tanta gente na minha vida. E a minha mãe era assim, quando a gente viajava, ela pegava e fazia um caldeirão, cheio de frango com… farofa de frango, frango caipira, bem temperadinho e depois punha farinha. Então, ficava aquela delícia, menina, aquela farinha com aquele frango. Quando a minha mãe destampava… Porque a comida do trem a gente não comia, não comia porque lá tinha uma pessoa conhecida do meu avô, que falava assim: “Se vocês viajarem de trem, vocês não comam a comida do trem, porque do jeito…” Ele contando para gente: “... do jeito que ele pega o saco de feijão, ele despeja na panela e põe para cozinhar.” Não lavava, não escolhia, não fazia nada. O arroz também era a mesma coisa. Então, ele falou assim: “Vocês não comam nada do trem!” Só que no trem eles vendiam maçã, e a maçã era importada, aquelas maçãzonas grandes, porque acho que naquela época nem tinha maçã aqui, vinha da Argentina, de certo, porque era importada. E aquele cheiro de maçã, menina, nossa, aquilo, os bichos da barriga fazia assim ó, de tanta vontade de comer. E o meu pai comprava maçã. E a panela que a minha mãe destampava, aquele vagão inteiro, todo mundo se admirava do perfume da comida da minha mãe, porque era uma comida feita em casa, comida saudável. E o perfume era bem feito, então todo mundo ficava… Mas a gente comia e não dava para ninguém não, porque senão… era para nós, onze horas de viagem, o que você queria? Aí, quando chegava em Mandaguari, tinha que descer rápido para poder pegar o trem. Aí, era assim, a meu pai ficava do lado de fora e a minha mãe do lado de dentro e passava a gente que era pequeno pela janela do trem, pela janela do trem passava para poder…. porque por aqui era muita gente, aí jogava toda a bagagem, para poder pegar o ônibus para chegar em Maringá.
P/1 - Isso vocês se mudaram para Maringá, toda família?
R - Não. Nesse período, nesse instante, a gente estava vindo para Maringá, porque a minha vó morava lá e eles mudaram para Maringá. Então a minha vó mudou para Maringá e a gente vinha para cá. E para poder chegar em Maringá, a gente tinha que sair do trem pela janela para chegar aqui. E a gente era pequena. Bom, depois a gente foi crescendo, quando foi para montar… Aí, eu fui fazer admissão. O Colégio Marista está sempre nesse lugar, a casa da minha vó era aqui, e o Marista aqui. Aí, eu fiquei morando com a minha avó, para poder estudar, porque a gente não tinha condição. Ficou eu aqui e a minha irmã ficou lá. Aí, ali do Colégio Marista eu andava até onde eu moro hoje, que era uma praça com uma árvore enorme caída ali, isso já tinha onze, doze anos, por aí. Eu tinha um cabelo enorme, e as meninas da escola desmanchavam meu cabelo e trançava, desmanchava e trançava. E eu estudei, então, no Colégio Marista fazendo admissão. E eu comecei a estudar no Colégio Marista, porque a minha avó dava assistência para os irmãos, então a gente não pagava nada. E eu trabalhava também, porque eu ia buscar comida, eu ia buscar as batinas deles, então eu era uma servente para eles, eu ajudava, então eles não me cobravam. Eu estudei um ano ali no Colégio Marista. Aí, depois desse período eu voltei para o Estado de São Paulo, porque eu… Isso eu não me recordo. Aí, o meu pai arrumou um colégio para a gente ficar, ele foi lá, conversou com as irmãs, e a gente ficou interna, a gente morava dentro do colégio. Mas para isso, para morar dentro do colégio, a gente tinha que trabalhar, eu era ainda bem jovenzinha, a minha irmã também jovem, e a outra também já ia junto com a gente. Então, eu varria a sala de aula, a gente tirava pó, passava pano molhado, terminava a aula e a gente fazia isso. Isso meio-dia, terminava a aula às onze e meia, antes da gente ir almoçar, a gente tinha que limpar a sala de aula, depois que a gente ia comer. E foi onde eu aprendi a comer beterraba, porque eu não comia beterraba. A freira fazia eu comer beterraba na marra, a gente punha o arroz e ela vinha com a beterraba. Aquilo parecia sangue, eu olhava aquilo ali, minha filha, aquilo repugnava tudo. Ou eu comia, ou eu passava fome, um dos dois. Então, eu fui obrigada a comer a beterraba. E com isso a gente ficou. Aí o meu pai já não podia mais pagar ali, porque não sei o que aconteceu com a irmã, se ela tinha aumentado. Aí eu voltei de novo para o Paraná, olha só, eu fui que nem peteca, pá, pá, pá. E assim eu fui. E eu to aqui até agora, graças a Deus. Aí, o que aconteceu? Eu voltei, quando eu voltei para cá, tinha aula de francês, onde eu estudava não tinha, e eu tinha que fazer adaptação, da aula de francês. Aí tinha um professor que se chamava Oscar, que era o professor de francês, um velhotão gaúcho, bonitão, grandão assim. Bom, aí eu fiz a matéria de francês e continuei fazendo a segunda série, terceira, não sei, do ginásio, que hoje nem fala mais isso, nem sei como é que é mais. Aí eu fiquei um período aqui. E nisso a minha tia se casou, a irmã da minha mãe, que era a caçula, a Neli, ela se casou. E quando ela se casou, ela montou uma casa, o marido dela arrumou uma casa, e eu fui para casa deles. Fazer o quê? Cuidar da casa, fazer comida. Então, ela tinha um fogão de pó de serra, era o fogão, enchia de pó de serra, punha um pau no meio, enchia de pó de serra, socava, aí você tirava aquele pau e botava fogo ali embaixo. Era o fogão de pó de serra, era aí que eu cozinhava.
P/1 - Quantos anos você tinha?
R - Acho que eu tinha quatorze anos, por aí. Eu era jovem ainda. E eu aprendi a cozinhar. Mas você tinha água quente. Fazia o almoço. A minha tia ia trabalhar, ela dava aula no Colégio Regina Mundi, não, no Santa Cruz, que é lá, bom…. nem vou falar que você não vai saber onde é. No Santa Cruz. E eu então, fiquei morando com ela ali. Fiquei um período, tomava conta da casa, limpava a casa. E depois que eu almoçava, limpava a cozinha, eu ia para o colégio. Que daí eu ia para o colégio. Porque daí eu tinha que andar não sei quantos quarteirões, e ia estudar no Gastão Vidigal, que é um colégio do estado. E ali eu estudei, não me lembro quantos anos que eu fiquei ali. Dalí eu voltei de novo para o estado de São Paulo, aí eu fui para outro colégio, eu fui pro colégio de Garça, não, passei em Santa Cruz, o colégio fechou, nós fomos para Garça, de Garça teve a reforma no colégio, eu fui para Marília. Pensa que eu andei pouco nesse mundo? Andei para caramba. Então, de Santa Cruz, passei em Ourinhos, aí voltei, aí nós ficamos interna em Santa Cruz do Rio Pardo, onde que eu… O que eu fazia lá… Deixa eu contar do colégio, então, no colégio não podia enrolar o cabelo, não podia maquiar, não podia fazer nada, e a roupa, a saia nossa era tudo pregriadinha, usava meia branca, sapatinho preto, a saia azul marinho, blusa branca, de boina, nós era chique. Bem, então o que a gente fazia para a saia ficar bem pregriadinha, erguia o lençol na cama, punha a saia ali, preguiava tudo certinho, punha a toalha de banho ali e botava o lençol em cima e dormia, no outro dia a saia tava impecável. Olha, como a gente se vira, impecável. Bem, para enrolar o cabelo, não podia enrolar o cabelo, mas a gente levava os bob's… A freira andava, tlem, tlem, tlem, com aquele terção dela assim e batia, e andava para lá, blem, blem, até que as meninas dormiam, aí todo mundo dormia. Aí a gente ficava quietinha dormindo, quando a freira entrava na casa dela. “Agora ela dormiu.” Quando não ouvia mais o barulho do terço. “A freira tá dormindo.” A gente levantava de ponta de pé e ia para o banheiro, levava o saquinho de bob´s, os grampinhos, molhava o cabelo, sentava no vaso, penteava o cabelo e enrolava os bob's no cabelo e ia dormir. Chegava de manhã… Bom, a freira vai ver agora, como é que faz? Minha filha, antes da freira levantar, a gente arrancava os bob´s e enfiava debaixo da cama. Como pode uma coisa dessas? Aí, a gente fica toda chique, toda bonita, com os cabelos cacheados. Aí, a gente ia para a missa, tinha que ir para missa, todo dia tinha que ir para a missa. E final de semana a gente tinha que ir mais bonitinha, porque a gente ia na missa lá fora, fora do colégio, ia na catedral, vamos supor assim. Então a gente ia bonitinha. E para ir ao cinema, então.
P/1 - Tinha paquera?
R - Oxi, se tinha.
P/1 - Como que era?
R - Não, dentro do colégio não tinha jeito.
P/1 - Fora?
R - Quando a gente saia, a gente paquerava aqueles meninos bonitos. E os meninos ficavam todos de olho. Uma vez, uma menina de Maringá - não posso nem falar o nome, capaz dela estar viva ainda - ela foi para Ourinhos, estava internada lá em Ourinhos e eu também estava em Ourinhos. E ela então tinha um namorado, e sabia que ela foi internada, porque tinham pais que eram assim, tinham pais que os alunos iam porque não tinham condição de estudar, e tinha as meninas que os pais colocavam porque não podiam mais com os filhos em casa. Por exemplo, a menina era levada, namorava, saía, então o pai punha lá para ter sossego, e o outro ia lá porque não tinha condição de estudar, nós eramos dessas, trabalhava para poder estudar. Mas, olha, foi tudo muito bem. Aí, um dia essa menina, ela fugiu do colégio, ela pulou o muro e nós lá de cima, lá no alto, lá no terceiro andar, ficamos olhando ela pular o muro. Ela pulou o muro e fugiu com ele, e a freira não viu, e chegou o outro dia… Só que as internas sabiam disso, mas não podia falar nada, se você falar você é cúmplice, né? Então, a gente ficava quieta. Aí, essa menina… Mas deu um trabalho, deu um trabalho, deu um diproco, como diz o outro. Era uma tristeza. Mas, e assim foi indo. Quando eu estava estudando em Garça, a gente tinha um dia de saída, mas para isso você tinha que ter um bom comportamento, se você não tivesse um bom comportamento, você perdia a saída. E quem perdia a saída era a minha irmã. A minha irmã era muito bocuda, ela brigava com todo mundo, brigava com a freira. Ela falava assim: “Eu quero que essa freira morra. Ela vai morrer seca”. Ela falava assim. Judiação da freira. Ela morreu, mas não sei se ela morreu seca. Mas foi também uma outra fase da vida da gente que a gente não esquece. Aí, quando eu fui para Marília eu já estava mais séria das coisas, porque eu já tinha arrumado um namorado. Na volta para Maringá, em frente da minha casa, da casa da vó. Essa chamava de vó, que é a mãe da minha mãe, chamava de vó. A madrinha era a mãe do meu pai. Morava um rapaz, que chamava-se João Antônio, e a minha irmã também estava cuidando dessa minha tia que me levou para Agudos, ela se casou e a minha irmã Célia veio para cuidar dos filhos dela. E eu cuidava dos filhos da Neli, da outra tia. E esse rapaz morava em frente à casa da vó. E eu nunca pensei, passou pela minha cabeça, que ele tivesse interesse em mim, mas interesse na minha irmã, porque a minha irmã que estava ali. Eu morava na Vila Sete e ela morava ali. E passou, passou, um dia esse rapaz pegou e se declarou.
P/1 - Como?
P/1 - Depois que eu já tinha ido embora ele falou para minha tia. “E a Cecília?” Perguntou de mim. A minha tia falou assim: “Ah, a Cecília…” Aí, falou para minha tia, para criar coragem falou com a minha tia para ir lá me visitar. Eu quase morri das pernas, porque eu não imaginava isso. E a minha tia levou. Quer dizer, a minha tia é a cupida, né? É isso que fala? A minha tia que levou o João Antônio Falavigna, lá para Ribeirão, que eu estava lá. Aí, meu Deus do céu, eu fiquei, minha filha, vendida, porque imagina, o cara vim aqui atrás de mim. Bom, enfim, deu certo.
P/1 - Foi com ele que você se casou?
R - Eu casei com ele. Eu me casei com o João Antônio Falavigna, que morava em frente à casa da minha avó. E não era com a minha irmã, era comigo o negócio.
P/1 - Quantos anos você tinha quando vocês se conheceram?
R - Eu tinha vinte. Então, quando foi essa transação aí que ele me conheceu, eu ainda estava estudando em Marília. Aí ele vinha depois, e vinha lá no colégio em Marília me visitar. Vinha na minha casa, me levava até Marília. Porque a gente ia de ônibus, não tinha carro para ir, então a gente ia de ônibus para o colégio. Então, quando ele vinha fazer a visita para mim, ele levava, porque ele tinha o ursinho caxambu, carrão da vida, da época, minha filha, o carro mais famoso da época era aquele. E ele então levava a gente para o colégio. Aí, um dia ele apareceu no colégio, minha filha, com um ovo de Páscoa, acho que era o maior ovo de Páscoa, aquilo, o colégio inteiro. “Aaaah”. Todo mundo admirado. “De quem que é?” E as freira, minha filha, toda carta que você escrevesse, a freira tinha que ler para botar no correio, a carta que chegasse, ela lia, depois ela passava para mim. Era. Era nesse modelo. Nada acontecia se a freira não soubesse. E ai de você se não se comportasse direito, você perdia a saída.
P/1 - Vocês trocavam cartas?
R - Celular eu nem sabia que existia. Menina, a cinquenta e poucos anos atrás, que dizer, mais de cinquenta anos, né? Que a minha filha já fez 54. Então, não tinha esse negócio de celular. Telefone, era muito difícil você atender um telefone, então a única coisa era a carta. E demorava. Vou contar uma coisa, e depois você conserta. Antes dele, que eu estudava no Colégio Gastão Vidigal, então tinha um rapaz, um colega nosso da escola, ele tinha uma namorada, e essa namorada era minha amiga, e eu não sabia que ele era namorado dela, coisa de jovem. E ele largou da namorada, porque ele queria me namorar. E eu, ó, dei no pé, eu falei: Deus me livre. Imagina, a minha prima, minha amiga, saber disso. E ele pegou e me infernizou, infernizou. Não voltou com a namorada. Ela se chamava Verinha. Aí ele pegou e tirou umas fotografias na praça assim, e ele mandou… E uma loja que tem, a Agenco, a menina da Agenco, eles eles são japoneses, e a menina lá da Agenco, era minha amiga e era amiga dele, e ela então tirou as fotografias… Ele deu as fotografias para ela e falou assim: “Manda para a Cecília.” Quando chegou essa carta no colégio… Enviou as fotos, aí ela me chamou lá. “É teu namorado?” “Não” “Mas ué, você está com ele aqui.” Eu falei: “Ah, mas é nosso amigo.” “O teu pai sabe?” Falei: “Não. Mas por que tem que saber? Eu estava lá em Maringá, como é que ele vai saber?” Aí, eu falei: mas que filha da mãe das freiras, minha fala, nada… “Então, nós vamos chamar o teu pai aqui, pro teu pai saber o que tem nessa carta.” É! Pensa que eu passei poucas e boas. Era assim. Mas será que eu parei? Eu acho que eu parei de contar alguma coisa.
P/1 - Você estava contando das cartas…
R - Só eu falei, você não perguntou nada.
P/1 - Deixa eu te fazer uma pergunta, então. Como você resolveu se tornar professora?
R - Olha, eu tinha assim, muita vontade… Vou contar lá de trás. O que eu queria ser. O que eu imaginava… eu não tinha noção do que era, mas a gente ouvia falar. Eu queria ser artista. Eu pensava assim: “Aí, eu quero ser artista!” Mas artista de que jeito? Porque não tinha noção. Mas na minha cabeça de pequenininha, eu achava que eu tinha que ser artista.
P/1 - O que era artista?
R - Eu não sabia o que era artista, mas eu queria ser artista, porque falava no rádio, porque a gente não tinha televisão, falava no rádio. “Artista não sei o quê, não sei o quê, a cantora não sei o quê, não sei o quê.” Então, eu queria ser alguma coisa lá do rádio. E nunca fui. Claro que não. Aí eu estudando, estudando, estudando, o que eu vou fazer? Vou ser professora? Então, essas duas professoras que me marcaram, então eu me espelhei nelas para ser professora. E eu vim ser professora, não de fundamental, de criança. Que dizer, a faculdade que eu fiz depois de casada, que eu fiz faculdade, era para você poder dar aula para crianças, um nível mais elevado. Mas a formação que eu tive era para professora fundamental, para criança até dez anos. E eu então vim para o Paraná, como o Paraná naquela época não tinha professora específica para geografia, para matemática, para desenho, para ciência, para coisa. Aquilo que tivesse uma formação, que tivesse capacidade e tivesse peito para poder dar aula, a gente ia dar aula. E eu vim para o Paraná, depois quer dizer, daquela fase que eu ia e voltava, ia e voltava. Daí eu voltei já com o diploma na mão. E eu vim para dar aula de matemática, de ciências e geometria. E eu dei aula no Colégio Vital Brasil e dei aula em Floresta, eu fiz uma vida de cão para poder ir em Floresta, porque naquela época não tinha asfalto em lugar nenhum. Então eu morava lá onde era o aeroporto antigamente, porque agora é para cá, ele era para lá. Eu morava lá com o meu tio, com a minha tia, morava lá. E de lá eu vinha ou a pé, ou circular, se eu tivesse dinheiro eu vinha de circular, mas geralmente eu não tinha dinheiro. E eu trabalhei três anos, não, um ano inteiro, sem receber nenhum tostão, porque o governo não pagava, eu trabalhei o tempo todo. E nessa época que eu tava trabalhando, eu tinha dívida, meu pai tinha dívida com o colégio. Eu me formei, mas com aquela consignação, você estuda, depois você paga. Então, o meu pai não conseguiu pagar, então quando eu começo a trabalhar, o dinheiro que entrasse era para pagar o colégio. E não vinha, e não vinha, não vinha. Aí, um dia meu pai pegou e falou assim: “Cecília, o colégio está pedindo dinheiro, pedindo dinheiro.” Meu pai não tinha de onde tirar. Tadinho do meu pai, imagina quanto doía para ele no coração, né? De ter que pagar. E eu então, trabalhando e não recebia. E nessa época, eu já estava com namorado, mais certo do que nunca, ele trabalhava na Café do Paraná aqui. E ele pegou e falou assim, para mim… E eu com uma vergonha, um medo, um receio de contar aquilo. O que eu estou fazendo hoje aqui, minha filha, isso é um milagre, porque eu não contava isso para ninguém, eu não falava isso para ninguém. Aí eu peguei e contei para o meu namorado o que estava acontecendo, porque eu não falava, eu chorava. Eu chorava. “Porque você está chorando? O que está acontecendo?” Aí, eu fui e acabei contando para ele que eu estava em dívida com o colégio, e estava trabalhando e não recebia nada do estado, o estado não mandava o dinheiro. E ele pegou e falou, assim: “Mas quando é que vai receber?” E o governo sempre falando que tal dia vai mandar, tal dia vai mandar. E com isso, minha filha, era final de ano e ele não tinha mandado ainda. Aí, o João, meu marido, quer dizer, na época, era noivo, ele falou assim: “Cecília, eu vou fazer o seguinte: eu vou te dar o dinheiro, quando você receber você me dá.” Aí, foi quando criei coragem, Deus me deu aquela força assim, de falar para ele isso. E ele pegou e me fez isso. E eu paguei, mandei o dinheiro para o meu pai. E quando chegou o dinheiro, aí veio tudo, aí eu peguei e passei tudo para ele. Quer dizer, eu não vi dinheiro, não vi nada! Quer dizer, eu trabalhei um ano para pagar o colégio. Mas paguei. Que dizer, ajudei o meu pai pagar. E eu tinha que transitar, tomar ônibus, ir para lá, vim para cá. E nessa época, eu não tinha guarda-chuva, eu não tinha roupa, eu tinha sempre a mesma roupa que eu ia para escola e voltava, um guarda-chuva eu não tinha, então eu tomava chuva. E carregava uma bolsa de plástico para poder não molhar o material. Então, eu ia no ponto de ônibus, se eu tivesse dinheiro eu tomava o ônibus, senão dali eu ia a pé, e era longe, longe. E quando eu vinha para Floresta, eu tinha que ter dinheiro para vim para a Floresta, para poder dar aula ali. E quando eu chegava em Floresta, às vezes, eu não tinha almoçado, eu estava com fome. Falar nisso, eu nem perguntei se vocês almoçaram. Ai meu Deus! Desculpa! Aí, eu dava aula no período da tarde, e quando a gente saía do colégio, eu rezava. “Tomara que algum aluno convide para tomar café.” Porque eu não tinha dinheiro. Eu lembro que eu parava num lugar, num determinado lugar, a menina me convidava para entrar e eu ia tomar café. Quando ela não convidava, então a gente ia direto no ponto de ônibus, ponto de ônibus não, era no posto de gasolina, que lá tinha um botecozinho e ali que passava o ônibus que vinha de Campo de Mourão, na estrada de terra. Aquilo era um barro só, o dia que ele chegava na hora, aleluia, às vezes, passava horas que o ônibus não conseguia chegar por causa do barro. Um belo dia uma professora chegou e falou assim para mim: “Cecília, vamos comer alguma coisa?” “Ah, não, eu não quero”. “Não, muito obrigada”. “Não, não quero.” E não dizia para ela porque que eu não ia comer. Aí ela pegou e falou assim: “Cecília, vamos lá comer alguma coisa. Eu estou com pouco dinheiro.” Eu falei: “Filha, você está com um pouco, e eu não tenho, eu não tenho dinheiro para comer.” Aí, ela falou assim: “Vamos lá, eu vou dividir o lanche com você.” Dividiu o lanche comigo. E eu estava assim, quase desmaiando de fome. Eu esqueci o nome dela, eu lembro assim na cabeça, mas eu não consigo falar o nome dela. Mas eu rezo todo dia agradecendo a Deus por esse pão que ela me deu. Porque eu estava morta de fome e o ônibus não vinha. Essa foi uma coisa que eu não esqueço, o dia que ela dividiu o pão comigo. Deus é bom. Mas isso foi uma passagem que foi, graças a Deus eu estou aqui e eu rezo por ela, agradecendo a Deus. Gratidão por ela estar ali, porque a gente não tinha… E a outra vez, eu fui para casa da minha mãe e eu fui junto com o meu noivo e a minha irmã que estava morando comigo também. E quando chegamos em Londrina, nós paramos na casa da minha avó, porque a minha avó morava em Maringá, depois ela foi para Londrina. Lá em Londrina, nós paramos lá, eu estava dormindo num quarto, eu aqui, a minha irmã aqui, aqui tinha uma janela e o meu noivo estava dormindo numa edícula lá embaixo, e a minha avó neste quarto. Tudo bem, estava dormindo. E eu estava com problema num dente, a minha avó fez um chá, eu fui deitar, de repente eu comecei ver uma luz para lá, para cá, para lá, para cá. Eu falei: “Ué, mas o que será essa luz?” Aí eu vi a luz, levantei, olhei na janela, a luz estava lá embaixo. E eu me dei conta que aquilo era um ladrão, uma pessoa que estava ali dentro. Menina… E o meu noivo tinha dado para mim um anel de professora, que é pedrinha verde, era um chuveiro. E é ainda, porque ele está lá. Um chuveiro com a pedrinha verde em cima. Usava no meu dedo, e coçava, tinha uma coceira na mão. E ouvi o barulho da minha bolsa, que a minha mãe tinha feito, o barulho da correntinha. Eu falei: “Meu Deus, alguma coisa está acontecendo.” Menina, eu agarrei o travesseiro aqui e gritava, gritava. O meu noivo que estava lá embaixo, falou assim: “A Cecília está passando mal, olha os gritos dela, o que será que ela tá gritando?” Saiu desesperado. Quando ele saiu lá do quarto que ele subiu, era uma escada para subir para a cozinha, tudo aberto, tudo aberto. Quando ele acendeu a luz, só tinha fumaça dentro da casa, o ladrão pegou todo o meu dinheiro que era para passagem para eu poder ir para a Floresta, que a minha mãe e meu pai tinham dado um dinheirinho para eu comprar o passe. Ele pegou todo o meu dinheiro, pegou o dinheiro da minha avó, que ela tinha recebido aposentadoria, pegou a caneta de prata, que o meu noivo tinha caneta, a mala dele, ele tinha levado lá embaixo e colocado todas as roupas dentro. Quando eu comecei a gritar: “O ladrão sumiu”, só que o dinheiro ele enfiou no bolso e levou. E daí a minha avó falou assim… Nossa… Eu falei: “Vó, ele levou todo o meu dinheiro.” Ela falou assim: “Eu vou dar o meu dinheiro para você.” Que ela foi procurar, cadê? Também não tinha. Aí o meu noivo precisou me dar dinheiro para comprar passagem para eu poder ir dar aula lá em Floresta. E assim foi, outra passagem. Bem, tudo bem, passou, passou. Daí eu estava dando aula no Marista, aí eu fiz a faculdade… Eu queria muito ter um curso superior, eu fiz o vestibular de matemática, passei, eu fiz o vestibular de química pura, passei. Eu fiz três vezes o vestibular para pedagogia, passei as três vezes. Consegui fazer… Por que? Quando eu passei em matemática, era de Maringá para Mandaguari, aí não deu certo de ir, porque o marido estava ali, não queria ir, tal. Não fomos. Aí quando eu passei em química, eu não tinha base de estudo para poder fazer. Porque quem faz escola normal, não tinha base nenhuma de física, de química, daquelas matérias. Mas o professor falava assim: “Não, não tem problema, ela passou, então ela vai fazer, não importa que ela fica aí três, quatro, cinco anos, num ano só, mas ela vai fazer. Tanto que uma amiga minha, que mora lá no meu prédio, fez isso, hoje ela está aposentada, mas ela fez isso, ela ficou não sei quantos anos no primeiro ano, no terceiro, no segundo. E fez a faculdade. E eu não fiz. Por que? Eu estava fazendo, indo para escola, e vinha para casa, e a minha filha era pequenininha, e eu fui abrir um armário com a faca, quando eu fiz assim com a faca, a faca veio no olho, e sangrou, sangrou, e eu falei:”Meu Deus”. Catei a minha filha aqui, catei o pano aqui, e fui para casa da minha sogra, gritando de dor, gritando de dor, eu falei: “Nossa, ceguei”. Aí o meu marido estava trabalhando na Café do Paraná. Aí, chama ele para vim lá… Bem, enfim, eu fiquei três meses sem poder ir para escola, com um tampão no olho, para poder sarar o meu olho. Perdi a faculdade, porque eu não poderia faltar nenhum dia, eu tinha que estar lá 24 horas estudando. Perdi a faculdade. E a minha sogra falando: “Onde já se viu uma mulher dessa idade ter que ir fazer faculdade, largar o filho em casa, e agora o que acontece? Capaz de ficar cega.” Bom, todas as coisas boas em cima de mim. Tudo bem. Aí perdi a faculdade. Aí, eu fui fazer pedagogia. Fiz pedagogia na UEN, passei, mas eu fiz para estudar à noite, aliás, para estudar de manhã e eu ia trocar com uma funcionária minha, ela ia estudar de manhã… Bom, enfim, aí eu fui, não tinha mais de manhã, eu fui estudar à noite. Aí, minha filha, a coisa cresceu, porque “imagine uma mulher sozinha, sair de carro e ir para faculdade nesse horário, e vai fazer faculdade, e o perigo, não sei, não sei que.” Foi aquele… Não meu marido, a minha sogra, a sogra que falava. Eu falei: “Ai meu Deus do céu.”
P/1 - Você ligava? Como era isso?
R - Minha filha, eu… uma vez eu escutei, eu chorei tanto que eu fui parar no hospital, tanto nervo que eu fiquei que eu fui parar no hospital. Mas passou. Bom, conclusão, larguei a faculdade de pedagogia. Aí apareceu um casal amigo nosso, que ia fazer pedagogia em Jandaia. E eu falei para o meu marido: “Eu vou fazer vestibular.” Fiz vestibular, passei! Falei: “Agora eu vou! Porque agora eu tenho com quem ir, ninguém vai falar que eu tô sozinha, eu tenho com quem ir e voltar e vou à noite. Você está em casa e eu vou.” Conclusão, o curso era só final de semana. Eu falei: Graças a Deus o curso e final de semana. Imagine, é igual a faculdade de hoje, que é a longa distância, né? Só que o MEC… Primeiro ano, tudo bem, segundo ano o MEC exigiu que fosse mais um dia da semana, então já tinha que ir mais um dia. Quando foi para fazer o terceiro ano, tinha que ir o ano inteiro, o MEC exigiu que a gente fosse para a escola todos os dias, todas as noites, para fazer a faculdade. Aí, deu crepe, né minha filha? Eu falei para o meu marido: “Ou a faculdade, ou você”. Eu falei para ele, tive coragem de falar isso: “Ou eu vou fazer faculdade, ou eu vou largar de você. Ou eu fico com você e largo a faculdade, mas eu não vou largar da faculdade, falei para ele”. Falei: “Não vou, eu vou fazer a faculdade”. E conclusão, chegou no final do ano para receber o diploma, ele tava com o sorriso. Eu falei: “Valeu, né?” Medo de perder a mulher, deixou eu fazer a faculdade. Aí coitado! Enfim…
P/1 - Quantos anos você tinha?
R - Eu casei com 22, 23, 24, eu já estava com uns 27 anos, 28 anos, por ai! Já estava velha, não, velha estou hoje. Mas, então… E aí concluí a faculdade de pedagogia.
P/1 - Como você se sentiu?
R - Feliz da vida! Vencedora! Porque eu tinha medo das coisas. E foi daí, desse momento, que eu criei coragem, ou a faculdade, porque era tanta vontade de ter um curso superior. Tanta vontade de ter um curso superior, que eu me senti vitoriosa. Eu em frente do colégio, o colégio me chamou para dar aula, porque eu tinha parado de dar aula, porque nesse período todo aí, que eu fiquei sem ir para a escola, sem dar aula, nasceu a minha filha Down. Então, eu fiquei dedicada só para ela, eu ia para São Paulo, eu pegava toda a parte de fisioterapia, de fono, tudo eu fazia em casa, montei na minha casa um consultório. Botei uma parede enorme de espelho, trouxe aquelas bolas, fiz aquelas coisas… Tudo que se tinha dentro de uma sala para fazer funcionar, da aula para uma criança com problema, eu tinha dentro da minha casa. E a minha outra mais velha, era pequenininha, eu precisava fazer escondido, porque ela não deixava eu fazer, porque ela tinha dois aninhos, a Cláudia, quando a Mara nasceu. E eu fazia toda parte de fono, para fazer bolinha, foi onde eu tinha o trabalho de fazer… Como é que eles falam? Esqueci! Fazer trabalho com as massinhas, e ela não queria fazer, que ela falava que era caca, jogava fora, e queria lavar a mão, sabe? O problema dela é desde que ela nasceu, o problema na mão.
Escuta? Tá na hora de você ir embora?
P/1 - Não!
R - Aí, eu fiz todo esse trabalho com ela, eu ficava… Primeiro momento, ela nasceu aqui, que eu estava aqui, e ela ficou sempre internada, o médico chegou a falar para mim assim: “Você vai tirar sua filha do hospital? Eu não me responsabilizo”. Ele falou. Eu falei: “A filha é minha, eu que sou responsável por ela, se eu quero tirar ou não, eu vou tirar, a responsabilidade… você não fique preocupado.” Porque ele achava que ela ia morrer na estrada. Eu falei para ele, eu vou levar ela para São Paulo. Ele achava que ela ia morrer na estrada e ele não queria a responsabilidade. Eu falei: “Não, a filha é minha, a responsável sou eu. São os pais dela que são responsáveis. E eu vou levar ela para São Paulo.” Tirei ela do Hospital. Falei: Você quer dar alta você dá, você não quer, eu vou tirar do mesmo jeito.”
P/1 - Pequenininha ainda?
R - Pequeninha, ela era pequenininha. E fui para São Paulo. Ela tinha um problema respiratório, problema intestinal, então era assim, um problema que eu tinha que resolver, e o problema do Down, que a gente, eu não tinha conhecimento de nada daquilo. Eu fui estudar e aprendendo, porque a gente nunca aprende, né? Sempre você tem uma coisa nova para aprender. Às vezes a gente fala: “Aprendi!” Não aprende não, você tem muita coisa nesse mundo para aprender, e eu quero ainda aprender muita coisa. Vixe, se eu quero! Eu fico indignada quando eu vejo uma coisa que eu não consigo dominar aquilo, sabe? Eu quero aprender. Aí, então eu levava ela para São Paulo, fiquei lá um mês, quase em São Paulo, levando ela para fazer o trabalho de pulmão e o intestino, ela melhorou. Fiquei na casa da minha tia, essa minha tia que eu cuidei dos filhos dela quando eram pequenos. Então, aí, ela me deu apoio quando eu precisei da minha, são trocas, né? Por isso que a gente sempre tem que estar… você colaborar, porque você não sabe o dia da frente. E nunca criticar, porque você não sabe as coisas que vão vir para você. Ela ficou bem, aí eu ia a cada quinze dias. E eu trazia todo o material que eu queria, que eu precisava para trabalhar com ela, tudo escrito direitinho, eu fazia em casa, aí eu marcava, eu ia para São Paulo, meu marido me levava, ia para São Paulo, ficava lá, passava por todas as consultas de novo, voltava com tudo renovado. E tudo, o mínimo detalhe que ela fizesse, eu tinha que registrar, primeiro passo que ela deu. A gente morava em frente ao Colégio Marista e uma rampa enorme assim, e o portão lá de ferro, e ela ficou de pézinho no portão e virou. Eu falei: “Mara!” Ela virou, e deu um passinho. Gente, aquilo, quase morri quando vi que ela deu um passinho. Você imagine, você esperando alguma coisa e você ver tua filha… Porque disse que ia andar só com nove, dez anos. Ela era pequenininha, ela andou fora… quer dizer, dentro do cronograma que tinha que ser, que ela ia andar normal, ela andou muito antes. Mas eu fiz um trabalho imenso com ela, um trabalho assim, vamos dizer assim, de profissional. Eu fui aprendendo, fui fazendo, fui aprendendo, fui fazendo, fui levando, eu levava uma coisa, trazia outra. E assim foi até… até hoje a gente fazer muita coisa, quer dizer, para ela. Você vê, atividade dela pintar, dela fazer música. Porque ela faz música, ele toca teclado que é uma gracinha, ela pinta. Quer dizer, tem a professora que ajuda a fazer. Mas, enfim, não para, ela quer estar sempre, constante, fazendo algo. Se não tiver algo para fazer, ela pergunta: “O que vamos fazer hoje?” Então, é uma menina que não me deu trabalho. Eu falo assim: “Deus, obrigado por você ter me dado essa menina para eu cuidar. Porque para ela eu faço tudo com amor e carinho”. Tem gente que fala que eu exagero no que eu faço para ela. Não! Eu sei até onde eu posso ir fazendo, ela fazer. Agora ela já tá com cinquenta, vai fazer 52 anos, já é uma outra fase dela. Quer dizer, independente dela ser Down, ela tem os mesmos… Como é que fala? Ela passa pelas fases mais lentas, por todas as fases normais, mas bem mais lento, com um pouco mais de dificuldade. Mas a gente vai resolvendo, tentando sanar isso daí e dá um apoio. E eu peço para Deus: “Pai, se eu não faço para ela, para quem que eu vou fazer? Eu tenho que fazer é para ela, por ela”. E por mim, porque se eu faço bem, se eu trato bem, eu vou receber o bem, porque aquilo que você faz com amor e com carinho, você vai receber em troca. Mas eu não faço para receber. Mas a gente recebe, Deus é bom, Deus reconhece que você está fazendo. Então, eu faço com amor e não me arrependo de nada que eu fiz. É a mesma coisa cuidar da sogra. Cuidei da minha sogra, sabe quantos anos? Quatorze anos. Ela foi para minha casa com oitenta, na idade que eu estou hoje, que eu vou fazer oitenta daqui uns dias. Ela foi para minha casa e eu cuidei dela, cuidei com maior amor e carinho, morreu com 94 anos, quase chegando nos 95. Mas eu cuidei. E não me arrependo do que fiz. E eu sou feliz, graças a Deus eu sou feliz, eu sou!
P/1 - Cecília, como foi se tornar mãe? Quantos anos você tinha quando você engravidou pela primeira vez?
R - Vinte e três.
P/1 - Como foi?
R - Olha, eu casei com 22, não, 22, não tinha 23. Eu casei, três meses depois e estava grávida. E a gravidez para mim foi assim, um susto, porque não era para eu engravidar naquele primeiro momento. E nesse período que eu estava grávida, uma irmã do meu marido estava com câncer, e eu então saía de casa, que eu morava aqui e minha sogra morava aqui, e essa irmã morava aqui. E a gente tinha um portão que passava por aqui. E então, eu saía da minha casa para ajudar a cuidar dela, então isso foi assim, um pouco de trauma para mim, porque vê o sofrimento… Eu estava sofrendo pelo fato da gravidez, eu sofri muito, eu tive muito enjoo, muita coisa. E enfim, mas a pior gravidez foi do último, foi do Paulo, porque eu estava grávida… Daí, a Ana Cláudia foi tudo bem, veio uma menina saudável, enfim, uma menina que graças a Deus, até hoje, uma pessoa incrível. Aí, depois eu engravidei da Mara, aí foi um susto, foi um susto! Porque quando ela nasceu que eu fiquei sabendo que ela tinha nascido com problema.
P/1 - Foi no parto?
R - É! Então, foi um susto muito grande, muito grande. Porque quando você não tem conhecimento das coisas, que você depara é isto. Porque você ouviu falar que é assim, assim, assado, mas você não liga, porque não é com você. Mas agora quando a água bate… hum, aí você vai falar: “Hum, o quê?” Aí, eu fui buscar conhecimento, eu fui atrás de livro, de tudo quanto era… Porque até então você não sabia nem o sexo, porque naquela época não sabia sexo, nem do Paulo eu sabia. Que o Paulo vai fazer 44 anos, dia doze agora é aniversário dele. Então, a gente não sabia disso. Aí a Mara nasce com problema. Eu levei aquele choque, mas eu falei assim: “Se está na minha mão, é porque eu sou capaz. Não é? Porque eu acho que tudo que você recebe, que você tem que fazer, que cai na sua mão, é porque você é capaz de fazer, de um jeito ou outro você vai fazer, você vai resolver, de trancos e barrancos, de chorar sangue… Mas você vai fazer, você vai conseguir! E vai falar: “Graças a Deus”. Aí quando você olha para trás, você fala: “Nossa, eu consegui fazer isso?” Que bom que eu fiz. E eu consegui. Primeiro você faz um castelo. Nossa, um problemão! Aí depois quando você começa a voltar, que você se acalma, aí você vai vendo, passo por passo, aí você vai ver que as coisas não eram daquele jeito, que primeiro você tem que ter a calma no coração para você continuar fazendo as coisas. Não adianta você se desesperar, que daí você se atrapalha, você não tem noção do que que tem que ser feito, então eu acho que eu aprendi muito com isso, viu? Aprendi muito! Porque eu sou ainda assim, tem que fazer eu vou fazer já. Mas tem coisa que não. Tem coisa que você tem que esperar, tem que ter paciência, tem que ver qual é o caminho que você vai tomar, como que você vai atravessar aquelas pedras, aquele… como diz, aquela ponte, não. Como é que eu falei da pedra, da pinguela. Atravessar aquela pinguela. Como? É perigoso? É. Mas você sabe o equilíbrio e você consegue. Não é? Então, eu acho assim, que eu aprendi muito, aprendi. E eu sinto muito de muitas coisas que eu poderia ter aprendido e ter aplicado na minha vida, mas se não foi capaz, era aquilo que tinha que vim e que eu consegui fazer. E portanto, eu sou feliz. Você tem os caminhos tristes? Tem. Os tristes eu não contei, viu? Só contei as coisas… um pouquinho de triste. Mas, os mais tristes, eu não contei. Mas não teve tanta coisa triste, não, coisas superáveis, coisas superáveis. Então, eu vejo assim, eu olho assim, para trás, passei por tudo isso? Isso que vocês estão fazendo é uma coisa muito boa, porque você não para para pensar e resgatar coisas de lá de baixo, você não para para fazer isso. Agora você fez, com o teu trabalho, você faz isso. E é bom para mim, para poder resgatar e ver aquilo que eu fui capaz, e me sentir mais orgulhosa disso. Não é bom? Olha, eu estou feliz.
P/1 - Bonitinha! Conta da gravidez do seu filho? Se você quiser contar. A senhora já falou?
R - Eu não sei o que que eu falei.
P/1 - Você estava contando da gravidez da suas filhas, como foi receber a notícia…
R - Ah, sim, quando eu recebi a notícia da Mara, que levamos um choque. Inclusive, quando todos ficaram sabendo do problema dela, teve uma rejeição muito grande, e isso foi muito difícil e muito triste, para gente lidar com isso, com a rejeição de saber que era uma menina especial. Mas diante disso, eu falei assim, eu pensei assim. Quando a gente não tem conhecimento das coisas a gente faz a imagem que você quer, mas à medida que ela foi crescendo e eu fui tomando conhecimento, eu fui buscar livros, estudos. E enfim, tudo que era envolvido, aí eu fui orientada que eu procurasse fono, procurasse fisioterapeuta. Enfim, eu não conseguia naquela época, cinquenta e poucos anos atrás, é 52 anos, que vai fazer 52. As coisas eram mais difíceis, hoje não, em qualquer lugar você acha uma fono, você acha uma coisa… Mas, enfim, eu então, passei a fazer esse trabalho em casa, eu buscava orientação, montei como se fosse uma clínica na minha casa, então eu fazia todo o trabalho de fono, de fisioterapia. Enfim, trabalhei bastante com ela, o resultado está aí hoje, que vocês conheceram a Mara. Então, foi assim, um trabalho gratificante. E nesse intervalo aí de buscar, a rejeição, eu senti muito, não era de fazer o trabalho com ela, de tê-la como uma menina especial, mas da rejeição das pessoas. Então, isso que doeu muito. Mas eu soube perdoar, porque as pessoas que rejeitaram é porque não tinham conhecimento. Então, não sabiam, faziam uma imagem muito além daquilo, que não era. Inclusive, depois que a Mara já estava bem desenvolvida, andando e tocando, serviu de exemplo para outras famílias que não aceitavam a filha. Que eu digo a filha, porque foi onde que nós fomos lá para poder orientar e dar exemplo, e mostrar o que é capaz, o que não era capaz. Então, isso foi muito bom. Eu falei: “A minha filha veio para também ajudar os outros. Então, isso é gratificante. Aí, depois então eu queria mais, a gente queria mais um filho, e luta, e luta, e nada de vim, fez tratamento para uma gravidez, e nada de vim. Aí, de repente, depois de oito anos, aí eu fiquei grávida, e veio o Paulo. E o Paulo também foi um menino… não é que me deu trabalho, a gravidez foi um pouco tumultuada, fiquei três meses assim, na cama, para poder segurar esse meninão que eu tenho hoje. Quando ele nasceu, nasceu com saúde, com um probleminha na visão, mas isso foi uma coisa passageira, que é normal acontecer numa criança, mas a gente se assusta, porque você tem a imagem, aquilo de ser perfeito, você não olha nas laterais, você só olha para frente, vai ser isso, vai ser perfeito, vai ser… Então, é aquilo que você quer, se desviou um pouquinho, você se choca. Mas no mesmo momento que você se choca de ver um problema, você vai buscar amenizar aquilo para você. É para você. Não é para ele que tem o problema, é para você. Você é que fez a imagem, o sofrimento. Ele não está sofrendo. Minha filha, eu digo, a minha filha Mara não sofre. Se ela sofre, ela não diz. Mas a gente percebe que ela é uma menina feliz, ela faz as coisinhas do jeito que ela gosta, a gente proporciona para ela, dá condições para ela poder fazer. Olha, é uma questão de trabalho, o sonho dela é trabalhar. E eu sei, a escola que ela estuda, que é APAE, é uma escola assim, é completa, até direcionar os alunos que tem uma capacidade para o mercado de trabalho, ela direciona. Então você vê que aquilo ali… e é feito com amor, a escola APAE, vocês precisam conhecer, o amor que as professoras, as diretores, as pessoas que lá estão, o trabalho que eles fazem com as crianças. Você já foi em uma escola da APAE? Então vá vê! Principalmente a nossa escola de Maringá, é perfeita. São pessoas assim que trabalham com amor, com carinho, com dedicação, com tudo que elas têm dentro do coração, elas trabalham com as crianças. Então, a gente está assim, feliz com o trabalho das meninas e a recepção que eles têm pelas crianças. É muito bom!
P/1 - Diga.
R - Do casamento?
P/1 - Pode ser! Do casamento, conta um pouquinho de como foi esse dia?
R - O casamento é o seguinte, eu já tinha iniciado que eu achava que o vizinho gostava da minha irmã, e no fim não era da minha irmã, era de mim. Eu fiquei feliz, porque… eu fiquei na minha. Mas enfim, nós casamos, dia dezenove de dezembro, casamos aqui em Maringá, no civil, e no religioso lá em Ribeirão do Sul. Fizemos o casamento do civil, nessa ida… Aliás, dia quatorze casamos no civil, depois dia dezenove que foi no religioso. Nessa ida daqui para lá, quase que eu já… não sei se eu ia ficar viúva, ou ele que ia ficar viúvo, porque aconteceu um acidente. Graças a Deus, nós tínhamos que casar, então não aconteceu. Na ida lá, numa curva, em Apucarana das Pombas, eu não sei, que tem uma curva lá, onde tem uma fábrica de café, uma torradeira de café. Então, lá, por Deus não ficamos ali. Mas, enfim, passou. Foi um susto para a gente acordar. Aí, fomos para Ribeirão para o casamento, teve dois padres para o meu casamento, um padre foi daqui de Maringá, foi o Padre Teles, ele era muito amigo do João Falavigna. E o padre lá da região. Então, nós tivemos dois padres para o casamento. E um deles demandou, foi embora, não sei para onde, mas ele sumiu. Ainda bem que tinha dois para me casa. E me casei muito bem. João é uma pessoa que trabalhava na Café do Paraná, muito dedicado, nesse meio tempo depois ele saiu da café, veio para a fazenda, aqui em Floraí, junto com o irmão dele, trabalhavam juntos, ele ficava muito aqui e eu ficava lá em Maringá, com as crianças e a mãe dele. Depois os pais também saíram de lá e vieram para Maringá. Então, é a vida que eu faço ainda hoje. Vou para lá, venho para cá. Então, os pais deles acabaram morando aqui em Maringá, e deixou também um quarto lá, alias, aqui em Floraí, eles vieram morar aqui, e um quarto lá em Maringá. E assim a gente viveu muitos anos assim. Aí veio a falecer o meu sogro, ficou só a sogra, ela acabou morando comigo. Então, ela ficou morando comigo, com oitenta anos ela foi para minha casa, com a minha idade, ela foi para minha casa, e ela faleceu com 94 anos. E o João fazia essa vida. Aí, eles montaram a Trimax, que era uma firma de sementes, classificação de sementes, iam buscar no Rio Grande do Sul as variedades de soja. Então, nós tínhamos a Trimax.
P/1 - Começou com a soja?
R - É, começou com a soja. Então, depois que nós casamos, ele ainda continuou um pouco na Café do Paraná, e depois ele veio para fazenda aqui, começou com o gado, que eu falei que nós tínhamos o gado aqui, aí acabou com o gado, começaram então o trabalho com a cultura da soja, da soja e do milho, lógico que a variação, o inverno e verão, então ficou com a soja e com o milho. E assim foi muito tempo. Depois eles montaram, ele e um amigo dele, que montaram a sociedade, que se chama hoje, a Trimax, que era aqui em Maringá, onde é Veste Sul, era a nossa propriedade, que era a Trimax, que eles faziam a classificação das sementes, então as variedades. Enfim, e depois eles tinham os vendedores para vender para a região. Eles ficaram muito tempo eles dois, e deu certo, foi uma sociedade assim, muito boa entre eles dois. E eu continuava em casa com os filhos, cuidando dos filhos, a minha propriedade era aquela lá, mas deu certo. Aí, eles venderam aqui em Maringá, a Veste Sul, para a Veste Sul, que é um grupo de de atacadista, que funcionava lá no Parque Exposição, que é lá em Maringá, que é o local que a gente faz a Expoingá, enfim, as atividades maiores da cidade é feito lá. Então, eles venderam para eles. Na verdade a gente até pensou, se tivesse dinheiro, a gente ia montar, mas o dinheiro era curto. Então, a Veste Sul é que deu andamento, fizemos uma negociação, nós ficamos com uma quantidade de loja, o Vieira ficou também com uma variedade de lojas, e assim foi. E estamos até hoje ainda com as lojas lá na Veste Sul, e as outras lojas foram vendidas. Enfim, estamos lá! E a Trimax foi parar lá em Mamborê, uma cidade mais adiante, indo para Cascavel, e a Trimax lá continuou a ser uma sociedade bastante tempo lá, foi quando ele começou a adoecer. E eles tiveram assim, ele e o sócio dele, tinham terras na Bolívia, foi um período que eles iam muito para a Bolívia, voltava, mas as coisas, os sonhos, às vezes, não é aquilo que se realiza. Ficaram um período lá, o governo lá não era como aqui, eu não sei bem o problema nesta época, porque eu não estava inteirada nisso daí, porque o meu pedaço, a minha preocupação, era as crianças e a escola, que eu estava aqui e ele na outra parte. Nunca acompanhei o meu marido nas negociações dele, nunca. Então, eu ouvia a dizer. Eu sempre digo para as minhas amigas, que a gente não pode ser alheia daquilo que o marido faz, não é ser intrometida no que ele faz, mas acompanhar o marido, ser companheira dele nos negócios, se ele não for um machão e não abrir mão para isso, a gente vai ter um jeitinho, como dizem, um jeitinho brasileiro, mas a gente tem que ter conhecimento daquilo que se faz dentro de uma família, porque família é um conjunto, pai, mãe e filhos, tanto no trabalho, na tristeza, no amor, enfim, é um conjunto. Então, ali tem que ser trabalhado. Aí, então, o que aconteceu? Eu continuava dando aula e ele trabalhando na Trimax. Eu montei, com abertura da Veste Sul, como nós tínhamos a loja, tinha direito nas lojas, que várias lojas eram nossas, eu poderia montar uma loja, uma confissão ali. Então o que eu fiz, eu montei uma loja para vender camisas. Então, eu fui vendedora de camisas, já era a marca da nossa camisa, J A F, João Antônio Falavigna, que era o nome dele, né? Mas, aí, o que aconteceu? Nesse período ele teve uma gripe, a gente estava inclusive com uma intercambista do Canadá, nessa época, que a gente era do Rotary, e nós tínhamos que fazer… levar ela para passear, conhecer Foz do Iguaçu. E ele estava muito gripado, foi nesse período que a gente ficou preocupado com a gripe dele, voltamos, fomos fazer os exames, e ele estava com pneumonia, mas aí da pneumonia a gente percebeu que ele não ficou bem, e foi andando… Vamos fazer exames disso, daquilo e daquilo, foi onde que constatou o problema de saúde grave, que foi um câncer.
P/2 - Que ano isso?
R - Em 1972, ele morreu aos 75, já fazem 26 anos que ele morreu. Faz a conta para trás.
P/1 - Por aí!
R - Bom, aí nós fomos para lá, aí nós fomos para São Paulo, quando o médico daqui disse para mim assim… Ele foi lá fazer o exame de gastro, e o médico falou assim… E eu fui lá quando ele fez o exame, que eu olhei, que ele pinsou no estômago, eu vi, nossa, aquilo não é normal. E foi para biópsia. Aí, o médico falou para mim assim: “A senhora está ciente do que ele tem?” Eu falei: “Não, o senhor pode ser bem claro.” Ele falou assim: “A senhora pode…” Antes dele falar o que era… “A senhora pode ir para Curitiba, para São Paulo, até para os Estados Unidos, mas ele tem que tirar o estômago.” Gente, aquilo, o chão fez um buraco e eu… Porque nunca passou pela minha cabeça que um homem pudesse viver sem estômago. A falta de conhecimento faz você sofrer demais. Eu falei: “Mas como?” “É, porque o problema dele é grave, ele vai falar que não é nada, que é uma úlcera, mas não é.” E exatamente, ele chegou em casa e falou para mim que ele estava com uma úlcera, que precisava até fazer uma cirurgia para tirar a úlcera, mas ele… Na minha cabeça, parece que ele falou aquilo, e eu… sabe quando o teu ouvido parece que ele some aquilo ali, eu não conseguia imaginar o tamanho do problema. E eu fiquei com raiva do médico, porque eu falei assim: “O Senhor seja bem claro.” Só que ele foi muito claro, muito rápido, e eu então, eu me senti dentro de um buraco. Ele podia ser mais ameno, eu acho, sabe? Porque é muito duro você chegar, e puf! Te dar uma tapa na cara é a mesma coisa, então aquilo dói, dói profundamente. E eu falei: “Meu Deus!” Aí, o que nós fizemos? Fomos para São Paulo. Aí, nós fomos ao Hospital das Clínicas, e o Hospital das Clínicas falou assim: “Ele tem que fazer a cirurgia", explicou e tal. Bom, foi uma vida, porque eu estava fazendo as camisas para montar minha loja. Então eu saía de Maringá à noite, de ônibus, eu dormia aquela noite no ônibus, eu passava o dia em São Paulo, e pegava o ônibus e vinha para Maringá, para chegar aqui, para mim ver a situação da minhas camisas, porque eu não podia parar naquele momento, eu tinha de uma forma ou outra, dar continuidade. Aí eu fiquei sem saber, se cuidava dele, se cuidava da loja, se cuidava das crianças, se cuidava da sogra. Pô, eu falei: “Deus, me ajude!” Mas Deus não desampara a gente em nenhum minuto, porque ele deu jeito em tudo, e eu consegui todos esses desafios, eu consegui fazer. Se foi bem ou foi mal, mas eu me livrei disso tudo, eu consegui levar para frente, eu consegui fazer as minhas camisas, eu consegui ir para São Paulo, eu consegui cuidar da sogra, cuidar das crianças. Enfim, eu não sei como, mas eu me virei. Era pedra daqui, pedra dali, pedra de lá, eu pulava aqui, pulava lá, enfim. Mas a preocupação e o desgaste físico foi abatendo, aos poucos, e teve momentos que eu achava que eu não ia aguentar, mas eu falava: “Pai, esteja comigo, por favor! Deus, pelo amor de Deus, eu preciso de você”. Eu chegava a ajoelhar no chão e pedir para Deus. “Me dê força!” Deu deu. Deus deu força. Aí, quando ele estava lá no Hospital das Clínicas, ele ficou um período lá, que ele tirou o estômago, e eu não imaginava que tinha feito uma cirurgia, tirado o estômago… Aí, o médico explicou para mim a situação como ia ficar. E com isso, eu fui em Maringá procurar ginecologista, que era o meu médico, fui no outro, fui no outro, tudo para procurar saber a situação que ia ficar. Bom, enfim, aí o médico, quando ele fez a cirurgia, a primeira comida que ele deu para ele comer, foi um ovo cozido, eu falei: “Meu Deus, mas ele não tem estômago, vai comer ovo cozido?” Mas foi aí que eu falei assim: “Meu Deus, então amenizou.” Quando eu fiquei sabendo que o médico, que ele podia comer um ovo cozido, eu falei: “Mas, então, ele está comendo. Ele vai poder comer.” Mas, aí ele veio para casa, continua o tratamento aqui, cada passinho ele ia para lá. Aí, ele voltou a ter uma crise, aí ele fez uma cirurgia em Maringá, do intestino, e foi muito doida, porque foi onde que ele colocou a bolsa no intestino, foi muito difícil para ele se adaptar com aquilo, e saber que aquilo ali, poderia ou não, ser o fim da vida. Bem, só que depois ele teve outra crise, e eu precisei voltar… Em dois meses ele fez duas cirurgias. Ele tinha feito uma aqui, aí a minha sobrinha que trabalha em São Paulo, que ela é enfermeira padrão em São Paulo, falou: “Tia, traz ele para cá que nós vamos levar ele…” Ela pegou e falou assim: “Vem para cá com ele, que nós vamos internar ele lá no hospital do Servidor.” E lá fomos, porque ela trabalhava lá, então ela encaixou ele, ele fez uma Colostomia… Não me lembro como chamava. Porque ele fez duas na mesma época. E ele ficou fazendo tratamento, ia e voltava. Aí, chegou a época… até então, ninguém sabia que era um câncer. Quando a médica falou: “Agora o senhor vai para casa…” Antes de voltar para Maringá, o médico mandou ele ir na Oncologista. Chegou lá na Oncologista, ele pegou e falou assim: “O senhor sabe o que o senhor veio fazer aqui?” Ele olhou para mim e falou: “Não!” “É, a bomba sempre estoura na minha mão.” Disse a médica. “O senhor está com câncer.” Menina, eu não sei se ele sabia, e não comentava para não me magoar, ou ele ficou sabendo naquele momento. Eu rezava e pedia a Deus para que quando alguém falasse, você está com câncer, para ele ficar calmo. E Deus me atendeu. Porque quando ela falou isso para ele. Aí, eu peguei e falei para ela: “Pois é, a bomba estourou na sua mão, e a senhora tem que ter uma psicologia para falar com o paciente, não?” Falei para ela isso, lá em São Paulo. Aí ela foi falar o que ele tinha que fazer, o tratamento. Foi um período muito difícil, porque a cada quinze dias a gente ia para São Paulo, voltava, ia e voltava. E eu ia dirigindo, porque ele estava, às vezes… Eu voltava geralmente, porque ir ela ia, ele ainda estava mais ou menos, mas para voltar ele estava muito mal, porque a quimio é muito difícil, né? Então, esse período também foi um período muito doído para mim. Para mim, para ele e para as crianças, porque as crianças ficavam só, e eu ficava em função de cuidar dele, né? Enfim, até que um dia ele passou mal, ele estava assim, com muita tosse, aí voltamos para o hospital, em Maringá, aí o médico pegou e falou para ele assim… Ele falou assim: “Se eu tiver que ir para UTI, vocês não me levam, eu não quero ir para UTI.” E ele estava mal, e ele acabou indo. Mas ele já estava inconsciente quando ele foi. Mas ele chamava, no hospital, chamou o meu funcionário, que é o Valdemar, que ainda é o nosso funcionário, que é o meu funcionário, que está aqui na fazenda, acho que desde pequeno, esses menino, ele, eles, são dois irmãos. Ele chegava e falava assim: “Valdemar vem aqui!” Passou a chave da Toyota para ele, sabe? E falou para ele: “Ó, a Toyota tá assim, assim.” E ele continuou trabalhando até aquele momento, porque se ele estava consciente, entregando uma chave de uma Toyota para ele, porque ele estava consciente. Mas os papéis, eu não tinha acesso a nada, não, eu não tive acesso aquilo que teria que ser feito no caso dele faltar. Bom, enfim, eu também não perguntei, porque eu não sabia se eu perguntasse, se eu ia magoar, ou se eu não perguntasse ia ficar… Eu falei: “Bom, eu vou aprender, eu vou, né?” Mas, você não pensa nesse momento, eu vou aprender, eu vou cuidar, eu vou fazer. Você está focada nele, então eu fiquei focada no problema dele, até que uma noite ele não aguentou e veio a falecer. Naquela semana, oito dias, quer dizer, sete dias, tudo bem, vim para Floraí, a missa foi celebrada de sétimo dia. Que a gente é religioso, então, a missa, foi rezada uma missa em Maringá, uma missa aqui. Fez, acho que dez dias, veio um funcionário lá da outra propriedade, que é Mamborê, veio para falar comigo. Sentamos lá no chão, na casa do empregado, sentei junto no chão com eles assim, porque o homem queria... Falei para os dois meninos: “Venham sentar comigo.” E o rapaz pediu para tomar conta da minha propriedade. Eu falei: “Olha, eu estou ainda em estado de…” De choque não, porque eu sabia que as coisas iam acontecer, mas eu estava… o meu emocional estava muito abalado, porque eu olhei tudo, eu falei: “agora é minha vez! Como? Aonde que eu vou me centralizar para poder falar”. Aí, ele falou para mim: “Você me faz um salário que eu cuido de lá…” Porque a minha propriedade era lá e aqui. “Eu cuido de lá e cuido daqui.” Era para eu fazer um salário para ele, porque lá ele já tinha um salário, porque ele já tomava conta da nossa propriedade lá, junto com outro sócio. Aí, ele queria que eu desse um salário daqui, para ele tomar conta daqui. Eu falei: “Olha meu amigo, você me desculpa, mas eu ainda não sei o que eu vou fazer, eu ainda vou analisar, vou pensar, eu vou me acalmar e para poder pensar, porque eu não posso fazer nada sem pensar, sem fazer um planejamento.” Na verdade, conhecer o que tem que ser feito, porque como eu não participava de nada, eu tinha que viver aqui, porque você só aprende, você fazendo, você vivendo aquela situação. Lá de casa eu sabia tudo, o que tinha que fazer, como fazer, agora aqui, era outra situação. Aí ele falou: “Então, você pensa e depois você me fala”. E os meus empregados, os dois me escutando. Eu falei assim: “Eu quero ver o que eles vão falar.” Ele foi embora, os dois meninos falaram assim:... Não que eu tivesse medo dele, eu já tinha dito para ele: “Nós vamos pensar e ver o que vamos fazer”. Aí eu continuei conversando com os meninos: “Vamos ver isso, vamos ver aquilo…” Um dia ele pegou e falou para mim assim: “Dona Cecília, se a senhora for dar a sua propriedade para fulano cuidar, nós vamos embora.” Eu falei: “Eu não mencionei, eu não falei nada disso. Eu falei que eu vou pensar, mas ainda não pensei.” Eu falei: “Vocês vão ficar aqui que nós vamos conversar.” Aí eu vim um outro dia, quando as coisas começaram a se acentuar, aí eu conversei com eles, sentada na calçada, conversei com eles. Falei assim: “Olha, vocês sabem que eu não entendo nada disso aqui e vocês vão ter a paciência de estar junto comigo, eu não quero que vocês vão embora, vocês vão ter meu apoio agora.” O Paulo estudando em Curitiba, jovem ainda, tinha quatorze anos, dezesseis anos. Eu falei: “Também não tem noção de nada”. A outra não tinha casado, mas o ramo dela era outro, arquiteta, era outra coisa. E a Mara, que não dá opinião. Aí, eu peguei e falei para eles assim: “Não, nós vamos sentar.” Eu não tinha conhecimento do que era um cheiro de terra. Eu falei: Meu Deus! Um dia eu estava passando na propriedade, lá em cima, que a gente fala que é a primavera, aí o sócio do meu marido, chegou e falou assim: “Nossa, que terra, que terreno, que lote bonito esse daqui, de quem que é?” Eu falei: “Não sei”. E era meu. E eu não sabia. Ele também não sabia. Mas ele veio comigo para poder dar uma olhada. Falei: “Vieira, vamos comigo”. Porque o mais próximo do meu marido, era ele. Depois ele riu de mim. “Não sabe nem o que tem.” Eu falei: “Realmente, eu não vou na fazenda, eu não vou no sítio, como é que eu vou saber?” Eu não tenho noção das coisas, o meu negócio era dar aula, cuidar dos filhos, cuidar da casa e enfim. Aí, foi aí que eu comecei a conversar com os funcionários, dali dos funcionários, eu fui para a cooperativa, procurei o agrônomo que deu apoio, que hoje, ainda ele está aqui. E eu eu tinha receio de entrar dentro da cooperativa, lá em Maringá, porque a gente é sócio lá, que dizer, é cooperado lá.
P/1 - Seu marido já era cooperado?
R - Ele era, mas eu não tinha noção do que era ser cooperado da Cocamar. Então, eu continuei, e eu cheguei um dia lá na cooperativa, na porta, junto com um funcionário do meu marido, ele foi comigo para me apresentar na Cocamar, que eu era esposa do João, porque ninguém me conhecia. E uma palavra que marcou muito na minha vida foi assim: “Agora você vai andar com as suas próprias pernas”. Aquilo, para mim, bateu lá no fundo. Eu sabia que eu tinha que andar com as minhas próprias pernas, mas eu precisava de alguém para me dar um apoio. E eu cheguei a chorar quando essa pessoa falou para mim. “Daqui para frente você vai ter que…” Na porta da Cooperativa. Eu fiquei com raiva, mas depois eu falei: “Graças a Deus que ela falou isso”. Porque daí eu fui me virar, porque se ela tivesse dando apoio para mim, eu tava que nem uma muletinha, né? Andando com uma muletinha do lado. Não! E eu falei: “Não, não tem problema, pedi para Deus”, falei: “Pai, se eu tenho que andar com as próprias pernas, você está do meu lado”. Eu saia de casa, eu falava: “Pai, senta aqui comigo” E saía. Aí eu entrei na Cocamar, a primeira pessoa que me atendeu, eu olhava assim, só homem. Aí enxerguei a Ângela, que até hoje tá lá, que eu falo que ela é a minha madrinha dentro da cooperativa. E o… como é que era o nome do menino? Rapaz! Toninho. O Toninho foi uma outra pessoa… E o outro, foram dois rapazes e a Ângela, que são assim, os meus patrocinadores ali dentro. E dali eu fui para frente. Aí, o agrônomo daqui, que é o Valdir. Então, foi assim, o meu caminho, daí eu fui desenvolvendo, fui criando, fui buscando conhecimento, a cooperativa sempre dando incentivo para isso, para aquilo. A tecnologia naquela época ainda era bem devagar, mas aquilo que a cooperativa tinha para oferecer, eu estava dentro. Os desafios, é ali que eu aprendi a me virar. Eu falei: “se não fosse a cooperativa…” Pode falar mal da cooperativa, né? Se não fosse a cooperativa, talvez eu não tivesse, não chegaria onde eu estava, porque eu acho que sozinha a gente não é ninguém, a gente não consegue, nem as formigas não andam sozinhas, filhas da mãe, estragaram tudo as minhas árvores, as formigas. Elas trabalham em conjunto. Então, trabalhando em conjunto a força é maior. Então, foi onde que a cooperativa me deu assim, um apoio muito grande. E até hoje a cooperativa é o nosso apoio. E assim, eu fui plantando, fui colhendo. Aí eu fui conhecer o que era safrinha. Eu falava: “O que será que é safrinha?” Bom, enfim, e assim nós fomos caminhando. Toda vez que aparecia uma coisa, um produto novo, herbicida, então… Enfim, tudo que aparecia de novo, eles vinham, eu falava com a agrônomo, falava com o meu funcionário, porque o meu funcionário sempre foi um menino muito dedicado, não só quando eu estava sozinho, junto com meu marido ele era uma pessoa de confiança, de saber, de procurar…E eles tiveram um pouco de rejeição quando eu comecei a trabalhar com eles, que eu mulher, eles homens, eles tiveram um pouco assim, de rejeição. De rejeição não, um pouco, ficaram com um de vergonha de chegar e falar comigo, porque só falava com homem, e eu também com vergonha, porque só falava com homem, eu não falava, só falava com os pais, com a escola, que era um outro sistema, então. Mas assim foi.
P/1 - E quando mudou isso?
R - Com os meninos?
P/1 - É!
R - A medida que eles foram tendo conhecimento, a troca de conversa, sabe? Isso, aquilo, então é o diálogo, é a conversa, é assim, a maneira de você conversar com a pessoa, sabe? Você ser humilde, a humildade faz você ir longe. Então, os meninos então, aos passos que eles foram assim perdendo aquele receio de chegar e falar comigo, e eu também, sabe, de chegar e falar. Eu nunca briguei com os meus empregados, ou falei em alto com eles, nunca eu mal disse alguma coisa para os meus funcionários. E um dia ele pegou e falou para mim assim: “A Dona Cecília nunca brigou com a gente, nunca maltratou a gente.” Eu não sabia fazer isso! Precisa? Não precisa! É você conversar, é você se entender. “Por que aconteceu? Não é para acontecer mais!” Pronto! Então aquela conversa amigável, calma. Então as coisas caminham. Agora se você vai com brutalidade, com xingamentos, amaldiçoando as coisas, as coisas vão tudo para o lado errado. Então, você tem que procurar um caminho do bem, para você poder conduzir, aquilo que você planta de bom, você colhe. Então, eu vejo assim. E o meu filho também faz a mesma coisa, hoje ele está aí cuidando, ele está substituindo. Como é que é a palavra lá?
P/1 - Sucessão?
R - Sucessão. Ele está na sucessão e ele continua fazendo aquilo que a gente sempre fez, sendo amável com as pessoas. Cobrando de uma maneira sem pressão. Porque você pode cobrar do teu filho sem fazer pressão em cima dele, agora se você faz pressão, ele não aprende, aí ele fica com raiva, ele chora, ele esperneia. E se você vai de uma outra maneira, você consegue muito mais fácil. E assim os meninos ainda estão aí comigo. Quer dizer, só com o pai, eu não me lembro quanto tempo que eles estavam já com o pai, agora com a gente… Só que o meu marido faleceu, são 26 anos. Eles estão aí, os dois.
P/1 - E você toca há 26 anos?
R - Depois que o Paulo terminou a faculdade de direito, que ele fez em Curitiba, ele falou: “E agora, mãe?” Eu falei: “Agora meu filho, você tem que decidir o seu caminho. Até aqui eu dei o que era o meu dever, de te dar um estudo, um curso, uma faculdade, que isso ninguém vai tirar de você, seus estudos ninguém vai tirar. Até um dia alguém pode roubar alguma coisa, mas o estudo não. Então, daqui para frente você vai seguir o seu caminho. O que você pretende fazer?” Só que nesse meio tempo, eu falei assim: “Alguém tem que ficar no meu lugar. Quem? O meu filho”. E para ele dar continuidade, ele tinha que estar junto com a gente. Porque eu sair e deixar na mão dele? Isso não é o certo. Então ele tinha que vir, estar junto com a gente fazendo, vendo, tomando conhecimento, como eu fiz, sozinha, mas ele não estava sozinho, estava junto com a mãe. Então foi aí onde eu precisei que ele viesse tomar conhecimento e levar à frente do campo, da agricultura. E aos poucos eu fui deixando, eu não deixei de tudo, que eu falo assim… Eu tô que nem o outro lá ________. Mas ele tomou gosto pela coisa, porque a gente só toma gosto, você fazendo, conhecendo e se dedicando aquilo ali. Tem uns que desvirtua, mas ele foi um bom menino, foi bem criado, teve um pai maravilhoso. Eu não vou dizer a mãe maravilhosa, mas a mãe também soube cuidar dele. Toda mãe, todo pai, tem defeitos, mas o defeito a gente não fala, só falo coisa boa. Mas eu acho assim, que teve exemplos, o exemplo é a melhor coisa que tem de um aprendizado, porque não é você pegar a cartilha e mandar ler e fazer, não, você tem que dar exemplo daquilo, daquilo que você faz, porque pelo exemplo… Eu vou contar um exemplo muito engraçado. Então, eu ensinava as crianças assim, quando vai dobrar a coberta, pontinha com pontinha, para ficar bonitinho. E eles aprenderam, pontinha, com pontinha… E um dia eu peguei meu filho falando para filha dele. “Pontinha com pontinha…” Olha aí, eu não falei para ele. “Você tem que ensinar.” Eu falei para ele, ensinei ele a fazer, o exemplo foi caminhando, chegou lá na frente, também um exemplo. “Pontinha com pontinha, a coberta fica bonitinha.” Uma brincadeira, mas é assim.
P/1 - Dona Cecília, se você puder contar desses aprendizados que você teve? E quais foram as produções que vocês fizeram nesse meio do caminho? Teve a laranja, já deixou…
R - Quando eu vim para cá era soja, milho e gado. O gado era feito a inseminação. Então, tinha o botijão para inseminar as vacas, enfim, esse pasto aqui era tudo das vacas. Mas eu, como eu tinha a soja, o milho, as vacas, três coisas, a casa, os filhos. Eu falei assim: “Alguma coisa eu vou ter que eliminar. O que eu vou eliminar?” Como eu perdi o rapaz que fazia inseminação, eu peguei o botijão, levei aqui em Castelo Branco, onde a gente devolveria, e não fiz mais inseminação. Aí o que eu fiz? Eu fui aos poucos substituindo as vacas por novilhas, que é um giro mais rápido, engorda mais rápido, eu vendia…. E separei as bezerrinhas que eu tinha, fiquei e fui vendendo as outras vacas. E com isso, eu fiquei com as novilhas bem selecionadas. Inclusive, eu fui num leilão em Nova Esperança para comprar as novilhas e trouxe aqui para o pasto. Inclusive, todo mundo dizia: “O que a senhora faz que as suas novilhas são excepcionais, são lindas, são brilhantes?” “Não sei, acho que é o amor que eu tenho por elas.” Chegava a hora de vender. “Ai meu Deus, que pena!” Mas eu tinha que vender, porque o meu intuito não era ficar com o gado ali, né? Bom, aí vamos acabar. Acabei com o gado. Fiquei com o gado, só com as novilhas. Aí, passou muito tempo, o gado foi lá embaixo. Só que assim, o gado tá lá embaixo, então eu vendo tudo e fico sem o gado. Não! Você tem que ir contornando a situação e vendo a hora de você vender para você não ter prejuízo. Então foi onde que aos poucos a gente foi substituindo. E eu substituí o pasto por laranja. Agora, imagine você, a matéria orgânica que tinha aqui dos gados. Então plantamos as laranjas, a cooperativa me deu o apoio, veio agrônomo, fizemos tudo certinho, espaço das laranjas, fui para Maringá para fazer a certificação, fazer a licença para comprar as mudas. E foi aquele rebuliço, né? Aí, que fase mais gostosa. Aí plantamos laranjas. Essas laranjas vieram, minha filha, que era uma coisa linda. Até teve um presidente que falou assim: “Ela está rindo à toa, ela vai ver a hora que o negócio furar.” Nosso amigo lá, não vou falar o nome dele. Mas ele disse assim, tá rindo à toa. Porque as laranjas vieram, ficaram a coisa mais linda. Foi onde a Cocamar fazia a classificação, como é que fala?
P/1 - Premiação?
R - Uma premiação das laranjas proporcional aos lotes que você tinha, quantos pés você tinha ou outro lá… Tem a revista da laranja, a coisa mais linda na capa da revista eu sentada com as laranjas, linda e maravilhosa. Aí vamos fazer a premiação. A premiação lá em Paranavaí. E eu estava sempre por cima das laranjas. Lógico, proporcional a aquilo ali. Me sentia orgulhosa, poxa, essa é a minha cria, eu que plantei, eu que fui atrás. Porque soja e milho era a continuidade, mas as laranjas eram minhas. E enfim, bem, agora que nós acabamos com a laranja, muito tempo nós ficamos com a laranja, não deu prejuízo. Mas a medida que vai passando o tempo, essa doença do ______, ela prejudica muito, então a gente tava assim, arrancando muito, porque quando dá a doença num pé, você tem que radicar aquilo ali. Enfim, e para você ir repondo… E a gente não tem seguro disso, das laranjas, então… Hoje eu nem sei se tem, porque depois que eu passei para o meu filho cuidar, deixei para ele ver. Mas não tem! Aí para não trocar e fazer tudo de novo. Porque tem um período da laranja, de vinte a trinta anos, você tem que trocar tudo. Eu falei: “Vou trocar, vou plantar soja.” Aí o que acontece? A soja vai lá nos altos, chega a R$200,00 um saco de soja. Aí todo mundo se anima. “Vamos plantar soja!” Aí planta soja até no quintal. Mas aí o que aconteceu? Tiramos primeiro as laranjas lá do canto. E o que acontece? Na beira da cidade não pode passar veneno, porque o povo lá tem o nariz muito sensível, qualquer veneninho que passa, cheira, eles vão reclamar. Então o que nós vamos fazer? Vamos plantar laranja para fazer pasto em volta da cidade. Porque aqui é divisa com a cidade, ali é o asfalto, tá divisa. Quando você passou na porteira viu que estão fazendo cerca? Estamos fazendo cerca, para deixar pasto ali. Esse pedaço aqui ó, que era laranja, tá plantando braquiária, isso para melhorar a terra, nós vamos plantar soja. E um pedaço lá em cima, que dá, não sei quantos alqueires vai dar lá, a gente vai botar gado para poder continuar. E assim a gente vai tocando. Pergunta mais.
P/1 - Quais são os maiores aprendizados de se trabalhar com a terra?
R - É a satisfação de ver a planta crescer. Gente, é a coisa mais linda, você botar a semente na terra, esperar que Deus manda chuva e você ver brotar aquilo ali, é uma satisfação muito grande, é uma coisa maravilhosa. Você ver germinar a planta e saber que vai te dar um retorno das sementes, é uma coisa muito boa, é uma satisfação. Mesmo que tenha frustração, porque nós tivemos muitas frustrações.
P/1 - É?
R - Muitas! Três anos, minha filha, sem colher soja. Mas a gente não pode desistir na primeira pedra que a gente encontra, você tem que dar continuidade, porque se você para, ou você volta, é o atraso do resto da vida. Então, você tem que conseguir ultrapassar aquilo ali, aquele desafio. E vamos para frente! Ter força de vontade e gostar do que faz, porque os desafios vêm, só que você não pode amolecer não, você tem que ser forte, e saber, hoje não deu, amanhã pode dar, depois pode dar. E dar continuidade, ter força, ter garra para isso.
P/1 - Esses desafios têm a ver com clima?
R - Sim! Muito com o clima, muito!
P/1 - Por que?
R - É tudo com o clima, porque você planta, você espera que venha chuva para você plantar, aí você planta, você tem um período para que ela possa germinar, a terra tá bem úmida, mas ela precisa de água para dar sustentação, para poder crescer. Aí ela cresce, falta chuva. Aí na hora da florada precisa ter chuva, na hora da granação precisa ter chuva, e na hora de colheita, que já está seco, não precisa de chuva. É assim! O agricultor sofre, porque o trabalho dele é de céu aberto. O trabalho do agricultor, do campo, é céu aberto. Então você depende de tudo. Olha, eu vou contar um fato de soja. Eu tô falando que não precisa de chuva, mas então o que aconteceu. Numa quarta-feira, estava tudo pronto, na quinta a gente ia colher, então na quarta-feira… Porque os meus funcionários, sempre ensinei para eles que não deixe para amanhã o que pode ser feito hoje. Porque você não sabe o que pode acontecer nesse meio do caminho, depois chega na hora eu preciso e não está pronto. Então as máquinas já estavam todas revisadas, tudo arrumadinho, só pegar, ligar a chave, ir para a roça e fazer a colheita. E eu estava numa reunião na cooperativa, lá em Maringá. E na quarta-feira à tarde, foi umas cinco horas, mais ou menos, o tempo mudou. E eu estava lá e choveu. Eu falei: “Nossa!” Caiu um monte de água, mas de repente abriu o sol. Só que aqui deu uma chuva de pedra. E eu estava para colher a soja lá naquele campo lá. Tá vendo lá? Tinha lá soja todinha, setenta alqueires para colher, veio uma chuva de pedra, tudo para o chão. Só que a chuva, pegou assim, na parte da laranja, a parte da soja, laranja do outro. Então, ficou um campo, um pedaço, só um pedaço, sem derrisar a soja. E eu tinha comprando uma máquina da Jundir, e essa máquina não chegou. E eu precisava da máquina exatamente para poder… porque a nossa máquina… mas eu precisava de mais uma outra máquina para poder… porque o sol que veio, ia acabar de derrubar o resto. E eu precisava de uma máquina para colher, para ajudar a colher aquilo ali. Peguei e liguei pro funcionário, não é a Jundir de hoje, isso é… falo Jundir porque é a máquina, mas a concessionária era outra, outro que cuidava lá. Aí eu liguei para ele, falei assim: “Olha, eu preciso de uma máquina porque aconteceu isso, isso, isso…” Aquele dia eu chorei, aquela tarde, porque o meu funcionário falou: “Dona Cecília, a senhora está sentada? Eu falei: “O que que aconteceu?” Do jeito que ele falou, eu já falei, aconteceu alguma coisa. Eu falei: “O que que aconteceu?” “Dona Cecília, é bom a senhora vim para cá.” Eu falei: “Fala logo!” Ele falou: “Olha, a soja que nós íamos colher amanhã, está no chão.” Gente, aquilo, eu sentei na escada da minha filha e chorei. Porque você saber que você tinha toda dívida para pagar com aquela soja, e ela tava no chão. Mas aquele dia foi doído, foi doído. Eu falei: “Mas…” Respirei bem fundo. E falei: “Meu Deus! Vou para lá! Isso já era tarde”. Saí de manhã e vim para cá. Falei: “Vamos pedir a colheitadeira para vir aqui para dar uma ajuda aqui”. Aí eles mandaram uma lá. “Não vou nem cobrar não… a senhora paga o frete.” “Pago o frete! Pode vim!” Chegou a máquina aqui, era uma sucata, uma máquina caindo aos pedaços. Eu olhei para a máquina, falei para o funcionário: “Dá uma olhada nessa máquina”. Ele falou: “Dona Cecília, é melhor nem descer!” O que aconteceu? Ele mandou a máquina para trabalhar, para ver qual era o defeito, para poder arrumar e vender. Então, o negócio era esse: você trabalha, nós vamos lá ver o defeito, as peças, o que está acontecendo, a gente arruma e vamos vender essa máquina. Eu liguei para o cara na hora, eu liguei lá e falei: “Meu amigo, você me desculpa, não vou pagar frete e não vai nem descer do caminhão, tá indo de volta, tá? Porque sucata eu não quero, eu quero uma máquina, eu não quero uma máquina para ver qual é o defeito. Aí fomos pela vizinhança toda aí, quem tem, o que tem, que não tem. Trouxemos as máquinas para poder colher, para salvar aquilo que tinha ficado lá. Foi onde que salvou! E as outras frustrações e falta de chuva. Essa foi com muita chuva, e as outras foi por falta de chuva. Mas, minha filha…
P/1 - O que te mantém em pé?
R - Em pé?
P/1 - Quando acontece isso.
R - A fé que Deus está do seu lado. Eu tenho muita fé que Deus está do lado de quem pede, quem agradece. E você trabalhar certo, não fazer falcatrua com nada, você tem que trabalhar em cima da receita que é dita, que é certa, não adianta você querer fazer alguma coisa, por lá, porque é mais barato, porque é isso, porque é aquilo. Não adianta! Você leva ferro. Você tem que trabalhar justamente em cima daquilo que tem que ser feito. Tem muita gente aí que a gente sabe. “Ah comprou veneno de fulano, muito mais barato.” É! Aí, quando chega lá na frente. “Ah, por que a sua soja deu…?” Sempre diziam assim para gente. “Por que a Falavigna consegue? É porque deve ter alguém que tá dando suporte aí.” Eu falei: “O suporte é você fazer as coisas corretas, as coisas certas.” Isso sim é o suporte, porque eles acham que porque você vai bem, você colhe bem, porque você foi feliz aqui. Porque, onde que eu tô, porque a cooperativa tá do teu lado. Não, a Cooperativa é muito honesta. E eu também sou honesta. A honestidade cabe para qualquer um, em todos os lugares. Então isto é a fé e a honestidade com aquilo que você tem que fazer. Não adianta você querer fazer mais baratinho. Ah, a cooperativa está vendendo a tanto.” “Ah, não, para o fulano ali…” Muita gente que eu conheci, que eu conheço, que faz isso. Hoje eu não sei se estão fazendo ainda porque acho que muita gente já levou, sabe? Tomou no nariz. Então as coisas têm que ser feitas dentro daquilo que é o justo, o certo.
P/1 - E Dona Cecília, como é esse título de Rainha da Soja? Como foi essa história?
R - A culpada é a cooperativa. A cooperativa, o adubo, a semente, a Sirjenta, a Timarques, a cooperativa, tudo. E eu também, principalmente a nós, porque não adianta… Um tripé, eu não sou a primeira, eu sou a última, mas a cooperativa e eu. Quem está aqui? A dedicação, o dinheiro…
P/1 - Conhecimento.
R - Conhecimento, tecnologia, tudo que tá aqui, no maior aqui, é tudo que você precisa de maior, porque eu tô aqui. E os funcionários que também são dedicados, porque é o seguinte, você nunca é sozinho. O meu prêmio, não é meu prêmio, o prêmio é do conjunto todo. Porque ali coube a cooperativa, a semente, o adubo, a dedicação dos funcionários, o dia certo de plantar, a sua terra que está propícia, está bem cuidada. Então, envolve, é global, para você poder chegar lá no seu objetivo, não adianta eu querer chegar no objetivo se nada daqui eu fiz. Você não chega! Não chega de jeito nenhum. Então, isso daí foi, a cooperativa deu incentivo. “Ah, vamos tentar!” Mas quando nós começamos a participar dessa premiação, não foi a primeira vez, a primeira vez já ganhou, não, demorou quatro anos. Porque é assim, você vai, esse pedacinho aqui é para o concurso, agora tem isso para pôr, tem isso, tem isso… Bom, pronto! “Vamos plantar? Ah, não deu certo!” O que não deu certo aqui? Você vai eliminar ou vai estudar? Por quê? Para você tornar a fazer e saber o que deu certo. Eu tenho que saber a razão, o que não deu certo. Foi um, foi dois, foi três. Então, é assim, é a persistência de fazer as coisas certas. Errou? Vamos fazer de novo, você não pode permanecer no erro, você tem que sanar esse erro para poder chegar num bom senso. E aqui que eu quero chegar. Bom, aí ganhamos o primeiro, nesse pedacinho aqui. Todo mundo falava assim. “Ela é rica, ela tem dinheiro, por isso que ela ganha.” Ah, meu Deus! Gente da cabecinha desse tamanho, não pensa. Aí, ganhamos o primeiro prêmio. Ó beleza, que bom! Aí fomos para o segundo, ganhamos o segundo de novo. “Ela é rica, ela tem dinheiro.” Tá bom, deixa quieto! Aí passou um ano, nós não ganhamos, que deu uma frustração. Aí, quando foi no terceiro ano, a terceira vez, ganhamos de novo. Aí, não sei quem foi que deu o título de Rainha da Soja. Eu falei: “Opa, põe tapete vermelho agora.” Aí fizeram minha até uma… Como é que fala quando pões na estrada, aquele painel grande assim. Como é que chama?
P/1 - Outdoor?
R - Outdoor.
P/1 - Jura?
R - Caracas! Cara, não é possível! Aí, ficou até hoje, é isso já faz não sei quantos anos atrás. Até hoje todo mundo me chama de Rainha da Soja. O que eu ia contar mesmo? Ah, a Jundir. Eu já participei do Congresso Nacional lá em São Paulo, lá no Transamérica. Com esse negócio de ganhar da soja aqui, a sociedade rural, tem a presidente, que é uma mulher, e eu sou vice-presidente dela, eu sou a segunda, agora eu sou o primeiro, porque o primeiro já demandou. Aí eu fui convidada para dar palestra falando da soja, de como… Assim, para as mulheres que têm medo de entrar no campo masculino. Então, eu fui para o Pará, eu fui para Tocantins, eu fui para Paragominas, eu fui para o Sul do Paraná, fui para o estado de São Paulo, fui para Belém, depois fui para lá… Bom, andei não sei quantos lugares a convite das cooperativas, a cooperativa que me chamava. Eu não queria ir porque eu não sou palestrante, mas como elas assistiram a palestra que eu dei aqui, contando a minha história. Aí eu fui convidada para ir num Congresso em São Paulo, e lá eu fui participar como palestra. E todo mundo põe o seu telefone, o seu endereço, porque se alguém tiver interesse… Não, não vou pôr para ninguém, eu não sou palestrante. Mas não adiantou, minha filha, foi na internet, lá não sei aonde lá, na mídia. Aí choveu de gente me chamando para ir dar palestra, para contar a minha história. Tudo pago! E queria saber quanto que eu cobrava. Eu falei: “Eu não cobro nada, filha, eu não sou palestrante. Olha, o que você teria que pagar para uma palestrante oficial, você vai pegar esse dinheiro, e vai dar para uma entidade.” Eu falei: “Eu não quero! Você pagando para mim ir e me dando o que comer, basta.” Minha filha, assim foi feito! Então vários lugares que eu fui contar a minha história, foi dado, foi arrecadado o dinheiro e foi dado para uma entidade. Aí eles achavam que era para minha entidade daqui. Falei: “Não, a entidade da sua cidade, porque lá tem pessoas carentes, tem entidades que precisam.” Está na hora de você ir embora, né?
P/1 - Não!
R - Eu falei: “Lá precisa, então você vai dar para eles.” Menina, mas foi tão gratificante isso, que aquilo me encheu de orgulho, de saber que as pessoas… E onde que eu encontrei a Sicredi, lá longe. Eu falei para o seu Wellington. “Seu Wellington, eu me senti em casa quando eu vi a Sicredi lá em cima. Mas assim, foi muito gratificante essa coisa de você sair e poder incentivar outras mulheres, e teve uma mulher que falou assim: “Nossa, Dona Cecília, eu tinha tanto medo, tanta vergonha, e agora você me deu uma força tão grande.” Então, sabe quando você… “Puta, eu tô valendo alguma coisa!” Coisa boa menina, coisa boa, coisa boa.
P/1 - Que mensagem você gostaria de deixar para incentivar outras mulheres a seguirem seus sonhos, ocuparem os lugares?
R - Que idade?
P/1 - Mensagem.
R - Ah, uma mensagem. Que nunca se perca diante de uma dificuldade, porque eu acho que a gente tem que buscar e procurar onde encontrar essa… para se tornar mais leve para você poder continuar. Não é na frente do marido, é do lado dele, é ali que você vai começar a aprender a viver, a saber, entender das coisas. E levar a coisa a frente. Não é dizer assim: “O meu marido vai morrer.” Mas você tem que conhecer, porque tem o teu filho também que vem atrás de você, e você tem que dar exemplo pro seu filho, e você dando exemplo você consegue… Os filhos estão voltando para a roça. Sabia? Os filhos estão voltando. Com a pandemia eles voltaram, estão voltando. Eu acho assim, que a mulher, ela tem que estar em todo lugar que ela escolher, a mulher não precisa se esconder, ela tem que ser útil e aparecer onde precisa. E dar força para as outras. Eu incentivei milhares de meninas por aí. E é gratificante chegar uma menina, uma senhorinha e falar assim: “Olha, eu pensei que a gente nem podia fazer isso que a senhora faz.” Ah, outro dia encontrei com uma lá na Sociedade Rural, falou: “Cecília, eu não tive a mesma coragem que você, nós perdemos tudo.” Gente, aquilo encheu os olhos de ver ela falar aquilo para mim. Ela falou, eu não tive a mesma coragem que a sua. E as coisas vem assim, aquela força interior para fazer as coisas. Não é? “Ah, eu vou fazer isso aqui porque eu quero!” Não, a coisa brota dentro de você para você fazer, quando você tem Deus no coração, sem Deus você não faz nada. Faz? Tem gente que não tem Deus no coração, faz outras coisas piores. Mas Deus no coração, minha filha, é a força para tudo. Eu digo pro meu filho: “Filho, não saia de casa…” E falo para os meus empregados: “Não pegue uma máquina sem primeiro louvar a Deus porque você não sabe o que pode acontecer com a máquina mas se você por Deus. Porque você não sabe o que pode acontecer com a máquina, mas se você por Deus no teu caminho, nada vai acontecer.” Claro que uma ou outra vez acontece, mas não é tão grave quanto se você não pedir a Deus para te proteger. Eu sempre digo para os meus meninos. “Não faça nada, não sai o pé para fora, se não falas: “Obrigado meu Deus, me proteja!” E eu do lado de cá, peço também. “Deus, proteja os meus funcionários, meus filhos, minha família.” E é isso que dá força para gente, é a fé.
P/1 - Você está passando a sucessão para o seu filho, mas o que você ainda faz?
R - Eu faço companhia para ele, assino cheque, avalio quando tem que fazer… Como que é? Esqueci o nome. Que faz no banco. Como que é? Empréstimo no banco, não. Aí, meu Deus!
P/1 - A parte burocrática?
R - Burocrática, sim! Nós estamos juntos. Nós dois trabalhamos assim, nada ele faz sem falar comigo. Sabe porquê? Não que eu não vou deixar. “Não vai fazer!” Não! Ele vem, participa daquilo que tem que ser feito. “Mãe, o que a senhora acha?” Isso acho lindo dele, eu acho muito lindo da parte do meu filho. “Mãe, o que a senhora acha?” Ele falou para mim agora. “Mãe, nós temos que fazer do jeito que a senhora quer.” Olha que coisa linda! Eu fico louvando a Deus. “Pai, que bom que ele é assim.” Ele é um filho maravilhoso. Errar é humano, então isso é perdoável. Só não pode permanecer no erro, né? Porque aquele que permanece no erro, é burro! Não é?
P/1 - Dona Cecília, quais são os seus sonhos?
R - Meus sonhos? Aí, aprender ainda muita coisa na vida, sonhar com coisas boas. Ver a minha família unida, que acha que, acha não, é primordial uma família unida, trabalhar unidos. Porque a união faz a força, e a força te valoriza, a vontade de trabalhar, de viver, é outra. Ter união, ter amor entre as famílias, e as pessoas que envolvem você, porque não adianta eu estar bem com a família e estar xingando o funcionário. Você tem que viver também com tudo que está em volta de você, para você viver bem. Já pensou você está trabalhando e brigando com ele ali? Não dá certo! Então, eu acho assim, que a vivência, a humildade, o amor, a dedicação, a paciência, tudo isso está em volta do seu objetivo, do seu sonho. Tudo isso é… Como diz assim: “É doença? Não, é saúde!” Não é doença, é saúde. E eu acho assim, que a vida só é triste para quem faz ela triste, quem leva para o lado da tristeza, mas a gente que gosta de viver bem, tem como viver bem. E você e eu vivo bem, graças a Deus!
P/1 - A gente teria mais um milhão de histórias, eu tenho certeza, mas eu gostaria de saber se tem algo que você gostaria de falar que eu não tenha te perguntado, algum momento marcante que você queira registrar, alguma pessoa, alguma mensagem?
R - Voltando lá atrás, tudo isso que eu sou hoje, eu devo a duas pessoas, que são meus pais. Eu louvo a Deus por ter um pai que soube me criar e me amar. Portanto, hoje a gente continua com esse amor vindo dos pais, a herança do pai, da mãe, de uma família consistente, que Deus esteve sempre no nosso meio. Então, Deus, a família e a pátria. Não é?
P/1 - Como foi para você visitar a sua história?
R - Uma satisfação muito grande.
P/1 - E perceber o lugar onde você tá hoje? Como foi contar para gente um pouquinho?
R - Você sabe que eu nunca imaginei que eu fosse fazer esse relato desde lá. Às vezes, você tem o relato mas está aqui dentro, mas você botar para fora, eu nunca imaginei que eu pudesse fazer isso, e vocês proporcionaram isso para mim! Isso foi muito bom, muito gratificante. E que vocês possam proporcionar isso para mais pessoas, que é gratificante, com certeza, com certeza! Eu agradeço assim, de coração, demais. Eu estava um pouco tensa, porque eu gosto de falar muito, às vezes, a gente… Eu creio que eu não errei em falar, eu deixei de falar muita coisa que poderia ser falado, mas que no momento não veio à tona, mas com certeza dentro de cada palavrinha, de cada coisa, tem alguma coisa, algo melhor, não digo pior, vamos falar, só melhor. Entendeu? Porque o ruim a gente esquece, tem que esquecer, tem que esquecer. Agora, as coisas boas têm que ser lembradas. E eu vou lembrar muito de vocês, porque esse momento para mim foi muito!
P/1 - Para nós também!
R - Foi muito bom! Foi muito gostoso poder compartilhar com vocês a minha vida, compartilhar é bom demais, não é?
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