Projeto Ponto de Cultura - Museu Aberto
Depoimento de Lydia Tavares Schellenberg
Entrevistada por Danilo Eiji e Gabriel Nascimento
São Paulo, 24/07/2008
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista PC_MA_HV135
Transcrito por Andiara Pinheiro
Revisado por Augusto de Salvo Russo/Viviane Aguiar
Publicado em 13/07/2009
P1 – Eu queria que você falasse o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Lydia Tavares.
Vou dar o nome de solteira, né? Era Lydia Dorigon Tavares, data de nascimento: 21 de agosto de 1927.
Nasci em Osasco, na Rua Primitiva Vianco, só não me lembro o número.
P1 – Mas você pode me falar um pouco da rua? Você se lembra dela?
R – Ah, a rua era um.
.
.
Antigamente, as ruas eram meio abauladas.
E o ônibus passava de manhã, que ia para a cidade, e só voltava à noite.
Então, a gente tinha uma condução só para ir, né? E essa Rua Primitiva Vianco, passando dali.
.
.
Porque eu sempre morei ali, mesmo depois de mais grandinha eu morei ali.
Ela era arborizada, fechada mesmo, tinha o Clube Floresta, depois tinha uma chácara, uma chácara muito grande.
E do outro lado era só mato.
P1 – A rua existe até hoje?
R – Existe, é uma rua muito boa, é a rua principal de Osasco.
Saindo da Autonomista, a gente já entra na Primitivo, porque a outra, a Rua Antônio Agu, é contramão, é a rua que vai na igreja.
Eu tenho muito sentimento deles terem demolido a igreja em que eu casei e batizei meus filhos pra construir uma outra.
Então, isso foi uma coisa que ficou.
Infelizmente, eu não tenho fotografia da Igreja de Osasco, é muito bonitinha.
P1 – A senhora provavelmente viu bem essa transformação de Osasco?
R – É.
P1 – Desde a década de 20, ali? Mas a gente vai chegar lá.
Eu vou começar perguntando um pouco dos seus avós.
R – Os meus avós vieram da Itália.
Até tem uma passagem interessante que caíram na Hospedaria dos Imigrantes em Santos, aí serviram a comida para eles e puseram aquelas cuias com farinha de mandioca.
Aí, meu nonno falou: “Quanta fartura, quanto formaggio!” Ele pensou que era queijo.
Aí encheu o prato.
Era farinha de mandioca, porque eu falo muito bem o italiano também.
Só não escrevo, mas leio e falo italiano.
Aprendi com eles.
Foram para Osasco, e esse pedaço, eu não sei como é que eles foram parar em Osasco.
Ela não vivia com meu nonno, ela veio com outro, se eu não me engano era Giuseppe o nome dele.
Ele era pescador no Rio Tietê, aí o mataram.
Encontraram ele morto, metade do corpo no barco e metade no rio.
E a minha nonna já tinha os filhos, quatro ou cinco filhos, moravam na Antônio Agu, ela ficava sentada na soleira da porta esperando por ele.
E o meu nonno que ficou com ela, Emilio, ele ficou muito penalizado porque perguntou para ela se queria que ele tomasse conta dela e dos filhos.
E ela concordou.
Passaram a viver juntos.
Depois tiveram muitos filhos.
Aí os italianos, que ali era tudo italiano, perguntaram para minha nonna se ela preferia voltar para a Itália, que eles davam a passagem para ela, ou se preferia que construísse uma casa.
Então, ela falou: “O que eu vou fazer na Itália com os meus filhos? Eu prefiro que construam uma casa.
” E essa casa existe até hoje.
Uma casa boazinha, tudo.
Ela foi viver com esse que ficou sendo o meu nonno.
Depois ela teve mais filhos, teve a minha mãe, teve a mãe do pai da Kátia, teve muitos filhos depois.
E o meu nonno era desses que, quando ele sentava na mesa.
.
.
Ele mandou fazer uma mesa muito grande, ele sentava numa ponta e a nonna na outra, e tinha os filhos todos sentados em volta.
Se eu não me engano, eram 14.
P1 – Paterno? São seus avós paternos?
R – É.
Meus avós paternos.
Aí ficaram ali naquela casinha.
A minha nonna foi que morreu primeiro, e o Valter, que seria meu irmão de criação, e a Neuza passaram a viver com a minha mãe e meu pai.
E meu nonno também passou a ir morar com a mamãe e o papai, nós morávamos na Primitivo.
Mas, da Primitivo, onde nós morávamos, até a casa do meu nonno era só virar a esquina, a segunda casa já era a dele.
E essa casa era dos herdeiros do primeiro casamento da minha nonna.
Era o Fabri, família Fabri.
Então, a casa ficou para eles, para os Fabri.
O meu nonno não tinha direito, porque o meu nonno era Emilio Dorigon.
E ficaram ali.
E tinha um filho que tinha 15 anos.
Quando a minha nonna foi viver com o meu nonno, chamaram ele.
.
.
Posso falar palavrão?
P1 – Sinta-se à vontade (risos).
R – Chamaram ele de filha da.
.
.
, né? Aí ele se ofendeu.
E sabe o que ele fez? Ele foi para Santos, se enfiou no rolo de corda do navio e foi embora para a Itália.
P1 – Um garoto de 15 anos?
R – Passados anos, ele voltou, para ver a minha nonna.
Aí voltou para a Itália do mesmo jeito.
Só que o comandante do navio descobriu ele e o adotou no navio, tratou ele, tudo.
Ele foi para os Estados Unidos, casou-se lá.
No ano que era para ele voltar, infelizmente ele faleceu.
Aí o corpo dele foi cremado, e ele pediu que jogassem as cinzas dele no mar.
E interessante: papai era carioca.
Quando foi pedir a mão da mamãe, ela ficou escondida.
Aí, quando ela fazia assim, ele fazia para o meu nonno: “Sim senhor.
” Quando ela fazia não: “Não senhor”, que ele não sabia.
E meu pai ficou.
.
.
Ele lia italiano, escrevia italiano, conversava, adorava ouvir uma ópera, se encaixou mesmo na família italiana.
Foi bonito.
P1 – Calma aí, que eu preciso voltar, que a senhora foi, voltou.
Duas questões na verdade: primeiro queria saber um pouco da parte dos avós maternos, que você contou essa parte da linhagem italiana.
Seus avós maternos também são italianos? De onde que eles são?
R – É.
A minha nonna era romanhola e o meu nonno mesmo era de Ivrea, se eu não me engano.
P1 – Ivrea?
R – É.
O meu nonno era amigo do marido dela, por isso que ele tomou conta dela e dos filhos.
Vieram juntos da Itália.
Aí ficaram ali.
Aquela casa antiga que eu te mostrei, que você perguntou se ainda existe, era uma família também de italianos que eram donos dessa fábrica que depois passou para o tio do meu marido, do primeiro casamento.
Eles eram família Ferrer, então a gente era tudo italiano.
P1 – Em Osasco, então, no começo era tudo italiano?
R – Tudo italiano! Por isso que a gente acostuma.
Que, quando meus filhos eram pequenos, eu falava italiano com eles, mas foram crescendo e perderam.
P1 – Como é que os seus pais se conheceram?
R – Meu pai veio do Rio de Janeiro para aquela firma.
Ai, meu Deus, como é o nome da firma? Eu li agora lá.
.
.
Fox Dumont.
Ele trabalhava na Fox Dumont, no Rio de Janeiro.
Mandaram ele para cá, para Osasco, para formar, ele era gerente de uma firma.
Aí ele ficou trabalhando ali e conheceu a mamãe, pediu ela em casamento.
Porque até o meu pai, a descendência do papai.
.
.
A minha bisavó era índia, a da parte do papai.
E eles são de cor.
Até quando a mamãe estava esperando eu, meu irmão, ela tinha receio de que nascessem pretinhos, porque naquela época, né? E meu irmão não falava também.
Meus irmãos, infelizmente, não viveram, morreram.
Morreram pequenininhos.
Ela teve dois gêmeos, duraram 14 dias.
Quando eu estava com sete anos, ela teve outro, e ele morreu também com um ano e meio.
Fiquei eu, que sou filha única, quer dizer, filha única não, porque eu tenho estes dois irmãos adotivos.
Voltei alguma coisa, ou não?
P1 – Não, está tranquilo.
Eu queria que você me descrevesse um pouco como era a sua casa? Você lembra?
R – Na Primitivo?
P1 – Na Primitivo.
Quando você era criança, como era essa casa?
R – Entrávamos assim: o trinco era um negócio assim, que nem uma.
.
.
Sabe, não tinha trinco, era um barbantinho.
Tinha uma sala assoalhada.
A minha mãe sempre foi muito caprichosa.
Então, tinha a sala, depois tinha uma cozinha com fogão a lenha.
Tinha o quarto dos meus pais e tinha o quarto meu e da minha irmã, e minha mãe dividia para fazer o quarto, porque um filho do primeiro casamento ficou com ela.
Ele chamava Brasílio, em homenagem ao Brasil, né? Tinha um quintal muito bom, aquele tempo era tijolo, todo atijolado.
A privada, porque não tinha banheiro, a privada era fora.
Depois que o papai fez uma espécie de um barracão, pôs um chuveiro para a gente.
A água era de poço, a gente tinha que puxar água de poço no fundo do quintal sempre.
Mas bem muradinho, uma casinha boa, casa de aluguel.
P1 – Ah, era alugada?
R – É, uma casa de aluguel.
Meu pai infelizmente não se dedicou para fazer uma casa porque o papai começou a beber muito.
Mas era um homem assim.
.
.
A minha mãe era mais violenta que ele (risos).
E quando ele chegava bêbado, ela brigava com ele, porque não queria.
Mas nunca teve violência em casa, nunca.
Um pai.
.
.
Que pai que eu tive! Muito bom.
E a gente viveu nessa casa, eu casei ali mesmo na Primitivo.
E depois nós fomos morar.
.
.
Aí a fábrica de tecidos já era dos parentes do Mário, então, a fábrica de tecidos tinha um conjunto de casinhas.
Eles deram uma casa para a gente morar ali.
P1 – Só para entender: aquela casa que você falou que existe até hoje era dos seus avós?
R – Dos meus avós.
P1 – E que hoje ela está onde? Que rua?
R – Ali na Rua República do Líbano, se eu não me engano.
Que a gente chamava de Rua da Fábrica, porque essa rua ia dar na fábrica de tecidos, que eles demoliram e fizeram o shopping.
O Shopping Osasco.
P1 – Eu até queria entender como é que funcionava.
Vocês estavam lá desde o começo de Osasco.
Então, como seu avós.
.
.
R – Agora, nessa casa do meu nonno eu nunca morei.
Porque nós morávamos também num bairro chamado Presidente Altino.
Naquele tempo, a gente chamava de Várzea, depois que ficou Presidente Altino.
E nós moramos lá.
Quando o nonno morreu, nós viemos para essa casa na Primitivo.
Aí o nonno foi morar com a gente.
P1 – Eu fiquei pensando numa coisa: o lazer da época.
O que as pessoas faziam? Qual era o lazer da época?
R – O lazer da época.
.
.
Tinha o Floresta, o Clube Atlético Floresta.
Então tinha baile, tinha as matinês dançantes com vitrola, e a gente se distraía ali.
E na rua, não sei agora como é que chama, tinha o Cine Collino.
Era um cinema, mas que, quando chovia, você tinha que levantar os pés ou tinha que abrir guarda-chuva, aquele cinema bem antigo.
Então, a distração da gente era essa.
Agora mamãe só permitia que eu e a Neuza, que seria a minha irmã, saíssemos, se o Válter fosse junto, porque eu sempre fui muito ali.
E uma vez por mês vinha uma orquestra de São Roque, aí tinha o baile à noite.
Aí a gente se preparava toda bonita, tudo para ir no baile, né? Ver os rapazes de São Paulo, para dançar ali.
O Floresta era muito conhecido.
E os jogos de futebol que tinham, também os jogadores de futebol.
E, como papai era diretor esportivo, quando ele viajava com o clube, ele me levava, quando o clube ia.
Então a nossa distração era essa.
Um baile nas tardes de domingo e outro uma vez por mês no sábado.
Eu fui criada assim.
E o cinema! Aquele cinema funcionava só nos domingos, e, quando passava a Paixão de Cristo, ficava lotado.
Depois que fizeram um outro cinema ali.
P1 – E era um lugar chique? Por exemplo, ir ao cinema ou ir ao clube.
Eu estou tentando imaginar como era essa Osasco na década de 30.
R – Para você ter ideia, eu já trabalhava, porque eu te falei que comecei a trabalhar com 13 anos.
Eu tirei documento falso e comecei a trabalhar, porque a gente sempre foi, não digo paupérrimo, mas pobre, né? Precisávamos de ajuda.
Trabalhei uns tempos ali.
Depois, como o meu pai trabalhava no Frigorífico Wilson, ele me levou para lá e a gente trabalhava na seção de embalagem.
Embrulhava mortadela, embrulhava salame, essas coisas.
Aí trabalhei ali até conhecer o meu marido.
Mas os meus pais não queriam o casamento, eles lutaram, lutaram, não queriam de jeito nenhum.
A família dele sim, a família dele concordava.
Mas os meus pais não queriam.
Aí um dia minha mãe estava lá na janela e ele falou: “Ela gosta de mim e eu gosto dela, se vocês não concordarem com o casamento, então a gente foge.
” Aí meus pais concordaram com o casamento.
Foi um casamento muito bonito.
Eles eram ricos, os tios dele.
Fizeram um casamento muito bonito, a festa foi no Floresta, foi muito bom.
Um casamento muito bom.
E eu vivi bem com ele dois anos só.
Depois ele começou a fazer coisa errada.
Sumiu a primeira vez, e eu já tinha um menino.
Aí voltou.
Como eu gostava dele, perdoei.
Aí tornou a sumir.
Voltou, eu perdoei, o papai falou: “Não é possível, vocês têm que morar junto com a gente, porque como é que você vai ficar sozinha com os meninos?” Eu tinha dois.
Aí que nós mudamos para essa vila lá da Fábrica de Fósforo Granada.
Ali nós moramos uns dez anos, nessa vila.
Meu marido era contador, era um homem muito fino, muito delicado, magrinho.
Comprou o caminhão, comprou uma carga de batata, e eu o ajudei a sair da vila, de madrugada.
Sumiu.
Passado eu acho que um mês, eu recebi um telegrama.
Nunca me esqueço, que tinha quebrado a coroa e o pinhão do caminhão.
Aí nunca mais tive notícia.
Quando meu filho.
.
.
Eu estava grávida de quatro meses.
Quando ele voltou, meu filho já tinha um ano.
Voltou para casa, aí sabe como é, a gente gosta, né? Voltou, tudo.
Ele começou a trabalhar no Clube Ação Cascadura, aqui na Lapa.
Nós não tínhamos telefone, atendia telefone na fábrica.
Eles vieram chamar, e ele falou: “Olha, Dona Lydia, tem uma senhora aqui com uma criança que diz que é a mulher do teu marido.
” E, quando eu falei que ele era casado e tinha três filhos, ela desmaiou.
Então, ele foi para o Rio de Janeiro, em Campos, casou com ela.
Casou com ela mesmo, e ela veio com a menina em casa.
Até eu dei roupa do meu filho para agasalhar ela.
Aí não teve mais condição de viver com um homem assim.
Eu fui para o Rio de Janeiro, levei meus documentos para ela anular o casamento e ela deu os dela para eu poder fazer o desquite, porque para sair.
.
.
Eu fui trabalhar no Rio-Santista, era fábrica de tecido.
Como eu era Beltramo, eles iam me mandar embora porque eles acharam que eu era espiã da Fábrica de Tecido Beltramo.
Aí eu expliquei a minha situação, que não estava.
.
.
Eles propuseram para eu fazer o desquite.
Eles iam até dar o advogado para me desquitar, para continuar trabalhando ali.
Foi aí que eu me separei dele direitinho, desquitei, tudo direitinho.
Ele andou insistindo, vinha ver os filhos, mas eu não quis saber mais.
Apagou.
Ele virou alcoólatra.
Vivia na rua, caído, o irmão punha ele no hospital.
Quando ele se recuperava, ele voltava.
Até morrer.
Ele morreu novo, acho que tinha uns 40 e poucos anos quando morreu.
Mas estava diabético, tinha barriga d’água, tinha tudo.
Os filhos foram ao enterro, foram ao velório dele.
Consenti, né? Até o mais novo, que quase não conheceu o pai, sabia que o pai estava no hospital.
“Você dá dinheiro, mãe, para comprar umas revistas para levar para o papai?” “Vai meu filho, vai.
” E levava para ele.
Aí eu fiquei assim durante oito anos.
Trabalhando, ajudando o papai a sustentar meus filhos.
Saía, ia no cinema.
Comecei a levar uma vida de solteira, só que com as rédeas, que a mamãe não deixava sair.
Aí fiz amizade com umas vizinhas, podia ir no cinema com elas, que a mamãe não deixava de jeito nenhum eu sair.
Aí se passaram oito anos e eu já trabalhava no Frigorífico Wilson.
Mas já trabalhava no escritório.
Eu era contometrista, não sei se vocês já escutaram falar? É uma máquina de contabilidade, a gente punha o lápis aqui e trabalhava só com dois dedos.
E o colega de escritório.
.
.
P1 – Desculpa, eu não entendi.
Como é que funciona?
R – Punha o lápis aqui e trabalhava com esses dois dedos, com o lápis preso aqui.
Aí você escrevia, prendia o lápis outra vez.
P1 – Escrevia o quê? Não entendi.
R – Fazia a soma da matança, somava a matança.
Era uma contabilidade.
Tinha diversas máquinas.
Aí o colega ia se formar e me convidou para ir na formatura dele, e eu falei: “De jeito nenhum porque os meus pais não vão deixar.
” Por essa altura do campeonato, eu acho que já estava com uns 30 anos.
E falava que não deixava.
Aí ele falou: “Não, mas eu vou na tua casa e vou pedir, porque eles me conhecem, e eu venho te buscar e te trago.
” Eu e mais duas primas.
Nós fomos.
E lá que eu conheci o segundo marido.
Na Casa de Portugal, no baile.
Eu sempre gostei muito de dançar, muito mesmo.
Ali conheci e ele me levou em casa e nunca mais me abandonou.
Três meses nós estávamos juntos, mas eu fiquei em casa.
Ele não podia casar comigo porque ele era casado no Rio, e meu pai ficou, não queria de jeito nenhum.
“Se você não casar com ela.
.
.
” Aí, coitado, meu pai morreu em novembro, e em março eu casei com ele, porque a mulher dele ligou que queria comprar um apartamento e ele tinha que assinar.
Ele foi.
“Só assino se você me der o divórcio.
” Aí nós legalizamos a situação.
Que inclusive tinha uma filha já.
Mas foi só essa filha que eu tive com ele.
E é única porque os outros eram meninos.
Única filha.
Que mais? Falei demais.
P1 – Você fez um.
.
.
R – Foi uma sequência, não foi?
P1 – É, eu percebi que você focou bem a questão dos seus relacionamentos.
E deixou vários elementos para eu perguntar, porque você deu um pulo dos cinco anos de idade até os 30 e tantos, o que é normal, na verdade.
Eu tenho umas dúvidas.
Porque você disse que estava com todo aquele vai e vem do seu marido.
.
.
Eu perdi uma parte, que você estava trabalhando.
Começou a trabalhar com 13 anos.
Então, eu imagino que essa sua infância, como foi? Você brincava na rua, tinha uns amigos de rua?
R – Ah sim! Nossa, tinha os colegas de escola, que me ensinaram a andar de bicicleta.
P1 – Como foi isso?
R – Ali na Primitivo, até tinha um namoradinho de escola, chamava Fiori.
Ele que me ensinava.
Como a rua era assim, uma descida, me metia na bicicleta e largava.
Eu ia parar lá na outra rua.
Uma vez caíram umas amoreiras.
Conhece essas amoras silvestres?
P1 – Sim.
R – Caiu nas amoreiras.
Então a gente brincava assim.
Aí a minha irmã ficou noiva, e eu catava a bicicleta do noivo dela e ficava.
Porque eu era doida por uma bicicleta.
Andava de bicicleta, pintava com a bicicleta.
P1 – As suas irmãs, você disse que eram adotivas.
Você não falou muito das suas irmãs.
R – Da Neuza, minha irmã.
Ela foi de criação.
Pois é, ela foi morar com a gente e não tinha diferença entre mim e ela.
Era tudo igual.
Naquela época, se fazia um vestido para mim, fazia igual para ela.
Se comprava um sapato para mim, comprava sapato igual para ela.
O Válter, que é o pai dessa menina aí, era tão agarrado com a minha mãe, que um dia combinou com os colegas de ir para Santos, arrumaram mochila, todos foram.
Quando era tarde da noite, escutamos na porta, era ele.
“Ai, tia, não aguento ficar longe de você.
” Voltou por causa da mamãe, olha como era tratado! Aí a gente morava ali onde tinha a fábrica de fósforo.
A gente era muito apegado.
P1 – Era mais velho?
R – Não, ele era um ano mais novo que eu.
E ela tinha a minha idade.
Ela é a mais velha.
Morreram já, infelizmente.
Ela morreu muito nova, isquemia cerebral.
E ele morreu agora, faz um ano e meio.
Inclusive ele estava na cama, não falava com ninguém ali.
Eu falei: “Válter, um dia, eu vou parlare italiano.
” E ele: “Andiamo”, começou a falar italiano comigo.
Eles ficaram tudo.
.
.
Eu falava com ele italiano e ele respondia.
Vê como nós fomos criados mesmo ali na Itália.
Porque meu sonho é ir para a Itália, não sei se vou chegar, eu estou muito velha já para ir, mas quem sabe? Se acontece de eu ganhar na loteria ou no jogo (risos).
Que mais, meu filho?
P1 – Você foi trabalhar com uns 13 anos, né? Foi uma necessidade da família, ou foi você que quis ser independente? Sua irmã foi com você? Como foi isso aí?
R – Ela também trabalhava.
Ela e o Válter.
P1 – Antes de você?
R – Nós trabalhávamos todos, só que, quando foi a época da escola.
.
.
A escola era na Primitivo também.
Era uma escolinha, fachada de madeira, eu tenho as fotos lá.
Tenho o nome de todas as professoras na cabeça.
Agora eu me perdi.
P1 – Você estava falando da empresa que estão trabalhando.
R – É.
O papai falou: “Eu não posso pagar os estudos para os três.
Como vocês são duas meninas, não vão precisar, vão ser donas de casa.
Então eu vou mandar o Válter.
” Mas o Válter tinha que vir para cá para São Paulo para fazer.
Ele falou: “Eu não vou, se vocês me mandarem estudar, eu vou me jogar embaixo do trem.
” Aí ficou.
Mas ele era muito inteligente.
Ele foi rufista, trabalhou muito em banco, trabalhou muito numa firma do Pinho Sol, anos ele trabalhou lá.
Era inteligentíssimo.
Então, ele não fez falta, né? Porque antigamente a gente fazia o grupo escolar e não é que nem agora.
O grupo escolar você saía dali quase que com o ginásio.
Porque não tinha os livros, as facilidades que tem agora, nada.
A professora de História passava tudo na lousa e a gente passava no caderno.
Quando era dia de leitura, abria o livro de leitura, você lia um trecho, aí parava, e a outra tinha que continuar.
Tabuada era a mesma coisa.
Tinha tabuada.
Você tinha que saber a tabuada de trás para diante, de todo o jeito.
Ela interrompia e perguntava outro número.
Então a gente não era burra, né?
P1 – Era uma professora para todas as matérias, e vocês eram bem crianças?
R – É.
Com 11 anos, eu tirei o diploma.
Eles também, com 11 anos.
P1 – Como era essa escola?
R – Ah, era uma escola tão.
.
.
Eu falo para o meu neto agora: antes de entrar, a gente cantava o Hino Nacional, tudo com ala assim, formada.
Cantava o Hino da Bandeira, tinha tudo.
E a gente não sabe nada hoje em dia.
Só que as professoras eram bravas.
Tinha uma do segundo ano, graças a Deus, nunca apanhei.
Mas ela vinha com a régua e batia na cabeça.
Eu fiz todos os quatro anos, nunca repeti.
Fui bem, estudei direitinho, o que precisava eu estudei.
Fui bem.
P1 – É interessante.
Você diz que se formou na escolinha, daí que você foi atrás do trabalho?
R – Aí eu já comecei a trabalhar.
P1 – Fazendo a escola?
R – Não.
Depois da escola.
Porque, quando eu saí da escola, eu tinha 11.
Aí, quando eu fiz 13 anos, eu fui para São Roque, tirei documento falso e vim aqui no Palácio do Governo fazer as quatro operações.
Você, fazendo as quatro operações, você estava apta.
P1 – Como é que foi esse esquema de São Roque? Quem que te falou?
R – Porque tinha mais gente.
Não sei te dizer quem foi, só sei que eu fui a São Roque e consegui os documentos para trabalhar.
Aí eu trabalhei na fiação.
É horrível, muito algodão.
Eu tinha que tomar conta para passar daqueles rolos para a espoleta.
Às vezes, arrebentava, e a gente tinha que emendar.
Eu até tenho um dedo que pegou o peso.
Trabalhei.
Depois dali fui para a sala de pano.
A sala de pano tinha um negócio de madeira, um rolo, e você puxava as peças para ver se tinha defeito.
Aí depois, dali eu fui com papai para o Frigorífico Wilson.
Aí já fui com documentação porque já tinha.
Do cotonifício eu tenho também.
Declaração que eu trabalhei lá, tudo direitinho.
E foi aí que eu conheci meu marido, ele era interno em Campinas.
Ele chegou da Itália, e o internaram num colégio em Campinas.
Ele veio com 11 anos da Itália.
Eu o conheci e dali a gente.
.
.
Baile do Floresta, matinê.
A gente começou a namorar.
P1 – Como era o namoro nessa época?
R – Ah, beijinho nem pensar (risos).
Ele era muito bravo.
Eu me lembro que uma vez nós saímos para ir na Festa de Santo Antônio, e ele queria que eu pegasse no braço dele, e eu não quis, e ele me deu um beliscão.
Ele queria que eu fosse de braço dado.
Deus me livre se o papai visse.
E uma vez o papai falou: “Você não tem vergonha, né? Você sabe que a gente não quer que você namore com ele e você vem namorar no poste aqui em frente de casa.
” E eu falei: “Ah, se você quiser que eu vá para o escuro, eu vou.
” Mas a gente era bem presa, muito presa.
P1 – Era muito religiosa a sua mãe? Vocês iam à missa, eram religiosos? Como que era?
R – Jogos?
P1 – Religiosos.
R – Ah, sim.
Ia à missa, às seis horas da manhã, fazia a comunhão, eu tenho a fotografia da comunhão também, mas a fotografia da comunhão não era independente, era o grupo das que faziam comunhão, né? Mas era uma coisa muito.
.
.
Fizemos o catecismo, os três.
O Válter ficou com uma doença muito grave na cabeça e ele ficou internado muito tempo.
Então ele fez a primeira comunhão no hospital.
Agora não sei, acho que é Sorocabano, qualquer coisa assim.
E tem a fotografia dele com a.
.
.
Que ele fez a primeira comunhão no hospital.
Ele é tão agarrado com a mamãe, que a mamãe ia visitar ele e precisava vê-lo escondida.
Quando ele vinha tomar sol, a mamãe ficava escondida o vendo, porque ele arrastava ela: “Eu quero ir embora, tia, não me deixa aqui, tia, vou contar para todo mundo que você tem dentadura” (risos).
Aí depois ficou.
Bom que a mamãe correu com ele, de jardineira, imagina você que trabalho.
E chegou na Santa Casa, rasgaram o cartão, diz que ele não tem mais jeito.
A mamãe desceu da jardineira e caiu, desmaiada.
Era uma paixão louca por esses dois.
Para meu pai, o Válter era tudo, porque ele não tinha filho homem e se apegou com o Válter.
Aí com o Válter, que foi trabalhar com ele no negócio de Osasco.
Os dois trabalhando, ele e o papai.
Para emancipar.
Porque a primeira votação de Osasco foi fraudulenta.
E o “não” ganhou.
Aí nós lutamos para ter outra votação.
Aí quem fez as fraudes fomos nós.
P1 – Não, mas calma, volta.
A emancipação de Osasco foi um movimento das pessoas de Osasco ou o quê? Seu pai participou? Eu não conheço essa história.
Como foi isso?
R – É, o papai amava Osasco.
Osasco era tudo para ele.
O Rio de Janeiro acabou.
Ele ia visitar as irmãs, mas tudo mais era Osasco, a vida dele.
Aí começaram a lutar, se uniram umas pessoas lá e começaram a lutar para fazer a emancipação de Osasco.
A primeira eles perderam.
Aí lutaram para fazer a segunda.
Como eu te falei que é tudo italiano, a gente passava na rua e “Quante volte?” “Quantas vezes votou?” Porque votavam duas, três vezes no “sim”.
E eu entrei no Floresta para votar no nome de uma moça que chamava Lázara.
Quando eu entrei, que dei o título, tudo etc.
, o Toninho Cotini levantou da mesa: “Ela não é a Lázara, eu conheço ela.
” Aí me entregou, né? E estava o marido da Lázara mesário.
Nós fomos todos para o Dops [Departamento de Ordem Política e Social], não fui só eu.
Todos nós recebemos intimação.
Aí é que foi duro, viu? Porque o papai foi comigo, mas eles não deixaram entrar, eu fiquei fechada num lugar assim que nem eu estou agora, e eles interrogando.
Não era assim, era? Eles me alertaram.
P1 – A sua sobrinha, quem é?
R – Ah, ela é um amor, coitadinha.
Merecia uma sorte melhor.
Com essa doença que ela tem.
Esclerose múltipla.
Mas ela achou um anjo, o marido dela é um anjo.
P1 – Só para retomar: a gente estava falando sobre a emancipação de Osasco.
Eu imagino que poucas pessoas conhecem sobre isso.
Primeiro, eu queria saber, eu nem sabia por que é que quis sair, e como foi a campanha, porque você disse que seu pai participou muito.
Como era essa campanha?
R – Nossa Senhora! Era pregar panfletos nos postes e falar muito.
Nossa, foi propagado muito porque naquela época não tinha televisão, não tinha essas coisas.
Então era boca a boca ali.
“Vote em Osasco.
” “Vote na emancipação que vai ser melhor, Osasco vai ficar independente, não vai depender mais de São Paulo.
” Aí começou, né? E eu ali.
Mas nesse dia que eu estava te falando, fui lá: “Ela não é a Lázara.
” Fomos para o Dops.
Aí começou: “A senhora não ia votar?” “Não.
” “Não era a senhora?” “Não.
” “A senhora não estava com uma capa de chuva azul, um chapeuzinho?” “Estava, mas eu não sabia que era proibido passar na frente do Floresta.
Eu só passei ali na frente, não entrei para votar.
” Aí vinha outro: “A senhora está vendo? Eu vou fechar aqui e não vou escrever nada do que a senhora diz.
A senhora só vai se confessar comigo e vai contar.
” “Não tenho o que falar, pode abrir, pode escrever que eu não tenho nada do que falar.
Não era eu, houve uma grande confusão, não era eu.
Não fui eu.
” Isso foi por quatro horas.
Entrava um, saía outro, uma espécie de tortura.
E meu pai lá fora aflito.
Mas eu neguei, neguei.
Eu os vi falando entre eles: “Que houve fraude houve, mas as pessoas indicadas estão erradas, não são essas pessoas.
” Quer dizer que eles acharam que eu era inocente.
Mas eu não cheguei a votar mesmo, eu paguei pelos pecadores.
Porque os outros que votaram duas, três vezes, não aconteceu nada e eu que ia votar mais uma vez só, aconteceu tudo isso comigo.
P1 – Mas você fazia parte deste movimento, junto com seu pai de emancipação?
R – Eu tirei de letra.
Fiquei apavorada, né? Dops, falei: “Puxa vida, só faltava me prender por causa disso.
” “Mas não, eu sou inocente.
Não era eu, não era eu.
” Até a roupa que eu estava vestida, imagina que.
.
.
P1 – Só uma pergunta: Osasco antes da emancipação pertencia a São Paulo?
R – Então, tinha muita indústria, tinha Frigorífico Wilson, tinha a Ervi, o Cotonifício Beltramo, tinha a Eternit, tinha um monte de firmas, e o dinheiro ia tudo para São Paulo.
E Osasco não tinha melhoria nenhuma.
Vai em Osasco agora.
O Leandro me levou para passear em Osasco, e eu falei: “Pelo amor de Deus, se me soltar aqui em Osasco, eu vou me perder”, de tão bonito que está, de tão bem aproveitado.
Fizeram boas estradas, uma coisa louca.
Eu amo Osasco.
E por mim eu gostaria de estar morando lá, mas o aluguel é muito caro.
Nós moramos nesse casarão aí, é um casarão.
Deram para mim uma suíte e você precisa ver que coisa de louco.
É uma casa bem antiga.
Mas uma suíte grande, bonita, só vendo, bem tranquila.
Isso depois que meu marido morreu, né? Mas nós morávamos lá, e meu marido era carioca também.
Eu morei 20 anos no Rio de Janeiro.
P1 – A gente vai chegar lá (risos).
A senhora já falou do Rio de Janeiro uma outra hora.
E, quando você falou que aquela senhora veio com filho, você disse que foi para o Rio para ver a documentação.
Fez e voltou, porque você disse que tinha uma empresa?
R – Mas eu fui mesmo só para buscar a documentação dela.
Inclusive, eu até gostaria de saber dessa menina.
Ela chama Marizene Beltramo, ela tem o sobrenome dos meus filhos, mas nunca mais eu soube, foi na cidade de Campos, no Rio de Janeiro.
Ele casou, teve festa.
E voltou para casa.
Ficou dois anos e aí sumiu outra vez.
Foi quando ela apareceu com a menininha, que tinha diferença de meses do meu filho mais novo, esse que morreu.
Ela não queria entrar, ela ficou com medo.
Mandou a irmã entrar, eu falei: “Não, pode falar para ela entrar, imagine, o que eu vou fazer com ela, que é tão vítima quanto eu? Não tem problema, pode mandar ela entrar.
” Aí uma vez que levei os meus filhos, eu falei para ele: “Você sabe que você tem uma filha?” Ele me respondeu: “Se eu for dar paternidade a todos os filhos que eu tenho por aí, eu estou bem arranjado.
” Olha que.
.
.
Ela chama Marizene Beltramo.
P1 – E depois que você realmente falou assim: “Não, não vou mais ficar com você”, você disse que começou a trabalhar no frigorífico.
É nessa época?
R – Ele falou para mim que eu não tinha capacidade de trabalhar.
“Quero ver como é que você vai arrumar.
” Aí eu já não fui ser operária, porque não é desonra nenhuma ser operária.
Eu fui trabalhar no escritório como contometrista.
Trabalhei lá uns anos, depois eu conheci o segundo marido, e ele achava que mulher dele não tinha que trabalhar fora.
Aí ele me tirou do emprego.
Quando a Valéria, que é minha filha, estava com uns 14, 15 anos, eu com a mãe da Kátia, abriu o concurso de caixa no Pão de Açúcar.
“Vamos, Lydia?” “Vamos.
” Passamos as duas.
P1 – Em Osasco?
R – Aí nós fomos fazer estágio aqui na travessa da Paulista.
Nem chegamos a fazer estágio porque era fim de ano, então, eles acharam que a gente já estava apta para trabalhar.
De fato, graças a Deus, nos saímos muito bem.
Eu e ela trabalhamos ali uns tempos.
Ele gostou porque entrava mais dinheiro, eu trabalhava no supermercado, levava coisas boas para a casa.
Aí ele me deixou trabalhar.
P1 – Você estava trabalhando na Paulista e voltava para Osasco?
R – É.
Ia fazer estágio aqui e voltava para Osasco.
P1 – Você lembra desse trajeto? Como é que você fazia isso?
R – Ah, acho que era ônibus.
Eu nem sei te dizer.
Acho que era ônibus, a gente descia ali na.
.
.
Eu não sei como é o nome da travessa, da que a gente ia fazer estágio, não me lembro.
Mas a gente vinha bem, éramos eu e ela, porque ela morava na frente, e eu era inquilina dela, morava nos fundos.
Então, a gente vinha junto.
Aí, quando ele ligou, eu falei: “Olha, eu fiz o concurso e passei.
Eu vou trabalhar.
” “Ah, mas eu já falei que eu não queria.
” “Não, mas eu vou trabalhar.
” E comecei a trabalhar.
Aí não parei mais.
Continuei trabalhando.
Fui trabalhar no laboratório, isso quando meu marido foi embora, já volto para trás.
Quando o meu marido foi embora, que eu precisava ajudar o papai, eu fui trabalhar no laboratório.
Eu cheguei lá e falei: “Olha, eu não entendo nada, nunca trabalhei aqui.
” Eram todos italianos.
Eles me ajudaram, eles passavam que nem lição de casa para mim, e eu fiquei apta ali no laboratório.
Inclusive veio um engenheiro da Itália com todas as fórmulas italianas.
Eu levei para casa, eu e o papai, o papai tinha máquina, nós passamos tudo para o português.
Eu e ele.
Já era um dinheirinho extra que entrava, porque eram três filhos, e só o papai que trabalhava.
Eu o ajudei muito.
P1 – Nessa época que você falou, ele tinha uma relação com clube de futebol, que você comentou.
Nessa época também?
R – Nessa época, eu acho que ele era.
.
.
Como é esse que faz atas? Faz atas, não me ocorre agora.
Ele fazia as atas do Floresta, e ninguém mais entrou, era só ele.
Tanto é que as atas do Floresta, todas foram feitas por papai.
Ele fazia as atas do Floresta e fazia as atas do amigo dele que tinha uma casa de jogos, carteado.
E ele não tinha o que.
.
.
Papai inventava as atas e fazia as atas para ele.
Ganhava um dinheirinho extra também.
P1 – Isso aí foi uma curiosidade, na verdade, porque você disse que viajou muito com ele, acompanhando.
Uma coisa que não dá para mostrar aqui, mas que você mostrou uma foto, você e ele passeando em São Paulo.
R – Onde ele saía, ele me levava, tanto é que já me falaram: “Você é mais ligada no seu pai do que na sua mãe.
” Não é que mais ligada, mas o meu pai.
.
.
Eu já estava casada, separada, com os três filhos, e ele levantava à noite para ver se eu estava coberta, ia lá.
Era um carinho o papai.
Um carinho tanto para mim quanto para os dois.
O ano passado, 7 de setembro, o Cláudio, esse meu filho, eles convidaram a gente para tomar parte, fizeram uma fotografia do papai assim grande.
“Mãe, o que você me arrumou, hein, mãe?” Ficou bravo comigo, mas no dia ele foi na parada.
“E eu já recebi a carta para tomar parte, mas acho que eu não vou, porque eles foram muito justos com papai.
” Eu acho que o papai merecia uma rua de mais nome, sabe? Eles estavam falando Praça Antônio Menck, que Antônio Menck lutou contra a emancipação de Osasco e a praça tem o nome dele.
Tem uma galeria lá, Galeria Fuad Auada.
Também trabalhou contra.
Então eu acho que o papai devia ter uma.
.
.
Que nem a mulher do Válter, do meu irmão, ela já falou: “Vocês não vão pôr o nome do Válter em qualquer rua não, hein?” E o Leandro me levou para ver a rua que tem o nome do meu pai.
É uma pirambeira lá onde tem uma, como é que chama? Favela, um negócio assim.
Falei: “Muito bem, muito valor para o papai, né?” E dói, dói na gente.
Eles falaram para o Cláudio: “Cláudio, tem que devolver a foto.
” “Ah, não vou devolver, não, não vou, não vou.
” Está lá em casa a foto do papai, na parede grande.
Que o meu pai foi um bom pai, bom avô.
Ajudou os meus filhos com o que eles precisaram, porque era ele que estava ali sempre junto, né? Então, eles acham que tanto o papai quanto o Válter mereciam.
.
.
O papai estava no hospital já para morrer e ele falava no nome do Prefeito de Osasco.
Dói em mim até hoje.
Fico até arrepiada.
Eles não tiveram coragem de visitar o meu pai, e eu acho que é uma coisa dolorida para a pessoa que viu a luta do homem, que largou a família dele no Rio de Janeiro, não quis mais saber do Rio de Janeiro, nada, era só aqui.
Aí, quando eu fui para o Rio, ele foi.
“Pai, vamos comigo?” Porque nós fomos ludibriados muitas vezes, né? Não sei se interessa a história.
A minha sogra deixou um apartamento para o meu segundo marido no Rio de Janeiro, um apartamento muito bom.
Meu cunhado, numa festa de fim de ano, nós estávamos na casa da minha cunhada, ele falou: “Vem assumir o seu apartamento.
” Eu não queria de jeito nenhum, eu falei: “Eu não saio daqui de jeito nenhum para ir morar no Rio.
” “Vamos, tem o apartamento.
” “Só vou se a Valéria for.
” A minha filha já estava separada do marido.
Ela falou que ia, eu levei as meninas todas, minhas netas.
Arrumei escola para elas.
Aí ela arrumou um namorado, com umas três horas da madrugada foram buscar as meninas, eu quase morri do coração.
Aí fiquei 20 anos lá chorando que eu queria vir embora.
E, no fim, sabe o que eles fizeram? Eles pegaram, o irmão dele falou: “Vende o apartamento, com o dinheiro você compra uma casa para você.
” Arrumou comprador, tudo.
Aí a mulher não quis assinar, mas é a segunda mulher dele, quer dizer que ele já tinha esse apartamento.
Então, ela não tinha nada a ver com isso.
Nós saímos de tarde, e de noite a minha cunhada mudou.
Então já foi um complô.
Aí nós viemos embora, graças a Deus, viemos embora para São Paulo.
P1 – Eu perdi o fio.
Acho que é assim, pelo que você estava contando, você estava aqui, você estava no Pão de Açúcar, trabalhando, com seu marido.
E quando é que você foi para o Rio de Janeiro? É bem depois?
R – É, trabalhei na Alba Química por sete anos.
Morava em Osasco e trabalhava em Cotia.
P1 – Sim.
Quando você resolveu ir para o Rio de Janeiro, foi depois disso, que você saiu da empresa para ir tentar uma vida no Rio de Janeiro.
É isso? Você foi tentar uma vida nova?
R – É, no Rio.
E não deu certo.
Aí eu voltei com o meu marido, que era muito bom.
Andou fazendo as pilantragens dele, desculpe a expressão, mas o que todo homem faz.
Nós éramos muito amigos, muito ligados.
Tanto que eu sinto uma falta enorme dele.
Vinte anos sozinhos lá no Rio.
Os filhos iam visitar muito, né? Depois viemos para cá e nós fomos morar lá no Tijuco.
Ele falou: “Ai, eu não saio do Tijuco de jeito nenhum.
” É uma maravilha morar ali.
Vargem Grande Paulista, ar puro, diz que é o melhor ar do Brasil.
Ar puro, Cotia.
Então ele falou: “Nunca mais vou sair daqui.
” Alugamos a nossa casinha, os dois aposentados.
Meio apertadinho, mas esse Cláudio sempre ajudava, levava alguma coisa para a gente.
Aí tinha o carrinho, nós tínhamos um Gol, ele não queria.
Alugamos um apartamentinho assim, mas não tinha garagem para o carro.
Ele morria de ciúmes do carro.
Aí ele arrumou uma outra casa, que eu chamava de buraco, porque eram os fundos de uma casa boa, lá nos fundos, mas tinha garagem para o carro.
Mais 13 dias só, e ele morreu.
Eu acordei às duas e meia da manhã e falei para ele: “Fernando.
.
.
” Chamava Nanando.
“Dá um pouco de coberta para mim?” Ele fez assim com o corpo para ajeitar a coberta para mim.
Às oito e meia da manhã, eu acordei e ele estava esticado nos pés da cama, um braço caído, outro assim, todo urinado.
Eu liguei depressa para o meu filho, e ele foi lá correndo, ele estava quente ainda, eu bati nele para ver se ele voltava.
Meu filho chamou o resgate, mas não tinha mais nada o que fazer.
Fizeram a autópsia dele e disseram que o coração dele estava enorme e não sabiam como ele estava vivendo.
E o pulmão, cheio de água.
Ele tinha problema no coração bem grave.
Ele estava na fila do marcapasso, até eu trouxe o atestado de óbito porque, se está na fila, então, tiraram ele porque já morreu.
Mas eu sinto muita, muita falta.
A minha nora é um anjo, meu filho então nem se fala.
Tenho um netinho de dez anos, mas não é como a gente estar na casa da gente.
Fazer o que quer, fazer como quer, tudo.
Então agora eu estou ali, mas é um paraíso.
Tanto é que esta gordinha que está junto, falou: “Você vai para a tua casa?” “Ai, se o Leandro me levar, eu quero ir para a minha casa, não quero ficar na casa de ninguém.
” Quando eu operei a vista, eu fiquei na casa dessa minha nora, mas essa nora é minha filha, ela liga para mim todo dia, todo dia ela liga.
Não tem mais o marido, né? Agora eu estou com 11 netos, nove bisnetos, e vou levando.
P1 – Eu só queria que a senhora contasse um pouquinho dos seus 20 anos no Rio de Janeiro.
Você foi o casal, né? O casal foi tentar lá uma vida nova.
Você conseguiu um trabalho lá, como foi?
R – Não, não.
Porque eu já estava aposentada por causa desse problema.
Eu fiquei muito tempo afastada, fazia a perícia de tanto em tanto, até eles me aposentarem.
Vieram duas aposentadorias: por idade e por doença.
Aí eles me deram por idade.
Mas eu ia na igreja.
Eu tenho muita saudade dos vizinhos.
Os vizinhos eram ótimos.
Amigas.
P1 – Como era essa convivência com os vizinhos?
R – Muito, muito, muito.
Ia à missa com elas e me dava muito bem.
Sabe vizinho de porta? “Você tem um ovo aí? Olha, eu preciso fazer tal coisa.
” Aí ela vinha.
“Oh, Lydia, me arruma tal coisa.
” Muito, muito, muito, amizade muito.
Tinha uma que vinha fazer a unha.
Olha, eu sinto muita falta, mas eu quero ficar em São Paulo (risos).
P1 – Nesse meio-tempo, você não vinha aqui para visitar? Ia, voltava?
R – Vinha, mas era muito raro, mais eles que iam lá.
Porque com esse Golzinho, nós viajamos muito.
Esse meu marido me proporcionou muita coisa, muita viagem, sabe? O meu irmão, eles se reuniram na sexta-feira e abriram aquele mapa: “Onde nós vamos?” Aí tinha uma Kombi, viravam os bancos no meio da Kombi, punham os colchõezinhos para as crianças, e a gente ia embora.
Viajamos muito para passear.
Ele me fez aproveitar muito, tanto é que eu fiz meu filho vender o Gol.
P1 – Por exemplo, conta uma viagem para a gente.
Essa viagem de família.
R – A Caverna do Diabo, inesquecível.
Em Eldorado.
Você já entrou nessas cavernas? Eu entrei na caverna e chorei de emoção, de tão lindo que é.
Serra Negra, Poços de Caldas, Águas da Prata, Águas de Lindoia.
O Rio de Janeiro, nossa! Eu conheço o Rio de Janeiro como a palma da mão.
Ia para Friburgo, nossa, muito, muito, muito.
Viajei muito, tanto é que eu sofri, mas aproveitei bastante também.
P1 – Descreva para mim uma viagem dessas em família.
R – Essa que a gente vai para Búzios é linda.
Meu marido estava ajudando a trabalhar lá, porque ele fazia muito bico, ele era mecânico também.
É uma viagem maravilhosa, você via aqueles moinhos de salinas, é um espetáculo.
Depois tem uma praia, Araruama, se eu não me engano, é uma praia num.
.
.
Adoro o mar, mas tinha pavor de onda.
Então, essa praia tem uma ilha lá longe, você vai, vai, vai, a água não passa daqui.
A gente se divertia que só vendo.
E outra coisa: olha, nós estávamos em São Paulo, isso ainda nós estávamos em São Paulo, a minha cunhada chegou lá, nós fomos no Urso Branco, não sei se vocês conheceram a choperia, fomos lá, dançamos a noite inteira.
Chegamos em casa, arrumamos a mala, e fomos para o Rio, fomos dançar no Canecão.
Para você ver, a gente dançava, o meu marido dançava muito bem, os dois.
Mas era da gente dançar e o pessoal parar para ver a gente dançando.
Muito gostoso, muito mesmo.
Então eu tinha uma vida.
.
.
P1 – Qual era a especialidade aí? Qual era a especialidade do casal?
R – Ah, qualquer dança.
Tango.
O meu primeiro marido dançava um tango que só vendo.
Até minha cunhada emprestou, não sei se você conhece, o filme O Tango.
Ai, que lindo.
Delícia de ir ver.
E fiquei com saudades, não é?
P1 – Como é que você aprendeu a dançar tango, por exemplo?
R – Acho que ali no Floresta, a gente dançava muito.
Era o tempo da conga, era o tempo do twist, que a gente dançava que nem louco, passava as pernas assim.
Então, dançava tudo, tudo, tudo.
O samba.
Que o samba não é que nem agora, não.
A gente dançava coladinho o samba.
Agora não, agora não tem graça, cada um dança por si.
Mas era uma dança.
.
.
Pegava uma valsa, a gente rodopiava o salão inteiro.
É uma coisa que a gente pode bem descrever de tão bonito que é, gostoso.
Essa Casa de Portugal que eu fui, que eu conheci meu marido, nossa! Você conhece a Casa de Portugal? É lindo, lindo.
E nós dançamos que só vendo, a noite toda.
P1 – Como era essa casa?
R – A Casa de Portugal tem um salão grande, tem aqueles bufês do lado.
Foi ali.
Depois dali, como eu não estava agradando muito.
.
.
Ah, vou te falar: nessa Casa de Portugal quem estava tocando era o.
.
.
Ai, meu Deus, deixa eu ver se me lembro.
Era aquele preto, como é que chama? Ele canta: “Crente, eu vejo.
” Ai, mas eu vou me lembrar.
Apaga assim, depois volta, sabe? Então, nós dançamos a noite inteira ali.
Depois tivemos convite para outra formatura, que estava chato.
Saímos dali, sabe o que aconteceu? Eu achei 200 reais no chão.
P1 – Na época era o quê?
R – Não sei se era real, cruzeiro, não sei o que é que era.
Eu sei que nós fomos para uma boate lá no aeroporto.
Eu, ele e minha prima, porque eu não saía sozinha.
Ah, lá nós dançamos, esbaldamos até de madrugada.
Foi aí que ele me deu o primeiro beijo (risos).
Subiu meu dia (risos).
Na ilha, ele subiu.
Porque ele me respeitou muito, ele falou que só queria ter alguma coisa comigo o dia que a gente fosse viver junto, que antes ele não queria.
Então ele me respeitou.
Aí ele me deu o primeiro beijo ali no carro.
E perdeu a direção (risos).
Cada coisa, viu como vêm as coisas? É Francisco Egydio, o cantor.
Ele nem canta mais.
É um pretão alto, careca, parecido com esse que faz propaganda da C&A.
Eu estou desconfiada que é filho dele.
Então, a música que tocou, Creio em ti, nossa, aquilo gravou para mim para sempre.
Agora vendi o Gol e estou com, ai, meu Deus, é difícil falar a marca de carro.
Até meu filho mandou fazer um motor dele e tudo.
Porque eu não quis mais o carro, trazia muitas recordações, o Gol.
Muita, muita.
P1 – Você comentou de um problema na voz, né? Isso foi no seu trabalho ou.
.
.
R – Olha, foi um problema gravíssimo.
P1 – Foi no seu trabalho?
R – É, lá na Alba.
Que eu era telefonista.
P1 – Telefonista da Alba.
Como era o trabalho?
R – Da Alba Química.
Como era?
P1 – É, porque, bom, hoje a gente vive nessa de celular, tudo tão fácil na época.
R – O primeiro telefone que eu fui trabalhar no Rio-Santista puxava.
Manivela.
Agora esse da Alba não, esse da Alba era só puxar as chaves e ligar as seções.
Trabalhei sete anos lá, aí um dia eu não podia falar.
P1 – Você tinha acesso às ligações, como que é?
R – Ah, se eu quisesse ficar na linha, eu podia.
P1 – Era aquele que você fala assim: “Ah, posso falar com sei lá quem?” Aí você puxava a linha, como que era isso?
R – Não, não.
Inclusive, eu pedi para o vendedor me comprar um fone.
Mas eu queria um fone que fosse uma coisa assim.
Ele me trouxe um negócio, eu falei: “Oh, vai ficar na gaveta que eu não vou usar.
” Mas eu fiquei sem voz completamente.
Nada.
Muda.
Aí eu tive diversos exames.
Você pensa que a língua da gente é assim? Eles puxam a língua até aqui, para fora.
Aí puseram aparelho, foi um negócio que eu fiz no Hospital São Paulo, fiz fono, para voltar.
Aquela chateação, é “brum, trum”, aquelas coisas todas.
Mas eu estava afastada, fiquei afastada eu acho que mais de um ano.
Aí o INPS [Instituto Nacional da Previdência Social] me deu alta, e eu fui trabalhar.
Eles me deixaram trabalhar o dia inteiro, quando foi às cinco horas da tarde me demitiram.
E eu não sabia.
Disseram-me que eu não podia fazer isso, que, se eu processasse eles, eu ia ganhar.
Inclusive eu processei a Alba porque eu trabalhava oito horas por dia.
E telefonista só pode trabalhar seis.
E eu era recepcionista também.
Aí eu processei.
Levei nove anos, mas ganhei.
O meu advogado fazia proposta, e eles não aceitavam, mandavam outra proposta, eles não aceitavam, foi assim.
Aí mandaram para Brasília.
Foram cinco juízes unânimes, e eu ganhei a causa.
Quer dizer que eu tive que dar 30% para o advogado, e eu fiquei com nove mil.
Na época foi um bom dinheiro, viu? Dali para frente, eu não trabalhei mais porque eu recebi o dinheiro para fazer.
.
.
Quando eu estava na Caixa, eu recebia do INPS, e a Alba completava o salário.
Aí a Alba me desligou, e eu só fiquei recebendo o INPS.
E até agora é um salário mínimo.
E eu ganhava muito bem.
Eu recorri, e eles deram dez cruzeiros a mais.
Vantagem, né? (risos) Aí agora eu estou aposentada, acho que faz uns dez anos só.
Levaram-me para fazer perícia, fazer perícia, fazer perícia.
Já meu marido não, o afastaram e não deixaram mais, porque ele tinha pressão muito alta.
Então ficou afastado.
No Rio de Janeiro, estourou a aorta dele, eles abriram ele todo, não aceitava o sangue, o plasma que eles põem não aceitava, tinha que fazer uma transfusão de pessoa para pessoa.
E não tinha o sangue igual ao dele.
Tive que ir num especialista.
Foi todo mundo para lá.
Meus filhos, todo mundo foi para lá.
Ficar lá no Rio de Janeiro, né? Não morreu porque num.
.
.
O médico falou para mim: “Só um milagre.
” E aconteceu.
Mas ele me deu muito, empurrei muito ele com cadeira de roda, fui muito no Incor [Instituto do Coração] para fazer exame, para ir buscar medicamentos.
.
.
Bom, fala, meu filho.
P1 – Você ficou 20 anos, você falou.
No Rio de Janeiro, não foi um período muito fácil, de acordo com o que você contou.
Mas daí vocês voltaram.
Como foi essa volta?
R – Foi do apartamento que eu te falei.
Eles pediram o apartamento, pagaram a mudança para a gente sair.
P1 – Mas era uma coisa que você queria? Sair?
R – Aí nós mudamos.
.
.
Não! Eles pagaram a mudança para a gente sair.
Eu saí de tarde, de noite entrou a irmã dele.
Então, você viu que foi um complô, né?
P1 – Pensei que era em outro momento.
Daí você veio para cá?
R – Aí eu vim para cá.
Vim para cá e fiquei na casa da minha filha.
P1 – Que eu tinha entendido que era uma coisa que você queria voltar.
R – Ah, de todo jeito eu queria.
Para mim, foi a maior satisfação voltar.
P1 - Como foi retornar para Osasco? Depois de tanto tempo, como foi esse impacto para você?
R – É, eu voltei ali na Raposo Tavares, Jardim Ipê, na casa da minha filha.
Nós ficamos hospedados lá.
Até ela teve uma desavença com o pai dela, e nós saímos, preparamos nossa mala e nós saímos.
Eu pensei que a gente.
.
.
Ainda estava no apartamento.
Eu pensei que a gente ia voltar para lá, né? Ele não, ele tomou a direção de Cotia, foi lá na casa do Cláudio, do meu filho.
Aí nós ficamos por lá.
Arrumamos casa lá, tudo, uma beleza.
E de lá não saímos mais, uma beleza morar lá.
P1 – Bom, você viu essa cidade mudar, você viu ela se transformar.
Como foi esse retorno? Foi impactante ou você sempre estava em contato?
R – Como?
P1 – Como foi esse retorno para Osasco, para rever.
Você reviu os amigos? Reviu família?
R – Ah, nossa, eu vinha sempre, né? De vez em quando, eu vinha, passava Osasco, tudo.
Nossa, para mim, Osasco é tudo.
É que nem meu pai, é tudo Osasco.
Eu acho ainda mais agora, agora está linda.
Demoliram, onde o papai trabalhava já foi demolido, onde eu trabalhava agora é o Carrefour.
Osasco tinha, eu te falei, tinha a Eternit, a Bromoveri, Frigorífico Wilson, a Ervi, quer dizer que agora o dinheiro ficou tudo para Osasco.
Agora Osasco tem teatro, tem tudo, Teatro Municipal.
Osasco é muito bonito, muito bom de morar.
Mas só que precisa ter para pagar.
P1 – Em algum momento, teve algum problema de bairrismo, pessoal de Osasco contra o pessoal de São Paulo?
R – Não, nunca.
Nunca teve.
É uma questão de Osasco querer se emancipar, assim como todos.
Cotia é emancipada, Vargem Grande é emancipada.
Agora já é mais fácil.
São Roque tinha vida própria, então, Osasco naquela época era muito difícil ter uma vida própria.
E nós conseguimos.
Uma luta ou um mal feito ou bem feito, nós conseguimos.
Fui no Dops com muito orgulho (risos).
Até eu falei para a Kátia.
P1 – Você comentou uma coisa interessante.
Você tocou no assunto do Dops, enfim, a gente teve uns anos de ditadura aqui?
R – O Dops era perto ali da Sorocabana.
A Sorocabana é assim, você vira na primeira rua, não sei se ainda é o Dops ali.
Mas a gente falava em Dops, era um pavor.
P1 – Mas por quê?
R – Eu sei lá, um negócio fúnebre, um negócio esquisito.
Depois que eu soube que estava entrando ali no Dops, eu vou saber se eles vão me deter aí, se eles vão me liberar? Não deixaram papai entrar.
Para mim, foi uma sensação horrível, pois me fecharam naquela sala junto com aquele homem que fazia todas aquelas perguntas, um monte de perguntas, andava assim atrás de mim, rodava, falava: “Você pode confessar, não vai acontecer nada.
” Foi um interrogatório duro, duro mesmo.
E os meus amigos lá do escritório já tinham ido.
Eles falaram para mim: “Olha, Lydia, nega, nega sempre.
Você não concorda com nada, vai negando sempre.
” E foi o que eu fiz.
Quando eles disseram o jeito como eu estava vestida, eu falei: “Puxa vida.
” “Você estava vestida assim e assim.
” “Estava assim, mas não sabia que era proibido passar no frente do Floresta.
” Que eu já tinha votado.
A minha votação eu nem me lembro onde que era, mas no Floresta.
.
.
E o papai, geralmente o papai era mesário sempre, das votações, ele era mesário, mas nesse daí de Osasco não.
Porque ele era o principal que lutava para a emancipação de Osasco.
Mas ele já faleceu, Deus que o tenha, que eu perdoei.
Esse tal de Antônio Coutinho, que foi quem me denunciou.
Que ninguém na mesa.
.
.
Todo mundo sabia.
Tinha o marido da Lázara, que eu ia votar no lugar dela, tinha o outro, Milton, me lembro do nome deles.
E trabalhavam todos comigo no Frigorífico Wilson, no escritório do frigorífico.
Aí eu: “Não, não, não, fui eu não.
” “Conhece a Lázara?” “Conheço, conheço a Lázara, por isso mesmo, conhecendo ela, eu ia votar no nome dela?” Uma coisa que não estava certa.
Quatro horas, quando eu saí de lá, eu falei: “Ai, papai.
” Ah, você perguntou como nós fomos lá no Dops? De trem, da Sorocabana.
Aquele tempo tinha.
Até esse meu filho, o segundo, falou: “Mãe, você nem foi lá ver o que eu vi hoje.
” Como ele era moleque: “O que foi filho?” “Eu vi o trem derrapando numa casca de banana.
” Eu falei: “Puxa vida, meu filho, é?” Depois de passados muitos anos que eu fui deduzir que o trem fazia assim, e ele achou que o trem estava derrapando.
Eu achei interessante, depois de muitos anos que eu fui ver que ele estava falando um negócio.
.
.
Aquela fotografiazinha tinha a estação de Osasco e o trenzinho, o trem era assim.
O papai, quando eu era nenê ainda, ele trabalhava aqui em São Paulo, então os trens tinham restaurante, tinham tudo.
Era trem de madeira.
Os vagões eram de madeira.
Usava chapéu, o chapéu do papai era todo furado de brasinha da locomotiva (risos).
E o papai tinha costume de saltar do trem andando, e ele não sabia, quando ele foi trabalhar, estava tudo bem, quando ele voltou, eles tinham cavado um buraco.
Aí ele desceu do trem andando, “puft”, dentro do buraco.
Aí todo mundo gritou, mas não fez nada.
P1 – Só uma pergunta: porque todo mundo era italiano, seus amigos, família, todos italianos, e quando teve a guerra?
R – O meu pai é descendente de português.
P1 – Mas ele estava incorporado, né?
R – É.
O pai dele era português, e minha avó mulata.
Rio de Janeiro.
P1 – Teve alguma perseguição com a Segunda Guerra Mundial? Pelo fato de eles serem italianos?
R – Meu marido, meu segundo marido teve.
O segundo marido teve.
Eles frequentavam o clube lá no Rio de Janeiro, eles foram muito perseguidos por causa da guerra, foram mesmo.
Até o clube era mesmo germânico, uma coisa assim.
Eles foram demais perseguidos.
Todo mundo xingava.
E o pai dele que era alemão, o pai dele morreu no Sul, ele até foi.
.
.
Ele se separou da mulher e foi para o Sul.
Meu marido foi lá ver ele e tudo.
Meu marido é a fotografia do pai, escrito.
Mas eu sabia que era alemão-judeu.
Eu não sabia que Schellenberg.
.
.
Todos os nomes assim são judeus.
Aí nós casamos direitinho, casamos depois que ele obteve o divórcio, e nossa filha registrada direitinho.
Porque o meu pai era ali.
Ele queria ver as coisas direitinho, era branco ali, tudo direitinho, porque se não.
.
.
Ele cobrava.
Em novembro, eu me lembro que até ele estava com minha netinha no colo, ele falou assim, bisneta dele: “Ai, o dia que eu fizer 80 anos, eu vou fazer uma festa que vocês vão ver!” Cinco de dezembro, ele fazia 80 anos, ele morreu em novembro.
Não chegou a concretizar.
Tanto é que o primeiro túmulo de Osasco é nosso, número um.
A Kátia mandou reformar, pôr os nomes, tudo direitinho lá.
Mas era que o dono, o que tomava conta do cemitério, era padrinho do meu filho, do meu irmão.
E ele deu.
.
.
Quando o meu irmão morreu, ele deu o túmulo.
Aí, quando a mamãe morreu, o papai falou: “Eu nunca pude dar uma casa para tua mãe, eu vou dar agora.
” E mandou fazer o túmulo para ela.
Eles se gostavam muito os dois, apesar dele fazer.
.
.
A gente casava e era para viver sempre junto, antigamente.
O meu nonno, minha nonna eram muito.
.
.
Meu pai bebia e às vezes chegava então meu nonno e falava para a minha mãe: “Você não escolheu ele? Então você vai ter que aguentar.
” Agora a gente não aguenta, né? Qualquer coisinha, separa e vai cada um para um lado.
Se você o escolheu para casar, você vai ficar com ele.
Meu pai foi sempre muito bom.
Estragava com esse negócio de bebida, mas tem bêbado que chega em casa, bate na mulher, bate nos filhos, ele não.
Ele me respeitava.
Eu também lembro que, quando meu marido foi embora, e eu estava já barrigudona, ele chegou um dia bêbado, eu fechei com ele no quarto e falei: “Olha, pai, eu tenho dois filhos, e tem esse para nascer, se você não parar de beber, eu vou embora com eles.
” Ele chorou tanto, chorou tanto, chorou, chorou.
Parou.
Nunca mais bebeu.
E a paixão dele era o Floresta.
Ele fazia tudo pelo Floresta.
Os donos do Floresta eram italianos.
Quem fez a carta para a Itália foi o papai.
Papai que escreveu a carta para eles, aí eles deram o terreno do Floresta.
Tinha a sede que é que nem hoje, atrás tinha o jogo de bocha e o campo de futebol, com a arquibancada de madeira.
Mas tudo.
.
.
Floresta por quê? Porque era tudo eucalipto, tudo cheio, muito bonito.
E eu dancei muito ali.
P1 – Lydia, indo para uma parte mais de avaliação, para finalizar.
Tem alguma coisa que você queira contar? Tem um monte de coisa, mas alguma coisa que você lembrou no meio da nossa conversa.
Que você queria falar para a gente.
R – É, eu lembrei de uma coisa, mas é uma coisa muito triste e eu prefiro não falar.
P1 – Como você preferir.
Isso fica para você.
R – Eu já tenho o meu nome no desquite que saiu, eu até trouxe aí.
Meu desquite e tudo.
Papel amarelinho, está tudo lá.
Direitinho.
P1 – Eu acho que a gente separou até para escanear.
R – É? Eu que paguei o advogado de defesa dele porque ele estava desaparecido.
Eu paguei a advogada dele.
Eu terminei na vara de família, ali perto do fórum, para fazer o desquite.
Ali na vara de família, eles completaram porque eu já.
.
.
Eu já tinha saído lá do Moinho Santista.
Já estava trabalhando no.
.
.
Que eu era uma boa telefonista, então, eu era requisitada.
Eu trabalhei numa concessionária da Ford, ali na Autonomista mesmo.
E eles: “Vem, que eu pago tanto.
” Porque a gente precisava ganhar mais, né? Aí eu fui trabalhar.
Depois faliu, e foi o homem que me prejudicou porque eu trabalhei dois anos e ele não recolheu o fundo de garantia.
Fui recebendo.
Poxa, estou pondo tudo para fora.
P1 – É, é meio normal.
Então, você falou a coisa mais triste que já aconteceu na sua vida?
R – Muito.
Muito, muito triste.
Pior que morte, pior que tudo.
P1 – E o contrário, Dona Lydia?
R – Alegria?
P1 – Qual foi o momento mais feliz na sua vida?
R – Eu sempre fui muito alegre.
Você sabe que eu trabalhava quando era solteira, e na cozinha dessa casa da Primitivo tinha uma prateleirinha assim, perto da porta, e o rádio.
Então, eu chegava do serviço, jogava a bolsa na mesa e ligava o rádio.
Tanto é que eu vim agora com a irmã da minha cunhada, e nós viemos cantando.
Ela falou: “Lydia, você ainda lembra dessa música?” Vinha cantando música antiga.
Cantava muito, até o meu marido falou: “Lydia, por que você não se interessa de cantar?” Eu falei: “Ah, eu não, não tenho coragem de me expor.
” Canto italiano.
P1 – É mesmo? Canta?
R – Canto.
P1 – Mas você ia para um local cantar ou era só em casa, no chuveiro?
R – Não, em casa.
Eles pediam para eu cantar.
O meu genro fala: “Dona Lydia!” Ele tem um reloginho assim, é um bêbado segurando no poste, e ele assovia: “Três horas da madrugada.
” E ele falou: “Ai, Dona Lydia.
” (risos) E eu cantava.
Canto, canto mesmo.
P1 – Você gosta de cantar o quê?
R – Ah, principalmente música italiana.
Champagne, Vivere, tem diversas músicas que eu gosto de cantar.
Eu sou apaixonada por coisa da Itália.
Gosto muito mesmo.
Tanto é que a minha neta, ela está na USP [Universidade de São Paulo], professora, e tinha que fazer opção por duas línguas.
Ela optou por italiano e uma outra língua lá, que eu não sei qual é.
Então, em casa ela chegava: “Vó, você me ajuda?” “Ajudo.
” Nós duas conversávamos em italiano.
E eu estava no Rio, ela me mandou uma letra italiana para eu traduzir para ela.
Uma música.
P1 – Qual?
R – Ai, agora eu não me lembro.
Essa eu não estou lembrando bem.
Eu traduzi e mandei para ela.
E agora eu chego para ela: “Como é, você não vai?” “Ah, vó, agora eu não quero mais.
” (risos)
P1 – E você vai dar uma palinha pra gente? Você vai cantar pra gente?
R – Cantar o quê? Pelo amor de Deus! (Canta em italiano.
) Chega (risos).
Aquela Champagne.
.
.
Eu também vou lá na casa dela, e elas têm o vídeo.
Aí eu canto.
P1 – Já percebi quais são os momentos mais felizes da sua vida.
Junto com a família, cantando.
R – O momento mais feliz da minha vida.
P1 – Lembra de alguma? Alguma história que você ficou muito contente?
R – Muito feliz?
P1 – Muito feliz.
R – Não sei.
Hoje eu estou muito feliz.
P1 – Hoje? O que você achou de dar este depoimento?
R – Estou muito feliz, sinceramente.
Eu imaginava um.
.
.
Mas não imaginava que fosse ser uma coisa assim tão, tão amiga, tão companheira, que eu pude me abrir, até coisa que eu não queria me abrir, abri.
Foi muito, muito bom.
Gostei demais.
Demais.
P1 – Que bom.
R – Muito.
E a minha maior felicidade foi quando eu pude vir embora do Rio.
Agora eu não quero ir lá nem para passear.
E o Rio é lindo.
O Rio é lindo, é maravilhoso.
Você nunca foi?
P1 – Eu conheço.
Como turista.
R – É muito lindo.
Eu conheço o Rio melhor do que muito carioca.
Porque a gente andava muito.
Corcovado, Pão de Açúcar.
Eu conheço demais.
Niterói.
Niterói, a gente tomava banho de mar de madrugada, tinha os holofotes, e a gente tomava banho de mar.
Quer ver uma coisa que me deixa muito feliz? Eu estar numa praia.
Eu moraria numa praia.
Eu fui com a minha nora, nas férias dela nós ficamos oito dias em Santos.
Ah, mas que delícia! E eu tenho medo do mar.
Eles falam que eu vou lá no mar só para tomar banho de assento (risos).
Que eu não entro (risos).
Eu não tenho coragem.
As ondas são um.
.
.
Principalmente no Rio.
Copacabana, pelo amor de Deus, você vendo a praia assim já.
.
.
P1 – Você lembra a primeira vez que você viu o mar?
R – Eu tenho até foto aí.
Em Santos.
Eu era menina e saiu um trem lá dessa.
.
.
Onde meu pai trabalhava, que depois virou Companhia Soma.
Então saiu um trem lá de Osasco até Santos, viagem maravilhosa.
O trem, quando chega na serra, tem as cremadeiras para subir a serra, aquilo é um espetáculo, assim como ir para Petrópolis.
Você vai para Petrópolis, tem todas aquelas crianças gritando: “Jornal, o jornal!” E você não entende o que eles estão falando, estão vendendo o jornal.
Em Petrópolis, é cheio de cravo e hortênsia.
Então, a primeira vez que eu fui foi essa.
Até a gente era menina, a mamãe fez maiozinho em casa para nós.
Fui eu, a mamãe, papai, o Válter, a Neuza, como não deixava de estar, ia a Nadir que era a outra prima, também muito chegada, meu tio Artêmio e a tia Luísa, que estão na foto também.
Foi a primeira vez que nós fomos em Santos, a praia José Menino.
Mas você já pensou? Farofeiro, né? (risos)
P1 – Nessa época?
R – Porque a gente levava o lanche, levava as coisas.
Nossa, aquilo foi.
.
.
P1 – Vocês dormiam onde?
R – Aí, nós íamos embora.
P1 – Ah, ia e voltava?
R – E foi um dia que não teve sol.
Teve um mormaço, mormação, como eles chamam em Santos, a mamãe ficou que parecia um cacho de uva.
Toda cheia de bolha, até o médico falou que, se ela ficasse mais um pouco, ia cozinhar fígado, tudo dela.
Que esse tal de mormação queima mais que o sol.
E sabe como é, farofeira, primeira vez que vai, se esticou na areia, naquele tempo não tinha protetor solar, nada, a gente ficou mesmo à vontade (risos).
Viu, todo mundo.
.
.
Um não esbarrava no outro no trem, veio todo mundo assim.
Todo mundo vermelho, ninguém se esbarrava, foi uma farra.
Foi muito bom.
Tem uns momentos bons da vida, né?
P1 – Lydia, então, para terminar, essa aqui está até escrita: quais as principais lições que a senhora tirou da sua trajetória de vida?
R – Paciência, muito amor e muita dedicação.
Minha.
Porque, quando eu amo, eu me entrego, eu amo mesmo de verdade.
Tanto é que eu digo que eu amei duas vezes na minha vida: amei meu primeiro marido e amei o segundo.
Então, eu amo os meus filhos demais.
Demais mesmo.
Tanto é que a minha filha não fica muito chegada a mim, ela, de vez em quando, que ela vai me ver, e isso me dói muito.
Eu queria que a minha filha fosse mais.
.
.
Minhas netas me dão muito.
.
.
Eu tenho cada neta linda! Essa que eu falei, que fala italiano, é a coisa mais linda.
Muito bonitas elas são.
Estão todas na faculdade, os netos também, graças a Deus, a mais novinha da minha filha, é uma coisinha deste tamanho assim, mas é uma gracinha.
Tem 28 anos, ela está fazendo Engenharia Química.
E ela dança a dança do ventre.
Quer dizer que isso é de família, a dança.
A dança do ventre, imagina? Diz que ela foi num casamento agora da irmão da professora dela, e ela dançou.
Eu ajudei, quando eu estava lá na minha filha, a bordar as roupas dela, que são umas roupas muito bonitas.
E eu ajudei a bordar.
Você precisa ver ela dançar, mas ela é uma coisinha.
Acho que não tem nem um metro e meio de altura.
Mas um corpinho bem feitinho, muito bonitinho.
Ela trabalha na Caixa Econômica e foi considerada a funcionária mais elegante de lá.
E agora a gerente entrou de férias, ela substituiu.
Então, isso me enche de orgulho.
Outra coisa que tenho muito orgulho: o meu filho, 60 anos, entrar no Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial] outra vez.
Ele tem diploma de tacógrafo, tem diploma de mecânica pesada, tem diploma de.
.
.
Tem uns quatro ou cinco.
E está entrando outra vez no Senai.
Ele falou: “Mãe, no fim do ano eu vou fazer mecatrônica.
” Você precisa ver esse menino chegar em casa e falar do Senai.
Ele fala: “Mãe, você precisa ver, mãe, que coisa louca, que organização, que bonito, você precisa ver como é.
” Porque, quando você entra na firma, você tem um.
.
.
Não pode ir de camiseta, não pode ir de boné, camiseta escrita que nem umas agora, com um monte de besteiras.
Ah, não pode ir com esses capuzes, as meninas não podem ir de saia curta, nem roupa decotada, tudo, tudo, tudo.
Tem duas moças fazendo mecânica com ele.
E ele está em casa, você pensa, ele está lá mexendo no carro, comprou um Fiat e agora está lá consertando o Fiat, fazendo uma coisa, fazendo outra, e eu não lembrei a marca do meu carro agora.
Eu adoro o meu carro e não lembrei.
É carro velho, né? Não é de agora, mas é muito bom.
P1 – A senhora continua dirigindo então?
R – Ah, outra coisa, a frustração da minha vida! Eu tirei carta, fui muito bem, passei muito melhor que muito marmanjo e eu não consigo dirigir.
E meu filho mais velho me deu um Fusca, da época, mas eu não.
.
.
A minha filha diz que a minha feição até muda de tanto que eu fico tensa.
É uma frustração eu não saber dirigir e não saber nadar.
P1 – Ficou na dança, né?
R – Ficou só por fora (risos).
P1 – Legal.
R – O que mais, filho?
P1 – Queria só uma mensagem para as pessoas que daqui a 50 anos vão ver a sua entrevista.
Essa é para a gente terminar.
R – Uma mensagem? Eu acho que as pessoas têm que ser muito pacientes, muito amigas, cordiais umas com as outras, e procurar entender, uma pessoa entender a outra.
E não julgar antes de procurar entender, que a pior coisa é você julgar uma pessoa.
Para você julgar uma pessoa, você tem que se pôr no lugar dela.
Então, tem que ser assim, tem que ser compreensivo e principalmente ter muito, muito amor.
Por tudo e por todos.
Até uma a uma.
Eu tenho dois gatos: eu pego ele no colo, o branquinho: “Ai, filhinho”, ele fica “miau, miau”, todo cheio de dengo comigo, só vendo.
E agora eu não estou pegando muito porque o médico proibiu.
Por causa da vista.
Tem um branco e um amarelo.
Ai, é a paixão da minha vida.
O meu filho diz que eu até mudei depois que vieram os gatos.
E eu tenho cachorro também, e o cachorro.
.
.
Na minha suíte tem uma porta que vai dar no quintal, aí eu passo, e ele fica: “au, au, au”, até que eu não vou lá fazer um carinho nele, agradar assim.
A jegue, a jegue, a gente sai na varanda, você precisa ver como ela zurra.
Jegue? Você precisa ver como ela vai.
Fica: “uh, uh, uh”, da gente olhar para ela, uma graça! E, quando meu filho chega em casa, é um tumulto, cachorro late, a jegue grita, os gatos correm, precisa ver.
Porque ele é que nem eu.
Aí não, vai levar outra agora.
Ele tem o macho e vai uma jegue, agora: “Precisa arrumar uma condução para ir buscar, mãe.
” Telefonou para mim e eu estava na casa da minha cunhada.
“Ô, mãe, acho que eu vou pegar uma vaquinha também.
” Falei: “Ai, meu Deus, Cláudio você está louco?” Mas é um quintal muito grande.
Muito grande, muito bom.
Então, é isso que eu digo: muito amor, muito, muito amor para tudo.
Até uma florzinha que você tem, tem que ter amor, e, se a gente não tiver amor, não tem nada, né? Amor é tudo na vida, eu acho.
Compreensão, fidelidade.
Eu sempre fui muito traída, mas eu acho que a fidelidade é tudo na vida.
E muita alegria! Sempre alegria.
Você viu como eu cantei? Agora, entro no carro com eles e vou cantando.
Eu cantei uma música que eu acho que você nem sonhava em nascer.
E eu lembro.
P1 – Que bom.
R – Está bom?
P1 – Fechamos.
Gostou, Dona Lydia?
R – Amei!
Recolher