Para começar pedia-lhe que se identificasse, dizer o seu nome, local e data de nascimento, por favor.
Gracinda Fátima Fraga Carvalho Peixoto, nasci em Freixiel
Como se chamavam os seus pais?
José Augusto Carvalho e Ana de Jesus Fraga.
O que é que os seus pais faziam?
Agricultores, os dois.
E viviam aqui...?
Em Freixiel, daqui do concelho de Vila Flor.
Lembra-se dos principais costumes da sua família? Tinham alguma atividade que fizessem todos em conjunto?
Os meus pais fui com eles para Angola, era ainda muito pequenina quando fomos, por tanto cá de Portugal não tenho recordações, não tenho. Lá em Angola, sim já tenho algumas recordações. Estive com eles até a terceira classe, na terra dos meus pais. Depois fui estudar para uma cidade. Uma cidade bastante longe e aí pronto, só ia lá a casa, nas férias. Mas em casa recordo-me da minha mãe cozer o pão, muito bom, aquele pão caseirinho, fazer os folares, fazer alheiras. Tínhamos cãezinhos e brincávamos muito com eles, portanto, tenho esses momentos muito bons. Depois as nossas brincadeiras, jogar a macaca, jogar ao peão, na altura não havia telemóveis, mas era muito agradável, fui uma infância em Angola, muito, muito, muito feliz.
Tinha irmãos? Tem irmãos?
Mais oito!
Mais oito?! E é a mais nova? Do meio?
Sou quase do fim, mas não sou mais nova.
Gostava de ouvir histórias? Alguém contava histórias na sua família?
Sim, contavam. A minha mãe e o meu pai contavam muitas histórias de Portugal. Falavam em figuras e personagens de Freixiel de cá, nós estávamos no Freixiel de Angola também. E eles contavam histórias de pessoas da sua terra e eu recordo-me, eles falavam no senhor Carolino Saraiva, no senhor Ernesto Lima, nas professoras de cá. Eram histórias, portanto, deles, muito associadas, portanto, à vida, à vida do campo, à escola... do meu avô e da minha avó. Porque o meu avô, que eu nunca conheci, nem a minha avó, o meu avô era carpinteiro e a minha avó era...
Continuar leituraPara começar pedia-lhe que se identificasse, dizer o seu nome, local e data de nascimento, por favor.
Gracinda Fátima Fraga Carvalho Peixoto, nasci em Freixiel
Como se chamavam os seus pais?
José Augusto Carvalho e Ana de Jesus Fraga.
O que é que os seus pais faziam?
Agricultores, os dois.
E viviam aqui...?
Em Freixiel, daqui do concelho de Vila Flor.
Lembra-se dos principais costumes da sua família? Tinham alguma atividade que fizessem todos em conjunto?
Os meus pais fui com eles para Angola, era ainda muito pequenina quando fomos, por tanto cá de Portugal não tenho recordações, não tenho. Lá em Angola, sim já tenho algumas recordações. Estive com eles até a terceira classe, na terra dos meus pais. Depois fui estudar para uma cidade. Uma cidade bastante longe e aí pronto, só ia lá a casa, nas férias. Mas em casa recordo-me da minha mãe cozer o pão, muito bom, aquele pão caseirinho, fazer os folares, fazer alheiras. Tínhamos cãezinhos e brincávamos muito com eles, portanto, tenho esses momentos muito bons. Depois as nossas brincadeiras, jogar a macaca, jogar ao peão, na altura não havia telemóveis, mas era muito agradável, fui uma infância em Angola, muito, muito, muito feliz.
Tinha irmãos? Tem irmãos?
Mais oito!
Mais oito?! E é a mais nova? Do meio?
Sou quase do fim, mas não sou mais nova.
Gostava de ouvir histórias? Alguém contava histórias na sua família?
Sim, contavam. A minha mãe e o meu pai contavam muitas histórias de Portugal. Falavam em figuras e personagens de Freixiel de cá, nós estávamos no Freixiel de Angola também. E eles contavam histórias de pessoas da sua terra e eu recordo-me, eles falavam no senhor Carolino Saraiva, no senhor Ernesto Lima, nas professoras de cá. Eram histórias, portanto, deles, muito associadas, portanto, à vida, à vida do campo, à escola... do meu avô e da minha avó. Porque o meu avô, que eu nunca conheci, nem a minha avó, o meu avô era carpinteiro e a minha avó era costureira, contavam-me muito dessas histórias. Sim, sim, contavam-me muitas histórias de Portugal, sim.
E lembra-se da casa onde passou a infância em Angola, como é que era essa casa?
Portanto, tinha casa de banho completa, já, tinha 3 quartos, um dos meus pais, um dos rapazes e outro das raparigas, né? Tinha sala, cozinha e depois cá fora tinha uma despensa onde havia um forno, onde havia também algumas maquinetas, onde guardava os instrumentos agrícolas. Uma casinha normal do campo.
Estavam lá todos os irmãos?
Nós temos idades muito diferentes. Eu, dos meus irmãos mais velhos, nós, os mais novos, dos meus irmãos mais velhos já quando crescemos, já tinham ido embora, ido para a tropa, foram para a tropa e depois ficaram por lá trabalhar. Portanto, nós mais novos, às vezes só nos víamos de quando em quando - os mais novos e os mais velhos, porque nos separáramos bastante cedo.
Uns em Portugal e outros em Angola? Ou todos em Angola?
Não, todos em Angola, mas nas cidades, que Angola é 14 vezes e meia maior que Portugal, não é? Assim aprendi na escola.
E como era o bairro e a cidade onde vivia?
Primeiramente vivia numa aldeia. Depois passei para a cidade, era terceira cidade maior de Angola, Sá da Bandeira, hoje Lubango. Era uma cidade grande, com tudo, com liceu, com faculdade, com colégios - por exemplo, Colégio Paula Frassinetti -, com cinema, com tudo. Era uma cidade ao nível, não digo de hoje, mas já tinha tudo como tinha em Portugal. Tudo.
O que eu gostava mais de fazer quando era criança?
Brincar. Brincar era brincar, brincávamos à macaca, portanto, recordo, brincávamos muito à macaca e a saltar à corda, eram as nossas brincadeiras preferidas, desse lembro-me muito bem, muito bem dessas brincadeiras. Depois ajudava a minha mãe quando estava em casa, depois ia para a escola. Portanto, na escola era a vida de escola, não é? Depois chegava a casa, lembro-me… o meu pai ensinava-me, sabia ler já e ensinava-me, perguntava-nos, tinha gosto: olha que estudaste hoje na escola? estudei isto e de repente lá está a curiosidade do meu pai, queria saber o que nós ouvimos, o que é que aprendemos. Queres repetir para eu também aprender? dizia ele. Queres também repetir? e nós íamos repetindo aquilo que nós aprendemos na escola. No fundo, era também uma maneira de estudar.
Eram muitas crianças a brincar e estudar nessa altura?
Éramos muitos, muitos. Portanto nós lá em Angola, apesar de aqui ainda haver turmas só para raparigas e turmas só para rapazes, nós nunca tivemos isso. Éramos turmas grandes...
O que é queria ser quando crescesse?
Professora. O meu pai queria que eu fosse advogada ou médica e eu disse não, nem uma nem outra, quer ser professora.
E conseguiu concretizar o sonho?
Sim, sim, consegui.
Então andou na escola, primeiramente em Angola, lembra-se de alguma primeira lembrança de quando foi para a escola, alguma memória que a tenha marcado no período em que foi para a escola?
Fui para lá com a minha mãe, levou-me à escola. Nós pronto os colegas conhecíamos porque era uma terra pequena, conhecíamos todos, mas ir para a escola para o pé de professora nova, todos juntos, brincar assim num espaço em comum..., mas pronto a professora recebeu-nos muito bem, fizemos praticamente uma festa, uma brincadeira em comum: Como é que se chama? Como é que chamas tu e tu e tu? Olha ficas com a Maria e ficas com António, ficas com o Manel. Foi muito simpática a professora, soube receber-nos muito, muito, muito bem. Os rapazes e raparigas não havia separação. Aqui havia, em Portugal, nós lá não havia separação.
Alguma lembrança dessa professora de primária?
Lembro, era uma professora que tinha ido daqui de Portugal, chamava-se Leontina, ótima professora, muito carinhosa, ainda novinha, ainda era bastante nova e recordo com umas saudades porque foi ela que nos ensinou a ler. Nós saímos da escola já a aprender a ler, já na primeira classe, agora hoje é o primeiro ano. E ela compreendia, acho que nos compreendia, éramos tão pequeninos, uns seis, sete anos e compreendia-me, compreendia-nos bem, os nossos problemas, as nossas dificuldades. Portanto, nós não éramos uma terra rica, nós não éramos um povo rico, os meus pais não eram ricos, mas ela recebeu-nos muito bem.
Do meu professor da segunda classe era já africano, era da cor negra. Depois terceira classe foi outro professor também e depois saí dali, depois fui pro colégio.
Como é que foi esse período da mudança e como é que era essa escola, o colégio?
Inicialmente não foi fácil, portanto era um colégio muito grande que tinha meninas desde a primária até ao nono, ao atual nono ano. E depois ainda tinha as internas que iam ter aulas ao liceu, mas que iam lá. Quer dizer, inicialmente foi, não foi fácil, quer dizer, era grande demais para o meu mundo. O meu mundo era mais pequenino, mas pronto e elas eram carinhosas como sempre foram e foram impecáveis. Tanto pelo contrário, a elas devo muito aquilo que sou hoje. Obrigada, irmãs, se me estiverem ouvir!
Como é que ia para a escola? Era a pé?
É sempre a pé, era pertinho...
Sozinha? Com a mãe? Com irmãos?
Ia com os irmãos, íamos todos. Já andavam alguns na escola e íamos. Da minha casa, à escola, eram o quê? 300 m? portanto era muito pertinho. Íamos com os irmãos, com os vizinhos. Havia muita criança na altura...
Depois desse período do colégio continua a escola ainda em Angola...?
Depois fui para o liceu, fiz lá o liceu, ainda fiz o primeiro ano da faculdade de Letras, ainda fiz o primeiro ano da Faculdade de História. Depois vim para Portugal, foram 5 anos, fiz mais 4.
Por que escolheu o curso de história?
Porque era aquilo que eu gostava mesmo. Gosto muito de história.
Lembra-se desse período em que entrou na faculdade, ainda em Angola. O que é que mudou na sua vida no momento em que entrou na faculdade?
Principalmente foi no 25 de Abril, o que mudou foi, neste sentido, é que nós tínhamos aprendido uma história, muito virada para só para o que era de bem que Portugal fez, só fazia bem. Não fazia nada mal, nada e afinal nós tivemos vitórias e derrotas como qualquer povo, e depois quer dizer só quando fui para a faculdade, já estava no 25 de Abril, no ano seguinte, ao 25 de Abril, é que eu vi, afinal eu não aprendi, isto assim no liceu, afinal não era assim, quer dizer, era mais profundo e era diferente não era tudo só vitórias, como nós aprendemos no liceu muitas vezes, que éramos uns santos, só fazíamos tudo bem, afinal não... fazemos bem e mal como qualquer povo. Portanto, a verdade, veio ao de cima, acima de tudo.
E quais é que foram os momentos mais marcantes desse período da faculdade? Foi quando regressou depois para Portugal ou ainda em Angola?
Foi em Angola, aquela parte toda, aquela parte da ida para a faculdade, a festa de finalistas, depois fizemos uma grande festa. Assim, essa parte foi ótimo, foi ótimo, foi um olhar para um mundo muito diferente. E depois da mais diferente, quando cheguei cá, foi um choque terrível quando cá cheguei a Portugal. Era um mundo completamente diferente que eu não conhecia, que eu não imaginava. Foi tanta diferença, tanta mudança na vida de uma pessoa, eu era jovem, trouxe os meus livros, mas encontrei um mundo tão diferente... desculpem, atrasado. Em relação a nós, éramos criticados por usar minissaia, éramos criticados porque assim porque assado, porque andamos com decotes que é isto, que é aquilo, que para nós era normal. Eu tinha 19 anos, a fugir para os 20 e encontrei um mundo que eu desconhecia completamente. Foi muito forte. Mas pronto a vida que surgiu, continuou. Estou aqui.
Que chegou à cidade, foi para o Porto estudar ou foi...?
Fui para o Porto.
E foi onde ficou a viver nos anos seguintes ou veio viver aqui para Trás-os-Montes?
Só vim para cá, quando vim para cá, já tinha a licenciatura completa. Andei a dar aulas por aí para ganhar a vida, não é? Os pais vieram também para continuar com dificuldades e eu começava a trabalhar e ainda não tinha o bacharelato feito, já estava a dar aulas, foi naquele ano em que havia muita falta de professores, também com muita juventude, crianças que vieram de fora. E comecei logo a dar aulas. Portanto, com o bacharelato trabalhava, mas só depois, com a licenciatura é que me fui efetivando.
E acha que essas mudanças que teve no seu percurso, do ensino, fez a diferença e a influenciou ou marcou profissionalmente também na forma depois de ensinar história?
Aí sim, quer dizer, eu falo de história hoje com verdade, não estou a esconder nada, não posso esconder nada e isso também foi fruto da faculdade, depois de 5 anos. Foram porque aprendi com os meus professores, foram extraordinários e que nos ensinaram acima de tudo, a verdade. Provada. Onde há provas, agora não posso dizer uma coisa da minha cabeça, aí foi assim, não, é assim, porque está provado que é assim. Foi um percurso que a gente aprende. A dar aulas também aprende.
Agora vou regressar um bocadinho, então para a sua juventude, disse que regressou já com uns 19/20 anos e que vinha com alguns costumes que não eram tão bem vistos aqui em Portugal. Como é que foi essa chegada e começar a sair sozinha ou com algum grupo de amigos? Como é que foi essa chegada na sua juventude a Portugal?
Isso já fazíamos lá, à vontade, saíamos com os colegas, já saímos. O que aqui encontrei foi uma mudança de costumes.
Pode contar que esteja à vontade. Essas histórias são enriquecedoras também para compreender esta visão do que foi chegar a um país novo...
Foi muito difícil a nível de mentalidades, havia uma diferença de mentalidades muito, muito grande. Era umas mentalidades muito diferentes das nossas, completamente. Nós estávamos a avançados 30 ou 40 anos. Desculpem, desculpem os portugueses...
Mas é interessante porque há muitas vezes também a história é vista um bocadinho, se calhar, ao contrário, não é? Também é importante para trazermos estes relatos, deste chegar a um país ao fim de 19 anos, a viver numa colónia portuguesa.
E como foi depois que chegou cá? Não tinha cá amigos ou já tinha aqui um grupo de amigos?
Não tinha. Portanto, alguns colegas que vieram de lá, já de curso, continuei com eles e depois comecei a trabalhar e comecei a ver, a vida continua. A subir, continua a subir, paciência. A vida é assim, a vida é assim mesmo. Nós com aquela idade, temos que aceitar tudo, então hoje aceitamos, infelizmente temos de suportar uma guerra de um louco, quanto mais naquela altura, paciência.
Era essencial também ter esse dinheiro também para contribuir para os seus estudos e para terminar o curso?
Claro, eu comecei a trabalhar porque precisava de pagar os estudos, né? Viajar, continuava, vinha ao Porto de 15 em 15 dias à faculdade, tinha um estatuto de trabalhador-estudante. Custou muito inicialmente esta diferença de mentalidades, mas não, mas a nível de me adaptando bem, tive muito apoio na faculdade, os colegas, alguns que vieram de lá, tinham os mesmos problemas que eu tinha, não posso, não me posso queixar.
E que outros trabalhos depois fez quando terminou a faculdade? Foi sempre a dar aulas?
Dei aulas durante muitos anos, depois que me efetivei no ensino secundário e depois passei para a vida política. Fui vereadora com grande homem, com grande presidente de Câmara e um grande ser humano, Doutor Artur Pimentel. Que me ensinou muito, de compreender a vida política, com a respetiva dignidade. Respeitando cada um dos partidos concorrentes, cada uma das pessoas, mesmo da oposição. Aprendi muito com ele e estou muito grata. Passei 24 anos como vereadora.
Que tarefas é que tinha enquanto vereadora?
Da educação, cultura e desporto. Essa parte estava toda às minhas costas.
Como era assim, um dia a dia do seu trabalho?
Olha fazia tudo, fazia tudo. Ias escolas, todo início de cada ano letivo ia às escolas cumprimentar os alunos, e uns quantos professores, que havia sempre alguns que mudavam, que não me conheciam, perguntar do que precisavam, ia até muitas vezes à hora de almoço, ia ter com eles, para ver se eles comiam, se a comida estava boa, se gostavam, se tinham queixas. Tentei, tentei fazer o meu melhor possível. Errei, com certeza, mas isso erramos todos. Agora só não erra quem não trabalha como diz o povo, mas penso que desempenhei sempre as minhas funções com dignidade e sempre com seriedade, com dignidade, também isso aprendi - já é dever de cada um, mas de qualquer forma -, tive um grande mestre que foi o Doutor Artur Pimentel.
E como eram as relações da sociabilidade com o resto dos colegas de trabalho?
Eram bons, com os funcionários da Câmara, da autarquia tinha sempre boas relações com eles.
E as condições de trabalho também?
Sim, sim, nunca fui conflituosa, sempre fui pacífica e gosto da paz. Sempre foi uma mensageira da paz.
Então, para além desta mudança entre Angola e Portugal, teve algum outro período em que viveu ou se mudou para outro sítio? Alguma migração ou imigração na sua vida?
Não, mas quando comecei a trabalhar, eu não comecei aqui, comecei em Nisa, depois fui para Montalegre, depois fui para Vila do Conde e depois... o meu marido veio para aqui, para a Caixa Geral de Depósitos e por aqui ficamos.
E nessa altura, teve algum período de desemprego?
Não, sempre a trabalhar, sempre. Depois efetivei, depois da licenciatura efetivei-me e fiquei sempre ali.
Mencionou agora que tinha marido, portanto é casada. Quando é que conheceu seu marido?
Por acaso conheci-o em Angola, ele também é daqui de Freixiel, só que tinha lá o pai e ele foi para lá já eu andava no ensino secundário. E conheci-o lá, depois viemos para cá, namoramos e casamos, tivemos um filho.
Como é que foi o dia do seu casamento? Lembra-se do casamento?
Casamos aqui em Freixiel, também. Estavam os meus pais, estavam os pais dele e foi uma grande festa, também com muita família. Uma Senhora na altura a D. Nazaré que nos ofereceu o trabalho do casamento e que nos fez de trabalho e pronto. Foi uma festa muito bonita, com todas, eu também, o Padre Manuel, que já faleceu, foi o padre que nos casou. E pronto um casamento normal, sim.
Com que idade é que casaram?
Prái 24, 25 anos.
E tiveram um filho... Como é que se chama o seu filho?
Frederico, mais conhecido por Fred.
Como é que foi esse processo da maternidade?
Ter filhos logo no início, quando casei não queria, porque eu ainda andava longe, em Montalegre, quando casei para ali para além. Depois, ainda estava no Porto, em Matosinhos. Pronto aí nós optamos, viemos e nasceu a criança. Estava grávida, viemos para aqui, mas depois foi nascer ao Porto.
E como é que foi ser mãe?
Não perdão, ele nasceu não nasceu no Porto, ele nasceu em Mirandela. Eu estava grávida lá, fui acompanhada lá, mas veio nascer a Mirandela, isso é que é.
E como é que foi ser mãe?
Foi espetacular, nasceu no dia de Páscoa. Ao pequeno-almoço folarzinho. Teve também um acompanhamento bom no hospital em Mirandela. Não tenho, não tenho queixas, pelo contrário. Foi muitíssimo bem tratado no hospital de Mirandela. Nasceu lá e nasceu feliz.
E no contexto do seu percurso de vida, que significado tem para si ser mulher?
Eu gosto de ser mulher, gosto da mulher porque eu acho que as mulheres quando se envolvem em qualquer projeto, elas levam até ao fim. E eu em todos os projetos que me envolvi, de vida, levei até ao fim. Eu sei que alguns fui prejudicada monetariamente, eu fui prejudicada, mas não me interessei, envolvi-me e as mulheres têm essa capacidade. Não olham só ao dinheiro. Nós somos mais e somos mais humanas. Desculpem-me os homens, mas nós somos muito humanas, ajudámos quem podemos, temos sempre a palavra de carinho para quem está a sofrer ao pé de nós. Ainda há bocadinho, encontrei, eu vim até a tomar café, encontrei uma senhora que me diz há 5 anos que ando aqui, ninguém me ajuda, ninguém me ajuda, sim, mas que é que a senhora teve? há 5 anos que caí, andava aqui a varrer caí e ainda não trataram do assunto. A senhora já foi tratar disso onde devia? Com os outros sim, com estes não... também não pode ser, você tem que lá ir saber, como é que eles sabem que a senhora... Portanto vá lá, aí muito obrigada, não sei quê. Uma palavra de carinho não custa nada. Não sei se o senhor lá foi, se não foi, mas é esse problema no dia a dia, esse carinho. Mas eu acho que isso é nosso. Eu acho que é nosso é das mulheres, as mulheres têm uma visão mais humana. Talvez a palavra mãe já esteja incluída no nosso ser, está sempre disponível para dar uma palavra amiga. E, portanto, acho que sim, que me senti sempre, gosto de ser mulher e gosto de ser como sou.
O que é que faz hoje?
Já estou reformada há 1 ano. Reformada e tenho feito, fiz 2 coisas, já vinham as duas de trás, que era com mais dois amigos, dois colegas, um por acaso é meu sobrinho. Fizemos um livro sobre a participação dos militares do concelho de Vila Flor, que participaram na primeira Guerra Mundial. O livro foi lançado no ano passado, em novembro. Um livro que eu penso que é muito interessante, porque pela primeira vez sabemos quem foram os militares do Concelho de Vila Flor que participaram na guerra que eu imaginava inicialmente que eram 30 ou 40 e afinal foram 244. Que não é pouco e com gente de muito valor, que esteve lá. Podia sublinhar vários. Um deles foi o Alípio Esteves, que tem uma rua aqui em Vila Flor, a quem foi dado o nome, que no dia da batalha de La Lys, se ofereceu como mensageiro para levar uma mensagem a outro grupo que estava em perigo, porque os verdadeiros mensageiros recusaram a ir pois estavam em perigo, ele foi. Foi claro, foi aprisionado, foi levado para o campo da Alemanha, mas depois foi libertado e foi condecorado. Foi, como tantos, aliás como todos os que lá andaram, foram muito importantes e heróis. Todo o concelho de Vila Flor tem gente de muito valor na guerra que eles salientaram-se pelos seus atos heroicos, no caso deste e outros também. Gostei muito de fazer, gostei muito. Aprendi muito também. Principalmente sobre a história de Vila Flor, porque o livro tem livro tem 3 partes: uma primeira parte sobre o contexto internacional da guerra - que é preciso também para as pessoas que não se recordam -, depois numa segunda parte, num contexto concelhio, que essa parte é a que eu desconhecia mais, que aprendi bastante e depois, então, cada um dos militares - tem data de nascimento, o pai e a mãe, o que é que eles fizeram, a idade com que foram e com que vieram. Está um livro muito engraçado, muito interessante, foi lançado. Tivemos um lançamento muito interessante e foi erguido um monumento, um obelisco, onde estão os nomes deles todos, em Vila Flor, não sei se já viu, mas convido-a a ir ver e é apadrinhado este lançamento e este monumento pelo Presidente da República, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa.
Mencionou outra atividade que também tinha hoje...
Temos outro livro que também é questão de tentar fazer, recolher dados, é o que estou a fazer, já está praticamente concluída, sobre a história dos bombeiros de Vila Flor. Aqui os bombeiros, como em todo o lado, a quem nós muito devemos, e que estão sempre disponíveis a nos salvar nos momentos difíceis. Portanto, temos um livro praticamente pronto e que tenho muita honra de oferecer aos bombeiros de Vila Flor.
E quais são as coisas mais importantes para si hoje, na sua vida?
São as crianças. Tenho dois netinhos, pequeninos, um tem 2 anos e outro tem 4 e vou lá passar uns dias com eles ao Porto e tenho um amor, um amor, um amor infinito por aquelas das crianças, pelo meu filho, minha nora e meu marido, meus irmãos, somos muitos, enfim. O amor, o amor não tem limites.
E quais são as suas principais tarefas no dia a dia? Desde que se levanta até que se vai deitar?
Tomar café, passear com os amigos, dedicar-me também à escrita, pensar naqueles projetos todos e já estou a pensar noutro projeto. Assim, é a vida normal.
Que outros projetos em que tem na sua vida?
Quando acabar o dos bombeiros já tenho outro aqui na cabeça, mas é segredo.
Nós temos aqui uma questão que se calhar, não faz tanto sentido no sentido em que não nasceu em trás os Montes, mas é influenciada, obviamente, ...
Nasci, nasci, nasci em Freixiel daqui.
Mas viveu e cresceu em Angola, mas acha que de alguma forma Trás-os-Montes influenciou a sua trajetória de vida e as suas experiências de alguma forma?
Os meus pais sempre me transmitiram os valores transmontanos e até o vocabulário, portanto, havia expressões que quando cá cheguei, conhecia de ouvir o meu pai dizer, não era o nosso vocabulário comum, mas eu conhecia. O caso da expressão “bô”, vais te casar “bô”. É uma expressão que eu usava também, transmitida pelos meus pais, transmitiram-nos essa cultura transmontana, porque eles eram de cá, vieram de cá, eram aqui que estavam os meus avós, estava ao pé de tudo, portanto eles transmitiram-nos a cultura transmontana, desde a forma de viver, de falar, tudo.
E acha que isso influenciou algum momento da sua vida. O facto de ser transmontana?
Era o orgulho que temos quando vamos pra lá fora. De onde é? Eu sou transmontana, sou de Vila flor, sim, portanto é o orgulho que nós temos de ser transmontana. Somos nós, nós somos ímpares.
Tem sonhos por realizar?
Como te disse há bocadinho quero fazer ainda uma coisa, mas que ainda é segredo. Pronto, ainda é segredo. Olhe e quero continuar a dar apoio aos meus netinhos, que agora precisam de mim também e ajudar. Neste momento sou membro da Assembleia Municipal, Secretária da Assembleia Municipal também ajudo nessa vertente, a vertente política, que é o órgão máximo do concelho. E pronto, também ajudo quem me procura, e acho que isso é muito importante.
Como é que foi contar a sua história? Gostou?
Muito interessante, a essas meninas lindas.
Gostaria de acrescentar alguma coisa agora que se lembre assim deste seu percurso de vida, há um aspeto que gostaria de ressalvar algumas histórias específica para contar.
Há tanta coisa. Mas é uma curiosidade, uma curiosidade, não, uma coisa engraçada. Um dia, era eu vereadora e tinha combinado connosco um grupo de magistrados daqui da zona do Porto ir a Vila Flor. Ora e eu, tinha tudo combinado, guardei-lhes o restaurante. E já tinha o projeto de visita ao concelho marcado. E o combinado foi estar em Vila Flor ao meio-dia. Ao meio-dia pára o autocarro em frente à Câmara e eu vou recebê-los, vou lá, ele abre a porta, eu disse muito boa tarde, bem-vindos a Vila Flor, vamos almoçar ao restaurante X, depois ao visitar isto e aquilo, e faz-se um silêncio sepulcral no autocarro. Às tantas diz assim um senhor olha, olha, olha, então, mas em Vila Flor é assim? oferecem-nos logo almoço e uma visita guiada. Eu disse, então, os senhores não são os magistrados? Não! Olhe peço desculpa, mas olhe, acontece pronto, obrigada, alguma coisa estou aqui disponível. Logo a seguir vem o outro autocarro, portanto já não fiz o mesmo, não fui assim tão direta. Primeiro perguntei se eram os magistrados que e eles disseram que sim, então repetiu-se a história e passámos um dia feliz.
Mas demonstra também esse carinho, não é? Essa receção transmontana.
A arte de receber.
Tenho outra curiosa também um dia havia um guitarrista de Coimbra, tinha por alcunha xabregas, que era daqui Samões, curioso. Foi um grande guitarrista e cantor. Vim a saber que ele ainda era vivo pelo antigo presidente e deu-me o número de telefone dele, ele já tinha 90 e não sei quantos anos, deu o telefone dele, disse-me olhe, ligue-lhe, ligue-lhe e convide-o para vir a Vila Flor. Telefonei. Liguei para lá e ela passou-me ao doutor. Eu ó Senhor Doutor, queria convidá-lo para vir a Vila flor, pode vir até Bragança de avião e depois vamos buscá-lo. Para lhe fazer uma homenagem e não sei quantos, e diz ele assim, ó minha senhora, mas a senhora sabe quantos anos eu tenho? Eu tenho 97 anos! Mais ou menos. E eu disse-lhe assim aí sotôr que bonita idade. Bonita idade? Diz isso porque não os tem porque se os tivesse não dizia. Eu já gaguejava não sabia que havia de dizer... morreu passado poucos dias...
Também concorda com essa visão, que 97 anos já não é uma idade que se queira viver? Como é que vê o envelhecimento?
Depende. Há pessoas que com essa idade estão muito frescas. Perfeitamente. Agora ele, ele ainda estava muito consciente a falar comigo. Ele estava muito consciente quando estava a falar comigo. Só que depois quer dizer para se deslocar aí foi o problema, mas, pronto, ele não veio, não chegou a vir com muita pena minha que eu gostava de o ter conhecido, claro...
Mas como é que foi o vê o processo de envelhecimento?
É... faz parte da vida. Ainda bem que chegamos lá, não é? Chegamos a velhinhos porque é sinal que vivemos muitos anos, agora o ideal seria viver com qualidade de vida. Cabeça, tronco e membros, diz o povo, não é? Mas não acontece a todos a este aconteceu, mas não acontece a todos.
Como é que está a experienciar esta fase da reforma?
Muito agradável. Eu também sou pessoa muito ativa, não me fecho em casa. Portanto, estou bem.
Mais uma fase como outra qualquer
É, uma fase como outra qualquer.
Eu só tinha mais 2 perguntas, voltando um bocadinho atrás perceber no momento em que se muda do Porto para cá. Como é que foi essa viagem de regresso? O que é os levou, enquanto casal a voltar cá para Freixiel? E o que é que encontraram quando chegaram?
Quando cheguei a Portugal, estranhei muito, quando cheguei a Freixiel, estranhei muito porque... Inverno, lama, chuva, estradas por asfaltar, casas sem condições, não foi fácil... Banho tinha de ser com água quente, aquecida ao lume. Casas de banho, poucas. Portanto, não foi, não foi nada fácil essa mudança. Quando vim para cá, depois dar aulas, já foi normal. Alugamos aqui uma casa em Vila flor, com todas as condições.
Mas o que é que o motivou, a vinda mais definitiva para aqui?
O meu marido ficou aqui para trabalhar, na caixa geral de depósitos. Eu vim para cá…
Mas porque andou à procura de emprego aqui? Ou foi coincidência?
Não, concorri para cá, apanhei logo. Havia muita falta professores naquela altura.
E o seu marido também? Foi coincidência? Ou andou mesmo à procura de emprego aqui nessa zona?
O meu marido estava a trabalhar no Porto, apareceu esta hipótese, concorreu e veio.
Outra coisa só para esclarecer, não sei se percebi bem, com que idade é que foi para Angola?
Com 2 anos.
Portanto, não se lembra da viagem de sair da ideia?
Não, não, não, não. Não faço a mínima ideia, sei que fui de barco, mas não tenho a mínima ideia, o que é que vi, o que é que não vi, como cheguei, como como não cheguei.
Já foi sempre a sua realidade... quase que nasceu lá em termos de memórias
Obrigada por ter contado a sua história!
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