Plano Anual de Atividades 2013
Projeto Nestlé Ouvir o Outro – Compartilhando Valores – PRONAC 128976
Depoimento de Jayme Murahovschi
Entrevisto por Tereza Ruiz
São Paulo, 13 de agosto de 2014.
NCV_HV46_Jayme Murahovschi
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Moisés Fonseca
P/1 – Então, primeiro, Jayme, eu vou pedir pra você falar pra gente, o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – E posso dizer porque Jayme, porque o nome?
P/1 – Se você quiser, pode.
R – Que também tem outra versão em hebraico, né?
P/1 – Pode falar.
R – Posso começar?
P/1 – Claro.
R – Deixa eu me apresentar. Eu sou Jayme Murahovschi, médico pediatra. Eu tenho o sobrenome um pouco complicado, né? Isso tem um motivo. Meus pais vieram da Rússia e, naturalmente, vindo aqui sem falar português, com os documentos meio atrapalhados a tal ponto que na família, primos, existe outras versões. Por exemplo, Murashovski; outros escrevem com “KY”, eu escrevo com “CHI”. Tudo isso tem essa explicação, mas também tem outro dado interessante. Em tradição judaica que no momento da circuncisão ritual, que é feita aos oito dias de vida, é dado um nome em hebraico. E desse nome, em hebraico, é tirado o nome no vernáculo. Então meu nome em hebraico, e geralmente esse nome é dado em homenagens a pessoas já não vivas, e muito frequentemente a avós quando os avós não estão mais vivos, então meu nome veio dos dois avós, quer dizer, o pai da minha mãe, e o pai do meu pai, que já não estavam vivos.
P/1 – É lindo o significado, né?
R – Meus pais vieram da Bessarábia. Eu falei Rússia, mas na verdade, eles vieram da Bessarábia. Bessarábia era uma região entre Rússia e Romênia. Ali, ela vivia sendo disputada entre os dois. E hoje é um país independente, chamado Moldávia. Interessante que outro dia eu li no jornal que a Moldávia é o país mais pobre da Europa, o que significa que não progrediu muito, porque foi...
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Projeto Nestlé Ouvir o Outro – Compartilhando Valores – PRONAC 128976
Depoimento de Jayme Murahovschi
Entrevisto por Tereza Ruiz
São Paulo, 13 de agosto de 2014.
NCV_HV46_Jayme Murahovschi
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Moisés Fonseca
P/1 – Então, primeiro, Jayme, eu vou pedir pra você falar pra gente, o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – E posso dizer porque Jayme, porque o nome?
P/1 – Se você quiser, pode.
R – Que também tem outra versão em hebraico, né?
P/1 – Pode falar.
R – Posso começar?
P/1 – Claro.
R – Deixa eu me apresentar. Eu sou Jayme Murahovschi, médico pediatra. Eu tenho o sobrenome um pouco complicado, né? Isso tem um motivo. Meus pais vieram da Rússia e, naturalmente, vindo aqui sem falar português, com os documentos meio atrapalhados a tal ponto que na família, primos, existe outras versões. Por exemplo, Murashovski; outros escrevem com “KY”, eu escrevo com “CHI”. Tudo isso tem essa explicação, mas também tem outro dado interessante. Em tradição judaica que no momento da circuncisão ritual, que é feita aos oito dias de vida, é dado um nome em hebraico. E desse nome, em hebraico, é tirado o nome no vernáculo. Então meu nome em hebraico, e geralmente esse nome é dado em homenagens a pessoas já não vivas, e muito frequentemente a avós quando os avós não estão mais vivos, então meu nome veio dos dois avós, quer dizer, o pai da minha mãe, e o pai do meu pai, que já não estavam vivos.
P/1 – É lindo o significado, né?
R – Meus pais vieram da Bessarábia. Eu falei Rússia, mas na verdade, eles vieram da Bessarábia. Bessarábia era uma região entre Rússia e Romênia. Ali, ela vivia sendo disputada entre os dois. E hoje é um país independente, chamado Moldávia. Interessante que outro dia eu li no jornal que a Moldávia é o país mais pobre da Europa, o que significa que não progrediu muito, porque foi exatamente esse o motivo que eles foram embora, né? E pior do que ser o país mais pobre da Europa, eu li também que é o último classificado no campeonato europeu de futebol, então isso explica porque meus pais saíram da Bessarábia, hoje Moldávia, e vieram pro Brasil.
P/1 – E quando eles chegaram no Brasil, você sabe com quê eles vieram trabalhar?
R – Sei. Primeiro lugar, embora os dois fossem da Bessarábia, eles eram de cidades diferentes, e eles não se conheciam. Existia um rio entre essas duas cidades. E eles se conheceram no Brasil através do meu tio que era irmão do meu pai, irmão mais velho, que já estava aqui no Brasil, e que tinha relação com as duas famílias, por causa de casamentos, então ele fez, o que na época era muito comum: Fez o casamento entre eles, né? Um casamento meio arranjado. É interessante que havia uma diferença grande entre meus pais. Minha mãe era intelectual da família. Ela era um caso excepcional, por sendo mulher, judia e pobre; cada uma dessas três coisas já impediu que fizesse uma carreira universitária. Ela, com essas três, ela fez uma carreira universitária. Estudou na Rússia, na cidade universitária de Odessa, e se formou em Farmácia. Mas ela nunca exerceu, porque logo depois, ela veio pro Brasil. E eu sempre senti que ela sentia falta daquela carreira que ela perdeu, que aqui não continuou. Então o que quê fizeram os meus pais? O que faziam naquela época, né? Foram vender de casa em casa, o que se chama “mascate”. Eu não gosto desse termo “mascate”, eu não sei porque, talvez até uma coisa individual. Em ídiche, eles falavam ídiche. Ídiche era a língua falada pelos judeus europeus, que é uma corruptela do alemão. Hoje, em Israel se fala hebraico. O Ídiche era uma língua universal, se dizia que a pessoa podia viajar pelo mundo inteiro só falando Ídiche. Hoje o Ídiche tá em decadência, né? E o Hebraico tinha praticamente desaparecido, retornou. Bom, mas então eles diziam que eles eram “clientelistic”; “clientelistic” significa o indivíduo ter clientela. E realmente era isso que eles tinham; eles tinham fregueses, que eram tão amigos. Eu falei dos espanhóis, e via minha mãe conversando com as moças, falando sobre os namorados, os problemas que elas tinham. Era uma ligação muito forte, né? E foi assim que eles começaram. E tem um outro detalhe, é lógico que meu pai é que trabalha, mas pouco depois... Isto, eu tô falando de antes de 1930, ou um pouquinho antes, 1929. Então meu pai, logo depois, apareceu com tuberculose. E ele foi tratar, naquela época se tratava, os melhores níveis sócio-econômicos, iam pra Campos do Jordão. Os um pouco menores, ia pra São José dos Campos. É lógico que meu pai foi pra São José dos Campos, e ficou alguns meses lá. E aí? Minha mãe tinha que trabalhar, então minha mãe pegou e foi trabalhar. A gente morava no Ipiranga, como eu disse. Eu nasci no Ipiranga, com parteira, em casa. E eles iam trabalhar na parte mais baixa do Ipiranga, baixa no sentido geográfico, que era a Vila Carioca. Aliás, nosso Presidente Lula morou na Vila Carioca também. E ela teve que pegar o trabalho duro, trabalho pesado, até o meu pai voltar. Uma coisa interessante, que eu ainda me lembro pouco... Quando o meu pai foi, eu já tinha nascido, mas não falava ainda, porque era pequeno; quando ele voltou, eu já falava. E ele, quando voltou, não foi trabalhar imediatamente, ainda ficou um pouco em casa, então eu pegava na mão dele, dizia: “Moisés, vamos no portão, que o carteiro vai trazer carta do meu pai”. Então, esse foi o início. Tem mais um detalhe importante, porque influenciou muito a minha formação: É que eles eram socialistas, então eu cresci, eu nasci no ambiente socialista, e cresci no ambiente socialista. Eu levei muitos anos, já estava na faculdade de Medicina há alguns anos pra perceber, interessante, que o socialismo deles era um socialismo muito romântico, utópico, que esse mundo ia ser uma maravilha, né, que não ia ter mais guerras, todo mundo ia ser igual. Olha, o que eles sonhavam, viu? Gente simples, mas sonhava isso.
P/1 – Mas como que foi crescer? Conta, um pouquinho, como é crescer numa família de pais socialistas? Como era o cotidiano?
R – Não era um socialismo político, militante, era, assim, na conversa, né? Todos os companheiros, aqueles que tinham vindo juntos, eram todos iguais, então em casa liam jornal socialista. Me lembro, um jornal judaico-socialista, que se chamava “Nossa Voz”, então eles ficavam batendo papo sobre socialismo, não eram políticos militantes, mas me influenciou profundamente, né? E como disse, embora eu tenha tido uma decepção, como toda a minha geração teve, mas mesmo assim, foi uma coisa que ficou impregnada que, cá em entre nós, vale até hoje.
P/1 – Te influenciou em que sentido, seu Jayme?
R – O modo de encarar a vida, então posso dizer uma coisa: essa minha geração, e depois isso foi até para as gerações seguintes, que não passaram tão exatamente como nós. Aquela geração que achava que o socialismo ia mudar totalmente o mundo, e de repente viu que isso não acontecia. Olha, minha mãe que era a consciência intelectual da família, ela era fã do Stálin, porque ela achava que o Stálin era um indivíduo forte, que ia ajudar espalhar o socialismo pelo mundo. Eu dou graças a Deus que ela morreu antes de saber que crápula que era o Stálin (risos), porque era uma ilusão. Aí acontece talvez uma coisa interessante. A minha geração, é que de repente ficou, assim, decepcionada com o socialismo, sabe? Você não pode ficar sem nada, então cada um teve que procurar um outro ideal. E aí é interessante, cada um procurou um ideal de acordo com as suas características. Eu brinco: alguns foram lutar pela Mata Atlântica, outros iam no máximo, pro aquecimento global: “Ah, nossa que perigo, o aquecimento global”, sabe? Já que não dava pra salvar o mundo inteiro, como a gente pensava, pelo menos salvar alguma coisinha, né? Aqueles que vão... Aquela moça que vai lá lutar por causa do perigo de extinção de uma espécime, sub-espécime da baleia azul, então um perigo de extinção. E eu? Eu segui um caminho também judaico, que uma oração, que é o Kidushi, uma oração mais nobre judaica, que diz que a vontade de Deus é que cada um de nós faça com as nossas atitudes diárias, comuns, alguma coisinha pra tornar esse mundo pelo menos um pouco melhor ainda em nossos dias. Foi esse o caminho que eu tenho tentado trilhar.
P/1 – Jayme, deixa eu voltar um pouquinho. Eu queria que você falasse a data e local de nascimento.
R – Eu nasci no dia sete de julho de 1932, no Ipiranga, que era um bairro periférico – já não é tão periférico – em casa com a parteira, Dona Amabile, que era a parteira do Ipiranga. Eu brinco que ela matava um monte, eu sou sobrevivente da Dona Amabile. E aí, tem outro detalhezinho interessante: até hoje, você sabe quando você nasce, os pais devem registrar... Hoje, em muitas maternidades já facilita, porque pode registrar lá na própria maternidade, mas naquela época, não, tinha que ir no Cartório. Imagina, nasceu um filho, o primeiro, né, como eles estavam atrapalhados, então não dava tempo de correr no Cartório, porque tinham outras coisas que eles estavam preocupados, então eles iam no Cartório, já algum tempo depois. Mas a regra era a seguinte: até quinze dias, não pagava multa, de quinze dias em seguinte, ia pagar multa. Imagine se eles iam pagar multa! O dinheiro era curto, então o que faziam? Levava um vizinho como testemunha. Eles: “Não! Ele nasceu semana passada, né?” Então, eu fui registrado no dia oito de agosto de 1932, então eu brinco que eu nasci no dia sete do sete e fui registrado no dia oito de oito. De modo que, oficialmente, eu faço aniversário no dia oito de agosto, porque foi o dia do registro, que saiu em todos os meus documentos.
P/1 – E seus pais contaram pra você como é que foi o parto?
R – Não. O parto foi normal, em casa. Tem uma coisa que eu nunca perguntei, agora não tem mais jeito: “Que hora que eu nasci?” Eu não me incomodo com isso, mas às vezes tem aquela brincadeira que a gente vai ver o horóscopo, né? E pergunta que hora que nasceu, eu não sei que horas que eu nasci. Sei que eu nasci em casa, dia sete de julho.
P/1 – E como era o nome completo dos seus pais? E se você souber, Jayme, a data de nascimento deles.
R – Meu pai era Moshe, que em português, ficou Moisés, Murahovschi. Minha mãe era Ana Steinberg, então minha mãe era mais velha que meu pai. Minha mãe nasceu em 1906, e meu pai em 1910.
P/1 – Como você descreveria eles pra gente? De temperamento, de personalidade, como eles eram?
R – Eram muito diferentes. Como eu disse, minha mãe era a intelectual da família. Minha mãe lia livros em russo. Minha mãe era professora de russo lá, mas não falavam russo em casa. Interessante. Parece que eles quiseram se libertar daquilo. Falavam Ídiche e Português. Minha mãe, como eu disse, lia livros, ia no cinema assistir filmes de alto nível, né? Dentro das possibilidades, o cinema em frente de casa, lógico. O cinema em frente de casa, o Cine Dom Pedro I, que era só atravessar a Rua Silva Bueno, onde eu nasci, era uma rua importante do bairro, uma rua comercial. Lá sempre tinha uns filmes muito bons, tava escrito “breve”, nunca passava. E eu perguntei pra minha mãe, nunca me esqueço disso: “Mãe, o que quê é breve?”. Então ela deu uma definição que eu acho perfeita até hoje: “Breve é uma coisa que vai ser próximo, mas sem data marcada”. Olha que coisa de se mostrar, ver como ela era. E meu pai era um trabalhador, né? Durante muito tempo, achei que minha mãe era a forte da família, porque ela que dominava, até eu descobrir que não. E isso confirmou, quando o meu pai faleceu. Ela parece que desabou. E eu já tinha percebido isso, só confirmou. Que o forte é meu pai, só que ele era quieto, não falava, e ela que parecia que dava as ordens. Ele que era o sustentáculo e o forte da família, né?
P/1 – Você falou que seu pai trabalhava como vendedor. Ele vendia o quê?
R – Eles vendiam roupas. Depois, já vários anos depois, muitos anos depois, ele abriu uma loja de móveis. Aí, ficou em casa, não saia mais pra trabalhar. Uma coisa muito importante dessa geração, é que pra eles o fundamental, que eles queriam deixar pros filhos, era o que eles chamavam de “instrução”. Porque instrução pra eles era o modo, um meio de subir na vida, de progredir na vida, inclusive ascensão social. E mais uma coisa, como eles tinham saído meio bruscamente da Bessarábia, sem trazer nada, mesmo porque não tinham, mas eles achavam que instrução, ninguém pode tirar de você. Se você tiver que sair algum dia de um lugar de repente, e não te deixarem levar nada, instrução você leva consigo. E isso teve muita influência na minha formação. Primeiro, estudei numa escola no Ipiranga, escola simples, mas particular. Embora eles tivessem dificuldades financeiras, eles faziam questão, isso era uma coisa que faziam questão de pagar. E depois, até hoje, eu, também, devia ter perguntado: “Poxa, por que é que eu não perguntei?”. Eles resolveram, acho que eles se informaram, e descobriram que uma escola muito boa era o Mackenzie. E isso, me matricularam no Mackenzie, então fiz o ginasial da época e colegial no Mackenzie. O Mackenzie era muito longe do Ipiranga, então não foi nada fácil. Eu ia de bonde do Ipiranga até a Praça da Sé; da Praça da Sé, eu ia a pé até a Praça Ramos de Azevedo; e na Praça Ramos de Azevedo, eu pegava outro bonde pra ir até o Mackenzie. Isso foram oito anos dessa maneira. Não foi nada fácil, hoje eu vejo. O negócio não foi brincadeira, né?
P/1 – Deixa eu te interromper um pouquinho, pra gente voltar antes da sua vida escolar. Eu queria que você descrevesse pra gente como era a casa da sua infância, a casa que você morava. Como era a casa, como era o bairro?
R – A casa era uma casa simples, no começo era alugada, e depois meu pai foi ganhando, comprou a casa. E tem um episódio meio curioso; quando meu pai comprou a casa, ele foi assinar a escritura, ele pegou o número da escritura, e disse pra minha mãe: “Eu vou jogar no bicho, esse número”. E ia jogar uma quantia, que naquela época, eu acho que era uma quantia considerável. Ah, minha mãe caiu em cima dele: “Vai gastar esse dinheiro à toa. Jogar dinheiro fora. Tão difícil de ganhar”. Amolou tanto a paciência dele, que ele não jogou. E interessante, ele mesmo dizia: “Podia ter jogado menos, né?” Não jogou nada! E ele ia, quase todos os dias pro Bom Retiro. O Bom Retiro era um bairro dos judeus, né? E mesmo as roupas que meu pai vendia, ele comprava lá de outros patrícios, que estavam mais adiantados. E ele estava lá, foi tomar um café num bar, sentou um pouco, e viu... Naquela época que era comum, tinha um sujeito, subia na escada, e ia marcando o número do jogo do bicho. Ele foi olhando, olhando. Quando ele foi olhando o primeiro prêmio... Meu pai ficava roxo, aliás, eu acho que faleceu meio por isso. Ele ficou roxo: era exatamente o número. Quer dizer, ele sempre, durante anos, ele ainda ficava roxo ao pensar nisso, que ele disse que teria mudado completamente o rumo da vida deles na parte financeira, né? Mas foi assim. O Ipiranga era um bairro muito bom. Classe média, média, ou às vezes, média baixa, média alta, mas era um bairro muito interessante, em que a gente chutava bola na rua, né? Eu ia, como eu disse, no primário, ia no ginásio, que era na Rua Bom Pastor. O Ipiranga tem três vias principais: Silva Bueno, paralelas, Silva Bueno, mais em baixo, a Bom Pastor, mais em cima, e a Avenida Nazaré, lá em cima. O colégio era na Bom Pastor, e eu ia a pé, andando pela rua. Então, eu acho interessante... O Ipiranga demorou pra subir, ele ficou muito tempo estacionado. Bairros como Vila Prudente, Mooca e Tatuapé, principalmente Tatuapé, subiram muito. Quando eu era, lá no Ipiranga, Vila Prudente, Mooca, não era nada. Depois, eles começaram a subir, o Ipiranga ficou parado. Eu até brinquei, recentemente, não devia mais deixar o Ipiranga mudar, tombar o Ipiranga, pra mostrar como era um bairro à moda antiga. Mas agora, acho que os outros bairros já não tem mais jeito, né, então, o Ipiranga tá subindo também.
P/1 – Conta um pouco pra gente como era o bairro naquela época, comparando com hoje em dia. Como era o aspecto, as ruas, as construções?
R – Eram casas, né, hoje ainda, agora tem prédios bonitos inclusive, mas eram casas simples. Como eu disse, a minha rua, a Rua Silva Bueno, era uma rua importante, comercial, passava ônibus. Imagine! Existia no Ipiranga, uma coisa interessante, uma colônia judaica pequena. A grande maioria estava no Bom Retiro. No Ipiranga, tinha um grupo pequeno. E todos socialistas. E aconteceu uma coisa curiosa, muitos daqueles se transformaram depois, eram mais jovens que eu; não muito, mas eram um pouco. E eles, muitos foram parar até na clandestinidade, e tem um exemplo clássico, da Iara Iavelberg, que era bem mais jovem que eu. Então é gente que morre, como a Iara, por um ideal. Hoje a gente sabe, coitados, mas morreram por um ideal.
P/1 – O senhor chegou conhecê-la?
R – Lógico! A gente conhecia, porque era um grupo pequeno, né, tudo ali no Ipiranga. Eu era uma geração, um pouquinho, mais velha. Às vezes, eu penso nisso, talvez eu não entrei na clandestinidade como eles na luta pelo regime socialista exatamente porque eu já tava um pouco na frente, e quem começou isso era uma geração um pouco abaixo da minha, então eu fiquei só na parte intelectual.
P/1 – E você tem irmãos, Jayme?
R – Eu tenho um irmão. O irmão é quatro anos mais novo que eu, chamado Jacó. Eu até hoje, sou muito ligado ao Ipiranga. O Ipiranga pra mim tá no coração, na alma, mas tem um detalhe, eu saí pra ir num ginásio, e eu ia de manhã e voltava à noite, né? E acabei também fazendo amigos. Onde a gente faz amigos mais fácil? Dentro da escola, né? Então eu tive um certo afastamento do Ipiranga. Meu irmão, não. Meu irmão continuou estudando no Ipiranga. Inclusive, meus pais sofreram tanto. Imagina quando eu chegava atrasado, porque eu não conseguia pegar o bonde direito, eles sofriam terrivelmente. Meu irmão, quatro anos depois, eles diziam “não dá pra fazer a mesma coisa”. Ele estudou o tempo todo no Ipiranga, então a formação dele no Ipiranga, e a ligação dele é muito maior. E ele escreveu recentemente um livro sobre o Ipiranga, o Clube Atlético Ipiranga. Lá tinha o Clube Atlético Ipiranga, que além de ser um clube social, pobre, mas bacana, lá no Sacomã. Hoje, não é mais, mas existe. E tinha o time de futebol, Clube Atlético Ipiranga e a gente era torcedor do Clube Atlético Ipiranga. Era um time pequeno, mas bom, viu? Porque ele revelava muitos jogadores jovens, no infantil, depois, vendia pros times grandes, né, mas era um time bom. A gente ia no Pacaembu ver Ipiranga e São Paulo, Ipiranga e Corinthians. Era muito divertido.
P/1 – Qual a profissão do seu irmão?
R – Meu irmão, olha, meu irmão é farmacêutico. E por que quê ele é farmacêutico? Meu irmão, interessante, ele não foi um aluno tão... Ele era esforçado, mas ele tinha uma certa dificuldade. E quando chegou pra fazer o Vestibular, ele disse: “Que vai fazer?”. Ele não sabia o que fazer, então minha mãe disse: “Já que você não sabe fazer, que tal fazer Farmácia?” Que ela tinha o negócio de Farmácia na cabeça. E eu acho que foi um azar dele aceitar, viu? Porque Farmácia era muito difícil, muito difícil. Eu acho que era mais difícil do que Medicina. E depois, no fim, não levava quase nada. Tanto assim, que ele teve outros problemas, um azar, coitado, ele teve azar em várias coisas. Ele é ótima pessoa, maravilhosa, então ele trabalha em laboratório, representante de laboratório. Trabalhou no Aché, depois no laboratório novo, Biller. No fim, trabalhava como, bolsas de colostomia . No início era remédio, depois bolsa de colostomia. Bom, então, ele escreveu, e eu apoiei muito, um livro sobre o Ipiranga, e o Clube Atlético Ipiranga, né? Ele escreveu tudo, eu lia uma coisinha, dava palpite, mas a única coisa boa que eu dei foi o título do livro. Primeiro, ele dizia: “Vou pôr lembranças, reminiscências” Eu disse: “Não! Isto é bom como subtítulo, título tem que ser algo mais assim!” Aí, me bateu a ideia. Qual foi? “Ouviram do Ipiranga”, então o livro dele chama “Ouviram do Ipiranga”. E conta muitos sucessos dos ipiranguistas. E hoje ele está com problemas, que ele tem um problema no coração, teve que ser operado, e tem umas sequelas, e tá em recuperação difícil. Ele é um herói, ele é muito boa gente.
P/1 – Jayme, você mencionou que a sua mãe teve uma educação universitária, antes de vir para o Brasil. O seu pai também estudou?
R – Não! Meu pai é o contrário. Meu pai não teve nenhuma... Ele falava português com bastante sotaque. Minha mãe, não. Minha mãe era perfeito, né? E aí talvez tenha uma coisa curiosa pra contar. Como eu disse, instrução era tudo pra eles, então Mackenzie. E aí? Bom, talvez valha a pena contar uma outra historiazinha, porque ela teve influência na minha vida. Eu tive uma diarreia quando eu era criança, uma diarreia que se cronificou. E minha mãe me levou nos médicos do Ipiranga. Acho que eram médicos fracos, né, que ninguém deu conta. Aí indicaram o melhor pediatra de São Paulo, chamava Margarido Filho. E, olha, era duro, né, o preço, o custo, era longe, perto da Praça República. Mas por um filho, todo sacrifício se faz. Lá fomos nós, né? E ele me tratou e me curou. Muitos anos depois, já na Faculdade de Medicina, eu fiz o diagnóstico retrospectivo do que eu tinha tido. Era uma intolerância à lactose. Hoje, se fala muito em intolerância à lactose, mas parte é besteira, viu? Mas essa foi uma verdadeira intolerância à lactose. Perguntei pra minha mãe: “Com o quê ele me tratou?”. Era um leite suíço, olha, outra dificuldade, um leite que era importado da Suíça, chamado Edel. Eu pensei: “Será que é isso mesmo?”. Naquela época, meus pais não falavam português tão bem. Será que é isso? Eu fui investigar. Era isso mesmo, “Edel”. O que quê era Edel? Um leite sem lactose. Quer dizer, perfeito, né? Bom, e aí? Pra minha mãe, principalmente, o Margarido Filho, o pediatra, era quase um santo. Na minha casa só faltava ter uma vela votiva pro Margarido Filho. E ela falava tanto nele, que eu comecei, fiquei influenciado a ser médico e pediatra, como o Margarido Filho. Pensando depois, foi meio perigoso, porque era um negócio meio emocional. Por sorte, deu certo. E, uma coisa interessante também, depois, isso, podemos chegar aí, eu fiz algumas pesquisas e algumas ganharam prêmio, essa pesquisa sobre diarreia, ganhou um prêmio, da Associação Paulista de Medicina, cujo o nome era Prêmio Margarido Filho. Minha mãe, felizmente, pôde assistir, e ela disse: “Olha, quando Margarido Filho podia imaginar que aquele magricela”, por que eu estava meio desnutrido, que tava brincando lá sala de espera, “um dia ia ganhar um prêmio com o nome dele, né?”. Mas então aí, o Mackenzie era uma escola mais dirigida pra Engenharia, e eu queria Medicina, né? Então eu tive que fazer o cursinho já junto com o terceiro colegial. Eu fiz um cursinho que atuais alunos, ainda eram alunos da Faculdade de Medicina. Era um cursinho novo. Foi muito bom pra mim. Aí, eu entrei na Faculdade de Medicina.
P/1 – Deixa eu te interromper, porque eu vou voltar de novo, depois a gente vai chegar na Faculdade de Medicina. Ainda na sua infância, eu quero fazer algumas perguntas. Do que você brincava na sua infância e com quem você brincava?
R – Eu brincava de jogar bola, e brincava com vizinhos, amigos vizinhos. Tinha um amigo de infância, que era um ano mais velho que eu. Quando eu o conheci, eu tinha quatro anos, ele tinha cinco, bem vizinho de casa, e tinha outros vizinhos. E a gente brincava na rua de esconde-esconde, jogar bola, as coisas comuns, na infância daquela época. Não tinha televisão, nem rádio não tinha.
P/1 – Brinquedos, você tinha?
R – Muito pouco. Muito pouco brinquedo. Uma bola, um triciclo, que eu me lembro, mas não era prioridade dos meus pais, né? Aí tem um episódio interessante. Eu ia pro Mackenzie, então eu tinha que sair cedo, porque começava meio-dia, meio-dia e pouco, saía de casa onze horas, então tinha que almoçar um pouquinho antes das onze. E como é que eu sabia que era hora do almoço? O Ipiranga era um bairro fabril. Tinha muitas fábricas e tocava a sirene. Quando tocava a sirene, era hora de almoçar, então me lembro um dia, eu estava brincando no quintal, tinha um quintal lá, e tocou a sirene. Eu disse: “Ué! Tá muito cedo. Será que eu me enganei?”. Então, eu disse pra minha mãe: “Tá na hora?”. Ela também ficou espantada. Aí olhamos o relógio, e era cedo. Era dez horas, talvez um pouco depois das dez. “Será que tá certo o relógio?” O único relógio da casa, né? “Então, eu vou no Bar Azul”, tem até hoje lá, era só atravessar a rua, tinha um bar azul na esquina, que lá tinha um outro relógio. Quando eu atravessei a rua, e estava me aproximando do Bar Azul, eu vi tocar no rádio do Bar Azul, tava tocando o Hino Nacional. Me bateu, acabou a guerra! Realmente, era aquele dia oito de maio de 1945, em que terminou a Segunda Grande Guerra.
P/1 – E você lembra como foi a reação das pessoas? Teve uma reação dos vizinhos, na sua casa?
R – Muito. Foi uma festa. Depois, me lembro bem também, meu pai me levou... A Força Expedicionária Brasileira voltou, e fez um desfile no Anhangabaú.
P/1 – Você foi ver o desfile?
R – Meu pai me levou pra ver o desfile.
P/1 – Quais são as lembranças que você tem desse dia?
R – Olha, primeiro essa ligação com o meu pai. Meu pai me levou pra ver, né? E depois, aí era uma festa. Um encantamento, a guerra terminou. Toda aquela desgraça, né? Então, realmente, assim, foi inesquecível, né? Eu tinha, 1958, quer dizer, que, eu tinha 16 anos, né?
P/1 – E como eram as refeições na sua casa na infância, em adolescência? Quem que cozinhava? O que vocês comiam?
R – Minha mãe. Minha mãe cozinhava. Minha mãe aprendeu alguns pratos. Ela não era uma grande cozinheira, mas os pratos que ela fazia, tudo que ela fazia, ela fazia bem, né? Ela aprendeu com os vizinhos, então ela fazia arroz e feijão. Muito bom! Bife, né, ou frango, mais bife, salada, e essa era a nossa comida, e fruta. Aliás, até hoje eu digo que a dieta alimentar clássica brasileira é de altíssimo nível do ponto de vista nutricional, pena que hoje tá sendo bem distorcida. Mas essa clássica era ótima do ponto de vista nutricional. É isso que minha mãe fazia. A casa tinha sala que era mais bonitinha, era proibido criança entrar lá. Nunca entrei. A não ser em ocasiões festivas, né? Não podia... Na cozinha, lá fora tinha quintal, tinha árvore, árvore de ameixa que eu subia.
P/1 – Essa sala era só pra adultos, é isso?
R – É, só para visitas, a sala, então quando tinha um jantar solene, que era raro, mas tinha, era na sala. Mas fora disso, criança não entrava na sala, não.
P/1 – E onde vocês costumavam fazer as refeições?
R – Na cozinha.
P/1 - E como que era o momento da refeição?
R – Olha, ainda era rápido, porque tinha que ir pra escola. Era comer e cair fora rapidamente. O jantar já era um pouquinho melhor, já com a família, né? Mas, olha, aniversário era um bolo de mel, que era único que a minha mãe tinha aprendido a fazer, e fazia muito bem, por sinal. E isso era o aniversário, não tinha nada mais. Isso não significa... Eles eram extremamente afetivos, mas não tinha essas coisas que hoje tem, um monte de brinquedo, um monte de festa. Não! Aniversário, parabéns, tem um bolo de mel, e é isso aí, né?
P/1 – Você falou que sua mãe fazia uma comida bastante brasileira. Não tinha nada que fosse do país de origem deles?
R – Ah, sim. A comida ídiche. Existem algumas comidas ídiche, então em ocasiões festivas, minha mãe fazia, e hoje, não hoje, até hoje, se faz, né? Então era a comida judaica, mas judaica... Porque os judeus são divididos em dois grandes grupos de origem europeia e de origem oriental. Origem oriental, são árabes, os sefaradi. Eles são iguaizinhos aos árabes, até no pensamento, enquanto os europeus são totalmente diferentes, são ashkenazi. Então existem algumas comidas que são dos dois lados, e outras, cada um tem seu lado da tradição. Eles faziam a comida judaica de origem europeia, só nessa época de festividades. O resto era comida brasileira mesmo.
P/1 – Esses pratos eram, por exemplo, que pratos eram feitos nas épocas de festividade?
R – O mais famoso é o gefilte fish. Gefilte Fish, você pelo nome em alemão, é peixe recheado. Até hoje é uma das comidas mais tradicionais, né? Tinha também, mas parece feijoada, com feijão branco, então isso é também era outra coisa. Ah! Aos domingos, tinha macarronada. Ah, macarronada, aos domingo! Isso sempre. Minha mãe fazia macarronada, todo domingo (risos).
P/ 1 – Jayme, você mencionou a escola pra gente, eu queria que você saber quais são as primeiras lembranças que você tem da escola. Do seu começo da vida escolar. Quais são as primeiras lembranças?
R – Eu comecei tarde. Sabe que idade eu tinha? Sete anos já. Mas antes disso, minha mãe já me ensinava alguma coisa. Eu entrei, como eu disse, numa escola lá no Ipiranga. E eu logo me destaquei, viu? Durante todo o curso, não Medicina, Medicina deixa um pouco pra lá, mas durante todo o curso, eu sempre fui o primeiro da classe. Hoje, eu penso: “Eu era o mais inteligente?”, ah, cá entre nós, não era não. Devia ter gente bastante inteligente, mas eu tinha aquele estímulo. Quando eu vinha assim, com as notas: “Dez, dez, dez, dez, nove e meio.” Minha mãe dizia: “Por que nove e meio?”, era nessa base né? Porque eu tinha que ser o mais perfeito possível, né? Então eu tinha esse grande estímulo pra ser primeiro da classe. Não é pra ser primeiro da classe, ela não queria que eu fosse o primeiro da classe, ela queria que eu fosse o melhor aluno possível. Aliás, um pouco mais do que possível, possível qualquer um faz. Tem que ser um pouquinho mais do que possível. Aliás, até hoje eu uso essa técnica. “Ah, eu faço o que é possível”, não! Isso qualquer um faz. Precisava fazer mais do que o possível, então eu tive esse estímulo muito grande. Eu não fazia questão de ser o primeiro da classe, mas era porque... Aquela história, né, se eu tirasse nove, por que nove? Minha mãe ia logo falar: “Por que nove?”. Então, eu tenho essa lembrança já no Ipiranga. Depois eu fui pro Mackenzie. Tive uma certa dificuldade no início, mas depois logo me adaptei, e fui, como eu disse, fui o primeiro da classe até entrar na Medicina. A Medicina não era fácil entrar na primeira vez. Interessante... Só tinha duas Faculdades de Medicina em São Paulo, a USP e a Faculdade Paulista de Medicina. Meus pais queriam que eu fosse pra Faculdade Paulista de Medicina. Sabe por quê? Era mais fácil entrar lá. Mas era pago, pago como disse, a gente paga, com qualquer esforço é válido. E eu disse: “Deixa eu fazer na USP”. Então chegamos a um acordo. Como era muito difícil entrar, logo, junto com o colegial, eu fazia o terceiro colegial, e fazia o cursinho à noite, né? “Então, deixa eu fazer na USP, se eu não entrar, o que é muito provável, então no segundo ano, pronto, eu faço na Escola Paulista, que é praticamente garantido”. Então eu entrei em décimo terceiro lugar. Acho interessante, então eu fiz a USP. Na USP, eu não fui primeiro da classe. Aliás, foi uma coisa interessante. “Eu não quero ser o primeiro da classe!” Sabe por quê? O primeiro da classe tem muita responsabilidade, e principalmente no curso de Medicina tem um monte de coisas, que cá entre nós, não interessa muito. Até hoje, eu luto pra fazer mudanças principalmente no curso básico, então em vez de ir na aula do curso básico, que eu sabia que não tinha interesse, e ir no hospital, pra ver uma coisa que me interessava, eu preferia ir no hospital. Com isso tirava nota mais baixa nessa prova. Por isso, eu disse: “Eu não quero ter a responsabilidade de ser o primeiro”. Agora, pensando depois, eu não seria o primeiro, porque lá tinha gente muito boa, viu? Mas mesmo assim, com tudo isso, eu estava entre os dez primeiros, né? Eram 80, 83. Sempre estava entre os dez. Pra lá de ótimo.
P/1 – Jayme, eu quero voltar um pouco ainda. Quero saber, nessa sua fase de ensino básico, um pouco antes da Faculdade de Medicina, você teve algum professor marcante?
R – Certo. Quando eu fui pro Mackenzie, aconteceu uma coisa interessante. Olha, o meu aniversário oficial é oito de Agosto, mas mesmo que fosse sete de Julho, também já não daria. Eu nasci no segundo semestre. Aí tem uma coisa, que eu acho sempre muito boba, né? Meus amigos brincam comigo, que eu não gosto muito de regulamento. Eu gosto, às vezes, da Lei. A Lei é interessante. Por exemplo, a lei diz assim: “A criança deve entrar no primeiro ano, com sete anos”. Agora, mudou, né? Isso tem lógica. Tem base, porque tem estudos mostrando que o desenvolvimento da criança é bom, então a lei é boa. Agora, entra o regulamento: “Quando a gente faz sete anos, se ele faz no dia 30 de junho, um minuto antes da meia-noite, ele pode. Se ele fizer um minuto depois da meia-noite, já não pode”. Então por isso que eu não gosto do regulamento. E eu caí no regulamento, porque eu fazia no segundo semestre. Se eu fizesse no primeiro semestre, eu podia ir direto pro ginásio. Como eu não fazia, eu tive que fazer uma coisa que não, na época, não tinha obrigação, que era admissão, que hoje seria o quinto ano. E fui muito... Olha, como a vida é, né? Eu tinha uma professora fantástica, Dona Lidia, que me ensinou muito. Eu tinha já um certo jeito pra fazer redação, mas ela me ensinou muito. E olha, que coisa curiosa: o ano que eu fiz Vestibular na Medicina, foi o primeiro ano que caiu Redação. E eles anunciaram, hoje eu acho que nem aceitariam uma coisa dessa, muito próximo já do exame: “Vai ter redação”. E a maioria, quase totalidade, como até hoje, não escreve bem. E então a redação me ajudou a entrar na Faculdade de Medicina. Cada pontinho lá, valia, né? A concorrência era muito grande, então a redação foi muito bom. Na admissão, foi focar lá. E mais tarde...
P/1 – Quando prestou vestibular, né? E Jayme, nessa mudança, da infância pra adolescência...
R – Então, voltando. Tinha um professor de Física, já no terceiro científico, muito bom. Mas ele era um ótimo didata. Hoje, eu penso um pouco à minha moda, viu? Então, ele não complicava as coisas. Aí, quando eu comecei a fazer o cursinho, tinha um autor, chamava Gueverse. Quando nós fazíamos cursinho, tinha um professor muito bom, mas que dizia: “Não! Gueverse simplifica muito”. E ele dava coisa complicadíssimas, né? Quando chegou a hora do vestibular, eu falei: “Não vai dar”. Eu tinha que fazer os exames do terceiro ano, tudo, e não vai dar pra estudar. Eu vou estudar pelo Gueverse mesmo. E olha, me ajudou em entrar bem, entrar na Faculdade de Medicina, viu?
P/1 – Foram ótimos professores.
R – Outra coisa, que me ajudou a entrar também, porque cada pontinho vale, né?
P/1 – Claro.
R – No cursinho... O Mackenzie era uma escola para Engenharia, de modo que a parte de Biologia era fraquinha, né? Então, eu tinha um professor de Biologia, que era um estudante de Medicina, Samuel Schwartz, muito bom! Só que ele era um sujeito chato, viu? Ele foi muito amigo meu depois, mas os alunos brigavam com ele e no fim, muitos não assistiam. Como eu não sabia nada de Biologia. Na época, não tinha livro, não tinha nem apostila. Eu tinha que ir lá, e anotar as aulas dele, né? E eu fiquei até o fim. E no ano anterior, tinha caído pela primeira vez um problema de Biologia. E ele deu um monte de problemas de Biologia. Quando eu fui pro vestibular, pro exame, saindo do Ipiranga, peguei o bonde. Eu disse: “Sabe, acho que vai cair um problema, vai cair de novo um problema de Biologia. O do quê que pode cair? Grupo sanguíneo!”. Era o mais lógico. Eu peguei uma folha do caderno, que ele tinha dado. Rasguei a folha e fiquei lendo no bonde. Não é que caiu? Muito mais fácil, aliás, do que ele tinha dado, né? Também quase ninguém acertou, também foi mais um ponto pra eu entrar na faculdade, numa boa colocação.
P/1 – E nessa mudança da infância pra adolescência, o que mudou na sua vida em termos de amizades? Teve mudanças de passeio? Se você começou a sair, de lazer, o que quê você fazia.
R – Eu tive um amigo de infância, como eu disse, foi muito importante que ele, depois um arquiteto muito bom. Ele era um artista, meu vizinho, né? Já no Mackenzie, tinha um outro amigo, Jaques Bamarck, um amigo maravilhoso, que me acompanhou todo o ginásio e colegial. Então era ir na casa dele, e ele muito mais na minha, porque ele morava nos Jardins. E ele era mais solto, então pra ele era mais fácil ir no Ipiranga do que eu ir pro Jardins. Mas não tive essa fase de adolescência, assim, não tive esse negócio dos adolescentes, ai, de ir pra farra, beber...
P/1 – Mas não tinha festas, cinema?
R – Ah, cinema, sim. Cinema tinha. Festa, pouco. Já na Universidade, já tive mais, em festas, mas na minha...
P/1 – Bailinho...
R – A minha parte de adolescência não teve nada disso. Era mais simples, tranquilo. Nada de muito especial, assim, da adolescência, principalmente hoje, né, tem muita farra, muita festa. Não, não tive nada.
P/1 – Mas de lazer o que você fazia?
R – Eu não me arrependo, não. Foi tranquilo, sem nenhum problema.
P/1 – Mas o que quê vocês faziam de lazer? Fora, a escola?
R – Ler e cinema. Eram as duas principais. Ler, eu lia muito, né? Eu sempre li muito. Talvez, eu puxei um pouco a minha mãe. Eu lia tudo, né? Os meus amigos brincavam. A gente tava andando na rua, eu via um pedaço, gibi, eu via uma folha de gibi na rua, já tava olhando, assim, caída, no chão. E nesse aspecto, uma coisa interessante, que teve influência na minha vida, olha que curioso. Seleções! Eu lia muito Seleções, e tinha muito, inclusive, as piadinhas que tinha na Seleções, até hoje eu lembro, que sempre tinha. Aliás, minha mãe falava: “Toda brincadeira tem um fundo de verdade”. E é verdade. Toda piada tem muito de verdade, e às vezes tem muito pra aprender, né? É engraçado como Seleções foi importante pra mim. Em pouco tempo atrás, o meu irmão resolveu me dar de presente uma assinatura de Seleções. Quando eu vi Seleções, eu achei tão sem graça. Eu disse: “Será que mudou Seleções, ou mudou eu?” (risos). Aquela história de sempre, né? Mas pra mim foi importante na época, viu?
P/1 – E cinema, você tem algum filme que tenha te marcado, um filme preferido?
R – Tem. Vários.
P/1 – Nenhum específico dessa fase de adolescência?
R – Talvez, agora, no momento, não me bate. Mas nessa história de como a gente muda, né, eu nunca fui, assim, de rir. Eu sou meio discreto, né? Sorrio, mas dar uma risada no cinema, é muito difícil, então me lembro que assisti um filme do Cantiflas. Você lembra do Cantiflas? Se chamava “Meu boi morreu”. Era um toureiro e tal. E eu ri tanto, nunca na vida, eu ri. Passaram muitos anos, eu vi esse filme de novo. “Vou assistir ou não vou? Acho que não devo ir. Eu vou!”, e fui. Ah, foi tão sem graça (risos). As coisas mudam, né? Ontem, eu vi na televisão, não cheguei a ver, mas eu vi um pedaço, de um filme chamado “A Malvada” com a Betty Davis. Eu lembro, foi um dos filmes, que me marcou, viu? Betty Davis, minha mãe adorava Betty Davis.
P/1 – E qual o cinema você frequentava e como era o cinema na época?
R – Eu frequentava o Cine Dom Pedro I, aquele Cine em frente da minha casa, né? Depois, mais na Universidade, que eu comecei a ir em cinema da cidade. Com o Jaques Bamarck, meu amigo, acho que não fomos muito, não. Ele vinha no Ipiranga...
P/1 – E como era o cinema? Como as pessoas se comportavam no cinema?
R – O cinema era bem simples, né? Mas se comportavam bem. Era população do Ipiranga, classe média, como disse, que frequentava o cinema. Minha mãe ia às quartas feiras, porque tinha a sessão das senhoras, e era mais barato, a metade do preço (risos). Então ela ia quarta-feira, à noite. Às vezes, eu ia com ela, eu me lembro. Meu pai não ia, mas minha mãe ia, e eu ia com ela. “E o vento levou”, um outro filme que me marcou.
P/1 – Nesse aspecto, mais amoroso, nessa fase de infância e juventude, teve algum grande amor, Jayme, o primeiro amor?
R – Não. Interessante, eu não tive quase companheira feminina nesse começo de vida. Eu tinha duas primas com as quais me dava muito bem, mas elas moravam no Bom Retiro e eu no Ipiranga. A ligação era difícil, de vez em quando, tanto assim, que na minha ideia, filho era dois filhos homens. Quando eu tive o meu primeiro filho, tudo bem. Quando veio o segundo, menina, depois o terceiro, menina, quarta, menina! Aí, eu comecei a descobrir que filha mulher é bom. Nada contra o homem, que é ótimo também, mas filha mulher é muito bom. Mas, então, voltando aí, eu não tinha... As duas primas, que tinham dois anos de diferença, uma era um pouco mais velha que eu, outra era um pouco mais nova que eu; eu tive, assim, uma certa atraçãozinha. Não era exatamente isso, mas aí eu me lembro de uma que aí foi interessante. No Mackenzie, no colegial, tinha uma menina chamada Ruth. E eu fiquei, assim, apaixonadinho por ela. Foi o meu primeiro amor platônico, nunca falei pra ela. E ela não ficou muito tempo. Ela ficou seis meses só, depois ela saiu. Mas, eu sonhei com ela anos e anos. Quer dizer, não é tanto sonhar como... Ela era o ideal de mulher da minha vida, que depois, por sorte, eu realizei. Às vezes, eu penso: “Quem será a Ruth?” Ruth, hoje, é uma mulher de 80 anos, né? Como será (risos)? Se ela tiver viva, né?
P/1 – Você nunca mais a viu?
R – Eu vi uma vez. Uma vez, eu falava muito pouco com ela. Eu ouvi uma vez, tinha descido do bonde, ela vinha voltando. Ela já tinha saído. Aí, meu amigo Jaques: “Por que você ficou tão vermelho quando viu ela?”. E eu só falei “boa tarde”, mais nada (risos).
P/1 – Eu vou perguntar pra você um pouco mais sobre a Faculdade de Medicina. Mas antes, pra fechar essa parte da infância, adolescência, eu queria saber como é que foi crescer numa casa, que seus pais eram imigrantes, então eu imagino que tinha diferenças de cultura, de hábitos, coisas bastante específicas, diferente da cultura brasileira. Por exemplo, você sentia isso, como que era crescer nessa casa de imigrantes?
R – Meus pais se assimilaram, conseguiam a comida, tudo, eles se assimilaram muito. Eu não sentia... A única coisa é que eles falavam Ídiche em casa, mas falavam português também. Entre eles, eles falavam Ídiche. Mas tanto assim, que eles falavam com a gente português. Hoje eu entendo Ídiche, mas não falo bem. É porque eles não falavam com a gente, eles faziam questão... Aliás, olha, eles eram brasileiros, eles amavam esse país, viu? Pra eles foi uma coisa muito importante, né? Embora minha mãe ainda ficou um pouco lá no passado. Tanto assim, na minha casa não tinha festa. Festa era o bolo de mel no dia do aniversário, o que não significa que não eram afetivos. Eram muito afetivos, mas não eram festeiros. Eu tinha uma tia, que era irmã da minha, irmã mais nova. Uma tia fantástica, dessas tias clássicas, que faleceu com 95 anos, sempre uma pessoa maravilhosa. E uma vez, eu perguntei: “Tia, como que era a minha mãe lá?”. Ela disse: “Não tinha uma festa que começasse antes da chegada dela”. Eu disse: “Eu não acredito!”. Ela disse: “Não. Se ela não chegasse, não começava a festa”. Então aqui ela largou isso tudo, quer dizer, ela perdeu, e acho que ela sentia um pouco de falta. Meu pai, não. Meu pai era aqui, acabou, e é brasileiro. Minha mãe também, muito, mas ela ainda sentia o que ela podia ter sido lá e não foi, né?
P/1 – Tinha uma saudade.
R – Mas no resto eram brasileiros. Eu tinha só as festas judaicas, que os meus pais, se consideravam judeus, mas não eram religiosos, assim. Mesmo que não tinha muita chance. No Bom Retiro tinha mais chance, tinha sinagoga, né? E no Ipiranga, não tinha. Nos dias das festas... Quais são os dias das festas? É o Ano Novo judaico, o Rosh Hashaná, e o dia do jejum, o dia do perdão, Yom Kippur, são os dias mais solenes.
P/1 – Vocês iam a sinagoga nesses dias?
R – No Ipiranga não existia uma sinagoga, mas faziam como se fosse um... Alugava uma casa qualquer lá, e traziam, não um rabino, mas uma pessoa entendida que fazia, então, a cerimônia lá no Ipiranga, então a turma do Ipiranga ia pra lá. Agora, olha, o dia mais sagrado, o dia do Yom Kippur, é o dia do jejum, que se faz jejum durante 25 horas. Nem alimento, nem água, hein, absolutamente nada. Meus pais faziam. E, olha que coisa, minha mãe, eu acho que pra ela era doido, mas ela queria que eu fosse na escola. Ela tinha receio que eu perdesse um dia de escola. Só deixei de ir quando eu tava na Faculdade de Medicina, mas aí era por farra. A gente ia na sinagoga ver as moças.
P/1 – Você fazia também o jejum?
R – Não, no começo, não. Depois, mais quando eu entrei na faculdade, aí comecei a fazer. Aí tem um outro detalhe nessa parte. Bom, duas grandes cerimônias na crença judaica: primeira é a circuncisão aos oito dias. Foi feito, direitinho. E o segundo é o...
P/1 – Bar Mitzvah.
R – O Bar Mitzvah, aos treze anos. Hoje se fazem festas colossais, exageradas. Sabe como foi meu Bar Mitzvah? Meus pais puseram professor, que me ensinou a ler hebraico, que eu não lia. Também não entedia, mas lia o hebraico lá. E o professor me ensinou as rezas que eu devia fazer no dia do Bar Mitzvah, né? Sabe como foi o meu Bar Mitzvah? Meu pai me acordou, bem cedinho, pegamos um bonde, fomos até o Bom Retiro, onde tinha uma sinagoga, Shil, como que eles chamam, onde toda manhã se reuniam uns velhos. Tinham um grupo de velhos, que se reuniam pra rezar toda manhã. Eu fui lá, isso o Bar Mitzvah é a introdução à religião, pela primeira vai na Torá, vai ler a Torá. A Torá é a bíblia judaica, né? Cada dia se lê um pedaço. Eles leem o ano inteiro, termina, os religiosos, termina o ano, aí no ano seguinte começa tudo de novo, então depende do dia que está pra ler. E eles já sabiam qual seria o meu, aprendi, né? Então eu fui lá, li direitinho. Meu pai trouxe uma vodka, um bolo de mel, distribuiu entre eles. O Jaques Bamarck, o meu amigo, foi lá, e chegamos, saímos, pegamos um bonde e fomos pro Mackenzie. Acabou o meu Bar Mitzvah.
P/1 – Foi singelo. Não é essa festança que se faz hoje em dia?
R – Hoje em dia fazem festa, às vezes, exageradas, né? Então, aquilo era... Se a gente pensar bem, o verdadeiro Bar Mitzvah é esse, né? É isso que é a ideia. Agora há um pouco de distorção.
P/1 – Jayme, vou chegar então no momento que você entrou na faculdade. Eu queria saber o que muda na sua vida quando você entra na faculdad, em termos de estudo, em termos pessoais, também, de vivência e convivência?
R – Eu tinha quatro grandes amigos na faculdade. O Jaques Bamarck, que era o meu amigo de juventude, a gente se afastou um pouco, que ele entrou pra Engenharia, e eu na Medicina. Cada um dos dois era bastante ocupado, né? Então a gente se afastou um pouco. Mais tarde, voltamos, mas naquela época a gente se afastou. E aí tinha quatro grandes amigos. Um deles, seria digamos o substituto do Jaques Bamarck, o Leonardo Berger, que infelizmente faleceu muito cedo. A gente vivia a faculdade, viu? Domingo tinha umas festinhas, simples, lá, do grupo, no centro acadêmico. A gente ia no cinema, restaurante. Hoje, eu penso em uns quatro amigos. Hoje em dia quatro jovens sempre juntos, já iam pensar mal, mas eram só amigos mesmo, era normal. Também não foi esta época, sim. A gente ia mais em festas...
P/1 – E como eram essas festas?
R – Festas comuns. Aniversário de alguém, que convidava a maior parte dos jovens. Algumas eram pagas até. Assim, tinha dança ou jantar, coisa comum. E a gente conhecia pessoas, né? E aí, você falou em namorada, aí aconteceu uma coisa também curiosa. Tinha uma menina lá no Ipiranga, bem mais jovem que eu. Eu achava ela muito bonita, muito inteligente, e eu era apaixonadinho por ela. Só que ela não me dava bola. Aí, engraçado, esse Leonardo Berger, meu amigo, ele disse: “Olha, a minha irmã mora pegada, e tem amizade com uma casa, que tem uma moça que ela acha... Olha, que minha irmã é crítica, hein, ela acha uma moça muito especial. Você não quer que te apresente?”. Bom, aí teve um baile que a noiva desse meu amigo se formou e se formava também um primo dessa menina, e ela foi lá. Então esse meu amigo disse assim: “Olha, vou te apresentar uma prima tua que você não conhece”. Eu disse: “Como, prima minha que eu não conheço?” Pois eu vi, tinha uma ligação indireta: meu primo era casado com a prima dela, uma coisa assim. Não tinha nada direto, mas me apresentou. E ela era muito jovem, até mais jovem que a outra. E aí começamos um namoro, que levou quatro meses e meio. Eu brinco, o que fazem as mulheres, né, aquela que não me dava a bola, começou a cair em cima. E eu fiquei, assim, numa dúvida, porque eu achava que esse era boa, mas tinha aquela ilusão com a outra. Bom, aí eu fiz erro, sei lá. Desmanchei com essa, e fiquei com aquela menina. Fiquei cinco anos, no qual não tive nenhum contato, com essa anterior. Mas não foi bom, quer dizer, ela era inteligente, tanto assim que teve uma carreira universitária brilhante, mas era muito egocêntrica, era ela! E eu precisa de alguém que ajudasse, porque não era fácil ser pediatra no bairro. Eu pediatra de bairro, né? E depois de cinco anos que a coisa não... Olha, nem noivos nós ficamos, que na época não era comum. Resolvemos terminar. Aí, quando terminou, eu falei pra esse meu amigo. Aí, ele disse: “Precisamos te arrumar alguém!”. Eu disse: “E que tal aquela… Você sabe se ela tá livre?”. Ele disse: “Olha, não sei, mas vou perguntar pra minha irmã”, que é vizinha. Aí ele voltou e disse: “Olha, parece que ela teve um namorico, mas tá livre”. Eu disse: “Ah, eu vou telefonar pra ela”. Porque, sabe, os cinco anos, eu achava que eu tinha feito besteira” (risos). Era aquilo, porque ela era muito jovem, mas ela era madura, viu? Bom, aí voltamos, graças a Deus foi muito bom pra mim, porque ela me deu a segunda chance, coisa que não é comum. Namoramos mais um ano, casamos. E, olha, você viu que ela telefonou agora: “Precisa de alguma coisa?”. Ela foi a esposa que eu precisava, realmente: maravilhosa, afetiva, companheira. E eu digo que hoje, eu fico meio preocupado com os jovens. Quando o sujeito se apaixona, começa a namorar, tudo bem, pra namorar é ótimo. E pra vida do dia a dia? Pra vida do dia a dia, precisa ser companheira, precisa ser parceiro, né? E às vezes o sujeito, pra namorar é ótimo, mas pra parceria da vida não é. Eu tive a sorte de ter os dois lados, a parte afetiva e a parceira. Nós temos quatro filhos. Ela queria seis. No começo, eu pensei que fosse brincadeira, depois comecei a me assustar. Mas depois do quarto filho, ela teve um problema, que parecia ser cardíaco, no fim não era. Era um refluxo gastroesofágico, que mexia com o coração, então ela se assustou um pouco: “Não. Vamos criar essas quatro”. Ufa! Melhor.
P/1 – Qual o nome dela?
R – Enny. “E”, “N”, “N”, “Y”. Eu gosto tudo nela. Até o nome, eu acho bonito.
P/1 – Ela é judia também?
R – É. O pai dela era um judeu alemão, e a mãe polonesa. Nós temos quatro filhos e dez netos. Ela foi perfeita em tudo até em não deixar, uma tarefa muito difícil, pros filhos perceberem que eu não estava tão presente quanto devia. Porque eu conheço muita mulher de médico, que faz tudo isso, mas fica falando assim: “Tá vendo! Teu pai não nunca está. Teu pai...”. Ela não, ela fazia tudo ao contrário, do jeito que até hoje, acho que eles não perceberam que eu devia estar mais do que estava. Olha, uma coisa, realmente, foi uma dádiva divina, viu? Isso podia até ser o final, mas eu sou da Academia Brasileira de Pediatria, e pediram pra eu escrever uma auto-biografia, em mil palavras. Terminei dizendo assim: “Não foi fácil resumir mil palavras, porque isso significa que acho que eu fiz bastante coisa, né? Mas se eu não fosse casado com a Enny, mil palavras ia até sobrar, viu?” (risos).
P/1 – Me conta, como é que você falou que vocês namoraram, quando voltaram, um ano e meio. Me conta.
R – Aí, um ano. Até nós adiamos um pouco o casamento, pra lua de mel ser. Ia ter um Congresso Internacional de Pediatria, em Lisboa. Eu nunca tinha, acho que nunca tinha pegado um avião, 30 anos. E nunca tinha ido pra Europa, evidentemente. Nós marcamos a lua de mel pra ir pro Congresso em Lisboa, e depois nós íamos numa viagem pela Europa. Por isso até nós adiamos um pouquinho, para o casamento coincidir, já pra lua de mel ser em Lisboa. Que aliás, até hoje gosto muito de Portugal e de viajar também pela Europa.
P/1 – E como foi o casamento de vocês? Me conta, um pouco.
R – Nossa, os tempos mudaram, né? Nós casamos no civil quinze dias antes, porque precisávamos dos documentos exatamente por causa da viagem, né? E depois, teve o casamento religioso no dia um de setembro de 1962. Nós já fizemos lua de mel, né? Aliás, bodas de ouro. Aí, no casamento religioso teve festa, quem fez foi a família dela, então teve a festa.
P/1 – Teve uma cerimônia religiosa?
R – Ah, sim. Lógico!
P/1 – E como foi? Conta.
R – Eu ia esquecendo, teve a cerimônia religiosa, sem dúvida.
P/1 – E como é que foi a cerimônia religiosa?
R – A cerimônia religiosa foi uma cerimônia comum dos casamentos judaicos, que é feito na Chupá. A Chupá é uma tenda colocada dentro da sinagoga, né? E por que Chupá? Porque que precisa, já tá dentro de uma sala. A Chupá representa a antiga tenda do deserto, que os judeus viveram 40 anos no deserto quando saíram do Egito, né? Então tinha que ter uma cabaninha pra fazer as coisas, né? Essa Chupá, uma cabana, uma espécie de cabana, onde é feita a cerimônia religiosa. E olha que interessante, a Chupá é aberta de todos os lados, quer dizer, só a cobertura, não é fechada. Exatamente porque no deserto vinha gente de todos os lados, e todos eram bem-vindos na cerimônia, podia vir de todos os lados. E a Chupá é pequena. Fica o noivo, a noiva, o rabino, e os familiares ficam ao lado. Não é exatamente em baixo, mas ficam ao lado, isso foi feito dessa maneira.
P/1 – Os trajes, você se lembra?
R – Lógico. Aí, vai bonitinho, né? Com o chapéu, né? Porque hoje se usa muito, uma espécie de bonezinho, o Kapale, mas naquela época usava chapéu, então foi de chapéu mesmo.
P/1 – E ela, sua esposa?
R – Ela de noiva, bonita e tal. Depois teve o jantar, que era festa, a parte social.
P/1 – E a viagem de lua de mel?
R – E logo depois, nós fomos pra Santos, que meu sogro tinha um apartamento em Santos e a gente tava esperando o dia de viajar pra Europa, que tinha dois, três dias. De repente, meu sogro telefona e diz: “Vocês vão ter que voltar imediatamente”. Porque vocês não devem lembrar, que a Pan Air tinha dois aviões. Um teve um acidente, morreu bastante gente do Rio de Janeiro, e nisso o avião ficou destruído, então eles tiveram que mudar os dias. A gente ia ficar uma semana, acho que em Santos, acabou ficando dois, três dias. “Ah, tem voltar que vai sair o avião da PanAir, mudou tudo.” Pegamos o avião, toda família no aeroporto. Naquela época, imaginem, no avião, você ia de gravata, paletó, e toda a família pra se despedir no aeroporto, e lá fomos nós pra Lisboa.
P/1 – E como foi a viagem de lua de mel?
R – Olha, foi ótima, né? Como eu disse, teve a parte do Congresso, a gente vai um pouco, mas também não vai tanto assim, né? Mas são as coisas principais. Lisboa, até hoje eu gosto muito. Passeamos um pouco, lá por Portugal. E depois, junto com um grupo de brasileiros, que tinha ido pro Congresso, fizemos uma viagem pela Europa. Foi realmente muito bom, dessas coisas inesquecíveis. Eu nunca tinha ido pra Europa. Acho, que nunca tinha andado de avião, foi a primeira vez que andei de avião. Então foi realmente foi um começo (risos)!
P/1 – Teve alguma situação que tenha ficado marcada, nessa viagem, de lua de mel?
R – Assim, nada. A não ser (risos) coisa desse tipo. Nó, lá em Lisboa, estávamos numa pensão. Naquela época hotel era caro, então era pensão lisbonense. E uma hora, fomos encher... Pra tomar banho. Como é que chama?
P/1 – A banheira.
R – É, a banheira. E ela disse: “Ó, eu vou sair. Não dorme, hein?”. Eu deitei na cama e adormeci. Quando ela chegou, um pouco, ela viu a água descendo pelo corredor. Ela falou: “Ué, que é isso?”. Ela foi seguindo a banheira que tinha transbordado e desceu pelo corredor. Ela, eu tava ajudando com o rodo, a limpar a pensão, que a gente tinha encharcado lá. O resto foi tudo muito bom. Ah! Tem um detalhe! Isso, nós saímos do grupão. Grupão foi toda Europa, e depois nós fomos pra Israel, também a primeira vez. Também lá ficamos numa pensão.
P/1 – E como foi a sensação de conhecer Israel?
R – Era uma sensação muito forte, né? Enquanto ao avião descia, todo mundo batia palma. Sabe, coisas dos antepassados. O antepassado, e de repente você está lá, né? Então, foi...
P/1 – Teve alguma coisa que tenha te impressionado? Uma situação de hábito também que ficou na memória?
R – Não. Tudo foi bom. Tinha família, família mais dela do que minha, que faziam questão de que a gente fosse lá jantar. A gente queria cair fora, porque queria conhecer. Teve esse fato, o primo dela, que tava no Exército naquela época, mas ele tava de folga, então ele nos levou pra conhecer Israel num jipe. Nós andamos Israel inteiro, que aliás, não é difícil, né? E ele que nos levou, então foi uma sorte, porque ele conhecia, ele tava de férias. Era jovem, assim, mais jovem que a gente, né? E nos levou pra Israel inteiro. Foi uma coisa realmente... Depois, nós já tivemos mais umas três vezes. Aquela foi marcante, realmente, né?
P/1 – Jayme, quando você se casou, você já estava formado na Medicina?
R – Já! E bem formado. Já tava cinco anos formado, né? Porque quando eu a conheci... Ah, aí então, voltando um pouquinho atrás: eu me formei. Meu pai, com aquele jeitão, meu gozador dele, com aquele sotaque, ele disse: “Ó, eu te sustentei todo esse tempo, ‘vacabundo’. Agora, vai trabalhar ‘vacabundo’” “Pai, tem um negócio chamado residência”. Ele disse: “Residência? Que diabo de residência, é isso?”. Eles não tinham culpa, porque residência tava muito no começo, pouca gente tinha ouvido falar em residência. Eu expliquei, expliquei, expliquei. “Tá bom, vá. Residência.” E a minha turma foi uma turma histórica, porque foi a primeira turma que teve o sexto ano como internato. Não existia internato. O curso era um curso igual até o fim do sexto. A minha turma teve o sexto, já não era mais curso. Era o internato no Hospital das Clínicas. Olha, foi maravilhoso pra mim, né?
P/1 – O que era o internato?
R – O internato era ir pro hospital, não é mais aula. Na nossa época, começou a sair essa ideia do internato, nós fizemos greve de quarenta dias pro internato sair pra nós. Se não ia ser pros outros. E saiu no sexto ano, no sexto ano não tinha mais aula. Você ia pro Hospital das Clínicas, você fazia rodízio nas grandes áreas: Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Pediatria e Obstetrícia. Como eu já queria ser pediatra, e eu tava muito no começo, eu dava um jeitinho. Por exemplo, eu passava pela Clínica Médica, mas eu ia ver a parte de Pediatria, a parte de criança. Passava pela Obstetrícia, e ia ver o recém-nascido, então pra mim, foi muito, muito bom. Pra você ter uma ideia, levou quatorze anos pra ter, como é hoje, internato no quinto e no sexto ano. Hoje, todas as faculdades de Medicina têm internato no quinto e no sexto; quer dizer, o curso leva só quatro anos. Foi só quatorze anos depois, começou ter. A nossa foi histórica, foi a primeira turma que teve no sexto ano.
P/1 – E como foram as suas primeiras experiências de atendimento? Que recordações que você tem, como foi?
R – Na verdade, a gente já começa antes, no terceiro ano a gente ia lá pro hospital. Por isso que eu disse, eu preferia ir pro hospital e perder umas aulas, mesmo depois tirasse uma nota mais baixa. E lá não tinha programa. Então a gente se agarrava numa residência, num assistente jovem que a gente tinha amizade, fazia amizade, e grudava nele e ia com ele. Não tinha programa. Mas mesmo assim, a gente lia bastante coisa, pra quem quisesse, não era obrigado.
P/1 – Você lembra de alguma coisa que tenha, quando você começou a ir pro hospital, de uma história, de uma situação que tenha te marcado?
R – Teve uma, que é meio engraçada. Eu era interno, né, e tinha no Hospital das Clínicas, só tinha criança muito desnutrida, muito pobre, né? E tinha uma criança que tava horrível, então tudo que se fazia não dava certo. De repente, um de nós recebeu, acho que tinha um propagandista, uma droga que tinha saído na época, que era um anabolizante, então alguém teve ideia. Olha, hoje eu penso, era um pouco de liberdade de mais, viu? Os internos que resolveram, e não deram bola pra ninguém: “Vamos dar pra esse desnutrido?”. A droga chamava androstanolona. E o menino chamava André, então nós brincamos: “Essa droga é específica pra ele. O André está na lona, então androstanolona é pra ele”, O resultado foi brilhante, o menino recuperou. Hoje, sabe que é usada até como dopping, esses anabolizantes pro lutador ficar forte. Mas na época se usou e quando é indicado, o resultado é muito bom, né? Mas aprendi demais. Bom, no internato, eu já aprendi. Como eu disse, isso já foi no internato, nem era ainda residente. E na residência foi fantástico pra mim, né?
P/1 – A residência já era de pediatria?
R – Já era de pediatria.
P/1 – Nos seus primeiros atendimentos como pediatra, você teve alguma situação, alguma história que tenha te marcado?
R – Teve. Aconteceu também, meio engraçado, pra mostrar como eu sou até hoje, né? Quando eu comecei, uma grande parte era no Pronto Socorro do Hospital das Clínicas, né? Puxa, o que vinha de caso, e eu bravo lá. Então eu pegava um caso, e eu tinha curiosidade de saber o que acontecia, o que vai acontecer. Nós tratamos, e daí? Eu mandava voltar. Eu estabeleci, até hoje o retorno, né? Quando os meus professores descobriram, quiseram me matar, porque o movimento lá era terrível, e ainda manda voltar gente. Mas eu aprendi muito com isso, viu?
P/1 – Você lembra de uma situação, um desafio profissional?
R – Uma interessante, que também aconteceu no Pronto Socorro do Hospital das Clínicas. Uma criança se machucou, e naquele tempo dava tétano, era horrível, né? E a criança começou a ficar meio dura: “Ah, essa criança tá com tétano!”, Mas não tinha vacina, né? Quando a pessoa se machucava, uma coisa perigosa, tomava um soro anti-tetânico. Só quando machucava, porque era de ação rápida. Essa criança tinha tomado o soro anti-tetânico, mas às vezes falhava, principalmente quando não tomava a tempo, então eu disse: “Olha, essa criança tomou soro, mas tá com tétano. Vamos internar essa criança com tétano”. Eu comecei olhar, examinar. Eu vi que ela tava com urticária, tava coçando. De repente, bateu a ideia: “Ela não tá com tétano, ela tá com alergia pelo soro”. Essa alergia dava a urticária, e dava um pouco de inflamação nas juntas. Olha, salvei essa criança. Eu, no começo de residência, com um monte de gente boa, professores lá, e eu que descobri. Porque era muito rápido, eles não tinham tempo, né? Olha, que interessante, né? Um outro caso, não era Pediatria, mas ainda era no internato. Era um plantão de sábado, no Pronto Socorro, à noite. Cheguei lá, não tava cheio, e surpresa: tava vazio o Pronto Socorro. Eu não sei o que aconteceu, a maior parte dos médicos, estavam lá, vendo televisão, conversando lá na sala. Chegou um moço e disse, assim, ele parecia meio alcoolizado: “Eu tô com dor aqui, eu acho que é do coração”. A turma já tinha examinado, e não tinha nada; deixaram ele pra lá, mas ele não foi embora, então ele voltava: “Mas me dói aqui, é o coração”. A gente não tinha nada o que fazer, eu disse: “O que quê aconteceu com você?”. Ele disse: “Eu fui assistir o jogo do Palmeiras e me empurraram, e eu bati aqui. O Palmeiras ganhou de nove a um”. Lá vem besteira lá, né? Aí largamos ele, fomos lá na sala e eu vi a turma conversando, eu disse: “Você viu o Palmeiras hoje?” “Nove a um” “Opa, vamos voltar”. Não é que ele tava com uma fratura de costela? Por isso que ele se queixava de dor. Outra coisa, na época, nenhuma criança podia morrer, antes da gente injetar adrenalina intracardíaca, era a última coisa. Agora, vai pra UTI, entuba. Algumas até a gente tirava, né? Então, era outra coisa também, né?
P/1 – E como é que é trabalhar com crianças, a medicina voltada pra crianças? Como é a experiência?
R – Como eu disse pra você, pra mim foi um pouco de sorte, né? Eu sempre gostei de criança também, viu? Então trabalhar com criança é muito bom. Agora tem um outro detalhe, trabalhar com pediatria não é trabalhar só criança, é trabalhar com pais, né? Eu tenho muitos amigos, que na época se falava mais: “Ah! Criança é bom. Ruim são os pais, os avós” “Não, espera um pouco. Tem possibilidades. Tem que cuidar dos pais e avós, né?”. Então, hoje, aliás desde o início, sempre dei muita atenção pros pais, avós. Então assim, eu trato, às vezes, eu trato nem como consulta formal. Faço a consulta da criança que não tem quase nada, e acabo tratando o pai, porque o clínico dele não deu certo, não deu atenção. Então eu tenho uma ligação muito forte com pais, avós. E honra, recomendo as aulas, parece que eu sempre falo disso; Na amnésia ampliada, na amnésia é o que você pergunta. Na amnésia clássica, você pergunta: “O que você tem, o que tem a criança?” “Ah, tá com febre” e sempre fica nisso. Então, eu não. Eu vou muito mais longe do que isso, incluo a família. E hoje família é um negócio meio complicado, né, porque antes era simples, agora tem o que chama a “família em mosaico”, que inclusive tem os meus filhos, os teus, os nossos, toda uma complicação. Como eu acompanho há meio século, né, e os pais separam. Alguns, que eu tento não deixar separar, influir pra não separar. Depois, me agradeceram. Outros separam, e tem conflitos terríveis, que também tentam mostrar como é importante pra criança que eles têm um relacionamento razoável, né? Isso ajuda bastante, também, viu?
P/1 – Jayme, você contou uma situação dessa criança que tava com tétano, alergia. Tem uma situação marcante que o seu diagnóstico, que o seu trabalho tenha ajudado a salvar a vida de uma criança?
R – Eu já fiz. Fiz tantos, que agora, de repente não me ocorre.
P/1 – Não se lembra de uma história, assim? Uma história marcante, aquelas que ficam na memória, que você depois conta pra amigos, pra família, pra filhos.
R – Olha, tem tantos. Assim, de repente, escapa. Tem uma coisa que eu estou numa fase, da minha clínica. Agora nós passamos por outro ponto. Deixa eu voltar, então, um pouquinho, o negócio da residência, né? Aí, eu fiz residência, primeiro ano. Residência são dois anos, agora tá passando pra três, então estava terminando o primeiro ano de residência, eu disse: “E agora, hein?”, Porque eu não tido coragem, de falar pro meu pai, que eram dois. Ele tava achando que era um só. E eu vi que o segundo ano de residência, não era bom. Não era bom, exatamente, porque como tava no começo, não era uma boa estrutura, não era bem organizado, e eu via que aqueles, poucos, que tinham “R2”, que a gente chama, não aproveitavam grande coisa. Eu dizia assim: “ Eu só fiz R1”, que não é comum, né? “Eu vou desistir da residência.” Então, só fiz o R1. “E agora?” Eu morava, como disse, no Ipiranga. E no Ipiranga tinha a chamada Clínica Infantil do Ipiranga, que eu sabia que era muito boa. Era pobre, mas era muito boa. Era particular, não era do governo, então eu disse: “Eu vou trabalhar na Clínica Infantil do Ipiranga”. Pedi umas cartas de apresentação para alguns professores meus. E lá foi eu, na Clínica Infantil do Ipiranga. Me aceitaram imediatamente para trabalhar de graça, naturalmente. Nem se pensava em me pagar, né? Tinha gente que ganhava pouquinho, mas ganhava. Mas eu também podia entrar: “Vai lá”. Ajudava, porque tinha o movimento muito grande, né? Mas, é de graça. Olha, a vida, assim, né? Foi muito importante, também. A Clínica Infantil Ipiranga era um serviço de alto nível. Eu acho que era o melhor centro de pediatria do Brasil, melhor do que o Hospital das Clínicas, porque o Hospital das Clínicas tinham as crianças internadas, casos graves, casos difíceis. Mas, a vida real era na Clínica Infantil do Ipiranga, então no ambulatório lá tinha de tudo, né? E a gente podia falar com os pais. Lá, que eu treinei a falar com os pais, com as crianças. De modo que eu logo fiz muito sucesso lá, no ambulatório. A turma queria passar comigo, né, os pacientes, lá. O criador, o chefe lá da Clínica do Ipiranga, era o doutor Augusto Gomes de Matos, um indivíduo fantástico que estava 50 anos na frente dos outros. Porque eu aprendi, a turma aprendia... Como não tinha internato, naquela época, os mais, um pouco mais velhos que eu, eles aprendiam pediatria, lá na Clínica Infantil do Ipiranga. Eu, não! Eu já vim sabendo do Hospital das Clínicas, não precisei aprender lá. Mas eu nunca tinha feito pesquisa no Hospital das Clínicas, e lá tinha. O Gomes de Matos era fantástico! Bom, aí passou uns tempos, anos, né, eu falei: “Ah! Eu não quero mais trabalhar de graça”. Ah, fora o Augusto Gomes de Matos, ele que era o chefe lá, a Clínica Infantil do Ipiranga era uma instituição de uma família do Ipiranga, a família Vicente de Azevedo, que era muito católica. Então isso era uma caridade que eles faziam. Pra eles era uma caridade, e eles tiveram o azar, entre aspas, de convidar, por uma série de circunstâncias, o Augusto Gomes de Matos pra ser o chefe. E ele mudou o rumo. O que eles queriam, ele nem pensava outra, não era culpa deles, um ambulatório pra criança pobre o Ipiranga. E o Gomes de Matos transformou aquilo numa coisa diferente, fez pesquisas, coisas que na época era muito. Ele criou uma revista de pediatria, que foi a primeira revista de pediatria do Brasil, chamada “Pediatria Prática”. Bom, então eu comecei a aprender muito nessa parte. Acompanhava as pesquisas que ele fazia, né? A pesquisa mais importante, eu acho ainda hoje, uma das mais importantes que foram feitas na pediatria. Até, acho, que ainda não tem tanto reconhecimento como devia. Foi o seguinte: naquela época tinha muito, hoje, nunca, é raro, ninguém vê isso, é tétano umbilical. É a criança que nasci, a parteira punha um monte de porcaria no umbigo. Uma semana depois, a criança tinha tétano, e 90%, 95, morria. Então ele teve a ideia de dar vacina na gestante. Hoje, é provado, se faz isso. No último trimestre, ela tomava vacina e os anticorpos passavam pelo cordão umbilical e protegiam a criança. Olha, fantástico, isso! Como eu disse, devia ter mais reconhecimento do que tem. Eu tenho feito muito pra... Inclusive, fiz uma republicação do trabalho dele, pra mostrar como era. Ah! A chefe de Clínica, chamava Maria Aparecida Sampaio Zacchi. Ele era o cérebro, ela era a mão que fazia as coisas, né? Então ela foi minha mãe na pediatria, porque o contato com ele já não era tão grande, ficava, assim, um pouco fora. Mas com ela, era todo dia, né? Então, ela era minha mãe, considerava minha mãe na pediatria. Um dia, eu disse pra ela: “Ó, eu tô trabalhando de graça por muito tempo. Eu não quero trabalhar mais trabalhar de graça”. Escrevi um relatório, de tudo que eu tinha visto lá, as coisas de bom. A reunião científica que tinha às quintas-feiras de manhã, até dava ideias, e com isso me despeço. Aí, a doutora Zacchi disse: “Olha, tem uma coisa aqui. Nós vamos abrir agora o Pronto Socorro”. Não tinha, era só ambulatório. “Você pode dar plantão, no Pronto Socorro, aí você vai ganhar alguma coisa.” Como no fundo eu não queria ir embora mesmo, eu falei: “Tá bom”. Continuei trabalhando de graça no ambulatório, mas dava plantão no Pronto Socorro. Aí, no pronto socorro, eu vi diarreia: como criança desnutrida com diarreia, morria. A mortalidade era terrível, né? No Brasil inteiro era 156 por mil. Quer dizer, de cada mil crianças que nasciam vivas, 156 morriam antes de comemorar o primeiro aniversário. Isso vale pro Brasil inteiro, e é lógico, no Nordeste era muito pior. Em São Paulo não era tanto, mas era um pouco abaixo de 100, era altíssimo ainda. Eu via aquelas crianças, eu falava: “Puxa vida! Como morrem criança. O que será que causa essa diarreia?”. Então me começou a bater a ideia: “Vamos pesquisar qual é a bactéria?”, que naquela época, nem se falava em vírus, nem se pensava em vírus. “Deve ter alguma bactéria. A diarreia causa desnutrição. Ela desidrata, depois desnutre, e morre, então vamos descobrir qual é a bactéria. Eu vou descobrir o antibiótico também, o antibiótico bom pra essa bactéria. Vai diminuir a mortalidade infantil.” Eu brincava, sou capaz de ganhar o Prêmio Nobel. Aí começamos as pesquisas. As pesquisas eram muito adiantas pra época e só na Clínica Infantil do Ipiranga a gente podia ter feito. E contei com um bacteriologista da USP, que foi fantástico também, chamado Trabuce, Luiz Trabuce. E Vamos atrás, e descobrimos. A bactéria chamava echerichia coli entropatogênica. A sigla clássica era “EPEC”. E eu dei aula, durante muitos anos, no Brasil inteiro, que eu comecei a ser convidado, porque nós ganhamos um prêmio, um prêmio nacional pelo trabalho de diarreia, e comecei a ser convidado no Brasil inteiro, então eu começava as aulas dizendo assim: “A diarreia é a principal causa de morte das crianças brasileiras até um ano de idade. E o grande vilão se chama echerichia coli entropatogênica”. Passou,vinte anos. Eu caí em mim, a gente vai amadurecendo, eu disse: “Não é antibiótico pra resolver isso”. E eu mudei, escrevi um artigo pedindo desculpas, pras “EPEC”. E digo, eu fui pioneiro das pesquisas de diarreia, e fui pioneiro também no pedido de desculpas, porque hoje todo mundo pede desculpa, né? Presidente, rei, o papa, todo mundo pede desculpa. Mas eu fui o pioneiro, eu pedi desculpas pra echerichia coli. Pedi desculpas do quê? De tê-la chamado de vilão. Eu disse: “Vocês não são vilões, vocês são carrascos”. Qual a diferença? O carrasco só executa a sentença de morte, ditada pelos verdadeiros vilões. Quais eram os verdadeiros vilões? Pobreza, falta de saneamento básico, falta de escolaridade das mães, que eu chamava de grande flagelo dos países em desenvolvimento, que era o desmame precoce. Nas famílias pobres, quem mamava no peito, vivia. Quem não mamava, era desmamado, e mamava leite da vaca, morria. Bom, então, isso foi um caminho muito importante. Ganhei prêmios com esse trabalho de diarreia, até chegar essa conclusão. E aí, o que nós fizemos? Começamos a entrar no resgate da amamentação.
P/1 – O senhor trabalhava na mesma clínica ainda?
R – É. Aí, aconteceu uma outra coisa interessante. O Luís Rachid Trabulsi era professor na USP, de Bacteriologia, cadeira básica, então ele disse: “Jayme, você não quer fazer doutoramento aqui?”. Não era comum, pra fazer doutoramento na USP, tinha que ser ligado à USP. Eu era de lá na origem, mas eu tava há muito tempo fora, né? Precisa ser gente que trabalha lá. Mas com influência dele, eu consegui, então fizemos a pesquisa na Clínica Infantil Ipiranga, o trabalho sobre diarreia. Muito adiantado pra época, que ganhou prêmio porque foi exatamente nessa época que...
P/1 – Qual foi o prêmio? Desculpa.
R – Esse primeiro prêmio chama “Prêmio da Sociedade Brasileira de Pediatria”, então eu fiz doutoramento. Hoje, precisa fazer o mestrado, tudo, naquela época não tinha. Não precisa fazer cursos em Pós-Graduação. Naquela época, não tinha nada disso. Ia lá, fazia o teste. Lógico, fui aprovado com nota 10. E ela foi muito importante pra mim, por quê? É, como eu não fazia carreira lá, quem faz carreira é muito importante. Como eu não fazia, pra mim ela só uma satisfação pessoal. Na prática, como sempre, os patrícios dizem: “Tudo tem o dedo de Deus, né?”. Então, teve o dedo de Deus. Eu fui, fiz esse doutoramento lá e eu frequentava na época as reuniões da Sociedade de Pediatria, que eram na PM. Não tinha Sociedade, vamos dizer, nem Paulista de Pediatria, não tinha. Tinha um grupo de pediatra que se reunia nos sábados de manhã, na PM. E vinha gente de fora, inclusive, gente de Santos. E um dia desses, um, que eu tinha uma certa amizade, fiz amizade com eles. “Olha, Jayme, sabe, vai ser criada a Faculdade de Medicina em Santos. E nós precisamos de um professor que tenha título. E lá em Santos, tem gente muito boa, mas ninguém tem títulos, são todos pediatras comuns.” Depois, eu trabalhei com eles, gente maravilhosa, só que não tinham título, né? “Você não quer ir?” Eu disse: “Santos? Santos é muito longe!”. Longe pra mim, é um lugar que não pode ir a pé. Eu gosto de andar a pé. Então: “Santos?”. Então, ele disse: “Ah, pensa um pouco!”. Aí, eu comecei a pensar, e falei: “Poxa”. Eu disse pra mim: “Ô Jayme, você disse que gosta de dar aula, e tem jeito pra ensinar. Agora que é hora da verdade, né?”. E teve outro detalhe, que também funcionou: “Tem que ser logo”. Tinha o Carnaval, e logo em seguida ao Carnaval, tinha que dar resposta, porque ia começar. Se eu tivesse mais tempo, eu provavelmente não ia aceitar, mas como foi, assim, naquele embalo, eu aceitei. Fiquei 35 anos lá. Então, foi por causa desse título, que não valia nada, era uma satisfação pessoal, e que encaminhou minha carreira pra ser professor, lá, em Santos.
P/1 – E você tinha clínica ao mesmo tempo?
R – Eu continuei na clínica. Eu continuava trabalhando na clínica. Na verdade, eu ia duas vezes por semana. Eu ia quarta à tarde e ficava até quinta à tarde. Fora o ensino, o quê nós vamos fazer aqui? A primeira ideia, tava acostumado a fazer trabalho de diarreia, mas só ver trabalho de diarreia, vamos continuar. E eu vi que não dava, lá. A turma não tinha esse perfil, e nem os recurso, não tinha. Aí, eu disse: “Bom, como amamentação é o rumo”, aí a turma era boa. Então nós fomos uma espécie de precursores. Nós pegamos também a época que começou a haver o resgate da amamentação, que tava acabando! Não fomos só nós, mas nosso grupo teve uma importância muito grande no resgate da amamentação. Aí também começamos a dar aula no Brasil inteiro, o nosso grupo todo. Criamos a primeira cartilha da amamentação, que tem aí, foi a primeira que apareceu. Ensinávamos os médicos de fora, inclusive, pra espalhar amamentação também, então o nosso foco maior foi a amamentação. Também ganhamos um prêmio no Congresso Brasileiro de Pediatria, também ganhamos um prêmio sobre a amamentação. Santos foi muito importante pra mim, né? Porque nós tivemos muita influência, a pediatria, não era eu sozinho, era um grupo maravilhoso, mas eu era chefe, né, que conseguiu – nem sei se hoje, seria possível isso, mas naquela época sim – transmitir para todos os estudantes de Medicina (não eram muitos, era 80 na época por turma, depois aumentou) transmitir não só pediatria. Formamos muitos pediatras, influenciamos muita gente a ser pediatra, mas fora disso, aquela parte humana da pediatria. Eu digo que, alguns brincam dizendo, que Medicina é uma ciência de verdades transitórias, que são tornadas permanentes, apenas pra fim didático, porque depois muda tudo. E eu costumo dizer que pediatria tem uma sorte. Ela é a única que tem verdades definitivas. Lógico, quando se fala de tratamento de doença, também as verdades são transitórias, mas aquela parte, inclusive aquilo que eu disse, da família, da criança, a parte humana, são verdades definitivas, que nunca vão desaparecer, apesar de nos dias de hoje quererem mexer. E a gente introduzia isso, da pediatria, também, nas outras coisas, então aqueles que não queriam ser pediatras também ficavam influenciados. Isso eu sei, porque muita gente até hoje, interessante, que fala: “Professor, que importante que foi aquele tempo”. Tanto assim que eu fui homenageado por todas as turmas e fui paraninfo, patrono, algumas vezes, também. Então isso foi muito importante pra mim. O contato com os colegas e poder influenciar, em 35 anos, dá 3.500 alunos, mais ou menos. Três mil e quinhentos ou trinta e cinco mil, deixa eu fazer a conta. (risos).
P/1 – Quantos alunos eram?
R – Cem por ano.
P/1 – Cem por ano.
R – É, 35 anos. Três mil e quinhentos, né?
P/1 – Eu queria te perguntar, Jayme, queria encaminhar para sua relação com a Nestlé. Mas antes disso, queria fechar uma questão da sua vida. Você queria complementar alguma coisa?
R – Eu quero. Eu sempre penso alguma coisa, fazer alguma coisa de diferente, né, inclusive nas aulas que eu dou, então eu disse: “O que quê eu vou fazer?”. E eu tinha uma ideia: fazer uma apostila pros alunos. Apostila, direis? Mas naquela não tinha livro, e nem apostila boa. E eu fiz, pedi pra Nestlé. Eram 80, né? Ela fez 80 exemplares. E no primeiro dia, eu distribuí, de graça, dei de presente pra cada aluno uma das apostilas. O quê tinha nessas apostilas? Eu chamava “conhecimentos mínimos”. E eu estabeleci lá... Depois, inclusive, a questão do regulamento, caíram em cima, tive até que largar. Mas durante um bom tempo, eu fiz. As minhas provas eram para os alunos, era provas de conhecimento mínimo. Eu digo, “eu sei que a maioria não vai ser pediatra”. Porque tem muito professor chato, que parece que todo mundo vai ser o que ele faz. Eu disse: “Não! Eu quero que vocês tenham conhecimentos mínimos, sejam bom pra vocês, sejam o que vocês forem fazer no futuro. Só que esses conhecimentos mínimos, tem que saber”. Não essa história de nota sete e passa. Nota sete passa sem final. Nota sete teoricamente é uma prática também, assim, né? Mas teoricamente, significa que você sabe 70%. Setenta por cento é bom? Pode ser e pode não ser. E se você não sabe, exatamente, aquilo que eu acho o mais importante? Então, a prova de conhecimentos mínimos é coisa que todo mundo sabe, o que quê vai ser pedido. Não tem nenhum segredo, não tem nota de rodapé. Só que tem que saber 100%. Tem que tirar nota dez. E se não tirar nota dez, tem que fazer de novo, daqui a uma semana. Aí tirou nove, vai fazer tudo de novo até tirar nota dez. Isso se chama prova de conhecimentos mínimos. Fez muito sucesso na época. Depois, por burocracia, acabou. Cada área de ensino, até hoje, eu acho muito importante e gosto muito.
P/1 – Você contou um pouco da prova de conhecimento mínimo...
R – Então, até hoje, eu acho que isso seria importante. Somente nas cadeiras básicas, porque não podia ser; cadeira básica, que eu cabulava muito, até hoje, eu acho que é um erro. Que é chato, desanima, porque tem um professor de Biofísica, ele não é médico, ele é biofísico, então ele acha que todo mundo tem que saber biofísica. E a minha ideia seria o seguinte, isso eu tenho escrito inclusive. “Noções básicas de Biofísico para médicos”, meia dúzia de aula. Aí tem esse conhecimento, mas não tem que saber tudo isso. Até já disse: “Ó, essas aulas devem ser dadas no fim da tarde, pra que no dia inteiro a gente vá lá ver o ambulatório, medicina de família, coisa assim, que podia aproveitar, em vez de ficar na minha aula chata de Biofísica”. Bom, mas essa apostila teve um sucesso que me surpreendeu. Isso não tinha na época. Comecei a receber, do Brasil inteiro, pedidos. Então, ué, então isso me deu uma outra ideia, de escrever um livro. Depois, eu vou mostrar a vocês. O livro chama “Pediatria: Diagnóstico e Tratamento”. É um livro totalmente diferente dos outros. Na época, que eu escrevi não tinha livro bom de medicina, de pediatria, nacional. Hoje tem, mas não é a mesma coisa. Esse livro continua sendo o livro, e eu recebo em todo lugar, recebo testemunhos emocionados, e eu me emociono, de como esse livro foi e é importante na vida. Um me disse, outro dia, eu quase chorei. Ele disse: “Eu trabalho no interior”, Paraíba, sei lá o quê. Ele disse: “Eu trato os meus clientes, sustento a minha família, graças ao seu livro. Porque o seu livro, eu tenho poucos recursos, né, tenho lá em cima da mesa, e é assim que eu cuido das crianças, é assim que eu ganho a minha vida”. Eu tenho tido muito... Porque esse livro é diferente, depois eu vou até te mostrar um pouquinho, mas ele foi inspirado nessa apostila, viu? E esse livro está na sétima edição, em 35 anos. Eu tenho um pouco de inveja de romancista, né? Quando o romancista escreve um romance, daqui duzentos anos, foram, nova edição, é igualzinho, né? Medicina, a cada edição muda muita coisa, né? Então dá um trabalho terrível. E ninguém faz um livro de medicina sozinho, então por isso que eu disse, hoje tem bons livros de medicina. Como são feito esses livros? A turma da USP, da Escola Paulista, da Santa Casa resolvem fazer um livro. Muito bom! Então pega um livro de pediatria, gastroenterologia, nefrologia, reumatologia. Então pega, todos esses serviços tem departamento, né? Departamento de Reumatologia, você vai escrever os capítulos de reumatologia. O Departamento da Citologia, vai escrever os capítulos da citologia. Gente muito boa, de altíssimo nível! O que acontece com o livro? Não tem alma, porque cada um escreve à sua moda. Tem um coordenador, que diz assim: “Ah, mais quinze páginas, tá bom?”. Ele junta, acabou. Não tem alma. E o meu livro é autoral. Eu escrevo palavra por palavra. Porque no começo, eu também fazia assim, falava: “Olha, você que entende muito de febre reumática, me escreve o capítulo de febre reumática? Eu quero que escreva desse jeito, tá bom?”. Ele diz: “Ah, tá bom”. Quando vinha, não era nada daquilo! Era bom, ele entende muito mais de febre reumática do que eu, mas aquilo lá não servia. Eu tô cansado de assistir aula de gente que parece que não está preocupada que o outro aprenda, ele quer mostrar sabedoria. Eu não! Eu quero o sujeito aproveite, e o livro é assim. Então tá bom, no começo eu falava, depois eu desisti, vi que não dava jeito. Não é culpa do sujeito... Precisa de alguém que tenha jeito, e eu tenho. Talvez, essa seja a minha (risos), as minhas poucas vantagens. A parte da didática, e que eu chamo de “empatia”, porque eu não me sinto no lugar do médico, que está lá, no interior da Paraíba. Porque os professores de hoje, eles já nascem professores. É interessante. Eles se formam, fazem logo o mestrado, fazem doutoramento, fazem livre-docência e são professores. Entendem muito, mas não tiveram a prática que eu tive. Trabalhar anos e anos com aquela população do Ipiranga, né? E depois, eu mudei. Eu trabalhei com todos os níveis sociais, desde muito pobre, gente rica. Aliás, sempre trato todo mundo igual. Pobre, eu trato um pouco melhor. Mas, então, eles conhecem e acho que muitos até querem transmitir, mas não tem jeito. Eu pego o capítulo de febre reumática, do indivíduo que entende muito de febre reumática, e transformo do jeito que eu quero, então dá um trabalhão que ninguém quer, mas eu faço isso palavra por palavra. Não tem uma palavra que eu deixo: “Ah, tá bom”. Pode até estar bom, então fica assim. Mas geralmente não é o jeito que eu quero. Depois eu vou te mostrar qual é uma característica básica desse livro. Esse livro influenciou e influencia até hoje um número enorme de pediatras no Brasil. Eu acho interessante, quando eles vêm falar comigo, que eles não falam no professor de pediatria que eles tiveram, eles falam do meu livro, então eu que me transformo no professor deles.
P/1 – Eu quero fechar uma questão da sua vida pessoal, pra gente poder falar depois da questão da Nestlé, e ir pro último bloco. Eu queria que você falasse um pouco da questão da paternidade, dissesse quantos filhos você tem, quais são os nomes deles, e como foi ser pai.
R – Tá bom. Bom, como eu disse, quando eu casei com minha esposa, ela disse que queria seis filhos. Ela tem um irmão também, ela é mais velha. Eu disse: “Seis filhos? Exagero, né?” (risos). Aí, começou um, dois, três, quatro. Eu comecei a ficar meio assustado, eu acho que vai no seis mesmo, viu? Aí, aconteceu aquilo que eu já disse. Nós fomos num Congresso, me lembro até, na Áustria, em Viena. E na volta, ela não sentiu bem no avião. Não sentiu, mas depois aquilo continuou, e parecia que era um negócio do coração. E nós começamos a investigar, procurar, não achava. Até que um dia, nós descobrimos. Não era cardíaco, era refluxo gastroesofágico. E isso dá uma impressão que vem do coração. Mas já assustou bastante, né? Então, ela disse: “Bom, eu acho melhor, talvez seja um sinal de Deus. Vamos lá. Vamos cuidar desses quatro, que tem muita coisa pra fazer aí”. E aí paramos nos quatro.
P/1 – O nome deles?
R – Então, o mais velho, que é homem, o único homem, é Denis. Como eu disse pra você, os nomes, geralmente vem dos avós, né? Ele era um avó chamado Dom. Aí, Dom, pensamos em Daniel, por fim ficou Denis. Ele é o mai velho. E os quatro filhos, tem um ano e oito meses entre cada um, igualzinho. Ele nasceu em 63. Depois, vem a filha mais velha que é essa que acabou telefonando. Você vê, que era pra consulta, não tá sentindo muito bem. Ela chama Ilana. Ilana é um nome hebraico, de uma flor, uma planta, que tem. Olha, quando eu vi pela primeira vez o nome Ilana, eu achei tão bacana, né? Aí, eu falei: “Ah, se eu tiver uma filha, vai ser Ilana”. Realmente, a primeira filha chamou Ilana. Depois, tem outra filha: “Ah, e agora, que nome nós vamos dar?”, naquela época, não sabia até nascer, se era homem ou se era mulher. Agora todo mundo chega aqui: “Ó, mulher tá grávida. Esse é o Gabriel”. Mas a gente não sabia, né? A gente não queria nome muito comum, mas também não nome exagerado, que ficasse sem graça, ou até ruim pra ele, né? Então, a terceira chama Yoná. Yoná é um nome hebraico que significa “pomba”, a pomba da paz é Yoná, então ela é o terceiro filho. E a quarta? A quarta, também, depois de pensar muito, ela chama Dafne.
P/1 – E como foi ser pai? Como foi a experiência de ser pai?
R – Olha, como eu disse, eu me imaginava pai de dois filhos homens, que eu tinha na cabeça, e minha experiência, de modo que foi bastante diferente. Quatro, né? Mas aí, como eu disse, por sorte tinha uma participação fantástica da minha esposa, então deu pra cuidar. Às vezes, eu ia no hospital, domingo. Aliás, era até um pouco difícil, viu? “Vamos dar uma passadinha na Clínica Infantil do Ipiranga, pra eu atender uma criança, que eu tô preocupado.” Então, a gente parava na Clínica Infantil do Ipiranga, pra ir almoçar. Isso era pra ser cinco minutos, eu voltava duas horas depois, porque na hora que eu chegava, um chamava, né? Eles estavam dormindo no carro (risos). Então, era uma fase, assim, um pouco difícil, né? Mesmo assim...
P/1 – O que a paternidade mudou na sua vida?
R – Olha, não mudou demais, porque o meu foco continuava sendo consultório, e a parte de pesquisa, aulas, escrever livro. E aí tem uma coisa, que talvez seja um pouco de sorte, eu tenho uma capacidade, eu não se tá muito concentrado no que eu faço, então eu ficava em casa, de noite, escrevendo numa mesa na sala do jantar – que nem isso, escritório, eu não tinha – ouvindo o jogo de futebol do Santos. Que depois, eu era torcedor do Ipiranga na infância, depois o Ipiranga acabou com o futebol profissional, passei a ser torcedor do Santos, então ficava ouvindo o jogo do Santos, aí descia um filho, ia descendo os filhos com a lição. Eu ajudava na lição, sempre ajudei eles na lição, né? Então, as coisas iam, assim, meio tranquilamente. Durante o almoço, nas poucas vezes que eu almoçava em casa, o telefone não parava de tocar e no fim, brincava: “Ó, pai! Para de falar no telefone!”. Mas eles se adaptaram muito bem, a tal ponto, uma coisa assim, curiosa. Eu trazia, naquela época, muita amostra grátis pra casa. Os propagandistas me davam, trazia.
P/1 – De que, a amostra grátis?
R – Remédio, né? E aí, surgiu a preocupação: “As crianças podem pegar esse remédio”. Então, durante muito tempo eu escondia. Até ver que eu escondia, e eles sabiam onde estava. Eles até me gozavam. Aí, eu falei: “Olha aqui, não é pra mexer no remédio. Sabe que não pode”. Então acabei largando, foi tudo bem. Por outra maneira, deles, né? Então, escola, eles sabiam estudar, a escola longe, né? Que eles estudaram na Escola Judaica, que era o Renascença, que era na Avenida Angélica, lá perto. E minha esposa levava, que era uma dificuldade enorme, depois ela ficou doente, até por causa do trânsito. No fim arrumamos um motorista só pra levar eles, porque ela não dava mais. Mas mesmo assim, eu tinha muita participação. E tinha um grupo de pais, pra dar suporte pra escola. Eu sempre participei do grupo dos pais, então foi muito bom. Eu sempre fui muito amigo deles, liberal, mas firme, viu, não tinha muita conversa, então eu brincava com eles, e dizendo sempre. Eles tinham uma prova, eles estavam preocupados: “Não, não se preocupe, filho. Você estudou, você vai bem, não tem problema. Não precisa ficar preocupado. Agora, se não for bem, apanha, viu?”. Eu brincava com eles, então mostrando o lado amigo, mas pai não é só amigo, não. Esse é um erro que alguns fazem. Não é só amigo! Tem que ser firmão também, e dar orientação. Isso nós sempre fizemos. A Enny, minha esposa também. Então, olha, as coisas se encaixaram tão bem, mas volto a dizer, isso porque eu tinha uma esposa fora de série, né? Digamos, com aquela primeira que só pensava nela, tanto que ela progrediu tremendamente na carreira universitária, seria impossível, né? Mas era uma coisa que eu tinha, que acho que já tinha isso por dentro, sempre gostei de criança. E foi realmente muito bom. As coisas se completaram de maneira que eu, realmente, não tenho nenhuma queixa, e acho que os filhos também não têm. Você vê, a minha filha tá com um pouquinho de febre, já telefonou. O meu filho... O que quê eles fazem, né? O meu filho, às vezes eu digo é médico. Ele se formou na Faculdade de Medicina, um pouquinho diferente, né? Por que? Porque ele fez Medicina, mas não morreu de entusiasmo. Acho que foi um pouco de influência minha. Não que eu quisesse que ele fizesse, mas ele via eu trabalhando, e acabou fazendo. E não morreu de entusiasmo por Medicina. Ele fez História, ao mesmo tempo. Ele sempre foi, assim, enciclopédico. O sujeito sabe tudo, né? Então, ele fez História. Fazia Medicina de dia, e História de noite. E acho que isso ajudou a ele terminar o curso Medicina, porque ele gostava mesmo era de História. Depois, quando ele se formou: “E agora?”. Ele não queria fazer Medicina, mesmo. Ele fez Saúde Pública, gostou, mas achou que tinha muita influência política, atrapalhava, então um dia... Engraçado, né? Na época que ele começou a ficar muito na dúvida, eu disse: “Denis, vem aqui no consultório”. Ele chama Denis, né? “Vem aqui no consultório! Vem ver o outro lado da história.” Ele viu, gostou. Aliás, os clientes gostavam dele, então passou uns tempos, um ano e pouco. Foi muito importante, sabe, porque ele me ajudou a fazer a parte de informática, que eu não sabia nada, né? E eu influenciei ele, assim... Ele fumava, fiz ele parar de fumar. Eu trabalhava no Hospital Nove de Julho na época, então a pediatria era no décimo segundo, fazia ele andar até o décimo segundo andar pra fazer exercício. Eu sempre fui a pé. Passou um ano e pouco, ele disse: “Pai, olha, foi ótimo, gostei. Gostei das crianças, dos clientes, mas não dei aquele ‘click’ da pediatria, e da Medicina, né?”. Nessa altura, ele já tinha desistido da Saúde Pública. Ele fez um curso de Saúde Pública depois, não fez residência, mas fez o curso de Saúde Pública. Então ele disse: “Eu estou sendo convidado pra ir pra Brasília, pra trabalhar na Anvisa. O novo chefe da Anvisa é meu amigo, me conhece, quer que eu trabalhe com ele”. Bom, lá foi ele, mudou pra Brasília. Foi muito bom, mas o chefe era por um tempo determinado, né? A posição dele não era estável, então nesse meio tempo, ele fez um concurso muito difícil, muito puxado, que ele não estudou nada mesmo, ele era assim. Foi pro Senado, pra ser Consultor Legislativo do Senado na área de Saúde. Ele entrou há dez anos. Ele trabalha no Senado, é Consultor Legislativo do Senado, na área de Saúde. É um bom emprego. Não é ultra maravilha, mas eu fico satisfeito, sabe, cá entre nós. Porque ele era tão disperso, né? Esse menino que sabe tudo, que eu fiquei com um pouco de receio que ele se perdesse, então graças a Deus, ele tem um emprego estável, aposentadoria. Fica aí! Pode não ser a melhor coisa do mundo, mas é bom! Bom, aí veio a segunda filha, que é a Ilana, que telefonou. A Ilana, surpreendentemente, porque na minha família não tem nenhuma tendência artística, a gente gosta de música, teatro, mas não tem uma tendência artística. E ela tinha, ela se formou em Arquitetura, então ela fez Arquitetura, tá muito bem. Ela tem três filhos. O marido trabalha em Finanças, essa parte aí. Depois, veio a terceira, a Yoná. A Yoná, aconteceu uma coisa também interessante. A Yoná começou a, talvez por influência dos irmãos, a ler, assim, sozinha. E quando eu percebi, eu fiquei entusiasmado, e comecei a ajudar. A gente andava na rua: “Ó, como é que chama essa rua?”. Na escola, ela tava muito na frente dos outros. Tanto assim que pela idade dela, ela não podia passar pro primeiro ginasial. Não! Pro primeiro primário, ela estava no Pré. A psicóloga da escola, dizia: “Pelo regulamento, ela não tem idade pra ir pro Pré”. Pro primeiro ano, aliás. Eu disse: “Mas ela continuar aqui no Pré. Ela já estava mesmo perdendo o interesse”. Ela sabia muito acima dos outros. Não tinha mais graça pra ela, então eu discuti muito com a psicóloga. No fim, chegamos a um acordo. Ela ia fazer um teste, com uma psicóloga diferente, independente, e ela ia dizer se pode ou não pode. E a psicóloga disse que devia ir pro primeiro ano, então a psicóloga da escola disse: “Ah, então, ela vai pro primeiro fraco”. Eu disse: “Que primeiro, fraco? Vai pro primeiro ano!”. Mas nessa altura, eu já tava cansado, passou meses. “Tá bom, vai. Ela vai pro primeiro, fraco”. Então, ela foi lá. E eu disse: “Yoná, chega pra professora e mostra como você sabe ler”. Ela chegou, no primeiro dia, ela não teve coragem. No segundo dia, ela disse: “Professora, quer ver?”. Pegou um livro, assim, e leu. A professora: “Teu lugar não é aqui! Vai pro primeiro ano forte”. Bom, aí foi tudo bem. Aí, chegou a época do vestibular. Ela tinha 16 anos, e nove meses. E agora? Ah! O que quê ela vai fazer? Medicina. Ela ia comigo nos hospitais, ela adorava. E gostava de criança. O meu filho mais velho, meio gozador, diz: “Quem gosta de criança, vai ser babá”. Então ela fez, foi aprovada, entrou com 16 anos e nove meses na USP. E agora? Como eu disse pra você, aquele curso básico é muito ruim. Porque não tem nada de Medicina, então como isso começou a aparecer, alguns tiveram a péssima ideia, dizendo: “Bom, então, eu vou começar já com Medicina. Precisa de ver alguma coisa médica”. E o quê fizeram? Em vez de colocar num ambulatório, médico de família, centro de saúde, Pronto Socorro do Hospital das Clínicas. A minha filha, a Yoná, que era mais alegre das minhas filhas, tinha bom humor. Pronto Socorro do Hospital das Clínicas era o pior lugar do mundo! Pra uma menina de 16 anos e nove meses! Vê como é a vida... Pra entrar, tudo bem, mas acho que ela não tinha maturidade, também, viu? Então, ela começou entrar em depressão, ela que era a menina mais alegre, e começou em falar a desistir da Medicina. É, parentes, amigos: “É, não deixa não! Insiste!”. Eu disse: “Eu não vou forçar, porque existem bilhões de pessoas que trabalham no que não gostam. Precisam ganhar a vida, né? Tudo bem, leva a vida. Mas Medicina não dá pra fazer isso, não dá pra você trabalhar sem gostar”. Então ela chegou na metade do segundo ano, ela tinha uma prova de Anatomia no laboratório. Ela pisou na porta, não entrou mais. Virou e foi embora. Até disse: “Ah! Marca lá, como é que chama, reserva um lugar”. Ela disse: “Não, eu não vou voltar”. Nós é que fizemos isso, mas ela nunca mais voltou. No mesmo ano, ela fez o Vestibular pra Administração. Entrou na GV, fez o curso na GV. Quando ela estava no último ano, que tinha que fazer estágio, aí sim, nós falamos, arrumamos um estágio pra ela na Nestlé. E acabou, ela ficou lá. Ela é muito boa, faz tudo direitinho. Ela é ótima. Hoje, tá numa posição, razoavelmente alta lá na Nestlé, então esse é Yoná, que tem dois filhos. A Yoná dizia uma coisa que eu achava interessante, assim: “Melhor momento do fim de semana é sexta-feira às dezoito e trinta, porque daí em diante, você já tá em contagem regressiva, né?” Conforme ela fui subindo lá na Nestlé, não sai mais sexta-feira às dezoito e trinta, sai vinte, vinte e uma, vinte e duas, né? Já não vale mais. Mas ela tá muito bem lá.
P/1 – E ser avô, Jayme? Como é que foi ser avô?
R – E só pra terminar, tem a caçula que é a Dafne, né? Hoje, eu acho uma coisa interessante, a ordem do nascimento influi mais na personalidade da pessoa que a genética. É mais importante, a ordem que ela nasceu, do que a genética. Cada um tem as suas características. O primeiro filho é mais agarrado, é até mais afetivo, né? Por isso eu disse que eu não sinto muita diferença, porque o primeiro é homem, então ele é muito afetivo. Embora mulher é mulher, né? Então, eu brinco aqui, com os pacientes que o segundo filho, quando tem muita diferença, bate no primeiro, e o primeiro não reage, né? Diz, assim: “Mãe, ele tá me batendo!”. Mas porque o segundo filho é outra coisa, mais independente. Essa é Ilana, independente, ela faz as coisas. O terceiro é mais equilibrado, que é a Yoná. E o quarto, é o caçula. Eu não acredita em caçula. Hoje, eu acredito. Sabe por quê? O caçula tem a sua personalidade formada por duas coisas completamente opostas. Uma é a facilidade que ele tem em fazer as coisas, porque os primeiros abrem o caminho. A gente deixa o caçula fazer coisas em idade que não deixava os mais velhos fazerem. Mas o caminho já está aberto, vai! Esse é o lado fácil. O lado difícil é o lugar ao sol. Eu me lembro que essa caçula queria falar na mesa, os outros não deixavam. E ela não consegui falar. E ela ficou tão braba, e ela defendia tanto os direitos dela, que quando ela disse que queria ser advogada, eu disse: “É (risos) isso mesmo”. Hoje, já faz tempo, ela trabalha no Valor Econômico, aquela revista, ou jornal, que ela é do departamento jurídico desde o começo do jornal. Bom, ela tem três filhos, então esses são os filhos.
P/1 – Quero saber como é a experiência de ser avô, se é diferente. Qual é a sensação de ser avô?
R – Exatamente. Avô também tem uma sensação muito boa, é como ser pai com açúcar. É engraçado, tanto a minha esposa como eu não mudamos muito, não. Ela diz: “Ah, neto a gente deixa”. Eu disse: “Olha, nós agimos, mais ou menos, com os netos como agimos com os avós”. E eles adoram, viu? Vem em casa. Quarta ou quinta-feira, eles vêm almoçar em casa, os que podem. Às vezes, sábado. Os que podem, vêm. Domingo de manhã, a gente leva eles na temakeria, que eles querem, os que podem. Sempre os que podem. São dez! Dois estão em Brasília, né? Então os que podem, tão sempre, a gente nunca sabe exatamente quem vem. Mas é muito interessante. Mas esse negócio da temakeria, imagine, tá todo mundo com o celular, né? Então, eu falo: “Aqui, quem quer vir aqui...”. Eu nunca disse que é proibido. “Quem quer vir aqui, não pode usar o celular.” Quem não quer, tudo bem, né? Então nós combinamos que eles pegam o celular, e a gente guarda lá. Na primeira vez, veio um garçom e deu parabéns pra minha esposa. No começo, a gente não entendeu. “Parabéns, por quê?” Ele disse: “Olha, nunca vi ninguém, nenhuma mãe tirar o celular das crianças como vocês fazem”. Nós somos assim. Às vezes, ajudamos até os netos em coisas escolares. Não posso esbaldar, porque daqui por diante já não sei mais. Mas, então, é uma ligação, assim, muito boa. Quase não tem muita diferença com os filhos, viu? No começo, era um pouquinho mais difícil, quando eles eram pequenos, mas agora são todos grandes, né? O mais novo tem dez anos. A mais velha tem 22. Olha, essa mais velha, ela e o namorado nos levaram de presente de aniversário de casamento no jogo de futebol do Brasil, em Fortaleza. Por sorte, foi o único jogo que o Brasil jogou bem, né? Então, os netos nos levaram, eles tinham entrada. O namorado dela também trabalha com Finanças, não sei como ele arruma as entradas aí, então podia levar um monte de gente, inclusive jovem, mas fizeram questão de levar os avós, então ficamos um pouquinho lá em Fortaleza, lá, foi muito bom. Isso mostra, o relacionamento é muito bom, é muito afetivo como com os filhos, mas não é moleza, porque neto é neto. É continuar sendo firme. O que pode, pode, o que não pode, não pode, não (risos).
P/1 – Eu quero encaminhar então, agora, já indo pro final, pro nosso bloco final, e conversar um pouco sobre a sua relação com a Nestlé. Saber qual que é a sua relação com a Nestlé.
R – Bom, só pra terminar aqui, pra ver se eu falei em tudo. Por exemplo, a parte associativa, fui Presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo, o terceiro Presidente, e depois, eu acho que mais importante que Presidente, eu fui o diretor de cursos, fiz umas coisas também bem diferentes. Uma das coisas diferentes que eu fiz, eu chamava de Colóquio Dirigido. Quer dizer, o colóquio sempre tem muito sucesso nos Congressos. A turma manda pergunta, mas tem um defeito: as perguntas são muito desencontradas. Umas são boas, outras não são. Então eu fiz colóquio dirigido. O que quê significa isso? As perguntas eram feitas previamente. Eu fazia um inquérito, mas depois eu refazia as perguntas. E foi um sucesso tremendo, né? Eu fui o Diretor-Presidente na Comissão Científica de dois Congressos Brasileiros de Pediatria. Fui Presidente do Comitê de Pediatria Ambulatorial, da Sociedade Brasileira de Pediatria. Em relação a livro, eu não sei. Há dois anos atrás, uma coisa que depois me contaram, que a primeira, que não existe nada igual na história da Medicina brasileira. Um e-book, não é nada, né, ler no computador. Mas ler um e-book interativo, e multimídia. Chama “Manual da Nova Consulta Pediátrica”, que projeta a consulta pediátrica pro futuro, mas resgatando os valores do passado. E também, no começo eu tava pensando fazer um livro como eu tô acostumando. Aí, os jovens começaram a me dizer: “Não! Tem que fazer pela internet. Isso é o futuro”. Eu disse: “Futuro é pra vocês. Pra mim, eu preciso de presente, né?” Então, eles: “Não, não! É o presente também”. E a coisa acabou sendo encaminhada pra isso. E depois que eu soube, não tem nada igual na história da Medicina brasileira, porque tem uma coisa ainda, o que eu faço, tá vendo aqui, eu entrego pra mãe, por escrito, uma orientação. Por exemplo, a criança tem quatro anos e ela vem com asma, uma crise asmática. Eu trato a crise asmática, coisa simples, mas depois eu dou pra ela, o que quê é a asma. O que deve fazer, como deve evitar novas crises, como agir logo no começo das novas crises? Então, vai por escrito. Agora, é uma criança de quatro anos. O que quê é uma criança de quatros? Como é uma criança de quatro anos? Tem características especiais, então dou uma outra coisa, para uma criança de quatro anos. Bom, isso eu faço no consultório. Mas, agora, eles têm acesso, é só clicar, e já tem essa orientação pra dar pra mãe, ou impressa, ou por e-mail. Então, por isso, é um livro que não existe igual na história da Medicina brasileira. Acho que mundial, se eu for exagerar um pouco, talvez. Bom, então, essas são algumas coisas, então, que valia a pena completar. Agora, você perguntou a relação com a Nestlé, né?
P/1 – Isso. Qual é a sua relação com a Nestlé?
R – É muito antiga. Muito antiga, por quê? Porque eu comecei dar aula. A aula, geralmente, era um simpósio, um congresso, ou até, alguém que ia: “Não. Vamos convidar o professor Jayme pra dar uma aula, aqui”. As Sociedades nunca tiveram muito dinheiro, então tinha o transporte, tinha o hotel. Cobrar, nunca cobrei nada, né, mas o transporte, o hotel, tinha um certo gasto, então temos que pedir pra quem? Pra quem o pediatra pedia? Nestlé, né? A Nestlé sempre tem uma ligação muito forte com os pediatras, e eles vinham me buscar pra me levar pro aeroporto, né? E eu digo, sempre dizia, era o tempo que chamava “propagandista”, hoje é representante, né? Hoje também, já não é tanto assim, ficava a vida inteira, até se aposentar na Nestlé, então a gente conhecia, a amizade era muito grande. Eles vinham me buscar em casa, ainda não tava pronto, eles ficavam chutando bola, com meus filhos no quintal, né? Então a ligação sempre foi uma ligação afetiva, muito forte. E eu sempre tive respeito mútuo muito grande, né? A maior parte das aulas, eu ia pra falar mal leite artificial. Então, quer dizer, até certo ponto, não era tão bom pra Nestlé. Nunca disseram uma palavra a respeito. Uma vez, eu falei mal de um remédio para diarreia, que não serve pra nada, né? Eu nem sabia que eles eram os patrocinadores. “Nunca mais vamos convidar Dr. Jayme.” Olha a diferença. Uma vez que eu falei, assim. E eu na Nestlé, nunca! Olha, realmente, uma ligação muito boa. Olha, pra você ver, a tal ponto que a Yoná, essa que hoje trabalha na Nestlé, mas ela não trabalhava na época, o primeiro filho dela teve uma série de dificuldades na amamentação, e eu queria usar fortificante do leite materno. Tem até hoje. Eu acho que chama FM85. Olha, não quiseram me vender. Olha, não é dar, podia dar, até. A nossa relação de amizade tão grande. “Não! Eu quero comprar!” “Não, porque a lei não permite, só dentro do hospital”. Olha, eu tive uma dificuldade enorme pra mostrar como a coisa era, apesar de uma amizade muito grande, mas com todo o rigor, então isso eu admiro muito na Nestlé. Eu sempre admirei muito a Nestlé, e continuo. E depois, o nosso relacionamento passou muito tempo. Os tempos também mudaram, então o relacionamento ficou maior, e tem uma coisa muito importante que hoje chama ‘Universo Consultório’, que eles falam. O quê é o universo consultório? Já há dois que a gente faz isso. Eu falo, a minha alma é exatamente a consulta da Nova Pediatria, e o que eu chamo ‘a influência da epigenética’. Epigenética? Mesmo os médicos, a maior parte não sabe o que é epigenética, então eu digo: “Ó, a genética determina o destino, né? A gente já nasce com a possibilidade... Mulher, câncer de mama, em jovem, é genético, né?”. Então, eu até brinco, assim, dizendo: “Ah, contra a genética, nada se pode fazer. A genética determina o destino”. Eu volto, e digo: “Não! Mas não é bem assim. Porque agora nós temos epigenética”. Porque a genética é do século XX. O século XX desenvolveu muito a genética. Todos nós assistimos, àquele negócio, a decifração do Epigenoma, que é o nosso código genético, então pesquisadores do mundo inteiro se reuniram. Eu também penso: “Puxa, vida! O ser humano podia fazer isso pra outras coisas também, reunir”. Muitos anos atrás, existia um filme chamado “Se todos os homens do mundo”, é um filme clássico. De vez em quando, eu acho que ele reaparece. Num navio isolado no oceano, os marinheiros comem carne contaminada com botulismo, então eles vão ter botulismo, vão morrer, se não tomar um soro anti-botulínico. E naquele tempo, então, com aquele operador lá sem fio tentando se comunicar com o mundo, pra arrumar o soro, que já era algo difícil. E depois ele levava até o navio, então no mundo inteiro, vai se juntando, cada um passa pro outro a mensagem. Chama-se “Todos os homens do mundo”, podia ser assim, infelizmente, não é.
P/1 – O curso de atualização em pediatria, você participa?
R – Vou voltar um pouquinho. O mais, que eu tenho feito, é esse Universo Consultório.
P/1 - O que é esse Universo Consultório?
R – Têm duas aulas. Uma é minha, e outra, é muito interessante, é de um especialista. E se às vezes muda um pouco, que fala sobre o consultório. Porque esse, chamam diversos consultórios. São pediatras que, hoje, já não é tanto, a maior parte dos que se formam, não querem consultório. Mas tem a gente clássica, que ainda usa, então têm duas aulas. Uma, eu tinha que falar sobre organização no consultório, sobre as secretárias, como você deve organizar. Porque o médico fala em lucro, isso aí arrepia. Dar uma formação, eu se pudesse não cobrar consulta, me sentiria extremamente feliz. Até hoje, eu não me sinto bem cobrando a consulta, então ele fala que não, que isso é normal, e é mesmo. No judaísmo tem uma palavra... me escapou, daqui a pouco eu me lembro, que significa, não o acúmulo de riquezas, mas o suficiente pra ter um nível de digno. Isso é uma coisa divina, que Deus dá, então onde que nós estávamos mesmo? Então, ele fala...
P/1 – Ele explica essa coisa administrativa...
R – Em hebraico, chama Parnusá; Parnusá é sustento, quer dizer, aquilo que um indivíduo faz pra ter um nível de vida digno. Bom, então, ele fala: “O bom médico tem que saber cobrar, normalmente, não ficar tão aflito”, ele fala tudo isso. Muito interessante a aula dele. E eu falo sobre o que chama a ‘Consulta da Nova Pediatria’, né? E entro. Essa epigenética, é influência do ambiente sobre genes, então ele não altera a estrutura dos genes, mas altera o funcionamento, que na prática é o que interessa. E o ambiente, lógico, quando funciona o ambiente? Funciona durante toda a vida da gente, mas ele é mais intenso, mais determinante no começo da vida, porque no começo da vida, chama fase vulnerável do desenvolvimento. Eu dou uma ideia na aula, como se fosse um boneco de barro que você pode moldar, mas na hora que endurece, aí fica pro resto da vida. Então qual que é essa fase vulnerável? Hoje, se dá muita importância, aos chamados “primeiros 1000 dias de vida”. Tá muito na moda agora. O que é primeiros 1000 dias de vida? Começa na gravidez. E já é a gestação, e junta os dois primeiros anos de vida, que dá 1000 dias, então eu falo disso. E falo que é aí que o pediatra tem que atuar, entende? Precisa saber como atuar, estar desperto pra isso. Não é só tratar doença, né? Que se ela tá com gripe e você trata a gripe, então é essa minha aula que, aliás, tem bastante sucesso.
P/1 – Qual é o público desse curso? É um curso?
R – Médicos, pediatras, que tem consultório.
P/1 – E onde acontece esse curso? Qual é o contexto?
R – No Brasil inteiro. Nós já fomos ao Brasil inteiro esse ano. Ah! Agora, sexta-feira eu vou pra Londrina.
P/1 – Mas isso, não tá dentro do curso de atualização em pediatria. Isso é uma outra ação da Nestlé com vocês.
R – Da Nestlé, que chama “Universo Consultório”, a Nestlé que bolou isso. Interessante, quando eles me apresentaram, é um carioca, que fala essa outra parte. Eu que tive a ideia... Ele era pra fazer uma aula, um num dia, outro noutro dia. Eu disse: “Não! Vamos fazer junto”. E ele, antes, era pra fazer de noite: “Ah, vamos fazer sábado de manhã. De noite, tá todo mundo cansado, e vamos fazer um almoço. E de preferência convida os cônjuges, também, né, pro almoço”, então ficou assim. Olha, um resultado ótimo, viu? Ele fala uma hora, eu falo uma hora. Depois tem bate-papo, com os médicos. E depois tem um almoço. Muitos também trazem os familiares.
P/1 – Qual você acha que é, nesse caso desse curso específico, qual você acha que é o aprendizado, a importância do que vocês levam, dessa formação, que vocês tão levando pra essa público, que são essas médicos, principalmente, pediatras?
R – É muito prático. Olha, sábado de manhã, eu falo no começo. Ninguém vai querer dar altíssima ciência sábado de manhã. Eu fico emocionado ao ver aquele auditório cheio. Sábado de manhã, você tem dias bonitos. Tivemos recentemente no Rio de Janeiro, pela janela a gente viu um dia bonito, a praia ali, o mar. E a turma tava lá, então quer dizer, isso é sempre uma preocupação minha. Tem uma coisa que eu quase não conto pra ninguém. Quando alguém me convida: “Ah! Daqui quatro meses, quer dar uma aula sobre refluxo?” E eu entro, não vou dizer em pânico, mas quase, viu? Eu fico tão ansioso! Não é nenhum problema pra mim, dar aula de refluxo. Mas o que quê eu falar pra eles? O quê eu vou falar que já não tá no livro? O que quê eu vou falar que eles ainda não conhecem? O que quê eu vou falar que possa, o principal, que possa, no dia seguinte, ser útil pra eles? Às vezes, não precisava nem ser coisa nova. Às vezes, pode ser, até, coisas que eles já sabem. Mas quando alguém, que tem prestígio, fala igual, eles falam: “Puxa, é exatamente o que eu tô fazendo”. Ele se sente mais seguro, a consulta já é melhor. Ou então alguma coisa que possa adicionar, né? Aí nessa noite, na mesma noite que eu fui convidado, eu tenho um pesadelo terrível. Na manhã seguinte, eu tenho a aula pronta, interessante. É mais de meio século, né?
P/1 – Então, você acha que esse curso ajuda eles na prática?
R – Na prática. Tem dois lados. O lado que é da organização do consultório, que médico é muito ruim nisso, então ele dá umas ideias boas, que o sujeito pode aproveitar imediatamente. Inclusive, instruir a secretária, tipo coisa simples, assim. Às vezes, toca o telefone, uma secretária diz: “Alô?” O sujeito já diz: “Alô? Sim, de onde fala?” Então, ensinei há muito tempo para minha secretária que não é falar: “Alô, alô”. Fala: “Consultório do Doutor Jayme, Teresa, o que o senhor deseja?”, aí já abriu. Ele dá coisas, até coisas simples, assim, muito importantes. E eu falo sobre como o pediatra deve agir na nova consulta pediátrica. Quer que o negócio, que não é só o tratar a diarreiazinha, o resfriado, mas englobar a criança e a família. Isso é bom pra família, e é bom, porque a pediatria em geral tá acabando. Eu brinco, às vezes, que eu sou um dos últimos espécimes, de uma raça que está em extinção. E a nova puericultura é a luz no fundo do túnel, então tem que ir por esse caminho, porque se você for tratar só doença, então a gente vai no Pronto Socorro. Aliás, que eu acho horrível. Chamo a perigosa cultura do Pronto Socorro. Hoje, qualquer coisa vai no Pronto Socorro, mas se o médico age... Eu digo, porque tem que ir no pediatra, mas se você age como socorrista, quer dizer, tá com tosse você dá o xarope pra tosse. Isso não é ser pediatra, então pra que quê eles vão no consultório? Vai no Pronto Socorro. É mais fácil, mais barato, não é? Então, mas se você der um aspecto diferente pra consulta, englobando a criança, englobando a família, aí ela vê a vantagem de ir no pediatra. É isso que pode salvar a pediatria, no futuro. Mas depende de vocês! É interessante, não é raro, quando é o bate-papo, alguém muito sem graça, constrangido, diz: “Dr. Jayme, como é que o senhor faz pra não dar o celular pro cliente?” Eu digo: “Olha, eu sou a última pessoa, pra responder essa pergunta. Porque eu não só dou, como eu digo ‘é pra telefonar’”. Não jeito de fazer pediatria boa sem isso. Existe na Física, a chamada Lei do Caos. A Lei do Caos é onde tudo acontece, assim, por acaso. E eu li um livro de um cientista, um físico. O livro não dá pra ler, é muito complicado. O livro chama “O andar do bêbado”. Por que quê ele chama isso? Por que ele diz que o andar do bêbado nunca sabe pra onde ele vai. Isso é a Lei do Caos, então a única coisa que deu pra entender, ele contou no prefácio que na Espanha, uns anos atrás, teve uma loteria muito famosa lá, e que o sujeito ganhou sozinho uma fortuna. E foram entrevistar e viram que era um indivíduo simples. “Como é que você jogou o número? Por acaso, alguma ideia?” “Não! Nada é por acaso! Foi tudo pensado.” “Como é que foi?” “Eu sonhei três vezes seguidas com o número sete. Sete vezes três, vinte e dois. Ganhei o prêmio.” Então você vê... E eu brinco: “Olha, na pediatria, a Lei do Caos funciona muito. Começa com um resfriado, e termina no divórcio dos pais”. Por que? Porque é muito comum. Primeiro é o marido que diz: “Ah! Você fez errado!”. Sempre, o marido sempre põe a culpa na mulher, né? Aí vem a sogra, que você imagina o que faz. A própria mãe diz: “Tá vendo! Você não faz o que eu falo! É isso que dá”. E a coisa vai evoluindo de tal maneira, que se a gente não encaixa ali, e não acompanha... Porque o resfriado, eu digo, eu posso ter dez consultas de resfriado, crianças da mesma idade, são totalmente diferentes, as consultas, né? Porque a família, os pais são outros. E não passa consulta que não tem que tomar cuidado. A Lei do Caos, o resfriado muda e evolui pra pneumonia, então a gente tem que estar sempre alerta, e tem que estar disponível, disponível! Então, é isso aí.
P/1 – E Jayme, qual você acha que é a importância do envolvimento de uma empresa como a Nestlé com os médicos, tipo os pediatras? Qual é a importância dessa relação?
R – Olha, é fundamental. Fundamental! Um não pode viver sem o outro. Eu disse pra você, na década 70, as crianças que morriam eram aquelas crianças que era desmamadas, criança pobre, né? Criança pobre no Nordeste, se mamava no peito, vivia; se não mamasse, morria. Morria do quê? De diarreia. Então hoje, e quando eu dou aula, eu digo: “Os tempos mudaram”. Hoje, ninguém mais morre porque desmama no peito e toma leite da vaca. Ninguém mais morre. Mesmo nos lugares pobres do Nordeste. Então não precisa mais o leite humano? Não! Precisa! Por causa da epigenética, porque agora a longevidade, eu digo, está garantida. Fora, infelizmente, esse negócio de violência que tem com o jovem. Mas fora disso, do ponto de vista médico, a longevidade está garantida, mas a qualidade de vida não. E ela depende muito da epigenética. E epigenética depende muito dos nutrientes que entram nos primeiros tempos de vida, principalmente nos primeiros 1000 dias de vida, né?
P/1 – Esta relação da empresa...
R – Os meus patrícios têm uma saudação tradicional, que diz assim: “Que você viva até 120, porque o Moisés, da bíblia, teria vivido 120”. Mas agora foi modernizada, a saudação diz: “Que você viva até 100 como 20”. E é isso que a gente precisa, ter uma vida longa, mas de boa qualidade. Bom, agora, o leite humano continua sendo insubstituível, mas nós temos que ser realistas. Os meus clientes, eu incentivo, ajudo. Uma grande maioria usa. Mas eu acho que tem que ser realistas. Tem alguns que não vão! Com motivo ou sem motivo, viu? Mas não vão. Pode dar o leite da vaca? Não vai morrer por causa disso, mas vai fazer... Como chama? Cria um metabolismo no organismo que vale pro resto da vida, então esse indivíduo... Programação metabólica, como se chama isso, e que vale pro resto da vida, então esse indivíduo, às vezes, até, como adulto ele não tem uma alimentação muito ruim, mas ele até esclerose, vai ter infarto jovem, então a gente faz isso antes. O ideal é o leite materno, mas sendo realista, e sabendo que nem todos vão usar leite materno, pelo menos vamos dar uma fórmula que não é igual ao leite materno, mas tem muitas das vantagens do leite materno, como diria o italiano “meno male”, quer dizer, então aí entra Nestlé, por exemplo. A Nestlé tem leites de fórmulas infantis, que a gente chama de alta qualidade, muito avançados, e inclusive pra criança que tem alergia do leite de vaca, tudo isso, né? Então, a nossa ligação com a Nestlé, principalmente, essa parte de leites, e mais também, outros. Por exemplo, a papa. É interessante, a cultura alimentar é difícil de quebrar, mas hoje, se quebra, né? Como eu disse, a alimentação clássica do brasileiro não é mais aquela maravilha, simples, que era antes. Mas é uma coisa que até aqui, acho, que poucos lugares do mundo, que tem a papa, a mãe ainda faz caseira, mas provavelmente isso não vai durar muito tempo, com a mãe tendo que trabalhar, e a emprega e a babá, cada vez mais difícil. Então ter uma papa pronta, tipo Nestlé, de qualidade e que a gente confia, é muito bom, com outros nutrientes, que a Nestlé tem também, então é muito bom ter uma firma que tem coisas que a gente possa utilizar com confiança e de qualidade muito boa, então ajuda muito a gente, né? A gente, o pediatra e a família. E sabendo que a Nestlé tem essa tradição. Sabe que é difícil você escapar da tradição? Como eu, né? Aquela minha parte, assim, de socialista, não consigo largar, então embora eu esteja decepcionado, mas então a própria Nestlé não consegue se livrar. Ela tem uma tradição tão firme e ética, que parece que mesmo que ela, às vezes, até não devia ser tão exagerada assim, mas parece que ela nem consegue mesmo se quisesse. Mas então, a gente pode confiar na Nestlé, nos produtos Nestlé que são realmente, de qualidade excepcional. Eu vi uma vez um pediatra falando numa aula que a papinha da Nestlé tinha conservante. Totalmente mentira! Não tem conservante nenhum, né? É feito como todo rigor, então são produtos que a gente pode confiar, então. Eu tenho uma ligação afetiva, muito longa com a Nestlé, mas também, essa ligação longa sempre me mostrou como a Nestlé age de maneira ética, correta, de nível técnico elevadíssimo, sempre progredindo, né?
R – E nesse aspecto dos cursos de atualização, do curso de formação. Qual a importância dela ser uma apoiadora, nesse sentido, pros médicos, e pra sociedade?
R – Eu ia esquecendo, e você me perguntou uma coisa. A Nestlé tem uma coisa que eu acho que não existe no mundo, chama o “Curso Nestlé”. O Curso Nestlé é anual. Agora, eu acho que passou para dois anos, há muito pouco tempo, porque é pra não coincidir com o Congresso Brasileiro de Pediatria, então o único curso que a Nestlé não tem nenhuma participação, chama curso Nestlé, ela não tem nenhuma participação direta, por exemplo “o que vamos dar no curso deste ano?”. Olha, pelo que eu conheço, a grande maioria, ou se não, a totalidade, ia querer influir, pra pôr uma coisa que interessa, né? Quem determina o curso, o programa, é a Sociedade Brasileira de Pediatria. Quem determina, quem vai dar as aulas é a Sociedade Brasileira de Pediatria através dos seus departamentos, quer dizer, a aula de gastroenterologia, que tem algum assunto, tipo refluxo, tá muito na moda, é alguém do departamento de gastroenterologia, da Sociedade Brasileira de Pediatria. A Nestlé não entra com absolutamente nada disso. O curso é gratuito. A ideia é sempre ter coisas de interesse prático. Vai mudando no Brasil inteiro, geralmente são lugares agradáveis, que dá pra passear um pouquinho. Esse próximo vai ser em Fortaleza, que é um lugar muito agradável. Então é uma coisa que não existe nada igual no mundo, esse curso Nestlé. Você me perguntou se eu ainda dou aula, eu já dei aula, várias vezes, mas eu, aliás, muito justo, atualmente são mais jovens, uma geração um pouco mais jovem que dá as aulas, que eu acho absolutamente correto.
P/1 – E desse curso, Jayme, qual você acha que é a importância, de um curso como esse, existir? Tanto para os médicos pediatras como para a sociedade como um todo?
R – Muito melhor que Congresso. Sabe por quê? Congresso é muito bom encontrar os colegas, companheiros. Às vezes você conversa com eles, aprende alguma coisa da experiência do outro, mas o Congresso é geralmente, principalmente de pediatria, é muito grande, então a programação, às vezes, é altamente científica, que não interessa muito pro pediatra prática. Ao contrário do curso Nestlé, que ele pode aproveitar no dia seguinte. Como as minhas aulas, como eu disse também. Você tem dez possibilidades. Tudo lotado, né? Então naquele que você queria ir, tá lotado. Você acaba indo... Lei do Caos, né? Aquele que você vai, é o pior de todos, naquele que você consegue entrar. E não tem lógica, não tem continuidade, uma hora você consegue em um, no horário seguinte, você vai tentar entrar no outro, então não... Não vou dizer que não serve pra nada. É muito trabalho pra pouco rendimento. O curso Nestlé, todo mundo assiste a mesma aula, não tem divisão. Eu acho horrível ter que escolher, viu? E os assuntos, embora, como disse a Sociedade Brasileira de Pediatria, mas já está num acordo, que tenha coisas, que tenha interesse prático; alta Ciência, você vai ler no livro, vai ver em outro lugar, mas lá, são coisas importantes, que é a prática. E este ano vai acontecer uma coisa um pouco diferente, que, aliás, eu já tinha sugerido, mas eles não tinham feito até agora. No horário de almoço, que termina meio-dia, depois começa às duas, né? No horário de almoço vai ter uma reunião diferente, em que vão participar dois, eu e mais uma colega, que nós vamos falar exatamente como o pediatra, um bate-papo, como pediatra deve dar essas novas noções de epigenética, tudo para os seus pacientes. Então isso não foi a Sociedade Brasileira de Pediatria, e cá entre nós, eu fui um dos que sugeriu. Depois me convidaram, em um dos dias, na hora do almoço, vai ser um bate-papo desse tipo, que não faz parte da escala do curso.
P/1 – A gente vai encerrar, vai pro encerramento. Vou te fazer as duas perguntas finais.
R – E trate de não falar muito, né (riso)?
P/1 – Não, isso é ótimo. Antes de fazer essas duas perguntas finais, eu queria saber se tem alguma coisa que a gente não tenha pergunta e você acha que é importante deixar registrado. Antes da gente encerrar.
R – Deixa eu dar uma olhada aqui (pausa). Há quase vinte anos atrás, a Sociedade Brasileira de Pediatria resolveu criar a Academia Brasileira de Pediatria, são trinta lugares. Temos trinta patronos. Um dos patronos é o Dr. Augusto Gomes de Matos, o meu chefe na Clínica Infantil do Ipiranga. E o Conselho Superior, que tem representante de todas as filiadas do Brasil inteiro, escolheram os primeiros trinta, e eu fui um dos trinta, então estou. A minha cadeira é de número 8, que é a cadeira do Dr. Augusto Gomes de Matos. Depois, como toda Acadêmica, eu morrendo, se afastando por idade, a gente elege novos pra cadeira que vaga. Eu sou um dos trinta, desde o começo, membro titular da Academia Brasileira de Pediatria, que realmente tem umas reuniões muito interessantes, a gente faz coisa muito boa. E coisas, assim, que a ela tem muita ligação com a Sociedade Brasileira de Pediatria. Mas a Sociedade Brasileira de Pediatria é mais específica. Não tem algumas coisas que não é da atribuição, então a gente sempre faz, a gente contata. Às vezes a própria Sociedade Brasileira de Pediatria pede: “Ó, nós não podemos fazer. Veja se vocês fazem, né?”. Então, a Sociedade faz Fóruns, que eu acho ótimo. Vai ter agora um. O próximo vai ser em Vitória, esse mês ainda. E faz assuntos, por exemplo, ensino médico, a família, coisa que, não é exatamente a função da Sociedade Brasileira de Pediatria, então a gente tem essa ligação. A gente complementa até a Sociedade Brasileira de Pediatria, fazendo isso. Mais recentemente, eu fui... Aliás, até quase me empurraram, pra ser também da Academia de Medicina, isso na pediatria, Academia de Medicina de São Paulo. Cá entre nós, eu gosto mais, sem nenhum desdouro, eu tenho mais ligação com a Academia Brasileira de Pediatria. E tem mais uma coisinha que eu não falei, na minha vida. Eu pertenço a uma sociedade, que se chama B’nai B’rith. B’nai B’rith é uma de origem judaica, o nome hebraico significa “filhos da aliança”. Essa aliança, se refere à aliança de Abraão com Deus, no qual Deus disse a Abraão: “Que sejais uma benção para a humanidade”. Então, Tzedaka é uma Sociedade, assim, que tem no mundo inteiro, e essa é a Associação Brasileira que faz a defesa dos direitos humanos. Faz também a parte de beneficência; e beneficência em hebraico, chama Tzedaka, é beneficência, mas no sentido de justiça social, interessante. Agora, mudando um pouco, a diferença entre o cristianismo e o judaísmo, é que o cristianismo tornou, talvez até um pouco mais humana, viu? Que o judaísmo é muito rígido e tem uma explicação pra isso. Imagine aqueles escravos, saíram do Egito. Escravo, né, sem instrução, não tinha um nível muito bom. De repente, soltos no deserto, era uma bagunça, né? Então, tinha que ter umas coisas muito rígidas pra controlar. Por exemplo, um dos dez mandamentos, quando diz: “Honrar a Deus, antes de qualquer coisa”, o cristianismo mudou para amar. E eu penso assim: “Honrar, você pode obrigar, viu? Amar, não”. E em relação a mãe, honrar pai e mãe, também, honrar pai e mãe. No judaísmo, se diz: “Honrar pai e mãe”, você é obrigado a honrar. Jesus, que é boa gente, né? Mudou pra “amar”, então o Tzedaka virou caridade, Tzedaka virou obrigação com os mais pobres. Aí, caridade depende um pouco do seu coração. Eu ainda acho que pra um ser humano, teria que ser obrigado. Mas, então, isso, a defesa dos direitos humanos, onde quer que eles sejam alterados, então eu sou, também, há quase meio século, nessa B’nai B’rith de São Paulo, então é outra parte que eu faço. No começo, era só masculina, machista, como era antigamente. Hoje é casal, e aliás, o Conselho, a mulher acaba predominando. E só terminando aquilo que eu falei no começo, porque eu fiquei um pouco decepcionado com o socialismo, mas a minha mãe não podia perder todos os ideias. E como cada um procurou a sua linha, a minha foi essa. Tentar responder aquilo que Deus pede, para que cada um de nós faça das nossas atividades comuns, atividades diárias aquilo que a gente pode pra tornar esse mundo, pelo menos, um pouquinho melhor, ainda em nossos tempos. Perdi aquela ilusão de mudar o mundo inteiro, como a gente queria antes, mas fazer o que cada um pode fazer pra melhorar o mundo, a gente procura fazer.
P/1 – Vou te fazer agora a nossa penúltima pergunta, pra encerrar. Quais são seus sonhos hoje?
R – Sonhos? (risos) O meu sonho seria, ainda voltando ao socialismo, um mundo melhor, né? Vocês viram o jogo do Santos? Eu sou torcedor do Santos. O jogo Santos e Corinthians, que teve outro dia? Os torcedores brigaram com paus, antes do jogo começar. Foram pro Pronto Socorro, continuaram a briga no Pronto Socorro, então ah, faça o favor! É engraçado, a gente goza o corintiano quando o Santos ganha, ele só é bacana, né? Meu sonho seria um mundo melhor, fraterno, em que todos vivessem, cada um podendo um pouco da sua maneira, embora eu não acredite, quando falam muito em liberdade, isso é um pouco de conversa mole. Quando o ser humano resolveu se socializar, muito da liberdade foi por água abaixo. Mas quem quer liberdade? Liberdade vai ser Tarzan na floresta, antes da vinda da Jane, né? Porque quando veio a Jane já perdeu muito da liberdade dele, então a liberdade nesse sentido ninguém quer. Mas o mundo inteiro desenvolveu seu potencial, que é tão bom. Cada um tem a sua parte, se completa, se une. O ser humano tem uma necessidade de religião que um dia eu gostaria de até estudar, viu? Mas cada um que faça a sua parte, mas é como disse, até nisso pode se complementar, né? Então um mundo melhor, sem guerras. E, assim, particularmente, que Israel e os palestinos, e os árabes, de um modo geral, entrassem em paz, que seria bom pros dois, que cada um tem a sua vantagem, até comercial, né? Porque cada um tem o seu lado, então como eu disse, é uma coisa que eu já tive muito mais. Achava que ia ter. Hoje eu já não acredito tanto, mas seria esse o meu sonho. E dentro da pediatria, então, esse sonho que a gente possa não só patrocinar uma vida longa, mas uma vida saudável, que vale a pena ser vivida.
P/1 – E por fim, como é que foi contar a sua história? Como é que foi dar essa entrevista, hoje?
R – Primeiro lugar, eu não sabia, né? E não me deram muitas notícias. Primeiro falaram em Nestlé, depois falaram em Museu. Eu falei: “Que museu? Que Nestlé?”. E eu fiquei aqui, sem saber, então agora há pouco, eu rabisquei umas coisas, eu falei: “Vamos ver”. Então foi muito interessante, né? Porque, você viu, eu falo bastante, né? E eu não falo muito, normalmente. Quando eu saio com os meus amigos, eu sou o que falo menos. Mas nessas horas, eu não sei por quê, uma coisa desencadeia aí, que eu até falo muito, que eu até falo um pouco demais. Mas, então, foi realmente uma sensação porque eu tô nesta fase da vida, né, que a gente começa relembrar as coisas, e ver onde elas encaixam também, né? Como é interessante, como as coisas se encaixam, a gente não tem a menor ideia que vai ser assim. E as coisas se encaixam. E eu sou muito... Eu tenho minhas dúvidas, com relação a Deus. “Ah, podia ser melhor, né?” Mas eu tenho muita gratidão. A segunda chance que eu tive, pouca gente tem, foi com a minha esposa, os meus filhos, os meus netos. E meus amigos, sempre dei muita importância pros meus amigos. Meus clientes. Olha, meu pai ganhava dinheiro, né? Ele se esforçava por ganhar dinheiro. Eu nasci, talvez pelo jeito que eles me criaram, “ah, se vai ganhar dinheiro, talvez eu morra de fome”. Como é que se ganha dinheiro? Por sorte, olha, que sorte, eu fiz uma coisa que eu gosto, que eu sei fazer bem, e eu não sei fazer bem muita coisa, que eu não tenho muita habilidade manual, né? Então, e ganhei dinheiro com isso. Eu fiz a minha parnassá, quer dizer, não fiz nada de ficar milionário, também não me interessa. Não sei o que quê se faz. Quando eu vejo, gente que tem 50 milhões. Se eu tivesse 45 milhões, será que tem diferença na qualidade de vida dele? Bom, mas então, eu tenho muito a agradecer, porque tenho o sustento decente. Não tenho dívida nenhuma. Nunca tive, né? Eu ganho o suficiente. E posso fazer aquilo que eu gosto, e aquilo que eu faço bem, porque como eu disse, tem muita coisa que eu não sei fazer. Por isso também eu admiro muito quando vem um encanador, eu admiro muito, eu falo: “Poxa, ele sabe fazer isso. Eu não teria a menor ideia de como se faz isso”. Pra mim, devia valer pra todos nós. Todos nós nos completamos, né? Um é bom nisso, o outro é bom no outro. E não vejo porque o individuo precisa se orgulhar demais, né? Agora, deve sempre fazer... Alguns dizem: “Ah, eu faço o que eu posso”. Não! Fazer o que eu posso, qualquer um faz. Tem que fazer mais do que pode. Tem que se esforçar pra ser mais do que pode! Isso é uma coisa que a gente tem que fazer, fazer o melhor, mais que o melhor, e eu acho que isso dá uma satisfação do dever cumprido. É isso que a gente quer quando terminar, né? Bom, dever comprido.
P/1 – Tá bom, tá ótimo. Jayme, obrigada, viu? Muito obrigada.
R – Eu que agradeço a vocês.
P/1 – A gente encerra aqui. Foi ótimo. Espero que você tenha gostado.
FINAL DA ENTREVISTA
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