Correios – 350 anos Aproximando Pessoas
Depoimento de Sinair Nelson Garcia (Grande)
Entrevistado por Rosana Miziara
Iratapuru, 30/07/2013
HVC074_Sinair Nelson Garcia (Grande)
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Liliane Custódio
MW Transcrições
História de vida:
P/1 – Vamos começar, seu Grande?
R – “Bora”.
P/1 – Seu Grande, como é seu nome completo?
R – Sinair Nelson Garcia.
Só.
P/1 – Local e data de nascimento do senhor.
R – Eu sou nascido em Itumbiara, Goiás, aos 3 de novembro de 1954.
P/1 – Seus pais são de Goiás?
R – São de Minas.
São de Uberlândia.
P/1 – Seu pai e sua mãe?
R – Pai e mãe.
P/1 – E seus avôs maternos e paternos?
R – São da Bahia.
P/1 – Tanto de pai quanto de mãe?
R – Tanto de pai quanto de mãe.
P/1 – Seu pai e sua mãe se conheceram na Bahia?
R – Não.
Conheceram em Minas.
P/1 – Por que seus avôs saíram da Bahia e foram para Minas?
R – Não, os meus avôs eu não sei contar bem deles.
P/1 – O que seus avôs faziam? Você sabe?
R – Era tudo agricultor.
Um dos avôs era criador, ele tinha criação de gado, essas coisas, porco.
É o pai da minha mãe.
P/1 – Que era da Bahia também?
R – Era da Bahia também.
P/1 – E como eles saíram da Bahia e foram parar em Minas Gerais?
R – Ah, é o mesmo negócio de eu sair lá do Goiás e vim parar para cá.
Eu acho que foi assim, procurando as melhoras.
Aí eu rodei parte do país e vim me agradar aqui.
P/1 – Você sabe por que seu pai foi parar lá? Ele conta?
R – O meu pai conta que foi uma praga que deu na lavoura na Bahia, naquele tempo, aí eles vieram embora.
P/1 – Mas ele já estava casado com a sua mãe?
R – Já.
Já estava casado.
P/1 – Seu pai fazia o quê?
R – Meu pai antes era agricultor, aí depois ele ficou trabalhando em Minas, em Goiás.
P/1 – Aí seu pai, ele saiu de Minas.
.
.
Que lugar da Bahia que ele era?
R – Os meus avôs que era da Bahia.
Eles eram de Nazaré das Farinhas.
P/1 – Nazaré das Farinhas?
R – É.
P/1 – Fica perto da onde?
R – Não, eu não sei de perto da onde, não.
P/1 – Mas seu pai não nasceu lá?
R – Não.
Meu pai já nasceu em Minas.
P/1 – Ah, seu avô que saiu de lá porque a terra estava ruim?
R – É.
É.
Meus avôs que saíram de lá.
P/1 – E você sabe por que foi Minas? Que cidade de Minas?
R – Ah, ele veio para Uberlândia.
P/1 – Por que Uberlândia?
R – Uberlândia estava desenvolvendo bem naquela época, estava bom de ganhar dinheiro, aí ele veio para lá.
P/1 – E ele conheceu sua mãe aonde?
R – Foi lá em Uberlândia também.
P/1 – Mas a sua mãe também era da Bahia?
R – Não.
Só os pais dela.
P/1 – Ela já nasceu em Uberlândia?
R – Já em Uberlândia também.
P/1 – E o que seu pai fazia em Uberlândia?
R – Ah, o meu pai começou sendo agricultor, sabe essas pessoas que trabalham assim, descarregando carro, tornando carregar? Lá não tem muita produção assim, de soja, de arroz, de milho? Aí ele trabalhava naqueles armazéns, trabalhando de carregador, essas coisas assim.
P/1 – E a sua mãe?
R – A minha mãe sempre foi lavadeira de roupa.
Não tinha tanta tecnologia como tem hoje para lavar roupa em máquina, essas coisas, aí utilizavam muito as pessoas, ganhavam muito dinheirinho com isso.
P/1 – Lá em Uberlândia?
R – É.
Lá em Uberlândia.
P/1 – E quanto tempo eles viveram lá?
R – Olha, eles viveram.
.
.
Por exemplo, meu pai foi a vida toda.
E a minha mãe não foi a vida toda porque ela morreu muito nova ainda.
P/1 – Ela morreu com quantos anos?
R – Olha, hoje eu estou com 59, e quando ela morreu, eu estava com 11 anos, quer dizer que está com 48 anos.
P1 – Mas você não nasceu em Uberlândia?
R – Não.
Nasci em Itumbiara.
P/1 – Por que você nasceu lá se a família era de Uberlândia?
R – Foi assim: o meu pai trabalhava lá com umas pessoas de lá de Uberlândia, que eles tinham fazenda em Goiás, ali pertinho da divisa ali em Itumbiara.
Aí época meu pai ia lá para fazenda deles.
Aí foi uma época dessas que ele foi, que ele levava a família, foi o tempo que a minha mãe já me teve para lá por Goiás.
P/1 – Mas, vem cá, ele não trabalhava no armazém?
R – É.
Trabalhava.
Agora, época de trabalho no armazém, era no armazém; época que não era de trabalhar, ele trabalhava nas fazendas.
P/1 – Ele trabalhava com quais fazendas?
R – Nas fazendas de gado, essas coisas assim.
Para lá só é gado.
P/1 – Mas ele tinha um patrão só, ele tinha vários?
R – Tinha vários.
Não era só um, não.
P/1 – O que ele fazia?
R – Pois é, era fazenda e esse trabalho de carregar o caminhão, descarregar, era assim.
Tem época ele trabalhou numa cerâmica.
Cerâmica de fazer tijolo, telha, essas coisas assim.
P/1 – E essa fazenda que ele ia para Goiás era de uma pessoa só? De quem era?
R – Era só de uma pessoa.
Eu não tenho nem lembrança do homem, mas o nome eu acho que era Rabibo.
Rabibo, o nome da pessoa.
P/1 – Ele estava fazendo trabalho para ele do quê lá em Goiás?
R – Era mexendo com gado, essas coisas.
P/1 – Mas ele não morava lá, ele só foi passar essa época?
R – É.
Ele passava às vezes três meses, quatro meses.
P/1 – E levava a família?
R – Levava.
P/1 – Quantos filhos?
R – Na minha época que eu nasci, Porque tudo eram seis.
Mas até lá ainda não tinha nascido tudo, ainda tinha um para nascer ainda.
Inclusive esse nasceu no estado de Minas, o último.
P/1 – Mas eram seis como?
R – Seis homens e mulheres.
Aí deu certo de nascer três em Minas e três em Goiás.
P/1 – E a data?
R – Não, a data eu não decorei, não.
A data do mês eu sei, eram 3 de novembro e 3 de dezembro.
P/1 – Três filhos nasceram em novembro e três em dezembro?
R – É.
Aí eu não ia nascer em novembro e nem em dezembro, eu acho que eu ia nascer em janeiro, mas para combinar, aí eu nasci de sete meses, aí deu certo com os outros.
P/1 – Você sabe por que você tem esse nome: Sinair?
R – Não, isso foi minha mãe que tirou esse nome, não sei de onde.
E aí não me registrou logo, e quando eu fui registrar já foi por minha conta própria, mas meu pai me contou que ela queria esse nome, aí eu coloquei.
E aí esse nome até que deu certo, porque quando eu fui lá para aldeia que eu falei, os nomes lá quase tudo combinavam com o meu.
O meu era Sinair, lá tinha Sitirê, Uincarnê, Zemicê, Antoniê, era tudo assim, aí deu certo lá com o meu também.
P/1 – E aí quando você nasceu, como é o nome da cidade em Goiás?
R – Itumbiara.
P/1 – Era uma fazenda de gado?
R – Itumbiara é uma cidade, aí eu nasci no município de Itumbiara.
Como se fosse aqui, aqui no município do Laranjal do Jari.
Eu não nasci em hospital, era parteira ainda.
Era.
P/1 – Quem fez o parto da sua mãe?
R – Essa eu ainda conheci ainda, a mulher que fez o parto da minha mãe.
P/1 – Lá em Itumbiara?
R – É.
Lá em Itumbiara.
P/1 – E quanto tempo eles ficaram lá em Itumbiara?
R – Não, eram pouco tempo que eles ficavam, voltavam de novo.
P/1 – Aí você voltou?
R – Aí voltei.
P/1 – Você nasceu e ficou quanto tempo lá?
R – Lá no estado de Minas?
P/1 – Em Itumbiara.
R – Em Itumbiara eu nem me lembro.
Nem me lembro quase.
P/1 – Por que eles voltaram logo?
R – Foi.
Voltaram logo, eu ainda.
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P/1 – Você era bebê?
R – É.
Era bebê.
Eu sei contar um pouco só do estado de Minas.
De Itumbiara, pouco eu sei contar.
P/1 – Aí de Itumbiara, eles voltaram para o estado de Minas?
R – Foi.
P/1 – Para Uberlândia?
R – Foi.
P/1 – Até quanto tempo você ficou em Uberlândia?
R – Eu fiquei até a idade dos 11 anos.
P/1 – Como era a sua casa em Uberlândia?
R – Em Uberlândia, para lá não existe casa de madeira, era uma casa também de alvenaria, uma casa bem feita mesmo.
P/1 – Mas você morava na cidade?
R – Era na cidade.
P/1 – Você e seus seis irmãos?
R – Eu e os seis irmãos.
P/1 – Como era a casa?
R – Era uma casa.
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Seis irmãos não.
Tinha uma que foi morar com meu avô.
P/1 – Por quê?
R – Ela não quis morar mais meu pai, foi morar com os avôs.
A mais velha.
E aí morou para lá até quando morreram tudo para lá.
Aí ficamos só cinco em casa.
Era uma casa de mais ou menos.
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Mais ou menos não, certeza, cinco cômodos: cozinha, sala e três quartos.
P/1 – Como que era o seu pai? Como é o nome dele? Era o nome dele?
R – Abadio.
P/1 – Como era o jeito dele assim.
Fala um pouco dele.
R – Ele era mais alto do que eu, mais forte um pouco do que eu, assim que era ele.
P/1 – Ele era bravo, ele não era, como ele era?
R – Não, ele.
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Ele para os filhos dele não era muito bom, não.
P/1 – Não era?
R – Não.
Assim, pisando fora da bola, que o menino faz mais é pisar fora da bola, aí ele não perdoava.
Então tinha que andar direitinho.
Por exemplo, assim, se eu achasse uma coisa na rua, sei lá onde fosse, se eu chegasse lá com aquela coisa, ele tinha que saber onde foi, tudo, aí depois que eu contava, eu tinha que ir lá ainda mostrar para ele, quando ele não me mandava voltar e deixar lá onde eu encontrei.
P/1 – Achasse, por exemplo, o quê?
R – Por exemplo, se eu chegasse: “Ah, achei dez reais” “Achou? Aonde foi que você achou?” “Foi em tal lugar” “Você vai lá me mostrar esse lugar”.
Duvidando, pensando que a gente estava mexendo nas coisas dos outros, roubando, essas coisas assim.
Se uma pessoa desse uma coisa, a gente tinha que ir lá com ele para provar para pessoa que ele me deu aquilo.
E se não provasse, aí era taca para muitos dias passar doente.
P/1 – Era o quê?
R – Era taca mesmo para adoecer.
Ele não batia para ficar sadio.
Por isso que eu digo que era ruim.
P/1 – Você apanhou muito?
R – Eu fui um dos que apanhei menos, porque eu corria.
Mas os que não corriam, tem deles que já estão velhos que nem eu, mas têm sinal que ele deixou, sinal no rosto.
Agora, eu não dei esse gosto para ele.
Eu corria mesmo.
Para ele me pegar, ele tinha que me pegar de surpresa.
P/1 – E com a sua mãe, como ele era?
R – Não, com ela, ele não era tão mau, não.
O pouco que eu lembro, ele não era tão mau, não.
Ele era mau mesmo era com os filhos dele.
P/1 – Aí você estava falando da sua mãe?
R – Era.
Da dona Maria Divina.
P/1 – Como ela era?
R – Ah, essa era baixinha.
Era baixinha, se muito desse, era um metro e 40, por aí assim.
Baixa.
P/1 – E como era o jeito dela?
R – Não era esparolada, era calma, tranquila, falava baixo.
Não era dessas que a gente chega, ela está cantando, gritando, não.
Até com os filhos ela não gritava não.
Ela conversava com todo mundo, mas gritar, ela não gritava, não.
P/1 – E era lavadeira?
R – Era lavadeira.
P/1 – E seu pai trabalhava na roça.
R – Na roça.
P/1 – Mas eram dele as terras? Não, ele trabalhava para alguém?
R – Não.
Terra dos outros.
P/1 – E ele ganhava salário, trazia comida, como era?
R – Era.
Ganhava salário, aí pegava empreitazinha naquelas fazendas, aquele negócio, e ia.
A hora que chegava o tempo lá do armazém de novo, que era tempo de colheita, ele de novo para lá.
P/1 – Para Itumbiara?
R – Para Uberlândia.
P/1 – Ah, Uberlândia.
R – É.
P/1 – E fala uma coisa, vocês passaram necessidade assim, te faltava comida, dinheiro?
R – Não.
Não era tanto, mas sempre faltava.
De vez em quando estava faltando.
Não era uma vida tão boa, não.
P/1 – E como era na tua casa? Quais eram as brincadeiras de infância?
R – Não, as brincadeiras eram essas brincadeiras de rua.
Por exemplo, eu era bola, eu era doente por bola.
E os outros irmãos também.
Depois que eu peguei assim, 11 anos, por aí, aí eu comecei andar assim, nos matos, aí saí mais de bola.
Eu achava bom ir caçar, essas coisas assim.
Eu comprei uma espingarda escondida do meu pai, aí eu a deixava ela no mato, aí eu ia para o mato caçar com a minha espingarda.
Também se eu matasse alguma coisa, não podia trazer, tinha que dar para alguém, que não dava para trazer.
P/1 – E fala uma coisa, com quantos anos o senhor entrou na escola?
R – Na escola? Ah, foi com oito anos já.
E aí eu estudei só dois anos também.
P/1 – Por que só dois anos?
R – Não, porque eu não quis mais e meu pai não forçou a barra, não me obrigou a estudar.
Ele falou: “Tu não quer estudar, então você vai trabalhar, mais eu”.
Eu digo: “Eu vou, mas não vou estudar, não.
Não aguento ver professora gritando comigo”.
Ele disse: “Então vamos embora para o mato”.
Aí eu fui e os outros ficaram estudando.
P/1 – Só você foi?
R – Foi só eu que não estudei.
Os outros todinhos estudaram e estão até hoje na cidade.
P/1 – Em Uberlândia mesmo?
R – É, tem Uberlândia, em Belo Horizonte, em Cuiabá e no Rio Verde das Abóboras.
Rio Verde das Abóboras é em Goiás.
P/1 – Por que você não gostava de estudar?
R – Eu não aguentava a professora naquele tempo, não.
P/1 – Por quê?
R – Tinha palmatória, ela passava uma conta, eu não dava conta, ela mandava os outros moleques baterem na minha mão.
Hora que saía da escola, aí pegava aqueles moleques que me bateram e descontava tudinho.
No outro dia, eles contavam para ela, ela me botava de castigo, aí virava aquela guerra em cima de mim, aí eu digo: “Não dá”.
Aí eu parei.
Aí falei para ele, ele concordou.
P/1 – E a sua mãe?
R – Não, minha mãe não queria que eu parasse, mas nessa época o homem que falava grosso dentro de casa: “Não, não quer? Não quer.
Ele vai trabalhar na roça agora.
Agora ele vai saber o quanto é bom”.
Aí eu ia para roça, mas eu me dava bem.
P/1 – O que você fazia na roça?
R – Ajudava-o em tudo lá, capinar e fazer colheita, essas coisas, tudo.
Eu o ajudava.
P/1 – Ajudava plantar o quê?
R – Arroz.
Arroz, algodão, para lá são essas coisas.
Arroz, algodão, feijão.
Também não me arrependo disso, não, porque isso que aprendi com ele, assim mesmo sendo meio baixo, ainda me serviu muito.
P/1 – E você começou a conhecer as plantas? Como é que foi?
R – As plantas eu comecei numa aldeia de índio.
P/1 – Nessa época não, você só plantava?
R – Era.
Para lá era.
P/1 – E na sua casa, vocês tinham alguma formação religiosa?
R – Tinha.
Aí bem, ainda tinha isso mesmo lá.
Lá em casa, por exemplo, assim, era quase que uma igreja, minha mãe reunia todo mundo ali, ela pegava a bíblia, ia ler, depois tinha que rezar e tudo isso.
P/1 – Que horas vocês rezavam?
R – Era à noite.
Ela reunia todo mundo lá.
De vez em quando ela oferecia um almoço para o padre, o padre ia lá um dia de domingo também.
E o padre ensinava muito lá.
E era assim, muito religioso lá nossa família todinha.
E até hoje nunca desviou nenhum para outra religião.
P/1 – E eles contavam histórias? Assim, tinham costume de contar história, seu pai e sua mãe?
R – Não, eles contavam história, mas história de “João sem braço”, sabe?
P/1 – Como é?
R – História de “João sem braço” é história assim, de mentira, não é história que nem os índios contam.
Os índios não contam história de mentira, que eles não sabem.
Aí eles vão contar daquele tempo dos bisavôs deles, aconteceu isso, aconteceu aquilo.
E se for uma coisa engraçada, todo mundo acha graça e tudo.
Já o meu pai não, às vezes se ele fosse contar, ele contava era uma história como se fosse de um gibi, um filme, esse negócio assim.
P/1 – Você se lembra de alguma história que ele contava?
R – Lembro.
Lembro sim.
P/1 – Qual história?
R – Ah, eu lembro que ele contava do João Acaba-Mundo, contava do Netinho e a avozinha.
Isso tudinho eu me lembro dessas histórias ainda.
P/1 – Conta uma.
R – Não, uma mais pequena é, por exemplo, do netinho com a avozinha.
Ele contava: “Olha, tinha uma velhinha, morava sozinha mais o netinho dela.
Então o netinho dela andando lá para os vizinhos, eles deram um ovo de uma pata para ele.
Aí ele pegou o ovo da pata, levou e colocou para chocar dentro de um bolo de algodão.
Aí quando nasceu, nasceu uma pata.
Quando a pata cresceu, a pata botou 12 ovos.
Ele pegou e botou a pata para chocar, aí nasceram os 12 patinhos.
Ele foi e colocou o nome nos patinhos dele, o menino.
Os nomes dos patinhos ele disse que não lembrava direito o nome de todos, mas era Inguim, Zezinho, Firimpimpim, Mucuim, Tim-Tim.
Eram assim os nomes dos patinhos.
Aí ele ia brincar lá numa grotazinha, um igarapezinho.
Só que quando os patinhos começaram encruzar as penas, ele foi para igreja, quando ele chegou, estava faltando um dos patinhos.
Aí ele falou: ‘Vovó, está faltando um dos meus patinhos, vovó’.
Ela disse: ‘Ah, meu netinho, foi eu que matei para nós tomarmos um caldinho.
Achei gostoso, comi tudo’.
Ficou triste por ali e foi brincar.
No outro domingo ele foi para igreja, faltou outro patinho.
Aí foi a mesma história.
Foi indo, até num domingo ele chegou, ela tinha comido até a pata velha.
Aí ele sentou e foi chorar.
Ela com dó dele, pegou um cará e deu para ele.
Falou: ‘Olha, meu netinho, você pega esse cará e planta, que esse cará vai dar muito cará, aí você vai comprar outros patos para ti’.
Ele disse: ‘Está bom, vovó’.
Ele pegou o cará, mas não sabia onde plantar.
Ela ensinou.
Aí tinha os ferreiros que mexiam com ferro, espingarda velha, machado, essas coisas, tem aquele monte de carvão, aí o menino foi e enterrou o cará lá dentro do monte de carvão do ferreiro.
E o ferreiro não sabia que ele tinha colocado lá, o ferreiro foi mexer e quebrou o cará do menino.
Quando o menino foi ver se o cará tinha nascido, tinha era quebrado o cará.
Ele cobrou do ferreiro, falou: ‘Ferreiro, me dá meu cará, cará que a minha avó me deu, quantos patinhos minha avó comeu’.
O ferreiro não tinha outra coisa para dar, deu um machado para ele.
Só que ele foi cortar um pau, o pau era muito duro, quebrou o machado dele.
Aí ele cobrou do pau, disse: ‘Pau, me dá meu machado, machado que o ferreiro me deu, ferreiro quebrou meu cará, cará que a minha avó me deu, quantos patinhos minha avó comeu’.
Aí o pau, por sua vez, deu uma capa para ele.
Ele saiu com a capa, só que os boiadeiros acharam bonita.
Os boiadeiros, os caubóis, acharam bonita, tomaram dele.
Aí ele cobrou desse caubói, falou: ‘Boiadeiro, me dá minha capa, a capa que o pau me deu, o pau que quebrou meu machado, o machado que o ferreiro me deu, o ferreiro que quebrou meu cará, cará que a minha avó me deu, quantos patinhos minha avó comeu’.
Aí ele deu um chapéu para ele, de boiadeiro.
Ele saiu todo bonito com aquele chapéu, ia passando umas moças, viram o chapéu, acharam bonito, tomou dele o chapéu.
Ele falou: ‘Moça me dá meu chapéu, chapéu que o boiadeiro me deu, o boiadeiro pegou minha capa, a capa que o pau me deu, o pau que quebrou meu machado, o machado que o ferreiro me deu, o ferreiro que quebrou meu cará, o cará que a minha avó me deu, quantos patinhos minha avó comeu’.
Aí as moças deram um lenço para ele, mas um lenção bonito, aí ele botou no pescoço e saiu.
Quando ele foi passando em cima de uma ponte, deu um vento e jogou o lenço lá embaixo no rio.
Ele olhou o lenço acabando de sumir, ele falou: ‘Rio, me dá meu lenço, lenço que a moça me deu, moça que pegou meu chapéu, chapéu que o boiadeiro me deu, boiadeiro que pegou minha capa, a capa que o pau me deu, o pau quebrou meu machado, machado que o ferreiro me deu, ferreiro que quebrou meu cará, cará que a minha avó me deu, quantos patinhos minha avó comeu’.
Aí o rio deu um bocadão de peixe para ele.
Ele disse: ‘Bom, pelo menos comer agora eu vou’.
Fez o fogo, fez a brasa, botou lá para assar e foi tomar um banho.
Quando ele chegou, tinha queimado tudinho os peixes já na brasa, estava só o carvão.
Ele disse: ‘Eu estou sem sorte, mas eu vou cobrar’.
Ele disse: ‘Brasa, me dá meu peixe, peixe que o rio me deu, rio que pegou meu lenço, lenço que a moça me deu, moça que pegou meu chapéu, chapéu que o boiadeiro me deu, boiadeiro que pegou minha capa, a capa que o pau me deu, o pau quebrou meu machado, machado que o ferreiro me deu, ferreiro que quebrou meu cará, cará que a minha avó me deu, quantos patinhos minha avó comeu’.
O que a brasa deu para ele? Um bocado de semente de flor.
Ele saiu aí no mundo jogando semente de flor.
Ali na Praça do Monte Dourado ele passou, porque ali tem umas flores, foi ele que passou por ali, foi no caminho de Macapá, chegou a Macapá, jogou lá naquelas praças tudinho.
Por onde você andar que você ver alguma flor, pode saber que foi o menino que passou jogando semente de flor”.
Aí ele dizia: “Aí entrou o bico do pinto, saiu no bico do pato, se achou bonita a história, conta três ou quatro”.
(risos).
P/1 – E ela que contava isso?
R – Era.
E ficava todo mundo sem dormir ali, esperando.
Quando um queria dormir, o outro beliscava.
Às vezes era depois que acabava de rezar todo mundo.
P/1 – E tinha festa assim que você comemorava na sua casa?
R – Na minha casa.
.
.
P/1 – Natal, aniversário.
R – Ah, Natal tinha.
Mas também era só Natal mesmo.
P/1 – Como eram os Natais?
R – Ah, o Natal a minha mãe prevenia bem antes, ajeitava aqueles frangos no terreiro, tudo é para o Natal, tudo, tudo.
Às vezes uma porcazinha para comer assada no Natal.
Aí arrumava um vinho, mas o vinho era só para os adultos.
Eu acho que a gente nem falava em negócio de Fanta, Coca, era só guaraná.
Aí arrumava um guaraná lá para os pequenos, aí ia comemorar o Natal.
Outro dia que comemorava de novo era o Sábado de Aleluia.
Que durante a quaresma ela não batia em ninguém, nem ela e nem ele, mas parece que botava tudinho num caderno, para deixar tudo para o Sábado de Aleluia.
Portanto que eu nunca amanheci Sábado de Aleluia em casa, que eles pegavam era na cama, antes de levantar.
Aí eu nunca amanheci um Sábado de Aleluia em casa.
Na quaresma a gente podia fazer, eles só falavam ali, reclamavam, mas não batiam, não, que era pecado.
Agora, Sábado de Aleluia.
Aí: “Você está apanhando sabe por quê? Por causa daquele dia que você fez isso, isso e isso”.
Acabava aquele dali: “Agora você vai apanhar de novo sabe por quê? Porque tu fez tal dia isso, isso e isso”.
P/1 – Seu pai?
R – Era.
E aí.
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Que nem eu, que não parava, ia dar quase o dia todo apanhando.
P/1 – Você não parava?
R – Aí eu não dormia logo de sexta-feira em casa.
P/1 – O que você aprontava?
R – Ah, eu gostava muito de atentar com os outros irmãos.
Portanto que quando minha mãe morreu, os outros tudo ficaram em casa, eu resolvi sair, que eu vi que não ia ter mais nada para mim lá.
Os irmãos não se davam muito comigo, que eu bagunçava muito com eles.
P/1 – Bagunçava como?
R – Às vezes meu pai liberava para um ir passear, não liberava para mim: “Não, você não vai, só vai o fulano, o fulano e o fulano”.
P/1 – Por que ele não liberava?
R – Não, os outros que reclamavam para ele: “Não, ele não pode ir, porque chega lá, ele vai atentar lá, fazer vergonha a gente lá e tal”.
“É.
Tu não vai.
” Os outros se arrumavam tudo, calçavam, na hora que eles iam sair, eu passava bosta de galinha na roupa deles e bagunçava com eles.
Era assim.
E já corria também para o mato.
Quando minha mãe morreu, eu digo: “Agora acabou o mundo para mim, eu vou ter que achar outro lugar”.
P/1 – Mudou muito sua vida depois que ela morreu?
R – Foi.
Mas mudou muito.
P/1 – Ela morreu do quê?
R – Morreu de parto também.
Ela passou sete anos sem ter filho, aí engravidou e foi para dita Itumbiara de novo, na mesma Itumbiara ela morreu.
Ela ficou com dor lá no mato três dias e a parteira tentando, tentando, e com três dias a parteira despachou.
Aí ela foi para o médico, chegou lá passado da hora, aí morreram ela e a criança.
P/1 – E você quando era pequeno você ia muito.
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De quanto em quanto tempo você ia para Itumbiara.
R – Não, pouco ia eu mesmo, não tem.
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Eu me lembro de ir a Itumbiara quando eu já tinha 12 anos, por aí assim, eu já ia, mas era jogar bola, essas coisas assim.
P/1 – Aí quando o senhor fez 11 anos.
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R – Foi.
Foi com 11 anos.
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P/1 – Sua mãe morreu.
O que mudou na sua vida?
R – Mudou que aí eu saí.
P/1 – Com 11 anos?
R – Foi.
Foi com 11 anos que eu saí de casa.
P/1 – Você decidiu ir para onde?
R – Decidi ir para o norte de Goiás, que hoje é Tocantins.
P/1 – Mas por que para Tocantins?
R – Não, já vim no intuito de garimpo já, de garimpo de cristal que tinha nessa época.
P/1 – Mas como você sabia do garimpo com 11 anos?
R – Não, tinha gente que trabalhava por aí, e ia para lá para o estado de Minas, aí contava, e eu ficava escutando aquelas conversas.
P/1 – Quem contava? Assim, qual foi uma pessoa que te aconselhou?
R – Nós mesmos tínhamos um vizinho lá, o senhor Zezinho, ele trabalhava nesses garimpos por aí, garimpo de cristal, aí ele contava.
Aí eu saí à procura de garimpo.
P/1 – Ele trabalhava? E o que ele contava?
R – Contava que ele ganhava muito dinheiro.
E ele ganhava mesmo.
Aí eu vim.
P/1 – Mas você sabia o que era garimpo?
R – Não, sabia, mas não pensava que era do jeito que é.
Sabia que era atrás de minério, essas coisas, só que não é bem assim.
É atrás de minério, mas não é só chegando e achando minério.
P/1 – Você chegou com 11 anos.
Como você veio? Com que dinheiro? Como você chegou?
R – Nesse tempo não tinha essa fiscalização toda que tem hoje em dia para de menor.
P/1 – Mas você chegou como?
R – Estava desbravando a Belém–Brasília.
Conhece bem a Belém–Brasília.
É uma rodovia principal de Brasília para Belém.
Aí estava na abertura dela ainda, no desmatamento dela, aí eu vim.
A gente passava era de mês para chegar aí a essas regiões.
P/1 – Mas vinha como? De ônibus?
R – Era de ônibus e aquelas caminhonetas que faziam corrida.
P/1 – Como o senhor conseguiu dinheiro para passagem?
R – Não, eu não vim só de uma vez.
Eu vinha, a hora que acabava, eu parava, trabalhava naquelas fazendas por ali, ganhava de novo, tornava ir mais um pouco.
Eu passei uns seis meses para chegar lá.
P/1 – Por quê? Você ia chegando mais perto e trabalhando?
R – Era.
Até quando cheguei.
P/1 – Qual foi o primeiro lugar que o senhor trabalhou para ir?
R – Eu trabalhei lá perto de uma cidade que chama Maurilândia.
Eu trabalhei num homem que tinha um bananal, muitos hectares mesmo de banana, aí ele estava precisando de gente para trabalhar, aí eu fui para lá.
Chego lá, ele me deu trabalho lá, eu trabalhei lá bem com ele.
Ele era um paulista.
Lá eu passei uns dois meses lá.
Aí ganhei um dinheiro que fui muito longe.
E assim fui retirando cada vez mais.
P/1 – Mas foi sempre caminhando em sentido norte?
R – Era.
P/1 – Para chegar no Tocantins?
R – Era.
Todo o tempo.
Até quando cheguei.
P/1 – Aí o senhor tinha o quê já, 12 anos?
R – Não.
Eu já cheguei lá já bem mais maduro.
E que eu passei mais de seis meses para chegar lá.
P/1 – Mas você não tinha 11 anos?
R – Tinha.
Aí nesses 11 anos ainda eu fiquei lá naquela região mais um ano e pouco, depois que eu fui saindo.
P/1 – Ficou até 12 anos?
R – Era.
P/1 – Até aonde?
R – Na região ali de Uberlândia, Centralina, que tem muito trabalho ali.
Aí eu fiquei naquela área ali.
P/1 – E você não visitava mais seu pai, seus irmãos?
R – Não.
Não visitei mais.
P/1 – Não visitou mais?
R – Não.
Quando foi em 71 eu fui lá.
P/1 – Visitar seu pai?
R – Não.
Visitar uma das irmãs.
P/1 – E aí?
R – Aí fui lá, estive com ela, e de lá eu voltei de novo.
Foi a que eu vi por último.
Em 71.
P/1 – Mas quando você tinha 12 anos você estava em Centralina?
R – Estava.
Aí vim saindo devagar de lá para cá.
P/1 – Depois de Centralina, você foi para onde?
R – De Centralina? Pois é, aí eu vim trabalhando.
Trabalhei nesse bananal desse homem, do seu Antônio, aí tornei a viajar, acabou o dinheiro, e vim trabalhando até quando eu cheguei lá.
P/1 – Ah, mas o senhor já ia trabalhando, mas o senhor queria mesmo era chegar lá em Tocantins?
R – Era.
Era.
Como cheguei.
P/1 – Quando anos o senhor tinha quando chegou a Tocantins?
R – Ah, eu já estava com uns 15 anos, por aí.
Com uns 15 anos.
P/1 – Quando você chegou lá.
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R – Quando cheguei lá, fui direto para os garimpos.
Aí tinha o garimpo do Rebojo, tinha o garimpo do Cariolando, aí trabalhei por lá, trabalhei, trabalhei, e aí.
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P/1 – Qual foi o primeiro garimpo.
R – Foi o garimpo do Rebojo.
P/1 – Como é que era lá?
R – O garimpo do Rebojo tem a corrutela onde tem os comerciozinhos, tem divertimento, tem bilhareto.
Bilhareto não tinha nesse tempo, era só sinuca.
Tinha sinuca, tinha o negócio da cachaça para beber, essas coisas assim, as mulheres.
Era assim.
E assim, perto, hoje a gente chama barranco nos garimpos, “Eu vou tirar um barranco aqui”.
E de cristal não era barranco, era uma catra.
P/1 – Como era tirar o barranco?
R – Tirar o barranco, a gente marca aqui, “vou tirar uns cinco por cinco”, aí marca cinco assim, cinco assim, cinco assim, aí vai tirando a terra e jogando para fora até topar no cascalho.
É lá no cascalho que está o ouro.
Lá era o cristal.
Lá a gente tinha que achar a forma do cristal primeiro, para depois a gente cavar.
A forma quer dizer que essas pedras que está aí para o chão, aí tem uma pedrinha que condena que ali por perto tem cristal, aí a gente vai cavar.
Enquanto não achar a “forma”, como dizem eles, a gente não cava.
Já o ouro não.
Você está pegando ouro aqui, aqui na beira desse rio, aí eu já vou lá para cima, eu sei que para lá também vai ter.
Aí já baixo direto lá, até topar no cascalho.
E assim foram uns 25 anos por aí assim.
P/1 – Como você sabe que esse pedaço de terra, quando você chegou, é seu, aquele é de outra pessoa?
R – No garimpo?
P/1 – É.
R – Não, no garimpo é assim, por exemplo, eu acho uma grota que tem muito ouro, aí eu vou trabalhar, mas daí a fofoca sai por aí: “Ah, o seu Grande está numa grota que está pegando ouro”.
Aí começa a chegar gente, aí eles vão lá comigo: “Seu Grande, eu queria trabalhar aqui, será que dava para você me arrumar uma terra aí?”.
Eu digo: “Olha, a minha, o que eu vou trabalhar, o que eu tirei para mim, vai daqui até lá naquela árvore lá.
De lá para frente você pode tirar um pedaço para ti.
Tira lá um pedaço de 50 metros para ti”.
A gente não dá logo tudo porque vai vir mais gente ainda, sabe que vem mais gente.
E nessa época assim, quanto mais gente era melhor.
P/1 – Por quê?
R – Porque animava mais.
A gente precisava da ajuda de um, a gente ia lá e chamava.
P/1 – Dava briga?
R – Não.
Não dava como hoje.
P/1 – Cada um respeitava o pedaço do outro?
R – É.
Respeitava.
Eu, por exemplo, parei de garimpo por causa de tanta covardia.
Eu parei aqui já nessa região.
Porque aí nesse rio aonde nós vínhamos é o caminho dos garimpeiros aí para cima, eles passam por aí.
Tem vez que eles dormem aqui.
Tem alguém aqui da vila que está no garimpo também, está trabalhando para aí para cima.
Mas muita covardia.
P/1 – O senhor chegou com 15 anos.
E o senhor saía com mulheres lá?
R – Vixe! Por isso que não ajuntava nada de dinheiro.
P/1 – Com quantos anos o senhor começou a sair com mulher?
R – Vixe, eu não estava com 15.
Daí, olha, eu não sabia administrar nada, as mulheres tomavam conta do que eu ganhava.
P/1 – Qual foi o primeiro.
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O senhor pegava de quanto.
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Como achava ouro assim? Era todo dia? De quando em quando?
R – Não.
Não era todo dia, não.
A gente começa a baixar um barranco aqui, só vai pegar ouro quando terminá-lo.
E aí a gente sempre trabalha dupla.
Um barranco, por exemplo, cinco por cinco, se ele der dez palmos de fundura, a gente vai acabá-lo com cinco dias.
Com cinco dias que vai terminar de chegar lá no cascalho.
Aí do cascalho para frente ainda gasta três a quatro dias de novo, para tirar o cascalho para cima, lavar e apurar o ouro.
P/1 – O senhor se lembra do primeiro ouro que o senhor achou, a primeira vez?
R – Eu lembro.
P/1 – Como foi?
R – Não, o primeiro dia eu não peguei parceiro, eu estava sozinho.
P/1 – Como foi.
R – Só tinha um dentro da grota, ele que me falou que tinha ouro, aí eu fui para lá.
Ele falou: “Agora, se tu quiser, tu tira aí esse barranco aí, eu acho que ele vai dar um ouro” “Será?” “É”.
Eu falei: “E esse seu aí?”.
Ele já tinha tirado um.
Ele disse: “Esse meu aí deu 300 gramas”.
Só que era assim, olha, dessa fundura assim.
Eu digo: “Rapaz, isso é que é.
Jogar toneladas e toneladas de barro para cima para tirar grama de ouro é muito pouco”.
Ele disse: “É pouco, mas só que o valor é muito”.
Eu fui e tirei esse primeiro barranco.
Quando eu queria errar, ele me ensinava: “Não, não faça assim.
Faça assim e assim”.
Aí eu fui fazendo do jeito que ele mandava.
Agora, para lavar não tem como só um lavar, tem que ser dois.
P/1 – Como você achou?
R – A gente só acha quando lava a terra.
A gente lava tudinho, a terra sai e o ouro fica.
O ouro é um produto mais pesado que tem na terra, então a gente bota uma velocidade de água para gente lavar.
Aí a areia vai saindo, pedra, mas o ouro não sai.
A gente forra aonde vai passar o ouro com aquela sarrapilha.
Ela não tem um pelo? Aí o ouro entranha tudinho naquela farrapilha, não vai dali para frente.
O meu deu 400 gramas.
Ele falou: “Olha.
.
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”.
P/1 – O primeiro?
R – O primeiro.
P/1 – E aí é só seu ou você divide com quem lavou?
R – Não, não tinha para quem dividir, era meu, ele me deu.
P/1 – E aí?
R – Eu falei: “Bom, agora eu vou à cidade, vou vender esse ouro e vou ver o que sobra para mim”.
P/1 – Você vendia para quem?
R – Tem os compradores.
Até hoje tem comprador de ouro para todo canto.
P/1 – E aí?
R – Porque a mercadoria que eu comi enquanto eu estava tirando lá esse barranco eu comprei fiado.
Eu fui lá vender o ouro, vendi, paguei lá e sobrou muito dinheiro ainda.
Eu comprei outras mercadorias e aí estourei o resto.
P/1 – Estourou como?
R – Gastei tudinho.
P/1 – Como?
R – Na “putada”.
Acabou tudo.
Aí eu voltei para lá de novo.
P/1 – Como “putada”? O que é “putada”?
R – São as quengas.
Hoje o povo só fala as piriguetes.
Aí eu fui lá até quando acabou tudo.
P/1 – Gastou tudo com as quengas?
R – Foi.
Aí ficou assim.
Viciei nisso: ia lá ao garimpo, ganhar o dinheiro, e vim e estourar tudo.
P/1 – O senhor bebia?
R – Bebia.
.
P/1 – Seu Grande, aí o senhor gastava o dinheiro e não juntava.
R – E não juntava.
P/1 – E seu objetivo era o quê? Era ficar lá vivendo desse jeito?
R – É.
Achei boa a vida.
P/1 – E o senhor bebia muito?
R – Não.
Nessa época, não.
Depois que foi aumentando, aumentando.
P/1 – O senhor gastava o dinheiro por quê? Por que tinha que pagar as mulheres?
R – É.
Tinha que pagar e mesmo eu ficava lá até acabar mesmo.
Não dava para gastar tudo hoje, eu tinha que ficar amanhã para eu acabar de gastar para eu poder ir embora.
Eu era assim.
Eu acho que eu não podia levar nada para trás, sabe? Era assim que era.
Tinha que gastar.
P/1 – E aí o senhor não tinha contato com a sua família?
R – Não tinha, não.
P/1 – E lá no garimpo, quanto tempo o senhor ficava lá até ir para cidade?
R – O garimpo que eu demorei mais foi sete meses.
P/1 – Sem ir para cidade?
R – Sem ir para cidade.
Só lá dentro.
Mas por quê? Porque lá tinha tudo.
Lá tinha cigarro, lá tinha bebida, lá tinha mulher, tinha tudo lá.
Aí não precisava.
Não adoecia, se adoecesse, tinha alguém também que sabia fazer um remédio do mato, tal.
P/1 – Tinha alguma lenda de garimpeiro?
R – Não.
A história mais de garimpeiro que eu vi foi aqui nessa região, do Sapatinho de ouro.
Já ouviu falar do Sapatinho de ouro?
P/1 – Não.
R – Que ele pegou muito ouro.
As camisas dele, ele mandava fazer os botões de ouro, a fivela do cinturão de ouro, sapato de ouro, aí por isso ele pegou o apelido de Sapatinho de ouro.
Ele abusava mesmo do ouro.
Eu não o vi, mas aqui nessa vila muita gente o conheceu.
Ele morreu, coitado, pobrezinho, nem roupa tinha, nem calçado, nem nada.
Morreu à míngua.
E foi um dos homens que pegou mais ouro nessas regiões aqui, foi o Sapatinho de ouro.
P/1 – O senhor tinha amigos lá?
R – Tinha.
Mas eram desses amigos que a gente dorme com um olho aberto e ouro fechado, sabe?
P/1 – Por quê?
R – Desconfiado dele.
Ainda mais quando a gente já tem um ouro já.
Assim, você tem uns cem gramas de ouro.
P/1 – E como você guardava?
R – Não, cem gramas de ouro é muito fácil de conduzir.
Porque esses vidrozinhos de Alpareque dá certinho cem gramas de ouro.
P/1 – E guarda aonde?
R – Sempre é dentro da cueca.
Quase todo mundo lá é assim.
Amarra um fio nele, amarra na cintura e bota dentro da cueca, ali é que está,
P/1 – E se é mais?
R – Aí quando é mais é enterrado.
A gente não deixa dentro de bolsa, assim, essas coisas.
P/1 – Por que senão pegam?
R – É.
Senão outro vem e pega.
P/1 – Tinha muito roubo lá dentro?
R – Não.
Nessa época não.
Tem agora.
Essa época não tinha.
P/1 – E como vocês dormiam lá?
R – Não, era um barraco feito muitas vezes a gente a gente fazia de palha, outra vez de plástico mesmo, a gente levava o plástico, estendia, fazia um barraquinho assim.
Mais mesmo era de plástico enceradozinho, desses pretos que são bem levezinhos para carregar.
Que eu nunca vi garimpo perto, tudo é longe.
Para gente carregar as coisas, é tudo longe, e aí tem que ser um encerado assim, que é pequeno.
Que é leve, quer dizer.
P/1 – Mas dentro do garimpo entrava mulher, ou na cidade?
R – Entrava.
Entrava.
P/1 – Mas você tinha um lugar só seu?
R – Geralmente a gente faz um tal de fuscão para lá, sabe?
P/1 – Como é fuscão?
R – O fuscão é uma casinha lá pequenininha, a gente já faz do jeito que não cabe mais ninguém a não ser só um casal, para os outros não virem atentar.
A gente faz e cerca tudinho de palha, bem fechadinho, ali é o fuscão.
Ali que elas iam.
Lá tem o barraco geral, que pega todo mundo.
Lá tem a cozinha, tem a mesona lá para jogar o baralho de noite, jogar dominó, essas coisas.
É assim que é.
P/1 – Mas o senhor chegou a ter uma namorada, ou era cada vez uma?
R – Cada vez uma.
P/1 – Você se apaixonou por alguém lá?
R – Não.
Tive uma que comecei, durou um ano ainda, aí foi o tempo que eu saí de lá, e ela também, aí pronto, aí acabou de novo.
P/1 – Mas você namorou um ano?
R – Foi.
P/1 – Como é o nome dela?
R – É Dinilza.
Esse ano era amor demais.
Mas aí.
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P/1 – Você se apaixonou por ela?
R – E ela também.
A gente se dava bem mesmo.
Depois o garimpo fracassou, “vamos embora, vamos embora”, e ela sumiu para um rumo, e eu para outro.
P/1 – Por que fracassou?
R – Não tinha mais ouro bom, só ourinho pouco, aí já começa a dar prejuízo.
P/1 – Mas o namoro fracassou porque o ouro.
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R – Não.
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.
É, o ouro fracassou, o namoro também.
P/1 – Por quê?
R – Porque a gente não teve mais condição de ficar lá.
P/1 – Quanto tempo você ficou nessa região?
R – É assim, às vezes a gente está gostando da mulher, mas aí quando o ouro fracassa, que a gente tem que largar o garimpo, às vezes ela quer ir para um lugar e é um lugar que eu não quero ir, eu quero ir para outro.
“Então não vai dar certo.
” “Então você vai para lá, que eu vou para cá.
” Pronto.
É assim.
P/1 – Quanto tempo o senhor ficou em Tocantins?
R – Ah, lá eu fiquei muito tempo.
P/1 – Quantos anos?
R – Lá eu fiquei uma porrada de ano lá.
Tanto era no Tocantins, como no sul do Pará.
Sul do Pará era o Xinguara, Redenção, Rio Maria, aquela região ali.
Aquela região ali é uma região muito rica, era madeira e ouro.
Então tinha muita madeireira que vinha de fora exportando madeira, então dava muito dinheiro.
Tanto eu trabalhava lá com garimpo, como também em madeireira.
Quando o ouro fracassava, aí eu trabalhava nas madeireiras.
Para quem conheceu lá, lembra, que lá era rico.
P/1 – Quem estava naquela região? Tinha garimpeiro.
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R – E madeireiro.
Eram só as raças que tinham.
P/1 – Tinha índio?
R – Índio sempre teve.
P/1 – E como se conviviam madeireiro, garimpeiro, índio?
R – Não, ninguém mexe na aldeia, não.
Tem que trabalhar, mas respeitando a aldeia deles.
Por exemplo, eu vou indo aqui no mato, aí os índios percebem que eu vou entrar dentro na reserva deles, aí eles vão, pegam essas palhas assim, amarram uma na outra e amarram naquele rumo que eu estou indo, aí se escondem por ali para ver se eu vou desrespeitar.
Eu vou indo, quando eu vejo amarrado, aí já sei que eu não posso ir mais.
Tem gente que desobedece.
Quando a gente obedece, que a gente volta, que a gente para por ali, aí eles aparecem para gente.
Aí começam a conversar, tal, às vezes até convidam a gente para ir.
Mas se desrespeitar, eles já estão no ponto para.
.
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P/1 – Mas nessa época você já tinha contato com índio?
R – Não.
Não tinha, não.
Eu vim entender de índio quando eu fui para essa aldeia lá.
P/1 – O senhor ficou no garimpo quanto tempo?
R – Eu fiquei uns 26 anos, por aí.
P/1 – Ganhou muito dinheiro?
R – Ganhei.
P/1 – Você ganhava quanto no mês, por exemplo?
R – Não, não tem lógica assim, de dizer “ganhava tanto no mês”.
Um mês às vezes dava bom, outro mês às vezes não dava nada, nada, nada, nada, nada.
Para te falar bem a verdade, eu já trabalhei num garimpo que eu não ganhei nada e foi acabando tudo que eu tinha, foi acabando a roupa, foi acabando o calçado, e foi indo, eu tive que juntar roupa velha assim, que o povo ia embora e ia deixando aquelas roupas velhas, e eu pegava para eu usar.
P/1 – Mas você chegou a ter dinheiro? Comprava roupa, se vestia bem?
R – No começo.
No começo tinha, depois fracassou.
Aí o povo foi saindo do garimpo e eu não tinha condição de sair, porque lá não tinha como sair por água e nem por terra.
P/1 – Tinha que sair como?
R – De avião.
P/1 – E de avião era caro?
R – Eram 18 gramas.
E não consegui arrumar esses 18 gramas.
P/1 – Que lugar era esse que tinha que ser de avião?
R – É no Rio Claro.
P/1 – Como você foi chegando até lá?
R – Não, fui de avião também.
Esse Rio Claro fica perto da divisa do Mato Grosso.
P/1 – Quanto tempo você ficava, mais ou menos, em cada um?
R – Enquanto eu estava me dando bem, eu ia ficando.
Eu passava de quatro meses, três meses.
Às vezes eu ia à cidade, voltava para o mesmo garimpo de novo, porque estava bom.
Eu tinha que comprar umas coisas que lá no garimpo não tinha, eu ia para lá, comprava e voltava de novo para o mesmo garimpo.
Era assim.
P/1 – Mas o senhor tinha um sonho assim, “vou ficar rico, vou sair dessa vida e vou ter dinheiro”?
R – Não.
Eu sempre tive um sonho de ter um conforto, uma casa para eu morar e trabalhar só para mim mesmo, não trabalhar para os outros.
Só isso.
De ficar milionário, eu nunca pensei.
P/1 – Mas você tinha esse sonho: “Vou juntar para comprar uma casa”?
R – Era.
Como eu já comprei várias vezes, depois eu vendia de novo.
P/1 – Mas lá você chegou com o dinheiro do garimpo para comprar alguma casa?
R – É isso.
Até aqui em Laranjal eu já fiz isso, comprar a casa e dizer: “Agora eu vou ficar aqui e tal”.
Quando chegava garimpeiro: “Rapaz, em tal lugar tem ouro demais, ave Maria, o Fulano foi para lá, fez tantos gramas”.
Aí eu vendia a casa e ia para lá.
Às vezes chegava lá, não tinha nada, só que eu vendi minha casa mesmo.
Era assim que era.
P/1 – Aí você foi indo, você trocava, até quando chegou a esse qualquer, esse que tinha que sair de avião, chegava de avião?
R – É.
Só entrava e saía de avião.
P/1 – Por quê? Porque era muito.
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R – Não, que entra e sai só de avião é assim: tem um rio aqui que nem esse, aí o cara subiu nesse rio, chegou aqui, ele deixou a canoa dele e entrou para cá na mata.
Chegou aqui, ele achou o ouro, daqui para cá é longe.
Aí para pegar esse ouro, ele teve que fazer uma pista de avião, porque ficava muito longe para vir por rio.
Aí fez a pista.
Quando ele fez a pista, ele não precisou mais da canoa, aí fica usando só a pista.
Então tinha como sair daqui e vir para cá, mas chegava aqui, não tinha canoa, que já tinha abandonado há muito tempo.
Então era só de avião.
Entrava e saía só de avião.
E os donos de garimpo fazem questão de você ir só de avião, que fica bom de eles fiscalizarem o garimpo deles, sabe? Cobrar tudo e ver quanto chega.
Porque garimpo que a gente entra por terra aqui, o peão leva cachaça para vender, leva maconha, leva mela, leva tudo.
E quem quer vender isso é só o dono lá, só ele que acha que tem o direito de vender.
Aí esses garimpos que só entram avião, lá a hora que a pessoa chega ao avião, ele manda olhar tudo que ele tem.
P/1 – E o que come lá dentro?
R – Não, vai mercadoria.
E tem a cantina.
A cantina é do dono lá da pista, e lá tem tudo para comprar.
Só que é um absurdo.
P/1 – Quanto assim, mais ou menos? Dá um exemplo.
R – Por exemplo, lá a gente não compra com dinheiro, é com ouro.
Aí o ouro está cem reais o grama, aí um quilo de arroz lá está quatro décimos.
Quatro décimos quer dizer 40 reais.
Então é o que está lá: um quilo de arroz, 40 reais.
Um litro de 51 é um grama, então quer dizer que é um grama, quer dizer que são cem reais o litro.
É assim.
Um carote de óleo de 50 litros são seis gramas, então dá 600 reais um carote de óleo.
P/1 – E se não acha?
R – Pois é.
Se não tiver, para o serviço.
Essas canoas que sobem iam levando essas coisas: o arroz, o óleo, tudo.
Levam para vender lá.
Chegam lá, vendem e voltam de novo e tornam a carregar.
P/1 – Escutava música? Tinha rádio?
R – Tinha.
Tinha não, tem os rádios.
P/1 – Qual foi a primeira casa que o senhor comprou com o dinheiro do garimpo.
R – Com o dinheiro do garimpo foi lá no Rio Maria.
Foi a primeirinha.
P/1 – Como foi?
R – Cheguei com bem ouro, aí os hotéis para lá são tudo caro, eu digo: “Rapaz, fica melhor eu comprar uma casa do que ir para esses hotéis aí, que isso aí está um ‘toma dinheiro’”.
Pensei que uma casa era muito cara, chamei outro para nós comprarmos de sócio.
Ele disse: “Eu não, rapaz.
Eu não vou comprar casa, não.
Não vou morar aqui, não”.
Aí eu fui apreçar uma casa que estava a placa de venda.
A hora que o cara falou o preço, eu digo: “Ah, não, já é minha a casa então”.
Ele falou: “Não, eu tenho que passar os documentos ainda”.
Eu digo: “Não.
Não precisa disso, não.
Pode sair da casa aí, que a casa é minha”.
Ele falou: “Não.
Assim não dá, não.
Eu tenho que ter prova que eu te vendi a casa”.
Só que lá não tinha um cartório.
Para fazer isso, tinha que ir para outra cidade lá, que era Redenção, onde o cemitério é maior que a cidade, essa Redenção, e é tudo morto matado.
P/1 – É mesmo?
R – É.
O cemitério é bem maior do que a cidade.
Lá ele me obrigou a ir com ele para passar os documentos para mim.
Não durou um mês essa casa na minha mão.
Passam os garimpeiros falando que em tal lugar está bom de ouro, “vixe, é muito ouro”, aí eu vendi a casa e fui embora.
Foi a primeira.
P/1 – E fez o que com o dinheiro?
R – Gastei tudinho de novo.
Depois comprei outra.
Você já ouviu falar em Alta Floresta? Comprei outra lá de novo e essa eu botei um comércio lá, aí fiquei lá no comércio.
Digo: “Agora não sou mais garimpeiro, agora eu sou comerciante”.
Mas aí chegavam aquelas pessoas: “Rapaz, eu trabalho empregado e eu só recebo por mês, eu vim cá para o senhor me vender uns negócios aí, mas quando eu receber lá, eu venho cá pagar”.
E eu pá.
Aí fui vendendo, vendendo.
Ele recebia mesmo o dinheiro, só que eu não via mais ele, ele já passava em outra rua e ia comprar a dinheiro lá no outro canto.
Quando acabou o comércio, que eu vi que não tinha mais nada, aí eu dei lá para uma mulher, a casa com o resto que tinha tudinho, tornei sumir de novo no mundo.
Não quis nem vender a casa.
A mulher trabalhava muito, me ajudava, aí eu dei a casa para ela, digo: “Não, pode ficar com essa casa aí, que eu já estou indo”.
P/1 – Que mulher era? Era a sua mulher?
R – Não.
Era não.
Aí dei a casa para ela.
Essa que eu comprei em Laranjal pegou fogo.
P/1 – Laranjal era garimpo?
R – Sempre teve garimpo aí.
Todo o tempo teve.
P/1 – Você vindo do Oiapoque até chegar aqui?
R – Do Oiapoque? Não.
P/1 – Do Oiapoque (risos).
.
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De onde o senhor foi a primeira vez, até chegar aqui?
R – Não, quando eu vim para cá para essa região, eu estava nos garimpos de Altamira, lá onde tem a outra hidrelétrica lá agora.
P/1 – Não, mas o senhor não chegou a Altamira, o senhor chegou.
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O senhor chegou.
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O primeiro lugar que o senhor chegou?
R – Antes?
P/1 – É.
R – Antes de vir para cá? Não, quando eu vim direto para cá para o Laranjal, para os garimpos daqui, aí eu estava nos garimpos de Altamira.
Eu ouvia falar que aqui no Jari tinha um garimpo que estava muito bom e tal.
Só que lá onde eu estava, estava melhor do que aqui, mas.
.
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P/1 – Que era onde?
R – Lá em Altamira.
P/1 – Em Altamira estava melhor?
R – Estava.
P/1 – Mas você saiu de lá porque falaram que aqui que estava bom?
R – É.
Aqui que estava bom.
Aí eu saí de lá e vim para cá.
P/1 – E aí?
R – Aqui eu trabalhei nesses garimpos aí para cima, quase todos eles.
O dia que eu assisti um homem matando o outro para roubar dez gramas de ouro, aí nesse dia eu desacorçoei com o garimpo daí.
P/1 – Onde foi isso?
R – Foi no garimpo do Flexal.
O homem com dez gramas de ouro.
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P/1 – Em Laranjal?
R – Não.
Garimpo do Flexal, aí para cima.
Eles tiraram o barranco, o que tocou para esse senhor foi dez gramas.
Ele disse: “Eu vou lá para pista mandar esse ouro para minha mulher em Santarém”.
Aí pegou o ouro, botou no bolso, a hora que ele andou um pouco, o outro estava escondido já o esperando, matou, foi e pegou o ouro.
Ah, aquilo me desgostou muito.
Que eu vi muita morte lá, mas não assim para roubar dez gramas de ouro só.
Já vi um matando para roubar um quilo, meio quilo, 300 gramas.
P/1 – Você viu matando?
R – Mas dez gramas? Eu digo: “Ah, não dá mais garimpo.
Eu vou.
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”.
P/1 – Qual foi a primeira vez que o senhor viu matando por causa de ouro?
R – De roubo? Não, de roubo eu não tenho lembrança, não.
P/1 – Quer jogar água na vista?
R – Não.
Não quero, não.
Quando jogo água, arde mais.
E assim desgostei do garimpo.
Hoje eles param aí na minha casa, muito garimpeiro, mulher, tudo, fumam maconha e mela, e tudo: “Vamos embora, Grande, lá para cima.
Lá tem um lugar que está bom”.
Eu digo: “Tu é meu amigo mesmo?” “Sou” “Então não me convide mais”.
P/1 – Rolava que tipo.
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Além da bebida, o que rolava dentro do garimpo?
R – Só essas drogas.
Mais era maconha.
P/1 – E pegava maconha aonde?
R – Não, muitas vezes plantavam lá mesmo.
Mas aí no Laranjal.
.
.
P/1 – O senhor fumava?
R – Não.
Graças a Deus, não.
P/1 – Nunca fumou?
R – Nunca.
P/1 – Nem experimentou?
R – Experimentar, experimentei.
P/1 – Mas não gostou?
R – Não.
Não gostei, não.
Experimentei duas vezes: uma vez foi porque eu quis mesmo, a outra vez foi na marra.
Eu cheguei numa balsa, mergulho, esse trabalho de mergulho, eu cheguei, o dono da balsa estava só ele lá em cima, ele falou: “Rapaz, que bom você chegou, que estava só eu e mais um rapaz, a ribanceira caiu em cima dele, matou ele.
Tu vai descer lá para tu tirá-lo para mim”.
Eu digo: “Eu não vou, não.
Eu não sei mergulhar, não”.
Ele disse: “Não, mas tu vai aprender”.
Eu falei: “Não.
Não dá para eu ir, não.
Se o senhor quiser ir, eu te dou assistência aqui”.
Que a gente dá assistência lá no compressor de ar.
Ele falou: “Não, você não sabe dar assistência, você sabe mergulhar.
Espera aí, eu vou fazer um cigarrinho de maconha aqui para tu fumar, que já que tu vai lá”.
Eu digo: “Eu também não fumo maconha”.
Ele disse: “Não.
Não esquenta a cabeça”.
Aí ele enrolou o porroncozão, aí me deu.
Eu digo: “Não, senhor, não faça isso, que eu não fumo”.
Aí acendeu, botou assim e pegou um rifle 44, e disse: “Diz aí se tu não vai fumar esse negócio agora”.
Eu digo: “Ah, agora eu fumo”.
Aí peguei.
Ele falou: “Agora mergulha!”.
Aí eu mergulhei.
Cheguei lá, mandei terra, mandei, mandei, mandei, até que topei no peão lá.
O peão estava morto mesmo.
Eu o peguei, botei no braço, aí subi: “Está aqui o homem”.
Ele falou: “Pois é, esse era o homem mais querido que eu tinha nessa balsa.
Agora tu vai ficar vigiando essa balsa para mim até eu ir levá-lo em Itaituba.
Eu vou gastar dois dias para eu ir lá”.
Aí o botou ele na voadeira e foi deixar.
Eu fiquei lá dois dias lá para ele.
Foi a outra vez, foram duas vezes só.
Aí não quis mais.
P/1 – Mas se plantava lá mesmo?
R – É.
Planta lá.
Tem uma que vem da Bolívia aí que é melhor, que eles preferem essa da Bolívia, que vem uns pacotinhos assim, que nem tabaco.
Vem da Bolívia numa prensa, vem nuns pacotes de quilo em quilo, aí dentro são os pacotinhos de cem gramas.
Já transportei esses pacotes assim para os garimpos aí.
P/1 – Você transportou?
R – Foi.
Um tempo eu trabalhei de ajudante numa canoa aí.
Eles traziam de noite para o porto.
P/1 – Mas o que é isso? Maconha?
R – Era.
P/1 – Você transportava maconha?
R – Era.
Eles traziam para o porto.
Não era esse porto de sabão, era outro porto ali para cima, Porto Tapeuara.
Aí eles chegavam de madrugada com as maconhas para gente levar para o garimpo.
Era deles, a gente só fazia o transporte.
P/1 – Você não tinha medo de ser preso?
R – Não, de Tapeuara para lá não tem mais perigo.
Perigo é do Porto de Sabão para lá.
Para cá não tem mais perigo, não.
P/1 – Mas quem entregava até chegar ao Porto de Sabão?
R – O dono da mercadoria.
P/1 – E aí você esperava aonde?
R – Não era o Porto de Sabão ainda, era o Porto de Tapeuara ali.
P/1 – Você ficava esperando lá?
R – Era.
Ele trazia a mercadoria um pouco de dia.
.
.
P/1 – Você trazia pelo barco?
R – Não, trazia de carro.
P/1 – Era seu o carro?
R – Não.
Era tudo dele.
Eu trabalhava na canoa.
P/1 – Ele trazia de carro?
R – Ele trazia de carro.
Aí ele dizia: “Olha, eu vou buscar o resto da mercadoria”.
A gente já sabia que era droga, aí ficava.
De madrugada ele chegava.
Quando era de manhã, a gente subia.
P/1 – Subia na canoa?
R – Subia na canoa.
P/1 – E a canoa cheia?
R – Cheinha de gente, mercadoria e tudo.
P/1 – Tudo maconha?
R – Não.
Não é tudo, não.
Tinha mercadoria também, arroz, feijão, chá.
P/1 – E ele colocava a maconha junto?
R – Era.
Colocava junto para levar.
P/1 – E você sabia que tinha?
R – Sabia.
P/1 – E aí? Chegava lá.
.
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R – Chegava lá, ele ia vender tudinho.
Chegava, era a maior alegria: “Eita, chegou a maconha” (risos).
Arroz, feijão, café, eles não ficavam muito alegre, não, mas a maconha.
.
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(risos)
P/1 – E quanto tempo o senhor ficou fazendo isso, transporte?
R – Não, eu trabalhei pouco.
Não trabalhei muito tempo.
Não gostava.
P/1 – Mas o senhor já tinha decidido parar o garimpo e foi fazer transporte?
R – Não.
Não.
Não.
Eu estava trabalhando porque eu fui lá no garimpo e não achei serviço, e achei nessa canoa.
P/1 – E aí?
R – Aí eu fiquei trabalhando na canoa até aparecer uma vaga lá para mim.
P/1 – No garimpo?
R – É.
P/1 – E aí?
R – Quando apareceu, eu fui para o garimpo.
P/1 – E quando o senhor decidiu parar de fazer o garimpo?
R – Foi dessa época que eu vi o.
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P/1 – O morto?
R – Foi.
P/1 – O cara matar por causa de dez gramas.
R – Por causa de dez gramas de ouro.
P/1 – Aí o senhor falou o quê?
R – Eu digo: “Não dá mais para mim”.
Eu vim e me empreguei nessas firmas aí da Jari.
Aí comecei.
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P/1 – Que firma? Aí o senhor já tinha ido conviver na aldeia, ou não?
R – Já.
P/1 – Como foi que o senhor foi? Como foi essa experiência da aldeia?
R – Não, primeiro eu já te contei, que a gente respeitando os direitos dos índios, eles gostam.
Então eu toda vida respeitei, eles gostaram e me convidaram para eu ir passear.
P/1 – Mas quando foi? O senhor estava no garimpo ainda?
R – Estava.
P/1 – Em que lugar?
R – Era nesses garimpos lá do Tocantins.
P/1 – Ah, Tocantins.
A primeira vez que o senhor foi para o garimpo foi para o Tocantins?
R – Foi.
Eu fui lá para aldeia, chegou lá, o cacique, que é o chefe geral.
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P/1 – Mas como você foi parar na aldeia?
R – Foram os índios que me convidaram.
P/1 – Mas como você os conhecia?
R – Não, eles saíam, saíam para comprar coisa.
Eles já eram uns índios um pouco civilizado, aí saíam para comprar alguma coisa, aí nos encontramos.
E sempre eu respeitava, eles sabiam disso, aí me eles me convidaram.
P/1 – Falou o quê?
R – Para eu ir lá à aldeia com ele e tal.
Aí eu fui.
Chegou lá, o cacique se deu comigo, disse: “Não, passa uns dias aqui, mais nós, e tal”.
Eu fiquei.
Lá eu ia caçar mais eles.
Que eles não gostavam de caçar com espingarda, só com flecha, e eu gostava da espingarda.
E lá eles conheceram que a espingarda dava resultado mesmo.
Por exemplo.
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P/1 – Que índios eram?
R – Eles me chamavam lá Dadoprearé.
P/1 – Mas que tribo era?
R – Eram os índios Xerém.
É a mesma coisa dos índios Xavantes.
P/1 – Eles andavam pelados?
R – Não.
Andavam tudinho com aquelas sungazinhas.
P/1 – E as mulheres?
R – As mulheres só com aquelas penas mesmo.
Mas ali está bem vestido.
Para elas, está bem vestido.
Passei lá um ano e meio lá.
P/1 – Sem sair da tribo?
R – Não, de vez em quando eu saía na cidade, eu ia lá mais um índio, dois.
P/1 – O que você aprendeu com eles?
R – Os remédios.
A maioria foi lá.
E aí eles me ensinaram também para gente ter experiência com remédio, tinha que ter experiência com os animais.
P/1 – Quem?
R – Com os animais do mato.
Por exemplo, essa macaca que estava aqui eu ainda não vi ainda, mas esse vermelhão, maior do que essa que tem aí, a gente atira nela, às vezes ela não morre, aí ela corre e pega um galho, umas folhas de mato, esfrega assim, ela passa onde a gente atirou, no ferimento, aí ela fica boa, ela não morre.
Mas daí o povo falava isso, aí eu comecei a ver isso, ela fazer isso mesmo.
A gente atira, aí quando ela está ferida, ela corre, chega lá, apanha umas folhas, esfrega assim e passa.
Eu fui ver, não é toda folha que ela pega, tem uma folha.
Então nessas folhas delas foi que eu descobri que aquilo é bom mesmo para qualquer ferimento.
Não é toda folha que ela pega.
Então é um pau milagroso que só.
Por exemplo, uma pessoa que está baleado também, um cristão, a gente pode fazer a mesma coisa, que faz o efeito.
Outra coisa, o jacuraru, você conhece? O jacuraru, ele briga com a cobra, briga, briga, briga, briga, a hora que a cobra o acerta, tcham, aí ele corre.
Ele vai lá, cava assim rapidinho lá numa batata, vai e come a batata, aí volta de novo, aí ele briga até matar a cobra.
Então eu já assisti isso.
Depois eu fui e arranquei a batata dele, e levei.
Não foram oito dias, passou um rapaz lá que ia muito mal, que a cobra o mordeu, eu digo: “Ah, eu tenho um remédio aqui muito especial”.
Eu peguei, tirei umas lapinhas da batata, pisei, botei dentro de um copo com água, mexi, mexi, tem que dá para ele beber.
Deu para ele beber, daí um pouco ele estava bom.
Digo: “Rapaz, isso aí é bom mesmo, o remédio do jacuraru”.
P/1 – E o senhor aprendeu observando junto com os índios?
R – Foi.
Foi.
P/1 – Que mais o senhor aprendeu?
R – Os índios me mandavam observar essas coisas assim.
P/1 – Mas esse lado espiritual assim, de perceber a pessoa? Não foi com eles?
R – Não, isso daí não.
Isso daí eu acho que já vem de família, com meu avô.
P/1 – O senhor já tinha isso antes?
R – Já.
Mas só que eu não me importava com isso.
P/1 – Mas quando o senhor começou a ter sinais de que o senhor tem essa espiritualidade?
R – Foi quando eu passei de 35 anos.
P/1 – O que aconteceu que o senhor notou?
R – Aconteceu que certa mulher estava doida, que ninguém podia segurá-la, que ela derrubava todo mundo, e a mãe dela muito chorando, aí ela foi passando correndo perto de mim, eu peguei no braço dela.
E ela dava cada pulo.
E eu consegui segurar sozinho, coisa que seis homens não estavam dando conta.
Eu peguei, segurei, e ela: “Me larga, me larga, me solta”.
E dava arranco, mas não soltei.
E a mãe dela: “Não solta.
Não solta”.
Aí que eu descobri.
Digo: “Rapaz.
.
.
”.
E outros lá também diziam: “Rapaz, tu não é só”.
Depois foi um negócio que uma mulher botou numa bebida e trouxe para mim.
A hora que eu peguei no copo, o copo partiu na minha mão.
Era porque tinha o “coisa” dentro.
Aí já foi outro sinal de novo.
Eu vim descobrir o resto aqui já no Iratapuru.
Foi aqui.
P/1 – Mas vamos voltar lá para tribo.
E eles.
.
.
O que o senhor comia lá? O que o senhor aprendeu mais além das ervas?
R – Não, assim que eu cheguei, eu não conseguia comer que nem eles, mas depois eu comia.
Eu comecei a me dar bem.
Eles não gostam muito é de sal.
A comida deles, se tiver um salzinho, eles saem cuspindo, acham ruim aquilo.
P/1 – O que você vocês comiam?
R – Era carne e peixe.
Carne do mato e peixe, só.
E fruta.
Era só isso.
P/1 – O senhor arrumou alguma namorada índia?
R – Foi.
Foi o caso de eu ter saído de lá, que ela engravidou.
E aí se o cacique desse fé dessa arrumação que ela tinha engravidado, aí acabou nossa amizade.
P/1 – Se ele desse o quê?
R – Se ele soubesse que tinha engravidado-a, aí eu não saía mais de lá.
P/1 – E aí?
R – Aí eu tive que sair antes de ele descobrir.
Aí saí.
P/1 – Senão você ia ter que ficar para sempre? E você não queria ficar?
R – Não.
Deus o livre.
Aí foi o caso de eu sair de lá.
P/1 – E ela ficou triste?
R – Ficou.
Ave Maria! Mas foi o jeito de ela concordar.
Porque às vezes eu ia ficar para sempre, mas às vezes ele podia mandar me matar também lá, mandar matar, esquartejar e tudo.
Que eles mandavam fazer isso.
Ela também ajudou que eu saísse: “É bom tu sair logo”.
P/1 – Ela falou?
R – Foi.
P/1 – E ela ia contar o quê?
R – Não, não ia ter jeito para ela, ia ser descoberto, mas aí eu já estava longe.
Quando esse menino nascesse, eles iam saber.
O cacique também tem um dom também.
Ele toda noite bate um tambor lá.
Nem toda noite, toda semana.
Bate um tambor, bota todo mundo para dançar lá na beira do fogo.
P/1 – Que poder ele tem?
R – Recebe uns espíritos lá.
E eu ficava só assistindo.
P/1 – Eles tomavam cipó, alguma coisa, alguma erva?
R – Tomam.
Tomam água de cipó.
P/1 – Que cipó que era?
R – O cipó que eles tomam?
P/1 – É.
R – É um cipó mesmo que também até a gente toma aqui.
P/1 – O que é? Hoasca?
R – É um cipó que dá uma água muito gostosa.
E tem também uma embaúba também, que dá água na raiz, aquilo também é de beber.
P/1 – Mas dá alguma alucinação?
R – Não.
É só mesmo natural mesmo.
P/1 – Para que é?
R – Não, essa água desse cipó e dessa raiz são só para matar a sede.
Não faz cura nenhuma, não.
Não ajuda em nada.
P/1 – Que mais de planta o senhor aprendeu com eles?
R – De planta?
P/1 – É.
R – O açacú, por exemplo, que é um veneno muito forte o açacú, que se bater um pingozinho assim, queima a gente, se bater um serenozinho no olho, cega, mas no fundo é um remédio.
Esse aqui era um leish, que eu botava o dedo até assim.
P/1 – O que era?
R – Leish.
P/1 – O que é leish?
R – Leishmaniose, uma ferida braba que sempre dá por aqui nessa região, um mosquito que ferra e o surge.
E tem uma injeção que o povo compra, são cem injeções para curar um leish, cem injeção por nome de Glucantime.
Cem, 110 injeções, tem que tomar todo dia.
Esse aqui eu coloquei o leite do açacu, só coloquei uma vez.
O leite do açacu é um veneno tão brabo que ele comeu a carne podre que tinha por aqui tudinho, deixou só na carne viva, então a doença foi embora.
No outro dia começou a sarar, foi criando a casca, e pronto, sarou para sempre.
Então, um câncer lá dentro, um câncer debaixo da costela que está comendo a pessoa tudinho, aí a gente tem que fazer um jeito de botar o leite do açacu para ir lá.
Só que é veneno o leite e açacu, como vai beber? A gente tem que temperá-lo com outros remédios para ele poder chegar lá aquela ferida, no câncer, lá por trás da costela.
A hora que ele bate lá, a pessoa sente mal, que ele está comendo tudinho.
Porque o médico opera, tira só a ferida assim.
E ele não, ele come a ferida e depois se tiver alguma raizinha, ele sai comendo tudinho por aqui.
P/1 – Mas isso o senhor aprendeu na aldeia?
R – Não.
Esse aí.
.
.
Lá na aldeia eles me ensinaram que o leite do açacú comia tudo isso, e comeu.
O que é o câncer? É uma ferida braba dentro da pessoa.
Aí eu pensei, o leite do açacú come também isso aí.
Aí fui inventar um meio para pessoa beber sem morrer, sem o leite do açacú matá-lo.
P/1 – Isso foi o senhor que desenvolveu?
R – Foi.
Aí fui misturando-o com outros, com remédio, uma casca bem travosa, por exemplo, aí deu certo.
Eu já dei para um bocado de câncer assim, tudinho, ficou bom.
P/1 – O senhor saiu da tribo porque engravidou a índia?
R – Foi.
P/1 – E aí?
R – Aí não voltei mais lá, não.
P/1 – Aí para onde o senhor foi?
R – Fui para o garimpo de novo.
Toquei a vida para frente.
P/1 – Foi para o Jari o quê? No garimpo?
R – Foi.
Trabalhei nesses garimpos todos.
P/1 – Ficou quanto tempo?
R – O meu tempo todo de garimpo foram 26 anos.
P/1 – Mas no Jari ficou quanto tempo?
R – Aqui no Jari? Aqui no Jari não duraram cinco anos.
P/1 – Foi aí que o senhor desistiu?
R – Foi.
P/1 – E depois que o senhor desistiu, o senhor falou assim: “Vou fazer o quê?”.
R – Eu fui trabalhar nessa área da Jari roçando.
P/1 – Para uma empresa?
R – É.
P/1 – Qual empresa?
R – Era Agromina.
Ela trabalhava com roço.
Quando eu saí de lá, eu vim para cá.
P/1 – Para cá aonde?
R – Para boca do Iratapuru aí.
Os donos dali que me convidaram para eu vir para aí.
P/1 – Quem eram os donos?
R – Os donos já morreram todos.
Eram a dona Iraquita e o senhor Luís.
Eu fiquei trabalhando aí, adquiri meu terreno também mais para baixo lá, e aqui.
.
.
P/1 – Trabalhando com quê?
R – Trabalhando em roça e castanha também.
Na época da castanha, a gente tirava castanha.
P/1 – Você já tinha tirado castanha antes?
R – Não.
Nunca.
P/1 – Quantos anos o senhor estava aí?
R – Eu cheguei aí já com quase 40 anos.
Está com 21 anos que eu cheguei aqui.
P/1 – Então você tinha 40 anos?
R – Era.
P/1 – E aí?
R – E aí fiquei até hoje.
P/1 – Começou a tirar castanha.
Como era esse pedaço aqui? Quem morava aqui?
R – Aqui na vila não tinha ninguém.
Só tinha o seu Mário, que era o Mário Capeta, o Mário Barbosa, que ele morava aqui.
P/1 – Como é a história dele?
R – Ele era muito atentado, e quando ele era moleque o apelidaram de Capeta, aí está até hoje.
Só que agora ele passou a ser crente, eu digo: “É o primeiro capeta que eu vejo aceitando Jesus” (risos).
Ele aceitou Jesus.
Ele morava aqui e a Elizabete lá naquele lugar onde foi o almoço.
Só eram essas duas casas que tinham aqui.
Moravam esses outros que eu vim para casa deles lá, na boca do rio, e os outros aí para cima, que ainda moram até hoje.
P/1 – O Raimundo já morava aqui?
R – Qual Raimundo?
P/1 – Um que estava lá a hora que a gente passou, com uma corrente aqui, que ele usa uma corrente, pulseira aqui?
R – Raimundo? Estou lembrado desse Raimundo, não.
P/1 – Ele tem um apelido.
É que eu não sei o apelido dele agora.
E aí? Aí o senhor chegou aqui.
.
.
R – E aqui me amarrei.
P/1 – Por que o senhor se amarrou aqui?
R – Aqui eu me dei bem mesmo aqui.
Gostei do lugar, aí estou até hoje.
P/1 – Como foi? Como foi para o senhor sair do garimpo e ir para castanha?
R – Não, o garimpo eu larguei por causa da covardia lá.
P/1 – Sei.
Como foi começar com a castanha?
R – Pois é.
Aí eu vim trabalhar na empresa.
Depois o pessoal que morava aqui me convidou para vir trabalhar aí na roça.
Aí fiquei trabalhando na roça, mas quando chegou a castanha, eu digo: “Ah, eu vou tirar castanha também” “Então vamos embora”.
Aí fui trabalhar na castanha.
P/1 – E como foi? Como o senhor aprendeu? Quem te ensinou?
R – Foi o velho, que já morreu, o dono dali.
Ele falou: “Olha, você tendo cuidado na tua mão, não precisa de outra coisa.
Tem que ter muito cuidado com a sua mão.
Para você aprender, porque você pode cortar a sua mão”.
Aí cortava para eu ver: “Experimenta aí!”.
Aí fui experimentando.
“Vai mais devagar que tu aprende.
”
P/1 – Como faz?
R – A gente tem que arrumar um pau.
.
.
Não, primeiro juntar a castanha tudo de baixo da árvore, fazer só um monte.
A gente já faz o monte aonde tem um pau.
Mas tem que ser um pau desses paus duros meus, ou então uma pedra.
Aí você faz o monte dos ouriços lá.
Aí você arruma outro para você sentar em cima, e você pega o ouriço com essa mão e dá com o machado com essa.
Quando o ouriço já está velho, caído no chão, é só uma pancada, ele abre.
Quando ele está novinho, caído, ele custa mais, aí tem que bater várias vezes.
Ele destampou, derrama no paneiro, tcham, joga fora, é outro.
Nisso tem gente aqui que por dia eles quebram 20 latas de castanhas.
Eu não quebro isso.
Vinte, 25, 30 latas.
Eu, a base de eu quebrar dez latas só.
Mesmo que eu acabe cedo, mas eu não corto mais.
P/1 – Por quê?
R – Dá-me desconsolo: “Ah, já chega”.
E já vou embora, e aí paro.
Fica agoniado aquele negócio sentado o dia todo.
Quando eu corto dez latas, está bom já, já vou embora.
P/1 – O senhor trabalhava na terra dele, e depois você adquiriu a sua terra? Como foi?
R – Foi.
Foi um vizinho que a mulher o deixou, e ele não quis mais a terra, e ele me deu.
Aí ele foi embora.
O vizinho é aquele do foguete lá, que estava com a roupa da Madap lá.
É aquele.
Ele me deu lá.
Ele passou uns anos fora, aí voltou de novo.
Está trabalhando aí, mas ele não quis mais, ele falou: “Não, já te dei, é tua.
Pode ficar”.
P/1 – E aí?
R – Aí estou trabalhando lá.
P/1 – Mas ele mora com você, você falou?
R – Mora.
P/1 – O que ele faz?
R – Ele é funcionário da Madap.
Ele é motorista da catraia deles.
Ele é muito bom motorista, ele.
P/1 – E ele mora com você?
R – É.
P/1 – E como começou essa história de garrafada?
R – Essa história de garrafada foi assim: tem uma mulher que tem uma pousada ali em Laranjal do Jari, uma das pousadas mais antigas que tem.
Então ela adoeceu, aí foi para Belém, lá o médico falou que não tinha mais condição para ela.
Aí ela veio embora para o Laranjal.
Eu não a conhecia.
Um outro que a conhecia que me falou, falou: “Rapaz, eu tenho uma amiga, gente boa demais, estava doente lá para Belém, aí chegou, o médico disse que o câncer dela não tem mais jeito, vai morrer”.
Eu digo: “O câncer dela é aonde?”.
Ele disse: “É na costela”.
Aí eu me lembrei do açacú.
Eu digo: “Rapaz, talvez se fizesse uma garrafada para ela, ela melhorava”.
Ele disse: “Se o senhor quiser fazer, eu falo lá para ela”.
P/1 – Você já tinha feito garrafada?
R – Não.
Nunca tinha feito.
P/1 – Da onde sai o termo “garrafada”?
R – Pois é.
Ele foi, falou para ela, ela mandou que eu fizesse.
Aí eu botei o leite do açacú.
Digo: “É uma bebida braba que tem dentro”.
Só que eu botei bem fraquinho, com medo de ela beber e morrer logo.
Botei bem fraquinho.
Aí ela bebeu, ela sentiu melhor, me mandou fazer outra, aí eu fiz três.
Acabou o câncer dela.
Aí foi o mesmo que uma música que faz sucesso, sabe? Daí aparecia tanta gente atrás de garrafada.
P/1 – Mas da onde que saiu a expressão “garrafada”?
R – Isso é muito velho isso.
Muito antigo.
Vou até te contar aqui de uma garrafada aqui, que quando eu era menino ainda já falavam em garrafada.
Saiu uma coceira no meu corpo, eu era menino ainda, aí coçava tudo, que estava saindo sangue.
O povo disse: “Lá em tal lugar, o médico vai lá uma vez por mês lá no posto, posto de saúde.
E ele vai lá essa semana.
Por que você não vai lá, rapaz? Vai lá.
Leva lá para ele ver, te passa um remédio bom”.
Aí eu fui.
Quando cheguei lá, o médico disse: “Tira a camisa aí”.
Eu tirei, ele olhou tudo, disse: “Escuta, lá para o interior que você mora não tem quem faça garrafada?”.
Eu digo: “Tem”.
Ele disse: “Pois você volta e manda fazer uma garrafada para ti e outra para mim, que eu estou é ruim também desse negócio”.
Digo: “Ih, coitado do médico”.
E ele ficou bom mesmo também, de garrafada.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Eu tinha uns oito anos, nove anos, por aí.
P/1 – Mas a sua mãe acreditava nisso? Seu pai? Como era?
R – Ah, eles me mandaram ir para o médico.
Aí eu fui.
O médico falou para eu voltar lá e mandar fazer uma garrafada para mim e outra para ele, que ele estava era ruim também daquele negócio.
Dei só viagem perdida lá no médico.
P/1 – E quem arrumou a garrafada para você?
R – Foi um parente mesmo do meu pai, da minha mãe.
P/1 – Mas já era costume essa coisa de garrafada?
R – Era.
P/1 – E você pensou que algum dia você fosse virar.
.
.
R – Não.
P/1 – Foi por causa dessa mulher com câncer?
R – Foi.
E outra também, nem eu gosto muito disso, sabe? Eu queria ter outra coisa, menos negócio de garrafada.
P/1 – Por quê?
R – Muitas vezes já veio gente aí, aí traz o doente para aí, aí: “Não, eu sei que o senhor vai fazer o remédio, tal”.
E esses doentes que têm essas doenças perigosas atacam mais é à noite.
E muitas vezes já passei noite sem dormir ali com doente.
Sabe, naquele “gemor”.
E eu não consigo dormir tendo um gemendo dentro da casa: “Aaaaai.
Aaaaai”.
Não consigo, não.
(risos) Eu tenho que levantar, sair, ir para o mato, vou caçar, só venho de manhã de novo.
P/1 – O senhor fez essa garrafada para essa moça do Laranjal.
.
.
R – Foi.
Daí que começou.
P/1 – Aí se espalhou?
R – Aí se espalhou.
P/1 – Outros casos vieram te procurar? Vieram te procurar, para que mais começaram a procurar?
R – Não, aí as pessoas confundem as coisas, sabe? O que eu sei fazer é garrafada, mas tem gente que já vem procurar outras coisas.
P/1 – Procurar o quê?
R – Vem: “Rapaz, eu vim cá porque a minha mulher me largou, rapaz, e tal, eu queria que tu me desse uma força para ela voltar”.
Eu digo: “Mas que jeito, rapaz? Se eu soubesse fazer mulher vir, eu tinha uma aqui também, sô” “Não, senhor, não faça isso, me ajuda aí” (risos).
Eu digo: “Você está confundindo as coisas” “Não, rapaz, eu sei que você sabe, rapaz”.
Eu digo: “Mas, rapaz, quem te colocou isso na cabeça?” “Não, foi o fulano, o fulano, a fulana”.
Isso são outros curadores lá, gente que trabalha com isso, sabe? Que às vezes toma o dinheiro do outro lá tudinho, não dá conta.
Aí começa a enjoar, eu digo: “Está bom, então espere aí.
Como é seu nome?” “É fulano de tal” “Então está.
Espere aí que eu vou já fazer.
Pode voltar daqui uns dias”.
E eu falei assim e deu certo, que a mulher voltou.
Aí pronto, aí me agride com essa arrumação de novo.
P/1 – Mas o senhor tem esse poder? Porque o senhor diz assim, que o senhor tem uma coisa espiritual e tem esse conhecimento das ervas.
O senhor mistura os dois? Como é? Ou isso é uma invenção?
R – Não.
Não.
Não é invenção, não.
Por exemplo, eu nunca vi uma pessoa na vida, aí ele chega em casa: “Olha, eu vim cá para o senhor fazer um remédio para mim” “É? Fazer um remédio?” “É” “O que você sente?” “Eu sinto isso, e isso, e isso, e isso, e isso”.
Então quando ele termina de contar, já está tudinho na minha cabeça qual o remédio que é bom.
P/1 – Por que está? O que acontece?
R – Pois é.
Pois é.
Por isso que eu te falo.
Já está tudinho, certinho.
Às vezes alguém ainda dá palpite, diz: “Hein, seu Grande? Tal coisa é bom para ele, o senhor não acha?” “Não.
Eu acho que não.
Eu acho que já sei qual é que bom”.
E quando eu vou assim, nos palpites, costuma não dar certo.
Então tem que ser só aquele mesmo que foi determinado.
E assim eu faço e dá certo.
P/1 – Que outros casos que o senhor fala se deu certo e o senhor fez a garrafada, e assim, que marcaram o senhor?
R – Às vezes tem pessoas que não sabem nem o que está sentindo.
Eu já fiz uma garrafada para uma mulher ali em Laranjal, uma mulher muito nova e muito bonita.
Então ela disse que tinha inflamação e um escorrimento.
Eu fiz a garrafada, passaram uns dias, ela terminou a garrafada, ela veio e falou que não tinha ficado boa.
Eu fiz outra.
Ela terminou de novo, e veio, e falou que não tinha ficado boa.
Eu digo: “Então eu vou fazer a última.
Agora essa tu vai ficar boa”.
Aí eu fiz um remédio para gonorreia e dei para ela.
Quando ela tomou a metade, ela veio, disse: “Agora você acertou.
Agora eu estou boa”.
É o que eu digo, que não sabe nem o que está sentindo.
Aí me confunde tudinho.
P/1 – E como o senhor foi descobrindo mais? Teve a parte da tribo.
E aqui o senhor foi desenvolvendo isso?
R – É.
Aqui na mata mesmo é que é bom de ir se soltando mais.
P/1 – Como o senhor foi aprendendo aqui?
R – Não, a gente aprende com os bichos mesmo.
Por exemplo.
.
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Não sei se os outros do mato prestam atenção nisso, mas você sabe que a copaíba é um poderoso, um remédio.
Quando ninguém tira o óleo dela, ela racha lá em cima e fica pingando o óleo.
Então algum animal que tem um ferimento, um porco, um tatu, um negócio, que eles sabem que têm uma copaíba dessas que está pingando no chão, ele vem se rolar ali.
Ele vem passar o ferimento dele ali.
Para quê? Para ele ficar bom.
P/1 – E o senhor só vê isso observando os animais?
R – É.
Eu reparo tudinho isso neles.
P/1 – Você fica aqui parado olhando?
R – É.
Tem outros bichos que roem, eles topam pau assim, eles ficam roendo-o.
Ele vai lá todo dia quase roer aquele pau.
Aí eu tiro um pedacinho para eu ver o que é que tem de gostoso naquele pau ali, que todo dia aquele bicho vai lá roer.
Às vezes é salgadinho, gostoso, mas você pode ter na consciência que aquilo é medicinal, porque se ele rói, não faz mal para ele.
Quando a castanheira está jogando fruta, não passa um bicho lá de baixo, nem se ele vir correndo com medo da onça, ele não passa lá de baixo, porque com medo de um ouriço cair na cabeça dele, aí é só uma, mata.
Gente, o ouriço mata, mas bicho do mato ele não mata, que eles não passam debaixo.
Eles sabem que a castanheira está jogando, ele respeita até ela terminar.
Então o bicho tem muita noção.
Muita, muita, muita, só falta a gente prestar atenção.
P/1 – E o senhor aprendeu basicamente olhando os bichos?
R – Foi.
O papagaio não leva uma comida para o filho dele que ele sabe que pode fazer mal.
P/1 – E aprendeu isso com os índios?
R – Um pouco com os índios e o resto assim, com os animas.
Só que ainda não aprendi tudo.
Ainda tem mais coisas para aprender ainda.
P/1 – Aí começaram a procurar o senhor para tudo quanto é coisa? Para gravidez te procuraram?
R – Isto.
P/1 – Como o senhor descobriu da gravidez?
R – Na gravidez é muito fácil.
Umas vêm porque não sabem se estão grávidas.
Outras vêm porque querem perder o filho.
Esse eu deixei.
Esse eu já não estou mais fazendo.
P/1 – De perder?
R – Esse eu não faço mais.
Eu fui analisar mesmo, isso é um crime.
Não estou mais fazendo.
P/1 – Como você descobriu esse para gravidez?
R – Para engravidar? É um negócio que prega.
Para pregar, eu já vi só esse, que aí para cima na beira do rio tem, um tal de mututi.
P/1 – Mas como você descobriu esse?
R – E o descobri assim: a mulher queria engravidar, e aqui e acolá ela tinha uma pequena gravidez, e antes de o filho crescer, ela botava fora só aquela bola assim.
Então eu notei que aquele pau, o leite dele é como se fosse uma cola, sabe? Eu digo: “Esse pau, se botá-lo para murchar e fazer um chá e a mulher engravidar, ela segura o filho”.
Eu só fiz uma vez.
P/1 – Só por analisar a planta que colava?
R – Era.
Aí dei para ela e ela engravidou gêmeos.
Engravidou logo dois.
Aí não precisou mais remédio daí para frente, continuou tendo filho.
Não precisou mais, foi só essa vez.
P/1 – E para mau-olhado também começaram a procurar o senhor porque começaram já a misturar as coisas?
R – Para mau-olhado você pode saber que até esses artistas famosos, eles tomam esse tipo de banho.
P/1 – Mas como o senhor descobriu?
R – Não, esses aí foram tudo de aldeia.
Os índios também usam muito isso.
P/1 – Foi com os índios?
R – É.
Os índios usam muito.
Por exemplo, ele vai para o mato, aí não mata nada, quando ele chega, ele já vai cuidar de fazer banho para ele.
Ele sabe que ele está ruim.
É.
Aí ele faz o banho e vai de novo, aí ele mata.
P/1 – Aí você foi aprendendo?
R – Fui aprendendo quais são os matos, tudo isso.
P/1 – E o senhor começou a cobrar? O senhor cobrava? Como é?
R – Não.
Até hoje eu só cobro essas coisas que eu me ocupo muito para fazer aquilo.
Os que eu não me ocupo, eu não cobro.
P/1 – Vamos voltar agora um pouquinho atrás para coisa da castanha.
O senhor faz parte dessa comunidade aqui do castanhal? Ou cada um tem a sua, porque tem essa cooperativa, o senhor é ligado a ela?
R – Não.
Eu sou ligado assim, não para negociar castanha com eles.
Porque a castanha da cooperativa tem que ser de área certificada.
E a minha área não dá para certificar.
P/1 – Por quê?
R – Porque ela é pertinho aqui, então é onde o povo já derrubou muita madeira dentro, já serrou madeira, já jogou o vidro, o plástico dentro do meu castanhal, que ele é o mais perto que tem aqui, um dos mais pertos.
Então ele não dá mais para isso.
Para área certificada tem que ser virgem mesmo, bem natural mesmo.
O meu não dá para isso.
P/1 – E para quem o senhor vende?
R – Eu vendo para os atravessadores.
P/1 – Quem são?
R – São lá do Laranjal, os atravessadores.
Eles vêm.
Na época de castanha eles estão por aí.
P/1 – Quanto o senhor consegue ganhar?
R – Não, castanha, anos dá bom, anos dá ruim.
Esse ano mesmo deu ruim no começo, aí veio dar bom no final, quando já não presta quase mais a castanha, que ela vai apodrecendo tudo no mato.
P/1 – E essa atividade do barco? Que o senhor disse que faz barco?
R – Aí, olha, são esses aqui os fazedores de barco.
P/1 – Quando o senhor começou a fazer barco?
R – Não.
Eu não.
P/1 – Você não faz?
R – Não.
Eu não.
Eu, por exemplo, ajudo fazer essas coisas, mas os “cabeças” mesmo são outros.
Eu sempre ajudo quando vai fazer para mim, quando vai fazer para eles também,
P/1 – E o senhor precisa de barco para transportar?
R – Na época da castanha, precisa.
P/1 – Para transportar castanha?
R – É.
Agora, tirando a castanha, é uma canoinha pequena para pescar, para.
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P/1 – O senhor casou?
R – Casei.
P/1 – Quando o senhor casou?
R – Eu casei em 75.
P/1 – Com quem?
R – A Ivanete, lá no.
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P/1 – Ah, no garimpo?
R – Em Tocantins.
P/1 – Em Tocantins.
R – Foi essa que o senhor ficou um ano?
R – Não.
Essa eu fiquei mais de ano.
P/1 – Ficou quanto tempo?
R – Essa nós ficamos seis anos.
P/1 – E por que terminou?
R – Não deu mais certo, aí eu vim embora para o garimpo e ela ficou.
P/1 – Por que não deu certo?
R – Era por causa da família, da família dela e tal.
P/1 – Por quê?
R – Eles não se davam muito comigo, porque de vez em quando eu a deixava, ia para o garimpo, passava uns três meses, quatro por lá.
Aí eles não gostavam, eles queriam que eu tivesse lá ligado direto lá, aí não dava.
P/1 – E ela?
R – Ela achou ruim, mas foi o jeito acostumar.
P/1 – E depois disso o senhor não casou mais?
R – Não.
P/1 – Mas teve mais namoradas?
R – Teve.
Do jeito dessa uma lá do garimpo que a gente passou um bocado de tempo, aí o garimpo fracassou, fracassou também o amor, ela foi embora para um rumo e eu para outro.
P/1 – E depois dessa, a índia.
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R – É.
A índia.
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P/1 – E depois da índia?
R – Aí varia, de vez em quando passa.
Mas o maior tempo mesmo é um ano só, nunca passei mais disso, não.
P/1 – E agora o senhor está namorando?
R – Não.
Agora não.
Aqui o negócio é perigoso.
As namoradas daqui não são fáceis.
P/1 – O que mudou desde quando o senhor chegou aqui nessa região, aqui nessa comunidade, até agora?
R – O que eu acho que mudou?
P/1 – É.
R – Mudou muita coisa aqui.
P/1 – O quê?
R – Olha, quando eu cheguei para cá, ninguém aqui andava de motor, era só remando.
Foi quando criou essa cooperativa, aí veio um motor de polpa para cá, para fazer essas viagens aí por Sabão, depois veio um barcozinho.
Você já viu o barco lá, que está encostado ali, abandonado.
Era aquele barco que transportava o pessoal para lá.
Não tinha esses rabetas que têm aí.
Ninguém tinha rabeta.
Então a comunidade foi trabalhando com a cooperativa, aí foi ganhando mais dinheiro.
Ganhou bem mais dinheiro, porque uma televisão não tinha aqui, a primeira que veio foi uma preto e branco, aí juntava a comunidade todinha para ir para lá de noite assisti-la, faltava não caber lá dentro do barracão.
E agora todo mundo já tem uma televisão, tem uma geladeira.
São conferidas as pessoas que não tenham.
Eu acho que todo mundo tem.
E assim, eu acho que melhorou por causa disso.
Só que teve também de reunir, fazer uma vila.
Que era tudo espalhado aí para cima nesse rio, nesse outro aqui.
Agora não, se juntou tudo só num lugar.
Aqui para cima ainda tem dois moradores, ali para cima tem mais dois, e aqui para baixo tem mais três, mas o resto está tudinho aqui.
E era tudo espalhado.
P/1 – Seu Grande, como começou seu apelido de Grande?
R – Esse apelido de Grande não começou de Grande, era Gordo.
Sabe, eu era muito gordo.
Eu pesava 105 quilos.
Gordo, gordo, que eu padecia naquele garimpo lá de Itaituba, que a gente só ia de avião para o garimpo, e a gente pagava por quilo.
E eu me arrebentava lá, 105 quilos, ainda tinha mais a bolsa com as coisas.
Estrondava-me pagando passagem.
Foi a vez que eu peguei a primeira malária.
Eu a peguei com hepatite e com anemia muito forte.
Eu fui para o hospital, aí eu passei uns 26 dias lá internado, quase morria mesmo, saí de lá seco, seco.
Aquelas calças que eu tinha, eu tive que amarrar aqui para eu sair do hospital.
Então quem me via gordo, me via e dizia: “Ah, rapaz, esse é o Gordo.
Está desse jeito.
Rapaz, mas ficou muito grandão ele agora, comprido.
Olha! Você viu o gordo?” “Não” “Ah, se tu o ver, tu não conhece, rapaz.
Ele está compridão, rapaz, agora.
Acabou aquela banha toda”.
Aí quando me veem: “Ê, rapaz, mas tu ficou muito grande agora”.
Aí pegou.
Acabou o negócio de Gordo, passou para Grande.
E Grande está até hoje.
P/1 – E aí o senhor nunca mais engordou?
R – Nunca mais.
E nem quero.
E nem quero mesmo.
P/1 – Seu Grande, o senhor tem vontade de sair aqui dessa comunidade?
R – Não.
Por enquanto não.
Eu estou pensando em 2014 dar uma volta lá para o centro-oeste, mas é só dar uma volta por lá.
P/1 – Mas para visitar seus parentes?
R – É.
Em 2014 também só.
P/1 – O senhor conseguiu juntar dinheiro?
R – Consegui.
Estou só esperando chegar 2014.
E vou esperar.
.
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P/1 – Com a castanha?
R – Não, eu vou esperar 2014 que é para eu assistir ao menos um jogo da seleção lá no Mineirão.
P/1 – O senhor conseguiu juntar dinheiro com a castanha, com a atividade da castanha?
R – Não.
Com a castanha não.
P/1 – Com o quê o senhor juntou?
R – Eu fui indenizado ali de sair dali da minha casa.
Esse dinheiro eu vou guardar para eu ir lá.
P/1 – Indenizado por quê?
R – Porque eu moro lá, e a água vai atingir lá, e eu vou ter que sair de lá.
P/1 – Por que a água vai atingir?
R – Porque vai tampar lá embaixo, na barragem.
P/1 – Quem está construindo essa barragem?
R – É EDP, junto com Cerb.
P/1 – E a casa do senhor vai para onde?
R – Eu não quis que eles fizessem outra casa para mim.
P/1 – Não?
R – Não.
P/1 – E o senhor vai para onde?
R – Eu vou fazer outra para mim lá para cima.
P/1 – Você que vai construir?
R – É.
P/1 – E por que você não quis que eles fizessem? Por que você preferiu o dinheiro?
R – É.
Eu preferi o dinheiro, que era para eu viajar mesmo.
E outra, para eu morar sozinho, fazer uma casona de luxo para quê? Para mim, basta uma casinha só.
Só eu.
P/1 – O senhor podia escolher uma casa ou indenização?
R – Não.
Era a casa.
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P/1 – Ou o dinheiro?
R – Era.
Ou o dinheiro.
P/1 – Aí o senhor preferiu o dinheiro?
R – Foi.
Porque a casa, eu vou fazer uma casinha lá para eu morar.
P/1 – E o senhor mesmo vai construir?
R – Eu e aquele amigo lá.
Ele também vai para lá.
Nós vamos para lá.
P/1 – Seu Grande, o que o senhor acha dessa barragem aqui na região?
R – Ah, essa barragem aqui, para o Estado e para o Brasil é muito bom.
Eu achei que é muito boa.
Eu acho não, eu tenho certeza que é bom.
Porque o Amapá não desenvolve mais por falta de energia.
Se tivesse energia suficiente no Amapá, não era toda coisa que a gente ia buscar lá fora, produzia por aqui mesmo.
E a energia é muito pouca.
Agora, os beiradinhas aqui, não vai ser bom para eles, não.
Para eles não, para nós.
Para nós não tem essas coisas, não.
A gente não está ganhando eu acho que nada em troca.
P/1 – Por que não vai ser bom?
R – Porque, olha, eu trabalhei na barragem ali, então nessa barragem ali tem gente que trabalha a vida toda só em barragem, eles nunca trabalharam em outra coisa, só em barragem a vida toda.
Então lá, eu estava alojado, eles contavam que uma barragem que teve lá no Estado de Minas, o beiradinhas lá falaram que só podiam construir se eles dessem um local para eles, dessem gado para eles, desse porco para eles criarem, para eles sobreviverem daqueles animais.
Do contrário, não.
E o povo daqui não pediu nada, só a deslocação, sair da beira e botar mais para cima.
Só isso em troca.
Eu achei muito pouco.
P/1 – E vai comprometer a atividade assim, de extrativismo da castanha?
R – Olha, da castanha mesmo não vai, não.
P/1 – O que vai prejudicar?
R – Só que essa beira aí, ela é toda rica em outras coisas, como pracaxi, a seringa, tem muita seringueira que já estão jogando tudo embaixo.
Hoje a gente não está produzindo aqui a seringueira porque ninguém não está correndo atrás de contrato, mas se correr, acha, que seringa nunca cai do galho, produtora de pneu sabe disso, e aqui tem muita.
Então só falta correr atrás.
Um dia se precisar dessa seringa daqui, não vai ter mais.
O pracaxi só teve um ano de venda aqui.
Ninguém não fez mais contrato.
P/1 – Para que é pracaxi?
R – Pracaxi é que dá um óleo também.
P/1 – Que é bom para quê? Faz o que com ele?
R – Esse óleo, ele vai tudo para fora.
Acho que nem o óleo da castanha mesmo, que a Natura compra.
E assim são muitas coisas.
Agora, medicinais na beira não são muitos, não.
Tem pouco.
Mas tem também, que vai tudo se acabar.
Só que tem umas árvores medicinais na beira do rio, que elas só dão na beira do rio.
P/1 – São quais?
R – Ela não dá.
.
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Deixe-me ver seu eu vejo uma por aqui.
Ela não dá lá nos altos, não, ela só dá na beira do rio, o noará.
Conhece o noará?
P/1 – Não.
R – Pois é.
Ele é um santo remédio e só dá na beira do rio.
P/1 – Para que é?
R – Esse é para disenteria, essas dores de colo, que mulher.
.
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Essas coisas, ele é bom para isso.
P/1 – Seu Grande, vem muita gente assim, cientista, estudioso, pesquisador, atrás do senhor, atrás desse conhecimento?
R – Não.
Nunca veio ninguém.
P/1 – O senhor já foi procurado?
R – Não.
Já me procuraram, mas não aqui nessa comunidade.
Eles me chamaram em outra comunidade, lá perto de Macapá.
P/1 – Para quê?
R – Para eu ir lá participar de uma reunião de uns quantos médicos e uns técnicos do Iepa, que trabalham com medicina, e gente assim que sabia fazer garrafadas.
P/1 – E aí o senhor foi?
R – Fui.
P/1 – E aí?
R – Ah, lá eu achei.
.
.
P/1 – Como foi esse encontro?
R – Lá eu achei muito bom.
P/1 – Por quê?
R – Eu achei muito bom esse encontro lá, porque chegou o ponto do médico lá me explicar a AIDS, porque não tinha cura.
Porque eu tinha vontade de saber por que uma doença não tem cura.
Aí ele falou: “Rapaz, é muito difícil para eu te explicar isso, mas eu pelo menos vou tentar aqui ver se você entende aí”.
Só que eu entendi bem mesmo por que.
P/1 – E não tem mesmo?
R – Que não tem mesmo.
P/1 – Não tem nem aqui na floresta?
R – Não.
Agora, eu acho que tem um jeito assim, para eles conseguirem descobrir uma vacina para não deixar acontecer, mas depois que acontece, não tem mesmo jeito.
Não tem, não tem, não tem, não tem.
Aí tem o remédio para ir controlando, essas coisas assim.
Tem.
Ele explicou tudinho lá.
Só que ele pediu também para gente explicar como faz um chá de mato, como faz um chá de casca de pau, de raiz de pau, para gente explicar detalhado assim.
P/1 – Ele pediu para vocês explicarem?
R – Foi.
Ele pediu para explicar.
Eu falei para ele: “Olha, um remédio de folha, eu vou fazer aqui um chá de manjericão, aí eu pego, boto o chá dentro da panela, aí a hora que a água esquenta, que quer ferver, eu paro, já está pronto o chá.
Porque se cozinhar, o que vale desse chá, o manjericão, essas coisas, é o aroma dele, aí o aroma sai tudinho na fumaça, aí tem que parar.
Para e tampa.
A hora que esfriou, bebe.
Agora, se for fazer de raiz, de pau, de casca de pau, se a casca for grossona, a gente tem que miudar ela mais um pouco, botar para cozinhar, e ela tem que cozinhar pelo menos cozinhando, cozinhando, cinco minutos.
Uns cinco minutos ela cozinhando, dá de explora ela para uma garrafada.
Depois você tira a água da casca e pode deixá-la de molho, tornar a miudar ela, que ela torna a dar de novo, que ainda não explorou tudo”.
P/1 – E é para quê?
R – Para qualquer outra doença que seja.
Eu explicando para ele como a gente fazia.
P/1 – Para o médico?
R – É.
A garrafada.
P/1 – E ele?
R – Ele achou que estava certo.
Porque você faz uma garrafada de casca de pau, você só dá uma cozinhada nela, você estragou, que ela dava mais duas ou três garrafadas para frente.
Aí se você precisar, você já vai à outra árvore de novo.
Lá na árvore, para você tirar essa casca, você tem que saber tirar sem machucar a madeira, porque se você machucar a madeira, está arriscado o pau morrer no outro ano, aí acabou o seu tirador de casca.
Se você tirar sem ofender a madeira, todo ano você pode tirar.
Tira um ano desse lado, outro ano mais em cima, bota uma escada, tira lá mais em cima.
E assim, sem ofender a madeira.
Se ofender a madeira, é rápido que ele morre.
E assim a gente vai levando.
P/1 – Seu Grande, quer dizer, deve ter muita história, muita.
A gente poderia passar dias aqui conversando.
Que história que o senhor acha importante, que a gente não falou, que o senhor acha importante deixar registrado? Hein, seu Grande? Eu falo assim, o senhor tem muita história.
Cada pedaço da história do senhor daria aqui para desenrolar e ficar o dia inteiro.
R – Dava mesmo.
P/1 – De tudo que a gente conversou, que o senhor viu nessa vida, o que o senhor acha importante que a gente não falou, e relembrar aqui e contar?
R – Não, uma das histórias que eu acho mais escrota.
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P/1 – Mais o quê?
R – Mais escrota, “mais ruim” da minha vida, por exemplo.
Quando eu tinha eu acho que um ano, a minha mãe arrumou meu tio para ser o meu padrinho.
Ela era muito religiosa, aí está bom, aí foram lá, falaram com o padre: “É tal dia a gente vai”.
Aí quando.
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Por exemplo, era amanhã o batismo, aí meu padrinho deitou e não amanheceu mais na cama.
P/1 – Ele o quê?
R – Não amanheceu mais lá na cama.
E aí o procuraram ele para todo canto, nunca mais nem notícia.
Nunca achou mais o meu padrinho.
Eu já estava com dois anos, aí minha mãe arrumou outro.
Foram lá no padre, o mesmo padre, marcou tudo, agora vamos embora lá batizar.
Nós íamos para igreja, aí a gente passava perto de um campo de futebol bem na beirinha.
Só que quando nós íamos passando, tinha uma briga lá, e um atirou no outro e errou, e deu no cerco da testa do meu padrinho, matou lá na hora.
Aí voltamos de novo para casa.
Passaram mais uns dois anos, minha mãe arrumou outro.
Esse trabalhava com carroça, uma carroça com cavalo fazendo fretezinho dentro da cidade.
Aí estava faltando um dia para o batismo, ele foi buscar uma lenha na beira do asfalto, uma carreta o pegou, matou até o cavalo.
Aí o padre mandou parar, falou: “Não, para com esse negócio”.
P/1 – Ela foi falar com o padre?
R – O padre falou para parar, não era mais para arrumar padrinho para mim, era para esperar eu crescer, aí quando eu tivesse por minha conta, aí eu mesmo arrumava meu padrinho, eu mesmo arrumava tudo.
Aí eles esqueceram.
Depois eles me contaram que eu tinha que arrumar um padrinho, me contou a história dos outros tudo.
P/1 – A sua mãe te contou?
R – Foi.
Meu pai.
Quando eu quis casar, o padre falou que tinha que batizar.
Mas isso já não era mais lá, já era por Tocantins.
Aí arrumei um colono lá, uma pessoa que morava numa colônia, um agricultor.
Ele falou: “Ah, moço, eu vou sim.
Eu vou e vou até pegar uns peixes, que é para nós fazermos um churrasco depois do batismo”.
Ele botou umas malhadeiras assim na beira do rio, e quando foi no dia do batismo, ele foi lá tirar as malhadeiras, o moinho engatou num pau, aí ele mergulhou para desengatar e engatou o pé dele na malhadeira, aí ele morreu lá na malhadeira no fundo do rio.
Aí acabou o batismo.
Passou, passou, deixei passar, e a namorada me dando pressão: “Bora, tem que batizar para gente casar”.
Eu digo: “Calma”.
P/1 – Ele morreu?
R – Morreu afogado.
Ele engatou o pé dele na malhadeira.
Aí eu arrumei um, esse era malandro de baralho, ele só queria estar o dia todo jogando baralho, sabe? E era valendo, ele era bom de baralho.
Ele era pretinho ele.
Aí eu o arrumei.
Ele falou: “Ah, eu vou lá ser seu padrinho sim.
Que hora é esse batismo?”.
Eu digo: “São duas horas da tarde” “Está bom”.
Aí ele acabou de almoçar e foi jogar baralho.
Atacou um derrame nele lá e morreu.
Antes das três horas, ele morreu.
Aí digo: “Ah, mas está muito ruim esse negócio”.
Aí o padre falou para mim, disse: “Olha, tu vai fazer agora do jeito que eu te mandar.
Tu não vai mais arrumar padrinho por aí, não.
O dia que tu souber que tem um bocado de batizado aqui na igreja, tu vem para cá, aí tu vai arrumar o padrinho aqui dentro da igreja.
Está bom?”.
Eu digo: “Está bom”.
Um dia eu soube que tinha um bocado de batismo lá, aí eu fui para lá.
Cheguei lá, tinha um velhinho, que ele gostava de ser padrinho dos outros.
E ele era um velhinho, ele pintava o cabelo, ele andava bem arrumadinho, de paletó, gravata, e ele tinha um comerciozinho.
Eu fui lá com ele, falei: “Seu Fortuoso, rapaz, eu nunca fui batizado, e eu estou precisando batizar para eu casar, aí está difícil o padrinho, o senhor não quer ser meu padrinho?”.
Ele disse: “Com todo gosto.
Vamos embora lá, logo lá botar os nomes.
Você já botou lá?”.
Eu digo: “Não, que não tinha o padrinho” “Então vamos embora lá”.
Aí fomos lá, botamos os nomes, o padre disse assim: “Então fica aí logo, deixe-me batizar vocês aqui logo.
Vocês são os primeiros logo”.
Aí ele falou: “Olha, agora só que tem uma coisa, você estando aqui na cidade, você tem que vir tomar benção todo dia”.
Eu digo: “Não, meu padrinho, amanhã eu já vou lá tomar bênção”.
Aí ele.
.
.
O padre fez o batismo, e eu fui embora, e ele também, todo mundo.
De manhã eu fui lá tomar bênção, estava fechado, meio-dia eu fui, fechado, e a vizinha lá dele incomodou e arrebentou a porta, ele estava morto dentro.
Não tomei bênção nenhuma vez dele.
Morreu.
O pescoço estava grossão assim, ataque do coração.
Morreu.
Agora o padre disse que tem que crismar, aí eu estou precisando de um padrinho e uma madrinha de crisma.
Quem quiser seu meu padrinho e minha madrinha, podem se oferecer.
P/1 – É verdade essa história toda?
R – É verdade verdadeira.
P/1 – E por que você acha que todo mundo morreu?
R – Eu não sei o que foi, não.
Porque aqui nessa comunidade tinha um velho, que ele ainda está vivo em Macapá, todo menino que dava para ele ser padrinho, o menino morria antes do batismo.
Pode perguntar por aí.
Esse que eu tinha vontade de encontrar com ele nesse tempo, porque todo menino que dava para ele ser padrinho, o menino morria, e todo padrinho que dava para mim, o padrinho morria, aí eu queria ver com ele qual ia.
.
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P/1 – Mas você não ficou preocupado com isso?
R – Não.
Não fiquei, não.
P/1 – Você acha que era uma coincidência ou tinha alguma coisa?
R – Eu acho que tem alguma coisa a ver.
Não pode um negócio desses, só morrer na época do batismo.
Pois é, essa história aí que eu sou desgostoso com ela.
Que a minha mãe morreu.
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P/1 – Quantos padrinhos foram que morreram?
R – Cinco.
P/1 – Ao todo?
R – É.
Que a minha mãe morreu.
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P/1 – Ao todo? Cinco padrinhos que iam ser teus morreram?
R – Foi.
P/1 – Foram cinco?
R – Foi.
P/1 – Minha mãe morreu.
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P/1 – Mas você foi batizado?
R – Fui.
Mas não tive gosto de tomar benção do padrinho, mas fui.
P/1 – Seu Grande, e o senhor nunca mais teve contato com seus parentes, com as suas irmãs, não falou mais com elas?
R – Não.
P/1 – Nunca mais?
R – Não.
De uns cinco anos para cá, aí elas me descobriram para cá, aí elas ligaram.
Aí a gente vem falando de vez em quando.
Só agora que eu perdi de novo.
P/1 – Perdeu o quê?
R – O número delas.
Sempre eu ligava para elas.
P/1 – E vai fazer como para achar?
R – Eu vou dar um jeito aí de descobrir de novo.
P/1 – Como o senhor perdeu?
R – Porque estava agendado no telefone, aí eu perdi o telefone com tudo.
Entendeu? Estava tudo no telefone.
Perdi agora, esses dias agora.
P/1 – Como o senhor vai fazer?
R – Não, eu vou ver se eu descubro nuns papéis que eu tenho, se tem o número de alguém lá, é capaz de ter.
P/1 – Qual é seu maior sonho? Quais são seus sonhos hoje?
R – Não, esse negócio de sonho já passou agora.
O sonho já passou.
Agora eu vou trabalhar para eu construir de novo, construir um açaizal, construir um sítio, que são as coisas que estão dando resultado hoje em dia.
É só isso.
P/1 – E essa viagem que o senhor vai fazer?
R – Não, eu vou fazer, mas é só porque são minhas irmãs, para não contrariar muito elas, sabe? Aí já prometi para elas que eu ia em 2014 lá.
Com certeza elas estão esperando, aí eu vou.
P/1 – Vai querer ver o jogo da Copa?
R – Vou assistir pelo menos um lá.
P/1 – No Mineirão?
R – No Mineirão.
P/1 – Para que time o senhor torce?
R – Ah, para lá é para o Vasco.
E aqui no norte é para o Paysandu.
P/1 – Seu Grande, olhando tudo o que senhor viveu, o senhor se arrepende, mudaria alguma coisa que o senhor fez na sua vida?
R – Rapaz, tem algumas coisas, se fosse para começar de novo, eu não deixava acontecer o que aconteceu.
P/1 – O que você mudaria?
R – Olha, por exemplo, os dinheiros que eu ganhei dentro de garimpo, eu não jogava mais fora que nem eu joguei.
Por exemplo, eu chegava a uma boate, por exemplo, eu dizia para o dono lá: “Você faz quanto aqui por noite aqui? A noite que dá bom mesmo?”.
Ele disse: “Eu faço aqui até 300 gramas de ouro” “É?” “É” “Ah, pois eu vou te dar 300 gramas de ouro para tu fechar tudinho aqui e deixar só eu e as mulheres aqui dentro, não é para entrar mais ninguém, nem tu”.
Ele: “Ah, então está bom”.
Aí me dava a chave e ia embora.
P/1 – Você fazia isso?
R – Era.
P/1 – Fechava a boate inteira?
R – Era.
Aí era só eu lá dentro.
Só entrava lá se eu quisesse alguém, se eu não quisesse.
.
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E nem saía ninguém mais.
E para quê uma loucura dessas? De manhã pagava 300 gramas de ouro e ia embora para o baixão de novo, trabalhar para ganhar de novo.
E o que adiantou?
P/1 – Gastava numa noite só?
R – Era, uai.
Então eu estou dizendo, se fosse para voltar o tempo de novo, uma dessa não acontecia mais.
Olha, teve alguém que a gente trabalhou junto no garimpo, o mesmo tanto de ouro que eu ganhei, ele também ganhou, que nós éramos sócios, ele não ganhou mais do que eu nenhuma grama, aí ele foi embora para o Maranhão, comprou casa, comprou uns terrenos, comprou gado e está bem lá no Maranhão.
E quando ele acabou de comprar isso tudinho que ele queria na vida dele, eu já não tinha mais nenhuma grama de novo, eu já estava atrás de garimpo de novo.
P/1 – E o senhor toda.
.
.
Fez isso muitas vezes?
R – Muitas vezes.
P/1 – O senhor estava viciado em fazer isso?
R – Estava.
P/1 – Por quê? O senhor se sentia poderoso?
R – Era.
Muitas eu já tinha par de máquinas dentro do garimpo, no jeito de crescer, aí eu abandonava, acabava com tudo aquilo.
Nunca adiantou nada.
Às vezes eu tinha até alguma razão, muitas vezes eu cismava que tinha alguém querendo me matar naquele garimpo, e eu preferi abandonar tudo e saí.
Como eu vi muita gente que pensava que não tinham essas coisas, acontecia às vezes amanhecia morto.
Eu acho que era esse dom que me tirava.
Preferia.
.
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Porque eu acho que é melhor a vida do que qualquer tipo de recurso.
Aí eu saía fora.
Às vezes eu sentia que tinha alguém perseguindo minha vida, me pegar a traição, aí eu saía.
Vendia baratinho, dava um bocado para os outros e ia embora.
Aconteceu muitas vezes isso.
As pessoas me chamavam de doido.
Eu: “Não, não tem problema”.
E assim estou vivendo até hoje.
P/1 – Seu Grande, vou encaminhar para última aqui infelizmente, queria ficar o dia inteiro com o senhor, mas eu vou voltar a te encontrar, posso te garantir, tenho certeza.
R – Certo.
Com muito prazer.
P/1 – O que o senhor achou de contar a sua história hoje aqui para o Museu da Pessoa.
R – Eu achei bom.
Achei bom demais.
Ficaram faltando umas coisas, porque também é muito comprido, sabe?
P/1 – Mas você não quer deixar registrado? Pode falar.
R – Não.
Não.
Não.
P/1 – Que coisa faltou?
R – Não, já teve problema assim, que a gente passa na vida, que nem esse de padrinho, umas histórias assim, muito tristes.
P/1 – Que outra?
R – Outras vezes assim.
.
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Você já ouviu falar naqueles pistoleiros de Paragominas, por ali?
P/1 – O que tem?
R – Pois é.
Uma vez também esses pistoleiros já me pegaram, amarraram para matar mais tarde.
P/1 – Por que te amarraram?
R – Por causa das terras deles.
Não era para garimpeiro entrar.
Esses fazendeiros muito poderosos que têm por aí.
Ainda têm eles para lá, para o sul do Pará.
Aí eu trabalhava fazendo exploração, caçando onde tinha ouro, às vezes a gente varava dentro da área deles, uma vez eles me pegaram lá.
Pegaram, amarraram para matar mais tarde.
Aí mostraram o horror de caveira já de gente que eles já tinham matado já.
“Olha, esses aí tudinho já tentaram invadir aqui.
Está vendo aí? Tudo caveira de gente aí”.
É um caso assim, quase sem jeito.
Quase sem jeito.
E assim.
.
.
P/1 – E aí? Eles te amarraram.
Como foi? Te amarraram.
.
.
R – Amarraram.
P/1 – Na árvore? Aonde?
R – Na árvore assim.
P/1 – Quanto tempo o senhor ficou amarrado?
R – Não, depois uma das mulheres deles que me soltou.
P/1 – Quanto tempo você ficou amarrado?
R – Eu fiquei mais de três horas amarrado.
E eles bebendo, bebendo, que eles só iam matar quando eles tivessem bem em porre mesmo.
Matava era cortando os pedaços.
Aí a mulher de um deles veio e me soltou, e disse: “Some! Mas some mesmo!”.
Aí eu sumi mesmo.
Aí é uma situação difícil.
Essa situação aí para o sul do Pará era tudo assim.
Primeiro eles me mostraram o horror de caveira de gente já, tudo que eles matavam.
Não é que é uma situação difícil essa assim?
P/1 – Muito.
Era muita morte? Lá tinha muito coronelismo assim?
R – Tinha.
Tinha.
Eles matam gente.
.
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Naquele tempo eles matavam gente que nem mata assim, um porco, um cachorro, não tinha sentimento nenhum por aquilo, não.
Era matando, tomando cachaça, achando graça todo mundo.
Só?
P/1 – Obrigada.
Queria te agradecer.
R – Eu não tenho de quê.
P/1 – Por contar essa história, dividir uma história tão bonita.
R – Eu que tenho que agradecer de contar.
E amanhã eu estou de volta.
(risos)
P/1 – Obrigada.
R – Começar de novo.
FINAL DA ENTREVISTA
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