P - Bom, senhor Cury eu gostaria de começar a entrevista com o senhor dizendo seu nome completo, o local e a data de nascimento, por favor.
R - Meu nome é Constantino Cury.
Eu nasci em São Paulo, na capital, em treze de janeiro de 1924.
P - E os seus pais, qual eram os nomes de seus pais e onde.
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R - Meu pai chamava-se Abrahão, minha mãe chamava-se Vitória, naturalmente sobrenome Cury, né?
P - Eles são.
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Eles eram brasileiros?
R - Não, eram libaneses.
Eles vieram do Líbano.
Naquele tempo não existia praticamente o Líbano, era.
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Era a Turquia, era o Império Turco que tomava conta lá porque existia a Grande Síria, naquele tempo.
Depois veio a grande guerra, a guerra de 1914, os turcos foram pra lá e tomaram conta.
E depois, quando eles perderam a guerra, ganharam os aliados, a França tomou conta de uma parte que ficou o Líbano, e os ingleses tomaram conta da outra parte que era a Síria.
E veio até 1939, quando teve outra guerra e a.
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Novamente os aliados ganharam a guerra e dessa vez os aliados, os franceses deram a independência para o Líbano e foi formado o governo libanês.
E também deram a independência para a Síria, que são vizinhos, sírios e libaneses.
Praticamente a mesma língua, é como português e brasileiro.
P - E eles vieram em que época, para cá.
O senhor sabe?
R - Eles devem ter vindo na época de mil novecentos e pouco, em quatorze, quinze ou dezesseis.
P - Eles costumavam contar um pouco dessa viagem deles pra cá? Como é que foi.
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R - Tem uma das coisas, é que eles levavam quarenta dias de navio pra chegar aqui, para levar uma vida nova, um.
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Eles, é.
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Quase todos que saíram de lá eram cristãos.
E sabe, fugiram lá do império otomano turco, fugiram para cá.
É por isso que a maior parte dos filhos de sírios, filhos de libaneses, todos lá do Oriente, eles, os brasileiros começaram a chamá-los de turcos.
Eles vieram quase todos com o passaporte turco.
Não existia passaporte, era um documento qualquer.
Então eles chamavam de “turco”, “turquinho”, “turcão”, e não tem nada com turco, o turco é completamente diferente do libanês, do sírio e os outros.
P - E o senhor sabe por que eles escolheram o Brasil, e São Paulo para.
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Para imigrar?
R - Cada um escolheu uma parte de.
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Quando saiu de lá.
Uns foram para os Estados Unidos, outros pro Canadá, a Argentina, Paraguai, Brasil.
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Cada.
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Cada um escolheu uma parte.
Principalmente se algum tivesse parentes que chegaram antes.
Vieram os parentes aqui, acharam que era bom, outro foi pros Estados Unidos porque nos Estados Unidos têm muitos libaneses.
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Na Argentina está cheio também, no Uruguai.
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No Uruguai foi muito armênio que fugiu lá da Rússia, do massacre, e vieram todos praticamente pro Uruguai.
Alguns foram pro Canadá, o Canadá está cheio de sírio e libanês.
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P - Eles costumavam contar pro senhor como é que foi o início da vida deles no Brasil?
R - Ah, a vida muito difícil, todos nós sabemos disso que.
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Uns vieram trabalhar com tios, outros vieram trabalhar.
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Um ajudava o outro, né? Dava um pouco de mercadoria, ia para o interior vender, vendia, ganhava alguma coisa, voltava.
Iam abrir aí na Rua 25 de Março, outro na Rua Pajé, outro na Rua Santo André.
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P - Eles moravam onde em São Paulo? Naquela época eles estavam em que bairro?
R - Moravam todos na zona de.
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No bairro.
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Rua 25 de março, Rua Florêncio de Abreu, Rua Santo André, Rua Pajé, Rua Itobi, Rua Barão de Duprat.
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P - O senhor nasceu em que bairro, aqui em São Paulo?
R - Eu nasci na.
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Lembro-me que foi no Oswaldo.
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Hospital Oswaldo Cruz, na Vila Mariana, na Avenida Paulista.
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Antigamente existiam muito poucos hospitais, os partos eram feitos todos em casa, praticamente.
Eu me lembro de que falavam que os médicos, os parteiros, iam em casa fazer o nascimento.
Porque tinham poucos hospitais e só quem tinha muito dinheiro podia ir para um hospital.
Quem tinha que fazer cesariana ia nos hospitais.
Mas tudo era feito em casa, tudo parteiras, e assim por diante.
P - Qual era a língua falada em casa, árabe ou português?
R - Era meio a meio.
P - O senhor foi educado em árabe também?
R - Não, eu estudei.
Estudei, li, escrevi.
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Mas, sabe, que naquele tempo cada colônia tinha seu professor, os pais gostavam que os filhos falassem a mesma língua, como existem os italianos.
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Existem até hoje existem escolas italianas, que se aprende o italiano, o espanhol, o francês.
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Francês e inglês era pouco.
Era mais italiano, espanhol, que vieram mais pro Brasil.
E cada um fez a sua escola, porque geralmente os pais sempre têm aquela esperança de voltar um dia pra sua terra, né? Nunca voltaram mais.
Muitos voltaram só para conhecer.
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P - Os seus pais voltaram pra conhecer depois o Líbano?
R - Não, não voltaram não.
P - Ir visitar, né?
R - Ninguém.
É muito difícil, quando chega na época de voltar eles já estão velhos.
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P - E o senhor visitou?
R - Eu visitei.
Fui duas vezes ao Líbano.
Líbano, Síria, Egito, conheço todo aquele negócio lá.
P - Como era um pouco o bairro que o senhor morava na sua infância aqui em São Paulo?
R - Era como.
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Eu morava na Rua 25 de Março, e lá não tinha luz, me lembro até hoje, era lampião.
Alguns lugares tinham luz em São Paulo, mas na Rua 25 não tinha.
Passava o bonde, era o bonde Tamandaré e.
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Era uma vida que não tinha nada, quer dizer então.
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As casas tinham luz, mas a rua não tinha.
Era rua de lampião de gás.
Muito interessante, porque existe muita música lampião de gás, né? Não é fácil não.
Foi, foi uma dureza.
Mas eu, mas uma infância boa, como todo mundo, normal, não tínhamos essas coisas que existem hoje perigosas em São Paulo, ou em outros estados do Brasil, se levava uma vida muito mais sossegada.
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P - Mas, assim.
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Brincava-se na rua? O senhor tinha que ajudar, por exemplo, o pai no trabalho? Como é que foi o começo.
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R - Até a idade de nove, dez anos, eu comecei a trabalhar com nove anos de idade, dez anos.
E.
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Acho que 33, 34, não me lembro.
E geralmente eram criados, os filhos, para chegar à idade de dez, onze, doze, treze anos e ir trabalhar com o pai.
Estudava e trabalhava.
E o estudo, os filhos de imigrantes, muito poucos chegaram a estudar, se formarem.
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E só se for a segunda geração já, que os pais já estavam ricos, tinham trabalhado, é que dava.
As primeiras gerações praticamente nunca tiveram estudo, nunca se formaram.
Como eu, não me formei, nunca tive estudo.
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Estudei no grupo escolar, me lembro de que era em frente à Estação da Luz, o Grupo Escolar Prudente de Morais.
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Estudei e me formei lá.
E depois não deu pra continuar nas outras séries.
Porque antigamente não tinha como hoje, oitava, sétima série.
Enfim aí tinha, tinha que estudar e depois entrar na faculdade, faculdade existia uma ou duas, era só a São Francisco, medicina era a Escola Paulista de Medicina.
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No meu tempo não tinha nada disso.
Era trabalhar pra poder comer.
Não tínhamos nem eleição.
Não tínhamos nada, era a olho o negócio.
P - E a vizinhança era também de imigrantes árabes na sua maioria?
R - Era, boa parte, eles procuravam quase todos ficarem juntos.
Praticamente eram amigos lá na terra deles, quando eram crianças, porque era tudo moço, mocidade.
Nem casados eles não eram.
P - O senhor se lembrava de vocês falarem árabe nas ruas?
R - Falava sim.
Falava, não tinha nada.
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No interior que era um pouco mais difícil falar árabe porque as pessoas.
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“Olha o turco falando”, sabe como é que é, era uma reação, reação natural, né? Hoje não tem mais nada disso, qualquer lugar que vai se fala todas as línguas.
Agora, naquele tempo falando árabe, era.
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Era um pouco, o sujeito ficava com medo de falar, principalmente no interior.
Depois, com o tempo.
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No interior os árabes ficaram.
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progrediram muito mais que na capital.
Na capital era um pouco mais difícil porque existiam grandes companhias inglesas, francesas e italianas.
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Eles já, os italianos já vinham boa parte bem.
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A Itália era, é Primeiro Mundo, a Espanha.
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Quem vinha lá da Arábia não sabia nem falar, não sabia nem escrever.
Minha mãe não sabia escrever.
Meu pai aprendeu a escrever aqui.
Quer dizer, não como os italianos, os franceses, os ingleses, os espanhóis que, como hoje, eles são Primeiro Mundo, e ainda nós continuamos o Terceiro.
Mas acredito que em pouco tempo, até o ano 2000, nós seremos uns dos maiores países do mundo.
P - E sobre futebol? Quando é que começa.
O senhor era.
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Quando moleque o senhor jogava futebol na rua?
R - Jogava.
Todos nós jogávamos futebol na rua, porque não existia trânsito, era bonde, eu sou do tempo em que tinha carroça em vez de caminhões pra pegar mercadoria na Rua 25 de Março pra levar, transportar pra estações de trem.
Era tudo carroça puxada a cavalo.
Barro, cavalo, burro, e eles carregavam e levavam as carroças, eu me lembro perfeitamente.
E existia.
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À tarde, à noite sempre era vazio, se jogava futebol.
À tardinha, no sábado e domingo, não passava ninguém, passava praticamente o bonde, que passava lá.
Nós jogávamos nas travessas da Rua 25 de Março, e era lá tudo perto do mercado, hoje.
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Não era campo de futebol.
Eu me lembro de que era aquela companhia espanhola, eles tinham todas aquelas terras lá que hoje é o Mercado Municipal.
A gente jogava futebol lá, a gente fazia bola de meia.
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Bola que hoje não existe.
Tempo bom, viu? Não tinha essa futrica, essa porcaria que tem por aí, não tinha doença.
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Existiam essas doenças, essas coisas bárbaras que existem, hoje a diferença é muito grande.
Mas é a vida.
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Hoje já existe uma coisa que não existia, a higiene de hoje, água não existia antes, era bem menos.
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Mas cada um na sua época.
Um era assim.
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P - E como é que o senhor começou a torcer pro São Paulo?
R - Bom, eu comecei a torcer pro São Paulo acho que desde criança.
Eu tinha um clube que chamava Esporte Clube Sírio, e praticamente todos os sírio-libaneses, boa parte deles, torcem pro São Paulo, né? Eu torcia pro Sírio, eu era sócio do Sírio, não Libanês porque ainda não existia o Libanês.
No futebol o Sírio teve um grande time.
O Sírio, Esporte Clube Sírio foi um dos grandes clubes.
Eles terminaram o futebol, mas eles foram campeões da segunda divisão, tinha grandes jogadores, o Petronilho, o Waldemar de Brito, esse que foi o descobridor do Pelé, Delgrande.
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Enfim, tinha um grande time de futebol.
E disputava com o.
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O tempo que o São Paulo tinha o Friedenreich, eu assisti o Friedenreich jogar na Floresta.
E quando o Sírio terminou, saiu da primeira divisão porque foi formada a liga de futebol da primeira divisão, saiu porque o clube achava que tinha que fazer mais lazer e outros esportes, tênis, coisa, do que futebol.
Custava bem menos, porque futebol custava sempre mais caro, né? O futebol não é fácil.
Então eles acharam que era muito mais barato fazer basquete, que não tinha profissionalismo.
E o futebol sempre existiu o profissional marrom, como diz, como existe hoje no basquete, em outros lugares todos eles ganham.
Até na natação eles ganham.
Mas é.
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Terminando isso, o Sírio, naturalmente a maior parte começou a torcer pro São Paulo.
E não é brincadeira, rapaz, cinquenta anos.
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Cinquenta anos é uma existência.
P – Mas, por exemplo, o seu pai também torcia pro São Paulo?
R – Não, meu pai não entendia de futebol, ele nem sabia de futebol.
Cinquenta anos atrás.
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Se o futebol faz.
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Tem cem anos de vida né? Acho que cem anos.
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P - Cem anos que chegou ao Brasil.
R - Cem agora então.
Então há cinquenta anos ele nem sabia o que era futebol.
E aí eu me lembro, natação aqui eles iam lá para o Rio Tietê fazer campeonato de travessia de São Paulo, travessia de não sei o que.
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Tudo.
Não era essa água suja que tem o Tietê hoje, né? Esses eram os esportes, jogava basquete, eram os próprios sócios que se formavam entre eles, faziam campeonato paulista.
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Não hoje, que compra aqui, compra lá os melhores.
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P - O senhor disse que o senhor viu o Friedenreich jogar na Floresta?
R - Vi.
P - Como é que era ele.
R - Ha há! Eu vi ele poucas vezes por que.
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Eu o vi jogar no São Paulo, me lembro perfeitamente dele.
Como nós temos grandes jogadores, depois veio o Leônidas, depois veio outro jogador, veio o Feitiço, eu assisti quase todos esses grandes jogadores.
Não me lembro de cabeça.
P - E nessa primeira fase do São Paulo, o senhor recorda de algum jogo que tenha o marcou? Assim alguma.
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R - Tem muitos jogos, tem muitos jogos.
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Eu me lembro até de que um dos jogos foi São Paulo e Sírio, pra você ver! O Sírio estava ganhando de um a zero, o São Paulo vira o jogo e ganha de dois, três.
Aí então o Sírio desistiu nesse ano, no outro ano mesmo o Sírio desistiu.
De modo que faz tempo já.
Não é brincadeira não.
P - O senhor entrou e se associou ao São Paulo, o senhor recorda quando?
R - Eu acho que foi em 1942.
Nessa época 42.
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E eu fiquei um tempo, depois não tinha mais dinheiro pra pagar o recibo.
Depois entrei novamente mais dois, três anos depois.
Entrei junto com o Laudo Natel, que posteriormente foi governador do estado, e ele construiu o.
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Foi um dos grandes construtores, grande homem que fez a.
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O início do que é o Morumbi hoje.
P - O senhor lembra como era o clube naquela época?
R - Lembro.
O clube era.
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Era na Avenida Ipiranga, me lembro de quando o Laudo foi eleito uma vez na Avenida Ipiranga, tinha o Manoel Raymundo e outros companheiros, eu era moleque, quer dizer, eu não lembro a idade deles, mas eles já eram mais são-paulinos do que eu, já estavam há mais anos lá, já eram uma equipe, era um grupo bom, coeso.
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Eu lembro bem do São Paulo.
Lembro depois, quando o São Paulo passou pro Estudantes, eu fui.
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Ele estava na Rua da Mooca, era um campo de futebol “não sei de que” da Antárctica, e da Antárctica o São Paulo começou a jogar lá com o nome de Estudantes.
Depois ele ficou uns dois anos sem Estudantes, aí depois voltou pra São Paulo Futebol Clube.
Lembro-me a história, não fui fundador, mas eu me lembro disso.
P - E o campo do Canindé?
R - O Canindé era, foi o início que.
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Depois da venda do campo do Canindé, era um campo normal como esse, treinavam.
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Praticamente não tinham grandes.
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Quer dizer, jogos grandes, pagava-se como hoje fechado, entrava a metade de graça, metade não ia.
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Como o campo da Portuguesa na Rua Lavapés, eu me lembro muito bem lá.
São Paulo jogou uma vez, eu assisti a um jogo lá que ganhamos da Portuguesa.
P - Mas, o São Paulo tinha uma sede social, tinha piscinas, tinha quadras nessa época?
R - Não, não tinha nada disso não.
Ninguém tinha piscina, viu? Se alguém tinha piscina, não sei se me lembro de quem é que tinha piscina.
Era tudo perto do rio.
São Paulo foi.
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O Sírio foi na Ponte Pequena, o Tietê.
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Todos eles em frente ao Rio Tietê.
O Floresta, depois do Floresta era o Atlético, o Germânia que era lá perto também, o São Bento, que era tudo lá perto junto.
E o São Paulo tinha o Canindé, depois resolveram construir um estádio.
E esse estádio por si só.
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Vieram uns homens como aqueles, que hoje não estão aí, o Pedroso, o.
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P - O senhor participou de que maneira da construção do Morumbi? O senhor integrou algumas daquelas comissões.
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R - Não, eu praticamente não me integrei em nenhuma.
Eu era um pouco fora daquilo.
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Meu ambiente.
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Eu não tinha condições, trabalhava noite e dia e não.
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E era o grupo, eles que fizeram, mas eu ajudei muito, vendi muita cadeira, vendi, comprei, ajudei.
Depois eu me integrei normal com eles, quem se integrou muito com eles foi meu cunhado, o Adib, falecido, ele era muito ligado a esse grupo.
P - E Dr.
Cury, o São Paulo em.
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Na década de 40, ele ganhou metade dos títulos, ele ganhou cinco campeonatos, não é?
R - Foi na época que eu entrei.
P - O senhor recorda, o senhor foi a algumas dessas decisões, o senhor lembra-se de algum jogo.
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R - Praticamente é difícil eu lembrar, mas fui a muitos jogos.
Fui a muitos jogos.
Eu era amigo deles, ficava noite e dia lá com eles, isso eu nem me lembro mais.
P - O senhor já viu o Leônidas em campo?
R - Já vi.
Vi ele jogar.
Vi.
Até 1950, quando nós perdemos o campeonato do mundo, eu estive no Rio de Janeiro, até Feola, que era o treinador, todos eles.
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Aí comecei a me engrenar depois em 44, 45, 46.
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P - O senhor viu a Copa do Mundo em 50 no Rio?
R - Vi sim.
Eu estive no Rio de Janeiro.
P - E o senhor esteve na decisão Brasil e Uruguai?
R - Estive.
P - Ah, então o senhor podia contar um pouquinho do jogo que marcou o Brasil.
R - Podia contar.
Isso marcou pra nós, nós tínhamos certeza de que íamos ganhar.
Quando eu estive no vestiário na noite anterior, os jogadores estavam tudo na porta, dando risada, brincando.
Não como hoje, que é um pouco diferente.
Ué, você vê que nós tínhamos ganhado de todo mundo, e o Uruguai ganhou uma partida só da Bolívia.
Quer dizer, pra nós não teria problema nenhum, mas os jogadores brasileiros não sabiam da garra dos uruguaios, como eles têm a garra até hoje, eles têm garra porque futebol tem que ter garra, jogar assim com coisa tudo bem.
Ganhar futebol precisa ter garra, precisa ter amor, precisa correr, precisa ver.
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Quem entra com salto alto no futebol só perde futebol.
P - E o Brasil nesse dia.
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R - Nesse dia nós perdemos isso, marcamos um gol, primeiro gol, nós jogávamos pelo empate.
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E o gol do Varela, hoje que é dia quatro, que vocês estão vendo, a Gazeta Esportiva está fazendo uma história dele.
Que ele comandou a vitória do Uruguai.
Eu estive lá, saí do estádio oito horas da noite, e o estádio ficou tão quieto, todo mundo ficou sentado.
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P - É verdade que ninguém tinha força pra sair do estádio, ficou todo mundo sentado, meio atônito?
R - É, ficou lá sentado.
Eu naquele tempo fabricava lenço.
E fabriquei lenço “Brasil, Campeão do Mundo” adiantado.
Fui ao vestiário e dei pro Feola, dei pro Ademir, um lenço pra cada um, não esqueço até hoje.
Eu vendia muito lenço, todo mundo comprava.
Aí nós perdemos, e quem comprou os lenços foram os uruguaios.
Os uruguaios foram, eu estava vendendo lá na Senhor dos Passos, lá no centro da cidade, tinha sentado com muitas pessoas que foram vender, eram lenços grandes, estampamos eles em São Paulo e eu levei pra lá.
Os brasileiros não queriam comprar, mas os uruguaios compraram, pra gozar a gente (risos).
Depois eu fabriquei o lenço "Uruguay campeón del mundo".
Aí eu ganhei um dinheirinho com isso (risos).
Mandei lá pro Uruguai, pra Montevidéu e.
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P - Então o Uruguai deu prejuízo pro senhor.
R - Não, não deu prejuízo.
Deu prejuízo moral, porque nós, com a copa na mão, perdemos.
Você vê hoje.
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Depois disto nós ainda não aprendemos a lição.
Porque depois tivemos duas copas na mão e perdemos.
P - Quais foram?
R - Uma, a Copa da Espanha, outra lá no México.
Nós perdemos duas copas de brincadeira, quer dizer, então precisa ter mais determinação o futebol.
Uma Copa do Mundo não é só jogar futebol.
Precisa jogar com a cabeça, precisa ser determinado pra ganhar aquela partida, senão não ganha.
Porque os outros times entram determinados, nós achávamos que sempre que chegava em campo e ganhava de qualquer um.
Mas isso não deu certo.
P - Dr.
Cury, vamos falar de outro jogo histórico.
O senhor esteve na inauguração do Morumbi, em 1960?
R - Estive.
P - O senhor podia contar um pouquinho pra gente?
R - É muito difícil.
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Sessenta, nós estamos em 94.
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Trinta e tantos anos, sai um jogador em cima do outro.
É normal como os outros, eu estive também na inauguração do Pacaembu.
P - Ah, o senhor esteve na inauguração do Pacaembu?
R - Em 43, ou 44.
Eu tinha vinte anos de idade, gostava mesmo de futebol.
Hoje se vê essa molecada, esses meninos de quinze anos, vinte anos.
É o futebol.
Como.
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P - E é verdade que quando o São Paulo entrou em campo no desfile na inauguração do Pacaembu que todo mundo veio abaixo? De saudade do São Paulo?
R - Veio.
O Leônidas jogou nesse dia.
Foi o Leônidas que jogou nesse dia.
P - Esse dia foi um desfile na verdade, estava o Getúlio Vargas.
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R - Não lembro se foi um jogo, não me lembro.
P - Na estreia do Leônidas o senhor esteve também, em 42?
R - Eu acho que estive, eu não me lembro bem.
Eu estive muitas vezes.
O Leônidas era muito meu amigo.
Eu viajei muito com ele, viajamos de 1966, quando nós perdemos na Inglaterra e eu não me lembro se foi em 58, que eu estive na Copa do Mundo de 58, quando nós ganhamos a primeira copa, eu acho que vim com o Leônidas.
P - O senhor costumava viajar com o clube São Paulo, com o time?
R - Não, muito pouco.
Eu viajava, eu gosto muito de viajar, viajava sozinho, eu e minha mulher.
E nessa viagem da Copa do mundo de 58 eu estive com os jogadores.
Nós éramos cinquenta brasileiros e fomos a Estocolmo e ganhamos a Copa.
E eu e o Dr.
Paulo Machado de Carvalho, estivemos juntos, o Paulo Planet Buarque, e depois nós fomos a um lugar que se chama Gruta da Imprensa, fizemos a festa lá, as suecas todas tudo atrás dos negros lá, só queriam os negros, nunca tinham visto negro acho que na vida, achavam que aquilo era novidade.
Na Suécia, 40 anos atrás, né? Então elas só queriam os pretos, não queriam nem saber da gente.
Eu estava com a minha mulher, minha mulher.
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Cada sueca media dois metros de altura.
P - É, o Garrincha deixou uns filhos suecos, não é?
R - É, não sei se deixou, é muito chute.
Lembro-me do Moacir, tava com duas mulheres.
O Pelé com uma do outro lado, tudo aquelas mulheronas.
Gilmar.
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É, hoje estão todos casados a gente não pode falar mais.
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A esposa.
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P - A sua mulher acompanhava o senhor nas viagens, nos jogos também?
R - Não, nessa viagem ela.
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Eu a tapeei.
Eu estava nos Estados Unidos, em Nova York, em 1950, e eu disse pra ela: “vamos passear, vamos conhecer a Europa.
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”.
P – E era pra ir assistir o jogo, né?
R - Aí pegamos um avião e fomos pra Paris.
E no dia seguinte era o jogo Brasil, quando começou.
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Tinha a televisão.
No Brasil nem se conhecia televisão.
Conhecia alguns ricos que trouxeram algum aparelho, alguma coisa.
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Porque a televisão foi inaugurada em 48.
Eu assisti nesse hotel, eu passei.
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Um hotel pequenininho, perto dos Champs-Élysées, estavam os franceses assistindo, ganhamos aquele jogo de cinco a dois.
Aí eu.
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Até hoje, esse hotel.
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Se eu passo lá, passo com a minha mulher.
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Aí eu disse pra ela: “vamos pra Bélgica, vamos pra Bruxelas”.
Tinha uma festa, depois lá eu disse: “vamos conhecer a Suécia”.
“Ah, mas não.
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”.
Vamos conhecer.
Era o jogo de decisão, a levei.
Cheguei lá no hotel, não tinha hotel, ficamos numa pensão, o Dr.
Paulo Machado de Carvalho me arrumou as entradas, fiquei com o pessoal da.
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Que estava irradiando pra São Paulo, pro Brasil e pra Portugal.
Lembro-me do Pedro Luiz, o Jorge Cury, Tomás Mazzoni, Geraldo José de Almeida, estavam todos comigo lá.
E minha mulher falou.
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Ela achou graça, porque ela também não entendia de futebol, eu queria assistir a decisão, eu fui um dos poucos brasileiros que assistiram a decisão lá em Estocolmo, propriamente.
P - E o que o senhor nos falaria do Pelé? Porque o Pelé foi uma promessa, ele despontou para o mundo lá naquela copa, né?
R - O Pelé, eu acho que é difícil outro igual.
O Pelé é conhecido meu, digo amigo, assim, eu me lembro que eu tinha firma lá de automóvel, ele fez um filme, fez um filme na minha firma lá.
Sempre que encontro com ele nos lembramos do filme, brincamos.
Pelé foi um gênio.
Gênio e é difícil encontrar um homem que é artista, que não comete um deslize, né? Ele não, ele foi bacana em tudo, viu? Não se meteu em encrenca, não se meteu em nada, porque geralmente o artista fica meio.
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Porque ele é artista, o sujeito, Deus deu isso pra ele, porque ele joga futebol.
Para jogar futebol precisa ser artista, precisa ter crânio, precisa ter cabeça, precisa ter educação.
Tem muito jogador aí que é um colosso, aí, mas não tem educação nenhuma, acha que é o maior do mundo, esquece que depois de meia dúzia de anos acaba tudo isso.
Agora o Pelé é difícil: outro não existe mais.
É muito difícil, aparece aí, o cara fala: “Ah, esse vai ser como o Pelé, esse vai ser como não sei que”, eu acho que é difícil.
É como o Frank Sinatra.
Podem aparecer todos os cantores, mas o Frank Sinatra é o Frank Sinatra.
Ele sempre continua aparecendo, os outros somem, voltam.
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São coisas que neste século deu, Deus deu pra algumas pessoas alguma coisa pra fazer, em política, em cinema, em futebol, ou na.
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Na África do Sul o Mandela, são homens que Deus deu.
Você vai fazer isso, você aquilo.
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P - Senhor Cury, pelo visto o senhor acompanhou muitas copas do mundo.
Em 58, o senhor foi em 66, o senhor viu a copa do México também em 1970?
R - Não, essa eu assisti aqui.
P - O senhor assistiu o tri aqui, pela tevê.
R - Pela tevê.
Eu fui pra Inglaterra em 66, em 62 eu não fui, porque era no Chile, eu tive algum problema, depois fui em 66.
P - Em 66 o tri era certo, não é? Todo mundo achava que ia levar.
.
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R - É jogaram.
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Como eu digo, jogaram com salto alto, né? Uma brincadeira que foi feita em 66.
P - É?
R - Chegaram lá, acharam que iam ganhar de qualquer um.
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Futebol não brinca não.
Futebol é negócio sério.
E perdemos, foi nessa época parece que eu voltei com.
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Fiquei amigo de todos eles, Leônidas, eu falo Leônidas porque nós estávamos falando do Leônidas, contei todos eles.
P - Tinha algum jogador do São Paulo na seleção brasileira em 66?
R - Tinha.
Tinha o Bauer.
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O Bauer, quem é que estava mais? Feola era o técnico.
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Sessenta e seis.
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P - Feola era o técnico.
R - Não, tinha sim.
Eu acho que jogava o extrema esquerda, não me lembro, tinha alguns sim.
Mas era muito esculhambado aquele selecionado, viu? Brigas.
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Uns não queriam.
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Futebol tem que ter disciplina e determinação, senão não adianta nada.
P - O senhor foi amigo do Feola?
R - Fui muito amigo do Feola.
P - Como é que era o temperamento do Feola, a maneira dele de ser?
R - Ele era um cara muito tranquilo, ele entendia de futebol como.
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Era um pouco diferente antes.
Ele entendia de esquemas, alguma coisa, mas não era como hoje que o sujeito se desconcentra e, tem estudos, tem tratamento médico, tem.
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Precisa saber como você corre, como vem, não existia aquilo tudo como.
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Em 1938, quando eles foram jogar lá, eles queriam enganar os italianos, o goleiro jogava na extrema esquerda, não me lembro do técnico lá, o nome dele.
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E não existia que hoje existe.
Hoje existe.
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É um negócio muito sério, o futebol é profissional, futebol corre dinheiro, futebol fatura, futebol é televisão, futebol é rádio, futebol é trânsito, futebol é automóvel, futebol é papel de entrada, futebol é.
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Sei lá eu.
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Quer dizer, é luz, água, futebol hoje é, aqui do Brasil que eu digo, precisa ter um negócio que movimenta milhões de dólares aqui no Brasil.
Movimenta muito dinheiro, você vê, o movimento, vende, compra e tal.
Então o negócio tem que tomar a sério mesmo, eles não podem brincar.
P - Como foi que o senhor, em cargos administrativos do São Paulo, que o senhor, passou a pertencer à diretoria, quando que isto começou?
R - Isso aqui.
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Tinha o meu cunhado, o Adib, ele sempre fez parte da diretoria.
Eu sempre acompanhava ele, ele sempre me arrumava um cargo junto dele, ele foi diretor de futebol, eu fiquei adjunto, mas nunca tomei parte assim direta de uma diretoria.
Só em 1980, 88.
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Oitenta mais ou menos, que eu comecei a entrar na diretoria.
Eu era adjunto de futebol no tempo do meu cunhado, depois entrei como vice-presidente do São Paulo, praticamente uns dez anos que eu sou vice-presidente.
P - O senhor entrou com o Dr.
Galvão?
R - O Galvão saiu e eu entrei como vice-presidente com o Dallora, depois fui vice-presidente do Carlos Miguel.
Depois houve um hiato de dois anos, aí fui quatro anos vice-presidente do Pimenta.
E sempre tive com eles, sempre.
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Não é o problema de ser vice-presidente ou ser diretor, o negócio é ser são-paulino, que eu acho que o amor que a gente sente pelo time, para mim se sou diretor ou não sou.
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Tem muita gente que gosta de ser diretor, gosta e tal por que.
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É um orgulho falar "Eu sou diretor do São Paulo Futebol Clube".
Ainda mais hoje, que você sai hoje por aí e você.
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Eu viajei agora recentemente, aí, uma viagem de navio, tinha meia dúzia de meninos que nunca viram o São Paulo.
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Eu digo, que.
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Que é.
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Ah, o São Paulo.
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Ontem ou anteontem tinha um filho de um amigo meu, mandou uma carta lá, diz que o menino dorme com a camisa, dorme com a bandeira do São Paulo, mandou um negócio pro Pimenta assinar, que ele queria só o Pimenta.
Mandei, o Pimenta assinou, mandou sei lá não sei o quê.
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Nesses quatro, cinco anos o São Paulo é um negócio fora de série, deve ser igual o Milan na Itália, porque aqui o sujeito.
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É incrível! Eu falo com toda a criançada.
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Só que é a história: é muito difícil você falar “ah, eu gosto do Corinthians ou do Palmeiras”.
Tem um ou outro aí, eles dão risada, tudo é são-paulino.
“Ah, sou São Paulo, sou São Paulo”.
E me telefonam, e querem ir pro campo, e querem entrar com jogador, e querem camisa, é um negócio que acontece.
O São Paulo, acho que é inédito o que aconteceu com o São Paulo nesses quatro, cinco anos.
É que ele ganhou o.
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P - É, ele ganhou tudo.
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R - Tudo.
P - Dr.
Cury, o que o senhor acha, que mudança que aconteceu nesse período.
A que se deve o São Paulo ter ganhado todos os títulos que disputou.
R - Bom, acontece.
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Primeiro é a organização da diretoria.
Uma diretoria muita séria, uma diretoria que procurou acertar toda a situação.
Segundo, tivemos sorte de ter o Telê Santana, e o Telê é um homem que.
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Ele gosta muito de disciplina, e gosta.
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Começou.
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Alguns jogadores de base a subir, a trocar, porque quando nós fomos.
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Há quatro anos atrás, o São Paulo foi praticamente pra segunda divisão.
Eu era vice-presidente.
E começamos a tentar.
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E praticamente esses mesmos jogadores, trouxemos um ou dois, o Müller, e mais um ou dois, trouxemos no outro ano, que ganhamos o título da série B, e depois em seguida, no outro ano, ganhamos o título da divisão principal.
Trouxemos dois, três jogadores e o Telê Santana.
Aí começou a melhorar as coisas, digo, daí.
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Enfim, em toda a parte de organização, a diretoria de futebol também ajudou muito: “vamos levar a sério, vamos levar isso e.
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”.
E de lá para cá podemos ter perdido alguma coisa, mas ganhamos mais do que perdemos, né?
P - Ah, sem dúvida.
Porque se a gente marca nos anos 60, 70 esse esforço do São Paulo, ficou muitos anos sem ganhar título para construir estádio, se consolidar, a partir de 80 a coisa muda muito, né? São Paulo ganhou um perfil mais tradicional de administração.
R - É, em 60, 70 nós não tínhamos dinheiro.
Não adianta os outros comprarem jogador, nós não tínhamos dinheiro pra nada.
O objetivo do Laudo, da equipe do Laudo, da turma, do Galvão, e outros era terminar o estádio, ou deixar 70% pro outro para mais tarde.
E com o término do estádio, aí o pessoal falou: “aí vamos ver.
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”.
Arrumar um.
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Começamos também, porque você vê, o São Paulo não é só futebol, o São Paulo é social, hoje nós temos uma grande piscina, estamos iniciando a construção da sede, vai ser uma das mais belas sedes de São Paulo, e temos um basquete no São Paulo, natação, temos futebol amador, temos judô, muita coisa, quer dizer, o São Paulo não é só jogar futebol, tem que tomar contra do outro lado.
Nós temos.
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Todo domingo temos dez mil pessoas no São Paulo lá, no tempo do calor não é brincadeira, nós não estamos lá só pra tomar conta do futebol.
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Se o presidente vai lá e larga o outro, aí nós estamos esculhambando.
Por que a maior parte dos sócios faz parte da parte social, nós temos festa, temos carnaval, temos São João, temos Páscoa, temos festa, temos que dar tudo pros sócios.
P - O Sr.
Cury, o São Paulo deu grandes atletas também fora do futebol, como, por exemplo, o Éder Jofre e o Adhemar Ferreira da Silva.
O senhor os conheceu? Teve contato com eles?
R - Ah, muito! Muito, são meus amigos até hoje.
O Adhemar é meu amigo.
Ali na Gazeta, ele vai quase toda corrida de São Silvestre, ele está comigo, eu e ele que colocamos as coisas na cabeça das meninas, o nome lá.
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O Adhemar é muito amigo meu.
E o Éder também, outro são-paulino, mas igual a eles tem muitos.
Tem muitos que são são-paulinos e não vão lá, são.
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Torcem assim, são torcedores de poltrona, como se diz, né?
P - E vem cá, o São Paulo.
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Porque quer dizer, eles foram atletas do clube, esses dois, né? Agora.
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R - Começaram lá.
Você sabe que o profissionalismo, principalmente o Adhemar começou.
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Você sabe que pra ser um atleta campeão olímpico precisa ter um preparo diferente do que correr assim no clube.
Precisa ter técnicos, e ele teve isso lá.
O São Paulo deu todos os.
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P - O Gerner.
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R - O Éder Jofre também, quer dizer ele arrumou pessoa para ensinar a lutar, não adianta você saber.
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Outra coisa é você disputar um título mundial.
Então, como eu disse, precisa determinação, precisa saber, precisa ter técnica, como faz, como vira à direita, vira à esquerda.
P - E o senhor esteve no Japão vendo os mundiais?
R - Não, eu não fui nenhuma vez, não.
Eu fiquei aqui recebendo a taça (risos).
As duas taças fui eu que recebi.
P - Como é que foi isso?
R - O presidente ficou lá e eu aqui recebi os jogadores e na primeira vez que ganhou o título, como eu tinha que levar para a prefeita, que era a Erundina, mostrar pra ela a taça, foi uma festa, depois levei para o governador Fleury.
Este ano fomos direto pro Morumbi.
Eu fui buscar, pegamos o avião lá em Congonhas, fomos até coisa, pegamos os jogadores, viemos depois de Congonhas, de Congonhas fomos pra.
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Foi uma coisa linda, isso aqui me.
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Às vezes a gente fica pensando, isso não existe.
O São Paulo conseguiu uma coisa que é muito difícil de outros times conseguirem.
Porque os outros times foram conseguindo porque houve duas partidas, é muito mais fácil você jogar uma aqui e uma fora do que jogar uma direta.
Porque nós jogamos atualmente com duas equipes dos maiores clubes do mundo, que são o Barcelona e o Milan.
Ganhamos as duas.
Isso não é brincadeira, não, isso vai ser um título, são títulos inéditos.
Os outros ganharam porque joga aqui, joga lá.
E é difícil ganhar a Taça Libertadores da língua espanhola, viu? Só temos nós e contra eles não é fácil.
Eu acompanho os bastidores, acompanho tudo, eles.
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P - Como é que é? É uma guerra a Libertadores, né?
R - É uma guerra.
Eles não deixam você ganhar, é muito difícil.
E nós ganhamos na marra, ganhamos tudo, ganhamos título, não é fácil.
Você vê que as maiores Taças Libertadores estão na mão dos argentinos e dos uruguaios.
Uma outra com o Chile, Paraguai.
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Brasileiro é difícil ganhar.
Sempre chega lá, mas não consegue ganhar o título.
O Palmeiras chegou duas vezes e duas vezes perdeu.
P - Como é essa sensação que outro dia mesmo o senhor tava vendo o Friedenreich jogar na Floresta e agora recebendo a taça de campeão mundial?
R - É, isso não sei.
Melhor nem pensar, passa o tempo que você.
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É o que eu falo, ultimamente eu falo para o pessoal: pô, eu já recebi as coisas maiores, assisti a copa do mundo de 1950, assisti do São Paulo, assisti outros jogos, fui à Espanha no ano passado, ano retrasado, ganhamos o Carranza, ganhamos Tereza Herrera, ganhamos isso, ganhamos outra taça.
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Quer dizer, então eu acho que pra mim chega, né? Já ganhei tudo no São Paulo e pra mim que.
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P - O senhor costuma ir aos jogos atualmente? O senhor ainda frequenta.
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R – Vou a 90%, eu vou aos jogos.
Uma vez ou outra não vou por algum problema que eu tenha, mas eu vou, eu gosto, gosto de ir antes do jogo, vou conversar com os jogadores.
Conversar, não dar instrução.
Todos os jogadores atualmente do São Paulo gostam de mim, eu gosto deles, e vou lá, almoço com eles, janto, brinco.
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P - O que é que o senhor costuma falar pra eles antes dos jogos?
R - Ah, eu não falo de futebol.
Isso é só o Telê que fala.
Eu acho que ninguém, nem sócio nem eu, temos que falar “joga pra cá, joga pra lá”.
Jogador não gosta disso.
Jogador só gosta, de falar quando eles estão em campo, aí acabou o jogo, se perder ou se ganhar a gente discute os lances, mas antes não.
P - E o senhor tem alguma relação mais próxima com algum jogador? Foi padrinho de casamento, padrinho de filho.
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R - Não, eu sou amigo de todos eles.
Eu que trouxe o Müller para o São Paulo, ele estava no Turim, e eu precisava trazer, o Fernando falou comigo e nós conseguimos trazer, pagar lá pra eles e.
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O Raí é meu amigo, quase todos são amigos, mas não tem.
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Você sabe, jogador de futebol não pode.
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Eu gosto de sair à noite, vou jantar, e eles não têm condições, quer dizer, eles têm uma obrigação de.
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Aqueles dez anos tem que ser aqueles dez anos, não como eu que sou comerciante, não tenho hora, não tenho problema.
Eles têm.
Então eles não podem sair toda hora, conversar e.
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Pode ir comer uma pizza e ir embora.
Pode ser que escondido eles tomem um traguinho, mas o resto eu não sei.
P – Escuta, desses anos que o senhor foi vice-presidente, esses dez anos, doze, é.
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Quais foram as grandes revelações do São Paulo, jogadores que saíram do clube e despontaram?
R - Ah, tem muitos.
Tem do atual, tem o Cafu que.
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Tem o Vitor, o Müller que saiu e voltou, tem o Careca, que é meu amigo e está no Japão, o São Paulo tem uns grandes caras.
Nesses dez anos o São Paulo foi celeiro do futebol brasileiro.
São Paulo teve grandes jogadores, Oscar, Darío Pereyra.
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O Dario Pereyra, o presidente era.
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Quem trouxe ele foi o Henri Aidar, depois o Galvão conseguiu acertar, um grande jogador.
E outros mais.
P - E Sr.
Cury, como é que o senhor avalia.
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O senhor acha que essa fase do São Paulo, grande vencedor, ainda continua por muito tempo?
R - Ah, pode continuar sim.
Pode continuar porque eu acho que a.
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Normalmente se a equipe que está, eu digo todo dia, continuando, deve continuar.
Porque você vê, nós não vendemos jogadores nenhum de.
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Quem é que nós vendemos: o Raí, vendemos o Ronaldo, porque o Ronaldo, eu também acho que depois de dez anos de clube ele merece, merecia jogar num lugar no Japão e ganhar um dinheirinho.
Essas coisas, você sabe que tem que ser humano no futebol, você não pode ser duro, tem que jogar sempre, tem que ajudar o jogador porque a vida do jogador é dez anos de futebol, depois você tem que dar uma mão pra eles.
E São Paulo tem grandes jogadores, grandes, grandes.
Essa do Toninho Cerezo agora, melhor jogador do ano, melhor jogador que deu essa vitória pra nós.
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Você vê que, gosto muito dele, é um grande jogador.
P - Então pra gente finalizar aqui, o senhor ainda tem algum sonho que o senhor gostaria de realizar na vida?
R - Acho que consegui tudo, no futebol consegui tudo.
Tenho minha vida particular, graças a Deus tá indo muito bem, eu e minha família, minha mulher e meus filhos.
Ela é uma grande companheira, a minha mulher.
Ela me ajuda muito, porque ela concorda, você pra ser diretor de futebol, diretor de clubes, principalmente o São Paulo, nesses últimos quatro anos ela teve que me acompanhar, como meus filhos me acompanharam, eu viajei duas vezes pra Europa pra assistir o futebol do São Paulo, ela me acompanhou, ela não entende muito bem de futebol, mas ela vê uma satisfação nos outros e acho que chegou o ponto que o São Paulo, quer dizer, eu no São Paulo continuo normal como conselheiro.
Não sonho, aliás, já fiz tudo no São Paulo.
Já fui presidente, não efetivo, mas já fui muitas vezes presidente, porque vice-presidente sempre fica.
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Eu tenho condições, eu tenho muito trabalho, sou presidente da Gazeta, e a Gazeta é uma das maiores.
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Entende? Ela é de São Paulo, de comunicação de São Paulo, ela tem televisão, tem rádio, tem faculdade, e lá o presidente é presidencialista, não é um presidente só pra ter o título.
Lá quem manda é o presidente.
E tenho minha firma porque eu sou obrigado, pra comer, beber, porque eu não ganho no São Paulo, não gosto, na Gazeta só ganho satisfação, mas satisfação não dá pra comer.
Eu tenho que sustentar minha família e tenho que vender a minha mercadoria lá.
E assim Deus vai me dar mais tempo pra ver o São Paulo ganhar mais, é o que eu quero na vida.
P - E Sr.
Cury conta pra gente: o que é que é ser são-paulino? O que é esse amor, leva as pessoas a ir a dedicar a vida ao clube?
R - Eu acho que é o amor que tem qualquer um que tenha amor pelo Corinthians, pelo Palmeiras.
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O que eu vi pela Portuguesa, pelo Santos.
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É a mesma coisa você ter amor pelo São Paulo como podia ter amor pelo Corinthians, Palmeiras.
E eu perdendo sou são-paulino, ganhando sou são-paulino.
Tem muitos que perdem, não aparecem, não voltam.
Quando o São Paulo ganha vai.
Eu cuido assim.
Como eu tem muita gente, muito fanático do futebol, gosta do clube dele, larga tudo, deixa de almoçar, de jantar, vai de manhã.
Você vê esse pessoal anda a pé cinco quilômetros para assistir um jogo aqui, jogo lá.
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Nesses dez anos o futebol para São Paulo foi maravilhoso, não pro São Paulo, mas para a cidade de São Paulo, para o estado de São Paulo.
Com o São Paulo estando em evidência, dando esses títulos aí, e o futebol do São Paulo melhorou muito, e isso pro Brasil foi ótimo.
Você vê que tudo é.
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Tudo, faturamento de televisão, rádio, jornal, é tudo futebol.
E acho que os fanáticos, como eu, tem muitos.
Ou pro Corinthians, pro Palmeiras, etc.
P - O senhor gostaria de falar alguma coisa pra finalizar o depoimento?
R - É, eu quero agradecer a vocês e coisa.
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E dizer para os futuros torcedores do São Paulo, que estão nascendo agora, essa garotada, continue no São Paulo, porque o São Paulo é um clube que merece, é maravilhoso.
Qualquer diretoria que vier daqui pra frente, sempre que vier, vai continuar sempre igual.
Continua no São Paulo porque ele sempre vai ser.
Ele tem hoje um dos maiores estádios do mundo, tem uma organização maravilhosa e tem a bandeira de São Paulo que é nossa aí, onde nós nascemos, e eu gostaria que continuasse sendo umas das.
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Esse pessoal todo crê no São Paulo, porque o São Paulo é um dos maiores times do mundo.
P - Então a gente agradece a participação do senhor.
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R - Obrigado pessoal.
Está na hora já.
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