P/1- Bom, ‘seu’ Rony, boa tarde.
Obrigado pela presença!
R- Obrigado.
P/1- Qual é o nome do senhor, inteiro.
Data que o senhor nasceu.
E em que cidade que foi.
R- Meu nome é Nivaldo Oliveira do Nascimento.
Nasci na Ilha das Onças, município de Barcarena.
E nasci em 1963.
P/1- Qual é o nome da família? Como é a família da sua mãe? Qual que são os seus avós?
R- O nome da minha mãe é Isomar Oliveira do Nascimento.
Barcarenense.
E casou com um cearense (riso), José Rufino do Nascimento.
P/1- O nome dos seus avós, pai e mãe da sua mãe, como era?
R- O pai da minha mãe era Francisco Lopes de Oliveira.
E a minha avó, Avelina Alves de Araújo.
P/1- Eles faziam o que, seus avós?
R- Agricultores.
Na Ilha das Onças.
P/1- E você os conheceu?
R- Só a minha avó.
Só a minha avó.
P/1- Como ela era, a sua avó?
R- Ahh, a minha avó era aquela que me apadrinhava quando eu estava fazendo as minhas artes.
E eu mudava planta com ela.
Ela me levava pra passear de canoa, né, lá no Furo do Nazário, próximo ao Rio Piramanha.
Passa um filme na minha cabeça, né? Aí, a minha avó fazia tudo isso por mim.
Me ajudava a tirar frutas (risos) quando eu não alcançava, que eu era pequenininho, né? E é um negócio.
.
.
passa um filme, né?
P/1- Sei.
Ela plantava o que lá na Ilha?
R- Na ilha são muitas frutas, né? Ela plantava de tudo.
Mas existia roça.
Ela plantava maxixe, plantava quiabo, macaxeira, jambú.
Tudo isso tinha lá na roça, que eu lembro, né?
P/1- E pescava também?
R- O meu avô.
O meu avô pescava.
Mas ela que me dizia: “O teu avô pescava assim, assim, assim”.
Eu não conheci o meu avô.
E também ela tinha o negócio de fazer, deixa eu lembrar bem.
.
.
ahh, brinquedo pra nós.
Ela fazia um brinquedo que chamava o fofoia.
(risos) Fofoia é aquele tipo que cai do açaizeiro.
É tipo um barquinho.
A minha avó emendava o negócio, fazia aquilo pra gente brincar.
P/1- Fazia barquinho?
R- É, ela fazia, aqueles barquinho.
E colocava na água, pra gente brincar.
P/1- E como era a Ilha das Onças, na época que você nasceu?
R- A Ilha das Onças, tinha muita, assim, dificuldade.
Pra chegar em Belém, da ilha pra Belém, são quatro quilômetros.
E hoje são trinta minutos de barco, né, da ilha pra Belém.
Só que naquele tempo demorava uma hora, uma hora e meia, porque era remando, era de canoa.
Aí juntava a mercadoria de cada um, a mercadoria do vizinho bem ali, do irmão dali e tal.
Aí pegava uma canoa grande, colocava aquela mercadoria e todo mundo ia junto, remando, pra chegar em Belém, pra fazer as suas compras, porque tudo, até hoje, é comprado em Belém.
P/1- E os seus avós por parte de pai?
R- O meu pai nasceu em Juazeiro do Norte, Ceará.
Aí no tempo do cangaço.
Ele veio fugido pra Belém, com medo de morrer, né? Porque ele é da família dos Rufinos, o meu avô.
E eles migraram pra Ilha das Onças.
E o nome do meu avô era Damásio Rufino do Nascimento.
E o da minha avó era Cecília, era Cecília Alves do Nascimento.
Isso, eu lembrei.
Mas também eu só conheci o meu avô.
A minha avó já era falecida quando eu nasci.
P/1- O seu avô, o que ele fazia lá no Ceará, que ele teve que fugir com os filhos?
R- Ele era da volante, naquele tempo, né? Só que eram os marcados pra morrer, naquele tempo, né? Aí teve que vir embora.
Aí fugiu com a família.
Aí vieram morar justamente na Ilha das Onças.
Conheceu a minha mãe na Ilha das Onças.
Uma história interessante.
P/1- Você sabe por que ele veio justamente pra Ilha das Onças? Ele falava pra vocês?
R- Porque morar na capital ainda corria o risco de encontrarem, né? E ele tinha medo de perder a família, né, dele.
E ele foi morar justamente na Ilha das Onças.
Naquele tempo, a Ilha das Onças era habitada pelos europeus.
Em seguida, os nordestinos fugindo dessas coisas, né e até da fome, que era muito difícil, começaram a ir pra Ilha das Onças.
Mas isso com o apoio dos governantes, né, é claro.
P/1- E você conheceu o seu avô.
Como era o seu avô?
R- O meu avô era um homem muito valente.
Tanto, que ele não dava muito amor pros filhos, assim.
Meu pai teve que fugir de casa, porque ele arrumou uma outra mulher, que virou madrasta do meu pai.
E ela também batia muito neles.
Ele me contava o seguinte: que pra ele sair de casa, um belo dia ele.
.
.
porque lá na mesa, só sentava o meu avô e a nova mulher dele, né? Os filhos, a comida era colocada no chão, ele tinha que sentar pra comer, ali né, o que estava no prato.
E o meu pai não aceitava aquilo.
Reclamou de alguma coisa.
Foi quando ela pegou.
.
.
existe uma, é tala de guarumã.
Guarumã é que, naquele tempo, se vendia a folha pra embrulhar a carne.
Vendia no Ver o Peso.
E aquele talo do guarumã se fazia o paneiro, a cesta.
Então, tinha muito lá na casa dele.
E essa madrasta dele pegou esse talo de guarumã e deu no rosto dele.
E ele ficou quase cego.
E ai, por conta disso, quando ele se recuperou mais, ele com o mesmo talo de guarumã, deu uma surra na madrasta.
E fugiu de casa.
Foi quando ele foi pra perto de onde morava a minha mãe.
Aí também fugiram.
Porque naquele tempo o jovem fugia.
O meu pai arrumou família com quinze anos e fugiu com a minha mãe, né? Depois que foge não tem jeito, né? Aí casou, né? A gente morou lá na ilha, eu morei até os meus sete anos.
Mas só que pra estudar era difícil, que ia de canoa, muito distante.
E a minha mãe sempre foi assim: “Não.
Os meus filhos vão ter que estudar”.
Como era perto de Belém e a gente já tinha família em Belém, aí eu ia e voltava final de semana.
Aí eu passei até os meus dez anos assim, indo pra lá, chegava final de semana, eu voltava pra ilha.
E foi assim que aconteceu tantas coisas na minha vida.
P/1- Vamos chegar lá, então.
Antes disso, _____(8:51) sete anos só na ilha.
Como era a casa de vocês?
R- Lembro.
A nossa casa era uma casa de madeira, assoalho alto, coberta de palha chamada, eu acho que é buçu, palha de buçu, é isso mesmo, palha de buçu.
A nossa casa era coberta de palha de buçu.
Então, a casa era alta, bem alta porque, quando dava maré alta, invadia todo aquele chão, né, chamado de terreiro, né? Aí, galinha, pato, galinha, essas coisas tudo, tinha que ter também o seu galinheiro lá bem alto, justamente por causa da maré grande.
P/1- Era perto da praia?
R- Perto?
P/1- Era perto do mar, do rio, a sua casa?
R- Sim, do Rio Piramanha.
Casa distante uma da outra, tipo assim, duzentos metros cada uma, às vezes mais.
Era tudo distante.
E lembro que o meu pai tinha duas canoas, uma pequena e uma grande.
A grande que era pra ir pra Belém com a mercadoria.
E a pequena pra gente andar por lá, por aquele lugar.
P/1- E você andava muito nela?
R- Muito.
Muito.
E pra onde meu pai ia, eu queria ir com ele.
E aconteceu uma tragédia que eu não esqueço na minha vida.
Eu não digo tragédia, um acidente, né? O meu pai já, tipo assim, à noite, ela saiu à noite pra Belém, com a mercadoria.
Só que tinha que estar tudo arrumado, à tarde.
Quando chegou a tarde, umas três horas da tarde, mais ou menos, ele já tinha arrumado muita mercadoria e tal, pra ir.
Aí ele lembrou que alguém tinha encomendado pra ele, tala, essas talas de fazer pipa.
Ele disse: “Ahh, eu vou tirar a tala do homem, uma encomenda e tudo”.
Aí eu disse: “Eu vou.
Eu vou”.
Só que ele pegou a canoa grande, porque a pequena não estava no porto.
E a maré estava grande.
Ele me colocou nessa canoa e a gente foi.
Ao chegar no igarapé, encostou a canoa, tal.
Ele tinha amolado muito o terçado.
E eu fiquei na canoa.
E ele subiu pra tirar a tal tala, que é perto do igarapé.
Quando ele subiu, que ele foi cortar, o primeiro corte que ele deu com muita força, cortou o talo do jupatizeiro, jupati, o nome e cortou o pé dele.
Ali, o sangue espirrando, tudo.
E ele: “Meu filho, eu me cortei”.
Ele não conseguiu mais andar.
Ele veio engatinhando pra canoa.
E aquela canoa tão grande e muito sangue.
Sangue, sangue, sangue.
E eu era muito pequenininho, devia ter uns seis anos, na época, não dava conta daquilo.
E ele ainda conseguiu remar um pouco, pra quase perto do igarapé, ele desmaiou de tanto sangue que ele já tinha perdido.
E eu peguei o remo grande.
Eu consegui botar aqui no meu lado, só pra canoa ir na direção.
Pra canoa ir naquela direção, pra pegar o Rio Piramanha.
Pra pegar esse Rio Piramanha, porque ali já era tipo uma rua (riso) que passa todos os barcos, aquele negócio.
Aquele rio era a minha rua.
E ali, um pescador, eu gritei por ele, aquele pescador encostou na nossa canoa e levou o meu pai até na minha casa, que depois os amigos, irmãos, remaram na mesma canoa mais uma hora e meia, pra trazer o meu pai pro pronto socorro municipal.
E salvaram a vida do meu pai.
A partir daquele momento o meu pai disse que não ia mais trabalhar com aquilo, que vinha, ia embora pra Belém.
Mas até hoje existe o terreno lá, nosso.
P/1- Conseguiu andar depois disso?
R- Conseguiu.
E, por incrível que pareça, Deus fez um milagre.
Ele não ficou com nenhuma sequela.
Porque, na verdade, cortou a veia, né? Daí fizeram uma cirurgia e tudo.
E o meu pai conseguiu sobreviver, naquela época.
P/1- Isso que você contou, você tinha seis anos.
Então, você ajudava o seu pai a fazer as coisas?
R- Eu ajudava.
Eu ia muito pra roça com o meu pai.
Mas ele que não deixava, eu queria, (risos) mas ele não deixava: "Não, meu filho, porque.
.
.
”.
Na verdade, eu ia mais pra brincar.
(riso) Eu queria era estar no meio da brincadeira, né? Eu queria brincar.
Mas eu aprendi como se plantava o maxixe, o quiabo.
Ele tinha aquelas sementes secas e levava.
Então, isso aí eu lembro muito bem.
E era uma lembrança muito boa.
Porque dali eu extraí muita coisa pro meu trabalho.
P/1- E a sua mãe ficava em casa, é isso?
R- É.
A minha mãe era do lar.
Mas ela também ajudava na hora que vinha, por exemplo, que tinha os apanhadores de açaí.
Porque a ilha tem muitas frutas.
Mas a renda mesmo, o que dá mais é o açaí.
O açaí abastece Belém.
Parte, né, de Belém.
Porque tem muito açaí, um açaí muito bom, o açaí da Ilha das Onças.
P/1- E pra pegar o açaí?
R- É, tem, lá.
O meu pai apanhava açaí.
Só que no verão mesmo, na época, na safra do açaí, ele tinha que contratar gente pra apanhar, porque senão ele não dava conta.
Então, vinha o cunhado, vinha o irmão.
Porque no interior é assim, é um ajudando o outro: “Olha, amanhã eu vou tirar açaí”.
Eu te ajudo hoje, amanhã tu me ajuda, é assim que funciona.
Assim mesmo é você fazer uma casa no interior, fazer a roça.
Naquele tempo: “Ahh, eu vou fazer a queimada, pra plantar”, porque já tinha a queimada naquele tempo, só que era pequena, eles faziam uma roça pequena, não era como é agora.
E juntava os amigos, né, fazia aquele mutirão, limpava todo aquele, era roçado mesmo que chamava.
Limpava aquele roçado, pra fazer a plantação.
Assim que funcionava, que funciona no interior.
É uma união muito grande.
Isso é importante.
P/1- Você tinha tio, lá? Tio, tia também por perto?
R- Sim.
A minha família toda nasceu lá.
A maioria.
Eu lembro que eu tinha tio do início do Furo do Nazário até o final.
(riso) “Olha, vai na casa do teu tio”.
Naquele tempo, tu não tem farinha: “Ah, hoje eu não tenho farinha”.
Aí: “Olha, vai na casa do teu tio, pra ele te emprestar uma cuia de farinha”.
Aí tu ia em Belém.
Quando voltava de Belém, pegava aquela cuia de farinha, devolvia.
Era assim.
(riso) Muito interessante.
P/1- Tinha algum tio que você era mais afeiçoado, alguma tia que te marcou mais, que você lembra mais?
R- Tem.
Tem a minha tia Niquinha.
Minha tia Maria.
Também tem a minha tia Laudica, que é Laurinda, mas chamam de Laudica.
Minha mãe era nome Isomar, ela chamavam de Ziloca: “Ziloca”.
Tudo é apelido, né? Assim.
Mas eu lembro muito, que marcou mesmo, uma vez eu fui mudar a planta da minha avó: “Meu filho, muda essa planta daqui, pra mim”.
Quando eu coloquei a mão embaixo do paneiro, pra tirar, eu peguei uma ferrada de escorpião.
E é muita dor.
E, chorando ali, a minha tia Niquinha veio e colocou tabaco, tabaco.
Colocou aquele monte de tabaco aqui pra eu poder aguentar, pra me levar pra Belém.
Eu nunca esqueço disso.
(risos)
P/1- O que aconteceu? Como ficou?
R- Olha, é uma dor insuportável.
E inchou tudo, rapidinho.
E eles fizeram aquele negócio de tabaco, colocaram aqui em cima, né, depois eu não lembro mais.
Só sei que eu passei mais de uma semana em Belém, por conta dessa ferrada do escorpião.
Na casa da minha outra tia, em Belém.
P/1- E lá na Ilha da Onça como é o bairro, digamos assim?
R- Lá não existe bairro.
Existe os rios.
E as localidades.
Então, lá tem a localidade Madre de Deus, lá tem Araraquara, tem o Furo do Nazário, tem Rio Piramanha.
São as ruas.
(cantando): “Esse rio é minha rua.
Minha e tua Mururé” (riso).
Então, as nossas ruas são rios, na ilha.
Eu me lembro mais.
.
.
tem o Furo do Cavado.
Furo do Cavado.
Então, são as localidades.
Hoje existe: “Hoje vai ter um jogo” “Onde é?” “Ah, lá no Mirico”.
Assim que contava: “Onde é o jogo?” “É lá no Sanches”.
Sanches, bem lembrado! Lembrei agora.
Sanches foi o primeiro homem a ter uma lancha a motor, que era tudo canoa, né? E o Sanches foi o cara que primeiro teve uma lancha.
E o meu pai foi pilotar essa lancha.
O meu pai chegou a ser piloto dessa lancha.
P/1- Só um minutinho só, Rony.
(pausa curta)
P/1- O senhor estava falando da Ilha das Onças ainda, né?
R- Sim.
P/1- As localidades, o que tem em cada uma que diferencia uma da outra, assim?
R- Localidade?
P/1- É.
R- Não existe muita diferença.
Porque ali é tudo vizinho.
Apesar de que a ilha tem setenta e cinco mil hectares, tá? E ela abriga uma faixa de vinte e cinco a trinta mil famílias.
Eu falei no início, né: de Belém pra Barcarena são quatro quilômetros, né? E, hoje, trinta minutos de barco.
P/1- E a ilha hoje está no município de Barcarena?
R- Barcarena.
Mas ela já pertenceu a Belém.
Eu não estou lembrando o ano, mas já pertenceu a Belém.
P1 - E o senhor tem irmão?
R- Tenho.
P/1- Quantos são? Quem eles são?
R- Nós somos sete.
P/1- Sete irmãos.
R- Nascido na ilha, três.
Ou melhor, quatro.
Ahh, tem uma outra coisa que é muito importante eu te falar.
O meu primeiro irmão, o primeiro filho da minha mãe, morreu afogado, praticamente na mão dela.
O meu pai, indo com a minha mãe e o meu irmão, que eu ainda não era nascido e ele brincava justamente com um talo de guarumã, que ele estava, assim e ele ia lá e voltava, ia lá e voltava.
Ao passar em determinado local, dentro do Furo do Nazário, ainda no terreno do meu pai, ele viu um cacho de açaí e a árvore meio pra dentro da água, só que a maré estava grande, ele falou pra minha mãe: “Eu vou tirar essa açaí aí agora, estou passando aqui”.
Quando ele subiu, ela ficou na canoa com ele aqui e ele brincando.
E ela ficou olhando.
A árvore começou a entortar pra quebrar e ela gritou: “José, vai quebrar!”.
Quando ela gritou, que ela soltou daqui, o menino caiu.
A maré muito forte.
E a maré, na ilha, é turva água, né, a água é muito turva.
Mesmo ela pulando, não encontrou mais o menino.
Ele tinha dois anos de idade, dois pra três anos.
A minha mãe ficou quase louca.
Encontraram o menino depois que a maré secou, no igarapé.
Encontraram no igarapé.
E a minha mãe passou mais de ano que não reconhecia as pessoas, por conta desse acontecimento, né? E o meu pai contava muito isso pra nós.
Aí, depois disso, a minha mãe engravidou de novo.
E desse filho que ela engravidou, esse menino morreu dentro dela, porque naquele tempo era parteira, o filho estava atravessado, aquela coisa toda.
E ela não sabia que estava morto na barriga dela.
Aí infeccionou, aquela coisa toda.
Levaram pra Belém.
Outro sofrimento da minha mãe.
Depois de tudo isso, mais de um ano depois, ela engravidou da minha irmã mais velha, que é viva até hoje, graças a Deus.
Aí, depois da minha irmã, foi eu.
E depois a minha outra irmã.
Aí, veio os outros, já nasceram em Belém.
Então, quem mais tem raiz mesmo na ilha, sou eu e as minhas duas irmãs.
P/1- Qual é o nome das suas duas irmãs?
R- Fátima Oliveira do Nascimento e Eliana Oliveira do Nascimento.
E meu outro irmão é Edilaldo, Eraldo e Mauro.
P/1- Nasceram em Belém?
R- Nasceram em Belém.
E, no meio de tudo isso, eu sempre quis ficar mais pra cá do que pra lá.
(risos) Só que a música me levou por outros caminhos, né?
P/1- Ainda na ilha, você brincava do que, ali? Como era um dia lá? Você se lembra? Você acordava, como é que era?
R- Você não tem muito o que fazer quando você mora numa ilha, interior, porque o meu pai acordava muito cedo pra ir pra roça.
Aí, o que acontecia? A gente acordava cedo também.
A minha mãe acordava pra fazer o café dele, tudo.
Por mais que a gente não estivesse fazendo nada, mas acordava cedo.
Ali você ia pegar uma água pra sua mãe, porque a água é no porto, tempo do miritizeiro.
Você andava por cima do miritizeiro, que é a ponte, né? Aí chega lá, pega aquela água lá pra levar, pra tomar banho, pra fazer café.
Banho, se bem que a gente tomava já lá no porto.
Mas pra você fazer uma comida, bebia aquela água.
Naquele tempo se bebia aquela água.
Porque não tinha.
.
.
a Ilha das Onças não tem nada de saneamento, não existe isso.
Não existe a luz elétrica, não existe.
Você está ali, praticamente isolado.
Naquela época, né? Agora não.
Já evoluiu muita coisa.
Muitas casas já têm energia.
Mas naquele tempo não existia nada disso.
Aí a gente brincava (risos), por exemplo, bola: fazia, enchia a meia, aquelas meias velha, de mato, de um negócio, pra brincar uma bola.
E eu brincava muito com a minha irmã.
Aí, pipa, naquele tempo “chinava”: “Olha, a pipa do fulano ‘chinou’ em Belém”.
Quando caía uma lá por casa, ficava na árvore.
E o meu pai não deixava a gente subir pra ir buscar, porque era muito arriscado.
Mas assim mesmo, eu tentava.
Uma dessas vezes, a minha irmã, eu joguei um, eu amarrei um fio, fio esse que papai trazia de Belém, estava lá, aí eu amarrei um pedaço de pau, joguei lá.
Não era num pau não, era um caco de telha, um pedaço de telha.
Eu amarrei pra jogar lá.
E a minha irmã disse: “Vai.
Vai por ali.
Vai por ali”.
Quando ela puxou, veio bem aqui no meu nariz, que até hoje eu tenho a marca.
Isso aí foi brincando lá no interior, na Ilha das Onças.
Isso marcou a minha vida.
Quer ver uma outra coisa que marcou muito? Ahh! Eu aprendi nadar primeiro que a minha irmã, mesmo sendo ela sendo mais velha do que eu.
Aí a gente foi no porto, né, aí eu disse pra ela: “Não, mana, eu vou te segurar”.
(riso) Eu não me arrependo, porque ela aprendeu a nadar e está viva até hoje.
Mas ela podia ter morrido.
Porque eu a coloquei lá fora, assim, na água, a maré estava grande.
E tinha, no miritizeiro, tinha os açaizeiros segurando.
Eu fui no último açaizeiro lá e coloquei a minha irmã lá.
“Não, vamos embora”.
Ia passando de um por outro.
“Agora vem”.
Ela se soltou.
A maré levou a minha irmã.
(risos) A maré levou a minha irmã e dali ela aprendeu a nadar.
(risos) Podia ter morrido, né? Mas fui eu que ensinei a minha irmã a nadar, desse jeito.
Olha o jeito que eu ensinei!
P/1- Quanto anos vocês tinham, isso?
R- Já pensou?
P/1- Vocês tinham o quê? Seis anos?
R- Eu tinha sete anos.
Eu tinha sete, ela devia ter um negócio de nove pra dez.
Por aí.
P/1- E lá como era? Tinha igreja? Tinha lenda lá?
R- Não.
Não tinha igreja.
A igreja era distante.
A igreja era no Piramanha.
E pra ir pra igreja demorava um pouco.
Mas a mamãe nos levava.
Eu sei que era a casa do ‘seu’ Constantino.
‘Seu’ Constantino era onde tinha a igreja.
E sempre, a mamãe nos levava na missa: “Constantino.
Vamos, vamos, vamos pro Constantino”.
Chegava de domingo, era isso que a gente fazia.
P/1- E o pessoal contava a história da ilha, de como era?
R- Contava.
Tem uma lenda, né, que tinha olaria num lugar, Boca da Ilhinha.
Boca da Ilhinha era um lugar muito largo, assim.
Que ali na Boca da Ilhinha, tinha uma cobra grande.
Então, (risos) nós tínhamos muito medo de passar por lá, porque ali: “Olha, ali é a cobra grande”.
Eu tinha muito medo disso.
(risos) Eu lembro muito bem disso.
E a outra coisa era que o boto.
.
.
a minha irmã, dizem, né, também, que o boto ia muito lá pra frente de casa, por causa dela.
Tanto que a minha mãe cuidou logo de mudar pra Belém, por causa disso, porque diz que: “Ah, o boto vem buscar a minha filha, não sei o que”.
Aquelas coisas do interior.
Mas, realmente, ela tinha intuição, sabe, a minha irmã, ela era muito assim.
E, quando ela estava tomando banho, realmente, era quando mais apareciam os botos, se ela estivesse por ali por perto.
Agora, o porquê, só Deus sabe.
(risos)
P/1- Por que você fala que ela tinha intuição? O que ela intuía?
R- Tipo assim: a gente estava junto, assim, ela dizia: “Bora sair daqui” “Por quê? O que é isso?” “Não.
Bora sair daqui.
Alguma coisa está mexendo comigo.
Está não sei o que”.
Ela avisava a gente de muitas coisas.
E aquilo me preocupava: “Você está me fazendo medo! Não sei o que”.
Mas não era.
Aí a mamãe chamava a rezadeira: “Olha, a minha filha não está bem.
Chama a rezadeira”.
A mulher vinha, rezava.
Porque diziam que ela pegava santo, a minha irmã.
Mas eu não sabia muito disso, né? Só que, quando ela falava alguma coisa, eu tinha medo.
Daí eu já cuidava de sair de perto.
P/1- Isso, desde sempre?
R- Desde sempre.
Desde sempre.
E até hoje ela tem isso.
Só que ela diz: “Olha, cuidado com tal coisa, não vão fazer isso.
Não sei o que”.
Tanto que a família inteira, os filhos, nós mesmos, os irmãos: “Mana, o que tu acha disso e disso?” “Não”.
Na verdade, ela ficou sendo a matriarca, né, da família, depois que a mamãe se foi.
P/1- Até em Belém ela tinha isso também?
R- Tinha.
Ela tem até hoje.
P/1- Vocês perguntam tudo pra ela?
R- É.
Os filhos.
Vai fazer alguma coisa: “Olha, tem que ter cuidado”, dizia.
Mas ela não frequenta nada, ela não vai em nenhum lugar.
Ela fica na casa dela.
Ela acredita muito em Deus.
Ela é uma católica não praticamente, mas ela acredita muito.
P/1- Ela é quantos anos mais velha que você?
R- A minha irmã tem sessenta e dois, sessenta e três, por aí.
Acho que é isso.
P/1- E vocês saíram, então, da Ilha das Onças, por quê? Pra estudar, né?
R- Pra estudar.
Foi pra estudar.
Mas estudava, mas voltava.
Porque a nossa família morava lá.
O meu pai demorou ir pra Belém, a minha mãe.
Porque ali era o nosso sustento, estava na ilha.
Primeiro a gente foi morar na casa de parente, na casa da minha tia.
Mas aí a gente voltava final de semana.
P/1- E vocês iam, então, pra Belém, então.
É isso?
R- Belém.
Ia e voltava.
Chegava final de semana, voltava.
P/1- Como era Belém naquela época? Você lembra a primeira vez que você viu Belém?
R- Foi.
.
.
a primeira vez nós fomos morar no bairro Guamá.
O mesmo bairro onde mora o Rei do Carimbó, o Pinduca.
Eu lembro da rua que eu morei: Vinte e Cinco de Junho.
E quando eu ouvia os ensaios do Pinduca, eu ia pra lá.
Porque eu já gostava de música.
P/1- Quando você foi pra lá, você tinha oito, sete, é isso?
R- Naquela época?
P/1- É.
R- Por aí.
Sete pra oito anos, já.
Foi daí.
.
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mas chegava final de semana, Barcarena.
Eu vinha pra Barcarena sede, na casa da minha outra tia que já morava aqui, porque o meu sonho era conhecer o Vieira, o Rei da Guitarrada.
E o Vieira fundou um time, né, fez um time chamado, na época, que existe até hoje: Clube Atlético Barcarenense.
E eu sempre gostei de futebol.
Isso eu já tinha o quê? Treze pra catorze anos.
Eu jogava futebol pela Juvenil da Tuna Luso Brasileira.
Depois tive uma leve passagem pelo Remo.
E, quando veio jogar a Juvenil da Tuna contra a seleção da Barcarena, o Vieira me viu jogando ali.
Só que ele não sabia que eu era de Barcarena, que a minha família morava por aí.
E ele me fez o convite pra jogar no time dele e tudo.
Aí, depois que ele descobriu que a minha família toda era daí.
Eu cheguei a morar na casa do Vieira.
Por quê? Porque eu queria música.
E ele me ensinou muita coisa.
O Vieira foi o cara que colocou a minha primeira música num disco, como compositor: “Rapaz, você tem muita coisa boa.
Vamos colocar lá”.
Ele era, além dele ter a banda dele, produtor da gravadora Continental, na época, a mais estourada do Brasil.
Entendeu? E ele colocou no disco da cantora Miriam Cunha, uma música minha chamada Faça de mim o que quiser.
A música estourou em todo o norte e nordeste.
Aí, daí, eu despontei como compositor.
E fui ficando em Barcarena, sede já, cidade, né? Foi quando surgiu.
.
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só que eu já cantava nas noites paraenses, entendeu? Só MPB.
Eu nunca imaginei que eu ia cantar brega, entendeu? Aí, quando chegou Alberto Calçada, pra produzir um disco do Vieira, ele me viu cantando numa casa de show chamada O Batista, hoje extinta, né? No bairro, ali é.
.
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eu lembrar o bairro.
.
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bairro do Marco.
Eu cantando.
Só que eu cantava mais as minhas músicas: “Olha, essa aqui é uma minha.
Olha, essa aqui é minha.
É minha”.
E os meus amigos de banda, a banda Chácara Som, eu tinha uma banda chamada Rony Som.
Então, eles gostavam que eu cantasse as minhas músicas.
Eu estava cantando.
E o Alberto Calçada me conheceu no estúdio com o Vieira.
E ele foi: “Eu vou ver você cantar”.
Aí ele foi.
Quando eu terminei de cantar, ele mandou um papelzinho pelo garçom: “‘Seu’ Alberto Calçada, pra você ir lá na mesa com ele”.
Aí eu fui lá.
Quando eu cheguei lá, ele perguntou pra mim se eu queria: “Você quer gravar um disco?”.
Era o meu sonho.
Aí: “Claro que eu quero” “Então, vá lá no hotel comigo, tal hora, assim, assim e assim.
E leve alguma coisa sua”.
Eu já tinha tudo gravado em fita cassete, com violão.
Levei.
Ele levou pra São Paulo, o meu material: “Ah, eu vou ligar pra você e tal”.
Mais de trinta dias, quarenta e cinco dias, eu imaginei: “Pronto.
Roubou minhas músicas”.
(risos) Aí, um belo dia, naquele tempo não existia celular assim, não era fácil ter o celular, era aquele telefone fixo em casa.
Aí, o telefone tocou.
Era a produção, era um diretor do Alberto Calçada: “Olha, o ‘seu’ Alberto Calçada mandou dizer pra você que tudo ok, você vai gravar na Gravasom”.
Aí eu: “Puxa.
Legal e tal!” “Só que você tem que ensaiar.
Veja aí os músicos que você quer gravar.
E vá, que o estúdio está pra você”.
Me disse o dia, tudo, né? E eu comecei a correr atrás dos meus amigos: “Gente, eu vou gravar”.
E aquela alegria, né, que é o sonho de todo artista: “Vou gravar”.
Aí eu fui no Lapinha, era uma casa, uma boate, a melhor boate de Belém, onde, lá, tocavam os meus amigos da banda Chácara Som.
E falei pra eles: “Pô, aconteceu isso.
Eu queria que vocês gravassem comigo”.
Porque eles já eram ensaiados comigo.
Aí chegou o dia da gravação e a gente ensaiou legal.
Naquele tempo era compacto duplo, quatro músicas.
“E tu não pode errar.
(risos) Se um músico errar, volta tudo” “Tá bom”.
Então, eles me deram todo o apoio.
Eu gravei.
O ‘seu’ Alberto Calçada lançou o meu compacto pela gravadora Tape Som, gravado no estúdio da Gravasom.
Daí, começou a minha carreira, porque o Vieira já tinha colocado uma música, minha primeira música num disco e eu já gravei quatro.
Eu tinha gravado quatro.
Apareceu um programa, que foi o maior fenômeno, chamado TV Cidade, apresentado pelo senhor Kzan Lourenço.
Kzan Lourenço.
Kzan Lourenço foi um padrinho.
Ele e o Cesar Leal são meus padrinhos.
Através do programa, muita visibilidade, aquela coisa toda, eu fui contratado pelo produtor da feira dos municípios na época, no governo de Jader Barbalho.
Foi o cara que ajudou muito a gente, o artista, com aquela feira.
Ele criou uma feira, onde você colocava todos os artistas dos municípios.
E eu fui contemplado pra abrir os shows, já com sucesso, né? Aí eu abri show de Amado Batista, Nelson Gonçalves, Alcione, Elymar Santos, Moraes Moreira e muitos outros, José Augusto.
Então, eu abri os shows desses caras.
Num desses shows, na época da lambada, a apresentadora era a Elke Maravilha.
Quando ela viu o meu show de lambada, aquilo muito bonito, né, que a lambada foi um negócio, um fenômeno, né? Aí, o que aconteceu? Ela disse: “Rapaz, vamos pra São Paulo, vamos pro Rio, pra você mostrar esse teu trabalho.
É muito bom.
Você tem que estar no eixo Rio-São Paulo.
Porque tudo vem de lá”.
Aí eu não contei duas vezes, eu fui.
Só que eu já estava com um disco gravado, pela gravadora RJ Produções.
P/1- Qual era o nome do compacto?
R- O nome do compacto, só está lá, naquele tempo não tinha nem foto, (risos) era só um quadradinho.
E não sei se você lembra disso.
Mas no segundo já veio o LP.
O LP, uma história muito linda nesse LP.
Porque foi assim: quando a Gravadora RJ fundou o seu estúdio, que era do grupo Rauland, uma rádio.
A primeira FM do Pará foi Rauland.
Eu jogava bola pelo time da Rauland.
Eu era entrosado no futebol, música, tudo.
Aí, o que aconteceu? Eles montaram esse estúdio e, pra inaugurar, fizeram uma coletânea com os artistas mais finos de Belém, na época: Walter Bandeira, Pedrinho Cavalléro, Regina Ramos, grupo Oficina, Manga Verde.
E, numa dessas, eles pediram pra eu entrar: “Não.
Tu tem que inaugurar o nosso estúdio também”.
Eu disse: “Eu entro, mas eu não quero música assim.
Eu vou gravar lambada”.
A lambada estava surgindo.
Aí eu fiz, dentro do estúdio, uma música chamada Dança do Mel.
Quando chegou perto, gravei tudo, quando chegou próximo de meter a voz, valendo, né, porque estava só na guia, eu peguei catapora.
(risos) Aí peguei catapora.
E aí, o que aconteceu? O tape tinha que ir pra São Paulo, pra mandar fazer os discos.
E eu sem botar a voz, isso não podia ir embora.
Eu peguei, autorizei: “O que é que a gente faz? Eu autorizo.
Chamem o Jorge Silva da banda Sayonara, diga pra ele colocar a voz e ele fica no meu lugar”.
Mas não empata nada.
Eu não queria gravar uma música, eu queria gravar um LP.
(risos) Aí, tá bom.
Eu vinha de um compacto com quatro músicas, pra voltar pra uma, ficava ruim, né? Aí, o que eu fiz? Aconteceu tudo isso na minha vida.
Aí, o Jorge Silva foi e colocou a voz na Dança do Mel.
O que aconteceu? Tocaram todos os outros artistas, aqueles mais finos, aquelas coisas mais chiques.
E o disco estava lá, encalhado.
Aí eu já estava dentro da Rauland, aquele negócio: “Comece a tocar lambda, Dança do Mel, porque é isso que vai acontecer.
Está o momento”.
Moral da história: a lambada estourou e a Dança do Mel foi que puxou o disco.
Aí, o que aconteceu na minha vida? Eles: “Tu tem música pra gravar um LP?”.
Eu disse: “Até pra cinco”.
Eu fazia música todo dia.
Aí ele: “Então, vamos fazer”.
Aí eu disse: “Mas eu quero gravar com os músicos que eu pedir” “Tá”.
Na época, o cara de ponta pra gravar todo mundo era Manoel Cordeiro, o melhor produtor no momento.
Ele gravou, ali ele já tinha gravado Alípio Martins.
Roberta Miranda, veio gravar nesse estúdio.
Então, um cara altamente profissional.
Aí, o dono da gravadora disse pra mim: “Mas como tu vai conseguir, rapaz? Esses caras são muito caros” “Deixe comigo”.
Todos meus amigos, né? Aí chamei: “Manoel, pô, aconteceu isso na minha vida.
Preciso disso, disso, disso”.
Eu sei que a gravadora pagou um pouco lá dos músicos.
E eu paguei um pouco, porque eu queria eles.
Aí eu lancei um disco chamado “Brelamforreggae”.
Brega, lambada, forró e reggae”.
(risos) Loucura, né? Eu já tinha uma viagem, né? Lancei o “Brelamforregae”.
Tinha a música Arrebita Rita, é lambada (cantando): “Arrebita Rita, bonita, no iêiêiê.
Arrebita Rita, quero dançar com você”.
O disco foi um estouro.
Foi esse disco que me levou pra Rio, São Paulo.
Eu gravei os programas, na época, eu gravei Milk Shake da Angélica, com esse disco.
Eu gravei Ronnie Von, na Gazeta.
Gravei Bolinha, na Bandeirantes.
Gravei na TV Rio, tinha um programa na TV Rio.
Eu fui pro Rio de Janeiro e São Paulo pra passar quinze dias, eu passei três anos no Rio e mais um em São Paulo.
(risos) E assim.
.
.
P/1- Que ano foi isso?
R- Foi uma loucura, meu amigo.
P/1- Nos anos 80, mais ou menos?
R- Em 1989.
P/1- Eu só queria voltar um pouco.
Voltar muito, na real.
R- Sim.
P/1- Pra pegar com mais detalhe essa.
.
.
R- Voltar à ilha?
P/1- Não.
Não é nem a ilha.
Mas você foi, então, pra Belém, mudou-se pra aquela rua, que era perto do Pinduca.
É isso?
R- Sim.
P/1- Como era isso? Você se mudou pra lá, você o ouvia tocar?
R- Eu ouvia.
Só que eu não podia entrar.
Eu ficava no portão ouvindo o ensaio dele.
Mas dava pra gente ver.
E dali eu passei a ser fã do Pinduca.
Depois ele já foi ser meu amigo, naquela coisa toda.
Porque a música estava na veia, naquele tempo.
E o meu sonho era também conhecer o Vieira, porque o mestre da guitarrada, meu conterrâneo, aquela coisa toda.
P/1- Você já ouvia desde antes?
R- Já.
Desde criança.
O meu pai foi dono de uma aparelhagem de som, que tocava todos esses caras.
Todos esses artistas.
Tocava Pinduca, tocava Vieira.
Tocava todos os artistas do Pará, né?
P/1- Tinha uma aparelhagem de som?
R- Aparelhagem de som, em Belém, o meu pai.
Chamada Ouro Negro.
P/1- Ele fazia festa lá?
R- Era.
Onde o meu pai ia tocar, assim, aí eu ia.
Mas aí não me deixavam entrar, porque eu era moleque, de menor.
(risos) Mas eu, assim mesmo, eu ia.
(risos) O meu pai me levava pra cantar, garoto, né, já pra treze, catorze anos e o meu pai me levava, eu ia olhar aquelas bandas.
Mas o meu pai já me levava, porque ele gostava da noite, pra fugir de casa, (risos) pra fugir da mamãe.
(riso) Aí papai me levava.
E eu olhava aquelas bandas lá e eu queria.
Eu lembro bem que uma vez ele disse: “Ei, deixa o meu filho cantar aí”.
Aí eu cantei.
Eu já tocava algumas coisinhas, né? Aí eu cantei uma música, eu lembro assim (cantando): “Eu sou pequeno pra entender, mas eu não sabia, que o papai fosse viver com outra família”.
(risos) Essa música é Paulo Sérgio, na época.
P/1- Então, o seu pai levava você, pra fugir com você?
R- Era.
E pra me mostrar pras pessoas: “O meu filho canta”, quando era no negócio da música.
Quando era: “Meu filho joga muito.
Pode colocar ele aí”.
(risos) Aquela coisa do pai coruja.
Mas eu tinha certeza que aquilo que eu estava fazendo estava certo, eu estava no caminho certo.
Porque eu sempre fui disciplinado, sabe? O treinador mandava eu fazer aquilo, era aquilo.
Tanto que, quando você perguntou agora, eu: “Faça do jeito que é pra fazer, que eu vou fazer”.
Então, eu acho que, quem tem disciplina, vai muito longe.
Você tem que ouvir.
Então eu sempre fui assim, de ouvir.
Isso é bom pra mim.
E o meu pai me levava pra fazer esse show, eu me apresentar, tudo e aquilo tudo era bom pra mim.
Agora, pensa nos lugares.
Os piores lugares.
Naquele negócio, o popular, né, da zona mesmo.
(riso) E eu, tudo eu vi de perto.
Tudo eu vi de perto.
P/1- Que lugares que eram? Como _____(52:10)
R- Era Palácio dos Bares, que ficava no bairro da Condor.
O outro lugar era Bar São Jorge.
Esse Bar São Jorge, meu amigo, (risos) as mulheres de programa tiravam um barato comigo, eu tinha medo delas (risada): “Ei, eu quero esse teu filho pra mim, não sei o que”, aquele negócio todo.
Aquilo ali era um negócio assim, cara, que.
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mas eu queria estar na música.
Eu queria era música.
E fui unindo a música e o futebol, a música e o futebol.
Mas nunca parei de estudar.
Quando eu pude estudar, eu estudei de noite.
Eu tive só dois empregos na minha vida.
Por causa de uma queda de moto eu fui parar no Juizado de Menor, que o meu amigo que trabalhava lá no gabinete com o juiz.
Como ele quebrou a clavícula, eu assumi o lugar dele.
Quando acabou tudo isso, que ele ficou bom, aí o juiz disse: “Não, ele vai ficar”.
Porque eu, tudo, fazia certo.
Aí fiquei com o Doutor Wilson de Jesus Marques da Silva, na época.
E quando ele foi ser desembargador do Tribunal Eleitoral, ele me levou.
Eu acho que até os dezenove anos, eu trabalhei no Tribunal Eleitoral.
P/1- Antes de passar pra música, no comecinho, você jogava bola, é isso?
R- Era.
P/1- Começou brincando?
R- Era.
Eu jogava, eu sempre gostei de futebol, né? E, como eu sou canhoto, eu sempre tive facilidade com a bola, sempre.
Tanto que, por onde eu passava, sempre marcou a minha carreira, graças a Deus.
Jogava de lateral esquerdo, camisa seis.
E eu tive a sorte, eu não era banco.
E aquilo, pô, o cara que não é banco, é porque ele sabe jogar.
Não é verdade? E aí, eu passei um bom tempo na.
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primeiro eu comecei no Norte Brasileiro, que é de bairro, né? Disputei muito campeonato de bairro.
Aí, os olheiros do futebol: “Não, garoto, você tem que ir pra Tuna”, aí eu fui pro time de base da Tuna.
Aí eu passei um tempo na Tuna.
Aí passei um tempo no Remo.
Mas a música falava mais alto.
Porque o futebol era muito ingrato naquela época, você ganhava uma passagem de ônibus e um suco.
Não era como é.
Mas eu estava ali.
Mas quando eu gravei o meu primeiro disco, eu larguei tudo, porque eu tinha que seguir uma carreira.
E nos estudos eu queria ser arquiteto, que eu adoro obras.
(risos) Mas a música me levou mais longe.
Graças a Deus!
P/1- Então, você viu o Pinduca tocar, você ficava só ali observando ele?
R- Observando.
Era.
A disciplina, né? Como ele falava, ele cantava.
No ensaio, parava: “Não.
Mas não é isso.
É isso aqui, tal”.
E por ali eu fui vendo.
P/1- E você tocava?
R- E eu gostava.
E eu já arranhava o meu violãozinho por ali.
E fazia minhas poesias.
Eu fazia poesia pra professora sem ela saber.
(risos)
P/1- Você se lembra de alguma dessas?
R- Lembro.
Pera aí, deixa eu lembrar aqui.
Depois eu vim gravar essa música, depois de muito tempo.
Eu a imaginava no telefone, (risos) tanto que a música é: “Alô, alô, quem está falando? Sou eu, sou eu, que estou ligando.
Por quê? Pra que você me deixou chorando? Será você? Não estou acreditando que a paixão quebra orgulho de um homem”.
(risos) Eu fazia essas musiquinhas pra minha professora.
Depois eu aperfeiçoei, tudo e botei no disco.
Mas era, assim, uma coisa “namoradinha”, assim, eu vivia escrevendo coisas pra elas.
Porque eu falava mais escrevendo (risos) do que falando, né?
P/1- E qual foi, das suas primeiras composições, assim? Qual foi a primeira música que você fez?
R- A minha primeira música foi porque eu fui corno.
(risos) Aquele namoro de infância, né? A namoradinha foi passar férias noutro interior, né? Tá.
Aí, o irmão dela era muito meu amigo.
Nisso, eu tinha quinze anos, eu acho.
Não, quinze não.
Treze anos, por aí, uns treze anos.
E, quando chegou as férias, né, a família dela viajou.
Não vou dizer o lugar, né? (risos) Ela viajou.
E o irmão dela disse: “E aí? Tu não quer ir comigo, depois? Eu vou só uns quinze dias depois, não sei o que” “Ah, eu vou”.
Só que a mãe, pai da menina não queria nem.
.
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tocar violão, namorar com um cara que toca violão era coisa de vagabundo: “Vai se meter com vagabundo?” (risos) Tinha essas coisas, né? Aí, o que aconteceu? Eu fui.
Aí lá era interior, né, era uma festa junina e tinha um cercado, assim.
Tá.
Aí nós chegamos na casa da avó dele.
Ele me levou pra casa da avó dele, pra ninguém saber que eu estava lá.
Aí: “Bora pra festa”.
Quando chegou na festa, era uma cerca assim, tu está vendo quem está dentro.
No que eu vou chegando com ele, com esse meu cunhado, ela está lá.
(risos) Dançando com outro! E tipo assim, se agarrando e tal.
Meu amigo.
.
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aí eu fiz a música: (risos) “Quando você viajou, pra cidade que nasceu.
Muito triste eu fiquei.
Confesso que chorei.
Você zombava de mim, com outro rapaz.
E eu não suportando, achei que era demais”.
_____ (58:52).
Naquele tempo que o cara queria ser machão, dizia: “Pancada eu lhe prometi.
Mas cadê coragem em mim? Confesso que sofri.
Hoje eu canto esta canção, para livrar o meu coração.
De uma falsa mulher e de outra traição”.
(risos) Então, essa foi a minha primeira música.
P/1- Com treze anos?
R- Treze anos de idade.
Eu já escreva muita coisa.
Mas assim, de verdade mesmo, uma música pronta e tudo, foi essa.
P/1- E observando sempre o Pinduca, lá?
R- Sim.
Observando o Pinduca.
Aí depois eu vim pra Barcarena, morar em Barcarena, na casa da minha tia.
Aí eu fiquei mais pra cá.
Aí foi que, jogando a bola, né, como eu te falei, o Vieira foi que me incentivou em tudo, graças a Deus.
P/1- Ele virou, olhou pra você, te acolheu?
R- Sim, ele me acolheu.
Ele me acolheu tanto como jogador de futebol, como compositor, porque eu fiquei na casa dele.
Só pra ti ter uma idéia, eu larguei o trabalho, eu larguei os meus estudos, pra ficar perto do Vieira.
Porque o que eu queria era o futebol e a música.
Então, ali eu jogava bola e aprendia música, com aquele homem.
Porque pensa num cara inteligente.
Eu olhava aquele homem tocando aquilo: “Meu Deus, o cara toca demais”.
E sempre mostrando as minhas músicas pra ele.
Tanto que ele pegou: “Não.
Eu vou botar uma música sua no disco da Miriam Cunha, que eu vou.
.
.
” Então, foi ele que me deu o primeiro pontapé pra uma música minha acontecer, a nível de norte e nordeste.
P/1- Pra quem não conhece o Vieira, nem pessoalmente, como era a figura dele?
R- O Vieira, eu posso te dizer que era pai, era amigo, irmão.
Eu nunca ouvi o Vieira gritar com um filho.
Um cara super da paz.
Altamente profissional.
Nunca teve orgulho, assim, de ser metido, de nada.
Andava numa bicicletazinha verde.
Ele tinha umas palavras assim.
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“Vieira, tal coisa, tal coisa”, ele diz assim mesmo: “Como se diz: tal coisa”.
Os filhos dele, o Valdir, Tuta, Vanda, hoje os outros pequenininhos que eu vi crescer, o Valdeci, até hoje são meus amigos.
E o Vieira, antes de morrer, eu tive a felicidade de poder dar um abraço nele, ele doente ainda.
É pena que eu não registrei, porque eu achei que aquele momento não tinha que ser registrado aquilo.
Entendeu? Respeitando, né? E foi a última vez que eu falei com o Vieira.
Aí, depois, eu já voltei em Barcarena, pra ir no velório dele.
Foi assim.
Mas o Vieira foi pai, padrinho pra mim.
A família dele, sabe, que são meus amigos até hoje.
E eu agradeço demais.
E outros amigos que eu fiz em Barcarena.
Tenho muitos amigos que me acolheram, tanto no futebol como na música.
O primeiro samba-enredo de Barcarena é meu.
O primeiro cantor a cantar um samba na avenida, fui eu, que esse samba eu fiz e interpretei pelo Bloco Carnavalesco Mocidade Mão Aberta, onde eu conto a história como nasceu Barcarena, aquela coisa toda.
P/1- Pode tocar pra mim?
R- Posso:
“Nasceu um pequeno nome de uma grande embarcação
que até hoje é a grande tradição
Foi a aldeia dos Aruãns
os primeiros habitantes do lugar
O Mão Aberta, hoje, vem saudar
grandes guerreiros nascidos neste lugar
O Mão Aberta, hoje, vem saudar
grandes guerreiros nascidos neste lugar
Os jesuítas
Os jesuítas fundaram Gibirié
edificando a Igreja da Matriz
que até hoje é a essência da raiz
que até hoje é a essência da raiz
O progresso chegou, ô ô ô
vou cantar com carinho
a cidade dos Cabanos
na era do alumínio
O Mão Aberta, hoje, vem saudar
grandes guerreiros nascidos neste lugar
O Mão Aberta, hoje, vem saudar
grandes guerreiros nascidos neste lugar”.
Mão Aberta.
E lá eu deixei muitos amigos, o presidente Toninho Morais, Ferdinando Morais, João Carlos, Bosquinho, enfim, muitos amigos, graças a Deus.
São meus amigos até hoje.
P/1- Posso pedir pra você pegar o violão? Pode ser?
R- Um violãozinho? É bom.
P/1- É bom, né?
R- É bom.
Essa música que eu vou mostrar aqui pra vocês é muito especial, assim, na minha vida, muito minha.
Muita gente pergunta assim: “Por que que você não gravou essa música?”.
Porque essa música eu fiz pro meu pai, contando a história de onde eu nasci.
O meu pai era um cara muito batalhador, assim.
Mas agora eu vou ter que gravar.
Entendeu? Ela vai ficar na história.
“Nasci numa ilha, chamada de Onça
Meu pai lavrador e eu a sua criança
Me pegava no colo, me falava assim:
“Tu és o meu filho, és fruto de mim”
Meu pai, meu amigo, meu amigão.
Viaja comigo, no meu coração.
O tempo passou.
Minha vida mudou.
Cresci para o mundo.
Hoje eu sou um cantor.
Meu pai, meu amigo, meu amigão.
Meu amigão.
Viaja comigo, no meu coração.
Sabe meu velho, essa canção eu fiz só pra dizer o quanto eu te amo.
Ah, que lembrança da minha Ilha das Onças! É, meu velho, quanta saudade eu sinto de você.
E pra você eu fiz essa canção.
Meu pai, meu amigo, uh.
Uh, uh, meu amigão
Meu amigão.
Viaja comigo, uh, uh, no meu coração
Obrigada, meu velho.
Nasci numa ilha.
Na Ilha das Onças”.
P/1- Valeu, Rony.
Rony, com esse violão você consegue tocar mais alguma, virado, assim?
R- Consigo.
Consigo.
P/1- Ele desafinou, né, um pouco, né?
R1- Agora eu deixo o violão, né.
P/1- Então, você estava falando do Mestre Vieira.
R- Sim.
P/1- Eu perguntei pro senhor como é que ele era, né? E ele ensinava você a tocar guitarra, a tocar violão, assim, o jeito dele?
R- Ele era muito assim, ele corrigia: “Olha como se diz essa nota aí” “Tá”.
O ensaio dele.
Porque, na verdade, eu ficava muito assistindo o ensaio dele.
Porque eu era garoto, né? A banda dele já era uma banda formada com adultos e tal.
E eu morava lá pra jogar bola, né e tudo, mas a música sempre estava, a música.
Tanto que, por onde ele ia tocar, eu ia com ele, aquela coisa toda.
Sempre me tratando bem pra caramba.
Tu já pensou? Eu morei (risos) na casa do cara.
É um orgulho isso.
Dizer isso.
Um Mestre Vieira.
O Mestre Vieira é conhecido na Alemanha, pra você ter uma ideia.
E ele sempre me incentivou.
Me tratou como filho.
Me tratava como filho.
O que ele comia na casa dele, dividia comigo: “Bora almoçar comigo, não sei o que”.
Entendeu? E eu cheguei ali pra jogar bola e fui ficando com ele, tá? Os filhos, meus amigos até hoje.
Então, eu devo muito ao Vieira, muito.
Muito mesmo.
E nesse momento eu quero agradecer muito ao Vieira.
O Festival do Abacaxi, tudo por onde ele ia tocar, me levava.
E eu cantava com eles, na banda.
Se o Vieira ia tocar ali: “Canta uma.
Canta duas ali.
Canta aquele negócio”.
O Vieira me incentivou demais.
Tanto que botou a minha música no disco lá da minha amiga Miriam Cunha, né? Hoje minha amiga.
E foi o que me deu aquele pontapé inicial na música, né, no mercado fonográfico.
P/1- Qual foi a música que ele botou? Você consegue, você sabe?
R- Faça de mim o que quiser.
É um xote.
Ele é meio.
.
.
a letra dele é meio uma letra.
.
.
deixa ver se eu lembro aqui.
“Você quer dar uma volta comigo?
Só pra ver como é que é
o seu tipo de conversa
pra conquistar uma mulher
O seu tipo de conversa
pra conquistar uma mulher
Me conquistaste, faça de mim o que quiser
Me conquistaste, faça de mim o que quiser
Quero ser, quero ser sua, quero ser sua mulher
Quero ser, quero ser sua, quero ser sua mulher”.
Faça de mim o que quiser.
Mas tem mais letra, que eu não lembro.
Foi a primeira música minha colocada num disco.
Vinil, na época.
E Gravadora Continental, a nível de Brasil.
Aquilo foi um pontapé muito grande na minha vida.
P/1- O seu pai, o que ele achava disso, que você estava com o Vieira? A sua família.
R- O meu pai sempre me apoiou.
Se eu dissesse: “Pai, eu vou fazer isso” “Tu queres isso? É bom? Você quer? Vai lá”.
Tanto que, quando eu larguei os estudos, eu larguei o trabalho, ele já disse: “Ei, rapaz, olha o que tu estás fazendo” “Não, pai.
Eu vou.
É isso que eu quero e tudo” Tanto que ele veio.
Ele veio, o Vieira conheceu o meu pai.
E a família toda da minha mãe sempre morou em Barcarena.
Então, eu ia, os meus primos, tem aí o Mauro Oliveira, que é radialista, tá? Então, a minha família sempre me apoiou, estiveram perto de mim.
E os amigos que eu fiz, assim, me abraçaram.
Tanto que a maioria dos meus amigos estão todos em Barcarena, a maioria.
Eu tenho muitos amigos, né? Mas, naquele tempo, foi quem me incentivou, foi essa turma toda aí.
P/1- Nessa época com o Vieira, você tinha o quê? Quantos anos você tinha?
R- Ah, uns dezessete.
Eu já tinha uns dezessete anos.
Dezesseis pra dezessete anos.
Porque eu era infanto-juvenil do Norte Brasileiro, da Tuna, depois fui pro Remo.
No Remo eu tive uma passagem relâmpago, porque foi o tempo que eu gravei também.
Aí fui embora, atrás da música.
Mas continuei jogando futebol, não profissionalmente, né? Eu jogo até hoje.
Sou louco por futebol.
P/1- Com o Vieira, com o Remo, essa época toda, você se sentia como, assim?
R- Rapaz, eu.
.
.
com o Vieira eu me sentia assim: “Pô, eu estou realizando o meu sonho”.
Porque não era aquilo que eu queria da minha vida, fazer o que o meu pai fazia, eu não queria aquilo pra mim.
Sim, uma coisa que eu não falei do meu pai: o meu pai nos criou em Belém depois, vendendo açaí.
Meu pai comprou uma máquina de açaí.
Vendeu alguma coisa dele, eu acho que a canoa ou o barco que ele tinha e comprou justamente uma máquina, o terreno e máquina de açaí em Belém, no bairro que até hoje nós temos casa lá, na Cremação.
Depois do Guamá, nós viemos pra Cremação, onde o meu pai já tinha comprado a casa, né? E criou os filhos vendendo açaí.
Só que, naquele tempo, hoje o açaí é ouro, né? Naquele tempo tinha tanto açaí que, quando eles não arranjavam pra vender, alguém pra comprar o açaí, eles jogavam tudo fora, ali no Ver-o-Peso, na Feira do Açaí.
Você ia ali, eles tinham derramado todo aquele açaí, porque não tinha pra quem vender, naquela época.
E o meu pai sempre foi um cara batalhador, marreteiro.
Ele vendia açaí, ele comprava fruta.
Porque aqui, a Ilha das Onças tinha e ainda tem muita fruta, só que o que tem mais é açaí, né? Naquele tempo tinha cacau, pupunha, cupuaçu, banana, tinha muita banana, maxixe, quiabo.
Essas coisas, tinha muito na Ilha das Onças.
Agora, não.
Agora tem mais açaí, o pessoal esqueceu um pouco da roça.
Até é bom, porque pelo menos não queima nada.
(riso)
P/1- O tem um preço bom é o açaí, né?
R- O açaí virou ouro.
O açaí é uma mina.
Hoje, quem trabalha com açaí.
.
.
eu tenho um irmão que está muito bem, graças a Deus, com o açaí.
E voltando ao Vieira, meu amigo, o Vieira, falando no açaí.
O Vieira almoçava e jantava com açaí.
Tinha que ter o açaí todo dia.
Tanto que, uma vez, a gente foi pra Fortaleza, o Vieira levou a caixinha de isopor com o açaí dele.
Aí, o hotel muito chique, nessas alturas ele já tinha o maior sucesso, né, aí ele não queria descer do apartamento dele, com vergonha, que ele era muito tímido, né? Eu peguei e disse: “Não.
O senhor tem que ir lá.
O senhor é o Mestre Vieira.
Vá lá jantar no meio de todo mundo.
Leve o seu açaí” “Como se diz, tu acha?” Eu digo: “Acho.
Vá lá”.
Foi e assim foi lá, comeu.
E pelo contrário: pediram o açaí: “Me dá um pouco aí”.
(risos) Foi um barato.
O Vieira era maravilhoso, um cara sem.
.
.
eu acho que, Vieira, falar do Vieira é reviver grandes momentos que eu passei ao lado dele.
Tive essa sorte, esse prazer de viver ao lado dele.
Então, devo muito ao Vieira.
P/1- E você foi, então, virando profissional ali, do lado dele?
R- É.
E mais: dos grandes amigos e músicos dele.
Como Dejacir era o cantor da banda dele.
Lauro Honório, guitarra.
Luis Poça tocava na época, eu acho que era contrabaixo ou teclado, alguma coisa assim.
Aí tinha o tempo de Nonatinho, __________ (01:16:19).
Então, o Vieira tinha uma banda muito boa.
E eu tenho orgulho de ter participado dessa época lá, eu estava lá com eles.
E aprendi muito com eles.
P/1- E Barcarena, como era na época, nessa época?
R- Barcarena faltava energia meia noite.
Meia noite não tinha mais energia.
Aí, eu e os filhos do Vieira, a gente colocava o lençol na cabeça, pra quando viesse alguém, a gente assustar: (risos) “Visagem, não sei o que”.
(risos) Pra assustar aquele povo.
Tanto que, antes de surgir o Mão Aberta, o nome do Mão Aberta não ia ser Mão Aberta, esse bloco, não ia ser Mão Aberta.
Ia ser Unidos da Telmona.
Telmona era uma sobrinha do Vieira, alta, forte.
Então, ela que comandava a turma das mulheres, ela trazia as nossas amigas de Belém pras festas que tinha, onde o Vieira ia tocar, Festival do Abacaxi.
Aí a gente reunia aquela turma toda e ia pro trapiche.
Tá.
E eu pegava com o Valdir, filho do Vieira, pra assustar as meninas e tal, a gente ia embora mais cedo.
Tipo assim: “Acabou a energia, quando acabar a energia, a gente vai”.
Só que a gente ia mais cedo, pra colocar o lençol.
Lá vem aquela turma andando, que a rua do Vieira era a rua principal, a casa dele bem de esquina, bem em frente à Cosanpa.
Tinha calçadão.
A gente ficava escondido ali pra.
.
.
lá vem a turma, que chamava beira: “Fulano está lá pra beira”.
Quando já estava, assim, a gente ia pra outra rua e todo de branco, né, corria atrás delas.
E elas corriam pra chegar em casa, era uma.
.
.
(riso) então, a gente brincou muito.
Era uma brincadeira muito boa.
E até hoje a gente lembra disso.
Então, ali eu vivi muita, muita coisa boa, mesmo.
Ah, tem uma outra pessoa também que eu não posso esquecer de dizer: o cara que emprestava o carro-som pra gente ensaiar o nosso bloco, chamado Pedro Martins.
Ele tinha um carro e no dia que foi para sair o nosso Bloco Mão Aberta: “Pô, mas a gente não tem som, não sei o quê”.
Ele pegou, ele tinha um serviço de alto-falante, ele tirou as caixas dos postes, botou tudo em cima de um carro, pra gente sair.
E foi ali que foi a primeira vez que o Rony Nascimento cantou um samba-enredo na rua, que foi justamente esse meu primeiro samba e o primeiro samba-enredo de Barcarena.
O título é A Cidade dos Cabanos na Era do Alumínio.
P/1- O que você cantou?
R- Foi o que eu cantei ainda agora.
Foi um grande sucesso.
Até hoje as pessoas cantam.
Então, eu tenho muito orgulho de ser o cantor e compositor do primeiro samba-enredo de Barcarena.
E também o primeiro cantor da Ilha das Onças.
P/1- De onde que surgiu essa idéia de fazer esse bloco e o nome do bloco?
R- Foi os colegas, amigos e tal.
Essa ideia foi do João Carlos, um ex-prefeito.
Antonio Carlos também.
Ferdinando.
Do Delsimilson, professor, amigo nosso.
O Delsimilsom era o nosso chefe de bateria, chefe de batucada, né? E surgiu o primeiro nome, o nome ia ser Unidos da Telmona.
Aí, depois de reunião, aí eles decidiram que iam fazer Mão Aberta, porque onde tinha uma farra, todo mundo toma isso, toma aquilo e tal, tal, tal.
(riso) E eu sempre na minha, eu nunca bebi e nunca fumei.
E sempre vivi na noite.
Mas eu tinha um sonho, era ser atleta, jogador de futebol e aquilo não podia, aquilo não pode, isso não pode.
Eu sempre me policiei.
E até hoje.
Aí.
.
.
sim.
Aí eles fundaram, resolveram fazer o Unidos da Telmona.
E depois nasceu o Mão Aberta.
Aí o Unidos da Telmona não saiu.
Saiu o Mão Aberta.
P/1- Como é que foi esse dia?
R- Esse dia foi um dia, assim, que a gente se emociona muito, né? Porque, além de eu fazer o samba, eu queria desenvolver o tema na avenida: “Olha, o carro abre alas é isso.
É isso.
E mais isso”.
Porque, pra quem não sabe, eu sou produtor também, faço produção musical, produção de eventos.
E aquilo ali, eu digo, eu fiz o samba.
Então, é uma poesia: “Nasceu o primeiro nome de uma grande embarcação, que até hoje.
.
.
”.
Então, tudo aquilo eu queria que viesse na avenida.
E foi muito lindo.
Só que, naquela época, nós não tínhamos o carro-som, era emprestado.
Aí, depois, o Mão Aberta teve isso aí com coisa muito maior e tudo.
Só que, quando eles saíram com coisa muito grande, o Rony Nascimento já tinha gravado, o Rony Nascimento já tinha ganhado o mundo, tudo.
Mas eu devo tudo a esse começo.
O meu começo foi tudo na minha terra natal, que eu amo.
Todo, o tanto que eu posso estar aqui, eu estou.
P/1- E tinha muita gente na rua, nesse dia? Como foi?
R- Muita gente.
Era novidade.
Vinha gente de todo lugar.
Tinha fantasia, tinha tudo, alegorias.
Tinha tudo.
Foi bem bolado.
P/1- Saiu na sede, na avenida? Como foi?
R- Na avenida.
Mas ele nasceu mesmo, até as reuniões, tudo, era numa sede chamado Fluminense, sede do Fluminense.
Sede do Fluminense, ficava numa outra rua pra trás, assim, depois da casa do Vieira.
E ali que reunia tudo.
Ali nasceu.
Dia 16 de janeiro de 1982.
Eu lembro.
P/1- Pra ser em fevereiro, né?
R- Sim.
P/1- Aí, então, depois que você teve essa música com o Vieira, que você fez o seu compacto, que você falou.
R- Sim.
P/1- Depois o LP.
R- O LP.
P/1- Aí você já estava viajando, já?
R- Já.
Do LP, a Elke Maravilhava me levou pro Rio de Janeiro.
E, através dela, ela arrumou pra eu gravar os programas.
Ela acreditava em mim, no meu trabalho, aquela coisa toda.
E ali existia uma banda, ainda não era banda Warilou, eles me gravavam.
Então, era a melhor banda do estado do Pará.
Mas estava no estúdio, ainda não tinha o nome banda Warilou.
Ele gravava todo mundo.
Tanto que Banda Warilou nasceu dentro do estúdio.
Mas eles eram os meus músicos, eles me acompanhavam no backing vocal, tudo, era uma super banda.
Então, eu fui bem servido naquele momento, porque eu tinha um super show, com alta produção, tudo, que me levou a vários lugares.
Eu fui, através de todo esse trabalho, na minha história, eu cantei em muitos lugares do Brasil, saí do Brasil.
Eu fui pra Guiana Francesa, eu cantei num lugar chamado _______ (01:24:45), nas Guianas Francesas.
Aí eu fui pra fronteira da Venezuela, tanto que eu tenho música: “Eu fui na fronteira com a Venezuela, encontrar Concita.
A chiquita loirita, louca ______ (1:24:57) dela”.
Então, tem uma história.
Então, eu só agradeço.
Eu só agradeço a Deus e todas as pessoas que trilharam, né, no meu caminho, porque foi o que me jogou pra cima, graças a Deus.
P/1- Você lançou quantos CDs, então?
R- Eu lancei seis discos em vinil.
E cinco CDs.
Um, agora, vai sair já com DVD, com tudo, com alta produção, né, como eu mereço.
(risos) É.
Porque agora, tudo você tem que fazer, esses shows.
Tanto que eu vou gravar meu DVD na minha cidade, né? É.
Eu vou gravar o meu DVD na Barcarena sede, em frente lá, a cidade, vendo os barcos passando.
Já está tudo esquematizado.
Eu não gravei antes porque veio a pandemia, né? Mas já está tudo programado pro meu DVD.
P1- Quando você lançou esses LPs, como era viajar pelo Brasil o que marcou mais em você, nessas viagens pelo seu país?
R- Porque, assim, tudo é novidade, né, na vida da gente.
Tu fica deslumbrado com tudo aquilo, o assédio.
Então, se você não for um cara seguro, muita coisa de bom acontece, mas muita coisa de ruim acontece.
Tanto que, no Rio de Janeiro, naquele estouro da lambada e tudo, eu fazendo muito show no Rio, apareceu um empresário.
O cara era forte? Era.
Podia me projetar no exterior? Podia.
Só que eu, depois eu fui pra São Paulo, né? Tanto que eu morei no apartamento com a Elke, ela me deu apoio, o marido dela, me deram muito apoio.
E dali, como eu tinha que morar no Rio, porque os shows estavam muito centrados no Rio, eu fui morar na Ilha do Governador, Jardim Guanabara.
O que aconteceu ali? Eu fazia muitos shows naquela redondeza lá.
Tanto que quando eu.
.
.
quem entrava na Ilha do Governador, estava lá o outdoor: “Rony Nascimento, príncipe da lambada”, na época, né? E aquilo era.
.
.
quando eu passava de carro, que eu via aquilo, eu digo: “Eu não acredito”.
Minhas músicas tocando na rádio e tal.
Então, ia muito paraense ver o meu show lá na ilha.
No Taboão, onde começou o Elymar Santos.
O Elymar Santos ia pra lá olhar o meu show.
Era um negócio, foi um negócio assim, aquilo tu viaja, é um sonho, né? E eu cantei nas melhores casas de show do Rio de Janeiro.
E numa dessas apareceu, justamente, um empresário.
Aí tudo certo: ele comprou as minhas passagens, comprou as passagens dos meus músicos.
Tá.
E ele me levou, nessa época ele disse: “Eu vou te levar ali com uns amigos, mas não repara o que eles estão fazendo.
Você é o meu cantor”.
Aí eu fiquei com o pé atrás daquilo, tal.
Aí cheguei no prédio, nós subimos e tal.
Quando eu cheguei lá, aí uma turma lá cheirando pó, aquela turma toda lá.
Aí uma pessoa dele lá: “E aí, o garoto e tal? Não sei o quê”.
Aí ele disse assim mesmo: “Não.
Ele é o meu cantor.
Ele é careta”.
Ela fala assim, né: “Ele é careta.
É o meu cantor.
Não tem nada a ver”.
Tá.
Aí um cara, que eu não vou citar nomes, muitos artistas globais ali, naquele momento lá.
Tá.
Eu me senti muito mal.
Eu me senti mal, mal.
Só eu e ele ali.
Tá.
E tudo programado pra ir.
E eu ia pra Espanha.
Fazer o show na Espanha.
Ele já tinha arrumado quatro shows, quatro finais de semana.
Então, seriam três, seis, nove, doze shows: “Você vai fazer doze shows e tal”.
Eu muito alegre com aquilo, né? E quando eu vi aquele negócio lá, eu fiquei com o pé atrás, sabe? Aí eu: “Pra onde esse cara vai me levar?” Aí, quando ele disse pra mim: “Não, olha.
Vai te receber no aeroporto uma pessoa assim, assim, assim, assim e assim.
E você vai levar uma encomenda minha e entregar pra ele”.
Aí eu sempre fui na frente, eu: "Ah, tá bom” - naquele momento - “tá, tudo bem”.
Quando eu desci, que eu fui pra casa e tal, na Ilha do Governador morava, que Deus o tenha, o Waldick Soriano.
E a gente sempre caminhava.
E eu, conversando com ele, eu chamava de ‘seu’ Waldick: “’Seu’ Waldick, aconteceu isso, isso e isso”.
Ele disse: “Não vá.
Não vá, que isso aí o cara vai.
.
.
se lhe pegarem, você vai ficar preso pro resto da sua vida.
Isso aí, o cara está.
.
.
é droga.
É isso.
É aquilo”.
Ele me despertou pra isso.
Mas eu já tinha me tocado nesse assunto.
Tá bom.
“Como é que eu vou me livrar desse cara?”.
Aí eu peguei, liguei pra Belém, pro dono da gravadora: “’Seu’ Jair, ‘seu’ Raul, mande pra mim daí, alguma coisa, uma carta, alguma coisa dizendo que o senhor está precisando de mim pra gravar o outro disco assim, assim, assim, nessas datas”.
Aí foi que eu peguei, mostrei pro cara: “Pô, mas já está tudo comprado”.
Eu disse: “Não.
Mas eu vou, mas eu volto”.
O Rony não voltou mais.
A minha passagem de Rio pra cá foi só pra vir.
Ele me deu uma passagem, me deu a passagem Rio-Belém, Belém-Rio.
Mas eu fiquei com medo.
Eu podia ser sucesso na Espanha? Eu podia.
Mas também eu podia ser preso, não podia? Então, eu nunca quis ir por esse caminho.
Porque o preço do sucesso é muito ingrato, você vê muitos artistas na sarjeta, tudo.
São coisas assim que acontecem na vida do artista.
Porque muita gente: “Ah, é fácil”.
Não é fácil, é muito difícil.
E tudo que vem muito fácil, não acredite muito.
Então, eu sempre zelei por isso.
Aí depois não, eu comecei a fazer norte, nordeste, São Paulo, aquela coisa toda.
E eu falei pra Elke.
A Elke também disse pra mim: “Você não vai pra lugar nenhum”.
Eu contei pro Waldick e contei pra Elke, que eram os meus padrinhos, né? O Waldick porque a gente morava perto, todo dia de manhã caminhava, tal.
Tenho uma música com o Gilson, que canta Casinha Branca, mora em São Paulo, meu parceiro.
Então, eu fiz muitos amigos, graças a Deus.
Então, eu só tenho que agradecer a Deus por chegar até aqui com cinqüenta e sete anos, com uma história.
Nascido lá no mato, Ilha das Onças.
(risos)
P/1- Qual é o nome dos seus LPs?
R- Como?
P/1- Qual é o nome de cada LP seu?
R- Poucos têm título.
Porque eu sempre fui eclético.
Por exemplo: quando eu gravei o compacto, eu gravei duas baladas, né, um xote e um reggae.
Aquele reggae meio nosso, né? (risos) Eu lembro que uma das músicas, que fez muito sucesso foi Morena Patchouli.
Fala da mulher paraense, Morena Patchouli.
Essa música me deu, assim, muito respaldo no meio artístico.
Eu ia pra televisão, quando saía do programa, aquele assédio, aquela coisa toda, aí você vê.
.
.
e o meu nome veio porque o Ronnie Von sempre usou o cabelo grande.
E eu tinha o cabelo grande.
Aí veio a minha chefe do Tribunal Eleitoral, quando garoto ainda: “Olha o Rony.
O nosso Rony, o nosso Rony”.
Tá.
Aí quando eu fui tirar a carteira de músico e tudo e gravar: “Você tem pseudônimo?” “Tenho.
É Rony Nascimento”.
Ninguém nunca mais chamou o meu nome Nivaldo Oliveira do Nascimento.
Só era o papai e a mamãe que chamavam.
Até os meus irmãos começaram a chamar de Rony e os familiares.
E ficou Rony.
E agora se falar em Nivaldo, ele está esquecido.
(riso) Mas eu não deixo esquecer.
(riso)
P/1- Você pode tocar alguma música pra gente registrar e depois contar a história?
R- Posso.
Esta história é da mulher paraense, “Morena Patchouli”:
“Linda morena, eu agora vou dizer
O grande amor que sinto por você
Linda morena, eu agora vou dizer
O grande amor que sinto por você
Gosto da terra, da flor do seu jardim
da natureza que criou você pra mim
Linda morena, eu te quero para mim
Você tem cheiro do bom patchouli
Linda morena, eu te quero para mim
Você tem cheiro do bom patchouli
Lararara larara rarara, lararara larara rarara, lararara larara rararaaaa Lararara larara rarara”.
Essa é a Morena Patchouli.
Então, essa música tem uma história, assim, muito bonita porque, olhando a beleza da mulher paraense, eu fiz a música.
E, no Pará, o nosso famoso patchouli.
Então, muitas mulheres paraenses gostam daquele cheiro do patchouli.
Fazem aquele perfume, né e colocam o priprioca dentro.
Já viu, né? Então, foi aí que fiz a Morena Patchouli.
(risos) Cada música é uma história.
P/1- O que mais você tem pra gente?
R- É.
.
.
eu vou mostrar algumas músicas, mais um sucesso meu, graças a Deus.
Essa música, eu vou contar a historinha dela aqui, rápido.
O cara que tocava violão não era bem aceito, assim, pra namorar com a filha de fulano, né? E toda vez que eu ia pra aula, eu passava na frente da casa de uma menina, família cametaense.
Então, eles trabalhavam com pimental, era uma família bem sucedida, né? E moravam, assim, uns três quarteirões da minha casa.
Só que a menina me dava papo e tal.
E eu passava e aquele negócio e eu sempre queria tocar um violão pra ela e tal.
E a gente começou a namorar, aquele namorinho.
E a família descobriu.
Olha o que a família fez! Disse que ela não tinha que namorar comigo, que ia ter um preço na vida dela, que iam mandar ela estudar fora e não sei o quê.
Pra ti ter uma idéia até carro ela ganhou pra me deixar, (risos) pra deixar o músico.
Tá.
Aí, quando a gente se encontrou, aí ela me contou a história, disse: “A gente vai ter que se deixar”.
Eu digo: “Tá.
Tudo bem”.
Eu fui pra casa muito triste, tal.
Bem na frente da minha casa tinha uma castanheira.
Aí, de repente, eu olhei, essas folhas assim, essas folhas, eu olhei as folhas secas caindo.
Aí, a música veio inteira.
Aí eu botei Flor Alada.
Olha o que deu.
Eu ganhei o Festival da Canção do Cesep, uma escola em Belém, com essa música.
Ela não era um brega.
Eu vou cantar primeiro, como antes dele virar brega, como uma poesia:
“Eu vejo nessa palma, a minha calma, a minha alma.
A dor do medo é o meu segredo.
Acordo cedo
sob o teto da razão, o mundo.
Nas noites caladas, ainda amada, a flor alada.
Além do tempo, além do vento
o meu pensamento conduzindo a voz do não.
O fora que ela me deu.
A minha poesia se perdeu no meu penar.
Eu fiz, então, alegria em cantar.
Mas só restou na mente do poeta aquele não.
Desse muito que é o teu reino, me faz doer”.
Aí ela virou brega assim:
“Vejo nessa palma, a minha calma, a minha alma.
A dor do medo é o meu segredo.
Acordo cedo
sob o teto da razão.
Nas noites caladas, ainda amada, a flor alada.
Além do tempo, além do vento
meu pensamento conduzindo a voz do não.
A minha poesia se perdeu no meu penar.
Eu fiz, então, alegria em cantar
Só restou na mente de um poeta aquele não.
Desse muito que é o teu reino e faz doer.
E dá pra doer, dá pra doer, dá pra doer, dá pra doer.
Dá pra doer a dor da paixão.
E dá pra doer, dá pra doer, dá pra doer, dá par doer.
Dá pra doer a dor da paixão.
Eu vejo nessa calma, a minha palma, a minha alma.
A dor do medo é o meu segredo.
Acordo cedo, sob o teto da razão.
Nas noites caladas, ainda amada, a flor alada.
Além do tempo, além do vento, o meu pensamento conduzindo a voz do não.
Minha poesia se perdeu no meu penar.
Fiz, então, alegria em cantar.
Só restou na mente de um poeta aquele não
desse mundo que é teu reino e faz doer.
Mas dá pra doer, né?
E dá pra doer, dá pra doer, dá pra doer, dá pra doer, dá pra doer, dá pra doer”.
E doeu, mano.
E doeu.
O nome dessa música é Flor Alada.
E o Rony fez pra essa moça.
(risos)
P/1- Foi assim? Foi isso que aconteceu?
R- Foi.
Tipo assim: porque ali ela era a filha do rei.
Eu era só um menino que tocava violão ali, né? Aí a minha poesia foi, eu fiz a minha poesia no meu penar, né? (risos)
P/1- Mas, Rony, você conseguiu também, digamos, casar? Como foi isso, assim? Teve filho?
R- Engraçado.
Eu rodei tudo por aí.
Namorei muito.
E eu fiquei com a menina de perto da minha casa, que eu vi brincado no cemitério, na rua, jogando bola ali.
Quando eu voltei de todas as minhas andanças, das minhas viagens, ela estava uma moça muito bonita.
E a gente começou a namorar, ela engravidou.
Nasceu a minha filha, que hoje tem vinte e sete anos, casada, eu tenho uma neta.
E tenho um filho de dezenove anos que passou, graças a Deus, em duas faculdades.
E eu estou até hoje com a minha esposa.
Também, depois de tudo isso, cara, fica quieto.
Depois que você constrói uma família, você tem que ter meta.
Então, até hoje eu estou, vinte e nove anos, com a minha esposa.
P/1- Qual é o nome dela?
R- Eliane Chaves Silva.
Nós não casamos.
A gente vive juntos.
Mas eu acho que casamento.
.
.
eu não sou contra nada, casa, é pra casar? Casa.
Mas eu acho que se você vive bem.
.
.
eu conheço muita gente que casou, não durou três meses, não durou isso.
E uma união estável, às vezes, é muito melhor que um próprio casamento.
Casamento é assinar papel.
Mas compromisso é você saber ser pai, saber ser mãe e dar educação pros seus filhos, mostrar o caminho certo pros filhos e fazer com que os seus filhos se orgulhem de você.
Um pai presente faz com que os seus filhos não sejam ausentes.
Então, eu sempre quis e mostrei pros meus filhos, os dois caminhos.
E, graças a Deus, eu tenho orgulho dos meus filhos.
P/1- Como é, conta mais dessa história de como você conheceu a sua esposa.
Na Ilha das Onças? Ou aqui em Barcarena?
R- Não.
A minha esposa é de uma cidade chamada Marapanim.
A família dela, né? Mas já moravam em Belém.
A família dela morava perto da minha casa, em Belém.
Ela morava perto da minha casa, em Belém.
Aí, quando eu voltei das minhas viagens, tal, aí o irmão dela é goleiro.
Aí naquela onda de bola, eu tirava um barato, uma onda de ir na casa dela, né: “Bora jogar bola? Cadê a bola? Não sei o quê”.
Mas era pra vê-la.
(risos) Aí a gente ficou, a gente está até hoje.
P/1- Qual é o nome dos seus filhos?
R- Ingrid Letícia Silva do Nascimento.
Leonardo Silva do Nascimento.
P/1- Você se lembra como foi o dia que nasceu a Ingrid?
R- Lembro.
Lembro.
Nesse dia, na época eu estava no estúdio, gravando alguma coisa.
Aí ela me ligou, a minha mulher: “Olha, eu já estou com dor e tudo”.
Mas como morava perto da casa da mãe dela e também a minha mãe, tal, eu digo: “Olha, vou fazer assim: eu já vou direto pra lá, pro hospital.
E chama logo o teu irmão, um carro e leva”.
E foi assim.
Aí fiquei lá esperando, né? E quando nasceu foi a maior alegria.
Só que naquele tempo não tinha aquele negócio: “Ah deixa eu ver o parto”, não tinha.
Mas aí agora já tem, né? Mas foi uma alegria.
Aí eu parei um pouco de viajar, depois que a minha filha nasceu.
Sabe o pai coruja? E fiquei.
.
.
tudo o que tinha na escola da minha filha eu sempre participei.
Eu fui mais presente na escola da minha filha e do meu filho, que a minha própria esposa.
Tudo o que tinha na escola, eu queria estar.
Eu fui aquele pai que: “Eu quero saber com quem está e onde está.
Eu quero saber se é amigos dos professores”.
Tanto que eu mandava consertar a porta da escola.
A minha filha estudava, na época, numa escola militar, que hoje não é mais militar.
Mas quem arrumava uma vaga bem ali, era.
E eu arrumei essa vaga.
Eu passei a ser amigo da escola.
Eu cantava pros alunos da escola.
Tudo eu fazia.
Aí, uma vez, tinha uma porta quebrada lá e a diretora: “Puxa, já mandamos tanto”.
Eu disse: “O que é que precisa aí? Essa porta? Eu vou mandar”.
O meu sogro era marceneiro, o pai da minha mulher lá: “Olha, vá lá que eu lhe pago.
Dê um jeito e ajeite a porta”.
E assim ajeitou.
E o meu filho a mesma coisa, estudou no mesmo colégio.
A minha filha se formou, a minha filha é pedagoga.
E o meu filho estudou sempre em colégios do governo que, assim, eu podia? Podia.
Mas você tem que mostrar pros seus filhos também, a realidade da vida, não pode ser só flores.
Eu passei a estudar em colégio pago quando eu pude pagar, não foi os meus pais, porque eles não tinham condição de pagar.
Aí, quando eu arrumei.
.
.
mas o meu primeiro grau todinho foi em escola pública.
E isso aí eu só tenho que agradecer muito a Deus, de ele me dar os caminhos.
Porque o meu pai era muito bravo.
Presente? Você ganhava presente só no Natal.
E muito.
.
.
eu fui ganhar uma bicicleta, eu já tinha o quê? Acho que onze, doze anos.
Mas pequeno eu nunca ganhei bicicleta.
Então, tinha tudo isso naquele tempo.
Mas serviu de lição pra gente aprender, tal.
E hoje eu passo isso pros meus filhos: que a vida não é só flores, você tem que enfrentar a vida, enfrentar o mundo.
E ele, o Leonardo, estudou no colégio público, né? E ele passou de primeira, ele passou em Agronomia na Ufra.
E passou Odontologia na Universidade Federal do Estado do Pará, é o que está cursando.
Então, isso é um orgulho.
Hoje, ele já é remunerado, estagiando e ganhando o seu dinheirinho.
Então, isso é tudo de bom, né? (risos)
P/1- Você cantava pros seus filhos também, pequenininhos?
R- (risos) _____(1:51:08).
Fiz a música dele pra ele dormir.
Aí hoje ele: “Ei , papai, só que isso é pagar mico”.
Não.
Eu o embalava.
Deixa eu lembrar aqui: “É o Leonardo.
É o Leonardo.
É o Leonardo, o bebê de papai.
Ele é bonitinho.
Ele quer carinho.
Ele é bonitinho, o bebê de papai”.
(risos).
Ele hoje: “Ei, papai.
Isso é mico”.
Mas vire e mexe, eu mexo com ele.
E agora, quem está no mesmo segmento, é a minha neta.
Ela só tem três aninhos.
E já pede pra fazer live comigo: “Vô”.
Ela fez eu aprender a música da Mariquinha: “Abre a porta, Mariquinha”.
Eu só falo isso: “Abre a porta, Mariquinha”, ela canta o resto.
Tem ritmo, tem uma voz bonita.
Então, quer dizer: o Leonardo não quis muito.
Apesar de que ele é professor de inglês, canta muito bem e tudo, mas ele quer a faculdade.
Deixa ele.
Mas ela, eu acho que ela vai no caminho, (risos) a neta vai no caminho.
Mas bora ver mais tarde, né, o que vai acontecer.
P/1- Qual é o nome dela?
R- Ana Louise.
Ana Louise.
Não esquece desse nome: “O Rony, um dia, me falou dessa menina”.
P/1- Três aninhos.
R- Três.
Eu vou te mandar o vídeo dela.
Três aninhos.
P/1- Você volta pra cá direto, aqui pra Barcarena?
R- Eu estou direto em Barcarena.
Por quê? Eu tenho muitos projetos pra cá.
Eu penso em fazer uma escola de música.
Não eu dando aula, que eu não sou professor de música.
Mas ter uma escola, justamente pras crianças carentes ocupar seu tempo.
Eu penso muito nisso.
Eu penso numa escolinha.
E penso numa casa de evento também.
Eu quero fazer muita coisa aqui.
Escola de futebol, essas coisas, tudo eu penso.
Eu tenho muitos projetos pra isso.
E eu penso que, daqui um ano, eu acho que eu consigo realizar isso.
Pelo menos a escola de música, porque eu tenho muitos amigos aqui que querem ajudar a dar aula, aquela coisa toda.
Aí eu preciso do prédio, né? Mas eu quero eu construir esse prédio.
É, porque se você aluga uma coisa, aquilo não permanece, você tem dificuldade e tudo.
É diferente de você ter o prédio.
Se você tiver o prédio, o resto você arruma com os amigos, todo mundo ajuda, né?
P/1- Vai tocar o que nessa escola?
R- Aprender a tocara as nossas músicas, a nossa cultura.
Eu viso muito isso.
Eu quero que saia dali um Vieirinha, guitarra solo.
Eu quero que saia o cara que toca banjo, carimbó, entendeu? Eu quero que saia o cara que compõe.
Porque lá ele vai aprender, ele vai mostrar: “Mostra aí.
Tu compõe? Mostra aí”.
Então, tudo isso é importante, porque você tira a criança da rua e a nossa cultura cresce.
Porque eu acho que isso está faltando.
Apesar de que já tem algumas pessoas fazendo alguma coisa, mas ainda eu acho pouco.
Eu acho que falta mais.
Não tem que ter só bem ali.
Barcarena é muito grande.
Tem que ter um projeto lá na minha ilha.
Eu preciso fazer na ilha esse projeto.
Eu preciso fazer um projeto pro meio ambiente, que essas crianças aprendam que não pode jogar garrafa no rio, que não pode isso.
Tem que ter uma escola dentro da ilha, fazendo isso, tem que ter esse projeto lá.
Escola de música, não tem.
Então, se eu conseguir isso, eu vou estar realizado.
Porque o resto, tudo eu já realizei.
Se eu chorei (risos) ou seu eu sorri, o importante, né, é que emoções eu vivi.
Não fiquei rico.
Mas estou realizado.
Tudo o que eu tenho foi com o meu suor.
Vivo bem, graças a Deus.
Eu tenho o meu carro pra andar.
Eu tenho a minha casa.
Eu tenho o meu sítio, pra eu levar a minha família pra gente tomar um banho, alguma coisa.
Então, isso aí, eu estou realizado.
Porque você não precisa de muito pra ser feliz.
Pra ser feliz? Pra ser feliz não precisa muito.
Você precisa é realizar os seus sonhos.
Se você pensar em construir um prédio de trinta andares e você conseguir quinze, já está de bom tamanho, você conseguiu quinze e esses quinze vai te manter bem.
Não é verdade? Então, eu penso assim.
Eu quero poder ajudar as pessoas da minha ilha, as pessoas da minha cidade Barcarena.
Porque eu sou Barcarena.
Eu até coloquei numa.
.
.
teve uma pessoa que falou umas besteiras, eu coloquei assim, que: “Eu sou barcarenense até depois da morte, porque eu vou deixar uma história e vão lembrar de mim, pela minha música, o trabalho que eu deixei”.
Então, eu penso isso.
Sou barcarenense até depois da morte.
(risos)
P/1- Como é que foi contar um pouquinho da sua história pra gente aqui?
R- Contar a minha história, coisa que nunca aconteceu na minha vida.
Eu quero agradecer muito vocês, que me fizeram esse convite.
E agradecer uma pessoa, que era pra ela estar aqui comigo, que foi a pessoa que me indicou: Alcirene, Alcirene Rocha.
Alcirene tem um amor pela ilha, muito grande, assim como eu.
E Barcarena é minha vida.
Muito obrigado!
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