Plano Anual de Atividades 2013
Projeto Nestlé - Ouvir o outro compartilhando valores – Pronac 128976
Depoimento de Marcela Carvalho de Camargo Alves
Entrevistada por Tereza Ruiz
Caçapava 14/08/2014
Realização Museu da Pessoa
Entrevista NCV_HV_49
Transcrito por Liliane Custódio
P/1 – Então primeiro, Marcela, eu vou pedir pra você falar pra gente seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Tá. É Marcela Carvalho de Camargo Alves, nasci em seis de abril de 1984, em Taubaté.
P/1 – Agora o nome completo dos seus pais, e se você souber, data e local de nascimento deles também
R – Não sei. Só sei a data de aniversário, o ano eu não sei (risos).
P/1 – Tudo bem (risos). Pode ser o nome completo e local, você sabe, de nascimento?
R – Eu sei. Eu deduzo (risos). Então minha mãe é Lígia Maria de Carvalho, seis de janeiro, em Taubaté, na cidade de Taubaté. O meu pai é José Ernesto Freitas de Camargo, ele é dez de dezembro, São Paulo.
P/1 – E o que seus pais fazem profissionalmente?
R – Olha, minha mãe é dona de um bar e ela trabalha em Taubaté nesse bar. O meu pai é empresário, ele trabalha com rádio desde que eu me conheço por gente, lá em São Paulo.
P/1 – E sua mãe é dona de um bar. Tem um nome esse bar?
R – Reduto do Samba, o nome do bar.
P/1 – É um bar de samba então.
R – É um bar de samba (risos).
P/1 – Descreva pra gente um pouco como seus pais são. De temperamento mesmo, personalidade.
R – A minha mãe, uma mãezona, companheirona, é meu refúgio assim, tudo que eu preciso, eu falo com ela, converso com ela. Ela me passa algumas orientações. Eu tava conversando hoje mesmo com uma colaboradora aqui e falando: “Ai, às vezes minha mãe nem fica preocupada, mas ela nem ajuda, mas só o fato de ela falar: ‘Pode deixar que eu vou rezar por você’, ela já tá fazendo. Já que você não pode fazer nada, me ajudar, então reza. Reza que você já vai me ajudar”. O meu pai...
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Projeto Nestlé - Ouvir o outro compartilhando valores – Pronac 128976
Depoimento de Marcela Carvalho de Camargo Alves
Entrevistada por Tereza Ruiz
Caçapava 14/08/2014
Realização Museu da Pessoa
Entrevista NCV_HV_49
Transcrito por Liliane Custódio
P/1 – Então primeiro, Marcela, eu vou pedir pra você falar pra gente seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Tá. É Marcela Carvalho de Camargo Alves, nasci em seis de abril de 1984, em Taubaté.
P/1 – Agora o nome completo dos seus pais, e se você souber, data e local de nascimento deles também
R – Não sei. Só sei a data de aniversário, o ano eu não sei (risos).
P/1 – Tudo bem (risos). Pode ser o nome completo e local, você sabe, de nascimento?
R – Eu sei. Eu deduzo (risos). Então minha mãe é Lígia Maria de Carvalho, seis de janeiro, em Taubaté, na cidade de Taubaté. O meu pai é José Ernesto Freitas de Camargo, ele é dez de dezembro, São Paulo.
P/1 – E o que seus pais fazem profissionalmente?
R – Olha, minha mãe é dona de um bar e ela trabalha em Taubaté nesse bar. O meu pai é empresário, ele trabalha com rádio desde que eu me conheço por gente, lá em São Paulo.
P/1 – E sua mãe é dona de um bar. Tem um nome esse bar?
R – Reduto do Samba, o nome do bar.
P/1 – É um bar de samba então.
R – É um bar de samba (risos).
P/1 – Descreva pra gente um pouco como seus pais são. De temperamento mesmo, personalidade.
R – A minha mãe, uma mãezona, companheirona, é meu refúgio assim, tudo que eu preciso, eu falo com ela, converso com ela. Ela me passa algumas orientações. Eu tava conversando hoje mesmo com uma colaboradora aqui e falando: “Ai, às vezes minha mãe nem fica preocupada, mas ela nem ajuda, mas só o fato de ela falar: ‘Pode deixar que eu vou rezar por você’, ela já tá fazendo. Já que você não pode fazer nada, me ajudar, então reza. Reza que você já vai me ajudar”. O meu pai é mais serião, mais conservador, então nem tudo eu conto pra ele, porque ele já: “Não é assim, é assado”. Mas ele também acaba sendo um espelho pra mim do que eu quero ser na minha vida, do que eu escolhi ser, a profissão. Ele acaba sendo um grande mestre, um orientador de profissão mesmo, do que eu faço, algumas decisões importantes, profissionalmente, eu sempre corro pra ele. Então assim, eu acho que meu pai, eu vejo mais como... Orienta-me, mas no lado profissional assim de crescimento mesmo. A minha mãe é mais aquele lado pessoal de melhorar com uma pessoa mesmo, como pessoa, meu crescimento e desenvolvimento mais humano. Então eu tenho essas duas partes muito bem divididas.
P/1 – E complementar também.
R – É. Sim. Um completa o outro (risos).
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho. Tenho um irmão por parte de pai, ele é dez anos mais novo que eu, ele tem 20 anos, me dou super bem com ele. Embora a gente não tenha aquele relacionamento de todos os dias, de irmão, mas quando a gente se vê, a gente sempre se dá muito bem e conversa, enfim. É um fofo.
P/1 – Como ele chama?
R – Lucas.
P/1 – Ele tá na faculdade agora.
R – Tá. Tá na faculdade. Fazendo Administração. Começando a trabalhar, mas ainda vai encarar o começo da vida mesmo de mercado de trabalho, enfim.
P/1 – Conta pra gente um pouco então como era a casa em que você passou a infância. A casa, o bairro, descreve mesmo.
R – Nossa, eu acho que hoje em dia eu me lembro dessa casa, me dá uma saudade. Hoje em dia não tem mais de brincar na rua, daquelas casas compridas. Nossa, morava todo mundo junto, porque meus pais são separados desde que eu sou pequenininha, então eu sempre morei com a minha mãe e com a minha avó. E meu pai sempre morou em São Paulo, então era um relacionamento já desde o início não tão assíduo, não tão frequente. Mas eu lembro que morávamos eu, minha avó, minha tia, minha bisavó, então morava todo mundo numa casa enorme. E eu lembro que eu brincava muito na rua, eram os vizinhos assim... Um deles, a gente tem um bom relacionamento até hoje, que são um dos melhores amigos da minha mãe, então a gente tem um ótimo relacionamento. Mas eu me lembro dessa fase assim de brincar, da inocência boa, de pega-pega, esconde-esconde, enfim, pular corda, de elástico. Eram brincadeiras saudáveis, que hoje em dia a gente não tem mais. É uma lembrança muito boa de todo mundo junto, de Natal todo mundo junto. É bem gostoso de se lembrar de estar todo mundo junto, porque aí o tempo vai passando. A minha avó mora no mesmo pedacinho, só que reformou, tá numa casa menor. Hoje mora ela, a irmã dela, que é minha tia que sempre morou, com um sobrinho. Mas minha mãe mora em outra casa, minha outra tia já também mora em outra cidade, a minha bisavó faleceu. Então assim, acabou distanciando um pouco, não era aquela coisa gostosa de estar todo mundo junto. É uma infância gostosa de se lembrar.
P/1 – Você falou de algumas das brincadeiras de infância, você tinha alguma brincadeira favorita?
R – Tinha de queimada. Que eu era muito boa na queimada. Era a única brincadeira que todo mundo me queria no grupinho.
P/1 – E onde vocês brincavam de queimada?
R – Na calçada (risos). Literalmente na calçada. Minha avó morava no Centro, mas o Centro naquela época não era aquela coisa cheia de carro, cheia de comércio, ainda não era do jeito que é hoje. Então tinha mais casas, era um pouco menos movimentado, então a gente brincava na calçada. Passava giz assim na calçada e dali a gente fazia a nossa área de lazer. E assim, quando tava chovendo, sei lá, por algum motivo, minha avó tinha um quintal enorme, que tinha um pé de amora incrível, que minha bisavó pegava quase todos os dias pra mim. E lembro que ela punha num potinho. Eu chegava da escola, almoçava... Eram, tipo, duas casas em uma casa, então eu almoçava quando eu chegava da escola, depois eu ia lá à casa da minha bisavó, que era lá nos fundos, e ela já tava com um potinho de amora me esperando. Porque eu amava amora, então ela ia lá e pegava do pé. E eu lembro que a minha roupa era sempre manchada de amora e minha mãe queria me matar, porque manchava e não saía. Então tinha esse, voltando aí, tinha esse quintal também maravilhoso, que tinha um jardim, que minha avó gostava de aguar as plantas. Que tinha umas flores uma mais linda que a outra. Não era nada de horta assim. Tirando a amora, era flor mesmo. Era rosa, era margarida, eram todos os tipos de flor que ela tinha. E era o máximo. Então ou era na calçada, ou era no quintal.
P/1 – Você sabe qual a origem da sua família?
R – Qual o quê?
P/1 – A origem da sua família?
R – Então, a minha tataravó é italiana, era italiana, então eu sempre pensei por aí. Porque minha mãe também um dia me falou. Não cheguei a conhecer, lógico, mas italiana.
P/1 – Mas é distante.
R – É. É bem distante. Bem distante.
P/1 – E nessa época de infância, como eram as refeições na sua casa? Quem cozinhava? O que vocês comiam? Como era o momento da refeição?
R – As refeições eram preparadas pela minha avó. Minha mãe trabalhava, eu ficava na escola, e eu estudava à tarde. Então de manhã eu acordava, fazia tarefa, eu fazia tarefa na mesa da cozinha enquanto minha avó preparava o almoço. Então eu lembro que já nove horas da manhã minha avó já tinha chegado... Já tava em casa de novo, já tinha comprado as coisas para o almoço, já tava assim, a todo vapor cozinhando. Então ela escolhia feijão, eu a ajudava escolher o feijão, que eu lembro que na época escolhia-se feijão. Enquanto eu fazia tarefa, ela cozinhava. Quando eu tinha dúvida, ela parava, ia. Quando eu terminava de fazer a tarefa, eu a ajudava, lavava a salada, mexia o arroz. Eu lembro que ela no mexer o arroz, ela fazia tipo uma musiquinha, e eu lembro que eu queria sempre fazer uma musiquinha com o barulho da colher de pau mexendo o arroz, então era uma coisa que eu sempre segui nela. E aí eu falava, falava: “Nossa, que queria cozinhar”. Porque pra mim era uma profissão (risos) o que a minha avó fazia. E eram todos reunidos. Minha mãe saía do trabalho, na época, almoçava em casa, e depois voltava para o trabalho, e aí eu ia pra escola. Então eu me lembro da mesa cheia de gente.
P/1 – Nessa mesa da cozinha?
R – Nessa mesma mesa da cozinha que eu fazia minha tarefa. Então ela era cheia de gente, todo mundo almoçando junto.
P/1 – E o que vocês comiam? Você lembra qual era a base da alimentação, como era a comida do dia-a-dia?
R – Nossa, arroz e feijão eram sagrados. Sagradíssimos. Ah, carne, sempre a salada, suco. Minha avó sempre fazia suco. Minha mãe batia um suco muito doido, que na época eu não gostava, mas minha mãe me mandava tomar. E hoje, por incrível que pareça, eu sigo esse caminho. Batia beterraba, cenoura, laranja, às vezes colocava mel, e aí ela ia mudando. Eu lembro que eu não gostava, mas ela sempre desde pequena: “Vai tomar, que faz bem”. Então assim, sempre tinha aquele horário do suco, aquele horário da colherada com mel, que fazia bem, mel com própolis. Então eu lembro muito disso. Da sopa quando era inverno, minha mãe fazia aquela sopa reforçada, que eu lembro também. Mas era bem completa. O almoço, as refeições, eram supercompletas. De salada, de uma proteína, vamos dizer, e arroz e feijão assim. Eu lembro que era sempre arroz, feijão, arroz, feijão. E uma mistura e a salada, e sempre o suquinho lá.
P/1 – Você tinha um prato favorito?
R – Na época, deixe-me pensar. Pastel. Adorava o pastel da minha avó, porque minha avó fazia desde a massa até o recheio. Eu adorava. Eu lembro muito de comer o pastel, que eu tinha sempre um jeito que eu tinha descoberto na época. Eu abria o pastel... Era pastel de carne, eu abria o pastel, colocava o arroz e o feijão dentro do pastel, fechava-o de novo e comia com o arroz e o feijão dentro. Então eu me divertia comendo. Aquilo pra mim era uma diversão. Então foi bem marcante na minha infância.
P/1 – E da escola? Quais são as primeiras lembranças que você tem da escola?
R – Nossa, eu estudei numa escola que lá eu fiquei até a oitava série, que hoje é nono ano. Poxa vida.
P/1 – Como era essa escola? O que te vem quando você pensa nela? Quais são suas primeiras lembranças que vêm? Como era a estrutura? Como era a escola? Como você ia pra escola?
R – Eu vou ser sincera aqui (risos). A escola era uma escola que era uma das melhores escolas na época, então minha mãe sempre fez muita questão de pelo menos as escolas serem as melhores. Então meu pai mandava esse dinheiro e eu frequentava as melhores escolas. Mas era uma escola que tinha muita gente classe A, e a minha realidade não era classe A. E eu lembro que a gente não tinha carro, eu tinha que ir a pé pra escola. Era até engraçado, porque eu não era igual as outras, então eu tinha meio que ralar pra poder... Pelo menos na questão de estudo. Ralava bastante, viu? Mas o que eu lembro muito da escola quando fala de escola, eu lembro muito dessa diferença, que eu sentia bastante. E no meu convívio de amizades tinha o quê? Mais uma amiguinha só, na época, que era igual, que tinha a mesma situação que eu, o resto era tudo muito bem financeiramente, então vem muito a minha cabeça isso, dessa diferença financeira, que era engraçado. Eu ia pra escola, eu ia pé e voltava a pé, e todo mundo de carro. Era uma coisa que marcou, na verdade..
P/1 – E pra criança é forte essas diferenças, adolescentes, tal.
R – É.
P/1 – Você se lembra de alguma história nesse sentido que tenha te marcado?
R – Ah, não. Que eu tenha passado assim, acho que não. Depois eu mudei de escola quando eu fui fazer o colégio, eu morei fora, e aí a gente tem outra visão de tudo. Mas até então eu tinha isso. Mas assim, nada que atrapalhasse no meu relacionamento, nas minhas amizades. Não, não era nada disso. Mas era uma coisa que eu percebia e que me incomodava na época, que eu sentia, mas vivia a vida, enfim.
P/1 – Você lembra o que você queria ser quando crescesse, nessa fase de infância ou começo de adolescência?
R – Olha... Nossa! Putz, eu lembro que chegou uma época que eu queria ser professora, que eu brincava muito de ser professora. Então eu punha todas as minhas bonequinhas e eu era professora das minhas bonecas. Teve uma época que tinha as paquitas da Xuxa, e eu queria ser paquita. Então teve uma época que queria ser paquita. Então fiz minha mãe comprar roupa de paquita e eu seriíssima assim. Ensaiava todos os dias, porque na minha cabeça, alguém ia me ver e ia me chamar pra ser paquita. Então (risos)...
P/1 – Mas você não chegou a fazer teste, nada?
R – Não. Não cheguei a fazer nada. Nada. Eu sempre gostei muito de animal. A minha família, a minha avó sempre gostou muito de gato, então na minha infância teve uma época... E a casa dela era muito grande, então teve uma época que tinha 14 gatos naquele quintal imenso. E cada cria que dava, a gente ficava com um gatinho, porque eu chorava porque eu queria ficar com um gatinho, tinha dó de dar. Então assim, tinha época que eu quis cuidar de animal, queira ser veterinária. Então assim, acho que ia de acordo com as fases. Mas nada assim, nada muito focado assim “ah, sempre quis ser isso”. Não, eu era muito de acordo com as fases da minha vida.
P/1 – E nessa fase de infância, e aí antes de entrar na adolescência, tem alguma coisa que você tenha vivido, uma história que tenha ficado? De qualquer tipo. Essas coisas que ficam na memória, uma história marcante, um episódio. Talvez que a família se lembre, sabe, a mãe, que lembre até hoje.
R – Ah, eu lembro que o Natal era muito vivo, muito presente de lembrança, de marcado assim na época. Porque era muita gente, então era o momento que todo mundo se reunia. Então, assim, a minha avó montava presépio. Eu a ajudava montar presépio. E os presépios assim, gigantes. Ela tinha bichinhos. Porque o meu avô, eu não cheguei a conhecê-lo. Eu nasci, passaram alguns meses, ele faleceu. Só que o meu avô trabalhava na CTI, que era uma empresa superantiga de Taubaté, na cidade de Taubaté. E ele mexia com eletricidade, enfim. E ele montava... O hobby dele em casa era construir as coisas e dar vida às coisas, então ele montava presépio, então ele fazia poste de luz nos presépios, tinha laguinho que fazia barulho, sabe? Tinha personagens que dançavam e que... Aí tinha o menino Jesus. Então assim, tinha muita coisa. E tinha vida naquilo tudo. E ele deixou isso como uma herança, vamos dizer assim, pra família.
P/1 – Onde vocês montavam?
R – Na sala. E eu lembro que isso era muito gostoso na infância. E me marcou, porque a minha família é muito festeira. Os amigos costumam dizer que: “Ah, é só comprar uma Havaiana que é motivo de festa. Junta todo mundo e começa a comemorar, e faz churrasco, aquela coisa toda”. Então a gente sempre foi muito festeiro, eu cresci com isso. Então tinha essa coisa de montar o presépio e de arrumar a casa inteira, de enfeitar, de papai Noel e de tudo. E o próprio Natal, de fazer ceia. Era comida assim... Nossa! E antes do Natal sempre passava E.T.. Nossa, era um filme que todo ano passava, E.T.. Então assim, eu assistia com a minha bisavó, aí depois que acabava o E.T., a gente ia pra sala. Quando chegava à sala, todos os convidados já estavam na sala, música rolando. E minha avó afastava sofá, aí a sala ficava enorme. E recebia tio, tio vinha lá de Minas. Então era uma coisa muito gostosa. Então acho que eu tenho muito isso marcado na minha vida assim, essa questão de viver.
P/1 – E o Natal forte.
R – E o Natal forte, que hoje em dia já não é mais. A família foi se separando. Hoje a minha avó mora num apartamento, não é mais naquela casa. As pessoas, querendo ou não, foram tomando um rumo, por exemplo, a minha tia, que é a outra filha da minha avó, era mora em São Sebastião, tem a família dela, então ela não vem mais, ela passa lá, já tem algum tempo. Então assim, hoje o Natal é bacana, mas assim, nunca vai ser como foi um dia, entendeu? Então foi bem marcante por causa disso. E engraçado todo Natal que a gente passa hoje em dia, a gente lembra. Acaba que a gente ceia e fica conversando, aí a conversa vem, sempre remete às lembranças do Natal de antigamente. Então todo Natal a gente tem essa mesma lembrança.
P/1 – Vocês montam presépio ainda, esse presépio?
R – Não. Não. Não mais. “Malemá” uma arvorezinha de Natal na sala da minha avó (risos). Mas não mais. Deveríamos, mas hoje em dia eu nem... Acho que ela até jogou fora as coisas.
P/1 – E nessa transição da infância pra adolescência, você tava no mesmo colégio, até a oitava você ficou, né?
R – Isso.
P/1 – O que mudou na sua vida em termos de amizade, de lazer? O que você fazia pra se divertir? Quais foram as principais mudanças da infância pra adolescência?
R – Nossa, mudou muito, absurdamente. Quando eu comecei a fazer o colégio, eu já... Primeiro que mudou pela escola, porque eu estudei na outra escola desde que eu era bebê, que eu engatinhava, até a oitava série, na época. E aí mudou tudo. Eu fui pra outra escola, fiz o primeiro ano. No segundo ano, eu fui morar nos Estados Unidos. Não, do segundo para terceiro ano. No meio do segundo ano eu fui morar nos Estados Unidos. Então eu terminei o terceiro ano lá, me formei lá, fiquei um ano lá. Então eu saí daqui do Brasil, eu tinha 17 anos. E por ser filha única aqui, por parte de mãe, eu não sabia nem pegar ônibus sozinha. E com 17 anos, eu fui pegar um avião sozinha. Então assim, eu tinha consciência de que era uma coisa boa pra mim, de ir morar, e tem toda essa questão do idioma, e toda essa questão de “vamos crescer, vamos ser alguém”, toda aquela coisa do meu pai em cima de mim. Mas foi realmente o divisor de água.
P/1 – Mas como foi essa decisão de fazer um intercâmbio?
R – Então, meu pai falou pra mim, falou: “Vamos. Você vai, já paguei”. E foi assim que eu fiquei sabendo, sempre do jeito que foi meu pai. Ele nunca perguntava, ele: “Você vai. Você vai fazer”. E assim foi. E quando eu recebi a notícia, eu lembro que eu chamei demais e fui pra minha mãe: “Mãe, meu pai falou que já pagou e que agora não tem saída”. E comecei a chorar. Porque ele me avisou, faltavam seis meses pra eu ir embora, então aqueles seis meses voaram. A minha mãe tentando fazer aquele meio de campo, mas assim, ao mesmo tempo em que ela sentiu, porque a gente até então nunca tinha ficado separadas, ela: “Não, você tem que ir”. Dando o maior apoio. “Uma oportunidade única, quanta...” Aí entra: “Quanta gente queria, quantas pessoas queriam estar no seu lugar, e vai”. E essa questão do idioma pegou muito, porque a família do meu pai, todo mundo sempre falou inglês, todo mundo sempre muito viajado, todo mundo já tinha passado muito a adolescência... Todo mundo era muito aberto ao mundo lá fora. São Paulo é muito diferente da vida do interior, principalmente na época muito tempo atrás. Então eu acabava me sentindo um pouco inferior, porque eu era a única da família que não entendia nada de inglês. Então eu sabia que eu precisava ir, que eu precisava aprender. Todo mundo aprendia, por que eu não? E fui. E acabei indo. E eu lembro que no avião eu chorava tanto, eu acho que foi a pior viagem da minha vida assim. Porque eu entrei sozinha e aí foi inevitável a despedida no aeroporto, que também foi outra coisa horrível. Então eu sou muito assim. E eu lembro que já no aeroporto eu não queria abraçar ninguém. Que eu tinha aquilo na minha cabeça, que se eu abraçasse, eu não ia, eu ia ficar. E foi muito louco, porque eu dei tchau e não abracei ninguém. E minha mãe, minha avó, que eram mais ligadas, ficaram inconformadas, achando que elas tivessem feito alguma coisa. E eu só fui descobrir isso quando eu voltei, um ano depois. E aí eu fui. Mas eu chorei tanto no avião, que eu lembro que uma aeromoça veio perguntar se tava tudo bem, se eu precisava de ajuda. E eu lembro que o voo tava vazio, não era aquele voo cheio. E aí a aeromoça sentou do meu lado, e ficou, e me acalmou. E eu lembro que assim, eu não queria comer nada, então chegou o jantar, chegou a comida pra eu comer no avião, eu não comi, chegou o café da manhã, eu não comi. No café da manhã ela veio de novo: “Você precisa comer, senão você vai desmaiar”. E eu não queria. Então assim, foi muito marcante esse primeiro momento que eu encarei assim sozinha. E eu lembro que eu tive que fazer um... Eu ainda tinha que fazer uma conexão em Nova Iorque. Então eu desci em Nova Iorque e tive que pegar outro avião. Nossa, então eu cheguei a Nova Iorque, nossa, aí eu desabei mesmo. Eu pensei que não podia mais desabar, mas foi de novo. E eu liguei do orelhão pra minha mãe e chorava: “Mãe, eu quero ir embora, eu não sei o que eu faço. Eu to aqui, eu preciso pegar outro avião, mas não sei pra onde eu vou. Eu não sei qual chek-in, onde eu tenho que fazer o chek-in, eu não sei nada”. E minha mãe começou a chorar do outro lado do telefone, porque... E eu fiquei mais desesperada ainda. Ela falou assim: “Calma! Respira e vai. Pergunta, gesticula, fala português, enfim, alguém vai ter que te... Mostra a passagem”. No fim deu tudo certo, eu cheguei lá... Assim, o primeiro mês foi bem assustador.
P/1 – Pra onde você foi?
R – Eu fui pra Connecticut, que é uma hora e meia de trem até Nova Iorque. E foi uma superexperiência. Foi onde eu aprendi a ser gente. Foi onde eu aprendi a lavar as minhas roupas, a ter responsabilidade. Então assim, eu acordava... Teve uma época que e acordei doente e falava: “O que eu faço? Eu vou pra escola ou não vou? Eu tomo remédio?”. Então assim, foi onde eu precisei me virar. Foi onde eu aprendi outro idioma, que foi pra isso que eu fui. Então assim, a minha escola, na época, era um corredor, no colégio, e aquilo se resumia no meu colégio, era um corredor e tinha umas salas e pronto. Quando eu cheguei lá, eu ganhei um mapa da escola. Então tinha mapa. Quando eu olhei, eu falei: “Aonde eu vou? Que sala eu vou? Com quem eu falo?”. Então assim...
P/1 – Era um colégio comum, uma High School normal?
R – Um colégio público. Uma High School normal. Realmente, assim, eu cheguei com a cara e com a coragem, em tudo.
P/1 – Você não falava nada de inglês?
R – Nada. Mas assim, “malemá” saía meu nome. Então foi duro. Mas dizem que a gente só aprende assim, quando a gente tem alguma dificuldade, quando a gente dá um tropeço assim, que a gente realmente aprende e valoriza as pequenas coisas da vida.
P/1 – E qual foi sua impressão? Quando você chegou lá, onde você foi morar? Qual foi sua impressão da cidade, da cultura? Conte um pouco pra gente.
R – Então, a cultura, eles são muito frios. Muito frios. Então eu morei numa casa... Eu morei em duas casas. Então no primeiro, eu morei numa casa que era um casal e eles tinham um bar, e tinha três filhos, crianças. Então eu lembro que um era de cinco, outro tinha sete, outro tinha 11, então assim, na hora que eu cheguei, eu falei: “Meu Deus, onde eu estou?”. Então as crianças ficavam muito comigo. Eu lembro que no primeiro mês eu até brincava de esconde-esconde com elas, porque eu falei: “Bom, elas vão ser minha escola pra eu aprender o inglês”. Então me puxava muito pra conversar com elas, pra ter paciência com criança, porque três, cada um de uma idade, então assim... E os pais, eles tinham bar, então eles não tinham muito tempo pra ficar: “Como você tá? Como...”. Não. Então eu já senti daí. O meu choque inicial foi daí. Então assim, no primeiro dia ela me recebeu e falou: “Olha, aqui é roupa de cama, quando você precisar, você troca. Aqui é a máquina de lavar, ela funciona assim, quando você precisar, você lava suas roupas. Máquina de secar. Aqui é o banheiro. Ah, a faxina da casa é toda quarta-feira”. Ou seja, eu tinha que fazer faxina, coisas que eu nunca fiz na vida, nunca tinha feito. Eu falei: “Ahã”. Então a gente ia assim: “Tá. Tudo bem”. Então eu fui dançando conforme a música e fui. Então assim, a minha primeira impressão foi de... Eu lembro que eu pus um calendário no meu quarto e que eu ia riscando os dias: “Nossa, faltam tantos dias pra eu ir embora”. Eu lembro assim: “Faltam 312 dias pra eu ir embora”.
P/1 – E na escola?
R – Na escola é outro mundo. Outro mundo. A impressão que eu tinha era assim, eu fazia amizade com uma pessoa, no dia seguinte parecia que eu não a conhecia, porque não é aquela coisa receptiva, aquele calor brasileiro que a gente quer, tratar bem, receber bem e falar, enfim. Não, lá não tinha isso. E lá eram aulas diferentes. Então assim, eu fazia uma aula com uma turma, fazia outra aula com outra turma, e assim ia. Então eu fazia amizade com a fulana, aí eu ia embora pra casa assim: “Ai, conheci fulana, que bom, conheci mais uma pessoa”. Mas na aula seguinte, a fulana “malemá” olhava pra minha cara. Então eu falava: “Meu Deus”. Então assim, pra mim era cada dia uma conquista, cada dia um dia novo. Eu acordava assim, como será que vai ser hoje? Até que eu conheci um anjo. Na verdade, dois anjinhos na minha vida, que foi uma menina, que ela tinha se mudado também, americana, só que ela se mudou de estado. Então ela era recente lá, então ela também tava se sentindo um peixe fora d’água, e eu fazia uma aula com ela e a gente começou a conversar. E assim, eu acho que nada é por acaso nessa vida. Então acho que Deus a colocou no meu caminho pra me confortar, porque até então eu tava sempre vivendo no meu limite. Ainda eram frequentes os dias que eu ligava pra minha mãe chorando, que eu queria ir embora. Então assim, eu conversava com muitas pessoas no Brasil, através de carta, porque na época tava começando os e-mails, então pouquíssimas pessoas tinham e-mail, e as pessoas falavam: “Ah, os três primeiros meses são difíceis, depois que o negócio começa a melhorar”. Aí passaram os três meses, eu falava: “Não. Mentira. Continua difícil”. Então não passava aquela coisa de... Eu não tinha um dia de: “Nossa, to feliz demais”. Sabe aquele dia que você acorda bem e fala: “Ah, que feliz”? De dar risada até a barriga doer? Eu não tinha passado aquilo ainda. E eu comecei a viver isso, a sentir isso quando eu conheci essa menina. Porque ela virou assim, minha best friend, entendeu? E foi daí que eu comecei a viver, de fato, a minha vida no mundo americano. E foi aí que o meu inglês cresceu, fluiu. E eu fui morar com ela. Eu liguei pra minha mãe, falei: “Posso?”. E conheci a família dela, a família dela era demais. Então assim, foi muito engraçada essa visão que eu tive. A primeira família, eles tinham dinheiro, não é que eles tinham dinheiro, eles tinham uma condição melhor. Eu vivia melhor, eu vivia num quarto só meu, eu tinha um banheiro só meu, eles tinham uma condição boa, eles tinham dois carros. Então assim, essa família era muito louca, porque eles moravam numa casa que tinha um banheiro, e a família inteira se resumia em 11 pessoas, porque era o pai e a mãe... Não, eram dez pessoas. Era o pai a mãe, a mãe tinha quatro filhas do primeiro casamento, o pai tinha quatro filhos do segundo casamento, filhas também, e eles se juntaram, então a família eram dez pessoas, comigo, 11, com um banheiro. E eu dividia o quarto com mais quatro pessoas. Eles fizeram do porão... O porão fica embaixo, né? Eles fizeram do porão um quatro gigante, então nesse quarto gigante que eu me encaixei. E eu dividia a cama de casal com uma das meninas. Então assim, era uma coisa assim, as minhas roupas, eu colocava numa prateleirinha assim, mas foi a época mais feliz e mais importante da minha vida, de ver onde estavam realmente os valores da vida, felicidade, e que não se tratavam de coisas materiais, muito pelo contrário, era de sentimento, de pessoas que faziam diferença na minha vida. Foi aí que eu enxerguei um mundo de uma forma mais humana e que eu levo comigo até hoje. Foi uma lição de vida. Mais que isso, quando teve o atentado do 11 de setembro, eu tava lá, fazia um mês que eu tava lá. E assim, o meu inglês ainda não funcionava muito bem, e eu tava na escola, e isso também me marcou muito. Eu lembro que eu tava tendo aula, eu não entendia nada que o cara falava, então eu ia pra escola e ficava lá viajando no que ele falava. E ele ligou a televisão e todo mundo começou a ver, e eu também comecei a ver televisão. E todo mundo: “Olha, olha”. Eu falei: “Gente, esse filme tá muito real que esse cara tá passando”. E eu achando que fosse um filme, que fazia parte da aula. E quando eu vi que o negócio era sério, eu fiquei assim, superassustada. E eu fui entendendo aos poucos o que tava acontecendo, eles dispensaram a gente mais cedo da aula. Eu tentei ligar pra minha mãe, as linhas congestionadas e não conseguia falar com ela. Eu falei: “Pronto, morri”. E longe da minha mãe, da minha família.
P/1 – Você se lembra da reação das pessoas assim?
R – Lembro. Lembro. Só caiu a ficha que era real, que uma menina da minha sala, o pai trabalhava em uma das torres. E quando o segundo avião atingiu a segunda torre, ela entrou em choque. Ela ficou em pânico. Eu falei: “Ai meu Deus, o negócio é sério. É de verdade”. Porque o segundo foi ao vivo, todo mundo viu, então foi muito intenso tudo. Então eu lembro muito da reação das pessoas e lembro muito das pessoas me perguntando no corredor de que forma eu tava gostando dos Estados Unidos, porque fazia um mês que eu tava lá, e todo mundo: “E aí, você tá gostando? Qual a sua impressão daqui?”. Porque nem eles estavam acreditando naquilo que tava acontecendo. E eu lembro que todo mundo queria saber a minha opinião sobre o país deles. Então era muito louco. É engraçado as pessoas quererem saber a minha opinião. E eu lembro que eu era a única estudante de outro país lá fazendo intercâmbio lá no momento, então todo mundo queria falar comigo. E eu queria falar com todo mundo, só que eu não sabia falar inglês, então eu tinha essa dificuldade. Mas foi. Depois teve aquele caso do antrax, daquele pó branco, e a primeira mulher que morreu foi da minha cidade. E a gente se falava por carta com a minha família, então eu tinha medo até de pegar carta. Teve um dia que eu cheguei à escola, logo de manhã os funcionários da escola, que abriam a escola, eles acharam um envelope com um pó branco. E eu lembro que eu cheguei à escola e a escola tava inteirinha lacrada, polícia por toda parte, e a diretora lá no mega fone pedindo “pelo amor de Deus que todo mundo não ultrapassasse aquela faixa, porque senão ia morrer”, porque eles são bem trágicos. “E todo mundo vai embora pra casa.” E eu fui embora pra casa mais assustada, porque isso foi dias depois do atentado. Eu falei: “Meu Deus, eu vou morrer aqui e não vou...”. Então isso foi muito intenso também, tudo isso. Mas hoje, mais de dez anos depois, eu vejo o quão valioso foi, o quão isso foi importante para o meu crescimento, o quão isso me ajudou a ser gente, a ser humana, a ser humilde, a ver valores em outras coisas. Porque a gente quando é adolescente, a gente é meio cri-cri, a gente é meio chato, a gente se prende a muitas coisas materiais. E não é por aí. Então eu aprendi muita coisa. Então foi um momento incrível na minha vida.
P/1 – Você ficou um ano, foi isso?
R – Fiquei um ano.
P/1 – E como foi voltar?
R – Ah, outro peixe fora d’água. Nossa! Primeiro que eu voltei 15 quilos mais gorda, então quando eu cheguei aqui, todo mundo, a primeira impressão, antes de me abraçar, foi: “Nossa, como você engordou”. A minha mãe olhou pra mim e falou: “Meu Deus, vamos fazer alguma coisa” (risos).
P/1 – A alimentação é muito diferente.
R – É muito diferente. E mulher, enfim, e muito frio, seis meses de inverno, aquela neve, aquela coisa. Mas me senti um peixe fora d’água. As coisas estavam da mesma forma, exatamente da mesma forma. Você vive um mundo, outro mundo. E engraçado que eu sentia falta daquela rotina dos Estados Unidos. Eu sentia falta da família, meu Deus, aquela família louca de dez pessoas, cada um com um jeitinho diferente e a gente se dava super bem. Então assim, primeiro que você volta, meio que você já não fala muito bem português, aquela mistura muito de pensamento, de idioma, aquelas coisas. Bom, até pegar no tranco de novo foram alguns dias, bons dias aí. Porque eu voltei já prestes a decidir o que eu queria ser da minha vida. Eu já tava formada e precisava começar a faculdade, então é outro dilema, não tinha noção. E eu cheguei par ao meu pai, falei: “Vamos negociar? Eu preciso passar três meses na Itália, estudando italiano, sempre meu sonho. Eu tenho18 anos, não preciso entra na faculdade agora, posso?”. Ele: “Tudo bem. Vai. Três meses lá, eu pago, não tem problema”. E fui eu de novo. Eu cheguei em julho dos Estados Unidos, fiquei até dezembro, em janeiro eu tava indo para Itália, a intenção era passar três meses. Bom, a Itália foi bem mais suave, vamos dizer assim. Eu já tinha tido uma experiência, então eu tava mais preparada. E todo mundo pergunta: “O que você gostou mais: a Europa ou os Estados Unidos?”. Eu digo que são experiências incríveis e cada uma com seu conteúdo. É muito diferente. Eu acho que os Estados Unidos foi uma coisa de “vai crescer, vai virar gente”. E a Itália foi uma coisa muito de “conheça o mundo, aprenda outras cultura, conheça outras pessoas”. Porque aí eu fui pra estudar o idioma, então fui a uma escolinha, todos os dias eu fazia um curso, então fui lá... Só que era bem mais light. Era um curso pra aprender o idioma e era um curso de... Era Língua Viva, chamava a escola. E era só estrangeiro, então tava todo mundo igual a mim. Todo mundo era estrangeiro, então todo mundo se tinha. Era muito intenso o relacionamento lá, a cumplicidade, a amizade que todo mundo tinha, inclusive com os professores italianos. Então assim, a gente combinava passeios em Museu com os professores, sei lá, no barzinho à noite a gente ia, então eu conheci pessoas cada um de um canto do mundo. Então foi incrível assim. E era uma escola que não só ensinava o idioma, mas como fazia os passeios com a gente, cultural. Então tinha passeio pra museu, tinha passeio para as cidadezinhas vizinhas. Então era uma coisa muito enriquecedora na vida.
P/1 – Você foi pra Roma?
R – Fui. Fui pra Roma, fui pra Milão, fui para as outras cidades pequenininhas, fui pra Veneza, conheci Amsterdã, fui pra França, fui pra Alemanha. Porque lá era de trem e era tudo muito barato. Então, assim, eu falei: “Bom, vou conhecer esse mundão”. Então eu já tinha outra visão, a menina do interior não era mais acanhada, não tinha tanto medo de conhecer o mundo, de conhecer o que tinha aí afora pra apresentar pra mim.
P/1 – E você se lembra dessa viagem pra Itália e pra esses outros países próximos? Você se lembra de algum episódio mais marcante, mais significativo?
R – Lembro. Eu lembro que era pra eu passar três meses e eu gostei tanto que eu comecei a trabalhar. Eu cheguei para o meu pai, liguei, falei assim: “Olha, você me ajuda?”. Porque eu morava numa casa de família, então eu morava com uma senhorinha italiana que ela fazia desde a massa da pizza, que cozinhava. Bom, a gastronomia de lá não tem o que falar. Então eu vivi muito essa coisa de Itália, sabe, a cultura deles: o primeiro prato, segundo prato, terceiro prato, sobremesa, café. De comer bem, de tomar um vinho bom, então assim, eu tava nas nuvens. E aí eu comecei a trabalhar. Eu liguei para o meu pai, falei assim: “Olha, você consegue pagar o aluguel da família lá, que é mais caro? E eu me sustento aqui com o meu dinheiro, já to trabalhando”.
P/1 – Com quê você tava trabalhando?
R – Então, a gente sempre frequentava um bar, um barzinho lá, e era um bar e tinha uma balada, e aí tinha essa coisa de promotor de balada, de entregar flyer, de conhecer gente, de levar as pessoas pra esse bar. Eu cheguei para o cara, falei: “Posso trabalhar aqui?”. Ele falou assim: “Pode”. Ele foi super-receptivo. Nunca foi tão fácil. Ele falou: “Pode. Olha, estão aqui os panfletos, distribui, toda pessoa...”. Eu tinha que por meu nome, aí a pessoa entrava na casa e dava o flyerzinho, então eles tinham o controle de quantas pessoas eu mandava pra casa, pra balada. E foi o máximo. Foi o máximo. Eu lembro que à no... Nossa, eu lembro num frio de Europa, de luva, de casaco, andando na rua feliz e contente distribuindo flyer de balada pra todo mundo, de barzinho. E conhecia as pessoas e conversava, porque eles são tão receptivos quanto os brasileiros, tão calorosos e coversam, e falam, e falam alto, e gesticulam. E eu achava o máximo. E eu me senti em casa. Então foi assim, eu me dei super bem desde o início. E me lembro disso, me lembro dessa coisa de, tipo, “pai, to trabalhando e quero ficar, vou embora em julho só, to super bem”. E me lembro das viagens, me lembro das gafes que eu dava. Putz, fui pra Alemanha, fiquei duas horas perdida. Eu não falava alemão... (corte no áudio).
P/1 – Então retomando a sua experiência na Itália, você tava falando de gafes na Alemanha.
R – É. E que eu fui pra Alemanha, eu lembro que eu peguei uma promoção assim, mega promoção de avião mesmo, mas aqueles aviões teco-teco, sabe? De voo doméstico, que ia pra Alemanha. Meu, eu cheguei, entrei no voo e soltando italiano ou inglês. E já ninguém falava, óbvio, eu to indo pra Alemanha, então todo mundo falava alemão (risos). E eu não tinha me tocado. E eu cheguei lá, e era tudo albergue, eu tinha carteirinha de albergue, então eram uns superalbergues, maravilhosos, por, tipo, dez euros. Então era maravilhoso. E eu fiquei nesse albergue que era longe pra caramba, mas peguei o mapa, e eu sempre fui horrível de mapa. E lá olhando o mapa e não conseguia chegar. E eu parava as pessoas falando inglês: “Ah, você pode me ajudar? Onde é...”. E assim, as pessoas olhavam pra minha cara, davam as costas e iam embora. Eu lembro que eu fiquei duas horas contadas no relógio pra tentar achar um ser que pudesse me dar uma atenção, porque eu não conseguia me comunicar, ninguém queria falar. Eu falava: “Gente, não é possível”. Eu lembro que eu até parei, falei: “Eu preciso tomar uma cerveja”. Porque tava difícil. Mas assim, foram essas gafes, que aí você... Fui pra Berlim: “Ah, quero ver o Muro de Berlim. Ah, porque preciso ver o Muro de Berlim, não sei o quê”. E eu lá: “Onde é o muro de Berlim?”. As pessoas falavam assim: “Então, o Muro de Berlim já não tem mais”. Eu falava: “Não, moça, eu sei que não tem mais, mas eu só queria ir onde era, pra eu tirar foto”. Olha, eu andei, eu andei, eu andei, porque falaram: “Ah, vai pra lá, vai pra cá...”. Andei, andei, andei, andei, andei, e aí eu cheguei, tinha um concreto assim desse tamanho. Eu falei: “Esse esse é o resto do Muro de Berlim?” “Ahã. É”. Eu falei: “Não acredito que eu andei tudo”. E tinha umas marquinhas no chão. Eu tive um acesso de riso, que eu falei: “Não é possível”. Mas aí, lógico, você tira foto, fala, põe mão no chão e fala: “Olha, o Muro de Berlim”. Aquela coisa. Então assim, essas gafes foram bem... Eu nunca esqueço.
P/1 – Quanto tempo você ficou? Seis meses, no final?
R – Eu fiquei seis meses, no final. E eu conheci pessoas incríveis também. Eu fiquei em Firenze, eu morei em Firenze, na Itália. Em Firenze tinha o mercadão assim, superfamoso, e era uma rua cheia de barraquinha e de gente vendendo coisas: comida, bolsa de couro, roupa, acessório. E era uma rua que você passava e tinha... E eu lembro que tinha uns brasileiros lá e eu fiz várias amizades com eles. Então eu lembro que eu saía da escola, passava lá, a gente ficava conversando, à noite a gente saía, a gente ia viajar, em Museu, e não sei o quê. Então assim, era uma coisa muito gostosa, parecia que eu tava no Brasil. Então aquela dor de saudade, de sofrimento, ela não existia. É óbvio que tinha muita saudade, mas era uma coisa saudável. Então foi muito, muito bacana. A senhorinha que eu morava com ela também, uma fofa, uma fofa. Porque assim, eu alugava o quarto e eu tinha direito a café da manhã e jantar. Almoço, eu comia na rua, enfim. E aí eu entrava na cozinha, comia, ia embora, e eu tinha o quarto também, então não era uma coisa que eu podia ficar na sala deitada, assistindo televisão. Não. Era só isso. Só que eu fiz uma amizade tão gostosa com ela, que assim, eu assistia novela com ela (risos), entendeu? E ela era budista. E na época eu chegava a ir aos encontros com ela pra poder conhecer, pra poder rezar, conhecer outras culturas. Então assim, eu vesti a camisa mesmo de conhecer coisas, de encarar mesmo. Então assim, foi demais. Foi demais. Foi uma experiência que... Por isso que eu falei, tem essas fotos que tá num baú da minha casa, porque são muitas fotos, que eu queria escolher com carinho pra entregar pra vocês.
P/1 – Tá.
R – Que é uma da experiência da Itália e uma dos Estados Unidos.
P/1 – É superimportante.
R – É. Que pra mim, assim, quando alguém pergunta “quais foram os momentos mais marcantes da sua vida?”, eu acho que esses dois vêm logo em primeiro, porque foi uma época que, putz, serviu de uma superbase na minha vida. Então eu vejo que hoje as pessoas sofrem por algumas coisas que você fala: “Nossa, mas não é assim, pelo amor de Deus”. Então assim, eu me sinto mais preparada, vamos dizer assim, pra encarar algumas coisas, enfim. E foi muito bom. Essas experiências, pra mim, foram incríveis, não tenho nem o que dizer.
P/1 – E quando você voltou da Itália, como foi retomar a sua vida e optar por um curso? Como foi esse processo?
R – Então, quando eu tava na Itália, eu tinha certeza absoluta que eu ia fazer Relações Internacionais. Não, minto, Relações Públicas que eu ia fazer, que é o que eu faço hoje. Aí eu cheguei ao Brasil e fui falar com o meu pai, superconselheiro: “Pai, e aí, o que você acha que eu devo fazer?”. Falei muito com as minhas tias, irmãs dele, que são bem bacanas também. Eu lembro que elas assim: “Ah, se você quer ser Nutricionista, pô, bem legal. Imagina você passar orientação pra pessoa, ajudar. Ah, mas se você também quiser ser” – sei lá, eu lembro que no... – “médica, também é legal”. Eu falei: “Ah, gente, vocês não estão ajudando. Tudo é legal então”. E aí eu fui falar com o meu pai. Falei: “Bom, acho que eu vou ter que ir meio pra o meio de comunicação, porque é o meio que meu pai trabalha”. Você sempre acaba... Não sei se sempre, mas na minha época foi. Eu acabei puxando muito para o lado de comunicação porque é o lado que o meu pai trabalha, enfim. E ele falou assim: “Ah, Jornalismo é baca...”. Não, e eu lembro que eu queria fazer Administração. Falei: “Pai, eu vou fazer Administração” “Que Administração, menina. Vai administrar o quê? Vai ficar contando estoque? Você vai administrar?”. Eu falei: “Ah, não, mas não faz isso” “Não, mas... Vai, vamos pra uma coisa mais bacana. Por que você não faz um Jornalismo da vida, olha que bacana, William Bonner, Fátima Bernardes” (risos). E eu falei: “Olha que legal, gostei”. Aí escolhi, fui fazer Jornalismo. Só que no começo me assustou um pouco aquela coisa de “nossa, o jornalista tem que saber de tudo um pouco”. E eu falava: “Nossa, mas eu não vou saber nunca de tudo um pouco”. E tem que ler bastante e tem que fuçar, e tem que isso, tem que aquilo. E uma coisa eu sempre tive, que foi favorável, que eu tive gosto pela leitura. Então assim, eu to sempre lendo um livro. Então eu falei: “Bom, então acho que eu vou gostar”. E escolhi. Muito a influência do meu pai, porque eu realmente tava perdida. Nossa, cada dia eu acordava querendo ser uma coisa. E eu vivenciei muito essa dificuldade de, nossa, um dia eu queria ser veterinária, outro dia eu queria ser médica. Então eu passei muito isso. Mas ele me convenceu, eu falei: “Ah, vamos embora”. E foi aí que eu comecei a fazer a faculdade de Jornalismo.
P/1 – E como foi a experiência universitária, a vivência da faculdade?
R – Então, eu passei... É óbvio que tudo tem que ser mais complicado. Eu passei na Facamp, que é uma faculdade em Campinas que fica dentro da Unicamp. E fui morar em Campinas (risos). E minha mãe já tá até acostumada: “Tá bom, vai, tchau”. E eu fui pra lá. Mas assim, eu nunca tinha ido pra Campinas na minha vida. Aí eu fui, aluguei um apartamento, fui com a cara e com a coragem, cheguei no primeiro dia de aula assim. Fui ao trote sozinha. Sozinha, sem conhecer ninguém, tipo: “Oi, prazer, eu sou nova”. Então, assim... Mas também eu fiquei só seis meses lá, depois eu voltei pra Taubaté. Mas nesses seis meses foi muito legal também, porque Campinas é uma cidade muito bacana. Muito bacana. Assim, é uma cidade grande com ritmo de interior. Então eu não me senti tão um peixe fora d’água. E na faculdade tinha muita gente de fora também, muita gente na mesma situação que eu, então não era só eu o E.T. da vez.
P/1 – E o curso era um pouco que você esperava? Como era?
R – Então, o curso era tudo de bom. Hoje, pra mim, o curso era o melhor possível, só que na época era um saco, porque era período integral. Então eu entrava às oito, saía às cinco da tarde da faculdade. Meu pai tava amando: “Nossa, que demais”. Então assim, fases, né? Chegava final de tarde, a gente não ia pra aula, ia pra barzinho, então assim, eu vivi muito essa questão de universidade, de zoar, de aproveitar, e tava sem pai, sem mãe. Então assim, eu curti muito. A nossa turma era extremamente unida. Muito unida. Aonde um ia, todo mundo ia. Então assim: “Ah, hoje eu tava pensando ir a um barzinho. Pessoal, todo mundo então vai ao barzinho tal” “Ah, hoje eu preciso assistir a essa aula, então todo mundo vai ficar até o final”. Então assim, era muito unido. O pessoal muito gente boa. De todas as experiências que eu tive desde pequena, e oitava série, e colégio, foi a classe mais unida que eu tive e mais tranquila assim, sabe? Era gente que ia de chinelo, tinha gente que era hippie, tinha a patricinha. Lógico, cada um tinha o seu jeito de ser, mas um jeito gostoso. E cada um se respeitava. Então tinha muito esse respeito com todo mundo, todo mundo se gostava. As festas que a gente ia, meu, tinha gente até no porta-malas do carro. Imagina, eu tinha um Corsa na época que entrava gente até pelo ladrão no Corsa pra poder... E todo mundo junto. Foi muito legal. Mas eu tive que fazer uma cirurgia de apêndice no meio do ano. Tive apendicite e acabei perdendo muita aula, porque eu tive que ficar de repouso depois. Bom, aí eu acabei voltando pra Taubaté e finalizando aqui. Finalizando não, dando continuidade, porque eu só fiz seis meses lá em Campinas. Foi bem duro voltar, porque eu senti muito por causa da amizade. Nossa, demais. Mas por outro lado eu gostei, porque eu tava voltando pra casal, ficando com a minha mãe. Minha mãe tava morando sozinha. Então assim, quando eu morava lá, eu vinha final de semana pra cá. E, nossa, domingo era uma choradeira, porque minha mãe: “Ah, você vai, vai ficar a semana inteira fora de novo?”. Então assim, não sei se ela fazia de propósito, mas domingo ela convidava toda a família pra ir a minha casa e fazia o que eu mais gostava de comer, sabe, aquela coisa. E eu sentia uma dor no coração de voltar pra Campinas. Então acabei voltando, enfim. Voltei aqui e terminei aqui a minha faculdade.
P/1 – E durante a faculdade, você fez estágio? Como foi essa entrada no universo profissional?
R – Então, quando eu voltei pra cá, eu consegui um... Foi. Quando eu voltei pra cá, eu consegui um trabalho na LG aqui de Taubaté. Com o meu próprio currículo, com o meu próprio esforço, sem interferência de ninguém, foi o meu maior orgulho. E eu comecei no setor administrativo. Eu era auxiliar administrativa. Registrada. Eu era registrada nisso, só que na verdade eu era secretária de um coreano. E eu trabalhei no setor de engenharia e éramos eu e mais duas mulheres no setor de engenharia. E eu era secretária do chefe de engenharia, que era coreano. E eu consegui o meu emprego porque eu tinha o inglês e uma vivência boa de encarar aí o que vinha pela frente. E, nossa, foi o meu primeiro emprego, e fábrica, e essas coisas de “ah, nossa, eu vou ter plano médico, eu vou ter isso, vou ter aquilo” (risos). Então era tudo muito novo, e eu: “Ai que demais”. Eu lembro que eu fui a... Quando a menina ligou pra mim: “Marcela, olha, a gente escolheu você, preciso que você venha assinar uns papeis, lalala”. Quando eu saí de lá, eu lembro que eu fui com a minha mãe à cidade pra comprar terninho, pra comprar roupa de menina séria, porque a partir daquele dia eu ia ser uma profissional. Então aquilo pra mim foi muito bacana.
P/1 – Era um emprego mesmo, não era nem um estágio assim.
R – Era um emprego. Não, era um emprego. Era um emprego mesmo. E aí foi bem quando eu comecei de novo a faculdade. E aí eu era superdespojada assim. E tinha um setor de comunicação que eu pedi para o meu chefe pra ver se eu podia participar do comitê de comunicação, porque era o que eu gostava, o que eu tava fazendo. Então eu comecei a ter uma confiança bem bacana do pessoal lá de comunicação. Então eu ajudava, em evento eu ia lá botar “pitaco”, entende? Então assim. E ao mesmo tempo, eu pagava conta do coreano, eu botava gasolina no carro dele, enfim, papel de secretária mesmo, mesmo. E na época que eu trabalhava na LG, eu lembro que tinha muita gente que falava super mal, “porque coreano, ai, nossa, coreano é uma cultura, eles são muito chatos”. “E, nossa, tem processo que eles dão mesmo em mulher, não sei o quê, não sei o quê.” E foi uma coisa tão legal, eu tinha um relacionamento tão bacana com todo mundo, com o coreano de lá. Mas eu o amava de paixão. Então eu lembro que quando as pessoas vinham falar: “Nossa, LG?”. Eu falava: “Não, gente, é muito legal. É muito legal”. E eu lembro que teve um dia que eu tinha brigado com o namorado, que eu tava supertriste, e eu lembro que eu tinha chorado a noite inteira porque eu tinha terminado com o namorado, e assim, por eu ser bem branquinha, dessa cor, tudo que acontece eu fico toda vermelha, inchada, aquela coisa. E eu chorei e no dia seguinte eu fui trabalhar com aquele olho. E eu lembro que o coreano saiu da mesa dele, veio me dar bom dia, e eu dei um bom dia bem xoxo, ele me levou ao ponto de café e falou: “O que aconteceu? Você tá bem?”. E eu desacreditava, falei: “Gente, não acredito que o meu chefe, coreano, que todo mundo fala...”. E ele me levou à salinha e falou: “Conta. O que aconteceu?”. E eu comecei a chorar na frente dele, que eu já nem acreditava que eu tava fazendo aquilo. Eu falava: “Ai meu Deus, eu não posso chorar na frente do meu chefe”. E assim, ele foi tão bacana, tão bacana. Ele conversou comigo, falou da história dele de vir para o Brasil, que ele ficou um tempo sem a mulher dele, que a mulher dele veio para o Brasil depois, que tiveram algumas dificuldades, mas que ele foi forte, que era pra eu ser forte também. Então assim, foi uma superexperiência, fora que foi uma verdadeira escola também. Porque eu lembro que quando eu cheguei lá, a primeira coisa que eles me deram era assim: “Você precisa passar um fax”. Na época era só fax. “Você precisa passar um fax assim, assim, assado.” E eu lembro que eu liguei pra minha mãe, falei: “Mãe, como passa fax? Eu não sei”. Aí ela: “Olha, você aperta assim, assim, assado”. Então assim, era muito... E-mail, sabe, aquela coisa de você responder e-mail quando vem, tem algumas prioridades, como você atende um telefone, como você se comporta, como você senta, como você fala, tudo isso. Então assim, eu lembro que eu tinha o coreano e tinha o gerente, Davi, e que eu tenho muito a agradecer aos dois, porque eles tiveram muita paciência comigo, porque eu dava muita gafe, muita gafe. Então eu entrava na reunião: “Oi, gente. Tudo bom?”. Todo mundo ficava olhando assim pra mim. Que eu não tinha essa noção da importância de reunião, de nada assim. Então eu fui pegando muito aos poucos. Eu lembro que ele me pediu um relatório, eu fiz à mão. E eu mandei assim na mesa. Ah, e eu fiz à mão, à caneta assim, aí eu errei, rabisquei, escrevi em cima e deixei assim na mesa dele. No dia seguinte ele veio, ele falou assim: “Olha, se eu fosse o coreano ali, eu acho que eu ia rasgar na sua frente. Isso aqui você tem que fazer no computador”. Nossa, eu lembro que eu fiquei morrendo de vergonha da gafe que eu tinha dado. Eu falei: “Meu Deus, é mesmo”. Então assim, foi uma escola. E eu fiquei um ano e meio lá. E eu comecei a gostar do Jornalismo e pedi conta da LG pra poder estágio na TV Band, em Taubaté mesmo. Só que eu ganhava mil e 500 reais na LG, e fui ganhar 300 reais na Band como estagiária. Pra quem eu contava isso, só faltava me jogar um banho de água fria, literalmente mesmo, tipo: “Acorda! Como assim? Você deixar...”. E eu lembro que esses 300 reais não pagavam nem a gasolina pra eu chegar ao estágio. Mas eu fui. Eu fui, porque eu falei: “È o que eu to fazendo e eu preciso ter experiência”. E eu lembro que foi um dos momentos mais perrengues da minha vida, putz, de não ter dinheiro pra comprar um salgado na cantina da faculdade, mas eu tava fazendo o meu estágio. Eu era uma das únicas que fazia estágio na área na época, então eu passava fome e tava feliz da vida. Aí eu entrei como uma mera estagiária, onde... Bom, eu saí da LG, que eu ganhava mil e 500 reais, mais PLR, mais benefício, mais tudo, sem contar férias, feriado, final de semana, hora extra, aquele monte de coisa, e fui trabalhar como estagiária, que eu ganhava 300 reais, não tinha nenhum benefício e tinha que trabalhar final de semana, feriado, e não tinha férias. Todo mundo falou: “Você tá louca”. Mas fui. E eu lembro que eu comecei em fevereiro e a minha chefe chegou, falou assim: “Posso te escalar já para o Carnaval?”. Eu falei: “Pode”. Então minhas amigas, todas as minhas amigas, inclusive minha família, minha mãe, todo mundo festeiro, foram curtir o Carnaval, e eu fiquei sozinha trabalhando igual uma louca. Mas eu tava achando o máximo, porque eu tava na área, porque era TV. E eu entrei, eu fazia ronda, então era ligar para os lugares, pra delegacia, pra Polícia Federal, Polícia Rodoviária, pra todos esses departamentos pra saber se tinha acontecido alguma coisa. E se sim, eu passava a informação. Atendia as pessoas, tinha gente que queria: “Ah, eu tenho um protesto pra fazer, porque eu fui à loja tal e aconteceu isso, quero por a televisão”. E eu filtrava isso pra passar para o pessoal. Que não era nada, mas eu tinha que fazer, eu fazia. Via o site, atualizava algumas notícias, enfim. Até que um dia eu pedi pra minha chefe se eu podia acompanhar algum repórter na rua. Eu trabalhava na época, estagiária, eu trabalhava acho que quatro horas. E as outras quatro horas, eu perguntei se eu podia me candidatar, porque eu queria saber como aconteciam as matérias. E pelo menos duas vezes por semana, eu fazia esse acompanhamento por vontade própria. Levava um caderninho e ficava igual louca anotando e fazendo. E eu fui pegando gosto pelas coisas. E o tempo foi passando, até que um dia um repórter passou mal. E eu tava em casa, porque eu tinha um horário lá que eu entrava, aí a produtora ligou e falou assim: “Você faz uma matéria pra gente?”. Meu coração começou a disparar no telefone. Eu falei: “Como assim?” “É. A fulana passou mal, não vai vir trabalhar hoje, você não faz pra gente?” “Oh, mas como? Eu não sei”. Eu falei: “Tá bom, eu faço. Vamos então”. Aí eu fui, ela me passou todos os... “Olha, faça isso, pergunta isso.” Até respirar ela me falou: “Olha, respira”. Nossa, na hora que eu entrei no carro lá de reportagem, eu me sentia Fátima Bernardes. Eu falei: “Ah, que ótimo”. Eu lembro que eu tive que fazer perguntas pra pessoa, e apareceu minha mão. Eu lembro que eu liguei pra todo mundo da família: “Mãe, vai aparecer minha mão na televisão, assisti, não sei o quê”. Aí apareceu a minha mão, minha mãe: “Eh, que linda, que ótimo”.
P/1 – Você lembra qual era a matéria?
R – Era uma matéria de... Era no inverno e era uma matéria de geleia com frutas naturais, que fazia numa cidade... Se não era Campos, Santo Antônio, alguma coisa assim. E eu fui fazer com a mãozinha lá. E como era uma matéria mais... Matéria fria, que a gente fala, mais comportamental, não tinha tanto essa coisa de: “Olha, você vai ter que pegar essa informação e essa”. Então era uma coisa mais light também, o que me deixou confortável. E foi indo, menina. Pra escrever o texto foi um pouco difícil, eu tive um pouco de dificuldade, mas vamos embora. E eu cheguei pra minha chefe, falei assim: “Gostei muito. E se você deixar, eu queria sempre quando faltar alguém pra você me por no lugar, pra eu encarar e vamos que vamos”. E ela, por sua vez, também adorou, porque querendo ou não, eu era uma mão de obra lá boa, barata, que tava lá e tava quebrando um supergalho da TV. Então eu falei: “Vamos embora”. E eu comecei. Comecei a produzir algumas matérias como produtora. E aí eu comecei a ser mais importante, vamos dizer assim, de responsabilidades. Antes, um pouco antes de eu terminar a faculdade, eu já tava fazendo algumas matérias mesmo. Em algumas delas eu aparecia, em algumas não. Porque eu errava bastante. Então as que eu não errava, eu aparecia. Então tinha sempre essa coisa de... Quando minha chefe falou que eu ia aparecer na televisão, nossa, aquilo foi pra mim acho que a sensação de, sei lá, de ter ganhado um prêmio muito grande. E eu comecei a me sentir muito importante e realizada profissionalmente. Eu falava: “Meu, eu to estudando e trabalhando na minha área, isso é incrível, isso é demais”. E eu fui convidada pra ser a garota do tempo, então eu fazia também o tempo: “Ah, vai chover...”. Foi até engraçado, meio mais ou menos engraçado, porque as pessoas já não falavam o meu nome, elas já olhavam pra mim: “Vai chover amanhã?” (risos). Então eu já tinha perdido um pouco a minha identidade, porque as pessoas olhavam: “E aí, como vai estar o tempo?”.
P/1 – Mas você entrava no jornal, é isso?
R – Entrava no jornal dando o tempo, a previsão do tempo.
P/1 – E em qual horário?
R – No horário das sete da noite. Então era um horário mais legal ainda, que era um horário que tinha um pouco mais de audiência. Tudo bem que era a Band, não era vanguarda, mas ok. Não era Globo, mas era uma coisa boa, ótima, tem lá sua audiência, seu público, então foi ótimo. E eu fui fazendo matérias e matérias. E eu me formei, eles me contrataram. Teve uma época que eu fazia um pouco de produção e um pouco de rua, cobria férias de repórter. Teve um dia que me colocaram ao vivo pra falar com o Datena. Nossa, esse dia foi a primeira vez que eu fiz um link, que era ao vivo, eu lembro que eu pegava o microfone e fazia assim, olha, ao vivo. Depois que eu cheguei à redação, o pessoal foi me mostrar o quanto eu tremia. Então assim, era bacana porque era um dia novo. A cada dia que passava era um dia novo. Então tinha dia que eu ia para o litoral, tinha dia que eu ia pra Campos, tinha dia que eu ficava em Taubaté. E era cada dia uma matéria. E daí que eu fui entender que jornalista entende um pouquinho de cada coisa, porque pra você entrevistar uma pessoa, você tem que passar um pouco lá, conhecer, pra você poder entrevistar e perguntar. Então aquilo foi muito fascinante durante um bom tempo na minha vida. Eu fiquei lá quatro anos, só que aí as prioridades foram mudando um pouco. Eu já tinha me formado, eu tinha tido uma experiência, eu já tava mesmo como repórter, só que aí eu fiquei noiva. E assim, a profissão é um pouco ingrata com questão de qualidade de vida, porque eu trabalhava final de semana, eu trabalhava feriado, e assim, nos feriados que as coisas acontecem. Ou você vai falar do movimento das estradas, ou você vai falar de um festival de inverno, ou de verão, de qualquer coisa. E aí as prioridades foram mudando um pouco. E o meu noivo, hoje meu marido, começou a me cobrar. E eu comecei a querer ter um pouco mais de qualidade de vida. A profissão sempre me fascinou, sempre fui apaixonada por essa coisa de conhecer um pouquinho de tudo, de ter um dia que não seja rotina. Sempre foi muito bacana. Mas eu não conseguia... Desde não conseguir me alimentar direito, porque chegaram dias que eu fiz plantão na porta de presídio, porque irmãos Cravinhos estavam sendo presos, e não tinha banheiro. Então tinha que segurar xixi, tinha que segurar a fome, então era uma coisa bem louca, de a gente vestir a camisa mesmo. Não que eu não vestisse. Nesses momentos, eu achava realmente o máximo. Mas a gente vai ficando um pouco mais velha e as prioridades vão mudando um pouco. E foi no dia que eu... Engraçado assim, mas foi numa semana que... Eu lembro que aquela semana eu não tinha conseguido ir ao supermercado, e eu não tinha um pão na minha casa, e eu já tava morando sozinha. Foi um momento que eu quis começar a andar com as minhas próprias pernas, fiz um acordo com a minha mãe, falei: “Olha, vou morar sozinha, vou começar a ter meu cantinho, enfim”. E não é fácil ser também dona de casa e ter profissão, ser tudo. E aí eu fui conhecendo também esse lado. Eu não tinha conseguido ir ao supermercado, porque eu saía muito cedo de casa, e por conta das matérias, e tinha que finalizar, aí eu não dava conta de chegar a casa e ir ao supermercado, já tinha fechado, enfim. E foi um dia que eu falei: “Ah, meu Deus, eu preciso tomar uma decisão”. E eu conversei muito com a minha mãe. Não conversei com o meu pai, porque eu sabia que o meu pai ia ser o sargentão, ia falar que eu tava louca, que não, que não, que não. Conversei com o meu noivo, falei assim: “Não sei, não sei, não sei”. Mas, enfim, no dia seguinte eu cheguei falei: “Não quero”. Eu cheguei e falei: “Olha, eu acho que as minhas prioridades estão sendo outras, foi muito bacana”. E foi bem bacana, porque eu saí de portas abertas, graças a Deus. Assim, de novo. De todas essas experiências, foi que sempre foi de uma forma bem tranquila e mantendo sempre esse bom relacionamento com todo mundo. Eu lembro, foi tão difícil, porque eu não tinha nada em mente. Diferente da LG, que eu já tinha a Band no gatilho, eu lembro que eu saí da Band, e a Band é num shopping, e eu saí do shopping, fui para o estacionamento, liguei pra minha mãe e falei: “Mãe, eu acabei de pedir demissão”. Minha mãe: “Onde você tá?”. Eu falei: “No estacionamento do shopping, dentro do meu carro. Não sei o que eu faço. Não sei pra onde eu vou”. Aí eu: “Posso ir para o seu trabalho pra conversar com você?”. A minha mãe: “Vem aqui”. E, tipo, eram três horas da tarde e eu tava sem fazer nada. O que era isso? Eu não sabia o que era isso. Então eu cheguei ao trabalho da minha mãe assim: “Nossa, eu to sem fazer nada, são três horas da tarde, como assim?”. Foi assustador, sabe? Eu falei: “Nossa, e agora? O que eu faço?”. Ah, aí eu comecei ir atrás de outra fase, de outro formato de vida, mais empresarial, que também eu tinha um pouco de noção por conta da LG. E foi aí que eu vim pra Nestlé. Que eu lembro que eu mandei meu currículo e lembro que o RH me ligou falando que tinha pegado meu currículo, aí eu já: “Nossa, como assim, realmente pegou?”. Porque muitos, sei lá, acabam deletando, não chegam. E marcou uma entrevista comigo e eu vim. Tinha mais acho que três ou quatro pessoas junto. E eu lembro que eu fiquei morrendo de medo, insegura, sabendo que eu tinha boas concorrentes. E aí passei por duas ou três entrevistas, não lembro agora. Passei numa entrevista com o gerente da unidade na época, eu fiquei bem nervosa, falei: “Ai...”. Bom, aí eles ficaram de me dar um retorno. E a gente fica muito ansiosa, óbvio, natural. E aqueles dias nunca passavam pra mim. Eu lembro que foi, sei lá, sete e meia da manhã, o meu celular ligou, era o RH daqui: “Ah, vamos trabalhar, você foi escolhida”. Eu lembro que eu pulei da cama assim e eu ficava pulando dois metros de altura: “Eu não acredito, eu consegui. Ai que bom. Eu não acredito”. E já comecei a ligar pra todo mundo: “Ah, consegui”. Então foi mais uma sensação muito boa de conquista de novo, de “ai, nossa, conquistei”. Porque eu fiquei abril, maio, junho... Fiquei... É, eu fiquei abril, maio, junho, fiquei quase três meses sem saber o que ia ser.
P/1 – Em que ano você entrou aqui?
R – Em 2009.
P/1 – Em 2009.
R – Em 2009.
P/1 – Eu quero conversar um pouquinho sobre aqui, sua função, experiência, tal, mas antes eu queria só voltar pra duas coisas que ficaram pra trás assim. Uma é se você lembra o que você fez com seus primeiros salários. Se você comprou alguma coisa que você queria muito.
R – (risos).
P/1 – Lá atrás, na LG. Você comprou uma coisa que você queria?
R – Lembro. Eu recebi meu primeiro salário, liguei pra minha mãe e falei: “Vamos comigo...”. Tinha uma loja que eu era apaixonada, e era muito cara a loja. Muito. Era uma loja de roupas e acessórios, e assim, a loja era muito cara. Aí eu cheguei pra minha mãe, falei assim: “Vamos àquela loja comigo?”. Ela falou: “Vamos”. E eu lembro que eu gastei meu salário inteiro naquela loja. Sabe, de chegar: “To precisando disso, to precisando daquilo”. E não tinha sensação melhor. Eu entrei com o sorriso de orelha a orelha e sai com um sorriso maior ainda, porque assim, gente, como é bom. Como é bom. Esse foi o meu primeiro salário. Depois as contas começaram e depois eu defini, comecei ajudar em casa, as contas. Porque eu sempre ajudei minha mãe nas contas. Mas dessa vez a minha mãe falou: “Vai. É seu. Gasta tudo”. Então foi bem legal.
P/1 – Depois eu queria saber como você conheceu seu marido.
R – Nossa, poxa vida, meu marido trabalhava numa balada em Taubaté. E ele sempre foi amigo do meu amigo, amigo da minha amiga. Ele é primo de uma amicíssima minha... (corte no áudio).
P/1 – Você tava contando como conheceu seu marido.
R – Ah, é. Então, ele é primo de uma superamiga minha, e eu acabei conhecendo-o através dessa minha amiga.
P/1 – Mas numa balada? Como foi? Que dia vocês se conheceram?
R – Poxa, eu já o conhecia através das baladas, porque ele trabalhava em uma balada, então eu sabia quem ele era. Porque ele acabava sendo aquele cara superbacana que me disponibilizava convite, que eu não precisava pagar. Sabe aquela coisa: “Ah, tem nome na lista. Ah, oi, tudo bem? É a Marcela”. Bem cara de pau. Porque eu sempre fui cara de pau, então assim: “Oi, tudo bom? Será que você não consegue...”. Então assim, pra mim ele era um mero cara que me armava nas baladas, sabe? E eu lembro que numa festa... Não, não foi numa festa, foi num almoço que teve no clube da cidade, que foi no final do ano? Foi. Foi no final do ano, que teve um almoço. É, acho que foi no final do ano. E ele tava lá, a gente acabou se conhecendo, enfim. Depois disso, a gente começou a namorar. E a gente já se conhecia, aí quando a minha amiga descobriu, ela: “Ah, que demais, na família”. E foi. Bom, a gente ficou junto quase três anos, namoro, depois a gente noivou e casou. Mas foi desse meio. E eu lembro que teve uma vez que num aniversário dessa minha amiga, que ele também tava, e eu lembro que ele foi embora mais cedo, eu falei: “Não sei, não gosto muito dele, ele é muito chato. Ai não conversa, nada”. É tão engraçado que ela lembra até hoje: “Você lembra que você falou que você não gostava...”. E acabou que a gente casou. Foi dessa forma.
P/1 – E como foi? Vocês namoraram três anos, você falou, mais ou menos, entre noivado e namoro.
R – Isso.
P/1 – Como foi a decisão de casar? Teve um pedido?
R – Teve. Teve um superpedido. Ah, a gente tava já namorando: “Ah, vamos casar?” “Vamos” “O que você acha?” “Ah, acho bacana” “Então vamos”. E a gente foi a um restaurante, eu chamei a minha família, ele chamou a família dele, e foi um pedido de noivado. Assim, meu pai veio pra cá, meu irmão, minha mãe, minha avó também tava presente, e a família dele. E a gente fez um jantar, ele todo romântico, e falou: “Ah, vou pedir a sua filha em casamento”. E fez aquela formalidade toda, me deu um buquê de rosas vermelhas, tiramos fotos, foi bem bacana. E teve, teve bem formalizado assim o pedido.
P/1 – E o casamento, como foi? Você se lembra do dia do casamento?
R – Nossa, lembro. A gente casou na praia. A gente casou em Tabatinga, que é entre Caraguá e Ubatuba, numa praia lá. E eu lembro que foi uma superestrutura, uma superlogística, durante o ano seguinte todo aquele estresse de escolhe isso, faz aquilo, e prova, e vai. Então assim, é sempre bem estressante, mas pra noiva, o noivo só de vez em quando dá um “pitaco”, mas bem de leve. Então eu lembro que tive que ir várias vezes, os meus finais de semana eram tomados pra poder ir pra lá, pra poder decidir e definir várias coisas. Mas o que foi legal, porque a gente já passava o final de semana na praia.
P/1 – Foi ao ar livre assim?
R – Foi. Foi. Na verdade, foi num hotel lá em Tabatinga, e o hotel é de frente para o mar. A ideia era fazer a cerimônia na areia, só que choveu no dia, então a gente teve que acionar o plano B. Durante a cerimônia não choveu, choveu logo depois da cerimônia. Eu costumo dizer que choveu na hora certa, depois da cerimônia, quando todo mundo já tava no seu devido lugar, já comendo, aí choveu. Mas durante a cerimônia não choveu. Só que a gente já tinha mudado a estrutura, porque já tava ventando, já tava com toda cara de chuva. Nossa, mas foi demais, foi lindo, independente disso, porque o lugar era muito bonito, é muito bonito. Foi todo mundo. A gente acha que poucos vão, porque é longe, era num sábado que antecedia o Dia das Mães. Então acabou indo todo mundo e no domingo todo mundo foi correr atrás do prejuízo no almoço, ficar com a mãe, de jantar com a mãe, enfim.
P/1 – E como você tava? Conta um pouco assim como você tava vestida, como foi a festa, se você se lembra da música que tocou quando você entrou.
R – Lembro. Lembro. Eu lembro que eu fiquei num quarto e quem ficou no quarto comigo foi minha mãe, minha avó, a costureira, porque eu levei a costureira, caso acontecesse alguma coisa com o vestido, e a costureira também é amiga da família, então ela é uma fofa. A cabeleireira, que tava lá, que também é uma amiga da família, que também é superquerida, e a minha afilhada, que ia entrar antes de mim. E a gente ficou no quarto o dia inteiro, brindando, conversando, se arrumando, dando risada. Quando começou a ficar próximo da hora, eu comecei a ficar supernervosa. E tira foto, e vai, faz isso, faz aquilo, pose aqui, pose lá, você já fez isso, já fez aquilo. Então assim, eu comecei a ficar um pouco nervosa. E eu não comi, porque eu tava nervosa, aí eu não tinha fome, não queria comer. E o tempo começou a mudar, e eu vi que começaram a mudar toda a estrutura do que eu já tinha planejado. Então assim, na hora você fala: “Ai tá bom, muda. Não tem opção, vamos mudar”. Mas eu fiquei um pouco triste. Então assim, a gente ficou nesse quarto o dia inteiro, e na hora de eu dar tchau, que a minha mãe precisava descer, que ela ia entrar primeiro que eu, eu lembro que a gente olhou uma pra cara da outra, falou: “Ai, tchau”. Já meio que chorando. “Ai não posso chorar, vai borrar a maquiagem. Ai não posso te dar beijo, que senão vai borrar a maquiagem”. Então ficou aquela coisa. E quem ficou comigo... E eu dei tchau pra minha avó... A minha avó que entrou com as alianças. Então também aconteceu a mesma coisa, chorei, enfim. E a minha afilhada quando desceu também, eu falei: “Olha, pode entrar bem bonita, nãnãnã”. Aquela coisa. E eu fiquei com a costureira, porque a costureira foi a única que ficou lá pra ficar comigo. E quando a cerimonialista chegou, falou assim: “Marcela...”. E eu escutei do quarto que eu tava a música, que era o meu marido que tava entrando. E eu comecei a ficar muito nervosa, incontrolavelmente. Eu não tinha noção que eu ia ficar nervosa desse jeito. E eu falei: “Ah, meu Deus, ele tá entrando. Ai meu Deus. Meu Deus”. Quando a cerimonialista falou: “Marcela, já vamos descer, que você vai...”. Eu falei: “Não. Não quero”. E comecei a chorar. A costureira: “Marcela, respira”. E ela começou a me abanar assim: “Respira. Não, pelo amor de Deus” “Não, eu não quero. Eu não quero”. E eu travei, e aquilo começou a me dar um desespero. Ela: “Não...”. E foi lá uns minutos pra ela poder me acalmar, porque aquilo foi incondicional. Então foi bem louco. Eu desci, meu pai tava me esperando, aí meu pai olhou: “Ah, tá bonita”. Aquela coisa. E a cerimonialista falou: “Você tá preparada? Podemos começar?”. Eu respirei fundo, falei: “Vamos que vamos”. Você olha aquele lugar lotado, todo mundo olhando pra sua cara, você fala: “Ah, meu Deus, que vergonha, que medo, que tudo, que todas as sensações do mundo”. E aí, ah, foi ótimo. Foi lindo. Eu lembro que eu fiquei nervosa entrando, mas ok, bem menos de quando eu tava pra descer pra ir para o lugar. Quando a minha avó entrou foi um momento, nossa, único, foi superemocionante, foi um momento que eu chorei até morrer ali na hora. E assim, foi um momento que não só eu, mas muita gente depois veio falar comigo falando que foi um casamento emocionante, que foi muito bacana. Então assim, foi bem legal a cerimônia. Foi um padre que a gente na verdade escolheu meio por “ah, ele é o mais acessível, ele é o mais próximo, mas ele é bem bacana, ele já realizou uns casamentos aqui no hotel”. Por indicação do hotel. E foi eu acho que a melhor escolha que eu pude fazer, porque ele foi muito bacana. Ele falou coisas lindas, maravilhosas, foi bem breve, falou aquilo que realmente precisava ter falado. Então assim, foi demais. Foi muito gostoso. Muito bacana. A noite em si foi muito gostosa. Embora a chuva, tava todo mundo muito feliz, todo mundo... A pista de dança, a gente fez na areia, aí a gente colocou uma tenda. Então assim, você dançava na areia, sabe? E os meus pais estavam radiantes, muito felizes, a minha família, as minhas amigas. Então assim, tava demais. Demais. Então foi um momento bem especial, que a gente aproveitou bem.
P/1 – Vocês tiveram lua de mel?
R – Fomos. Depois a gente voltou no domingo e na segunda-feira a gente foi pra Cancun. A gente ficou uma semana em Cancun.
P/1 – E como foi?
R – Ah, foi ótimo. Nadei... Não nadei, mas eu fiquei bem próxima lá dos golfinhos, que todo mundo fala, fizemos uns passeios bem legais. E foi nossa viagem de começar mesmo uma vida juntos. Então foi muito bacana. A gente conheceu lugares lindos e foi ótimo.
P/1 – Você tem filhos?
R – Não. Não.
P/1 – Não?
R – Ainda não. A gente tá ainda aproveitando, curtindo. A gente gosta de viajar muito, então sempre que a gente tira férias, a gente viaja. A gente é assim, de programar, de: “Ah, que lugar a gente vai agora? Ah, vamos fazer isso, vamos fazer aquilo”. Então a gente curte bastante. São sempre os planos fixos que a gente tem, que é a viagem, que é inegociável, que a gente sempre tá aproveitando.
P/1 – Tá certo. Vou voltar então agora, era pra fechar essa coisa mais pessoal, pra tua vida profissional. Eu queria saber o que é sua função hoje na Nestlé. E depois a gente vai entrar na questão do voluntariado.
R – Tá. Eu fico no setor de relações públicas, eu faço a parte de comunicação interna aqui na fábrica, faço um pouco de comunicação externa através do tour de visita, que é o programa de visita que a unidade tem, que eu coordeno, eu sou responsável. Eu faço os grandes eventos da fábrica, que é a festa de 1º de Maio, festa de final de ano, de veteranos... (corte no áudio).
P/1 – Então só pra retomar, pra não cortar, se você puder voltar, então dizer pra gente qual é a sua função hoje.
R – Tá. Sim. Eu cuido de comunicação interna, que são todos os comunicados, as campanhas, ah, os avisos que precisam ser feitos de maneira geral, eu cuido aqui da fábrica. Cuido de comunicação externa através do programa de visitação, que é o tour, que hoje existe, a gente recebe uma boa quantidade aí de visitantes. Eu cuido dos grandes eventos da fábrica, eu organizo, que é a festa de 1º de Maio, festa de veteranos, festa de Natal, distribuição de bolsa de Natal, que é um benefício que a empresa dá para os colaboradores, ovo de páscoa. Cuido da questão das ações de qualidade de vida também, que são ações pontuais que acontecem referentes à qualidade de vida, que também inclui na qualidade de vida essas parcerias com outras empresas pra trazer algum benefício para o nosso colaborador. Faço a parte de responsabilidade social, que é o Nutrir. Então essas são os principais eventos, as principais atividades que eu faço aqui na fábrica.
P/1 – E em relação ao Programa Nutrir, mais especificamente, como você participa do programa, desde quando você participa do programa?
R – Eu to desde 2009, que foi quando eu entrei, e eu participo através das folias. Desde a organização das folias, até a participação efetiva nos encontros com as crianças e com a entidade. Então desde 2009 eu to no programa como voluntária, e organizando, e fazendo o máximo que eu posso, que dá aqui pra fazer.
P/1 – Explica um pouco o que seria a organização das folias. Qual a proposta das folias e como é fazer essa organização assim? O que você tem que pensar? O que se propõe mesmo?
R – Ah, tá. Bom, as folias acontecem uma vez por mês na entidade. Hoje a gente tá na Casa de Acolhimento aqui de Caçapava, que são crianças que não têm um bom relacionamento com os pais devido à N problemas, e algumas ficam na casa até encontrar uma pessoa pra adotar, outras acabam até tentando... O papel da Casa de Acolhimento aqui de Caçapava é tentar reaproximar os filhos com os pais. Então eles tentam essa reaproximação, caso não dê certo, as crianças ficam lá, aí começa a iniciar um processo de adoção, enfim, pra ver se alguém quer adotar. Então elas praticamente moram nessa casa. Praticamente não, elas moram nessa casa. E algumas, nos finais de semana, têm esse contato com acompanhamento, monitorado pela casa, pra ver se vai conseguir voltar a ter esse relacionamento com os pais. Então é um pouco triste, porque são quase 30 crianças ali juntas, de várias idades, desde bebê, até adolescente de 16 anos. E a gente tá lá vai fazer um ano, e a organização das folias acontece uma vez por mês. Então a gente reúne todos os voluntários aqui de Caçapava, que são alguns que são colaboradores, outros que vêm de foram outros que já trabalharam aqui, estagiários e aprendizes que trabalharam aqui, acabou o contrato, mas continuam fazendo parte do programa, porque gostam, porque teve um carinho especial com o programa ou com as crianças, enfim. Acaba sendo uma coisa que você pega um carinho muito especial. Independente de qualquer coisa, você tá lidando com ser humano, então você tá lidando com sentimento, é uma realidade. Então muita gente acaba ficando, porque, pô, você tá fazendo o bem, você tá ajudando... Que seja através de doação do seu tempo, mas faz muita diferença pra quem tá lá do outro lado. Então acho que esse é o principal papel de voluntário, de você estar lá por algum motivo fazendo alguma diferença na vidinha dessas crianças. E a gente aqui do outro lado, a gente organiza algumas atividades pra fazer com eles, algumas brincadeiras, almoço, alguns lanchinhos. A gente tenta parceria com outros lugares, até mesmo com os colaboradores daqui, e se conhece... (corte no áudio).
P/1 – Conta um pouco assim pra gente o que... Você falou que vocês organizam atividades, tal, eu queria mais especificamente que tipo... Exemplos mesmo.
R – De atividade?
P/1 – Que tipo de atividade? Com que tipo de temática?
R – Olha, a gente já fez de tudo com as crianças. Eu acho que é bem legal assim. Uma questão de parceria, a gente conseguiu com a OdontoPrev, que é uma parceirona aqui da empresa, que é do convênio dentário, odontológico, uma parceria... (breve interrupção).
P/1 – Você tava falando da parceria com a OdontoPrev.
R – Isso. Então, a gente fez uma parceria com a OdontoPrev, que é do convênio odontológico aqui da empresa, que eles foram super bacanas. Então a gente ligou pra eles falando que a gente tem esse projeto de responsabilidade social, perguntando se eles podiam fazer alguma ação educativa com as crianças. Eles aceitaram, então eles foram lá à casa no dia do encontro, no dia da folia, e fizeram uma atividade super bacana com as crianças. Então eles ensinaram a escovar os dentes, falaram dos benefícios que acarretam com escova o dente, e dos malefícios que podem acontecer caso não escove o dente. Então assim, as crianças ficaram fascinadas, ganharam uns kitezinhos com escova de dente, pasta de dente. Então esse é um tipo de atividade que a gente tenta fazer com certa frequência, que são parcerias pra fazer algumas ações educativas com as crianças. Outra ação que a gente fez foi também outra parceria com uma cabeleireira e com uma manicure. E a cabeleireira foi lá, cortou o cabelinho de todo mundo, a manicure foi, tirou cutícula, pintou unha das meninas. Então assim, as meninas se sentiram superimportantes, bonitas. E os meninos cortaram o cabelo. Então assim, a gente busca bastante esse tipo de parceria. E quando a gente não consegue, a gente faz mesmo algumas atividades com elas, desde, sei lá, fazer uma receita junto de salada de fruta, desde levar um jogo e jogar, desde jogar uma bola, entendeu? Então assim, é um momento que a gente vai pra casa e fica disponível pra eles, pra dar carinho, pra dar atenção, coisas que eles não têm, que eles não têm no dia-a-dia deles. Então você acaba percebendo o quão importante é esse tempo doado. Tem uma lembrança aqui numa das folias que eu fui, e a gente fica até o horário do almoço. A gente serve o almoço, almoça junto com eles. E eu lembro que eu tava com um deles, e aí eu tava almoçando junto com eles, aí um deles olhou pra mim, falou assim: “Tia, você vai embora mesmo?”. Então você fica com uma dor no coração quando você escuta aquilo. “A tia vai, mas a tia volta. Não fique preocupado”. Então são coisas assim que motivam, que fazem a gente ser voluntário mesmo de corpo e alma, coração, independente de qualquer coisa. Eu acho que o voluntariado, Programa de Responsabilidade Social Nutrir, ele é fantástico, porque ele aciona aquele botãozinho seu, que todo mundo tem, mas que todo mundo fala assim: “Ah, vou deixar pra mais tarde. Ah, hoje eu não tenho tempo. Ai, não sei, não conheço. Quero fazer uma bondade, quero fazer alguma coisa do bem, mas eu não tenho tempo, ou não conheço ninguém”. Então assim, você acaba fazendo porque você tá aqui vestindo a camisa da empresa. Mas é mais que isso quando você entra no programa. Vira uma coisa pessoal. Vira uma coisa de você estar presente, de você estar lá fazendo o bem para as crianças, por quem realmente precisa. Então eu acho isso fantástico. Porque eu entrei em 2009 porque eu entrei aqui na Nestlé. Então eu acabei entrando porque eu sou a coordenadora, eu sou responsável aqui da unidade de Caçapava, mas acabou transformando numa coisa tão bacana, tão pessoal pra mim, de precisar fazer a diferença, de conhecer, de ser humana, de estar junto, enfim, de ter um momento especial com essas crianças. Então é fantástico. Bem bacana mesmo.
P/1 – Desse tempo de voluntariado, você se lembra... Você citou o exemplo desse menino, mas de algum outro exemplo, de uma história, um episódio, uma situação que você tenha vivido?
R – Ah, lembro. Lembro-me de uma menininha que numa outra entidade que a gente tava, ela não comia nada, mas nada. Pensa assim, que ela só comia porcaria assim, sabe? E salgadinho, e nada de nutritivo mesmo. E eu chamei o pessoal, falei assim: “Olha, a gente tem uma missão aqui. Além de a gente vir e doar o nosso tempo, e fazer essa diferença, a gente vai ficar engajado pra poder fazer essa menina comer. Então vamos fazer um rodízio, cada um, um dia que a gente estiver aqui, vai almoçar com ela, vai estar junto, vai contar uma historinha, vai fazer com que ela pegue gosto com a coisa”. Uma coisa que eu sempre falei pra alguns voluntários que me questionam, que eu tenho mais intimidade de ficar falando, é aquela questão que a gente tem que dar o exemplo. Não adianta a gente falar que comer brócolis faz bem, mas eu odeio brócolis. Então quando eu falei com algumas pessoas ali: “Olha, vamos tentar, vamos fazer esse rodízio?”. Falei: “Mas vocês têm que comer também”. Então não adianta falar pra menina que o brócolis é bom e não comer. E lembro que eu tinha uma fofa de uma menina que trabalhava comigo, ela falou: “Ah, mas eu não gosto”. Eu falei: “Então vou fazer Nutrir com você também. Vou falar que tem que comer”. E foi, sabe, e a gente começou a fazer rodízio e essa menina sempre tava ali na nossa mira ali nos encontros. E o mais legal é que você acaba sendo uma equipe em prol de um único foco, de uma única ação, de um benefício, então acaba que te motivando também pra você ir para as folias, você tem um propósito. Então assim, é bem legal esse espírito que acaba gerando em todo mundo. E a gente começou a fazer os rodízios: “Ah, hoje é você que vai ficar com ela”. E vai, conta historinha, e vai, e ajuda a comer. E a gente finalizou o Nutrir ela comendo um prato de arroz, feijão, salada, e carne. E nesse Nutrir, a gente fazia junto com os pais, porque eles tinham um convívio, moravam com os pais. E a mãe dessa menina, logo no começo, falou: “Olha, nem se preocupa, porque ela é assim mesmo. Ela não come, deixa”. E quando a gente finalizou o Nutrir nessa entidade, a gente se preocupou bastante de falar com a mãe: “Olha, mãe, ela tá comendo, viu? É só uma questão de ter paciência, de ter um cuidado, de dar uma atenção, que ela come. Ela tá comendo, gostou”. Então essa foi uma realização também que ficou marcada. Eu tenho outra, outro exemplo, que também foi bem bacana, que eu, Marcela, acho que todo mundo devia ter uma horta em casa. Hoje em dia tá tudo tão industrializado, de tóxico, de pesticida, nem sei se é assim que fala, mas com...
P/1 – Agrotóxico.
R – Ah, com agrotóxico mesmo. E assim, você tendo uma hortinha na sua casa é tão mais saudável, tão mais retrô. Você resgata tanto a infância, tanto a parte de antigamente mesmo. E as pessoas não estão tendo tempo de fazer nada, então assim, eu sempre sou a favor de a gente mudar um pouco esse cenário, porque é possível. E nessa entidade que a gente tava, numa outra entidade, eu cheguei pra responsável da entidade e perguntei se o que ela achava da gente fazer uma horta. E assim, a entidade era muito... O local era muito cimento, não tinha muito verde. Não tinha quase nada de verde. E ela de início falou: “Não, não vou fazer. Não. Não tem espaço. Não dá pra fazer”. E eu falei pra ela, falei assim: “E se a gente comprar uns vasos grandes e colocar, e fazer?”. Porque aí eu tinha ido a um lugar que vende essas coisas e que o pessoal entende, e eles tinham explicado que dava pra fazer em vaso. E eu fui lá de novo: “Ah, mas olha, e se a gente fizer assim, assim, assado” “Ah, não sei” “Então pensa, semana que vem eu volto”. Putz, eu fui lá umas três, quatro vezes. “Vamos fazer a hortinha, vai, vamos, vamos.” “Tá bom, vai. Vamos.” Eu fui a esse lugar, comprei um monte de mudinha, perguntei se a mulher podia ir lá à folia pra fazer uma atividade com pai e filho. Então a gente colocou os pais junto com os filhos, e em cada “vasão” grande, a gente coloca os pais com o filho, os pais com o filho. E a mulher foi ensinando: “Olha, você pega a mudinha, faz assim, a água tem que estar assim, a terra que estar assado, nãnãnã, aí você tem que regar duas vezes por dia”. E foi tão bacana, porque assim, a gente viu nessa atividade que eu acho que nunca nenhuma criança tinha tido tanta proximidade com o pai ou com a mãe. E foi tão legal, que o pai ajudou o filho, o filho ajudou a mãe, e assim por diante. Foi desde você criar um momento que você junte os filhos com os pais, e o momento com a natureza, de pegar na terra, de ficar mais calma. Acho que te traz uma paz quando você mexe com a terra assim, com a natureza. E depois disso começou a vingar, começou a crescer, a criançada começou a ficar alucinada. Até a entidade começou a utilizar a alface, o morango, pra comer no almoço deles. E eu sei que no mês seguinte a responsável pela entidade tava mudando a estrutura da entidade pra fazer uma horta lá de verdade. Então aquilo pra mim foi sensacional. Sabe, eu olhei pra ela, falei: “Não acredito que a senhora tá mudando a estrutura pra fazer uma horta” “Ai, to, porque eu já combinei com fulano, ele vai cuidar da horta, ele vai aguar. E a gente tá fazendo esse de alface, esse de rúcula, esse de tomate”. E logo depois o Nutrir acabou naquela entidade, a gente foi pra outra. Então sabe aquela sensação de missão cumprida? E eu tive aquela sensação de missão cumprida, de finalizar numa entidade onde a gente deixou um pedacinho de um aprendizado, de uma mudança de hábito, alguma coisa que pudesse fazer aquilo mudar o dia-a-dia deles pra melhor. Então esse foi uma sensação muito boa também.
P/1 – E você acha que assim, por exemplo, você, Marcela, durante esse processo todo de participação como voluntária, teve aprendizado e transformações?
R – Nossa, demais.
P/1 – E que tipo assim?
R – De ser mais humana, de... (corte no áudio).
P/1 – Só retomando, eu te perguntei se você acha que teve algum aprendizado.
R – Isso. Demais. Desde você ser mais humana, de você enxergar com outros olhos cada situação, assim, até de você... A gente reclama muito, né? (risos). E quando a gente vê o outro lado da moeda, a gente acaba até agradecendo a Deus pelo que a gente tem, enfim. Então a gratidão é muito grande em poder participar e em poder fazer alguma coisa, nem que seja pequena. Ah, é uma vez por mês, é um encontro, são poucas horas, mas a gente faz. A gente teve um treinamento, o mês passado, do Nutrir, e o pessoal da casa também foi. E eu fiquei tão feliz quando eles falaram que as crianças praticamente não dormem quando a gente vai pra lá. Que eles acordam assim, seis horas da manhã, radiante, porque a gente vai pra lá. E isso pra mim, eu não sabia. Então, poxa, não tem alegria maior, não tem um reconhecimento maior de você ver a sua dedicação, o seu trabalho, na alegria deles. Porque assim, criança é verdadeira, se não gosta, não gosta, se gosta, gosta. E o tempo que é dedicado pra eles é de coração e a gente faz. E eu acho que é isso que eles precisam. Precisam de carinho, precisam de atenção, precisam de alguém ali junto com eles. Então assim, é muito o cultivar essas pessoas. Não é nem ir lá e tchau, e encontros, e acabou. Não, é cultivar mesmo essas pessoinhas assim, e tentar transmitir o que você sabe de melhor pra eles. Porque o mal chega, acaba chegando, independente de qualquer coisa, então a gente tá indo lá pra mostrar um pouco o lado do bem, uma coisa mais bacana assim, dar uma alegria a mais pra eles. Porque eu posso acreditar, eu acredito que a realidade, o dia-a-dia lá não deve ser muito fácil, então eu acho que a gente indo, esse tempo, essa sensação de você ser voluntária, de você fazer essa ação, não tem palavras. Muito bom mesmo. Muito bom mesmo (risos).
P/1 – Eu vou encaminhar para as duas perguntas finais então agora. Antes de fazer as duas perguntas, quero saber se tem alguma coisa que a gente não tenha perguntado e que você gostaria de falar.
R – Ah, não. Acho que eu já falei tudo da minha vida (risos).
P/1 – Tá bom. Então a penúltima pergunta: quais são seus sonhos?
R – Nossa, que difícil (risos).
P/1 – Achou que ia vir uma fácil pra terminar? (risos).
R – Nossa, é muito difícil essa. Nossa, eu acho que o meu sonho é... Ah, primeiro ser feliz, ter saúde, aquela coisa que eu acho que todo mundo quer pra vida. E segundo é construir uma família, ter um filho, vários filhinhos. Eu penso em dois, três filhos, e construir uma família feliz. Eu acho que esse é um sonho muito... Ah, acho que toda mulher, principalmente, sonha em ter filhos, em ser mãe. E, óbvio, a parte profissional, que é ter um crescimento, ser reconhecida quando precisar ser, de alguma forma. Que é um tempo muito bom de dedicação, tanto profissional, quanto pessoal, que eu gostaria que as duas partes fluíssem bem, que é o que a gente faz, trabalha pra isso acontecer. Então é bem global, mas é o que eu espero.
P/1 – E, por fim, como foi contar a sua história?
R – Nossa, foi... Nunca tinha feito isso. Foi uma experiência muito boa, assim, reviver os momentos. Foi um monte de emoção aqui. Tinha hora que eu tinha vontade chorar, tinha hora que eu ficava lembrando. Foi trazer à tona assim muita coisa boa. Muita coisa boa. Foi bem legal. Adorei participar.
P/1 – Que bom.
R – (risos).
P/1 – A gente agradece.
R – Ah, eu que agradeço. Espero ter ajudado.
P/1 – Foi ótimo.
FINAL DA ENTREVISTA
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