Plano Anual de Atividades 2013
Projeto Nestlé Ouvir o Outro – Compartilhando Valores - PRONAC 128976
Depoimento de Claudine Aparecido Saldanha Júnior
Entrevistado por Tereza Ruiz
Itirapina, 29 de julho de 2014
NCV_HV41_Claudinê Aparecido Saldanha Júnior
Realização: Museu da Pessoa
MW Transcrições
P/1 – Primeiro, Claudinê, vou pedir pra você dizer pra gente seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Sou Claudinê Aparecido Saldanha Júnior. Quarenta e um anos. Nascido no dia seis de outubro de 1972, em São Carlos, São Paulo.
P/1 – Agora, o nome completo dos seus pais, e se você se lembrar também, a data e o local de nascimento dos seus pais.
R – Meu pai, Claudinê Aparecido Saldanha, nascido em 20 de outubro de 1947, na cidade de Birigui, São Paulo.
P/1 – E sua mãe?
R – Minha mãe, Maria Bernardete Castelen Saldanha, de 1947... Quase 51, nascida em São Carlos, São Paulo.
P/1 – Conta um pouco pra gente o que seus pais faziam ou fazem, não sei se eles ainda trabalham.
R - Trabalham. Você quer a história desde o começo?
P/1 – É.
R – Desde o início, meu pai tem uma história muito triste, por conta que meu pai tinha uma irmã, com sete anos de idade, que era a irmã do meio, meu pai tinha cinco e meu tio mais velho, que é sócio nessa propriedade, eles estão juntos até hoje, com onze anos, na época. A minha tia, na infância, mas era minha tia, é minha tia, e ela saiu num domingo pra buscar uma garrafa de guaraná, na venda da esquina e tropeçou e caiu, cortou o pulso e morreu de tétano três dias depois. Meu avô tinha uma empresa, uma pequena empresa, onde ele fornecia, ele era o principal fornecedor de lenha pra ferrovia, pra antiga Fepasa, a ferrovia paulista. Ele tinha lá seus 40 funcionários. Meu pai… Minha avó criava meu pai, meu tio e essa minha tia muito bem. Em colégio particular, e coisa e tal, naquela época já. Dentro de 30 dias o vento soprou e o barco virou. O meu avô foi até o banco...
Continuar leituraPlano Anual de Atividades 2013
Projeto Nestlé Ouvir o Outro – Compartilhando Valores - PRONAC 128976
Depoimento de Claudine Aparecido Saldanha Júnior
Entrevistado por Tereza Ruiz
Itirapina, 29 de julho de 2014
NCV_HV41_Claudinê Aparecido Saldanha Júnior
Realização: Museu da Pessoa
MW Transcrições
P/1 – Primeiro, Claudinê, vou pedir pra você dizer pra gente seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Sou Claudinê Aparecido Saldanha Júnior. Quarenta e um anos. Nascido no dia seis de outubro de 1972, em São Carlos, São Paulo.
P/1 – Agora, o nome completo dos seus pais, e se você se lembrar também, a data e o local de nascimento dos seus pais.
R – Meu pai, Claudinê Aparecido Saldanha, nascido em 20 de outubro de 1947, na cidade de Birigui, São Paulo.
P/1 – E sua mãe?
R – Minha mãe, Maria Bernardete Castelen Saldanha, de 1947... Quase 51, nascida em São Carlos, São Paulo.
P/1 – Conta um pouco pra gente o que seus pais faziam ou fazem, não sei se eles ainda trabalham.
R - Trabalham. Você quer a história desde o começo?
P/1 – É.
R – Desde o início, meu pai tem uma história muito triste, por conta que meu pai tinha uma irmã, com sete anos de idade, que era a irmã do meio, meu pai tinha cinco e meu tio mais velho, que é sócio nessa propriedade, eles estão juntos até hoje, com onze anos, na época. A minha tia, na infância, mas era minha tia, é minha tia, e ela saiu num domingo pra buscar uma garrafa de guaraná, na venda da esquina e tropeçou e caiu, cortou o pulso e morreu de tétano três dias depois. Meu avô tinha uma empresa, uma pequena empresa, onde ele fornecia, ele era o principal fornecedor de lenha pra ferrovia, pra antiga Fepasa, a ferrovia paulista. Ele tinha lá seus 40 funcionários. Meu pai… Minha avó criava meu pai, meu tio e essa minha tia muito bem. Em colégio particular, e coisa e tal, naquela época já. Dentro de 30 dias o vento soprou e o barco virou. O meu avô foi até o banco pra sacar o dinheiro, que naquela época sacava o dinheiro e pagava todo mundo em dinheiro, ele sacou esse dinheiro, saiu do banco e nunca mais ninguém o viu até hoje. Nisso, a minha avó, pra não perder o estudo do meu pai e do meu tio, foi trabalhar de cozinheira na escola, pra poder manter a bolsa dos dois. Vendeu todos os bens, carro, casa, tudo que tinha pra pagar a indenização dos funcionários, seus quarenta e poucos funcionários na época e nisso, eles passaram a viver uma vida humilde, a partir desse dia, que meu vô foi embora, deu uma vira volta dentro de 30 dias. Meu pai, assim, teve idade, com meu tio, desceram pro centro da cidade, engraxar sapato, pegar papel e minha avó montou uma cozinha e começou a fazer bolos e salgado pra festas, pra fora, nos finais de semana e trabalhando na cozinha do colégio, pra eles estudarem. Nisso, ela morreu aos 84 anos, fazendo isso, criou meu pai e meu tio com dignidade e ensinou pra eles o que era o trabalho e eles, na minha geração, conseguiram criar um novo patrimônio, saindo da estaca zero, nos primeiros dez anos de vida e chegaram onde chegaram até hoje.
P/1 – E com o que seu pai foi trabalhar?
R – Meu pai, aos 15, meu pai entrou de ajudante de mecânica, numa oficina. Ele se deu muito bem com isso. E aos 23, ele já era chefe de mecânica de uma concessionária, em São Paulo, do Chiquinho Scarpa. A ascensão dele foi muito rápida. Com isso, ele se casou, minha mãe ficou grávida de mim e não queria morar em São Paulo. Criada aqui no interior, não queria morar em São Paulo. Meu pai retornou a São Carlos, sendo chefe da concessionária Volks, da Discasa, em 1970, morando em São Carlos, como minha mãe queria. Trabalhou lá por uns… Um ano e pouco, criou coragem, montou sua própria oficina, que é a Auto Modelo, uma oficina que a gente tem até hoje, que é nossa principal fonte de renda e ela tem, praticamente, 41 anos hoje. Temos quase 20 funcionários e, eu cresci lá dentro, hoje, eu administro ela hoje, e eu administro também a minha propriedade.
P/1 – A propriedade vocês tem desde quando?
R – A propriedade tem desde 1984. Fazendo, agora, 30 anos. A gente formou ela do zero, a gente comprou ela não tinha nem divisa de cerca, era um cerrado, não tinha nada. Cada árvore que você plantada aqui, foi a gente que plantou. Eu ajudei plantar esses pinheiros com 30 e poucos anos, hoje, que eles têm. No saquinho, assim. Pena não ter registro de foto disso, que a gente acha que nunca vai precisar. Aqui, no dia a dia, você acha que não vai ter um arquivo desse, um dia depois. A gente conseguiu fazer dessa propriedade, com aquilo que a gente vinha falando anteriormente, sempre no pensamento racional, na parte ambiental, e com isso agora, a conversão da propriedade pra orgânico, de um ano e pouco pra cá.
P/1 – E como foi a aquisição? Você contou um pouquinho da trajetória do teu pai, em que momento que sua família decidiu adquirir uma propriedade? Já tinha algum histórico assim?
R – O histórico vem do lado da minha mãe, que até agora eu falei do meu pai. O histórico vem de lá da minha mãe. Porque a minha mãe sempre foi criada… Meu avô era produtor de leite. Meus tios produtores de leite, então, minha mãe foi criada com o gado de leite. Eu passava férias na fazenda do meu vô, que depois perderam tudo, mas passava as férias lá, de infância. Meu gosto por cavalo, por gado, sempre veio desse lado da minha mãe. Meu pai, herói que é, sempre pendeu pra esse lado, fazendo o meu gosto. Por isso que veio essa aquisição da propriedade. Não adquiriu essa de cara, a gente tinha uma pequenininha, pegamos do zero, trabalhamos, formamos, vendeu, comprou essa do zero, trabalhou, formou. Nada caiu do céu.
P/1 – Sua mãe exerceu alguma profissão?
R – Sempre trabalhou com meu pai. Sempre na parceria com meu pai, ajudando na empresa, na administração da empresa. Nunca exerceu nada fora.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho uma irmã, que hoje trabalha comigo na administração da empresa.
P/1 – Como é o nome dela?
R – Cleide Carine Saldanha.
P/1 – Trabalha junto contigo na propriedade?
R – Junto comigo, me ajudando na administração da propriedade, na parte financeira e também na empresa, na parte financeira.
P/1 – Claudinê, você falou um pouco da história do seu pai e da sua mãe, mas se você fosse descrever eles pra alguém, de personalidade, temperamento, como eles são?
R – Olha, minha mãe... Como é que vou descrever a minha mãe? Os amigos mais velhos, os amigos deles, em aniversários que a gente comemora, sempre aqui, a gente faz aqui e tal, eu só ouço elogios, do meu pai e da minha mãe. Eu, graças a Deus, tanto como cidadãos da cidade, como pra mim, pra minha irmã, sempre foram muito bons, souberam mostrar o caminho certo pra gente, com valores. Eu acho que isso que é importante, mostrar valores, né? Então, eu descrevo eles, assim, com muito valor de caráter, entendeu, e souberam passar isso pra mim, e consequentemente, pra minha irmã. Isso que eu acho que foi muito útil.
P/1 – Descreve pra gente um pouco, como era a casa que você passou a infância. A casa, o bairro...
R – Eu morei, pra você ver como foi difícil essa ascensão do meu pai. Meu pai sempre foi assim, não teve medo de nada. A primeira propriedade que meu pai comprou foi uma chácara de 15 mil metros, onde não tinha dinheiro pra pagar o trator pra fazer o desmate. Eles fizeram no enxadão, ele e meu tio, cavoucando pé de árvore, tirando, limpando, pra construir a casa. Contrataram pedreiro e trabalhavam de ajudante pra esse pedreiro pra ficar mais barato, e coisa e tal e, aos sete anos de idade, aos meus sete anos de idade, a gente foi morar lá pro meu pai começar a construir o barracão da primeira oficina dele. Então, a gente morou nessa chácara por três anos, com acesso em terra, que nem esse que tem aqui. Só que naquela época, sem energia elétrica. Então, minha mãe esquentava água no caldeirão, no fogão de lenha e colocava naquele chuveirinho de campanha, igual de exército, que puxava a cordinha e tomava banho e tal. Então, dos sete aos dez, eu morei nessa chácara com a casa sem forro, com telhado de Brasilit, que nessa época de inverno, soava por dentro, de frio e a gente foi criado lá três anos, sem energia elétrica, uma fase muito difícil, mas prazerosa na parte de conquista, entendeu? Foi muito prazerosa na conquista, assim, poder participar dessa conquista e meu pai conseguia as coisas do jeito que ele conseguiu.
P/1 - Conta, um pouquinho, mais a sua lembrança dessa casa que viveu três anos. Era uma chácara...
R – Eu tenho contato com essa casa até hoje, porque para você ver como é o destino. O meu primo comprou essa chácara há uns dois anos atrás. Então, eu frequento ela, meu primo reformou, mas mantém as características porque ele também passava a infância lá comigo. Ele comprou essa chácara, até hoje, manteve o nome dela que é “Modelinha”. Meu pai, sempre com esse negócio de “modelo”, então a oficina não chama “Auto Modelo” por acaso. Ela é um modelo, sabe? Essa chácara ficou sendo um modelo da região ali, sempre foram muito caprichosos. Ele e meu tio sempre trabalharam muito com capricho, tentando deixar as coisas, nos mínimos detalhes e tal. Até hoje, eles vêm aqui. Meu tio vai fazer 70 anos agora, já está programada uma festa pra ele aqui, no dia 27 de novembro e ele vêm aqui, trabalham. Se você chegasse aqui, você ia cruzar com os dois e ia perguntar quem é o funcionário. Eles trabalham, assim, sabe, não tem... Então, desde aquela época, voltando lá. Era uma casa, assim, de um telhado só, daquela telha de fibra cimento, amianto, bem fininha e na frente, assim, tinha o lugar das galinhas, um chiqueiro pra ter os porquinhos lá, bem típico mesmo, uma propriedadezinha rural bem típica mesmo. Atrás da casa era a horta. Então, era tentar, praticamente, comer tudo dali, sabe, o porquinho, a horta e tudo dali. Mas meu pai trabalhava na cidade e a gente ficava lá. Naquela época, tinha-se muito medo de assalto, apesar de ter pouco, hoje, muito mais, na propriedade rural; mas minha mãe, eu lembro, que ficava lá: “Ó, em cima do guarda-roupa lá, tem uma carabina, lá, se alguém chegar aqui e tal, não sei o quê.” Bem coisa, dessa época, retrógrada, pra trás. Depois, com dez anos, meu pai já tinha conseguido construir esse primeiro barracão e em cima desse barracão, ele fez um tipo de um apartamentozinho, pra gente morar. Foi quando a gente veio morar na cidade, em 1982. Em 1982, a gente veio morar na cidade, num bairro muito tradicional que é o bairro de Vila Prado, ali em São Carlos. A gente tem esse imóvel até hoje, lá. Hoje ele tá locado, mas a gente tem esse imóvel até hoje lá. Ali eu fiquei até quando eu me casei. Até os 34 anos, eu morei lá. Dos dez... Então eu morei lá 24 anos nesse mesmo local, me criei, tive a minha infância lá, meu amigos, que são meus amigos até hoje, que nossos filhos estão crescendo amigos, daquele bairro. Tem uma veia muito forte ali naquele bairro.
P/1 – Nessa fase de infância, Claudinê, que você estava escrevendo, como era as refeições na sua casa, quem que cozinha? O que vocês comiam?
R – Sempre minha mãe. Sempre minha mãe cozinhou. Sempre minha mãe cozinhou.
P/1 – O que vocês comiam? Como era o momento da refeição?
R – Sempre juntos. Nunca... Se meu pai demorava pra chegar, que tava terminando um carro na oficina, alguma coisa, a gente sempre esperava. Sempre fizemos as refeições juntas. Minha mãe sempre cozinhou, sempre simples. As quintas-feiras sempre era massa. Domingo, uma massa e coisa e tal, coisa bem típica mesmo. Sempre minha mãe, na cozinha.
P/1 – Você sabe qual a origem da sua família?
R – Da parte do meu pai, o meu avô era italiano e a minha avó era índia, bugre. Minha bisavó era pura, né, então, minha avó era... Minha avó paterna, ela era meio sangue bugre e meio sangue espanhol, que meu bisavô era espanhol. O meu avô paterno era italiano e na parte da minha mãe, a minha avó, portuguesa e meu avô, italiano.
P/1 – Voltando um pouco para refeição na sua casa, teu e perguntei, você falou que vocês faziam massa, então tinha italiano na família, né?
R – É. Tem. Tem. Tem italiano dos dois lados.
P/1 – Vocês tinham o hábito de consumir leite?
R – Sempre. Leite... Eu com 41 anos, hoje, eu sinto sede de leite (risos). Eu fui criado com leite e meus filhos vêm vindo pelo mesmo caminho.
P/1 – Como vocês consumiam? Como era preparado? Em que refeições que tomava?
R – Sempre de manhã, no meio da tarde, talvez à noite. Sempre assim. E é até hoje.
P/1 – Puro?
R – Não. Criança, sempre achocolatado, né, e hoje, eu tomo de manhã com café e à noite, se eu for tomar, ou é com aveia ou é com mel.
P/1 – Nessa fase de infância, ainda falando um pouco da infância, quais eram as brincadeiras? Do que você brincava? Com quem você brincava?
R – Com esses meus amigos, né, vizinhos, né, ali, que a gente foi criado junto, ali nesse bairro. Sempre de bola, naquele campinho do bairro, lá. Bicicleta. Teve uma fase também, de tocar violão e coisa e tal e montar uma dupla sertaneja e teve fases assim. Mas foi rápido, isso.
P/1 – Mas na infância, essa coisa da dupla sertaneja?
R – É. Com 13 anos, 14 anos. Eu e um amigo meu, entramos na aula de violão e tocamos no Sesc, não sei o quê, tinha uma dupla, não sei o que lá.
P/1 – Como era o nome da dupla? Conta um pouco a história.
R – Não. Foi muito rápido assim, era um negócio que não teve muito sucesso, então (risos), foi um negócio meio rápido; mas a gente brincava que o nome da dupla era “Cheiro Verde e Abobrinha” (risos)
P/1 – Você gostava de música sertaneja, então?
R – Sempre gostei. Eu fui curtir minha juventude muito tarde, sabe, por conta de sempre gostar dessa parte rural, sempre tá ligado com meus tios, meus avós, tal. Enquanto meus amigos estavam aos 17 anos, meus amigos estavam na boate, no sábado à noite, eu tava no fone ouvindo música sertaneja raiz, por exemplo.
P/1 – O que você gostava de escutar de música sertaneja?
R – Ah, sempre o Tião Carreiro, o Liu e Léo, as coisas bem antigas mesmo. Sempre os mais antigos.
P/1 – Tem uma canção em especial? Que você goste, que tenha te marcado?
R – Sérgio Reis, eu sou muito fã do Sérgio Reis, e agora Almir Sater, Renato Teixeira, eu sou muito desse lado, dessa música cultural, sabe? Eu não lembro o nome da canção, mas aquela do Sérgio Reis que fala... A letra da música, eu acho muito bonita, eu me emociono se eu ouvir ela uma vez por semana, eu vou me emocionar, toda vez; que é... Eu não lembro o nome dela agora, mas ela, não sabia que você isso ia estar no enredo da sua entrevista, mas ela fala que é, daquela... “Poeira vermelha, e quando eu morrer o meu corpo vai se tornar poeira. Poeira vermelha, sabe, meu alimento, tudo vem da poeira e quando eu morrer, eu também vou me tornar poeira.” Eu não lembro o nome da música agora, mas vocês devem ter ouvido já. Deve ser “Poeira”, o nome dela, que fala: “Poeira vermelha. Sei que quando eu morrer, meu corpo vai se tornar, se transformar em poeira, poeira vermelha. Poeira, poeira do meu sertão.”(cantando). Eu acho essa música, assim, é o ciclo da vida. É a música, sabe, que você nasce, come, bebe, respira, vive da terra, ligado a ela ou não, como a gente tá falando, né, ligado a ela ou não. E quando você morrer, você vai ser parte dela de novo. Eu acho que é... Essa fecha, sabe, essa música fecha.
P/1 – Nessa fase de infância, você se lembra o que você queria ser quando crescesse? Você tinha algum desejo, alguma vontade?
R – Eu sempre quis ser caubói. Desde pequeno, montado no cabo de vassoura, eu e meu primo. Os dois, caubóis. Um primo que cresceu comigo, que é o que comprou essa chácara, agora, que eu morei, Eduardo. A gente cresceu junto. Fomos, eu agora ligado mais ao gado, parei, mas você viu nas minhas fotos, montado a cavalo, fazendo prova. Meu pai me proporcionou eu crescer no meio do cavalo, fazendo provas e cronômetro e tive oportunidade de morar nos Estados Unidos por um ano, participando de rodeios, essas coisas, provas. Então, eu consegui realizar meu sonho de ser um caubói, viver daquilo. É que depois, meu pai precisou de mim do lado dele pra administração e eu larguei tudo lá e voltei. Não me arrependo, que a empresa teve mais sucesso, na minha administração. Me casei, agora com minhas filhas, tal, uma coisa que teve que passar, mas eu consegui realizar meu sonho. E agora, meu projeto de futuro é poder trazer pra minha família, pra mim também, pra quem vai consumir nossa produção, que hoje a propriedade virou uma produção, do leite orgânico tá dentro de uma coisa que eu acho que tem que crescer, tem que expandir cada vez mais essa alimentação orgânica. Eu acho que é isso.
P/1 – Voltando a essa coisa de caubóis, desde que idade você montava?
R – Eu sempre montei. Você vai ver foto minha com três anos de idade já montado a cavalo. Eu sempre montei a cavalo. Quando eu comecei, tipo, numa fase amadora, pra depois me profissionalizar, foi perto dos 20 anos por aí; que eu fui enxergar o negócio, esse mercado que existia, participar dos rodeios, das provas, dos campeonatos, essas coisas e poder também, subir um degrau que era ir pro Texas. Depois dos 19, 20 anos.
P/1 – Você foi pro Texas, então?
R – Morei no Texas, um ano.
P/1 – Como foi essa mudança pra lá? Essa experiência?
R – Nossa! Foi marcante demais. Eu me sinto...
PAUSA
P/1 – Vamos só retomar essa história do Texas? Eu queria que você contasse um pouco, assim, quando você decidiu ir pra lá e como foi essa experiência?
R – Então, eu sempre quis, mas do jeito que eu consegui, muita gente vai, muita gente consegue, mas do jeito que eu consegui foi tipo, uma conquista mesmo. Por quê? Porque eu não paguei. Quem vai, quem consegue ir pra lá, é pagando, né? O cara faz intercâmbio ou paga, né, paga caro. Você sabe que é caro. O quê que aconteceu? Em Presidente Prudente, tem um rodeio chamado de Rodeio dos Campeões e onde são convidados alguns campeões de cada modalidade, americanos. Na modalidade que eu praticava na época, que era o Team Hoping, que era o laço em dupla, foi convidado um americano chamado David Lloyd pra participar aqui. Eu fui assistir esse rodeio. Lá, com acesso que eu tinha, eu fiquei nos bastidores com meus amigos. Eu não falava inglês, muito básico, e esse americano muito gente boa, ficando amigo de todo mundo. Tentando me comunicar com ele, ele pegou me deu um cartão e falou: “Ó, mi casa su casa. Quando quiser vai me visitar.” Eu: “Tá bom”. Eu guardei aquilo. Um dia, atendendo na oficina, um cara: “Ah, sou professor de inglês.” Eu falei: “Pô, você não quer fazer um negócio pra mim?” Ele: “Fazer o quê?” “Você não quer ligar pra um americano pra mim? Ver qual é o esquema pra eu morar com ele lá? Eu conheci ele, tal, tal, tal”. “E se você conseguir, você ganha um aluno.” Que ele dava aula particular. “Se você conseguir, você ganha um aluno. Se você não conseguir, eu não vou fazer.” Ele, pegou, fez contato com esse americano. Explicou, falou... Eu passei tudo pra ele, eu falei: “Ó, fala pra ele que eu sei fazer tudo em fazenda. Sei fazer cerca, sei tratar de cavalos, escovo cavalo, corto o casco de cavalo, faço injeção em cavalo. Fui criado. Eu faço tudo que ele quiser. Eu trabalho de funcionário pra ele lá. A troco de ele me dar casa, comida e eu participar com ele lá, ele me ensinar.” Esse cara, na época, tava entre os cinco melhores do mundo. Ele cobrava pra quem quisesse, foi o intuito de ele me dar o cartão, quinhentos dólares por semana. Só pra morar lá com ele. Esse meu amigo, que hoje é meu amigo, esse professor de inglês, o Pita, fez contato com o David e explicou isso pro David. Ele falou: “Ó, ele não tem quinhentos dólares pra te pagar por semana, só que ele tem o trabalho e ele é um cara muito influenciado, aqui, que conhece todo mundo, que conhece pessoas que podem te pagar os quinhentos dólares por semana.” Que eu tinha amigos com poder aquisitivo que poderiam ir pra lá, que não falava inglês, que eu to num haras, se sentiriam apoiados e poderiam estar indo lá. O americano enxergou nisso uma oportunidade de negócio e falou: “Não! Prepara ele aí uns 30, 60, 90 dias, quanto você acha que ele prepara ele aí, um inglês intensivo pra você mandar ele pra cá com o básico e manda ele pra cá. Não vou cobrar nada dele, só vai me ajudar com o trato do cavalo que vou dar pra ele usar aqui, um combustível pra gente trabalhar junto. Coisa simples, coisa de amigo. Conheci ele, gostei muito dele.” Ah! Quando me deu essa notícia, eu falei: “Não! Vamos começar hoje!” Me empenhei nessas aulas de inglês com ele e em 90 dias, eu tinha uma namorada na época, que eu achava que fosse ser minha esposa, naquela juventude de 19, 20 anos. Eu falei pra ela: “Tchau! Tô indo! Daqui noventa dias eu to indo embora.” “Ah. Você vai fazer isso?!” “Vou.” Falei pro meu pai: “Segura a onda, que eu tô indo realizar meu sonho”. E aí juntei as malas e em pouco tempo tava eu fazendo uma conexão em Nova York, de bota, chapéus, naquele aeroporto de Newark, perdido lá dentro, sem achar portão de embarque, sem nada. Um Crocodilo Dundee em Nova York. Me encontrei, lá, com esse americano, em Dallas, depois. Ele tava esperando lá no portão de embarque lá. Isso faz, já, quase 15 anos já, 16 anos, de quando eu consegui ir pra lá, que foi em 1999. É meu amigo, até hoje. Eu não passo um mês sem falar com ele, a gente se fala via Skype. E foi muito importante pra mim, porque eu acabei vindo de lá enxergando uma cultura diferente, que quem mora lá volta enxergando um Brasil, há 15 anos atrás, inexplorado. Eu acho que teve, não sou petista, mas teve um bom desenvolvimento, nesses últimos 12 anos. Eu acho que o Brasil andou pra frente, mas quando eu voltei, eu enxerguei um Brasil inexplorado em várias áreas. Foi quando eu retomei a administração da empresa com o meu pai e eu acho que esse tempo lá me ajudou muito nesse período de enxergar essa administração até hoje. Então eu acho que só teve a agregar na minha formação como pessoa, entendeu? Dominar um outro idioma, conhecer pessoas de culturas diferentes, né, que depois acabei conhecendo muito mais pessoas, além dele, que isso se prolifera muita coisa, muitos contatos, né, em todos os níveis. Conheci pessoas em todos os níveis e isso foi muito bom pra mim, sem dúvida.
P/1 – Você se lembra de algum episódio, de alguma situação que tenha sido marcante nessa sua viagem?
R – Essa de chegar nesse aeroporto lá, marinheirão de primeira viagem, não saber procurar um terminal, portão de embarque pra fazer uma conexão. Se não fosse encontrar duas brasileiras lá, naquele trenzinho que anda dentro do aeroporto, eu acho que eu não tinha encontrado aquele terminal até hoje. Isso foi um ponto marcante. O segundo ponto foi conquistar uma competição importante lá, que foi num dia de Ano Novo, onde na noite anterior, eu falei com todos os meus amigos, antes da meia-noite, não só por conta do fuso horário, mas que eu tinha que acordar cedo, que era uma competição muito importante, chamava New Year’s Roping onde tinham setecentos participantes, só eu de estrangeiro. Eu venci essa competição em primeiro lugar e foi muito marcante pra mim isso e era eu e um parceiro americano, né, que éramos em dois, na competição. Todo aquele momento do galope da vitória que você tem, tradicional, depois do anúncio do campeão. Todo mundo em pé aplaudindo e tocando aquela música “We are the Champions” e eu esse meu amigo, e eu chorando, aos prantos, em cima do cavalo, e num tinha ninguém pra registrar aquilo. Aquilo só tá minha memória. Eu acho, você puxou um negócio que vai ficar legal nessa entrevista, que é o negócio da memória, né, que não tinha ninguém pra registrar aquilo pra mim. Só eu e a minha memória que sabe daquele momento o quanto foi importante, o quanto foi bonito, só eu participei daquele momento, sozinho. Eles me chamavam só de Brasil, porque só tinha eu de brasileiro naquele dia. Foi muito bonito. Foi muito marcante pra mim, naquela viagem. Eu acho que o momento mais emocionante, assim, foi esse momento e o momento da vinda embora. A gente se tornou muito cúmplice, eu e esse meu amigo, que hoje é meu amigo, que ele não tinha... Ele é dez anos mais velho que eu. Ele não tinha filho homem. Ele só tinha duas meninas, como eu tenho hoje. Ele me abraçou de uma tal maneira que ele chorava quando eu vencia uma competição, como se eu fosse filho dele, sabe, tanto que ele se engajou na minha formação lá, como competidor. Eu era o espelho dele, aquele negócio. Quando eu vim embora, eu vim por conta dessa... Meu pai sentiu falta de mim nessa administração, eu larguei isso lá, mas a minha carreira tava em ascensão lá, e a minha amizade com ele cada vez mais forte. Eu morava duas horas, duas horas e pouquinha, do aeroporto internacional de Dallas, Fort Worth lá. A gente saiu de casa sem trocar uma palavra e na hora que a gente entrou no aeroporto, até a hora que a gente foi se despedir, chorando os dois, de quebrar um negócio tão forte que a gente tava acontecendo na vida da gente, tanto na dele quanto da minha. A gente foi se despediu, chorando. Foi um outro momento marcante, foi a despedida daquilo. Foi muito marcante. Consegui voltar lá mais três vezes depois, pra visitá-lo, a última, agora, em 2012, mas só como visita.
P/1 – Agora ficou registrado.
R – Agora tá registrado.
(PAUSA)
P/1– Claudinê, vou voltar só um pouquinho, queria saber quais são as primeiras lembranças que você tem da escola?
R – A escola? Nunca fui fã de escola não, mas acabei... Tinha um plano de vida de fazer veterinária, por estar ligado aos animais desde pequeno, depois, virei pra zootecnia e, por pura falta de emprenho, acabei fazendo só uma básica de Administração.
P/1 – Mas você começou a frequentar a escola com que idade?
R – Normal, sete anos, na minha época, né, seis pra sete anos, lá, naquele parquinho, depois primeira série. Meu pai me manteve no colégio particular até a quinta série. No mesmo colégio que ele estudou e onde eu consigo manter as minhas filhas, hoje, mas depois veio uma fase financeira meio difícil, que, depois da quinta série, meu pai colocou eu e meu irmão num colégio estadual, né? Eu fiquei lá até a formação do colegial e depois acabei fazendo uma Administração, aqui dentro da cidade mesmo. Aquelas técnicas junto com o colegial. Acabei fazendo, dentro da cidade mesmo, não foi uma faculdade específica de Administração, foi aquelas técnicas junto com o colegial.
P/1 – Na sua vida escolar você teve algum professor marcante, professor ou professora?
R – Tive um professor que foi muito, assim, eu me dava muito bem. Dois professores, até eu tenho contato com eles até hoje. O professor Dionísio e o professor Flávio, Matemática e o outro de Ciências e Biologia, que era a parte que eu mais gostava, mais me dei bem, a vida inteira.
P/1 – Por que eles foram marcantes?
R – Porque eles eram muito amigos, mais próximo ao aluno. Eu não sei se hoje tem isso, por conta das classes muito cheias, não sei se o professor tem essa proximidade com o aluno como tinha naquela época. Eu nunca fui muito extrovertido. Eu sempre fui um pouco, mais tímido e eu acho que esses dois professores que eu mais me identifiquei. Acabava me abrindo mais com eles. Aquele professor que eu tinha coragem de falar que eu não tinha entendido, sabe? Eu acho que mais por isso.
P/1 – Pra fechar essa parte de infância, começo da juventude, tem alguma história dessa época que tenha te marcado? Essas histórias que ficam na memória, que a família relembra. De repente, uma coisa que você contou pras suas filhas ou contará pras suas filhas.
R – Nossa! Agora? De escola... Ah...
P/1 – Não precisa ser de escola não. Pode ser dessa fase de infância, juventude, de lazer, de amigos, uma história de família...
R – Nossa! E agora?
P/1 – Uma história de brincadeira, de repente...
R – Ah, o que eu conto é das brincadeiras de escola, conto pra minha filha. Tenho uma filha que vai fazer seis anos, então, eu acho muito importante ir jogando informação cultural na cabeça dela. Então eu procuro sempre contar as coisas pra ela, de escola. Mostro fotos, né, de aniversários que a gente fazia na escola. Hoje, com essa moda de buffet infantil, ostentação, eu acho. Gasta-se, você acaba fazendo a festa pro adulto e não pra criança e naquela época a mãe levava um bolinho lá dentro da sala de aula e na hora do intervalo, cantava um parabéns com um salgadinho que minha avó fazia, o bolo minha avó fazia. Então, eu mostro foto: “Ah, tá vendo como é que era?” A gente curtia o aniversário de uma maneira muito mais simples, mais saudável, sem essa ostentação que o pai fica o ano inteiro pagando a festa do filho, sabe? Eu não concordo muito com esse tipo de coisa, sabe, eu acho que a gente vai virando escravo do dinheiro e eu tento, não por ser econômico, mas eu tento ir mostrando pra minha filha, e não sei o que ela entendeu, que esse ano ela quer a festa dela em casa, né? Esse fim de semana ela falou comigo e com a minha esposa: “Eu quero a minha festa em casa, pros meus amigos e não pros pais deles.” Eu não sei se foi essa sementinha que eu plantei, que eu mostrei a foto, mas eu procuro passar pra minha filha esse... Eu tive uma vida digna, né, eu não deixei de comemorar o aniversário, eu não deixe de, né, de ser amigo das pessoas. Sem ostentação. Você vê essa conquista da minha... Pulando de novo, lá pra frente... Essa conquista de conseguir morar lá no Texas, com esse cara. Sem ostentação! Sem envolver dinheiro, com conquista pessoal, oferecendo uma parceria de caráter da pessoa, com trabalho, sem envolver dinheiro. De novo, eu consegui realizar um negócio sem dinheiro, né?
P/1 – Nessa fase de juventude, você falou que você despertou tarde, pra essa coisa de festa, mas em relação à infância, mudou alguma coisa no seu lazer? No que você fazia pra se divertir? Da infância pra adolescência e juventude?
R – O meu divertimento sempre foi, aos fins de semana, ir à propriedade rural, ou do meu pai, ou do meu avô, ou do meu tio, montar cavalo, tocar vaca, sempre foi a minha diversão foi essa, sabe? Eu nunca fiquei... Nunca deixava, parque de diversões, zoológico, essas coisas. Sítio, fazenda, vaca, cavalo, sempre em cima disso.
P/1 – Essa parte mais amorosa, você mencionou essa namorada que você tinha quando você foi pro Texas. Foi o primeiro amor?
R – Não. Eu tive um outro amor na escola, pouco correspondido, aquele amor de... Aquele primeiro amor de adolescência mesmo, mas que foi pouco correspondido. Depois namorada mesmo, foi essa, depois, que eu acabei terminando por conta dessa viagem.
P/1 – Vocês namoraram de que idade até que idade?
R – Eu namorei ela uns dois anos e pouco, uns 20 qualquer coisa, perto dos 23, por aí.
P/1 – Foi a sua primeira namorada mais longa?
R – Mais longa, foi. Eu nunca tive longos relacionamentos, nessa fase. Assim, eu comecei a sair de casa tardio, com 18 pra 19 anos, comecei a sair assim, mais tardio, do que meus amigos, mas depois eu dei uma embalada. Gostei, sempre, de viajar pros rodeios, as provas, e nessa fase eu não queria compromisso. Por essa fase de viagem, eu viaja com meus cavalos e dormia em caminhão, em trailer. Então eu nunca quis tá amarrado a ninguém, pra não falar: “Ah, que horas você vai? Que horas você volta?” Esse tipo de coisa.
P/1 – E essa fase dessas viagens pra rodeio, que você está mencionando, tem alguma história, uma situação que tenha te marcado?
R – Tem bastante história. Nossa!
P/1 – Escolhe uma delas pra contar pra gente.
R – Tem bastante história. Tem história de... De, num tempo de inverno que nem esse, que até a gente tinha dinheiro, eu e meu amigo que viajava sempre comigo que é o Shel, que é esse meu amigo que está... É meu amigo até hoje, que nossos filhos são amigos, que se criou naquele bairro lá comigo. A gente tinha dinheiro pra até ficar num hotel, mas resolvemos ficar com o dinheiro e dormir no trailer. Pura questão de aventura. Ter dinheiro pra comer melhor, esse tipo de coisa. Tomar uma cervejinha, esse tipo de coisa. Numa época dessa, de inverno, a gente no meio da madrugada, se viu quase em hipotermia de gelo, de muito frio. Eu não conseguia nem falar de frio. A gente foi pra dentro da cabine da caminhonete. Eu engatei uma quinta. Um dormiu no assoalho da caminhonete, o outro no banco, uma caminhonete cabine simples. Isso foi uma coisa que marcou bastante, pra mim. Uma questão, que por pura aventura, quis dormir no trailer, não aguentamos de frio e tivemos que terminar a noite dentro da cabine da caminhonete, em dois, encolhido. Foi um negócio que marcou.
P/1 – Claudinê, que idade você tinha quando você começou a trabalhar?
R – Trabalhar? Eu comecei a ajudar o meu pai aos 16 anos, 15 pra 16 anos, mais ou menos. A gente tinha uma sessão de peças, tem até hoje, uma sessão de peças na oficina e eu comecei a ajudar lá, na marcação de preços, entregando peça pros mecânicos, esse tipo de coisa. Sempre, trabalhei com meu pai.
P/1 – Você recebia algum salário nessa época?
R – Uma mesada, né, aquela mesada pra fazer alguma coisa. A famosa mesada. Sempre ajudando meu pai.
P/1 – O que você o que você fazia com as suas mesadas? Como você gastava esse dinheiro?
R – Ah! Eu comprava bota, comprava calça, comprava chapéu, esse tipo de coisa, que eu sempre gastei meu dinheiro com isso. As fitas cassete das duplas sertanejas, esse tipo de coisa. Passarinho.
P/1 – Você criava passarinho?
R – Criava passarinho. Eu cheguei, bem lembrado o passarinho. Eu tinha um amigo no bairro lá também, o Márcio, que essa parte minha, empresarial, acho que nasceu aí, desde essa adolescência. A gente chegou a ter mais de duzentos canários, a gente começou vender pras agropecuárias. A gente já tinha um fornecimento pras agropecuárias da cidade, com canários, porque o pai desse amigo meu, tinha, antigamente, tinha aquelas cerealistas, tinha o saco de arroz, você comprava por concha. O pai desse meu amigo tinha uma dessa. Ele tinha uma portinha do lado, ele deu pra gente, então a gente começou a comercializar os canários, eu e esse meu amigo. Muito legal, foi essa fase. Comerciante, empresário, acho que nasceu aí. Depois a gente entrou com peixe, começamos a vender peixe também, peixe de aquário. Foi uma fase legal, essa daí, também.
P/1 – Quanto anos vocês ficaram?
R – Ficamos uns dois, três anos nessa brincadeira. Devia ter uns 15 anos, pra 16 anos.
P/1 – Novinho, né?
R – Muito legal. É. Tem meninos de hoje que não é capaz de fazer isso, com esse poder de barganha, já mexer com dinheiro e não deixar o dinheiro tomar conta, pra outras coisas, né, que hoje, você dá dinheiro na mão do adolescente é perigo, né?
P/1 – Você lembra o que você fez com o que gerou de renda, desse negocinho próprio?
R – Ah! Bicicleta nova, no fim do ano, esse tipo de coisa. A gente comprou violão, que aí veio essa fase da dupla sertaneja, comprou violão, do que era o violão da época. Todos esses tipos de coisa, assim.
P/1 – Como é você aprendeu a tocar violão?
R – Eu fui numa escola que tinha lá no meu bairro, mas não foi um negócio que dei muito bem, não. Não fui dos melhores alunos e acabei não tocando pra frente a parte instrumental, não consegui sair por cima, não.
P/1 – Você contou um pouco que você trabalhou um pouco com seu pai na oficina, 15, 16, isso até você ir pro Texas, você estava com seu pai...
R – Sempre trabalhei com meu pai.
P/1 – Me conta, então, desse momento que você voltou. Por que você voltou? O que você começou...
R – Então, eu voltei por que meu pai tava na oficina, já, há muitos anos, né, você sabe, funcionários, muitos clientes, sozinho, meu tio... Já tinham duas oficinas. Meu tio sempre foi sócio dele, já tava na segunda. Então, cada um administrava a sua, meio sozinho. A minha irmã tava lá participando, nessa época, da parte financeira, mas não tinha muita bagagem, né? Meu pai se viu... Pegou uma fase do mercado, uma fase meio complicada, daquela fase final de Fernando Henrique, o Brasil tava passando os anos 2000, que o Brasil passou uma crise brava, naquela época. Lembro da explosão do dólar. Eu morava nos Estados Unidos, nessa época, o dólar saiu de um e dez pra três e trinta, num prazo assim, de dois, três meses. Deu uma reviravolta na economia do país e, consequentemente, na empresa. Meu pai tocava a empresa de uma maneira ainda, apesar de ela ter um sucesso, sempre foi, assim, tirando as concessionárias, sempre foi dos auxílios independentes. Graças a Deus, é até hoje. A de maior ascensão, a maior, mais estruturada, das parcerias mais fortes. Meu pai já tinha parceria da Bosch, nessa época, que a gente completa esse ano trinta anos de parceria Bosch. Meu pai me ligou um dia, lá no Texas e falou: “Olha, é o seguinte...”
P/1 – Se você puder retomar da ligação do seu pai...
R – Então, um belo dia, meu pai me ligou lá no Texas, ele esperou passar o Natal, Réveillon. Já tinha até vencido aquela competição importante. É bom deixar registrado também que aquela competição fazia parte de um campeonato, que onde eu acabei também ganhando o campeonato, como High Money Winner do campeonato, que lá tudo é, não são pontos, eles controlam por dinheiro, né, o vencedor com mais dinheiro. Então, eu tava muito bem lá, né? Meu pai deixou passar o Réveillon, deixou passar as festividades, me ligou uns dez dias depois e me falou: “Ó, é o seguinte, não sei se você está acompanhando os noticiários, tal, tal, tal, a coisa tá assim aqui, tá difícil. A empresa tá passando uma fase difícil. Não to te falando porque eu não to te mandando dinheiro aí, nunca te mandei dinheiro aí.” Sempre me virei sozinho lá, quando eu não vencia nenhuma competição e meu dinheiro acabava, eu ia trabalhar, fazer diária de qualquer coisa, sabe? Ele pegou e falou: “Só que é o seguinte: eu preciso saber se você vai continuar a sua vida aí, ou se você vai voltar pra cá, porque eu preciso decidir. Se você for voltar pra cá, eu vou continuar com a empresa. Se você achar que você vai continuar a sua vida aí, pode continuar, não tem problema, só que eu vou arrendar, vou alugar o barracão, vou fazer qualquer coisa, porque pra eu viver o aluguel do barracão dá pra viver tranquilo. Vou trabalhar no sítio, gosto também. Então, você que decide, tá na suas mãos.” Eu disse: “Olha, é um choque pra mim.” Quebrou minhas pernas, literalmente. Eu peguei e falei: “Ó, pai, me dá uns dias pra eu pensar e eu te ligo e a gente conversa.” “Tá bom”. Foram várias noites, né, pensando nessa decisão, mas o fator, toda essa história que eu te contei da infância do meu pai, da reconquista dele, desde pegar papel na rua, de chegar onde chegou, de conseguir chegar num ponto de me proporcionar a realização de um sonho meu. Eu devia a ele! O único filho homem. Então, eu não queria dar... E essa oficina sempre foi, e é até hoje, a vida do meu pai, né? Vale lembrar também, meu pai passou por um câncer em 2011, passou no buraco da agulha. Tá bem, hoje, graças a Deus, e não saiu de dentro dessa oficina. Ele se tratou do câncer, um ano, mas ele não passava um, dois dias sem ir a oficina. É a vida dele. Então, eu pensei comigo e falei: “Meu, eu devo... Esse momento eu devo a ele.” Então, eu falei: “Eu vou voltar! Vou voltar por pura questão de honra.” Então, interrompi o negócio, não sei como eu estaria lá hoje, não sei; mas interrompi um sonho, pra uma questão de honra, nessa formação do caráter que meu pai me deu. Eu falei: “Não! Eu vou!” E liguei pra ele e falei: “Olha, eu vou voltar, só que tem um porém, eu quero as rédeas. Você me passa as rédeas? Você me dá autonomia? Me passa as rédeas? Eu sei que é um desafio pra mim, mas você me dá essa condição?” “Dou.” “Então tá bom. To voltando.” Marquei a passagem pra mais uns quinze dias, tinha mais uma competição pra participar. Marquei o vôo de volta e vim embora de volta. Cheguei, encontrei um cenário que eu não gostei muito, né? Juro em banco, mas graças a Deus, em quatro meses, eu reverti a história com a minha administração, reverti a história. Graças a Deus, depois disso, a empresa decolou na minha administração e vem até hoje, né? Hoje eu trabalho setenta por cento lá, a administração minha, setenta por cento lá, e trinta por cento na administração aqui, por isso que eu tive que marcar com vocês, esse dia, coisa que eu não consigo tá aqui, direto, por conta da empresa. Mas foi uma decisão muito difícil, mas graças a Deus foi prazerosa, que uma decisão que eu tomei e deu certo.
P/1 – Conta um pouco, então, a história dessa propriedade aqui. A partir desse momento, como vocês chegaram nessa propriedade, como foi estruturada?
R – Essa propriedade já existia, até quando meu pai administrava a empresa, essa propriedade era um cargo pesado em cima da empresa. A empresa bancava essa propriedade, com poucos funcionários, só um funcionário pra manter, a gente vinha final de semana, sempre trabalhou, sempre fez, mas existia um custo, né? A partir daí, na entrada da minha administração, eu cortei literalmente, que eu falei: “A empresa não pode mais bancar a propriedade. A propriedade tem que fazer alguma coisa pra se manter ou venda. Ponto final.” Eu sempre tive isso, acho que tem que ser taxativo, é ou não é. Então, meu tio ainda é sócio da propriedade, até hoje. A gente chamou meu tio. Eu, meu pai, meu tio chegamos a conclusão. “Olha, a propriedade tem que produzir alguma coisa. O que quê ela vai produzir?” “Ah, vamos produzir carne.” Então, compramos uns boizinhos, começamos a aprender, confinamento, vamos confinar, que a propriedade é pequena. Tocamos três anos de confinamento. “Ah, não é aquilo.” “Então, vamos entrar no leite.” Entramos no leite. Estamos até hoje, e graças a Deus com sucesso. Fui convidado, antes de ontem, pela Embrapa Pecuária Sudeste, aqui em São Carlos. Eles estão de pronto apoio pra essa propriedade ser uma “UD” que eles chamam. Unidade Demonstrativa na Embrapa Pecuária Sudeste de leite orgânico. Isso vai ser a nível Brasil, em visitações, a nível Brasil. Isso é muito gratificante.
P/1 – Muito bacana.
R – Muito bacana. É o sucesso também da propriedade.
P/1 – Desde que ano vocês produzem leite aqui?
R – Leite desde 2004, vão fazer dez anos agora, no final do ano.
P/1 – Eu quero começar a conversar um pouco contigo sobre essa relação com a Nestlé, quando começou, mas antes disso eu quero fechar uma coisa da sua vida pessoal, eu queria saber quando você conheceu a sua esposa.
R – Minha esposa, eu conheci, foi muito rápido meu casamento. Eu namorei dois anos, dois anos e pouquinho. A gente se conheceu no final de 2004 e nos casamos em abril de 2007.
P/1 – Como vocês se conheceram? Conta um pouco a história.
R – A gente se conheceu numa festa, assim, na noite, né, numa festa. Quando, conversando, vim a saber que ela morava perto da casa da minha avó, essa minha avó que criou meus pais, sozinha, que fazia bolo e salgado pra fora. “Ah, por que sua avó sempre fez os bolos dos meus aniversários, os salgados das festinhas dos meus aniversários, meus e da minha irmã.” A gente se conheceu, foi se conversando, nos encontramos outra vez, numa outra festinha e outra vez. Começamos a namorar. Namoramos um tempo, como em hoje em dia tem o lance de morar junto, moramos juntos seis meses pra ver se ia dar certo. Deu certo e nos casamos em abril de 2007.
P/1 – Como foi o casamento?
R – Ah, foi legal. Pra variar, foi numa fazenda, né? Ia ser aqui, mas a gente não conseguiu. O acesso da estrada tava muito difícil, a gente acabou alugando uma mais próxima, da cidade, uma fazenda muito bonita e a gente fez o casamento lá. Numa fazenda bem ao estilo meu, assim.
P/1 – Conta um pouco, como foi a festa, como foi a cerimônia?
R – Ah, foi no entardecer, assim. Lá tinha uma capela muito bonita, com uns bancos ao ar livre, com um gramado na beira do lago. Lá é lindo. Chama Fazenda São Miguel. Até faltou uma foto disso lá, desse momento. Foi emocionante, mas foi, assim, quem acabou roubando muito a cena, pra minha emoção pessoal, foi o tempo. Como foi ao ar livre, o tempo tava fechado, e na ida dos convidados pra lá, começou a garoar já, então aquele friozinho na barriga do casamento foi roubado pelo friozinho na barriga da chuva estragar o casamento. Então, o fator climático, pra mim, por exemplo, acabou roubando um pouco a cena do casamento, assim, que até o padre teve que acelerar um pouco. Mas, foi legal. Consegui reunir todos os meus amigos. Os meus amigos americanos, não foi possível, mas foi bem legal. A festa, tem amigo que fala até hoje da festa, que foi muito boa, que curtimos pra caramba, que foi, assim, de falar de festa, de calor de festa, meus amigos falam de boca cheia, falam: “Nossa! Não dá pra esquecer seu casamento, que a festa foi muito animada, que foi longa.” Foi muito legal. Consegui reunir amigos de todas as fases da minha vida, e de todos os níveis sociais. Eu sou assim, eu tenho amigos de classes sociais diferentes, tanto de lá de baixo até lá em cima e consigo conviver. Vou no aniversário de um, vou no aniversário de outro, convido se eu vou fazer alguma festinha aqui no sítio, igual eu fiz de um ano da minha filha, esses dias aqui. Convido os dois e faço questão de colocar na mesa junto pra ter essa troca cultural, sabe, não ter rodinha, do rico ali, do pobre ali. Eu sempre gostei de misturar, sempre gostei. Por eu ter esses contatos, eu sempre gostei de pegar meus amigos que tão mais lá em baixo e com contatos dos meus amigos que tão mais em cima e pegar esse contato, subir um degrau desse meu amigo, levar pra trabalhar pro outro. Eu sempre fui agenciador de emprego pros meus amigos. Eu sempre dei sorte pra isso. Tenho amigo que é gerente de empresa do outro amigo meu, hoje, há dez anos, que tava passando uma situação difícil, que eu cheguei até ajudar com comida e hoje tá casado, com filho, num cargo legal, ganhando bem; que eu consegui um emprego pra ele com contato com esse meu amigo. Isso é gratificante, né?
P/1 – Muito bom.
R – Muito bom. Amigo de infância, de escola.
P/1 – E vocês tiveram lua de mel? Você e sua esposa?
R – Tive. Eu ganhei da minha avó uma viagem de lua de mel pra Punta Del Este, no Uruguai. Até tem uma foto aí, que eu trouxe. Foi muito legal a nossa viagem.
P/1 – Como foi? Conta um pouco.
R – Foi meio rápida porque a gente comprou um pacote, né, daqueles quatro noites e cinco dias, mas foi bem legal. A lua de mel, a gente se divertiu bastante, comemos muito bem. Tomamos muito vinho. Foi muito bom. Eu falei um negócio pra minha esposa, que eu até belisquei ela esses dias, que foi: “Nossa! Que lugarzinho pra se aposentar aquele Uruguai.” É tão gostoso, não sei se você conhece, é tão gostoso lá, tão calmo. Uma estrutura, ainda mais que eu vi uma reportagem esses dias de criminalidade, lá embaixo, educação lá em cima. Eu falei: “Olha, que lugarzinho bom.” Gostei de mais daquela viagem. E depois vieram os filhos, né?
P/1 – Eu ia te perguntar isso agora, me conta como que veio a notícia da primeira gravidez. Como foi?
R – É. Foi planejada, né, foi planejada. Foi, meio assim, planejada, mas com surpresa porque o médico da minha esposa descobriu que ela só tinha um ovário. “Vai ser muito difícil você engravidar. Pode demorar uns dois anos. Não vai ficar frustrada por conta disso, mas talvez demore, isso é normal de ter um ovário só.” Mas, Deus sabe o que faz, e depois uns três, quatro meses, dessa consulta médica que foi quando a gente decidiu ter o primeiro filho. Eu sempre fui de planos na minha vida, sempre planejei as coisas pra frente. Até tenho um cunhado que fala: “Nossa! Eu gosto de você que você sempre pensa cinco anos pra frente. Você vive hoje o que você planejou cinco anos atrás.” E até ele fala pro meu cunhado: “Tá vendo! Tem que ser assim.” Então, desde casar, desde ter filho, sempre, sempre planejando, sempre pensando no futuro. Depois de três meses, a Irene tava grávida da minha primeira filha, Manuela. Ia até ver, depois, a escolha do nome, depois que ficou sabendo que era uma menina. A escolha do nome, eu queria Giovana, ela queria Manuela, então vamos fazer uma aposta e quem ganhar não sei o quê. Ela venceu essa apostinha boba e ficou Manuela.
P/1 – Qual foi a aposta?
R – Eu não me lembro ao certo, qual que foi a aposta agora, mas foi uma coisa bem bobinha, assim, que era: “Ah, então quem ganhar vai decidir o nome da nossa primeira filha.” A Manuela, e agora tá pra completar seis anos em novembro. Depois veio a segunda, que tá com um ano e meio, agora, que é a Helena, que depois acabei mudando meu gosto do nome Giovana, pra Helena, e eu falei: “Então da segunda eu escolho o nome. Vai ser Helena, e acabou.”
P/1 – Como foi a primeira gravidez? O período de gravidez? O parto?
R – A Irene passou muito mal das duas gravidez, com vômitos a gravidez inteira. Coitada, ela sofreu muito com essa parte, bastante gente sofre, né? Mas graças a Deus foi tudo bem, o parto. Minhas filhas, tanto a Manuela, acima de quatro quilos. Depois a segunda também. A Irene também passou mal, com esse fator aí. Depois, supersaudável, acima dos quatro quilos também. As duas vêm crescendo supersaudáveis, são bem inteligentes.
P/1 – Você acompanhou os partos?
R – Da segunda, eu acompanhei mais de perto... Graças a Deus, tudo bem com os partos. O da segunda, eu assisti mais de perto, não ali cara a cara, mas fiquei dentro da sala, acompanhei mais de perto da segunda, da Helena.
P/1 – Como que foi a sensação de pegar a primeira vez?
R – Ah, a sensação de ser pai... Eu falo pros meus amigos que vão ser pai, pela primeira vez: “Você vai sentir uma coisa que você nunca sentiu na sua vida.” Eu sou um cara que, graças a Deus, sempre tive boas emoções na minha vida, mas igual aquela não existe. A sensação de ser pai pela primeira vez e também na segunda, né? É meio que um alívio, né, da perfeição, da natureza, daquele presente que Deus tá te dando. É muito importante isso daí, é muito prazeroso, é muito gratificante. Eu acho que junta tudo isso dentro do peito e te dá uma espremida no coração, assim. É muito legal.
P/1 – O que muda na sua vida? O que mudou na sua vida?
R – Responsabilidade, né, o fator responsabilidade, pra esse mundão que a gente vive aí hoje. Eu não senti tanta responsabilidade quanto, quando eu peguei as rédeas da empresa do meu pai pra administrar totalmente, quanto no nascimento da minha filha, né? Você fala: “Nossa! Agora eu sou responsável por ela o resto da vida, né?” Tanto a educação, a proteção, a formação do caráter dessa pessoa. A gente é totalmente, acredito em destino, mas eu acho que o destino a gente faz, né? Eu acho que nós somos reflexos do que a gente planeja, né, do que a gente quer ser. A gente vive o que a gente planeja, eu acho. Então, eu planejo dar uma boa educação pras minhas filhas, boa alimentação. Espero que elas não me desapontem, né, mas eu acho que é isso, eu acho que é a responsabilidade, é o maior peso que você sente quando você tem o filho, é a responsabilidade de formar essa pessoa, como meu pai me formou. Isso, eu acho que é muito difícil.
P/1 – Vamos entrar então, agora, nessa questão da Nestlé, que é a última parte da nossa conversa. Queria que você me contasse como que a Nestlé chegou até vocês ou como vocês chegaram até a Nestlé. Como foi essa aproximação e o começo da relação?
R – Então, a gente começou produzir leite, mas assim, meio sem saber o que tava fazendo, né? Eu falo sem saber o que tava fazendo, porque eu venho de cultura de produtores de leite. Meus tios, meu vô. Mas eu dou sempre o exemplo, já dei várias entrevistas na operação do leite aqui. Eu divido sempre em... Eu falo que meu avô e meus tios tiravam o leite e, hoje, eu produzo o leite. Então, tirar leite é tirar o leite da vaca, que ela dá; e produzir leite é dar uma alimentação, o máximo, conseguir produzir com esse animal, em genética, alimentação, qualidade desse leite, a qualidade de vida dos funcionários, bem-estar do animal, sabe, isso é produzir leite. Pra isso, você tem que ter um parceiro e a Nestlé consegue proporcionar isso, ao produtor, entendeu? Você é remunerado no fator qualidade, pra Nestlé. Que isso, você não usa pra comer picanha ao domingo, você usa pra produzir essa qualidade, entendeu? E o fator responsabilidade, né? O produtor Nestlé... Eu tenho amigos que são produtores de leite, que fornecem pra outras empresas, que eu falo: “Vamos pra Nestlé.” “Você é louco! É muita exigência! É não sei o quê...” “Não é exigência! É responsabilidade de fazer um alimento de qualidade, de produzir um alimento de qualidade.” Vem naquilo que eu te falei, que eu hoje eu vou ao supermercado e tudo que é lácteo, tudo que a Nestlé produz é o que eu compro pras minhas filhas, porque eu sei a origem. Eu sou fornecedor, eu sei a origem e é o que eu quero colocar na mesa, na minha casa.
P/1 – Eu queria que você contasse pra gente um pouco melhor, como é essa parceria entre a Nestlé e o produtor rural. De que maneira ela acontece? Se ela é boa pro produtor rural e por quê.
R – Olha, eu tenho duas fases na produção de leite. Eu digo “eu”, porque eu que administro, tá, mas tem o meu tio que é sócio, meu pai. Somos nós três empenhados aqui. Mas nós temos... A nossa história se divide ao meio, quando entra a Nestlé. Primeiro, no mostrar pro produtor... Ela não chega e cobra. Ela chega e ensina, te dá respaldo técnico pra você produzir com qualidade e com eficiência, entendeu? Então, ela subsidia um técnico pra gente, uma visita mensal, o dia todo na propriedade, onde ele trata desde a alimentação dos animais, balanceamento da dieta. Pra empresa, a Nestlé precisa de sólidos, hoje, pra produzir seus derivados, né? Então toda a dieta do gado é em cima dos sólidos, pra produção de sólidos. Então ela subsidia desde o técnico, quanto ao sêmen pra gente fazer vacas, produzir vacas com maior teor de sólidos, geneticamente. Ela subsidia esse sêmen, ela paga cinquenta por cento desse sêmen pra gente. Pra gente investir em genética. Dá esse técnico pra fazer a qualidade da alimentação do gado. Dá um outro técnico que é do BPF, que é Boas Práticas da Fazenda, que vem uma vez por ano na fazenda, ver como estão a parte de Boas Práticas, a parte de descarte de dejetos e todas essas coisas, conforto animal, anotações, registros. Então é mais uma pessoa envolvida que a Nestlé tá subsidiando pro produtor. Ela dá um lastro pro produtor, entendeu? Lastro de cada um ter o engajamento diário nisso, repassar isso pro funcionário que não é todo produtor... Na região sul, você tem mais produtores, onde eles próprios produzem, a própria família. No Estado de São Paulo, já é menor esse número de famílias envolvidas na propriedade, né, mas são famílias que têm outras atividades e acabam tendo o leite como segunda atividade. Então, que requer um gerenciamento muito maior quando você que faz uma coisa, quando você passa a informação pra uma pessoa fazer, pode ter uma distorção, no repassar dessa atividade. Graças a Deus, a gente, segundo o Pedro, da Nestlé, que fez esse contato, que vocês estariam marcando essa entrevista, falou: “Ó, a gente tá selecionando devido ao mérito de vocês, da qualidade, da propriedade, da produção dessa matéria-prima pra Nestlé, em todos os fatores, né, eficiência em volume, eficiência em bactérias no leite, que é o mais baixo possível.” A gente consegue, aqui, um padrão que a Nestlé, abaixo do padrão que a Nestlé trabalha nos Estados Unidos, a gente consegue nessa propriedade um padrão de leite de qualidade mesmo, classe A, aqui a gente consegue. Mas não é por confete não, é por pura dedicação e por aproveitar o que a Nestlé nos oferece, né, que tem todos os produtores que a Nestlé bate na porta deles, na porteira deles, literalmente, e diga: “Olha, to aqui pra pegar seu leite. Eu te ofereço isso, isso, isso, isso.” E o cara, porque não quer ter a responsabilidade, entre aspas “social” de produzir um alimento de qualidade, porque o cara fugir de uma exigência da indústria é fugir de uma responsabilidade social. Eu já ouvi isso de várias pessoas acima de mim, dizendo: “Você é um cara formador de opiniões.” Eu uso ser formador de opinião pra mostrar o que é um alimento de qualidade e outro não, que eu sei empresas que coletam leite na minha região que não faz exigência nenhuma e que envasam o leite, vendem... A pessoa que eu vejo consumindo aquele leite, eu falo: “Olha, você tá consumindo isso, isso, isso. Se você consumir um produto Nestlé, você está consumindo, isso, isso, isso.”
P/1 – Qual a importância de fornecer um produto de qualidade, pra sociedade, de maneira geral?
R – Eu acho que é uma responsabilidade, já que eu vou produzir alimento, eu quero produzir o alimento de qualidade porque eu tenho família consumindo. Eu tenho amigos consumindo, né, eu penso no próximo, eu penso: quem vai consumir esse alimento? É o que a Nestlé está preocupada, né? Então, eu vi, eu acho que quando um produtor fala assim pra mim: “Não! Você é louco de produzir pra Nestlé. Exigência...” Eu acho que ele tá fugindo de uma maior eficiência na produtividade dele, que ele pode virar, a Nestlé acaba pagando mais. Até eficiência econômica da produtividade dele pode mudar e ele tá fugindo de uma responsabilidade social, de produzir um alimento de qualidade. Eu acho que eles estão totalmente errados.
P/1 – Desde que ano você está com a Nestlé?
R – É difícil até de lembrar agora, mas eu acho... A gente tá em 2014... Eu acho que foi 2005. Dois mil e cinco!
P/1 – Que vocês começaram a parceria, tanto no Nata quanto no Boas Práticas, é isso?
R – É. A gente começou a fornecer pra Nestlé, depois que nasceu o Nata e nasceu a BPF. A gente já era produtor Nestlé quando nasceu esse projeto.
P/1 – Só um parênteses, você falou de “sólidos”, o que você quer dizer com isso?
R – A indústria, o leite é formado por oitenta e cinco, oitenta e sete por cento de água, né, o resto é sólidos. É isso que a indústria aproveita. Sólidos. Tanto é que a Nestlé, o Brasil é o único país hoje, que a Nestlé paga por litro de leite. Se você pegar Uruguai, Chile, Argentina, Colômbia, aqui pra cima, as Américas, né, que a gente faz parte da DPA, que é Dairy Partners Americas. Segundo informações, aqui, da planta de Araraquara, a Nestlé no Brasil é o único país que ela ainda paga por litro e não por quilos de sólido, né? Então, a tendência do mercado de lácteos é pagar por sólidos. Foi aí que a empresa tem que subsidiar isso pro produtor e a Nestlé tá fazendo isso já há alguns anos, com a gente, subsidiando esse sêmen, com melhoramento genético pra nascerem vacas com maiores teores de sólidos no leite delas. Sólidos são gordura, proteína, tudo que ela extrai do leite, pra produzir os derivados dela. E pra isso quanto menos células somáticas tiver nesse leite, menos bactérias tiver nesse leite; maior vai ser o teor de sólido. Então é uma gangorra, né? Menos célula somática, menos bactéria, mais proteína, mais gordura. É isso que a indústria procura.
P/1 – Você mencionou que você divide a história da produção de leite na sua propriedade em antes e depois da Nestlé. Você pode trazer algum exemplo, alguns exemplos de modificações práticas, na propriedade, no jeito de vocês produzirem que chegaram ou que vocês implementaram depois que começaram a fornecer pra Nestlé.
R – Primeiro, a parte zootécnica, manejo de rebanho, separar por lote. Hoje, eu tenho uma propriedade pequena, mas ela é separada por lotes, categoria animal, essa é a primeira coisa no manejo, que você começa a aprender, quando você começa a ser assistido por um técnico, sabe?
P/1 – O quê que é isso? Explica um pouco pra gente.
R – Por exemplo, desde a criação das bezerras que a gente forma aqui, que são as nossas futuras vacas, então ela nasce, ela tem uma categoria animal, a hora que ela desmamar, dá uns 120 dias que ela desmama aqui, ela faz parte de um outro grupo. E é isso até ela se tornar uma vaca, ela tem umas cinco categorias que ela passa. São grupos que, que esse grupo é tipo uma escola. Você não é separado na hora do intervalo, no primário, do cara lá do colegial? Manejo do animal é a mesma coisa. Como é que você vai conviver uma bezerra de 120 quilos com uma novilha de 450 quilos? Ela vai brigar, ela não vai conseguir comer a ração. Então, aí vem a dieta, a dieta de uma bezerra dessa, é duma proteína, de uma energia, de uma organização diferente dessa de 450. O manejo é isso, é separar aquela categoria animal, tanto pro convívio, quanto a dieta. É tudo, tudo isso. Isso, depois que ela virou vaca, que ela pariu, que ela tá produzindo leite, é outra separação. É fase dela em lactação, pico de lactação é um lote, meio de lactação é outro lote, final de lactação é outro lote, com dietas diferentes e convivências diferentes e isso faz parte do sucesso, se eu não tiver isso, esse manejo, isso é diário. Isso é diário. Se você não tiver isso, você não tem sucesso, não adianta.
P/1 – Isso, vocês começaram com...
R – Começamos a fazer depois da parceria Nestlé, depois da assistência técnica proporcionada pela Nestlé.
P/1 – Você conseguiria pensar, agora, em algum outro exemplo, desse tipo?
R – Ah, o próprio manejo de ordenha, né? Na hora de você produzir mesmo o leite, né, manejo de ordenha. Os produtos certos, sanitização perfeita do maquinário, uso de luvas pra quem vai ordenhar, né, descartáveis. Tudo isso envolve. A produção de leite é muito complexa. Você não pode errar, se você errar hoje, no fator leite, você paga hoje, por que a Nestlé também tem o seu lado penalização do produtor que erra, na qualidade. E brasileiro tem que fazer isso. Brasileiro só sente se mexer no bolso, se não, não adianta. Eu, graças a Deus, nunca fui penalizado, mas o produtor, por exemplo, se uma vaca precisa de um antibiótico e você faz o antibiótico nessa vaca, em outras empresas, o leite dessa vaca pode ir no meio. E você vai estar consumindo esse leite lá fora. Na Nestlé, não. Na Nestlé é vinte quatros horas, além da bula do medicamento, pra essa vaca voltar o leite que vai pra empresa. Esse leite é descartado. Se você quiser aproveitar ele pra bezerro, pra alguma coisa, você pode aproveitar, mas pra mandar pra indústria não. Ele é segregado pra indústria. E seu mandar dez litros desse leite num caminhão da Nestlé de dez mil litros, lá na entrada dele na fábrica vai ser detectado e aí vai ter a mostra individual de cada produtor que colocou seu leite dentro dessa carreta, e ele vai ser penalizado, ele vai pagar a carreta inteira de leite. Num preço industrial, mas vai pagar. Então, a Nestlé também tem o seu lado penalização, nessa parte, controle de antibióticos. Eu acho muito importante isso aí.
P/1 – Tanto o Boas Práticas, quanto o Nata falam em segurança e qualidade do leite, você também falou. Queria que você dissesse pra gente, que é leigo, em termos gerais o que é a segurança e a qualidade no leite?
R – Da qualidade é isso. Você tá tomando um leite com muito menos bactéria e muito mais gordura e proteína que é o que se aproveita do leite, na parte sólida; e o descarte zero de antibióticos e qualquer tipo de medicamento, descarte zero. Porque o produtor não arrisca mandar o leite quando a Nestlé não. Você tem isso rotineiramente, o animal fica doente. Ele precisa ser tratado. Bem-estar animal. Primeira coisa da BPF, bem-estar animal. Então, você tem que dar um bem-estar animal, ele, como a gente, precisa ser tratado. E sendo tratado, esse leite é segregado. Então, a garantia de quem tá consumindo isso é total, né, e os Boas Práticas, são as boas práticas mesmo. É o cocho que a vaca vai beber tá limpo. É uma sombra pra ela poder descansar. O acesso a alimento de qualidade. A separação dessa categoria animal, aos registros dessa vaca, né, se ela pariu, se ela não pariu, se ela tomou remédio, se ela não tomou. Tudo isso é a educação do BPF e do Nata, né? É o reflexo disso que vai à mesa do consumidor.
P/1 – Em termos de produtividade teve alguma mudança pra vocês, desde a parceria?
R – Sem dúvida.
P/1 – Em que sentido?
R – Produtividade, mesmo. Tanto em volume, quanto a média de leite produzido por vaca, a média de leite produzido dentro da mesma propriedade, né? Quando eu comecei a fornecer pra Nestlé, eu fornecia uns duzentos e cinquenta litros por dia. Hoje, eu tô com oitocentos e cinquenta, dia. Então, eu tripliquei essa produtividade.
P/1 – Tudo isso, a partir das mudanças que vocês foram...
R – Sem dúvida. Técnica, né? Fazendo a lição de casa, de que a Nestlé proporciona pra gente. É isso.
P/1 – Bacana. Eu vou encaminhando pro final, então, Claudinê. São duas perguntas finais. Antes de fazer essas duas perguntas, eu quero te perguntar se tem alguma coisa que a gente não te perguntou e você gostaria de falar. Qualquer coisa. Gostaria de deixar registrado, gostaria de complementar.
R – Eu já, eu acho que já falei, né, aqui, em várias horas, que, apesar de eu estar dando essa entrevista, eu não sou sozinho, os méritos não só meus. Do meu pai, do meu tio também, tem a minha família envolvida. Então, é isso que eu quero deixar registrado, na aspas. Eu já devo ter falado várias vezes, pra trás na entrevista, mas eu quero deixar uma aspas pra isso, que eu não tô sozinho nessa história.
P/1 – Tá certo. Então, agora, a penúltima pergunta, quais são seus sonhos hoje?
R – Meu sonho é conseguir chegar o máximo desse projeto, que isso já virou projeto, né, que a gente sabia que ia demorar pra esse sucesso, uns dez anos e estamos fechando esses dez anos. Isso fazer mais parte do meu dia a dia, sabe, poder participar mais de perto no dia a dia. Eu acho que eu tô quase pra conseguir isso. Eu acho que, em um futuro próximo aí, eu consigo pelo menos passar setenta por cento do meu tempo aqui, que eu acho que é muito mais saudável. A gente está conversando, ouvindo os pássaros, com as vacas, com a natureza. Eu acho que é isso que eu procuro. Esse é meu próximo projeto de vida.
P/1 – Por fim, como foi contar a sua história?
R – Ah, muito bom. Foi muito bom. Muito prazeroso poder deixar isso registrado. Foi bom também saber que vocês vão poder passar, justo agora ele foi dar partida...
P/1 – (risos)
R – Passar isso pra gente na íntegra, né? Parece que vou ter acesso...
P/1 – Vai. Vai ter acesso.
R –Bem legal.
P/1 – Tá certo.
R – Eu queria agradecer a vocês pela oportunidade, agradecer a Nestlé pelo projeto... Quer gravar de novo? A gente grava.
P/1 – Pode retomar, se quiser.
R – Onde eu tava mesmo?
P/1 – Tava falando que queria agradecer a Nestlé...
R – É. Agradecer a Nestlé pela iniciativa do projeto, agradecer vocês, ao Museu da Pessoa, por esse trabalho maravilhoso que vocês têm, e a oportunidade de eu ter sido escolhido pra essa entrevista.
P/1 – A gente que agradece.
R – Obrigado.
P/1 – Obrigada.
FINAL DA ENTREVISTA
Recolher