Plano Anual de Atividades 2013
Projeto Nestlé - Ouvir o outro compartilhando valores – Pronac 128976
Depoimento de Silvia Maria Franciscato Cozzolino
Entrevistada por Tereza Ruiz
São Paulo 25/07/2014
Realização Museu da Pessoa
NCV_HV039_Silvia Maria Franciscato Cozzolino
Transcrito por Liliane Custódio
MW Transcrições
P/1 – Então primeiro, Silvia, eu vou pedir pra você falar pra gente seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Silvia Maria Franciscato Cozzolino, nasci em Avaré, dia 12 de maio de 1947.
P/1 – Agora o nome completo do seu pai e da sua mãe, e se você lembrar, também data e local de nascimento.
R – Silvio Franciscato, nascido em dois de novembro de 1915, Inesme Schain Franciscato, nascida em Niterói, Rio de Janeiro, no dia nove de novembro de 1923.
P/1 – Qual o local de nascimento do seu pai?
R – Mato Grosso... Acho que é Campo Grande, não tenho certeza.
P/1 – Tá. Tudo bem, não tem problema.
P/1 – Campo Grande, Mato Grosso do Sul, eu acho, agora.
P/1 – Você sabe qual a origem da sua família, Silvia?
R – Sim. Meu pai é descendente de italianos, de Treviso. Meu avô e minha avó se conheceram no navio vindo para o Brasil. E meu pai tinha 12 irmãos, ele era o último. E minha mãe, meu avô era libanês, e minha avó era filha de português. Então você imagina, meu avô assim, bem moreno e minha avó muito clarinha. E minha mãe era uma mulher muito bonita, ela pegou a pele da minha avó e o cabelo bem preto do lado do meu avô.
P/1 – Você sabe por que eles vieram, seus avós, para o Brasil?
R – Eles vieram imigrando, porque meus avós paternos, do lado da Itália, quando teve uma grande massa de imigração de lá. E meu avô veio do Líbano, ele era libanês e veio com 12 anos para o Brasil, e se fez aqui. Já da minha avó materna, eu não sei muito. Ela falava e nós ficávamos às vezes meio... Que a avó dela era índia e tinha sido roubada pelo pai dela, pela família dela,...
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Projeto Nestlé - Ouvir o outro compartilhando valores – Pronac 128976
Depoimento de Silvia Maria Franciscato Cozzolino
Entrevistada por Tereza Ruiz
São Paulo 25/07/2014
Realização Museu da Pessoa
NCV_HV039_Silvia Maria Franciscato Cozzolino
Transcrito por Liliane Custódio
MW Transcrições
P/1 – Então primeiro, Silvia, eu vou pedir pra você falar pra gente seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Silvia Maria Franciscato Cozzolino, nasci em Avaré, dia 12 de maio de 1947.
P/1 – Agora o nome completo do seu pai e da sua mãe, e se você lembrar, também data e local de nascimento.
R – Silvio Franciscato, nascido em dois de novembro de 1915, Inesme Schain Franciscato, nascida em Niterói, Rio de Janeiro, no dia nove de novembro de 1923.
P/1 – Qual o local de nascimento do seu pai?
R – Mato Grosso... Acho que é Campo Grande, não tenho certeza.
P/1 – Tá. Tudo bem, não tem problema.
P/1 – Campo Grande, Mato Grosso do Sul, eu acho, agora.
P/1 – Você sabe qual a origem da sua família, Silvia?
R – Sim. Meu pai é descendente de italianos, de Treviso. Meu avô e minha avó se conheceram no navio vindo para o Brasil. E meu pai tinha 12 irmãos, ele era o último. E minha mãe, meu avô era libanês, e minha avó era filha de português. Então você imagina, meu avô assim, bem moreno e minha avó muito clarinha. E minha mãe era uma mulher muito bonita, ela pegou a pele da minha avó e o cabelo bem preto do lado do meu avô.
P/1 – Você sabe por que eles vieram, seus avós, para o Brasil?
R – Eles vieram imigrando, porque meus avós paternos, do lado da Itália, quando teve uma grande massa de imigração de lá. E meu avô veio do Líbano, ele era libanês e veio com 12 anos para o Brasil, e se fez aqui. Já da minha avó materna, eu não sei muito. Ela falava e nós ficávamos às vezes meio... Que a avó dela era índia e tinha sido roubada pelo pai dela, pela família dela, enfim, que ela tinha um pouco dessa mistura, mas nós não acreditávamos muito. E ela ainda falava que era descendente de José Bonifácio de Andrade Silva, que era famoso naquela época, nós estudávamos. E nós ficávamos assim sempre... E ela tinha Andrade no nome, então nós não sabemos exatamente (risos). Enfim, os netos não acreditavam muito (risos).
P/1 – Até hoje vocês não sabem se é...
R – Não. Não sabemos. Justamente eu acho que talvez seria bem interessante se a gente pudesse ter uma árvore genealógica, mas não temos.
P/1 – E você sabe quando eles vieram, imigrantes, no que eles vieram trabalhar no Brasil, os seus avós?
R – Veja, é assim, naquela época não se falava muito. Eu acho que hoje se dá mais importância pra tudo isso. Eu tive até uns primos que tentaram fazer a árvore genealógica por parte do meu avô. De certa forma, eles vieram pra trabalhar na lavoura, do lado dos italianos, tanto que depois de um tempo meus avós se separaram e minha avó cuidou praticamente dos 12 filhos sozinha. E assim, trabalhando junto com os irmãos dela e com a família dela em uma fazenda. E aí cada um foi para o seu destino, tanto que a gente nem sabe muito dos meus tios daquela época. E meu avô do lado da minha mãe veio mais pelo comércio. Acho que a comunidade libanesa no Brasil era assim bem unida e eles eram mais comerciantes, então eu lembro que meu avô tinha uma lojinha em Avaré. E eu nasci em Avaré por acaso, porque meus pais moravam naquela época em Curitiba. E minha mãe veio me ter na casa dos pais dela em Avaré.
P1 – Essa lojinha do seu avô, do que era?
R – Vendia tudo, desde roupa até... Eu lembro que na época eu era pequena e eu adorava ir lá, porque ele vendia umas miniaturinhas de xicrinha, de panelinha, então tinha de tudo na loja dele.
P/1 – E seus pais, Silvia, o que eles faziam?
R – Então, meu pai começou trabalhando com o meu tio numa empresa de ônibus. Eles tinham um ônibus que eles começaram a fazer uma linha de ônibus de Piracicaba até naquela região. Hoje é uma empresa muito famosa, que é o Expresso de Prata, que vai todo o... Pega Bauru, Marília e vai. E hoje ela é do meu primo. Ficou com a família do lado... Porque quando começou, foi do meu pai e do meu tio, que faziam eles mesmos guiavam os ônibus. E é muito interessante isso, porque naquela época meu pai conheceu a minha mãe, nessas viagens que ele fazia. E meu avô não queria que a minha mãe casasse com o meu pai, porque ele não era da mesma origem, ele queria que a minha mãe casasse com alguém de origem libanesa mesmo. E a minha mãe fugiu pra se casar com o meu pai, naquela época, em 1942. Em 42. E foi muito interessante, porque minha mãe falou: “Não, eu vou casar, mas...” Aí meu pai arrumou todo o apartamento pra eles se casarem. Não sei se era apartamento ou casa. E o que ele fez? Ele foi pra lá pra Avaré com a irmã dele, aí minha mãe foi embora com eles. E quando eles chegaram lá, eles avisaram a família da minha mãe que eles iam se casar. Parece que eles tinham que ficar 24 horas, porque tinham que ficar não sei o número de horas pra dizer que tinha que casar. Porque ela tinha 18 anos, eu não sei nem se... Nem tinha ainda 18 anos. E a minha tia ficou com a minha mãe a noite inteira, daí no dia seguinte, meu tio mais velho, que o meu avô não quis ir, meu tio mais velho e a minha avó foram até Botucatu e eles se casaram. E a minha mãe era só estudante na época, estudava, nem chegou a completar o superior. E meu pai, como ele começou a trabalhar muito cedo e não gostava muito de escola, ele só completou o primário. Mas ele era assim, supertrabalhador, durante toda a vida dele trabalhou muito. Depois ele resolveu sair da empresa, foi pra Curitiba, e lá ele transportava caminhões da General Motors, nem eram caminhões, eram estruturas, só a parte da frente do caminhão, ele fazia esse trabalho. E aí voltou pra Botucatu, e lá ele voltou a trabalhar com o irmão dele, mas trabalhando assim, como gerência da garagem. Naquela época já havia crescido a empresa e ele trabalhou praticamente a vida inteira dele nessa… Mas nesse período que ele estava em Botucatu, vamos dizer assim, logo depois que meus pais se casaram, meu pai era instrutor de aviação. Você imagina que ele não tinha nem primário completo, praticamente, e ele ensinava o pessoal de lá a pilotar.
P/1 – Você sabe como ele aprendeu a pilotar?
R – Não sei como ele aprendeu. Eu não sei te dizer, só sei que ele era instrutor de aviação no Aeroclube de Botucatu. E a minha mãe tem o brevê... Tinha, porque ela faleceu faz dois anos. Ela tinha o brevê de piloto, que ela era maior orgulhosa disso, e ela tinha aprendido com o meu pai.
P/1 – Ela pilotava?
R – Pilotava também, porque ela aprendeu com o meu pai. E naquela época que eu era bem pequena, meu pai nos colocava, eu e minha irmã, eu tenho uma irmã, que é um ano mais nova que eu, e nós duas íamos com eles naqueles aviõezinhos pequenininhos, voávamos por toda aquela região lá do interior de São Paulo. Era muito interessante, eu lembro bem. E meu pai era muito aventureiro, então ele gostava de caçar, de pescar, então nós crescemos também na beira do rio, como assim, bem da terra mesmo.
P/1 – Você falou que seus pais seus pais se conheceram nessa empresa, quando seu pai dirigia, na Expresso de Prata, é isso?
R – Hoje.
P/1 – Hoje é Expresso de Prata.
R – É. Hoje é Expresso de Prata, mas naquela época, eu nem lembro se era ainda esse mesmo nome, mas foi naquela época.
P/1 – E como eles se conheceram?
R – Então, segundo a minha mãe, ela foi viajar, conheceu, e os dois muito bonitos, aí um olhou para o outro e começaram a se ver mais. Tudo escondido, porque meu avô era bravo. E minha mãe tinha seis irmãos que tomavam conta dela, daquele jeito.
P/1 – Todos homens?
R – Todos homens. Ela teve uma irmã, que morreu com oito anos, imagina, de sarampo, naquela época. E depois ficou só ela com seis irmãos.
P/1 – E sua mãe chegou a exercer alguma profissão durante a vida?
R – Não. Minha mãe era uma pessoa assim, muito habilidosa e ela tinha uma vontade enorme de fazer várias coisas, mas meu pai sempre não queria. Não a deixou trabalhar a vida inteira, mas por ela... E ela, na época que meu avô tinha loja, ela gostava muito de ver o pessoal costurando, fazendo. Então se você falasse pra minha mãe: “Faça um terno” – ela sabia fazer. “Faça um vestido desse jeito” – ela sabia fazer. Porque ela ficava lá junto com as costureiras, junto com o pessoal que fazia, porque eles faziam na própria loja, e ela sabia fazer tudo. Então assim, tinha uma habilidade manual incrível, fazia coisas de crochê que você não imagina, com aquele ponto pequenininho. E ela era ótima nisso.
P/1 – Ela costurava pra vocês assim, pra família?
R – Costurava. Pra nós, pra mim e pra minha irmã, pra ela, para o meu pai, inclusive, mas era assim bem... Mas fora de casa, o meu pai não deixava. Ela queria muito, ela queira montar um ateliê de costura, ela sempre falava pra ele, mas nunca que deixava.
P/1 – E como eles eram de temperamento, Sílvia? Conta um pouco pra gente qual era a personalidade.
R – Brigavam demais. Brigavam demais. Eu me lembro que eu ficava muito triste de ver os dois sempre... Amavam-se incrivelmente, mas era uma briga total. Meu pai era muito ciumento da minha mãe, muito, então não a deixava fazer nada. E minha mãe tinha uma cabeça muito mais aberta, sabe? Ela que nos obrigava a estudar, ela que incentivava, sabe, que nós estudássemos. E meu pai, por ele, se a gente não quisesse estudar, tava tudo bem. E ela não, ela ia lá, brigava, queria. Meus pais nunca foram ricos. Eles sempre viveram bem, mas nunca foram ricos, então minha mãe ajudava muito nessa parte de fazer nossas roupas, de incentivar pra que a gente estudasse. Fazia as festas de aniversário ela mesma, era assim muito... Mas assim, eles brigavam, brigavam, brigavam, mas geralmente estavam bem, porque eles se amavam e ficaram juntos mais de 50 anos.
P/1 – E como pais assim, como eles eram?
R – Muito... Nota cem. Eles eram muito carinhosos. Meu pai fazia tudo pra gente (choro). Eu sinto muita falta deles (choro).
P/1 – Faz muitos anos já? Sua mãe, você falou que faz dois anos que faleceu.
R – Meu pai ficou... Ele era uma pessoa que nunca foi gordo, nunca foi nada, mas ele teve um AVC e ficou cinco anos numa cama, sem comer nada, só recebendo alimentação por sonda. Aí minha mãe cuidou dele. Depois que ele faleceu, ela foi morar perto de mim, porque ela também era superindependente, ela não queria saber de morar com ninguém. Nós conseguimos comprar um apartamento pra ela no mesmo prédio meu e aí nós ficávamos cuidando dela. E faz dois anos (choro). Mas ela ficou assim... A única coisa que ela falava é que ela não queria saber de jeito nenhum de ir para o hospital. Ela falava assim: “Eu quero morrer em casa. Eu quero morrer em casa”. Mas chegou um período que ela já tava muito ruim e ela percebeu que eu fiquei muito, muito mal um dia que ela quase morreu comigo. No dia seguinte ela falou pra mim: “Vamos para o Incor”, que era onde eu a levava quando ela tinha problema. Ela tinha problema de coração. Isso foi no dia 27 de dezembro. No dia dois, praticamente, ela faleceu. Praticamente ela faleceu, eles a ressuscitaram, que eu fiquei muito brava, porque era tudo eu ela não queria, mas eu não tava naquela hora. É incrível como acontece. Meu filho chegou lá, porque ele queria vê-la, e a deixei seis horas da tarde e voltei às oito horas. Quando meu filho entrou na hora da visita, eu falei: “Entra você primeiro, que depois eu vou”. Ele viu que ela não respondia, que tava assim com o olho aberto, mas tava fria, chamou os médicos, eles a ressuscitaram. Daí puseram tudo aqueles tubos, aquela coisa horrível. Eu falei: “Ela não queria isso”. Seu estivesse lá, eu falava: “Não faça nada”. Mas, enfim, ela se foi, assim, rapidinho. Praticamente foi assim, uma semana que ela ficou internada e descansou. Ela já tava com 89 anos, então... E ela sempre falava que tava preparada, que ela já tinha feito tudo. O ruim é que você perde o seu...
P/1 – Claro. Por mais que tenha sido uma vida bem vivida, é impossível não sentir falta.
R – Não, e para os filhos, pra gente que fica, a sensação é de que você perdeu o seu referencial. E no dia que ela morreu, ela falou assim pra mim: “Cuida da sua irmã” (choro). Que era assim, a preocupação dela.
P/1 – Como chama a sua irmã?
R – Sônia. Sônia Franciscato Nata. Ela mora em Campo Grande, tem quatro filhos, três meninas e um menino. E ela, assim, nós sempre fomos... Quando éramos adolescentes, nós pensávamos muito diferente, você imagina que eu fui fazer Nutrição e ela foi fazer Arquitetura. E ela tinha os amigos dela todos doidos, eu era mais... Eu falava assim: “Sônia...”. Mas era bastante interessante a história.
P/1 – Eu quero voltar um pouquinho na sua infância, Silvia. Você passou a infância em Botucatu, foi isso? Você nasceu em...
R – Eu nasci em Avaré, daí até os nove anos eu morei em Botucatu, aí eu vim pra São Paulo.
P/1 – Conte-me essa fase de Botucatu então. O que você se lembra da sua casa, do bairro, da cidade?
R – Era assim bem gostoso. Nós morávamos em casa e perto da minha rua passava uma boiada (risos). Era bem interessante.
P/1 – Era bem rural assim?
R – Não. Não era. As ruas já eram pavimentadas, tudo, mas passava uma boiada na rua debaixo da minha casa. E de vez em quando tinha uns bois que escapavam, então você tinha que sair correndo e fugir. A minha infância foi ótima, porque eu estudava numa escola lá das freiras em Botucatu e ao mesmo tempo eu tinha uma vida bastante, vamos dizer assim, interessante. Que eu hoje eu falo assim, meus netos infelizmente não vão ter. Porque do lado da minha casa tinha um terreno que era não sei se alugado, ou se era dos meus pais lá, do meu avô, e meu avô fazia uma plantação, meu avô do lado da minha mãe. E ele plantava uma horta. E eu lembro que nós éramos pequenos, nós íamos lá, pegávamos a cenoura, comíamos e enterrávamos o galhinho pra não dizer que nós tínhamos comido. Então tinha uma infância bem alegre, bem divertida, de jogar amarelinha na rua com as minhas amiguinhas. Eu tinha duas amigas que moravam em frente a minha casa, os pais delas tinham uma padaria. E eles faziam toda espécie de doces, de pães, daquela época. E nós brincávamos, nós crescemos juntas, chamava Vitorinha, era minha amiga de infância. E hoje, incrível, nós nos encontramos pelo Face. Então você vê que a vida traz algumas coisas que você não espera.
P/1 – Descreva um pouco a sua casa nessa época em Botucatu pra gente. Como era a sua casa?
R – Era uma casa assim, não era uma casa grande, mas era uma casa que você entrava, tinha uma sala mais ou menos grande, aí tinha os quartos, a cozinha mais para o fundo, e do lado tinha um quintalzão onde nós brincávamos, e do outro lado ainda tinha esse lugar que eu te falei que tinha horta. E na frente tinha uma roseira muito linda, que minha mãe plantou, e que ficava totalmente florida na época de... Eram rosas dessa cor aqui, creme, mais ou menos, mas lindas. E minha mãe gostava muito de planta. Minha mãe tinha muitas plantas no jardim bem bonitinho na frente. E tinha um murinho assim na frente, que nós ficávamos nesse murinho. E teve um dia desses que passou a boiada e tinha um tio meu que tava na frente de casa e um desses bois chegou, fugiu da boiada e veio em cima assim. Se não fosse o murinho, o boi teria batido naquilo lá, poderia ter pegado o meu tio e não ter sido muito bom. Mas era bem divertido.
P/1 – Seus avôs moravam perto?
R – Moravam. Meus avôs maternos. Meus avôs paternos, eu não tive assim muito contato. A minha mãe falava que eles tinham... Quer dizer, o meu avô paterno, eu nem conheci, ele já tinha morrido quando nós nascemos. A minha avó materna morreu quando eu devia ter uns seis, sete anos. E na época que ela ia pra... Como ela ficava com as minhas tias e meu pai morava longe, então de vez em quando ela vinha pra nossa casa, ficava um pouquinho e voltava, não era assim um contato muito próximo. Meus avôs maternos, eles já moravam lá em Botucatu também, nessa época eles já tinha vindo pra Botucatu. E tinha um tio mais novo, que era o irmão da minha mãe mais novo, que também morava com os meus avôs, então já tinha esse relacionamento. E eles estavam sempre juntos de nós. Inclusive, quando nós viemos pra São Paulo, meus avôs maternos também vieram. Você vê, meu avô não queria que minha mãe casasse com o meu pai, mas morou quase a vida inteira junto.
P/1 – Depois não desgrudou mais (risos).
R – É. Mas você vê, conheceu e aí...
P/1 – Você tava falando de Botucatu, falou um pouquinho da sua infância, você falou de amarelinha. Eu queria que você contasse um pouco quais eram as brincadeiras na época, do que você brincava.
R – Ah, era ótimo. Era ótimo. Nós brincávamos, como eu te falei, de amarelinha, então nós fazíamos a... Como chamava? Pegávamos casca de banana pra fazer a malha pra jogar, era muito interessante. E nós passávamos, à tarde brincávamos de pular corda. Tinha aquele bambolê que você fazia, eram essas as nossas brincadeiras. Geralmente na rua. E brincávamos também de casinha, de fazer comidinha, essas coisas de criança, de menina, de fazer de casinha. Tínhamos várias brincadeiras. Eu tenho pena que hoje nossos netos não podem ter essa mesma liberdade. Naquela época, ninguém falava de violência, ninguém falava de: “Não, criança não pode ficar na rua”. Hoje em dia é uma tristeza você ver que, por exemplo, hoje eu tenho três netinhas e um netinho, de oito, cinco, três e um, e eles não podem ficar na rua. Eles ficam, praticamente eles vão, tem o parquinho, tem os brinquedos, mas assim, é outra geração. E outra coisa, computador, iPad, iPhone, eles sabem mais do que a gente. Assim, têm uma destreza incrível. É a geração deles. E pra gente é difícil.
P/1 – E você tinha brinquedos?
R – Tinha. Tinha bonecas. Tinha. Principalmente boneca. Bem menos do que hoje eles têm.
P/1 – Que ganhava assim, no Natal, aniversário?
R – Só no Natal, aniversário. Não tinha essa de ganhar todo dia, não. Eu acho que é uma forma de compensação. Eu acho assim, se você pensar como você não tem como dar essas outras coisas, você acaba, sem querer, dando muito presente. Então eu vejo as minhas netas, o meu netinho já, que é uma sala cheia de brinquedo. E não são nem os pais mesmo que compram. Então tem um aniversário, todo mundo leva aquele monte de brinquedo. Tem o Natal, o Dia da Criança, então vai sair ali: “Ah, mãe, eu quero isso, não sei o quê”. Vai lá a avó e compra. Então eu acho que às vezes... Não sei se é... Mas eu acho que tudo tem a sua época. Essa é a época deles e essa época deles é assim. A nossa foi diferente. Quando eu penso... Às vezes meu marido fala: “Ah, porque vocês fazem tudo errado, porque não é assim, porque não pode fazer isso”. Eu falo assim: “Na minha época, quando eu era jovem” – eu to entrando um pouquinho, mas – “quando eu era jovem, eu era da época dos hippies”. Pra nós, o hippie era o moderno naquela época, era o rock and roll. Hoje eles têm outras. Hoje é o computador, é o Facebook... Então pra cada época existe uma diferença e a gente tem que aceitar essa diferença.
P/1 – Quero voltar um pouquinho na sua infância de novo e perguntar agora das refeições na sua casa. Como eram as refeições? Quem cozinhava? O que vocês comiam?
R – Olha, eu sempre falo que alimentação é tudo na vida. Às vezes as pessoas falam: “Não parece que você tem 67 anos”. Eu costumo dizer assim: “Se você tem uma alimentação boa a vida inteira, você só tem que ter boa saúde também quando você estiver mais velha”. E, na verdade, na minha casa se comia muito a cozinha padrão árabe. Era muita verdura. Toda vida comi muita... E muito grão integral. Então sempre tinha o arroz e feijão, que era o típico do brasileiro e que também tinha na nossa alimentação, mas tinha o tabule, tinha verdura sempre, verdura crua, verdura cozida, carne, não era assim um exagero de carne, mas sempre teve carne. E muita fruta. Muita fruta. Naquela época, eu tinha meus tios que viajavam muito e na estrada eles vendiam. Então meus tios chegavam das viagens com aquele monte de... Sabe? Desde milho, pra fazer cozido, desde laranja, banana, tudo que aparecia no caminho. E a gente comia muita verdura, muita fruta, muita melancia. Então eu acho que isso daí ajuda muito naquilo que você vai ser no futuro. E por isso que... Veja, eu não fui fazer Nutrição por isso, mas hoje, com a Nutrição, eu percebo que toda essa minha vivência dentro dessa minha família, com princípios de alimentação do tipo mediterrâneo, do tipo mais rico em frutas, verduras, e valorizando o arroz e feijão, fez com que eu tivesse melhor saúde nessa fase da vida. Hoje com 67 anos, eu não tenho nenhum medicamento que eu uso direto. Normalmente, depois dos 60, eu comecei a usar alguns suplementos vitamínicos, mas principalmente porque eu achei que meu organismo talvez tivesse um pouquinho mais preguiçoso pra absorver algumas das vitaminas ou minerais e que eu pudesse ter alguma vantagem, mas não que provavelmente se eu continuasse com a minha alimentação talvez não pudesse ter. É só no sentido de que uma vez que você estuda alguma coisa que você sabe que poderia, então de repente você pode usar isso para o seu dia a dia.
P/1 – E quem cozinhava na sua casa?
R – A minha mãe. Sempre. A minha mãe sempre cozinhou. Sempre era ela que fazia toda a comida da casa.
P/1 – E os momentos das refeições, vocês se sentavam juntos? Como eram?
R – Sempre. Nós sempre fazíamos refeições juntos, tanto no almoço, como no jantar. Meu pai sempre tava presente também. Eu só deixei de fazer refeições em família há pouco tempo. Quer dizer, ainda quando meus filhos eram pequenos, eu ainda mantive o hábito de fazer refeições juntos. Meu marido também, meu marido é engenheiro e trabalhava por conta dele, e na hora do almoço ele vinha pra casa, almoçávamos. Era assim, eu de manhã... To adiantando, mas... De manhã, eu saía, deixava as crianças na escola, ia pra USP. Voltava, pegava as crianças, almoçava em casa e levava pra minha mãe. E depois pegava, trazia e jantava junto em casa. Então nós sempre tivemos. E durante a minha infância toda, a minha adolescência toda, eu sempre fazia as refeições em casa.
P/1 – Que idade você tinha quando você entrou na escola, Silvia?
R – Eu entrei na escola no prezinho com seis anos, na época. Fiz esses três anos lá em Botucatu, aí eu vim pra São Paulo e terminei aqui o primário. Entrei no ginasial em São Paulo.
P/1 – E seguiu com os estudos em São Paulo.
R – Em São Paulo. Até o final.
P/1 – E quais são as primeiras lembranças que você tem da escola?
R – Era muito bom. Eu gostava. Gostava muito. Eu estudava numa escola de freiras lá em Botucatu, mas era assim, quase que um pré. Quer dizer, eu comecei aprender lá, então era muito interessante, eu gostava muito da escola. E sempre eu estudei muito. Eu sempre gostei de estudar.
P/1 – Você lembra como era a estrutura da escola?
R – Olha, pra te dizer, assim, eu lembro que tinha muito verde, mas não lembro exatamente assim dizer como era a classe. Não lembro tão bem dessa... Mas lembro que tinha muito verde, a escola tinha uma área bem grande de jardins, mas não lembro exatamente como era a sala. Não lembro muito.
P/1 – Você sabe se era próxima da sua casa? Você lembra como você ia pra escola?
R – Meu pai me levava. Meu pai que me levava pra escola.
P/1 – De carro?
R – Olha, meu pai começou a ter carro... Meu pai foi um dos que logo teve carro, porque, como eu te falei, ele era instrutor de aviação, pra ele tudo tinha que ter movimento. E ele tinha um carro enorme, naquela época, nem lembro o nome. Mas eu não lembro se ele me levava de carro. Eu tenho a impressão de que ele me levava a pé. Não lembro exatamente como eu ia.
P/1 – Dessa primeira fase, esses três anos de escola em Botucatu, teve algum professor marcante?
R – Não. Que eu lembre assim, não. Não.
P/1 – E alguma história de infância? Tem, Silvia, alguma coisa que você sempre lembre? Alguma história que tenha ficado na família, um causo?
R – Eu tenho. Eu lembro que uma vez perto da minha casa tinha um jardim bem grande, e um dia eu voltando do jardim apareceu um menino e me deu um beijo. Eu cheguei a casa e falei para o meu pai e pra minha mãe. Assim, um beijo normal, um beijo assim. Eu cheguei a casa e contei. Meu pai foi saber quem era o menino e descobriu que o menino era filho do açougueiro e ele foi lá tirar satisfações com o açougueiro. E eu lembro que deu uma briga, eu fiquei morrendo de medo. Sabe quando você nunca imagina que ia... Quer dizer, naquela época, cheguei lá e falei. Isso daí eu nunca esqueci.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Devia ter uns cinco, seis, por aí.
P/1 – Bem pequenininha.
R – Bem pequena. Não sei se seis, ou sete, mas eu sei que eu era pequena e aconteceu isso, e eu cheguei a casa toda assim para a minha mãe e para o meu pai, imagina.
P/1 – Ficou bravo. Ficou superbravo.
R – Ficou (risos).
P/1 – E aí vocês se mudaram pra São Paulo então com nove anos. Você tinha nove anos.
R – Nove anos.
P/1 – Como foi essa mudança? Por que vocês se mudaram?
R – Veja, eu não... Na verdade, a família da minha mãe, muitos tios meus já moravam em São Paulo, e a família do meu pai também. Aí meu pai, provavelmente porque meus tios chamaram, falou: “Ah...”. Porque do interior, as possibilidades de trabalho, de certa forma, não são daquelas melhores do mundo, naquela época. Hoje em dia é diferente, mas naquela época, assim, meu pai era gerente lá da empresa, que era do irmão dele naquela época, e ele ganhava um salário, minha mãe não trabalhava. E meus tios em São Paulo estavam com uma atividade mais assim, vamos dizer, se desenvolvendo mais. E um dos irmãos da minha mãe, que era assim muito chegado ao meu pai, meu tio Daniel, falou para o meu pai vir pra São Paulo, pra tentar a vida em São Paulo. E aí ele veio. Vendeu a casa lá. Eu lembro que a gente veio de trem (risos). Naquela época era trem. Demorava pra chegar. E aí nós viemos. E foi muito interessante, porque quando nós viemos, naquela época não tinha televisão em casa. E nós chegamos a casa do meu tio, meu tio tinha comprado a primeira televisão, branco e preto ainda. E pra nós, aquilo lá era uma novidade total, nunca esqueço. E às vezes eu falo assim: “Poxa vida, eu já vivi uma época em que nem televisão existia”. Quando eu falo às vezes para os meus netos, imagina hoje falar.
P/1 – Vocês se mudaram pra... Quando vocês vieram pra São Paulo, vocês vieram pra onde? Pra que região?
R – Nós viemos para o Alto da Lapa, na Rua Pio XI. Meu tio morava numa casa grande lá e nós ficamos morando lá com o meu tio por uns três meses, até meu pai conseguir achar uma casa pra... No caso, a gente até foi morar numa casa que era do meu outro tio e que ele alugou para o meu pai. E fomos nós e meus avôs. Então nós morávamos, era uma casa grande. Gozado, hoje é um posto de gasolina, fica bem assim na Pompeia, na Avenida Pompeia mesmo, mas bem lá embaixo, antes de chegar ao morro. E era um sobrado grande e nós morávamos na frente, e meus avôs moravam numa edícula no quintal. Naquela época eles já eram velhinhos. Nós éramos praticamente assim... Naquela época, eu tava começando a fazer o ginásio, que eu fiz ali subindo a ladeirona da Pompeia com a... Agora não lembro o nome. Mas era Liceu Tiradentes, que eu fiz o ginásio, os quatro anos de ginásio.
P/1 – Você mencionou essa viagem de trem, você tem alguma recordação dessa viagem de Botucatu–São Paulo, como foi a viagem?
R – Ah, era muito divertido pra nós, pra mim e pra minha irmã, porque imagina viajar de trem de Botucatu pra São Paulo. Era assim bem interessante. Assim, exatamente o que a gente fez, eu não lembro. Mas que era bem diferente, era.
P/1 – E a sua impressão quando você chegou a São Paulo? Você lembra qual foi a sensação da mudança, a impressão da cidade?
R – Nós já havíamos vindo antes, então pra mim não era assim... E naquela época, isso daí foi, você imagina, com nove anos, eu devia ter... Era 1955, por aí, 1955, 56, e São Paulo não era o que é hoje, então assim, não tinha... Era diferente, mas não era tão diferente. E a casa do meu tio era muito aconchegante. Era bem grande, tinha um quintal enorme também, tinha uma área na frente assim, um jardim todo de grama, muito bonito. Tentar até ver se eu acho alguma foto. E nos fundos tinha até pé de, naquela época, de caqui, tinha jabuticaba. Assim, não tinha tanta diferença, vamos dizer, o ambiente, se eu comparasse com Botucatu. Então isso daí também ajudou a gente não sentir aquela mudança. Logo que nós chegamos, tinha um colégio na Lapa, mais lá pra parte perto do mercado da Lapa, em que nós fizemos uma parte da... Quer dizer, logo que nós chegamos, nós já fomos pra essa escola, e só depois que nós mudamos pra Avenida Pompeia é que nós fomos começar o Liceu Tiradentes, nessa escola.
P/1 – E você mencionou televisão, eu queria que você me contasse um pouquinho mais assim. Vocês já tinham visto TV?
R – Não.
P/1 – Foi a primeira vez? Qual foi a sensação?
R – Muito, muito interessante. Muito, muito bom. Você imagina alguém que nunca viu, acreditar naquilo. Porque naquela época era só rádio. E eu lembro que meu avô adorava ouvir novela no rádio e nós ficávamos com ele ouvindo as novelas, aquelas choradeiras. Lembro-me tão bem. E quando nós viemos pra São Paulo, a televisão, e eu me lembro do Repórter Esso. E eu ficava vendo assim, tinha o Zorro, era uma coisa assim totalmente, vamos dizer, inusitada. Tudo bem, o cinema, nós já íamos ao cinema de vez em quando, mas a televisão foi realmente pra mim uma coisa bastante incrível, quando eu, com nove anos, fui assistir pela primeira vez.
P/1 – E você se lembra do momento de assistir TV? Era uma coisa em família? Como era? Tinha os horários?
R – Era. Tinha. Só tinha de noite, não tinha de dia. E assim, final da tarde, daí todo mundo sentava pra assistir. E tinha uns programas que eram mais cedo, que eram de balé, que apareciam as crianças dançando. Bem interessante.
P/1 – Você tinha um programa preferido de TV?
R – Era o Zorro. Era o Zorro. Naquela época era o Zorro.
P/1 – Eu vou te perguntar da escola, mas antes disso queria te fazer uma pergunta. Dessa fase de infância, antes até do Liceu, ou no começo do Liceu, você lembra o que você queria ser quando crescesse? Se você tinha vontade de ser alguma coisa quando crescesse?
R – Não. Veja, eu pensava, assim, em fazer... Na primeira época... Quando eu era criança, eu não pensava muito assim o quê fazer, como fazer. Depois teve uma época que eu comecei a pensar: “Ah, vou querer ser médica. Não, vou querer fazer Biologia. Não, vou querer fazer outra coisa”. E naquela época, depois que eu já passei pela fase de... Antes disso, eu queria fazer... Depois que eu terminei o ginásio, eu pensei: “Vou fazer clássico ou vou fazer científico?”. Que na minha época era clássico ou científico. E eu pensava assim: “Não, eu tenho que ir pra uma parte biológica, que eu gosto mais do que fazer línguas”. Eu não gostava muito de línguas, não. E aí eu falei: “Não, vou fazer o científico”. E quando eu comecei a fazer o científico, eu já comecei imaginar: “Bom, o que eu vou fazer? Medicina? Biologia?”. E eu tinha uma tia, essa mesma tia que foi com a minha mãe quando a minha mãe fugiu, que era educadora sanitária. Ela trabalhava numa escola e ensinava puericultura, toda aquela parte assim. E eu achava superinteressante. Então eu falei pra ela assim... E ela teve uma influência bem marcante na minha vida, assim, de a tia que tinha estudado e que tinha uma posição na escola que era respeitada, e que eu mais ou menos a tinha como exemplo. E na época que eu terminei o científico, eu falei assim: “Tia, eu vou querer fazer educadora sanitária”. E naquela época, esse curso era dado na Faculdade de Higiene e Saúde Pública, naquela época, e ele era, vamos dizer assim, um ano depois do científico ou do... Só que no ano que eu fui fazer, falei pra ela que eu gostaria, ela foi se interar e falou pra mim: “Eles fecharam esse curso. Não existe mais. Mas tem um curso de Nutrição. E esse curso de Nutrição também é de um ano depois que você termina o científico e acho que é interessante pra você fazer” – ela falou. Eu falei: “Ah, tá bom”. E eu fui lá pra me matricular pra fazer. Naquele ano fechou o curso de Nutrição, porque ele ia passar por uma reestruturação pra passar a ser de nível universitário. Porque naquela época, ele era um curso de, vamos dizer assim, aprimoramento, um curso pra você ir trabalhar direto na parte de serviço de alimentação e tudo mais.
P/1 – Como se fosse um técnico?
R – Exatamente. O que eu fiz? Falei tá bom, então qual a minha outra opção? É Biologia. Fui fazer cursinho pra entrar na Faculdade de Biologia da USP. Peguei, fui lá, fiz um ano de cursinho. Chegou ao final do ano, bombei, não entrei. Eu falei assim: “Tá bom. Vou fazer um curso pra Medicina. E no fim do ano, eu presto Medicina e Biologia de novo”. Porque eu falei assim, fazendo um cursinho de Medicina, eu vou estar mais preparada pra entrar na Biologia, que era o que eu queria. Fiz outro ano inteiro de cursinho, fiz um cursinho que chamava Cursinho da USP, que era dado por alguns professores da USP, por alunos da USP que davam esse cursinho, era lá na Avenida Angélica, perto da Avenida Angélica. E chegou no final do ano, abriu o curso de Nutrição. A primeira coisa que eu fiz foi prestar na Nutrição. Eu entrei, nem fui fazer mais os outros. Então eu entrei na Nutrição depois de dois anos que foi fechado, e eu me formei na primeira turma de Nutrição que passou a ser de nível universitário. Eu me formei em 1969 e tenho muito orgulho de ser dessa primeira turma. Porque nós tivemos com isso muita vantagem, porque nossos professores eram todos da área de pós-graduação da faculdade. Então como era a primeira turma, eles puseram várias disciplinas que eram disciplinas da pós-graduação, com os professores da pós-graduação, que eram sanitaristas da Faculdade de Saúde Pública, que hoje é Faculdade de Saúde Pública. Então eu tive aula com professores maravilhosos. Professor Magaldi foi um dos que mais me chamou pra área de pesquisa, praticamente. Porque foi com ele que nós começamos a fazer experimentos com animais, com ratos naquela época. Nós fazíamos o experimento no nosso curso e víamos o resultado de uma alimentação nesses animaizinhos. E era uma coisa incrível de ver aquilo. E ele foi um dos grandes incentivadores pra mim de seguir estudando depois da graduação.
P/1 – Deixe-me voltar. A gente vai falar um pouquinho mais da universidade, eu vou voltar só um pouco pra sua fase de ginásio e colegial ainda. Queria saber assim, nessa mudança da infância pra adolescência, que começa no ginásio, depois no colegial, o que mudou na sua vida em termos de lazer, de amizades? Teve mudanças? O que você fazia pra se divertir?
R – Veja, nessa época não foi pra mim uma das melhores, que eu estivesse me sentindo melhor, porque meu pai sempre foi muito severo, meu pai não nos deixava sair de jeito algum. Ele a vida inteira levava a gente na escola, ia buscar na escola. Ele sempre foi um pai superzeloso com as filhas. E isso até criava certo atrito, porque nós... Naquela época era fácil ter bailinhos, amigos convidarem pra ir ao cinema. Nada. Ele era terrível, não deixava mesmo. Se deixava, ele levava, a gente ia embora antes que todo mundo fosse. E foi um período que principalmente a minha irmã brigava muito. Ela ia assim, batia de frente com ele. E ele era muito bravo com ela, principalmente com ela, porque ela enfrentava. Ela começou a namorar antes de mim até, e assim, meu pai interferia muito no sentido de não querer, de achar que era muito cedo, enfim, então as coisas escondidas, porque... E era assim, não deixava a gente usar meia, sabe aquelas coisas que adolescente quer? Quer usar pintura, não podia. Não podia nem fazer depilação, nem raspar a perna ele não deixava, tivemos que fazer escondido. Porque ele achava que não, que nós éramos crianças, que nós não tínhamos que fazer nada. Então foi um período meio... Minha mãe brigava mais, porque ela protegia mais no sentido que ela via que tinha que dar alguma abertura, mas ele era muito bravo.
P/1 – Então vocês não tiveram isso de ir pra bailinho, de sair?
R – Nada. Não.
P/1 – Não? Não puderam isso?
R – Eu acho assim, já na época do científico abriu um pouquinho mais, então era assim. Então a gente chegava à festa antes que todo mundo e saía antes que todo mundo. Dez horas ele ia buscar e não tinha perdão, tinha que ir embora. Então a festa tava começando e você tava indo embora. E não tinha jeito. Foi assim até o final do científico e começo da faculdade. Na faculdade já foi mais tranquilo.
R – Bom, vocês não podiam sair muito e tal, mas você lembra que você mencionou a juventude hippie? Queria saber se você se lembra do acesso que você tinha à cultura, de música, se vocês escutavam música.
R – Sim. Nós tínhamos. E nesse aspecto, ele não se incomodava, não. Só não gostava que a gente saísse, mas em casa tudo bem. Então meu pai gostava muito de música, gostava de cantar, gostava de dançar. As festas em família, os casamentos eram sempre com baile, meu pai adorava dançar, dançava tango com a minha mãe, sabe? Era assim, bem mais que a minha mãe, porque a minha mãe, como eu te falei, ela era batista, então ela tinha... E ela era daquelas que seguiam fervorosamente a religião. Então pra ela, por exemplo, meu pai adorava Carnaval, ele levava a gente pra pular Carnaval. Quando nós éramos pequenas, nós íamos com o meu pai, e minha mãe ficava em casa, porque ela não ia. Então meu pai levava a gente aos bailes de Botucatu. Então nós nos fantasiávamos e dançávamos até... Todas as matinês, nós estávamos lá. Também depois, na adolescência, meu pai também levava a gente para os carnavais. Geralmente a gente ia para o interior. E nós ficávamos a noite inteira no baile com o meu pai. Minha mãe ia nessa época, mas ela ficava sentada (risos), quietinha.
P/1 – E como eram esses bailes de Carnaval?
R – Muito bons. Muito bons. Lembro, olha, nós íamos ou pra Avaré, ou pra Botucatu. E nós dançávamos, assim... Era nos clubes, então nós íamos fantasiados e dançávamos a noite inteira. A família da minha mãe sempre foi muito unida. Enquanto meu avô e minha avó eram vivos, a família se reunia sempre, porque o libanês é muito apegado à família, ele é muito assim junto da família, mais do que o italiano. E meus tios e meus primos estavam sempre juntos. Sempre. Então todo domingo era almoço na casa do avô, e os tios, os netos, todo mundo. E quando era, por exemplo, assim, época de Carnaval, a família inteira pegava o ônibus, meu tio também tinha esse... Meu tio do lado da minha mãe. Também tinha. Ele fazia um trabalho de transportar crianças para a escola, então ele tinha o ônibus dele. Então ele enchia o ônibus e nós íamos, por exemplo, pra Avaré, para o interior, e passávamos o Carnaval todo mundo junto na casa de outro tio, que ainda morava em Avaré.
P/1 – E como era? Conta um pouco. Descreva pra gente as fantasias, como era enfeitado o salão, as músicas.
R – Bom, as músicas continuam até hoje. Se você pegar hoje um desses bailes normais que tem, eles ainda cantam as músicas antigas que nós cantávamos. Desde “me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí”, todas essas músicas eram cantadas. E eu lembro que uma vez nós fomos fantasiadas de melindrosas, com aquelas roupas tudo cheio de babados, de fios, era assim bem interessante. E todo mundo ia fantasiado. Não iam muito com máscara, não, mas iam fantasias de Arlequim, de Pierrot, enfim, tinha de todas. E nessas festas, normalmente, as pessoas... O que era interessante, assim, que tinha muito lança-perfume na minha época. Não era aquela história de cheirar, não, porque era só no ar mesmo lança-perfume, muito confete, muita serpentina. E era muito bom. E era muito saudável, não tinha tanta malícia. Geralmente a gente arrumava algum namorado, claro, nesses bailes. Essas festas eram bem interessantes.
P/1 – E essa parte de paquera?
R – Muita paquera.
P/1 – De flerte na adolescência, você teve alguma coisa marcante, assim, um primeiro amor, uma primeira paixão?
R – Olha, assim, dizer que foi... Na verdade, eu era mais calma do que a minha irmã, como eu te falei, então até os 14, 15 anos, eu nunca... Tinha assim algum coleguinha, mas nada que fosse além disso. E como eu te falei, às vezes esses namoros temporários durante esses carnavais, coisas assim. E com 15 anos eu comecei a namorar um colega meu da escola, naquela época ainda no Campos Salles, que eu fazia o científico, ele era meu colega de científico, e no segundo anos nós começamos a namorar. Eu tinha uma amiga, que era amiga desse amigo, então nós começamos praticamente a namorar na mesma época, eu tinha 15 pra 16 anos. E namorei sete anos. Sete anos. Chegou no fim, que assim, sabe quando... Primeiro, que quando eu comecei a namorar não era apaixonada, nem nada. Começamos a namorar porque era uma convivência, a gente tava todo dia junto e começou. Aqueles bailinhos que aconteciam, aí no bailinho eu ficava dançando mais com ele. E no fim acabamos namorando. E foi indo, foi indo. O que aconteceu? Terminamos o científico, aí ele entrou direto na faculdade e eu fui pra outra... Fiquei dois anos ainda depois dele e fiz a faculdade inteira. Aí eu terminei, me formei e ele ficou parado no primeiro ano, não passava, não passava, não estudava, teve problemas durante esse período, a mãe dele faleceu, isso deve ter interferido muito na vida dele e ele não conseguiu terminar a faculdade. Quando eu me formei, eu fui logo trabalhar, e isso criou um mal-estar. E a gente via que o negócio tava ficando meio complicado. Então depois de sete anos, nós terminamos. Eu terminei. O que aconteceu pra terminar? Eu fui pra um congresso e nesse congresso conheci outra pessoa e falei: “Não, realmente eu não tenho mais como continuar”. Aí voltei e a primeira coisa que eu fiz foi terminar esse namoro de sete anos. Foi difícil, porque de todo jeito você acaba gostando da pessoa, você acaba tendo até um carinho. E eu terminei.
P/1 – É bastante tempo. Sete anos foi bastante tempo. E me conta um pouco... Você mencionou que vocês gostavam de música em casa, seu pai escutava, eu queria saber, nessa fase de adolescência e juventude, o que você ouvia, o que você gostava de ouvir, o que você assistia, se você ia ao cinema, um pouco assim, como era...
R – Meu pai gostava muito de tango argentino, gostava muito de cantores italianos. Naquela época tinha aquele Francisco Alves, que morreu, e ele tinha toda a coleção de discos dele. E assim, música lírica, meus pais não gostavam muito. E só vim a ouvir mais com o meu marido, que adora a lírica.
P/1 – E você e a sua irmã, o que vocês gostavam de escutar na juventude, na adolescência?
R – Eu acho que nós gostávamos do rock and roll, gostávamos do Twist, dançávamos. E geralmente meu pai não deixava a gente sair pra festa, mas ele era muito festeiro e ele permitia que nós fizéssemos festa. Então geralmente em casa também tinha bailinhos, que a gente convidava os amigos, tudo. E eles lá junto, mas assim sempre teve bastante nesse sentido.
P/1 – E como eram esses bailinhos?
R – E os bailinhos eram mais... Na época que nós éramos dessa época tinha ou música italiana lenta, que era pra dançar, ou tinha o rock and roll, o twist, pra dançar. O samba entrava, mas pouco, não tinha assim uma grande, vamos dizer... Mas meu pai gostava até de cantar as músicas, “meu beijinho doce”, toda aquela coisa, ele gostava muito, e dançava muito bem o tango com a minha mãe, e gostava também de tango.
P/1 – E você tinha um grupo preferido, um cantor, um compositor?
R – Naquela época, talvez por influência deles e tudo, era mais música italiana, sabe aqueles... Fidenco. Os cantores italianos mais antigos, que cantavam aquelas músicas mais românticas. Eu gostava bastante daquelas músicas.
P/1 – Tem alguma canção em específico que tenha te marcado, ficado mais marcada?
R – O mais marcado que ficou pra mim foi Carinhoso, mas foi assim, depois um pouco dessa época. Durante essa época era mais Nico Fidenco, sabe? Que eram aquelas músicas italianas mais pra dançar, mas que não eram assim, vamos dizer... Com o passar dos anos na boemia, eu gostava muito do Carinhoso.
P/1 – E por quê? Tem alguma história?
R – Porque eu me identificava muito às vezes com aquele “ah, se tu soubesses como eu sou tão carinhoso, e muito, muito que te quero”. Então tinha essa coisa talvez de alguma... Talvez eu sentisse alguma coisa, alguma falta de alguma... E gostava, me encantava essa música.
P/1 – Então vamos conversar um pouquinho sobre o momento que você entrou na faculdade. Você já contou pra gente como chegou até a faculdade. Eu queria saber assim, como foi entrar, a vivência da vida universitária mesmo. O que mudou no seu cotidiano, até em termos de lazer, grupo de amizades? Como foi a faculdade?
R – Então, veja, na época nós éramos só 20, 20 alunas, meninas, porque naquela época fazer Nutrição... Primeiro, que ninguém sabia o que era Nutrição. Todo mundo achava que você ia fazer um curso que na verdade era uma, vamos dizer assim, vou ser cozinheira de luxo. Que não é nada disso, né? E era difícil você explicar a importância do curso na vida. Até hoje às vezes é difícil. E nós, 20 meninas, lá, fazendo essas disciplinas que eram difíceis, que eram bem, como eu falei, muito bem dadas, ministradas. E as amizades foram se formando. Na nossa turma era assim, havia dez meninas que eram descendentes de... Aproximadamente, não sei dizer se exatamente dez, mas eram de origem mais japonesa, com o olhinho puxado. E as outras eram mais como, vamos dizer assim, de várias nacionalidades. Nem nacionalidade, mas de diferentes, vamos dizer assim, famílias de diferentes...
P/1 – Origens.
R – Origens. Exatamente. Origens. E nós fomos formando os grupos. Então nós tínhamos, na verdade, no nosso grupo, praticamente de cinco a seis meninas que eram mais unidas. E hoje, se eu for pensar na minha turma, existem nutricionistas que fizeram muito pela profissão, que tiveram muito sucesso dentro da área. A maioria já tá se aposentando hoje, porque hoje já temos 45 anos de formadas, mas algumas ainda continuam até hoje. Uma infelizmente faleceu, até bem cedo, com câncer, depois de ter casado e ter três filhos, inclusive hoje o nome dela... Existe um prêmio no Conselho Regional de Nutrição que leva o nome dela, Eliete Salomon Tudisco. E nós éramos muito chegadas, principalmente eu, ela e a Maria Lúcia Rosa Stefanini, que também fazia parte dessas três que eram mais chegadas, embora todas as outras ficaram com o tempo sendo cada vez mais próximas. E nós tínhamos muitas coisas em comum. A Maria Lúcia, como eu te falei, nós fizemos o científico juntas. Então nós viemos desde o científico, fizemos Nutrição juntas, e ficamos muito próximas durante esse período da faculdade, tanto que era assim, um dia nós íamos almoçar na casa dela, outro dia na minha. Então nós revezávamos pra no momento que a gente tinha aquela horinha de almoço poder almoçar uma na casa da outra quando desse. E nesse período foi assim, nós tínhamos aula o dia todo, desde as oito da manhã, até as seis da tarde. Tínhamos só um intervalo rápido para o almoço e retorávamos. Por isso que eu falo, nós tínhamos um curso que foi em três anos, mas que hoje seria em seis, porque nós tínhamos um período bastante grande de disciplinas e de aulas práticas. E muitas vezes até fora da própria faculdade. Nós tínhamos aula na Santa Casa, nós tínhamos aula na Medicina da USP, com professores de lá. Então foi assim bem integrante esse nosso curso de Nutrição. E nessa época foi exatamente quando teve em 68 toda aquela movimentação estudantil. E eu lembro que a nossa faculdade, por ela não estar lá no Butantã, ela está na Doutor Arnaldo, ela ficava um pouco separada do auge do movimento, mas também atingia, nos atingia aqui. Então foi um período bastante difícil, não se podia falar muito sobre política, porque daí você era taxado de comunista. Então meu pai se preocupava muito, falava: “Olha, toma cuidado com o que você vai falar”. Mas nós, de certa forma, estávamos sabendo de tudo que tava acontecendo. E foi um período bem difícil na faculdade, até de viver nesse período.
P/1 – Você se lembra de alguma situação que tenha sido especialmente difícil, tensa?
R – Sim. Foi. Porque na verdade teve uma época que, vamos dizer assim, não se permitia nem que você falasse nada. Então entre os acadêmicos, praticamente, você nem podia frequentar. E tinha passeatas, marcavam-se passeatas. Eu não cheguei a ir a passeatas, mas vários colegas foram, apanharam, então era bem difícil, assim, de forma geral. E assim, de convivência, de cinema, de amigos, eu ia também, mas ainda não ia muito, porque embora, como eu te falei, namorei sete anos, meu pai também não me deixava ir sozinha com o namorado no cinema. Então era assim, meu pai tinha uma cabecinha, nesse ponto, bem difícil. Porque eu acho que como ele roubou a minha mãe, ele tinha medo. E realmente ele foi muito intransigente nesse período.
P/1 – Mas você podia ir ao cinema acompanhada? Como era isso?
R – Podia. Era assim, quando eu ia com me namorado ao cinema, tinha que ir com mais alguém. (troca de cartão).
P/1 – Então você estava, se puder retomar, me contando contado como eram essas idas ao cinema, que você tinha que ir acompanhada.
P/1 – Então, meu pai, pra eu ir ao cinema com o namorado, alguém tinha que ir junto, então não podia ir sozinha. E era assim. Então com isso a gente não ia muito. E outra coisa, quem ia comigo? Geralmente a minha irmã, mas ela também não podia ir com o namorado, porque se fosse com o namorado não podia (risos). Então era assim, bem interessante o meu pai. Mas com relação a sair, por exemplo, eu namorava, então ele levava o namorado pra onde fosse. Então se tinha uma festa, vamos dizer que a festa era no interior em algum lugar, então vai o namorado junto, ele não se importava, mas tinha que estar junto com eles, com todo mundo. Então sete anos foram assim.
P/1 – Não podia ir sozinha.
R – Não.
P/1 – E a faculdade de Nutrição, Silvia, eu queria que você me contasse um pouco assim, como foi vivenciar esse curso que tava um pouco em construção, né? A primeira turma. Assim, se você entrou entendendo o que isso era, ou não, como foi essa compreensão durante a faculdade? Como isso foi se formando assim?
R – Não totalmente, porque eu achava que eu ia aprender alguma coisa sobre Nutrição, mas não sabia exatamente o quê. Na verdade, claro, se você tá numa área biológica, você tem que pensar: “Bom, eu vou ter que saber de anatomia, vou ter que saber de fisiologia, vou ter que saber de como os alimentos são digeridos, absorvidos, utilizados”. E foi assim... Mas naquela época eu não tinha a visão que eu tenho hoje, obviamente. E nós fomos tendo disciplinas que de certa forma foi direcionando. Então nós tínhamos Bioquímica, nós tínhamos uma parte que era voltada pra técnica dietéticas, que eram aulas na cozinha mesmo, que a gente aprendia a fazer as coisas com termômetro, com isso, com aquilo, com tempo, enfim, de uma forma mais, vamos dizer assim, que você tinha que saber mesmo o que tava acontecendo lá. E tivemos a parte de Anatomia, Fisiologia. Anatomia, nós tivemos na Faculdade de Medicina. Bioquímica, foi contratado um professor só pra dar Bioquímica na faculdade. Tínhamos uma parte de Fisiopatologia, que foi exatamente o professor Magaldi que eu te falei. Nós tínhamos Histologia na Santa Casa. Então, na verdade, foi se construindo esse entendimento biológico pra depois você chegar ao alimento, à composição do alimento. Naquela época, nós já começávamos, lá na saúde pública, fazer as análises pra saber o que cada alimento tinha. Claro que naquela época de uma forma muito mais rudimentar do que hoje a gente dispõe. E assim nós completamos esse nosso curso. E assim, muitas disciplinas de saúde pública, então políticas, programas, que eram dadas justamente pelos sanitaristas. Uma parte de microbiologia muito boa e uma parte também de estatística, que foi bem pesada naquela época, que era dentro da Faculdade de Saúde Pública.
P/1 – Você trabalhava durante esse período, ou você só estudava?
R – Não. Só estudei.
P/1 – E você fez estágios durante a faculdade?
R – Muitos. Muitos estágios já dentro do programa, não era assim que eu fui procurar um estágio. Não, eles forneciam. A própria programação do curso de Nutrição já te fazia ficar seis meses no HC, no restaurante universitário e no restaurante do HC e nos andares de clínicas. Fizemos estágios em cozinhas, na época em cozinhas do Sesi. Fizemos estágios voltados pra saúde escolar. E assim, foram estágios muito bem feitos naquela época, em que a gente realmente tava lá trabalhando e vendo como fazia. E também as nutricionistas que nos recebiam nesses estágios, elas eram muito boas. Eu lembro que no HC tinha a doutora Linda e a doutora Aldônia, que eram excelentes e que nos acompanhavam em todas essas ações que eram feitas dentro dos hospitais.
P/1 – Eram remunerados esses estágios?
R – Não.
P/1 – Não?
R – Não. Eram parte do curso.
P/1 – E você lembra, nesses estágios, foi a primeira experiência profissional, o começo de uma experiência profissional, teve alguma situação que você viveu marcante, mais significativa?
R – Veja, nessas horas dá pra você imaginar o que você quer fazer depois. Então a finalidade também é essa, ver o que eu me dou mais. Então eu sabia que eu não gostaria de ir pra uma área, por exemplo, de refeitórios, de produção de alimentação em restaurantes, que eu não gostaria de ir pra hospital, porque eu me sentia mal de ver as pessoas doentes. E quando eu estava nesse período, eu me dirigia mais pensando em nutrição escolar ou pensando mesmo em pesquisa em ensino. E aí eu tinha que ver os meios pra chegar a isso. Mas esse período de estágio foi muito importante pra eu ter noção do que eu não gostava, e também porque eu sempre achei que você tem que trabalhar numa coisa que você goste mesmo, porque aí você faz bem e você consegue ter mais sucesso. Então eu procurei isso, me direcionei. Embora, vou adiantar um pouquinho, quando eu saí da faculdade, o primeiro concurso que abriu, eu fui fazer, e estou até hoje. Que foi exatamente abriu concurso na Universidade de São Paulo e era pra fazer exatamente o que eu não pensava em fazer, que era trabalhar em produção de refeições, que foi o primeiro trabalho meu, foi no restaurante do Coseas, na USP, que servia duas mil refeições na hora do almoço e mil no jantar. E foi o primeiro emprego que quando eu me formei em dezembro de 69, em janeiro de 70 abriu esse concurso e eu fui prestar. E estando dentro da USP, eu consegui sair por onde eu queria, fazer o que eu tinha planejado durante o período em que eu fiz os estágios e achava que pesquisa e fazer uma parte de ensino era o que eu gostava mais.
P/1 – Como foi esse redirecionamento? Explica um pouco pra gente.
R – Eu acho que por eu ter toda essa vivência minha com o meu pai, voltado bem pra natureza, de pequenininha já ir com o meu pai pra caçada, pra pescar, pra andar de avião naquela época, eu sempre tive um espírito muito aventureiro. E quando eu cheguei a esse meu primeiro trabalho, que era de UAN, eu comecei a pensar o que eu vou fazer daqui pra frente. E eu entrei com uma colega minha, Carolina Satiko Tamashiro, e nós duas começamos a mudar um pouco o restaurante em si. Por que eu vou voltar nesse do aventureiro? Porque lá era assim, acontecia alguma coisa, quebrava alguma coisa, eu não podia ficar lá esperando. Então eu saía correndo, ia lá pra prefeitura da USP e pedia ajuda lá, e fui conhecendo as pessoas que trabalhavam por lá. Então eu tinha um relacionamento com outros departamentos lá que não ficava só no restaurante. E aí eu conheci um psicólogo que chamava Reimei e que era responsável pelo Campus Avançado da USP em Marabá, no estado do Pará. E fiquei amiga dele. Assim, ele vinha comer no restaurante, nós conversávamos sobre isso. E dentro do próprio restaurante, a gente tinha já feito algumas amizades, então eu soube de uma aluna que vinha comer no restaurante que tinha aberto o primeiro curso de pós-graduação em Nutrição, em Alimentos de Nutrição da USP. Você imagina, em 68 abriu esse programa. E ela fazia mestrado nesse programa. E ela ia almoçar no restaurante, ela era nutricionista também, de Recife, ela tinha vindo de Recife pra fazer esse curso, e a gente conversava e eu falava pra ela que eu queria fazer. Só que você vê como a vida traz, eu falo assim, que a vida te abre muitas portas e você precisa saber o momento de você entrar por elas. E no caso eu conheci o Reimei, que era o psicólogo, que junto com o Sérgio Zucas, era quem dirigia, de alguma forma, o pessoal, os alunos, naquela época era Projeto Rondon Campus Avançado da USP em Marabá. E eu falei pra ele: “Eu queria ir”. Ele falou: “Eu vou ver se eu consigo pra você ir”. Nessa época, já fazia um ano e pouco que eu já tava trabalhando lá nesse restaurante, a gente fez várias mudanças. Dentro dessas mudanças, chegou uma hora que o restaurante era terceirizado. E nós, você imagina, saindo da faculdade, naquela época eu tinha 26 anos. Não, 26 não, eu tinha 24 anos. Nós éramos jovens, minha amiga também, e as pessoas não respeitavam muito a gente nesse trabalho. Nós fomos um dia, eu e ela, falar com o diretor administrativo do restaurante, falamos assim: “Olha, nós vamos embora, porque ninguém nos respeita no restaurante”. Ele falava: “Imagina...”. Eu nunca esqueço, doutor Irineu Strenger. Ele falou assim pra mim: “Vocês não sabem o que é estar trabalhando na Universidade de São Paulo. Vocês não imaginam o que vocês têm na mão. É um absurdo o que vocês estão me falando. O que vocês precisam pra mudar isso?”. Nós falamos: “Olha, o restaurante é terceirizado, as pessoas não obedecem aquilo que nós pedimos” “Tá bom, então vocês têm carta branca”. Daí nós fizemos uma revolução no restaurante. Eles interromperam o contrato de terceirização, eles fizeram o que nós pedimos de contratar um chefe para o restaurante, de contratar outras copeiras e outros... Quem podia ficar e quem quis ficar, ficou. Então nós reestruturamos tudo. Inclusive, na época, nós fomos assim, fizemos em vanguarda, o que não existia lá, fizemos outro salão em que pessoas que tivessem problemas, tipo gastrite, úlcera, que pudessem ter uma alimentação diferenciada. Nós conseguimos fazer tudo isso. Só que também, na nossa experiência, muitas vezes você não pode ser muito assim rígido em algumas coisas, tem que ter alguma política, e nós não éramos políticas. E eu lembro que teve uma vez que o diretor administrativo, era abaixo do doutor Irineu Strenger, falou que ia ter um evento na USP e ele pediu que tivesse refeições separadas para o grupo, como se fosse um congresso que ia ter um grupo e comer separado. E nós fizemos a programação, tudo, e isso é uma ingenuidade nossa, nesse dia ele quis ir almoçar lá com um grupo de outras pessoas, e nós falamos: “Não. Não pode, porque é do evento” (risos). Por que nós falamos isso? Imagina. E eu sei que foi uma batalha difícil, porque, claro, eles se revoltaram com isso, “imagina, quem são elas pra não permitirem isso?”. E aí começou a ter algumas coisas, tipo, um dia sobrou mais pão do que o... Iam lá e fotografavam aquilo. Um dia aconteceu... Então teve uma espécie até de um boicote contra a gente. E com isso, nesse período de turbilhão, chega o Reimei pra mim, esse psicólogo, e fala pra mim: “Silvia, você quer ir pra Marabá?”. Eu falei: “Eu vou”. E aí eu fiz uma coisa que eu não devia. Se naquela época eu tivesse pensado. Mas eu fui com ordem do reitor e deixei só um recado para o Coseas, que eu estava indo com ordem do reitor participar do Campus Avançado da USP Marabá, Pará. E fui. E aí você imagina a revolução contra a Silvia nesse... “Como ela faz isso?” E minha amiga me escrevia: “Silvia, eles estão pedido sua cabeça aqui” (risos).
P1 – (risos).
R – Mas nesse Campus Avançado da USP Marabá, eu conheci o Sérgio Zucas, que era professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP e que era o diretor do campus lá em Marabá. Eu cheguei pra ele e falei assim... E exatamente onde era o curso de pós-graduação de Nutrição, Alimentos e Nutrição Experimental. Eu falei pra ele: “Olha, Sérgio, eu preciso estudar mais. Você não tem nada que eu possa fazer no seu departamento?” – falei pra ele. Ele falou pra mim: “Olha, Silvia, esse ano a Faculdade de Saúde Pública pediu pra Faculdade de Farmácia dar a disciplina de Bromatologia” – que é análise de alimentos – “então eu vou ver se eu consigo pra você ir pra faculdade pra ajudar nessa disciplina comissionada”. Você imagina como eu me animei. Aí eu tinha que voltar. Lá em Marabá, eu trabalhei à beça, fiz várias coisas, fiz uma interação enorme com o hospital lá, dei várias palestras lá no hospital, fui visitar as famílias orientando na parte de alimentação e nutrição. Fiz um trabalho bem interessante de 45 dias lá nesse Campus Avançado. E, inclusive, de novo, foi a primeira turma do Campus Avançado que foi pra lá.
P/1 – Era uma espécie de estágio? O que era isso? Era um programa?
R – Na verdade, dentro do Projeto Rondon, eles criaram esses Campus Avançados da USP. Então o que acontecia? Iam pra lá pessoas já formadas, que eram pessoas que podiam fazer a diferença na região. Então quando eu fui eram só profissionais já prontos para o trabalho, não era, por exemplo, estudantes. Porque o Projeto Rondon era de estudantes. E nesse caso não, eram pessoas já graduadas que iam desenvolver um plano de ação pra melhorar a situação da região que tava sendo visitada.
P/1 – E nessa experiência assim, você se lembra de alguma história marcante que você tenha vivido atendendo?
R – Várias. Várias. Várias.
P/1 – Conta alguma coisa pra gente.
R – Assim, nessa primeira vez que a gente foi... Eu fui duas vezes para o campus. Nessa primeira vez, não teve assim uma história tão marcante, porque a gente foi conhecer a área, ver as possibilidades, abrir portas junto… Ok, e teve depois uma segunda vez, mas daí eu conto na volta. Então nessa primeira vez foi mais assim de ver a situação, de se interar com a política da região, com os políticos da região, tipo, prefeito, hospital, quem, vamos dizer assim, conduzia os serviços na área da saúde no local, pra depois estabelecer metas pra ação posterior. Nessa primeira vez, nós fomos com isso. E quando eu voltei, tava o maior problema pra mim dentro do Coseas, porque, claro, eles queriam me mandar embora. Eu fui diretamente falar com o doutor Irineu de novo, que era a pessoa máxima dentro do Coseas. Eu falei pra ele: “Doutor Irineu, aconteceu isso, isso, isso, eu proibi o pessoal de ir nesse dia porque eu achei que era... Na nossa ingenuidade” – falei pra ele – “na nossa ingenuidade, eu fiz isso errado” – falei pra ele. “E outra coisa que eu fiz errado foi ter ido pra lá sem sua autorização. Eu reconheço isso, eu sei que não fiz certo, mas é que o ambiente tava tão complicado, que o reitor autorizou a minha ida, então eu fui.” Mas me desculpando com ele. Eu falei pra ele: “Professor Irineu, existe uma possibilidade de eu ir pra Faculdade de Farmácia, que eu gostaria muito de entrar pra área de pesquisa, pra área de ensino. Tem um curso de pós-graduação nessa faculdade e eles estão precisando de alguém que ajude pra dar a disciplina de Bromatologia pra Nutrição. Eu gostaria muito que o senhor me deixasse ir”. E ele deixou. Eu fui acho que bem convincente com ele, eu fui bem honesta com ele e ele permitiu que eu fosse pra Farmácia. Então eu fui pra Farmácia. E aí foi outra batalha, que não foi fácil. Porque você imagina, eu chegando à Faculdade de Ciências Farmacêuticas, a maioria lá eram todos farmacêuticos, ou médicos. E eu, nutricionista, cheguei lá pra ajudar na disciplina lá, e eu tive grandes desafios. Porque na época, a professora Maria Pourchet Campos, que depois ficou... Eu admiro muito. Eu a admirei muito. Ela é uma pessoa assim, com uma visão incrível de ciência, de tudo. Ela que foi uma das pioneiras pra abrir o primeiro curso de pós-graduação na USP. Mas era uma pessoa muito exigente e não queria mulher no departamento dela. Ela contratava homens e, com muita relutância, algumas mulheres. Então eu cheguei lá como nutricionista e eu pretendia fazer pós, pretendia fazer várias coisas. Cheguei já dando aula pra Nutrição. Hoje eu tenho pena das minhas aluninhas daquela época, eu não tinha experiência nenhuma, quase. Tinha que estudar muito pra dar aula. Naquela época era transparência em papel celofane. E eu fazia, ficava lá estudando pra dar alguma coisa de aula pra eles. E eu fiquei lá junto com o professor Sérgio Zucas, que inclusive depois foi meu orientador de mestrado e doutorado. E ele, naquela época, muito ligado ao Projeto de Marabá, no Pará, Campus Avançado. E eu comecei então a dar aula e tive a oportunidade de voltar pra Marabá, aí já na Farmácia, mas vindo pra lá. E o que aconteceu de relevante dessa vez? Teve um dia que eu e uma enfermeira, que hoje também é docente lá da Enfermagem, eu não lembro exatamente o nome dela agora, mas nós duas fomos pra ter um atendimento numa localidade que era próxima do campus, mas no interior, umas duas horas do campus, indo de... Naquela época tinha aquelas caminhonetes de tração nas quatro rodas e tudo mais. E foi então o Reimei, que era o chefe do campus lá, fui eu, ela, e nesse dia chegam dois militares, com dois índios, dizendo que tinha um problema numa aldeia e eles pediram pra nós irmos lá pra resolver o problema dos índios. Tinha o médico, enfermeira, eu, mas ia só o médico nessa região. E aí nós fomos. Quando chegou mais ou menos próximo dessa cidadezinha que eu e essa minha amiga enfermeira íamos ficar pra prestar atendimento, eles acharam que ia demorar muito pra desviar pra nos deixar lá e ia chegar tarde lá na aldeia onde ia ter esse atendimento médico. Então o que aconteceu? Eles resolveram não nos deixar lá e nos levar pra aldeia junto com eles. Só que no caminho, era um período de chuva, nós ficamos atolados no meio da Mata Amazônica. Aí não tinha como sair e nós fomos a pé até achar um barracão lá, dormimos numa rede eu e ela nesse dia. Tinha os militares, tinha o índio, tinha o Reimei, todos nós nesse barracão de castanheira, que era onde eles pegavam as castanhas e armazenavam nesse local. O Reimei nesse dia pegou uma malária, graças a Deus nós não. E o que aconteceu? Essa minha amiga ficou menstruada. Você imagina, no meio do nada. E cinco horas da manhã, nós duas procurando um riacho, e ela voltou enrolada numa toalha. Nesse dia, o que nós tínhamos que fazer? Era desencalhar a caminhonete e voltar para o campus, porque não dava pra ir até a aldeia, porque não tinha condição de estrada, porque tava muita lama, então nós ajudando a desatolar a caminhonete e voltamos para o campus, chegamos à noite. Saímos cinco horas da manhã pra fazer tudo isso e voltamos, chegamos às oito horas da noite ao campus de novo em Marabá, porque não conseguimos ir lá. Teve também outro episódio interessante nessa aventura, que foi na vinda para o campus. Da primeira vez eram aqueles aviões da Força Aérea e um tinha sido adaptado para o Projeto Rondon. Só que nós estávamos voando, um dos motores começou a falhar, saiu até um pouco de fogo, aí eles desligaram esse motor e nós descemos em Brasília, e lá tava esperando ambulância, carro de bombeiro, tudo. Nós ficamos dois dias em Brasília e chegou outro avião da FAB, que era daquele de paraquedista, que tinha só os bancos assim na lateral e que fazia um barulho infernal (risos). Então antes de chegar ao campus já aconteceu isso, e depois tinha mais esse negócio aí dos índios. Mas foi muito... Eu acho que foi muito bonito.
P/1 – Mas você chegou a fazer atendimento à aldeia? Nesse dia vocês não conseguiram. Mas em algum momento...
R – Não. Daí depois eles foram. Eles voltaram, no outro dia voltaram com o médico só, nós ficamos lá na cidade fazendo atendimento na cidade, no hospital, orientando as famílias, mais disso.
P/1 – E nessas experiências de atendimento, Silvia, tem alguma coisa que tenha sido...
R – É maravilhoso.
P/1 – Uma história, uma coisa que tenha te marcado, que você sempre lembre ou que tenha, enfim, sido uma experiência forte?
R – Olha, é assim, veja, o pessoal é muito receptivo. Naquela época, assim, eles não sabiam o que fazer pra gente. Eles queriam que nós comêssemos, eles queriam que nós compartilhássemos da vida deles. E muito pobres, uma região bastante pobre naquela época. Hoje eu não sei, porque Marabá hoje, depois daquela época teve a invasão do ouro lá. Mas naquela época, não. Era bem mesmo, era bem Mata Amazônica mesmo. Inclusive, as estradas praticamente eram fechadas de novo pela mata. Então era uma região bem difícil pra eles viverem. E tinha o rio, o rio que sobe e desce, dependendo da estação, e era praticamente de onde eles tiravam o peixe, o alimento, enfim. As famílias em si, veja, não existia uma que eu fale pra você: “Olha, foi melhor”. Todos. Era uma receptividade enorme, eles nos recebiam de braços abertos, nós orientávamos, nós fazíamos reuniões com eles também numa igreja, em que nós fazíamos tipo aulinhas mesmo: “Olha, qual a importância...”. Ressaltava a importância da amamentação, ressaltava a importância de se consumir frutas, verduras, de ter uma alimentação adequada, de ter variedade. Enfim, dentro dos recursos que eles tinham, nós procurávamos mostrar a importância daquilo.
P/1 – E teve algum episódio que tenha te marcado assim?
R – Teve. Teve um episódio no hospital. Porque nós lá tínhamos livre acesso a qualquer questão. E teve uma vez que nós estávamos lá no hospital e tava o médico sozinho lá, o plantonista, e ele chegou e pediu ajuda nossa pra um parto. E foi assim maravilhoso. Foi lindo.
P/1 – Como foi? Conta um pouco.
R – Foi assim uma coisa... Sabe você... Na verdade, você tinha que ajudar naquela hora de dar os instrumentos lá, de ajudar lá, e foi assim... E você vê aquela criança nascendo, vê... E foi assim. E ainda outro episódio também nessa mesma coisa, de um rapaz novinho, que nesse caso a gente não ajudou, mas nós estávamos lá no hospital... (troca de bateria).
P/1 – Então só retomando, Silvia, você ia contar um caso do rapaz.
R – Então, que chegou com um tiro, ele tinha levado um tiro. E chegou assim praticamente quase morrendo, e foi salvo, e você vê depois o rapaz. Nem lembro mais o que motivou o tiro, mas, enfim, você vê a pessoa chegando naquele desespero, naquela coisa, e você vê um hospital com poucos recursos, fazendo o que podia pra... E foi bem interessante. Acho que eu tive grandes emoções.
P/1 – Quanto tempo você ficou no projeto essa segunda ida?
R – Dessa segunda vez, eu fiquei 45 dias; da primeira vez foram 30 dias. E assim, você vê, por exemplo, tinha junto conosco um profissional da área de odontologia, então a importância de você ter... E geralmente nessas horas você vai, é aquele atendimento rústico, que você não pode fazer grandes coisas. Também a gente participava, sabe, ajudava também. Assim, nós fazíamos de tudo um pouco lá. Então é uma experiência que valeira a pena cada pessoa ter na vida, porque isso te mostra que às vezes os problemas que você às vezes acha que são importantes, não são nada. Você vê que tudo é fácil de ser contornado quando você passa por momentos e vê tantas coisas e vê as pessoas tão dispostas, tão felizes. Pra elas, passar por isso é até uma coisa normal. E você fala: “Poxa, eu dou tanto valor...”. Tanto que no dia que eu fiquei perdida na mata, eu pensada assim: “Poxa vida, naquela época eu consegui com o meu trabalho comprar um... Da Volkswagen, um Karmann-Ghia TC”. E eu perdida naquela mata, falei: “Poxa vida, eu to aqui com medo que tenha algum bicho que chegue”. Porque naquele dia mesmo ainda um índio me deu uma pele de jaguatirica. Eu falei: “Poxa vida, eu aqui nessa rede, com medo. Lá a minha casinha, com o meu carrinho lá me esperando”. Passa tudo na sua cabeça. E você fala: “O que é isso?”. Nada. Eu to aqui agora. E aqui, o que eu tenho pra comer? Lima da Pérsia. Era a única coisa que tinha, que tinha uns pés de lima lá perto dessa castanheira, e castanha. Hoje eu trabalho com castanha e castanha tem coisas muito boas. Mas naquela época, eu nem sabia o que tinha a castanha e tava lá perdida. E foi ótimo. Foi uma lição de vida pra mim.
P/1 – E como você foi se encaminhando pra essa carreira de docência e de pesquisa? Conte-me um pouco.
R – Daí eu fiquei lá na Faculdade de Ciências Farmacêuticas, no começo ninguém dava nada pra eu fazer e isso me desesperava. E eu comecei a fazer o quê? A acompanhar as meninas que estavam fazendo pós-graduação. Então eu falava se elas precisavam de ajuda e ficava ajudando, e aprendendo.
P/1 – Ajudando no quê, por exemplo?
R – Ajudando as pesquisas delas. Então elas estavam trabalhando com pesquisa na área de alimentos e fazendo determinação, quanto tinha de proteína, quanto tinha de algum mineral, quanto tinha de... E eu ficava junto, olhando, ajudando. Até que chegou uma hora... E o Sérgio, que foi depois meu orientador naquela época, ele tava assim, quase não ficava no departamento, porque ele tava envolvido com o Projeto Rondon, com essa história de Marabá. Então eu fiquei praticamente dando a disciplina da graduação para os alunos da Saúde Pública que tava fazendo Nutrição, e fora isso não tinha mais nada pra fazer, era só isso. Aí chegou um momento em que eu quis entrar na pós-graduação, e eu entrei. Em 1971, novembro de 71, foi quando eu fui pra Farmácia. Mas eu só consegui entrar na pós-graduação em 74, porque antes disso, a professora não deixou entrar. Chegou uma hora, depois de dois anos que eu estava lá, com toda essa situação que eu te falei, que no começo ninguém dava nada pra eu fazer, e que eu tinha que aprender, e que eu fui atrás das meninas e fui fazendo uma coisa aqui, outra lá, nesse ínterim chegou o professor Franco Lajolo, que ele tinha terminado o doutorado dele no MIT e tinha voltado pra faculdade. E ele percebeu a minha angústia de não estar fazendo nada... Não é que não fazendo nada, mas ninguém tomar conta do que eu teria que fazer ou não, ter um chefe pra mim. Não tinha naquela época. Ele falou pra mim: “Olha, Silvia, vem cá. Tem um trabalho assim, assim, você quer fazer? Vê se você...”. E eu fui. Não sabia nada, mas eu fui lá na Química saber como fazia. Tinha que determinar sódio e potássio em amostras que ele tinha lá, que era de farinha de peixe, que ele tava interessado. E eu fui atrás e comecei a fazer. E me aproximei do Franco nesse ponto. E aí chegou uma hora, depois de dois anos que eu tava na Farmácia, que o Coseas, naquela época acho que o doutor Irineu nem tava mais lá, mandou um ofício pra Farmácia dizendo: “Ou vocês a assumem aí ou devolvem”. De novo puseram a minha cabeça a prêmio (risos). E aí eu tava já envolvida já com várias coisas. Aí a professora conseguiu... Num outro departamento tinha uma vaga de biologista e eles... Como foi a história? Não, isso daí foi depois. Eu sei que eles poderiam, se quisessem, me contratar como auxiliar de ensino, porque daí eu já estaria encaminhando pra carreira docente. Mas eles não quiseram, então eles me puseram... Conseguiram trocar um cargo e me contrataram como biologista. Eu fiquei na Farmácia como biologista no departamento de alimentos e nutrição experimental. Naquela época eu era só nutricionista dentro da faculdade. Em 74, eu consegui entrar na pós-graduação. Eu falei: “Graças a Deus”. Consegui fazer o curso de pós-graduação, me matricular nesse programa. E, coincidentemente, quando eu terminei aquele meu namoro de sete anos, eu fiquei dois anos numa fase de namorava um, outro, nada firme. E em 73, eu conheci o meu marido. Meu marido é italiano e ele veio para o Brasil pra trabalhar aqui. Já tinha chegado em 1970 no Brasil, ele é engenheiro estrutural, faz projetos de estrutura de prédios, de tudo. E eu conheci meu marido numa viagem que meu cunhado programou pra que ele tivesse o registro do diploma dele no Brasil. Meu cunhado também é engenheiro e ele falou: “Olha, em Juiz de Fora você vai conseguir revalidar o seu diploma mais facilmente do que na USP”. E aí bolaram uma viagem, porque meu marido já trabalhava numa empresa que prestava serviço para o meu cunhado. Então eles se conheceram e fizeram essa programação de viagem pra ele revalidar o diploma. E nessa viagem, meu cunhado falou assim: “Silvia, vamos junto, porque minhas irmãs” – que eram de Juiz de Fora também – “todas elas têm namorado, e ele vai ficar muito solto lá. Vamos também”. Naquela época, eu não tava namorando ninguém, tava numa boa, aí eu fui. Conheci meu marido nessa viagem, praticamente depois de cinco meses nós estávamos casando. E nós casamos rápido porque eu ia começar a pós-graduação. Então foi um período assim de setembro de 73, até fevereiro de 74, de eu casar, viajar 15 dias, voltar e começar a minha pós-graduação. Aí eu fiz mestrado. Quando eu terminei o mestrado, abriu concurso na faculdade pra carreira docente. Naquela época foi assim, eu tava terminando o meu mestrado, e o Sérgio Zucas pegou outro orientado, que era o sobrinho da professora Pourchet Campos, que ela queria que ele entrasse na carreira docente. E aí o Sérgio era o meu orientador, então pegou uns dados meus, passou pra ele, pra ele fazer umas análises e defender o mestrado junto comigo. Nós defendemos em 75, o mestrado, e aí abriu concurso. Claro que eu não entrei, porque eu fiquei... Eu passei, mas não entrei, porque entrou o sobrinho da professora Pouchet. Aí logo em seguida a professora se aposentou e veio o professor Domingues que conseguiu com o meu concurso que eu tinha passado, mas não tinha sido indicada, me colocar em 77 na carreira docente. Então daí sim eu comecei a fazer a carreira docente. Nesse intervalo, eu tive meus dois filhos. Tive minha filha, que defendeu a tese de mestrado junto comigo, e meu filho que nasceu no período do doutorado.
P/1 – Qual o nome dos seus filhos?
R – Flávia, e meu filho, Ciro. Ciro.
P/1 – Como?
R – Ciro. Ciro em italiano.
P/1 – Deixe-me voltar um pouco, antes de você continuar. Essa coisa da sua vida pessoal, eu queria que você contasse um pouco mais como foi essa ocasião que você conheceu o seu marido. Como foram esses cinco meses de namoro?
R – Então, eu conheci o meu marido nessa viagem que nós fizemos. Nessa viagem, nesse dia que a gente chegou, primeiro nós discordamos muito, porque ele falava da Itália e eu falava do Brasil. E ele muito italiano, até hoje, então eu pensando: “Mas esse cara é metido!” No sentido de, poxa, só fala de Itália, só isso da Itália, não sei o quê, na Itália tem isso, tem isso, tem aquilo. E eu, quieta. Nesse dia de noite, a gente foi a uma boate, todo o pessoal, e aí dança, não sei o quê, começa alguma coisa assim mais diferente, e aí voltamos pra São Paulo. Desde o dia... Aí passou quanto? Ah, aí ele combinou com o meu cunhado que ele ia mostrar umas fotos na casa de um amigo, porque ele gostava muito de fotografia. E marcou-se, nós fomos a essa reunião, inclusive eu fui acompanhada de um ex-namorado nesse dia pra ver as fotos. Mas eu fui acompanhada assim, de amigo do outro. Nesse dia ele falou... Eu falei: “Bom, eu vou embora, não sei o quê”. E esse meu amigo ia me levar, ele falou: “Não, pode deixar que eu levo”. E ele me levou pra casa. Ele falou pra mim: “Você não quer ir ao cinema, não sei o quê?”. Eu falei: “Tá bom. Tudo bem”. E fomos ao cinema e praticamente ficamos namorando a partir desse dia. Mas todos os dias, durante cinco meses, ele todo dia, eu tinha aula de inglês à noite, ele ia me levar e me buscar. E assim... Aliás, desculpa, eu ia de carro, ele ia me buscar com o carro dele e me acompanhava até em casa. Isso foi durante os cinco meses, mas não teve nenhum dia que eu não tivesse encontrado com ele. Isso foi em setembro, quando chegou em novembro, meu pai tinha um local lá em Bertioga, que nós sempre íamos durante o fim de semana, feriado, e nós fomos, num desses feriados, e ele foi junto. E estávamos lá conversando, de repente ele falou assim: “Olha, eu tenho 34 anos, você tem 26 anos, a gente viu que a gente se deu bem, vamos casar”. Assim, sabe? Eu falei: “Casar já?”. Ele falou assim: “Olha, eu sou rápido. Nós não somos mais crianças pra ficar pensando. Vamos casar e pronto”. Tá bom. Daí chama meu pai e minha mãe, imagina a cara deles: “Olha, resolvemos...”. Minha mãe assim: “Imagina, mas já? Tá muito cedo”. E os pais dele naquela época estavam aqui no Brasil e moravam com ele no apartamento dele. Ele já tinha um apartamento montado e tudo, era só eu me mudar. E os pais dele também assustaram, imagina, quem é ela? Mas, afinal, ele quis que a gente... A proposta inicial era que a gente ficaria noivo no fim do ano e que nós casaríamos em julho. Mas como eu tinha que começar a pós-graduação, eu falei: “Não, vamos casar antes”. Então em fevereiro do outro ano nós casamos. E os pais dele não estavam muito certos do casamento, imagina, aqueles italianos bem do sul, bem assim. Meu marido é napolitano. Ele se formou na Itália e veio para o Brasil com 30 anos, então ele tem todas as coisas do italiano. E a família dele também, imagina, a mãe dele toda “quem é essa?”. E aí casamos e eles foram embora.
P/1 – Como foi o casamento? Conta.
R – Eles foram embora.
P/1 – Ah, eles foram embora?
R – Com a desculpa que eles tinham que deixar o apartamento pra ele poder arrumar pra gente casar, eles foram embora em dezembro e nós casamos 14 de fevereiro. Você imagina, filho único... Filho único não, ele tem duas irmãs, mas ele o único homem. E eles foram embora e não assistiram o casamento. E o casamento, de novo, meu pai, como minha irmã tinha casado um ano antes e tinha feito uma festa no clube português e tudo, meu pai queria fazer igual. E meu marido, imagina, não. Começou do vestido, que ele queria que fosse o vestido... Ele encomendou o vestido pra uma amiga dele trazer da Itália o vestido pra eu usar no casamento. E a festa, ele queria que fosse de um jeito, pra poucas pessoas, num lugar mais requintado, então ele falou para o meu pai: “Olha, o quanto o senhor for gastar, o senhor me deixa completar com o que eu quero”. Então teve esses... E aí nós casamos num bufê da... Era perto da... Ah, meu Deus, agora não lembro o nome. Não é o bufê França, mas era daquele padrão. Era do lado da igreja onde a gente ia casar, que era lá no Higienópolis, não lembro agora o nome do... E aí nós casamos lá. E o pior de tudo, que começou a festa, depois de uma hora, também porque era comum na Itália fazer isso, me levou embora sem falar tchau pra ninguém, nada. Deixou a festa lá e vamos embora. Aí me levou para o apartamento nosso, ele tinha arrumado toda uma mesa com marrom-glacê, com champanhe, com frutas que ele sabia que eu gosto. E foi assim, me levou embora, simplesmente, da festa. Foi estilo diferente. E no dia seguinte nós saímos pra viagem, fomos para o sul, ficamos uma semana no sul, de carro. Mas foi muito bom.
P/1 – Como foi a viagem de lua de mel?
R – Então nós fomos de carro e fomos para o sul e chegamos a esse local que é... Ah, meu Deus, às vezes eu esqueço as coisas, mas é litoral de Santa Catarina. Nós ficamos uma noite em Camboriú, mas foi horrível, porque tinha o quarto... O hotel bonito, tudo, mas tinha um cheiro de mofo no quarto, que no dia seguinte nós saímos e fomos pra esse lugar que nós passamos uma semana, que era 20 quilômetros de Camboriú. Era uma praia muito linda e tinha os chalés. Vou lembrar o nome, mas agora eu não lembro.
P/1 – Vocês ficaram uma semana então nos chalés?
R – Ficamos uma semana lá. Foi muito bom.
P/1 – Conte-me então como foi a primeira gravidez.
P/1 – Então, daí nós esperamos um pouco, porque nós queríamos... Nós casamos muito rápido, e meu marido sempre foi muito: “Não, vamos esperar pelo menos uns dois anos, ver como as coisas vão, e depois nós decidimos se vamos ter filhos e tudo mais”. E nós esperamos dois anos. E eu comecei a fazer a pós-graduação em 2000 e... Desculpa.
P/1 – 1974.
R – 1974. E lá para o fim do ano nós... Não, em 70, minha filha nasceu em 21 de setembro de 1976. Então eu fiquei grávida no final de 1975.
P/1 – E como foi descobrir que você tava grávida, a gravidez?
R – Foi muito... Assim, eu descobri que eu tava grávida... Olha, você não sabe como eu descobri que tava grávida. Eu tinha uma cabeleireira... Logo que eu casei, mudou perto da minha casa um casal de japoneses e abriram um salão de cabeleireiro. Eles não falavam uma palavra de português. E como era na esquina da minha casa, eu fui lá. E acostumei a ir lá. Chegou um dia... Fazia pouco tempo que eles estavam no Brasil. Ela tinha uma intérprete, outra japonesa que era intérprete. Então ela perguntou em japonês pra menina, falando pra me perguntar se eu estava grávida. Eu falei pra ela assim: “Não sei”. Mas naquela época eu já tava tentando ficar. E aí passou acho que nem um mês, fui fazer o teste, que não veio menstruação, fiquei sabendo que eu tava grávida. E foi muito bom. Eu fiquei muito feliz. (troca de cartão).
P/1 – Então só retomando, eu fiquei curiosa pra saber por que ela achou que você tava grávida.
R – Bom, então eu fui a essa cabeleireira, a essa japonesa, e ela disse que pela textura do cabelo ela conseguia... E diz que tem um cheiro também diferente. E ela desconfiou que eu estivesse grávida.
P/1 – E ela tava certa.
R – Tava certa. Fiquei mesmo. E minha filha, como eu te falei, eu defendi a minha tese de mestrado grávida de cinco meses da minha filha.
P/1 – E como foi o nascimento? O parto, como foi o parto?
R – O parto. Veja, graças a Deus eu passei superbem, não tive problema algum durante o período inteiro, trabalhei o tempo inteiro. E quando faltava mais ou menos um mês, uns 15 dias pra eu ter minha filha, eu parei de trabalhar. E aí fica aquela história, marinheiro de primeira viagem, você nunca sabe quando vai ser, nem quando vai ser. Eu ia ao médico, fazia aquelas sessões de ginástica, que naquela época... Não sei se hoje fazem mais, mas na época tinha toda uma... O meu médico fazia questão que a gente fizesse esse treinamento de como proceder no momento do parto pra ficar mais fácil o nascimento. Só que daí o que aconteceu? Teve um dia que eu comecei a sentir que tava na hora. Naquela época, o meu médico gostava do Hospital São Luiz. Nós não gostávamos muito, mas ele queria, nós fomos. Chegou ao Hospital São Luiz, a enfermeira foi fazer o toque pra ver se tava na hora ou não. Eu fiquei muito brava com ela, porque ela falou assim: “Pode ir. Fruto maduro cai da árvore”. E me mandou embora de novo pra casa. Aí eu fui muito triste pra casa, porque eu falei: “Bom, não era agora”. De noite, duas horas da manhã, rompeu a bolsa. Liguei para o médico, falei: “Olha, eu não vou mais para o São Luiz, to indo para o Einstein e vou pra lá”. Fui. Chegou lá, ele veio logo de manhã, me esperou até de manhã, aí foi, ela tava sentada, então não ia dar pra fazer parto normal, teve que ser cesárea. Fiz a cesárea, tudo. Só que ele foi muito... Quer dizer assim, esse médico foi muito displicente comigo depois que ela nasceu, porque eu tive problema de inflamação dos pontos, eu acho que o tipo de sutura deu alergia, e ele não... Sabe? Desinteressou-se. Tanto que eu precisei procurar outro médico pra poder tratar dessa inflamação que eu tive depois do parto. Eu falei: “Não vou mais nele”. O que aconteceu? Depois de três meses que a minha filha nasceu, eu fiquei grávida de novo. Você imagina voltar a trabalhar dizendo que tava grávida de novo. Mas esse não foi programado. Eu lembro que eu chorei muito, e hoje eu me arrependo, porque eu falo, meu filho é maravilhoso, e eu chorei quando soube que tava grávida dele, porque justamente tava voltando ao trabalho e tendo que dizer que tava grávida novamente. E é uma coisa normal, porque na verdade quando você pensa que tá naquela idade, ou você quer ter ou não ter, então... E o que aconteceu de pior? Bom, primeiro, durante a gravidez não tive problema algum, passei nove meses trabalhando de manhã, à noite, sem problema, não tive nada. Eu lembro que eu trabalhei até sexta-feira, meu médico falou assim: “Olha, se no fim de semana não acontecer nada, segunda-feira você vai e se interna no Einstein”. Tanto que meu filho nasceu antes de a minha filha ter um ano. Ele nasceu no dia 12 de setembro, e ela fazia um ano no dia 21 de setembro. Bom, conclusão, o que houve nesse “coiso”? Eu mudei de médico. E numa das consultas que nós fomos ao médico, meu marido perguntou assim: “Doutor, o fato de ela ter tido uma cesárea implica que ela tenha outra cesárea? Ela pode ter normal?”. Ele falou: “Pode”. E deve ter ficado com isso na cabeça. O médico era jovem naquela época, hoje ele é famoso. Eu falo assim, eu não tenho raiva dele, porque ele salvou meu filho, mas ele fez uma grande barbeiragem. Na verdade, assim, junto comigo tinha mais três dando a luz, e ele o médico. E ele induziu... Eu cheguei ao hospital tranquila, sem nada, sem dor, sem nada, completou nove meses. E ele induziu o parto, eu tendo tido uma cesárea um ano antes. E eu fiquei tendo aquelas contrações, aquela coisa. E quem me assistia era uma assistente dele e ele de vez em quando ia lá, não sei o quê, pararã. Bom, conclusão, a hora que eu tive pra ter o filho, eu tive ruptura de útero, então praticamente eu tive... Meu filho foi parar na minha barriga e teve que fazer... Eu já tinha tudo preparado, inclusive o corte pra ele nascer normal. Ele sentado, sentado também, que nem a minha filha, aí eu tive ruptura de útero. Aí foi aquela correria total, aquele desespero total. Minha irmã, ele tinha deixado a minha irmã assistir ao parto, ela tava lá dentro da sala comigo, de repente eles fecharam a janelinha, não deixaram mais ninguém ver, meu marido desmaiando lá fora, porque ele acabou vendo lá o sangue, não sei o quê, se apavorou todo. E eu fiz cesárea às pressas, então quase que eu morro e quase que meu filho morre. E aí por sorte tinha um pediatra maravilhoso lá na sala que salvou o meu filho, porque o Apgar dele foi de um, depois no quinto minuto, dois. Ele teve transfusão de sangue, eu tive transfusão de sangue. Fiquei dez dias no hospital até poder ter alta, porque realmente a situação ficou pretíssima. Mas meu filho hoje é engenheiro da Poli. E eu lembro que eu fiquei assim, durante muitos anos eu fiquei muito preocupada, porque o médico, o pediatra falou pra mim assim: “Olha, se ele tiver algum problema de falta de atenção, é porque ele teve sofrimento na hora do parto, isso pode interferir”. Mas graças a Deus não interferiu nada, ele se formou em cinco anos na Poli, hoje tá muito bem sucedido, graças a Deus, trabalhado bem, ganhando bem, e já tem duas filhinhas.
P/1 – Como foi ser mãe, Silvia? A sensação de ser mãe, a experiência de ser mãe?
R – Foi muito bom. Veja, meus filhos às vezes se queixam um pouco, porque eles falam pra mim assim que na verdade, assim, principalmente a minha filha, se queixam, fala que eu sempre trabalhei e nunca tive muito tempo pra ficar com eles. Então eles se queixam um pouco disso, de tempo. Mas todo o tempo que eu pude, eu dediquei pra eles. E hoje eles veem que isso é importante. E hoje eles entendem bem, não tiveram nenhum trauma por causa disso. E eu tinha a minha mãe, então a minha mãe foi uma das pessoas que mais me deu força, porque assim, qualquer coisa acontecia, ela vinha ficar com eles. Qualquer coisa, tava doente, ela tava perto. Eu os deixava meio-dia. Eu tinha babá, mas eu deixava com a minha mãe junto. E ela era aquela avó que fazia tudo: fazia bolo, fazia isso, fazia aquilo, tava sempre presente na vida deles. Levava nas férias, então eu sempre pude contar com isso. Mas eu sempre gostei assim demais dessa função de ser mãe. Meu marido acha que eu sou muito... Segundo o meu marido, eu estrago meus filhos, que eu sempre estraguei. Porque ele sempre foi mais rígido e eu sempre fazendo as coisas que eu achava certo, mas ele achava que eu tinha que ser mais dura, tinha que ser mais isso, tinha que ser mais aquilo, então ele me culpa de várias coisas, inclusive hoje. Ele me culpa, porque assim, meu filho não liga muito pra ele no sentido de ligar o telefone, de falar. Não é que ele não goste do pai, mas ele não é uma pessoa muito presente, nem comigo até. Muitas vezes eu também me queixo, porque ele passa às vezes três, quatro dias sem me ligar, sem falar: “Olha, como você tá?”. E a gente sente falta disso. Mas eu sei que ele tá bem e eu ligo. Meu marido não liga, mas eu ligo pra saber. Então acho que você tem que ser pró-ativo também, não tem que só esperar, vá e saiba. E foi muito bom ser mãe. Ser avó tá sendo melhor.
P/1 – Ia ter perguntar isso agora. Como é ser avó?
R – É maravilhoso. É maravilhoso. Olha, as minhas netinhas e o meu netinho são maravilhosos. Assim, são terríveis, terríveis, “baguncentos”, chorões, mas são maravilhosos. É assim, é uma experiência que só quem tem pode descrever. É algo assim, vibrante na vida da gente. E eu vejo também o meu marido, com os netos também é todo derretido. É uma sensação de você estar vivendo de novo junto com eles. Sabe, quando eles chegam pra você e fala: “Vovó”. É muito bom. É muito bom. Eu vicio os meus netos, porque eu não tenho por aí, eu saio mesmo, e faço todas as vontades deles quando eu posso. E eu falo pra minha netinha agora, a que tem oito anos, a mais velha, Valentina, eu falo pra ela assim: “Valentina, você tem que crescer logo, porque quando você tiver uns dez anos, a vovó te leva pra viajar junto para os congressos. Porque daí você fica lá sentadinha assistindo às palestras com a vovó, aí eu posso te deixar”. Por enquanto, eu ainda não posso, mas é meu sonho poder levá-la comigo nessas viagens que eu faço, às vezes eu viajo muito também pra fora do Brasil, e eu quero levá-la.
P/1 – Logo menos ela vai poder.
R – É. Logo, logo. Daqui dois anos, antes de eu me aposentar definitivamente. Então, eu tenho a Valentina, que é filha do meu filho, e a Helena. A Valentina tem oito anos hoje; e a Helena, cinco. E a minha filha casou mais tarde e tem dois filhinhos: uma menina de três anos, que é a Tina, ela faz agora, dia 29 de julho, três aninhos; e o Daniel, que tem um ano, fez agora em junho um ano. Mas é muito bom.
P/1 – Já tem quatro netinhos?
R – Quatro netinhos. Quatro.
P/1 – Que ótimo!
R – São muito lindos.
P/1 – Quero voltar um pouquinho pra sua vida profissional então.
R – Sim.
P/1 – Agora queria fechar essa parte mais... Então você contou que fez o mestrado, fez o doutorado, e aí ficou na carreira acadêmica.
R – Não, e daí eu fiz livre-docência e fiz concurso pra professor titular. Então desde 2000, eu sou professora titular da Faculdade Ciências Farmacêuticas da USP, que pra mim foi assim uma grande vitória. Foi assim, ter passado por todos os desafios de você ter que mostrar que você pode, que você é capaz, que você tem uma possibilidade de competir, mesmo como nutricionista, em nível igual às outras profissões. E infelizmente ainda hoje, de professor titular na USP, só tem eu e mais uma professora que é farmacêutica também e fez o concurso pra professora titular. Não tem mais. Então eu acho que é um desafio hoje para os nutricionistas poderem ter essa mesma titulação. Eu acho assim, que a própria faculdade que forma os nutricionistas, de alguma forma, politicamente, não favorece a entrada dos nutricionistas nesses concursos que abrem. Atualmente, com a USP ter mudado o sistema até de progressão horizontal, tem vários nutricionistas que conseguem ter o mesmo grau, mas não o concurso, não o título de professor titular. Mas eu acho que no futuro isso vai mudar. Isso daí também foi mais um desafio que eu me propus, de ser presidente hoje do Conselho Regional de Nutricionistas da 3º Região, que é São Paulo e Mato Grosso do Sul. Que a minha proposta é realmente fazer com que o nutricionista seja mais valorizado, que o nutricionista seja encarado pela população como um profissional de suma importância pra saúde da população. Eu acho que hoje em dia muita gente diz que sabe nutrição, muita gente se infiltra dentro dessa profissão, porque todo mundo come, todo mundo se alimenta. Nós temos que mostrar que por trás de tudo isso tem muito ciência, que as pessoas não sabem. Hoje em tem vários blogueiros por aí dando receita de nutrição, e isso é uma coisa que tem atrapalhado muito quem tá fazendo a profissão seriamente e quem não vê na Nutrição nada que não seja o bem, pra melhorar tanto a economia do país quanto a valorização desse profissional no mercado de trabalho. Então foi mais um desafio que eu me propus nesse finzinho de carreira, de estar lutando pra que isso seja mudado.
P/1 – Eu quero aproveitar essa sua fala pra falar um pouquinho sobre essa relação com a Nestlé. Queria que você me contasse quando começa essa relação, me contasse um pouquinho a história do prêmio, do Prêmio Henri Nestlé.
R – Veja, eu tive a sorte também de estar numa faculdade que é muito aberta, então meu Departamento de Alimento e Nutrição Experimental da USP sempre foi um departamento muito aberto e muito avançado em termos de pesquisa, em todos os... Nessa área de alimentação e nutrição. E de alimento, o conhecimento da ciência do alimento e da transformação disso em alimentação e nutrição. E com isso, nós temos apoiado, assessorado várias indústrias na área de alimentos. Nós temos procurado pra orientar dentro dessa área. Então, veja, com isso nós nos aproximamos das indústrias da área de alimentos. Então nós não estamos nunca contra as empresas de alimentos, como muitos às vezes se colocam. Nós estamos a favor deles, fazendo com que isso possa ser melhorado, fazendo com que aquilo que eles produzem realmente tenha um impacto positivo pra saúde da população. Então nosso objetivo quando estamos ao lado da empresa é no sentido de “vamos trabalhar juntos pra melhorar aquilo que existe se tiver que ser melhorado, ou pra apoiar aquilo que já existe que é bom”. Então dentro desse panorama da nossa, vamos dizer assim, faculdade, do nosso departamento, nós tivemos essa oportunidade. Então eu participo de comitês científicos de várias indústrias e a Nestlé é uma delas que sempre tem procurado essa aproximação. E dentro dessa proposta, eu já participei de todos os Prêmios Henri Nestlé da comissão avaliadora que existe desde... Acho que esse é o terceiro ou quarto. E em função disso, eu acho que essa iniciativa é maravilhosa do ponto de vista que premia aqueles jovens que estão lá na faculdade desenvolvendo seus trabalhos e que querem mostrar e querem ver valorizado o seu trabalho. Então eu acho que é muito boa essa iniciativa, eu acho que to apoiando sempre. E é uma forma de se colocar também que a empresa tá afim de que haja essas melhoras e que esteja procurando premiar aqueles bons trabalhos, os bons pesquisadores, e que vão estar de alguma forma contribuindo pra saúde da população ao longo do tempo.
P/1 – Qual você acha, você falou um pouquinho disso, mas eu queria que você desenvolvesse um pouquinho mais, que é a importância do Prêmio Henri Nestlé pra sociedade como um todo e pra essas pessoas que têm seus trabalhos premiados? No que ele ajuda? O que ele promove? O que ele beneficia? Qual a importância mesmo?
P/1 – Veja, quando você abre... Vamos dizer assim, quando você pensa em abrir novos campos de pesquisa, vamos dizer, de uma área que pode estar voltada a alimentos, numa área que tá voltada à saúde pública, numa área que tá voltada pra nutrição clínica. O que acontece? As pessoas que trabalham dentro dessas áreas vão ter interesse em participar disso e ver o trabalho reconhecido. Então qual a importância da empresa? A empresa tá abrindo novos horizontes, a empresa tá mostrando que ela está interessada em que haja mais pesquisa sobre alimentos, em que se promova mais saúde pública e que se trate mais uma parte clínica por meio de alimentos. Então na hora que a empresa enxerga isso, ela abre horizonte pra que mais pessoas estejam interessadas a vir concorrer a esses prêmios. E nesse sentido, o profissional, o pesquisador, também quer ver o seu trabalho sendo valorizado, então ele também vai procurar. E isso cria uma aproximação também entre a indústria e a academia, entre a indústria e os pesquisadores, entre a indústria e o povo em geral, porque, claro, quem vai se beneficiar disso, em última instância, as pesquisas são pra melhorar a saúde da população. Nós não vamos pesquisar alguma coisa pelo simples prazer de pesquisar, nós queremos ver a aplicação daquilo, daquele conhecimento novo, da pesquisa nova, pra ser voltada pra população.
P/1 – Claro. Você falou que você faz parte de comissão científica, é assim que você chamou? De várias empresas. Eu queria entender um pouco qual o papel, quem são os profissionais que fazem parte dessas comissões e qual é, mais especificamente na questão da Nestlé, mas acho que vai além da Nestlé, qual o papel dessa comissão?
R – Durante alguns anos, eu participei da Anvisa, do Comitê Cientifico da Anvisa, pra regulamento de alimentos funcionais. Então durante esse período, eu tive uma vivência bastante grande no sentido de empresas que produziam alimentos com determinadas finalidades que iam além do valor nutricional. Porque a gente sabe que alguns compostos bioativos presentes em alimentos, eles podem ter um papel de reduzir o risco pra algumas doenças, principalmente essas doenças da atualidade como a obesidade, doença cardiovascular, câncer. Então esse comitê da Anvisa, ele foi criado no sentido de avaliar esses produtos no sentido de ter certeza de que isso realmente cumpre aquilo que promete. E pra isso, criou um board científico que avalia cada processo que chega lá pra ser aprovado ou não. A partir daí, eu comecei a ser chamada por algumas indústrias pra fazer parte de comitês científicos da própria indústria. Então eu pedi desligamento da Anvisa, porque eu achei que seria antiético eu permanecer num órgão regulador e ao mesmo tempo participar de um board de uma empresa. Então eu fui para o lado da empresa no sentido de a partir do hall de produtos que eles têm, poder sugerir melhoras. Então geralmente o board é composto por quatro, cinco cientistas, que podem ser da área de alimentos, da área médica, da área de tecnologia de alimentos, enfim, que se reúnem. A empresa coloca os seus portfólios de produtos e se discute, do ponto de vista nutricional, no meu caso, nutricional, o que poderia ser feito pra melhorar aquele produto. Então eu acho assim, eu sempre falo às vezes para os meus colegas que alguns profissionais da nossa área, eles criticam um pouco o fato de você estar desse lado, porque eles colocam que você pode ser, vamos dizer assim, de alguma forma influenciada pela empresa. Mas é o que eu sempre falo, se você trabalha com ética, nada pode ser contra você. E eu falo: “Se você consegue mudar 10%, se você consegue uma mudança mínima, você tá fazendo um grande bem pra população”. Então todo mundo me conhece e sabe que eu procuro ser muito ética naquilo que eu faço e sempre argumentar com ciência. Então aquilo que você argumenta com ciência é aquilo que existe. Então você tá tranquila de que você tá fazendo o melhor até aquele momento. Pode ser que de repente se lance um conhecimento novo, se descubra um novo rumo, e você tá aberta pra também perceber isso e mudar.
P/1 – Nesse caso então, a sua relação com a Nestlé, ou esse começo da participação no Prêmio Henri Nestlé, vem a partir desses comitês científicos? Você já fazia parte, já tinha feito parte de algum comitê científico com a Nestlé? Para Nestlé?
R – Sim. Sim. E principalmente, no caso da Nestlé, eles não têm assim, pelo menos eu não participo, de um comitê científico formado como outras empresas que tem. Eu acho que a Nestlé tem talvez... Com certeza deve ter, mas fora do Brasil. No Brasil, eu não sei se existe, mas deve existir também, mas eu não faço parte desse comitê. Na Nestlé, geralmente, eles me pedem alguns tópicos pontuais, por exemplo, eu trabalho em pesquisa na área de micronutrientes. Eu falei pouco disso e tem muito, mas eu gosto muito dessa área dos minerais, principalmente de zinco e selênio, e eles são minerais fantásticos, que têm ações maravilhosas no organismo. E eu já formei praticamente mais de 60 alunos de mestrado e doutorado dentro dessa área de micronutrientes. Então a Nestlé me procurou algumas vezes pra desenvolver produtos. Olha, uma monografia sobre cálcio. Olha, uma monografia sobre determinado nutriente. E já também avaliei determinados produtos quanto à inclusão de micronutrientes, entendeu? Em termos científicos do que seria mais adequado, enfim. Então com a Nestlé eu tenho trabalhado e tenho uma relação muito boa há muitos anos, também porque a Nestlé sempre tem nos apoiado na Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição. Eu fui durante várias vezes... Eu fui por três vezes presidente da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição, várias vezes vice-presidente. Eu fiquei na diretoria da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição por mais de... Desde que foi formada, praticamente. Então praticamente há uns 20 anos que eu faço parte da diretoria da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição.
P/1 – E qual é essa relação?
R – E a Nestlé sempre foi uma parceira nossa. Ela sempre apoiou os nossos congressos, ela sempre esteve presente, tanto na parte científica, como na parte de promover recursos pra que a gente pudesse realizar. Então é a nossa maior parceira em termos de Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição.
P/1 – E qual você acha que é a importância, do seu ponto de vista, dessa aproximação da empresa e do conhecimento científico da academia?
R – Eu acho que é importantíssimo, porque, veja, tudo está relacionado. Eu acho que assim, uma empresa séria tem que estar ligada à saúde pública de onde ela trabalha, ela tem que estar ligada à parte da economia do país que está se desenvolvendo. E também eu acho outra coisa, que hoje tá se dando um aspecto muito importante, é esse aspecto da sustentabilidade, esse aspecto de manter um meio ambiente de forma adequada para as próximas gerações. E acho que todas as empresas sérias têm esse objetivo hoje. E qualquer uma empresa, pra sobreviver, vai ter que ter isso em mente. Então não adianta você produzir um produto que você sabe que vai causar algum malefício. Então o que as empresas procuram fazer? Vamos ver, hoje nós temos isso, nós podemos melhorar? Como podemos melhorar? E vai ser a união da academia com a indústria que vai mostrar esse norte, que vai dizer: “Olha, se você fizer isso, se você mudar um pouco essa tecnologia, se você conseguir manter melhor esses nutrientes nos alimentos, se você eventualmente fortificar com um determinado nutriente que é importante pra saúde da população”. Eu acho que nesse sentido a academia tem muito a oferecer pra indústria. E a indústria, claro, vai se beneficiar produzindo um produto mais saudável, que é sustentável, e que pode também, de alguma forma, influenciar aí a economia do país.
P/1 – Agora mais especificamente, eu queria que você falasse um pouquinho pra gente do seu papel no Prêmio Henri Nestlé.
R – No Prêmio Henri Nestlé, eu faço parte do grupo que avalia a área de alimentos. Inclusive, às vezes eu até acho assim, falo: “Poxa, vocês me põem numa área de alimentos, quando eu também sou da nutrição”. Porque na verdade, eu trabalho muito também com doenças. Eu trabalho com avaliação de micronutrientes, de estado nutricional da população em relação a micronutrientes, e isso daí influenciando a diminuição de risco de doença. Mas eu sempre caio na área de alimentos, porque justamente eu estou no Departamento de Alimento e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas. E lá, nós temos uma linha muito importante de ciência na área de alimentos. Então eu me sinto também à vontade dentro dessa área e tenho avaliado os trabalhos. Eu tenho visto que a qualidade dos trabalhos tem melhorado. Pelo menos esse ano, eu senti uma melhora. E isso é muito bom também, porque mostra maior interesse das pessoas em desenvolver trabalhos mais elaborados, mais interessantes e que possam contribuir também com a saúde da população.
P/1 – E esses trabalhos, eles são o quê? Pesquisas da área acadêmica em geral?
R – Eles são pesquisa da área acadêmica, mas pode ser também... Não precisa exatamente ser só, assim, por exemplo, um trabalho de mestrado ou doutorado, eles podem ser também um trabalho desenvolvido por um grupo. Existem duas categorias do prêmio: uma que é a categoria de não pós-graduandos e outra de pós-graduandos.
P/1 – E nessa experiência que você tem, fazendo essa seleção e avaliação desses trabalhos, teve algum trabalho que você tenha recebido, alguma coisa que você daria um destaque assim?
R – Veja, eu te falei dentro dessa área de alimentos, hoje tem muita inovação, várias inovações. E tem também trabalhos que são desenvolvidos com embalagem, que também eu acho que têm se destacado bastante, que são bem interessantes, até de utilizar, eventualmente, subprodutos pra desenvolver embalagens e que possam ser interessantes até do ponto de vista ambiental e além de proteger o alimento, claro. Então eu acho que assim, mais...
P/1 – É o que tem se destacado, você acha?
R – E assim, muitos trabalhos com esses compostos bioativos, procurando realçar o efeito desses produtos que têm aparecido mais recentemente desenvolvendo trabalhos com substâncias que poderiam ter um efeito pra redução para o risco de doenças. Desenvolvendo até... Tem trabalhos até mostrando de você desenvolver um produto à base de... Um alimento até com diferentes tipos de preparações, incluindo alguns compostos bioativos e que possam ter um efeito até com análises sensoriais, análises de aceitação de público, enfim, várias áreas.
P/1 – Acho que você já falou um pouquinho isso também, mas eu queria que você me dissesse da premiação qual que você acha que é a importância da premiação, se você acha que é um incentivo pra continuidade desse tipo de pesquisa. Qual a importância desse tipo de ação? Você ter uma premiação, por exemplo, pra trabalhos científicos na área de nutrição, de alimento?
R – Eu acho que não apenas ajuda a desenvolver mais essa área, como também o próprio ganhador do prêmio vai se sentir com maior vontade de continuar contribuindo com esse... Aumentando as suas pesquisas dentro dessas áreas. Então eu acho que é um incentivo pra pessoa que tá fazendo. Além do mais, ela tem a possibilidade de, se ganhar o primeiro prêmio, ter uma visita à fábrica lá na Suíça e ver como se processa as matérias-primas, como são desenvolvidos os produtos. Eu acho que isso é muito interessante. Eu já tive a oportunidade de visitar e eu acho que pra uma pessoa que tá desenvolvendo uma pesquisa, visitar uma fábrica dessas, saber como funciona, como é desenvolvido um produto desde as suas etapas iniciais, até se concretizar ao mercado, eu acho que isso vai certamente influenciar no desenvolvimento da própria pesquisa do indivíduo. Então acho bem importante.
P/1 – Tá certo. Eu vou começar encaminhar para as perguntas finais então.
R – Tá.
P/1 – Antes de fazer esse encaminhamento, eu queria saber se tem alguma coisa que a gente não tenha perguntado e que você gostaria de falar. Qualquer coisa.
R – Olha, eu só queria dizer assim, da importância pra mim das pesquisas que nós desenvolvemos no nosso laboratório. Hoje nós estamos trabalhando, como eu te falei, com micronutrientes: com zinco e com o selênio. E o selênio é riquíssimo na castanha do Brasil. E nós temos trabalhado com a castanha já há mais de 20 anos e temos procurado mostrar a importância dela no sentido de contribuir pra redução dos riscos de doenças. E dentro dessa linha, como eu te falei, eu já formei praticamente 60 alunos, 62, se eu não me engano, no Brasil inteiro. Então a minha esperança é que eu tenha deixado frutos pra que continuem as pesquisas dentro dessa área de micronutrientes no Brasil inteiro. Então eu tenho alunos no Brasil inteiro. Não tem nenhum estado que eu não tenha algum aluno que tenha sido formado e que possa desenvolver esse trabalho com micronutrientes. Porque no Brasil tem muito pouco, muito pouco cientista da área de micronutrientes. Os poucos que têm, eles estão relacionados com a nossa... Alguns outros grupos no Rio de Janeiro, mas voltados pra outra área, mas de qualquer forma, eu acho assim, que a minha contribuição dentro de todos esses 45 anos de pesquisa, de atuação na área, possa de alguma forma ser o futuro desenvolvido por esses meus ex-alunos.
P/1 – Tá certo. A nossa penúltima pergunta, eu acho que você até falou um pouco agora, é: quais são seus sonhos hoje?
R – O meu sonho hoje é o seguinte, eu sei que faltam três anos pra eu me aposentar. E e nesses três anos eu tenho dois desafios: um deles é terminar esses alunos que eu ainda tenho, que estão dez ainda lá terminado o mestrado e doutorado. E nesses últimos três anos, eu gostaria muito de ver o nutricionista sendo mais valorizado e mais capaz. Então o que foi a nossa proposta quando nós aceitamos entrar para o Conselho Regional de Nutricionistas? Foi de tentar o máximo de ter uma abertura política junto a todos os órgãos possíveis no sentido de mostrar que o nutricionista é um profissional importante pra saúde, pra área da saúde. É mostrar que uma população, se tivesse, se pudesse contar com um nutricionista fazendo parte da grade curricular de crianças na pré-escola, pra já orientar as crianças o que fosse uma alimentação adequada, pra mostrar pra criança o valor de cada alimento, e que ela pudesse ter um papel na própria família, nós teríamos com certeza melhores condições de não ter tanta obesidade, que tá crescendo de uma forma alarmante. De termos, assim, melhor saúde. Porque a pessoa bem alimentada, ela tem meios de combater doenças, de melhorar a sua saúde. E com isso, a gente estaria prestando um serviço pra população e para o país. Então meu sonho é daqui a três anos, em 2017, quando acabar o nosso mandato, que eu tenha conseguido se não 100%, pelo menos 50% disso que nós estamos propondo com esse grupo que está lá conseguir.
P/1 – Tá certo. E por fim... (troca de bateria). E por fim, pra fechar, como foi contar a sua história?
R – Foi muito bonito. Eu gostei. Como eu te falei, recordar é viver (risos). Foi muito bom. Obrigada.
P/1 – Tá certo. A gente que agradece. Então a gente encerra aqui. Obrigada, viu, Silvia?
R – Imagina.
P/1 – Foi ótimo.
FINAL DA ENTREVISTA
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