Projeto Memória dos Brasileiros
Entrevistado: Maria Aparecida Mendes (Cida Pescadora)
Entrevistadores: José Santos e Winny Choe
Sobradinho, 08/12/2007
Realização: Museu da Pessoa
MB_HV089
Transcrito por Tereza Ruiz
Revisado por Paulo Ricardo Gomides Abe
P/1 – Bom dia, Cida.
R – Bom dia.
P/1 – Queria começar a entrevista perguntando seu nome completo, data e local de nascimento.
R – É, Maria Aparecida Mendes, meu nome completo. Data de nascimento, 30 de setembro de 1961, nascida em Alagoas, Batalha, Alagoas.
P/1 – Batalha? Você podia falar o nome do seus pais e qual era a profissão deles, a atividade deles.
R – Meu pai é Antônio Mendes da Costa, sempre foi pescador. Minha mãe é Maria Eunides dos Santos, ela era agricultora.
P/1 – E você tem uma recordação dessa sua infância lá em Batalha?
R – Em Alagoas, não. Em Batalha, não, eu já tenho na cidade de meus pais, na Santana de Ipanema.
P/1 – Sim.
R - Muito criança, mas eu lembro muito bem de tudo ali, a cidade muito cheia de ladeira, muitas ruas. Todas as ruas com calçada de pedra, coisa de criança. Lembro da missa, da igreja que ficava no alto, essas coisas, simples.
P/1 – E tinha rio lá?
R – Tem um rio, chamado rio Ipanema que ele não, não é um rio que vive permanente com água como esse. Ele é rio de época, ele tem época quando chove muito, tem aquele rio grande, cheio de onda, cheio de muito _______(?), muitas, muita água. E agora, quando não chove, ele fica repartido em pequenos poços.
P/1 – Certo. E foi ali que você começou a pescar?
R – Praticamente sim, eu ia com a minha vó naqueles poços quando o rio secava. A gente ficava aqueles pequenos poços, a gente juntava, minha vó juntava um bocado de gente com lata e chegava lá a gente tirava aquela água de um poço pra outro e tirava o peixe no final. Então eu sempre eu estive envolvida com isso.
P/1 – Ah, vocês iam secando o poço pra pegar?
R- Ia com a lata até secar tudo, tirava o peixe, depois dividia ali pra todos aqueles e fazia lá mesmo a peixada naqueles... Caçava um pau de sombra com, fazia aquele peixe lá mesmo, todo mundo se alimentava e depois ia pra casa feliz da vida, com as latas cheias de peixe.
P/1 – Que beleza! E, Cida, você tem quantos irmãos?
R – Dez.
P/1 – Dez?
R – Nove mulheres, dois homens.
P/1 – E qual é a ordem? Você é a mais velha? Você é a caçula?
R – Sou a mais velha de todos.
P/1 – Ah, você é a mais velha? Nossa que responsabilidade!
R – Imagina.
P/1 – E você lembra do nome de todo mundo?
R – Lembro de tudinho.
P/1 – Então pode falar.
R – Eu sou Maria Aparecida. Elas, tem Maria do Socorro, Maria do Carmo, Maria Carmelúcia, Maria Madalena, Maria Rosália Mendes, que já é, está puxando pra minha vó, a gente quis fazer uma homenagem à minha avó, colocamos o nome da vó numa das filhas, numa das netas. Tem Carmen, Maria Carmelúcia, tem Antônio Carlos, que é o meu irmão mais velho, tem Willian, que é meu irmão mais novo, tem Maria Luciana. Tudo assim, acho que eu disse o nome de todos, são tantos!
P/1 – E, vem cá, como que é uma casa assim em que as mulheres mandam?
R – É um pouco difícil. Principalmente quando as mulheres, como eu mesmo fui, comecei a trabalhar com muito criança ainda, com idade de sete anos já pescava com meu pai, pra ajudar na despesa de casa. Porque como eram muitos, eu era a mais velha, tinha que estar sempre ajudando. Quando a gente vinha do rio, meu pai, isso já foi aqui no rio São Francisco, meu pai ele ia cuidar de outras atividade e eu pegava o peixe e ia vender. Já tinha a responsabilidade de vender, negociar aquele peixe, fazer feira e trazer pra casa.
P/1 – Com sete anos?
R – Com sete anos, sempre comecei sempre muito jovem, muito criança.
P/1 – E, Cida, antes de a gente entrar mais nesse assunto, eu queria que você contasse, como é que, porque que aconteceu de vocês mudarem de Alagoas pra cá pra Bahia?
R – Olha, foi uma seca que teve na época lá em Alagoas. Teve uma época que não tinha, faltou chuva durante vários, vários meses. Como o povo lá vivia mais da atividade dependendo da chuva, e não chovia, começou muita gente a migrar, pra socorrer suas próprias famílias. A gente, meu pai via muita gente passar necessidade e ele com medo que os filhos passassem necessidade, correu, como era pescador, correu pro rio São Francisco, que esse não seca. Foi a melhor opção que ele achou, vamos pra beira do rio. Juntou nós todos, os filhos todos e veio pra Paulo Afonso. Paulo Afonso, veio aquela outra história, choveu demais, a barragem de Sobradinho vai quebrar! Então meu pai com medo de novo, vamos correr pra barragem de Sobradinho porque nós estamos lá, não mata nós aqui.
P/1 – Fica de trás da água.
R – Fica de trás da água, vamo pro lado de cima. Viemos e até hoje estamos aqui.
P/1 – E como é que foi a impressão assim da sua chegada, você criança, sete anos vendo esse...
R – Eu não sei, não. Mas eu acho que pra mim tudo, tudo era novo. Eu queria ver muito, eu sempre fui muito curiosa e eu queria sempre estar vendo. Eu acho que sempre tinha uma coisa aqui que eu precisava descobrir. Eu achava que tudo que eu sabia era pouco. Eu queria conhecer todos os peixes, eu queria conhecer cada profundidade de cada local do rio, cada pedra, aquela curiosidade de jovem, pra mim tudo era novo. Eu queria saber de tudo! E fui me tornando muito conhecida porque, antes, não tinha mulher pescadora. E eu fui virando adolescente, fui me criando, passei o ponto, não vou deixar de ser pescadora, vou casar. Arrumei um marido, não deu certo, voltei pro rio de novo! Eu acho que essa coisa de sempre ser dona do próprio nariz que sempre complicou minha vida matrimonialmente. Sempre aquela coisa de criar a vontade, como se você criasse um animal, nunca tivesse botado nele uma coleira, nunca tivesse prendido ele numa gaiola. Quando você prende, ele vai ficar triste. Eu acho que eu fui um animalzinho desse rio.
P/1 – Ah, mas que legal. Vamos voltar lá no tempo pra gente entender melhor o seu caminho na vida.
R – Sim.
P/1 – Então com sete anos você estava pescando com seu pai aqui no rio.
R – Sim.
P/1 – E como é que ele, o que que ele te ensinou, como que era o beabá da pesca?
R – Olha, a gente aprendeu a fabricar os próprios materiais de pesca. A gente comprava o fio e fazia a pesca, a tralha de pesca. Ou seja, a rede, a tarrafa, a gente sempre fabricou esse material.
P/1- Ah, vocês teciam as tarrafas?
R – Isso, quando eu pescava com meu pai e as minhas irmãs, junto com a minha mãe, fabricava o material da gente trabalhar. E eu nas horas de tempo, quando eu tinha um tempo, também estava ali, porque, como eu falei da curiosidade, eu sempre queria saber mais, sempre tive aquela vocação de querer ter pra ensinar. Eu fazia os começos da tarrafa, fazia os começos de rede, fazia cada pedaço e botava elas. Aqui é o seu, aqui é o seu, aqui é o seu. Como mais velha, sempre tive aquela espécie, eles sempre viram em mim aquela espécie de liderança da família, dos irmãos. E sempre foi assim.
P/1 – E você começou a pescar de rede?
R – Isso, de rede.
P/1 – E como é que faz pra pescar de rede? Como é que é?
R – Primeiro tem que ter a rede e o barco, pra poder ir pescar, mas vocês vão ter que ver na prática. Botar rede lá no rio, assim pra dizer assim, não sei como que é.
P/1 – Você joga. Você está no barco, você joga a rede no rio.
R – Nós amarramos ela num certo ponto, se não tiver madeira pra amarar, a gente amarra uma corda numa pedra, faz daquela pedra um suporte, uma pedra no fundo, uma boia lá, porque a boia vai fazer peso, a pedra faz peso, pra esticar a corda. A boia puxa a corda automaticamente, a gente amarra a rede na corda, que por sua vez ela está lá, suposta firma no chão e firma em cima da água, solta a rede. Estira a rede de acordo, o rio, é qua não dá pra gente passar ela atravessando, porque o rio puxa, mas dá, a gente caça um jeitinho e sempre coloca ela.
P/1 – E que tipo de peixe você pegou dessas primeiras vezes assim?
R – Nossa, eu acho que já peguei todo tipo de peixe do rio, surubim, dourado, pial, piranha, pescada curimatá, pacu. Todos os tipos de rede nativo do rio, mandim, eu já peguei, todos. E os não nativos também, que hoje tem muitos que não são nativos.
P/1 – Ah.
R – Tem muitos peixes que não são nativos do rio, já foi uma consequência não sei de que, mas que alguns peixes eles foram ficando em extinção. E o governo mandou soltar algumas espécies no rio e hoje a gente captura essas espécies.
P/1 - Quais são? Que tipos de peixe são?
R – Que não é nativo, que são é tucunaré, _______(?), a pescada branca, que tem dois tipos de pescada, tem um que é corvina, que é a nativa, a pescada não é nativa, é agregada. Como também, o tambaqui, o tucunaré, tem o cachara que hoje, que ele, alguém que, quem não conhece acha que é surubim, mas eu conheço, sei quem é o surubim, sei quem é o que não é surubim, o propriamente, o cachara.
P/1 – E qual que é a diferença?
R – A diferença é nas pintinhas dele. O surubim ele é todo pintadinho, as pintinhas bem arredondadas, ou um pouco ovaladas. Já o cachara tem umas escritas. Eu chamo de escrita chinesa.
P/1 – Certo.
R – E o ______(?) ele tem uma, um tipo de pinta diferente, que eles tem, deles mesmos que parece ser escrita chinesa mesmo. Parece ser feita mesmo à mão.
P/1 – E esse é o cachara.
R – É o cachara.
P/1 – E no gosto, tem diferença?
R – Não, ele não tem muita diferença, não. Eu acho até que ele é mais, ele é melhor de se trabalhar com ele, porque ele tem, ele cresce mais rápido. O desempenho de massa dele é mais, ele tem mais carne do que o outro, do que o surubim, do que o nativo.
P/1 – E, Cida, cada peixe tem uma história, um jeito de ser pescado?
R – Isso.
P/1 – Então vamos falar um pouquinho do surubim que é o peixe mais famoso aqui do São Francisco.
R – Sim.
P/1 – Ele é um peixe grande ou pequeno?
R – Ele é grande, agora o povo captura ele pequeno. Muita gente, hoje em torno desse trabalho, a gente precisou, pra preservar o surubim, a espécie, fazer um trabalho de conscientização dentro das colônias. Eu fui uma das pioneiras nesse trabalho, porque eu, como pescadora, sempre estou lá junto com o pescador e vejo as falhas que eles cometem até por inocência, por ignorância. Acha que porque foi Deus que fez nunca vai acabar. E eu sempre me empenhei nessa questão de preservar, porque eu acho que quando a gente cuida, quem ama cuida.
P/1 – Sim.
R – Quando a gente cuida, a gente tem sempre. E sempre me empenhei nessa parte de fazer a comunicação entre eles. De fazer um trabalho de conscientização pra ele perceber que não pode fazer um trabalho errado, senão amanhã a gente não vai ter. E isso, graças a Deus, muitos deles, hoje dificilmente tem um pescador que não tem consciência disso, que não pode pescar nessa época, que é uma época de piracema. Não pode pescar o peixe pequeno, vamos ver o que que a gente pode fazer pra só pegar aquele que a gente precisa. Se não precisa, pegar pra destruir, não precisa nós pegarmos. Isso tem, graças Deus, feito a diferença.
P/1 – Que bom que você está fazendo esse trabalho.
R – Mas é muita gente, não é só eu, não. Eu sou só mais um no meio dos outros, tem muita gente empenhada nisso.
P/1 – Mas então, olha, pro pessoal lá de baixo que nunca viu o surubim, vamos falar um pouco mais dele. Como é que é a pesca dele, já que ele é um peixe muito grande, não deve ser mole tirar ele da água?
R – Não, ele é um pouco complicado. Olha, o surubim, tem várias formas de pegar o surubim. Tem a rede, tem que ser uma rede específica pra ele, tem a tarrafa que hoje já não se usa muito ela. Dificilmente você vê um pescador de tarrafa de surubim. Porque ela é uma pescaria proibida, porque quando você usa uma tarrafa, o nome da tarrafa se chama tarrafa de arrasto. Quando você usa uma tarrafa de arrasto pra pegar o surubim, ela vai arrastando em cima das pedras. Ela vai automaticamente desmanchando a cama do surubim que a gente chama, na linguagem do pescador chama-se a cama do surubim. Naquela cama do surubim ali pode estar os filhotes, os alevinos, ali pode estar o próprio surubim pequenino, vai depender do tamanho. Pode estar um reprodutor grande lá, vai depender do tamanho daquele espaço que ela guarda lá. Então quando se passa tarrafa em cima, desagrega ele dali de cima. Então ele fica, ele fica, desmanchou a cama dele, ele vai ficar, vai caçar local pra ficar, onde se torna presa fácil para o pescador, o pescador vive disso. Ele vai procurar o surubim, vai se tornar uma presa fácil. Então o IBAMA proibiu, a gente acha que está certo, realmente não é a pescaria ideal. E poucas pessoas hoje utilizam esse tipo de pescaria. Como também tem anzol.
P/1 – E dá pra pescar de anzol?
R – Dá, dá, só não aqui. Aqui não tem mais trecho de pescar de anzol. Aqui não tem mais local.
P/1 – Certo.
R – Mas tem muitos cantos na represa que se pesca de anzol surubim. A isca utilizada pra pegar ele é cari. Ele tem preferência pela isca.
P/1 – Cari é outro peixe?
R – Isso, é outro peixe, é aquele que a gente viu que chama lagosta do São Francisco. Só que o dele, o que o surubim prefere, não é aquele pretinho, é um amarelinho, é um carizinho amarelinho pequeno, que ele não cresce muito e ele é bem gordinho, é bem gostoso. E o surubim também tem as preferências dele.
P/1 – Sim! E qual o tamanho do anzol pra pescar surubim?
R – O anzol pra pescar surubim ele é do tamanho do armador de rede.
P/1 – Que é o quê? Faz assim pra mim.
R – Certo, mais ou menos isso aqui. O anzol pra pegar surubim.
P/1 – E como é que tira esse bichão de dentro da água?
R – Tem que esperar ele cansar, não pode chegar lá com anzol, já pegar ele e jogar dentro do barco. Porque quando você pega ele na corda, ele corre. Quando ele corre, ele faz, quando ele faz embalagem, a corda queima as mãos da gente, se tiver de luva, mesmo assim não vai adiantar, porque ele consegue puxar. Não vai embarcar ele, tem que esperar. Você vai puxa ele, quando ele corre, você segura a corda ali o máximo que você pode, ele vai cansar, várias vezes, várias vezes, até ele cansar, quando ele cansa, a gente puxa pra dentro. Mas, enquanto ele não cansar, não puxa não.
P/2- Cida, qual que é a diferença da tarraxa pra rede?
R – Tarrafa.
P/2 – Tarrafa.
R – A diferença da tarrafa é que ela parece um mosquiteiro, ela é redonda e abre, fica igual um prato. A rede, ela é estirada, ela como se fosse uma fita, agora uma fita de uma certa altura e de malha. Ela parece uma, deixa eu ver, uma rede de trave de campo de futebol. É naquele estilo, só que a de trave ela é um pouco quadrada e a de rede é comprida, com cem metros. Eu mesmo tinha uma pescaria de rede com cinco mil metros.
P/2 – Nossa, grande.
R – Muito grande. Aqui mesmo não tem condições de pescar com uma pescaria dessa.
P/2 – Cida, quando você era pequena, o que que seu pai preparava? Como o seu pai e a sua mãe preparavam a comida pra vocês? Sua mãe plantava o quê?
R – A gente, ele, sempre em casa de pescador nunca falta peixe. E a gente foi criado muito com peixe e eu sempre gostei, particularmente eu gosto, meu alimento preferido é peixe. E a gente sempre procurava cozinhar, fazer o peixe assado, um dia fazia assado, outro dia fazia cozido. Fazia aquele pirão, famoso pirão da beira do rio, que é uma delícia, às vezes a gente fazia batata, fazia batata cozida, o peixe assado, sempre variava.
P/2 – E as brincadeiras de pequena assim no rio, com seus dez irmãos?
R – Olha, as brincadeiras mais comuns que a gente fazia era tomar banho pulando do barco, lá no meio d’água. Pulava todas dentro da água, o barco se afastava e nós saíamos nadando pra pegar o barco. Às vezes a gente fazia uma meta de nadar. Fazia uma boia, marcação, a gente ia até aquele ponto nadando. Pra não correr o risco de nenhum morrer afogado, nós escolhíamos uma das irmãs pra ir levando o barco acompanhando as nadadoras. E sempre foi assim, sempre a gente fazia aquelas competições, muitas irmãs não precisavam nem de outras pra vir competir, nós sempre competíamos entre nós mesmas. E engraçado era o prêmio, uma rapadura.
P/1 e P/2 – (risos).
P/1 – Ah, prêmio bom, docinho.
R – Uma rapadura era o prêmio que a gente utilizava pras competições.
P/1 – Que legal. E, Cida, você contou então que o seu pai falou, com sete anos você já vai me ajudar e você vai fazer isso sozinha. Como é que era esse negócio, você pescava e ia vender sozinha?
R – Era, porque a gente morava perto duma vila e esse pessoal da vila, era uma vila de funcionários _______ (?). E sempre que a gente pescava o peixe eles compravam. A gente pegava o peixe, a gente beneficiava ele cá no rio, limpava tudo direitinho. Já as quantidades certas das pessoas eu pegava, botava tudo na bacia, botava na cabeça e ia entregar nas casas, já ia certo.
P/1 – Gente, começou cedo então.
R – Começou cedo.
P/1 – E como é que a vida foi seguindo, você foi à escola, tinha escola perto?
R – Tinha escola perto. Eu fui à escola até certo ponto porque nunca dava tempo de estudar direito. Naquela época, a gente, os pais, eu acho que por falta de conhecimento do que poderia ser... Eu acho que do jeito que eles foram criados, eu acho que devia criar os filhos. E isso é uma coisa que hoje me faz muita falta, foi o estudo que eu não aprendi na escola, que eu passei a aprender em casa com as colegas, com professoras que me viam, e ela queria. Ela dizia: “Essa menina é muito inteligente, eu vou ajudá-la”. E iam muitas delas lá pra casa dar aula particular sem compromisso nenhum, por pura amizade. E aprendi assim, porque só cheguei a estudar até a quinta série, dentro da escola mesmo. Mas sempre tive essas pessoas que sempre se comprometiam em ajudar e a gente fazia, correspondia aquele favor que aquela pessoa estava fazendo pra gente.
P/2 – Legal. E, Cida, conta pra gente um pouco como é que era o rio naquela época.
R – Ah, o rio naquela época era maravilhoso, ainda é maravilhoso. Nosso rio, eu considero, eu falo, costumo falar o seguinte, que o rio São Francisco é a veia do coração do nordeste, é uma artéria principal do coração do nordeste, que os nordestinos, nós, os pescadores, somos aqueles pequenos vasos, que dependem daquele vaso principal do coração do nordeste. É um, falar o rio São Francisco, no meu conhecimento eu acho que significa vida. Rio São Francisco pra mim é vida. A gente se emociona quando fala do rio porque a gente viveu aqui dentro, e viu aquele rio livre, correndo e hoje a gente vê o rio preso, morrendo. É difícil, difícil, difícil, difícil, pra gente ver. A gente chega, hoje eu mesmo no meu caso, muitas vezes a gente se emociona quando fala do rio São Francisco, porque a gente vê ele hoje assim desse jeito. Quem viu ele, quem era, quem viu o rio São Francisco há trinta anos e vê ele hoje não diz que é o mesmo rio. Se você tivesse hoje uma filmagem do rio São Francisco de trinta anos atrás e visse o rio São Francisco hoje, você não dizia que é o mesmo rio.
P/1 – Por quê?
R – Porque hoje ele é um rio raso. É um rio cheio de coisas que a gente não gostaria de ver dentro dele. Rio de pedras, de ilhas que aparecem do nada, de local que a gente passava no pan, no rio de barco e hoje passa de pé. Isso é uma coisa que deixa a gente triste com o que a gente vê hoje.
P/1 – Cida, só vou dar uma interrupçãozinha que a gente está...
P/1 – Então você estava contando que hoje você sente que o São Francisco não é o mesmo rio, tem lugares que ele está raso, que vocês passavam de barco, não é isso?
R – Tem lugares que a gente, onde a gente passava de barco hoje passa caminhando de pé. É isso que não é mais o mesmo rio, eu não sei o que aconteceu, a gente, eu não tenho esse conhecimento, porque que está acontecendo isso agora. Mas que não é mais o mesmo rio, não é.
P/1 – E, Cida, então vamos falar um pouquinho, ainda da sua infância, das suas primeiras grandes aventuras de pesca, suas grandes pescarias, que você conta pras suas filhas. Conta umas historinhas das suas pescarias.
R – Olha, pescaria, o povo tem um dizer assim, que quando encontra uma história muito cheia de fantasia, é história de pescador. O pescador geralmente tem uma fama de acrescentar as palavras. Agora, tem coisas que a gente fala que não acrescentou nem um pouco e é real.
P/1 – Certo.
R – Porque teve uma vez que eu aqui, aqui nesse rio mesmo, pescando. Eu estava com meu pai e eu tinha feito uma dívida. E eu tinha, nós não tínhamos, já estava preocupada como é que eu ia fazer pra pagar a dívida, porque eu não pegava peixe, vinha pro rio todo dia e não tem jeito, vou ter que entregar a... Eu tinha comprado uma cabra pra minha filha, eu vou ter que entregar a cabra pro dono da cabra porque eu não arrumo dinheiro pra pagar ele. E fiquei naquela preocupação. Vem, pescando lá em cima, de perto da barragem, nós viemos de lá pra cá. No dia anterior, tinha falecido uma mulher aqui afogada, uma professora. E todo mundo tentou achar ela no mesmo dia e não acharam. Disso tudo gerou aquele comentário, a mulher vai subir, vai boiar, não sei o quê. E a gente fiou naquele medo. Eu fiquei naquele medo, digo: “Eu vou passar ali?” Essa mulher vai subir na hora que eu for passar, a mulher morta e eu medo, medo. E nós viemos de lá pra cá, com o barco sozinha remando, quando eu olho eu vi uma coisa branca lá em cima da água. eu digo, a mulher, nossa eu tremia de medo, e agora meu Deus que que eu faço? Vou voltar, mas não dava mais pra voltar, porque o carro que eu ia, eu ia deixar o barco encostado ali embaixo e o carro que eu ia já estava me esperando lá onde eu ia ter que parar o barco. E eu se eu voltar eu perdo o carro, e agora? E a mulher e eu me aproximando da mulher, no meu ver eu via a barriga da mulher, o medo era tanto que eu via tudo, eu vi até o seio da mulher, tudo, estava lá a mulher morta lá na minha frente. E eu desesperada sem saber o que fazer, e fui chegando pra perto, naquela hora veio aquele pensamento, mas quem morreu não faz mal a ninguém. eu fiquei, eu pensei nos filhos dela, eu digo, os filhos tão tudo preocupado, eu vou achar a mãe deles e vou dizer pra eles. Veio o pensamento na minha cabeça automaticamente, quando eu cheguei perto achando que era a mulher, não era a mulher, era um surubim.
P/1 – (risos).
R – Era um surubim que tinha levado uma pancada nas comportas e estava boiando lá em cima da água, quase morto. Quando eu vi o surubim, eu digo: “Eita, meu Deus, o dinheiro da cabra!” Corri com as mãos naquela ganância de pegar o surubim, naquela vontade de pegar aquele surubim enorme, botei as mãos no surubim, quando eu botei as mãos no surubim ele, vuuuu, correu. Ele ainda não estava morto, foi embora. Eu digo: “Ô, meu Deus, pronto, perdi o surubim, bem empregado pra mim, fui ficar com medo de uma pessoa que já morreu! Fiquei ali olhando”. Digo: “Perdi o surubim!” Olho lá vem, ele subindo de novo, ele tinha afundado, mas lá vinha ele subindo novamente. Eu fiquei olhando, eu vi pro tamanho dele direitinho, eu digo: “Eu não vou ter condições de puxar ele pra dentro do meu barco”. E nós estamos descendo o rio levando nós juntos, comigo, com ele, com o surubim, com barco. Tinha uma corda dentro do barco, uma corda de seda, um cabinho de seda, peguei o cabinho, amarrei no banco do barco, fiz um laço. Eu fui lá, bem devagarzinho, sem que triscasse nele, porque, se eu triscasse nele, ele ia correr de novo. Botei o laço e fui arrochando devagarzinho, quando ele sentiu a corda, ele fez carreira de novo, quando ele fez carreira de novo, mas já estava, a corda já estava amarrada no barco. Mas eu não podia puxar ele pra dentro, eu pegava na corda, ele corria, queimava a minhas mãos, corria queimava as minhas mãos e não conseguia botar. Lá vai eu arrastar ele no remo até chegar no porto. Quando eu cheguei lá, o pessoal já estava todo preocupado comigo, o pessoal do carro: “Cida, o que foi que aconteceu que você demorou?” Eu digo: “Ah, o que foi que aconteceu, eu achei o surubim”. Ele: “Não, quem mandou esse surubim?” “Não foi eu que peguei”. “Não, não acredito, não”. Não acredita realmente, ninguém acreditou, mas fui eu que peguei o surubim.
P/1 – Que beleza hein. Então você pagou a cabra.
R – E um surubim grande, de 45 quilos, era maior que eu o surubim!
P/1- 45.
R – 45 quilos, uma, enorme o surubim, Eu digo: “As coisas de Deus são assim”.
P/1 – Que maravilha!
R – Mas muitas histórias de pescador, muitas histórias bonitas, as pescarias que a gente fazia. Passava o dia todo, a noite toda pescando.
P/1 – Como é que é? Conta uma história de pescaria de noite.
R – Olha, a gente, meu pai teve um derrame e ele ficou três meses parado sem poder pescar, internado mesmo. A gente pensou que realmente ia ficar sem pai. Eu assumi, assumi a casa, assumi a pescaria, assumi tudo. Eu saía com a minha irmã de noite, de noite a gente jantava por volta de quatro horas da tarde, nós saíamos à noite pescando. Passava a noite jogando tarrafa, pescando de tarrafa. A gente viu que realmente não ia dar pra sustentar a casa. Porque era muito pesada a pescaria de tarrafa pra eu passar a noite todinha jogando aquela tarrafa. No outro dia amanhecia o dia com os braços todos doloridos, não tinha condições. A gente resolveu ir pescar na represa, que lá era mais tranquilo a pescaria da represa. Só eu lá não tinha, tinha que pescar de noite também, mas não tinha local de dormir, colocar pra encostar o barco. A gente fazia o seguinte, pegava, levava sal, comida, levava tudo que a gente precisava. Nós levávamos pra passar a semana no rio ou quatro dias, cinco dias. levava rede pra dormir, eu e mais duas irmãs minhas. Nós levávamos as redes, nós armávamos o barco no pau, no meio do rio, aquelas madeiras que tinha dentro da água. Amarrava o barco no pau, armava as redes. Lá nós pescávamos durante a noite, no dia nós tratávamos o peixe, salgávamos, botávamos o peixe todo em saco, jogávamos nas gálias de pau. E assim nós fazíamos ali. Nós fazíamos comida, fazíamos o fogo. Eu preparava nossa comida numa lata, fazia um fogareiro de lata.
P/1 – Que comida que vocês faziam?
R – Mais peixe, sempre fazia uma prática, juntava arroz com feijão, fazia um, que aqui a gente chama baião de dois, e quando terminava de cozinhar aquele baião de dois, a gente já tinha um peixinho ali pra assar. Assava o peixe ou carne. No rio sempre é bom comer peixe, carne não tem muito gosto no rio não, o peixe é mais saudável. Que ali a gente tem muito, escolhe o que quer. E sempre fica bom.
P/1 – Então você estava falando da pesca a noite com as suas irmãs que vocês faziam a comida.
R – É, a gente fazia aquela, preparava, passava a noite na pesca. Preparava a comida. À noite quando era quatro horas, nós saíamos pra pescar, voltávamos 11, 12 horas da noite. A gente descansava, dormia. No outro dia de manhã saía quatro horas, três e meia, quatro horas da manhã, ficava até oito, nove horas dentro d’água, voltava, fazia comida. Arrumar o peixe que nós tínhamos pescado, dia a dia, até o dia de voltar. No outro dia, a gente sempre teve uma canoa de quatro remos, trocava, sempre tinha duas, duas remando e uma ou fazendo algum trabalho das tralhas de pesca. Sempre a gente, sempre estava as três trabalhando, sempre, sempre. E eu sempre comandando o trabalho, sempre orientando, não assim não dá certo, vamos fazer assim. Graças a Deus, eu e as minhas irmãs, meus irmãos, a minha família, sempre nós tivemos essa facilidade de se comunicar e de, se a coisa não está boa, vamos parar, vamos sentar, vamos ver onde está, nós estamos errando. E retomar tudo pra não continuar errando.
P/1 - Então, Cida, você já contou um pouco pra gente de um peixe do rio que é o surubim. Você podia contar de outro, por exemplo o dourado?
R – Dourado, o dourado é um peixe que é o segundo melhor do rio São Francisco. É um peixe grande, amarelinho, muito bonito. Eu acho o dourado um espetáculo de peixe, lindo, lindo, lindo, lindo. E é um peixe muito, muito bom, gostoso, tem muito muito comercial. Só que ele tem espinha.
P/1 – Tem espinha?
R – Tem.
P/1 – E ele é fácil de pegar?
R – É, é fácil de pegar. Quando está na época dele, porque todo peixe tem sua época, não tem peixe todo o tempo. Um peixe ele não tem todo tempo. É claro que a gente pega ele durante o ano todo, mas não é a época dele. É como as frutas, tudo tem a sua época, ele tem a época dele. Agora mesmo nessa época, nesse tempo que nós estamos vivendo agora é época de todos, mas porque eles estão em fase de reprodução. Então todos andam muito, todos passeiam, andam, vão mostrar suas belezas uns pros outros, mas tudo tem a sua época.
P/1 – E a época mais do dourado é qual?
R – É quando o rio está enchendo, está pegando água nova, quando a água está ficando amarela, que vem aquelas águas novas. Ele é uma época mais de dourado. Dele, da crumatá também, vários tipos de peixe tem nessa época.
P/1 – E você estava contando pra gente quando a câmera estava desligada, que você estava contando pra um amigo seu dos diferentes sabores dos peixes.
R – É, é como eu sempre, eu gosto muito de peixe, meu prato preferido é peixe. E eu tenho muita facilidade de saber qual peixe determinado é bom pra um determinado prato, qual o tipo de peixe. Por questão dos sabores, aquele que tem uma massa mais rígida, aquele que tem uma massa mais fofinha, mais, vamos supor assim que ela seja de fácil penetração de tempero. Tem um que tem uma fácil penetração de tempero. Nós temos peixe no rio que a gente pega ele, faz um bife batendo com martelinho. E fica maravilhoso, faz uma moqueca, ele dá todo tipo de prato que você pensar com ele dá. No caso do surubim, no caso do cari. O cari a gente pega ele, faz aquele filé dele, bate de martelinho, faz tudo! Com cari eu digo que o cari ele dá mil e um pratos, como o surubim.
P/1 – Por que que o cari é considerado a lagosta...
R- A lagosta do São Francisco. Porque ele é um peixe que não tem espinha, ele tem osso. Ele é uma espécie de carne vermelha do rio São Francisco. Você tira a pele dele, ele não fica carne branca, ele fica uma carne vermelha. E ele é muito bom em sabor, o sabor dele é delicioso, ele não agrega gordura dele na carne, a gordura dele é fora. Já é o contrário do surubim, porque o surubim tem a gordura entranhada na carne, o dourado também é um peixe que ele agrega gordura na carne dele, já o cari, não. Ele tem uma vantagem por conta disso, embora que gordura de peixe é uma gordura saudável. Ela não é uma ômega 3 excelente. Eu gosto muito, não tem, não acho problema na gordura do peixe, não!
P/1 – Não, estamos vendo como é que você está saudável alimentada de peixe!
R – É que eu como muito peixe.
P/1 - É.
R – Eu como muito peixe.
P/1 – E você falou que contou isso pra um amigo seu, dessa questão.
R – Como eu tenho essa facilidade de saber qual o sabor, qual o peixe com sabor de cada uma espécie. esse amigo meu me ajudou: vamos ampliar esse seu conhecimento. Vamos lhe ajudar ampliando, você vai fazer o beneficiamento. A pesca e beneficiamento. Você fazendo o beneficiamento vai agregar valor no produto que você pescou. Você vai vender ele mais caro, beneficiado que vai levar vantagem você que pescou, quem compra, porque leva um produto pra casa sem trabalho, já bem modificado. E poder dar informação ainda na confecção de pratos.
P/1 – E onde é que você fez esses cursos?
R – Grande parte deles eu fiz aqui, mas eu já fiz curso em Salvador, já fiz curso em Recife, em Belo Horizonte, onde tinha um curso que eles mandavam eu ir. Até hoje eu só não sei beneficiar o couro, mas o resto, todo tipo de beneficiamento de peixe eu sei fazer.
P/1 – É?
R – Do filé, fazer a linguiça de peixe, a linguiça de peixe é uma delícia. Fazia sardinha caseira, pega o peixe, o peixe de baixo valor comercial e fazer dele uma sardinha numa panela de pressão. É uma delícia! Você agrega valor no produto, pode fazer pra uma equipe de trabalho, que eu também dou curso de beneficiamento pras famílias carentes de pescador nas localidades que tem pescador, que eles não sabem aproveitar o trabalho que tem. O trabalho que eles fazem, eles não sabem dar valor ao produto que eles têm. Eu sou chamada pra dar um curso pra mulheres e filhos de pescadores. Eu vou lá, chego lá ensino eles a fazer a sardinha daquele peixe que tem menos valor comercial, pegar o que tem valor e agregar valor em cima do produto deles, no caso do surubim, beneficiar. Porque um quilo de surubim bruto, in natura, do jeito que você tira da água, ele está custando em torno de, para o pescador, cinco a sete reais. Mas quando beneficia ele, ele passa a custar, dependendo do tipo do beneficiamento, ele custa até 35 reais.
P/1 – Sim.
R – Até 35 reais. Então você vê a diferença do beneficiamento. Eu ensino eles a fazer isso e aproveitamento da carcaça. O que eu faço? O beneficiamento e o aproveitamento.
P/1 – Então vamos concluir esse assunto do beneficiamento do peixe.
R – Olha, do peixe a gente faz o produto nobre que é o fila, sem espinha, sem couro, o melhor do peixe nós extraímos o filé. Depois do filé, a gente dá, faz o beneficiamento do aproveitamento do que sobrou, no caso, da cabeça eu faço caldo concentrado, que é riquíssimo em várias proteínas, vocês sabem. E da carcaça a gente faz o croquete, faz a linguiça, faz o presunto, faz hambúrguer, tem uma infinidade de produto que você faz do subproduto, que é a carcaça. Sobra o quê? A espinha. A espinha, também a gente tem um aproveitamento pra espinha.
P/1 – É, qual é?
R – O que a gente faz, a gente lava ela com água quente, depois faz um jato, vai botar ela num jato de água. Bota ela pra secar na sombra, no vento, o que vai secar ela praticamente é a sombra, o ar quente. Depois que ela está sequinha, a gente tritura ela e faz uma espécie de farinha, que é um complemento alimentar pra evitar, não cura osteoporose, mas ajuda a evitar.
P/1 – Certo.
R – Uma coisa, do peixe a gente aproveita tudo. Eu, graças a Deus, aprendi a fazer esses tipos de beneficiamento e dou esses cursos na região pras pessoas aprender a utilizar o peixe da melhor forma possível. Fazer um aproveitamento completo, porque você faz tudo.
P/1 – E, Cida, dentro das suas atividades você também vai nas escolas?
R – Vou, eu vou nas escolas porque, agora isso já está contornada a situação. Nós enfrentamos muitos problemas dentro da área da pesca, vários problemas. Eu digo que, eu não costumo dizer que é um problema, porque problema é aquele quando não tem solução, mas uma coisa que se tem um problema e a gente sabe como resolver ele, ele deixa de ser problema. Um deles é a questão que se criou nas escolas, na sala de aula, onde a professora, por falta de conhecimento, não que ela seja uma má professora, não. Ela é uma ótima professora, acho que falta informação, eu acho que vem nessa linha aí. Ela, sem querer deixa escapar que o pescador, entre aspas, o “pescador” acabou com o peixe do Rio São Francisco, nós não temos mais pira porque o pescador acabou com ela. É um peixe que está em extinção, é o pira. Nós não temos mais a matrinchã, que é um peixe também que está em extinção porque o pescador pescou tudo. Isso não é verdade. O pescador jamais faria uma coisa dessa. O pescador também, não estou inocentando o pescador, isentando ele dessa responsabilidade. Todos nós temos a nossa parcela de responsabilidade. Mas, quando se trata de criança, tem que se saber como colocar as coisas pra ela, porque ela pode entender de uma forma errada. O pescador, a professora diz, o pescador acabou com determinada espécie de peixe do Rio São Francisco. O coleguinha, vai ter um coleguinha que é filho de pescador lá dentro, um filho de pescador. No caso da comunidade de Sobradinho que noventa por cento da comunidade de Sobradinho é pescador, isso gera um problema. A criança vai e diz, seu pai, acabou o peixe do Rio São Francisco. Filho nenhum gosta que ninguém fale do pai dele. Gera uma confusão lá dentro, meu pai não! Seu pai sim, seu pai acabou com o peixe do rio, a professora disse. A tia disse que o seu pai acabou com o peixo do Rio São Francisco. quando termina o final da história eles estão brigando lá dentro da sala de aula, um defendendo o pai e o outro defendendo o peixe do rio São Francisco, que eu acho maravilhoso ele defender o peixe do Rio São Francisco. Eu acho incrível isso, tem que ser mudado essa história. Porque o pescador não acabou com o peixe do Rio São Francisco. O pescador pegou o peixe pra se alimentar, pra alimentar sua família, ele vive disso, isso é a profissão dele. E ele não pegou o peixe, ele não acabou. O que está acabando com o Rio São Francisco não é o pescador, é projetos desenfreados, sem analisar o futuro. Eu no meu pouco conhecimento, na minha santa ignorância, eu acho que deveria, antes de se fazer uma barragem do porte da barragem de Sobradinho, eu acho que ele tinha que fazer uma escada pra peixe reproduzir. Ele tem que fazer, analisar o meio ambiente, ele tem que analisar o futuro. Porque o peixe sai, todo peixe ele precisa de uma quilometragem andando pra reproduzir, todo peixe. Tem peixe que ele anda tanto pra se reproduzir que ele acaba morrendo, ele acaba morrendo de fome, porque ele anda direto sem parar, ele acaba. No final da história ele está estressado, grande parte deles acaba morrendo. Então se nós temos uma possibilidade, o peixe vem pra andar, pra nadar, se ele tem por onde ele passar ele passa, vai embora, ele vai concluir seu destino. Se ele não tem, ele vai parar. E a situação a gente já conhece. E o pescador, a criança tem essa questão. Então eu sou chamada na sala de aula pra falar sobre isso. Eu vi esse problema dentro da minha própria filha. Teve esse problema com ela dentro da sala de aula, a sua mãe pesca o peixe e acabou com rio, com o peixe do rio. A minha filha, como pescadora, vai defender a mãe, defender o rio, _______(?). Eu pedi pras professoras, conversei com a diretora: “Olha, eu queria expor esse problema”. E a gente, graças a Deus, essa situação, hoje os pescadores, os alunos das escolas chegam pra mim e me faz pergunta: “Tia, a senhora é uma pescadora?” “Eu sou”. “A senhora pesca com o que, com rede?” “Pesco”. “E a senhora gosta de pescar com quê? A senhora gosta de pescar mais com o quê? Qual é o tipo de pescaria que a senhora mais usa?” Então ele já faz uma pesquisa em cima do meu trabalho.
P/1 – Sim.
R – Eu acho isso maravilhoso! E ele pergunta, a senhora pesca com quê? Eu pesco com rede. E a senhora sabe pescar mais com o ê Eu vou explicando pra ele e eles fazem aquele relatório deles. E uma coisa que é engraçada, eu um dia fui chamada numa sala de aula pra fazer uma palestra com umas crianças, com os alunos. E um aluno pediu: “Tia, a senhora tem documento de pesca?” Eu disse: “Tenho”. “Qual é o documento de pesca que a senhora tem?” Eu disse: “Eu tenho carteira da marinha. Eu tenho carteira do IBAMA, eu tenho carteira do Ministério da Agricultura, eu tenho carteirinha de pescador”. “A senhora poderia me mostrar uma delas?” Eu disse: “Posso”. Peguei a minha carteirinha e mostrei pra ele. Ele tinha oito anos, ali ele leu tudo ali e disse: “Tia, a senhora é pescadora?” Disse: “Sou pescadora”. Disse: “Mas aqui está dizendo pescador”. Olha só, que coisa interessante. Então ele viu um erro lá na carteirinha de pesca, que o final não era pescadora, mas sim pescador. E isso é maravilhoso, eu amo essas coisas assim porque eu adoro essas crianças que falam, são curiosas desse jeito.
P/1 –Cida, você falou uma coisa que é importante. É um mundo masculino dos pescadores. Como é que foi você, mulher, menina, entrar nesse clube?
R – Isso é uma longa história.
P/1 – Opa!
R – Olha, eu vou te dizer, viu! Não foi fácil, porque na verdade hoje tem muitas mulheres que já pescam, mas eu acho que eu fui a primeira mulher a enfrentar a pesca. É tanto que quando passa uma mulher num bar logo alguém diz, lá vai Cida. Às vezes eu não estou nem perto dali, mas é Cida que está lá. Lá vai Cida! Eu tenho gente, que sempre minhas irmãs todas são pescadoras e eu no rio pescando, eu tenho um irmão que parece muito comigo. Na época da piracema eu não pesco, eu, nos quatro meses de piracema, saio fora do rio pra incentivar que as outras saiam também. E a gente faz um trabalho. É aqui Cida pescadora, essa é a Cida pescadora! A gente ia lá no rio, a minha irmã estava lá no rio. Passou uma pessoa de madrugada e disse: “Diga, Cida?” Ela respondeu: “Oi, tudo bem?” “Tudo bem!” Ela não disse que não era Cida. Eu encontrei, ela me encontrou lá na rua e disse: “Você, não é? Sempre dando lição de moral, sempre defendendo a piracema, sempre mostrando que a gente está errado e você lá no rio pescando”. Eu disse: “Eu pescando?” “É você estava lá no rio pescando”. “Onde, que horas?” “Você estava quatro horas da manhã lá na barragem, eu vi você lá e falei com você e você disse ‘tudo bom?’, eu disse ‘tudo bom’”. Eu disse: “Não, não era eu, não”. “Era você sim”. Eu disse: “Não, não era eu”. “Era você”. “Eu digo: “Olha, não era eu. Agora você estava lá quatro horas da manhã fazendo o quê? Porque se você me viu lá quatro horas da manhã, você foi fazer o que no rio quatro horas da manhã? Você estava pescando”. Ele disse: “Não, eu fui botar de comer pros tanques” Porque ele também é piscicultor. Eu digo: “A alimentação do peixe você bota seis horas da manhã, o que foi que você foi fazer quatro horas da manhã lá?” Eu fui descobrir que era minha irmã que estava lá. Mas, pra concluir, a história da mulher pescadora. Isso foi uma bandeira que eu levantei em defesa da mulher pescadora, porque o homem pescador sempre teve direito a documento de pesca, a mulher não.
P/1 – Ah!
R – A mulher pescadora não tinha nem sequer direito a registrar um barco. Se ela comprasse um barco, no meu caso, eu tinha um barco a motor e eu tinha que documentar esse barco na capitania no nome do meu irmão ou do meu pai. Não tinha mulher que poderia registrar um barco de pesca no nome dela. Muito menos uma carteira, um documento de pesca, jamais, não poderia, mulher pescando, não. Que conversa, não existe! E eu sempre estive dentro do rio. Eu comecei a ver a coisa assim, como eu sempre falei, eu sempre fui muito curiosa. E se a mulher pode dirigir, se a mulher pode fazer tantas outras atividades que o homem faz, por que não pescar? E por que ela não pode ter direito, se ela pesca? E a gente enfrentava, eu particularmente enfrentava um tipo de preconceito entre os pescadores. Ah, mulher no rio! Oxente, mulher no rio, isso é conversa. A gente pescando lá no rio com uma mulher lá dentro, não pode! Não pode! E quando foi um dia, eu fui chamada pra levar uma equipe de pescadores, trinta pescadores, eu tinha uma caminhonete, eu sou motorista, peguei minha caminhoneta, eles fretaram minha caminhoneta pra eu levar eles pra fazer um curso da marinha, em Santo Sé. Quando cheguei lá, eu perguntei: “Quem é o capitão que está dirigindo esse curso aqui? Um rapaz disse, é esse homem aí. Eu cheguei perto dele e disse: “Com licença, bom dia”. Ele: “Bom dia!” Eu digo: “O senhor é o capitão?” Ele disse: “Sou”. “O senhor é o capitão da marinha?” Ele disse: “Sou”. “Então é o senhor quem vai dar esse curso aqui pro pessoal, quem vai monitorar o curso?” Ele disse: “Sou eu”. Eu disse: “Eu queria falar com o senhor. E minha conversa é um pouquinho longa, eu queria saber se o senhor tem tempo pra me ouvir um pouquinho”. “Dura quanto tempo sua, sua conversa?” Ele me perguntou. Eu disse: “Eu acho que em meia hora dá pra eu explicar tudo pro senhor, em trinta minutos”. E ele escrevendo ali. Eu digo: “O senhor, não existe mulher pescadora pra marinha”. Ele disse: “Não”. Ele era direto, tudo que eu dizia ele dizia na hora, “Não”. Sim e não. Eu disse: “Olha, capitão da marinha, eu queria pedir ao senhor um favor especial. Eu sou pescadora, comecei a pescar com idade de sete anos com meu pai. Eu era tão pequena que eu não podia puxar uma rede nos locais fundos do rio. Eu só podia puxar rede nas partes mais rasas, quando era fundo eu não podia, de tão pequena que eu era. Sempre pesquei, não tive a oportunidade de estudar, não tenho na minha casa um diploma de nada. Sou pescadora e não tenho direito a ser documentada no que eu faço? O senhor me desculpe, capitão, mas eu acho isso uma tremenda injustiça. Se um país é pra todos, se o Brasil é nosso como vocês dizem, por que que eu não tenho direito a ter um documento que diga o que eu sou, que prove o que eu sou?” Ele parou de escrever, começou a me olhar, porque até ele não tinha olhado pra mim ainda não. Ele estava ali só escrevendo. Ele parou de olhar, de escrever, começou a me olhar, disse: “Eu acho uma injustiça e só um homem como o senhor pode ajudar eu como pescadora, uma pobre pescadora, simples, que vive lá dentro do rio, analfabeta. De certa, eu perto do senhor sou uma completa analfabeta, mas o senhor pode me ajudar, o senhor pode me ajudar, o senhor pode ser o primeiro capitão da marinha a fazer a primeira carteira de pesca da primeira mulher”. E ele me olhando. Eu disse: “Olha, o senhor está vendo esses trinta homens que estão dentro da sala pra fazer esse curso, eu duvido que eles saibam pescar mais do que eu. Eu duvido. Eu pego aposto com o senhor como tem deles aí que não sabem fazer uma tarrafa, que não sabem fazer uma rede, que não sabem remar um barco direito. E eu sei fazer tudo isso. Eu sei pescar, sei construir a minha tralha de pesca, sei reformar a minha tralha de pesca, coisa que muitos deles não fazem, eles pagam pra eu fazer. Então quem é realmente o pescador? É o que só pesca, só o que explora o rio, ou aquele que constrói o seu próprio material de trabalho? Eu queria que o senhor visse essa questão com muito carinho, porque o documento do pescador homem é o primeiro documento de marido que a esposa não tem direito e nem os filhos”. Eu disse: “Olha, meu amigo, o varredor de rua, gari, que trabalha na prefeitura pra varrer rua, e quando ele morre a esposa dele tem direito a uma aposentadoria pela profissão dele. Pescador não, pescador hoje se morrer, a viúva ou ela arruma outro pescador pra dar de comer aos filhos dela, ou ela está ferrada”. E eu disse: “Senhor, isso de consciência limpa, porque eu sou pescadora e sei o que eu estou lhe dizendo, eu não estou inventando conversa, não. Eu estou dizendo ao senhor a realidade da pesca. E só cabe ao governo, à justiça, um homem que nem o senhor e que nem muitos outros que têm por quem ouça, escute o que a gente tem a falar e tome uma decisão. Porque não sou eu, hoje é eu que estou aqui conversando com o senhor, mas amanhã tem centenas de mulheres de pescadores que precisam de um documento, que precisam de se aposentar porque o mundo, a legislação só modifica, só se aperfeiçoa. E nós cada vez mais estamos ficando lá pra trás, a mulher do pescador não tem direito a uma carteira de pesca, portanto ela não tem direito a contribuir com o INSS, ela não tem direito uma aposentadoria, ela não tem direito a nada, só de lavar a roupa do pescador que chega, suja de lama e fedendo a peixe, e cuidar bem dos filhos do pescador, tratar o peixe. Ela é, o senhor quer que eu lhe diga uma verdade? A mulher do pescador ela é a parceira mais direta do pescador, não existe outro. Porque aquele parceiro, eu, pesca com o pescador e é dividido o lucro. Ele leva o dele pra casa dele lá, pra família dele, o pescador fica com o que lhe coube ali. Mas a mulher do pescador não sai de dentro de casa, não, fica ali. O que se faz é ali dentro e eles comem juntos”. Ele só me ouvindo, só me escutando. Ele disse: “Quer dizer que a senhora pretende com isso tudo tirar uma carteira de pesca?” Eu digo: “É exatamente isso que eu pretendo, uma carteira da marinha, uma do IBAMA, foi documento que caracterize quem eu sou, eu quero. Se eu sou pescadora, eu quero ser uma profissional documentada”. Eu disse a ele: “Quando eu fui tirar minha carteira de motorista, eu fiz, sinalização, legislação, meia embreagem, exame de rua, tudo que pediram eu fiz. E tenho minha carteira de pesca, de motorista. Por que que o senhor não faz a mesma coisa comigo, me leva pro rio, manda eu ir entrar lá dentro pra ver se eu sou pescadora, faça a mesma coisa”. Ele disse: “Eu vou enfrentar um problema, mas a senhora entre pra essa sala que eu vou fazer seus documentos, sua carteira de pesca”.
P/1 – Gente!
R – “E vou enfrentar, eu sei o que, não vai ser fácil, mas a senhora devia ser política, não pescadora”. Eu ri, entrei pra sala de aula feliz da vida. Quando eu entrei, meu irmão, todos os pescadores se viraram pra trás pra olhar pra mim. “Cida?” E ele fez perguntas, lá dentro da sala de aula, que só quem respondeu foi eu. Como, por exemplo, o que a gente precisava no barco pra viver em dentro do seu local, dentro do seu trabalho. Que que precisava dentro do barco da gente? Ficou todo mundo ali cabeça baixa, pensando. Eu digo, o que a gente primeiro precisa dentro do barco da gente, é que ele esteja bem limpo, escovado de preferência, porque se o barco ficar cheio de lodo dentro a gente corre um sério risco de cair dentro dele e se acidentar dentro do seu próprio local de trabalho. Primeira coisa, primeiro passo é limpar seu barco. Vixi, menina, o pessoal da marinha ficou de boca aberta, eu ganhei minha carteira da marinha, ganhei minha carteira da marinha, ganhei direito de fazer um documento, de registrar meu barco. Do IBAMA, já tive direito à carteira do IBAMA, depois veio a do SEAPE. E hoje eu acho que tenho tanto documento de pesca que nem preciso de tudo!
P/1 – Que maravilha!
R – Essa é uma história!
P/1 – Então você foi a pioneira?
R – E daí pra cá eu não parei, não, eu comecei a lutar pelas outras que não tinham direito ao documento de pesca. Porque eu acho que a mulher do pescador tem sim direito ao seu documento de pesca. E hoje todas as mulheres, eu passei nove dias em Brasília, numa assembleia, em Brasília, falando cara a cara com o Lula, e cobrando isso. Eu digo: “Ou o senhor dá direito no documento do pescador, do marido, dá direito à esposa. Ou então tem que se criar uma forma que ela tenha direito à pesca”. E hoje a mulher tem direito a auxílio maternidade, a seguro desemprego, que é o seguro defeso, no caso da gente pescador é o seguro defeso, ao seguro defeso. Ela tem direito a uma aposentadoria com 55 anos de trabalho na pesca, ela tem direito de idade, trabalho na pesca a gente com 15 anos de contribuição ganhamos o direito de segurar especiais. Isso é maravilhoso! E isso foi com muita luta, com muita garra, com muitos encontros. Quando eu ia pra reunião, todo mundo dizia: “Olha, mulher que vive de reunião em reunião não sei, não. Não sei, não”. Já consegui fazer, eu consegui fazer um encontro regional de mulheres pescadoras aqui em Sobradinho. Foi maravilhoso, 150 mulheres, todas pescadoras, envolvidas de uma certa forma na pesca, isso foi uma maravilha. Foi uma coisa simplesmente... Porque a gente conseguiu fazer com que muitas mulheres voltassem a participar de reunião, a se expor em reunião, a falar na reunião, porque tem muita gente que adoece só de ficar calada ali.
P/1 – E então a gente tem que concluir esse assunto do encontro das mulheres pescadoras. Você organizou, vieram 150 mulheres.
R – Foi, a gente, porque a gente estava enfrentando esse tipo de problema de discriminação, na parte da mulher. O marido não queria que a mulher participasse de reunião. Nós enfrentamos tanto problema nesse sentido, que era uma coisa de louco. A gente teve que arregaçar as mangas, a gente vai ter que enfrentar isso aí, não pode parar, não. Se a gente parar, vai voltar pra trás e não vai dar nada certo, a gente vai afundar. E tomemos a decisão. Nos reunimos, eu consegui ônibus das prefeituras pra trazer mulheres de Xique-Xique, de Remanso, de Pilão Arcado, de Casa Nova, de _____(?), de Juazeiro, de tudo se reuniu aqui em Sobradinho e nós fizemos. Consegui o apoio da Pastoral, que é uma coisa que nós temos muito forte ao lado do pescador é a CPP, Conselho Pastoral dos Pescadores aqui. E foi maravilhoso, a gente fez esse encontro, daí pra cá mostramos pra os homens, pescadores, porque é um pouco difícil, o homem pescador ele é fechado, dentro do seu casulo lá, das suas ideias. A gente mostrou pra ele que só vinha beneficiar ele próprio a mulher participando, a mulher tendo seu próprio documento. Porque a experiência é minha, eu sou pescadora, tenho duas filhas, todas duas são pescadoras. Na minha casa recebe auxílio, auxílio de seguro defeso, eu, as duas filhas minhas, nós recebemos quatro meses de salário, por não pescar. Imagine, nós quatro, esse dinheiro suficiente, nós três, dá pra nós passarmos esses quatro meses tranquilamente, sossegado, sem precisar de nós irmos nem no rio pescar. Então foi o que nós mostramos pra eles, mostramos pra eles que a mulher documentada, a mulher dele participando, se documentando, está ajudando ele próprio. E, graças a Deus, hoje a realidade é outra, está tudo maravilhoso, conseguindo esse espaço. E estamos aí.
P/1 – E, Cida, quando, já que você falou das suas filhas, conta um pouquinho disso. Como é que foi essa coisa de ter as filhas, como é que foi cuidar delas na infância?
R – Olha, eu tive as minhas filhas, eu criei as minhas filhas sem pai. Perdi o pai delas muito, muito cedo, e fiquei com as duas. Inclusive, essa mais nova foi criada praticamente dentro do rio, com quinze dias de nascida já botava ela dentro do rio. E ela criou-se assim pequenina e eu fazia o seguinte, pra elas não caírem dentro da água, eu pegava uma cordinha, uma cordinha macia de seda, às vezes tem uma tira de pano bem forte. Eu comprava um pano novo, tirava aquela tira bem forte, torcia ela, fazia uma espécie de uma corda. Vestia uma camisetinha nelas e passava a corda por dentro da camiseta e marrava, botava por aqui e marrava. Porque a camiseta não saía do braço e a corda segurava de uma certa, de uma certa forma, e amarrava elas no barco. Eu tomei essa decisão depois de que uma caiu dentro da água.
P/1 – Ah, conta isso pra gente.
R – A Paula, ela com um ano, ela tinha um ano, começando a caminhar, mas como toda criança traquina, ela sempre foi muito traquina. E ela, quando ela ia comer, ela enchia as mãos, ela pegava uma mão de bolacha e a outra, ela comia uma olhando pra outra mão. Ela sempre teve essa mania! Aquela espécie de menina traquina mesmo. Quando ela não queria, ela jogava as duas mãozinhas pra lá. Mas ela tinha que estar com as duas mãozinhas ocupadas. E eu, a outra na frente, eu remando o barco, aqui dentro desse canal, ela, quando eu tive aquela sensação de olhar pra trás ligeiro, quando olhei pra trás, a Paula não estava mais no barco. Ela já tinha caído e eu não vi quando ela caiu. Quando eu olhei pra dentro da água, eu vi aquelas bolachinhas que vinham subindo, a bolachinha vinha, vinha, vinha, parava em cima. Quando eu vi as bolachinhas, eu fui no rumo das bolachinhas. Que esse canal ele é um canal de navegação, ele é fundo. Eu desci no rumo das bolachinhas, tchummm, direto no rumo das bolachinhas, parece que as mãos, foi só chegar lá, apanhar ela e me empurrei pra cima.
P/1 – Nossa!
R – Subi com ela e ela não bebeu água. Engraçado, antes o povo dizia que criança quando cai dentro da água, não bebia água, eu não acreditava. Nesse dia eu acreditei. Subi com ela, quando eu subi com ela, um rapaz, de um barco, um pescador que estava na margem, ele viu quando ela caiu e eu não vi. Ele viu e correu pra cá ligeiro, veio dar socorro, veio ajudar. Quando ele foi chegar, quando eu subi da água com ela, ele já estava, já vinha chegando. Só fez pegar ela das minhas mãos, e botou dentro da água. Eu nadando com ela e ela toda, ahahah, como quem está respirando como quem, que estava presa a respiração, respirando, mas também não chorou, não. Depois só foi abrir as mãozinhas e viu ainda as bolachinhas, começou a lamber as mãozinhas, nós naquela aflição, a gente só riu. Mas eu fiquei muita aflita nesse dia, cheguei na beirada do rio, e disse: “Eu vou quebrar esse barco, não vou mais pescar, eu não vou ser mais pescadora”. Jogava pedra no barco pra quebrar o barco, mas não tem jeito, não. Eu não, tenho que ser é pescadora mesmo, eu amo o rio. Eu amo o trabalho que eu faço e é maravilhoso pescar, pescar tem todas as vantagens, você se distrai, você não estressa, você se alimenta bem, você tem tudo de bom, se diverte ao mesmo tempo, e é uma profissão maravilhosa.
P/1 – Mas, Cida, fala mais das suas filhas, uma chama Paula.
R – Uma chama Paula, a outra Cláudia.
P/1 – E como é que elas viraram pescadoras?
R – Elas viraram pescadoras por necessidade, porque eu não tinha outra profissão, não tinha o que fazer, como sustentá-las e tinha que pescar. E elas foram, viraram pescadoras forçadas mesmo. E hoje são defensoras da pesca, são profissionais como eu. A Paula teve um problema muito sério de saúde, que teve que fazer um transplante de válvula mitral no coração, agora ela está suspensa da pesca, por tempo indeterminado, mas mesmo assim não sai, não. Ela não está ali dentro da água, mas são pescadoras, todas três. Engraçado, quando você vê uma pescando, quando você vê uma, você vê as três. É tanto que no meu trabalho eu faço, estou querendo fazer uma associação de beneficiamento, e eu já tenho o nome, “Mãe e filhas”, a minha associação, “Mãe e filhas”. Porque realmente onde está uma está ali. Quando eu vou fazer um trabalho desses, elas estão junto comigo.
P/2 – Cida, você comentou comigo antes da entrevista que as freiras te ajudaram muito quando você chegou em Sobradinho, conta um pouco pra gente sobre isso.
R – As freira, as freiras, em particular eu acho que elas me ajudaram mais mesmo do que a minha própria família. Porque como minha família sempre foi uma família numerosa e todo mundo de família de pescador no geral é família pobre. Você não vê uma família de pescador rico. Se você ver uma família rica de pescador eles não são pescadores, tem outras atividades atribuídas à pesca. Pescador mesmo, pescador original é pobre, pobre dentro do seu limite, mas é pobre. E, quando as minha filha nasceram, devido à situação em que a gente vivia, eu ter ficado sozinha, eu conheci as irmãs. E elas sempre chegavam, tinham os encontros delas e eu ia lá, levava peixe, elas chegaram com trabalho muito bem feito dentro de Sobradinho. Um trabalho, que existe dois Sobradinhos, Sobradinho antes das irmãs e Sobradinho depois das irmãs. Essas irmãs são da congregação “Filhas de Jesus”. E esse trabalho dessas irmãs foi um trabalho simplesmente... Acho que eu não tenho palavra pra classificar, porque foi a melhor coisa que aconteceu em Sobradinho.
P/2 – Olha.
R – Porque elas chegaram aqui, criaram uma creche, tudo isso do nada. Elas criaram uma creche, elas criaram uma casa de adolescente, elas criaram o Salão Vida é Nova. O Salão Vida é Nova era pra tirar mulher da prostituição, a Casa das Adolescentes era pra que as adolescentes não fossem as futuras prostitutas e a creche era pras crianças da comunidade. E esse foi um trabalho, e eu me engajei nele como pescadora, as irmãs, a creche vivia de doação, vivia de partes, de pessoas que queriam ajudar. Um ajudava com uma coisa, outro ajudava com outra e eu, a melhor forma de ajudar era com peixe. Eu pegava o peixe, tinha o dia da creche, aquele dia que eu ia pescar era pra creche. Então tinha o dia das irmãs, elas fizeram aquela amizade comigo e eu conhecia as irmãs dessa congregação, “As Filhas de Jesus”, mais especial a irmã Angélica, que foi a que primeiro chegou aqui e comprou a briga. A irmã Angélica foi ameaçada de morte, porque nessa época, quando elas chegaram aqui, era um lugar onde a mulher era muito assassinada. Morria uma mulher, duas, três por dia.
P/1 – É mesmo?
R – Era, era uma coisa de louco, era terrível. E as irmãs chegaram pra mudar essa realidade e mudou, graças a Deus, porque as irmãs chegou em Sobradinho. E eu como pescadora e mulher, não foi, não passei em branco não, as irmãs sempre me apoiaram, sempre tiveram ali na frente, sempre me ajudara. Pra melhor te dizer, a primeira bolsa de escola que a minha filha estudou, que levou pra sala de aula, foi as irmãs que trouxeram de Belo Horizonte, um caderninho, trouxeram completinho, caderninho, lápis, lápis de cor, ali. Então eu tenho, só tenho histórias bonitas pra contar porque eu também tenho uma coisa comigo, sempre tive isso, desde criança eu sempre procurei ver nas pessoas o bom delas, porque defeito é fácil de encontrar, difícil são as qualidades. Agora, defeito você encontra em tudo, quando a gente quer achar um defeito todo você acha. Mas eu procuro ver, eu sempre procuro ver Jesus nas pessoas, eu procuro ver Deus nas pessoas. Se você procurar ver o melhor dos outros, você é mais fácil de perdoar, é mais fácil de ajudar, é por isso, acho que é por isso que eu sou muito feliz, graças a Deus, acho que sou muito feliz, que eu sempre procurei ver isso nas pessoas, ver o melhor. Sempre a gente tem alguma coisa pra ajudar, sempre a gente tem algo pra fazer. Acho que essa minha história é uma história tão comum, história de uma mulher simples, pescadora, criou as filhas pescando. Daí pra cá também não quis mais saber de marido, porque a minha experiência já foi suficiente, deu pra mim viver uma experiência suficiente e vivo assim. Trabalhando, sou convidada pra dar curso, sou convidada pra participar de evento, sou convidada pra ir fazer trabalho em vários lugares da Bahia, agora mesmo estou com um convite pra Diamantina, chapada Diamantina. Vou pensar se eu vou e hoje eu sou tão querida do povo que o SEBRAE me pegou e botou dentro do Armazém Café.
P/1 – Ah, foi o SEBRAE?
R – Foi o SEBRAE que me levou pra lá porque eu tenho facilidade de criar pratos. E eu comecei, eles pediram pra fazer um trabalho da natureza seguinte, agregar valor no que nós tínhamos aqui. Que que nós temos? Peixe e temos frutas, muitas frutas, vários projetos de fruta nós temos na região. Eu faço molho de tudo quanto é fruta que tem, eu faço molho de todas as frutas que nós temos aqui na região. Eu crio molho dela, pra servir com peixe.
P/1 – Sei.
R – E fica maravilhoso!
P/1 – Nossa! Nós estivemos lá ontem, mas era, acho que era a sua folga, ou você ia à noite.
R – Não, é porque eu estava aqui, porque eu estou fazendo um trabalho defumando bastante surubim pra um trabalho. Eu trabalho à noite, de dia eu corro pra Sobradinho pra fazer o trabalho.
P/2 – Você sabe a receita, contar pra gente a receita de um molho de cajá, que cajá é aqui da região.
R – É, não propriamente aqui da região, mas é do nordeste. Aqui da nossa região é uva, é acerola, manga, maracujá. Mas eu sei, molho eu já fiz molho de peixe com cajá, com um pouco da cajá.
P/1 – Então dá a receita pra gente gravar aqui.
R – Olha, deixa eu vê aqui, mas eu vou dar uma receita que mais eu gosto.
P/1 – Sim.
R – Molho com peixe de tamarindo. Eu tenho com vários tipos de molho, mas é com molho de tamarindo que é uma delícia, porque aquele azedinho da tamarina agrega um apetite. Quando você começa a comer o peixe com aquele azedinho ali, nossa! É um molho rústico, uma cor diferente, e eu acho muito bom. Eu faço o seguinte, eu pego o tamarindo, descasco ele e boto pra cozinhar. Quando eu tiro aquela semente dele, eu bato ele no liquidificador. E experimento se está muito ácida, se não estiver muito ácida, pronto, deixo ali do jeito que está e boto no fogo. Coo ele, tiro aquele, o residuozinho que ficou, deixo ele fino. Volto ele, levo o fogo, boto gengibre ralado e canela, pau de canela, deixo ela cozinhar. O gengibre por conta já vai dar um aspecto quente, aquele quente no prato, no molho. Quando ela cozinha bem, que ela puxou, ela agregou um pouco da gengibre e da canela, eu vou, faço, ralo uma cebola branca, bem fininha e refogo ela na manteiga de garrafa, ou no azeite de oliva. Jogo dentro do molho de tamarindo, ela já vai dar, aqueles pequenos pedacinhos da cebola, que ficou, a cebola ela é meia doce, ela vai dar aquele saborzinho diferente quando você estiver comendo.
P/1 – Sim.
R – Vou, engrosso com amido de milho, eu dou um ponto nele ali, fazendo ela vai ficar no aspecto grosso, bem consistente, o tamarindo. Se ficar muito ácido, eu boto um pouquinho de açúcar ou de melaço, melaço de cana. Mais fica uma maravilha!
P/1 – E qual é o peixe ideal pra esse molho?
R – Eu sempre... Todo peixe é ideal, mas eu sempre utilizo a tilápia, eu utilizo a tilápia, ou o de surubim, o filé de surubim, mas eu gosto mais da tilápia.
P/1 – Por quê?
R – Eu não sei, eu não sei por que, mas é porque eu tenho uma preferência por tilápia. A tilápia que a gente tem aqui é uma tilápia muito saborosa, ela tem procedência, porque a gente está vendo ela ali onde está sendo criada. Ela é uma tilápia chitralada, uma tilápia boa, uma tilápia muito suculenta. Quando eu boto ela na chapa, grelhada, eu não asso, eu não frito, eu grelho. Eu faço um jeito pra ela ficar cozida, sem secar. Isso, botou na chapa e cobriu com assadeira. Ao invés dela secar, dá aquele aspecto seco, ela fica pronta, mas bem suculenta. Você jogou o molho ali em cima com arrozinho branco ou um arroz à grega, nossa! Com um vinhozinho é maravilhoso!
P/1 – Está ficando todo mundo com fome.
R – É covardia falar uma hora dessa de uma coisa dessa!
P/2 – Cida, agora mudando um pouquinho de assunto, queria que você contasse um pouco pra gente, desde que você veio pra cá, você falou que Sobradinho tem um momento, antes, quando não tinha as freiras e depois quando as freiras vieram.
R – Sim.
P/2 – E ela tem outro momento da cidade velha e da cidade nova.
R – Vim pra cidade nova.
P/2 – Mas já deve ter escutado muita coisa sobre a cidade velha?
R – Já, é que não tinha bem uma cidade velha. Não tem, aqui nós não temos uma cidade velha de Sobradinho, que Sobradinho é uma cidade nova. Nós não temos a cidade que, vamos supor, que nem Casa Nova, tem Casa Nova velha, tem Casa Nova nova. A cidade de Casa Nova Velha está debaixo da água. Nós não temos uma cidade de Sobradinho debaixo da água, nós não temos. Nós temos onde eram os ribeirinhos, onde aqui morava, seu fulano, aqui morava o vô, não sei quem, sabe? Essa coisa, mas não tem assim propriamente uma cidade, poderia ser uma vila dos velhos ribeirinhos, mas até nisso ela é, as casas eram afastadas uma das outras, porque era roça, era o próprio ribeirinho mesmo. Não tem a cidade própria de Sobradinho.
P/2 – Porque o pessoal veio mais pra trabalhar na represa.
R – Isso, Sobradinho foi uma cidade que foi feita a partir do momento que foi se criada a barragem, que as pessoas, aqueles antigos ribeirinhos que não eram tantos vieram morar na cidade de Sobradinho, criou-se o Sobradinho, mas não tem a cidade de Sobradinho.
P/2 – E o que que você ouve falar de Sobradinho, do pessoal que veio no começo da cidade construindo e de hoje, que que foi mudando?
P/1 – Deixa ela tomar a água dela.
R – Olha, Sobradinho de antigamente, ele tinha, fala, as pessoas mais velhas, que tinha um costume muito antigo de Sobradinho, que eles têm aqui é São Gonçalo. O famoso São Gonçalo, é uma em que eles fazem uma promessa pra aquele determinado santo, pra conseguir aquela graça, depois aquela festa é feita com bastante comida, danças, uma dança muito com cipó, essa coisa. É uma coisa muito engraçada que eu acho. Eu mesmo, eu não sei dançar o São Gonçalo.
P/2 – Mas você já viu?
R – Mas já vi, oxe, aprecio muito, vou ver porque, se me botar pra dançar o São Gonçalo, eu acho que eu fico toda alinhada naquele cipó. Porque eles usam cipó, mudam cipó de maneira tão rápido que eu só vejo aquele cipó passando de um lado pra outro, eu não entendo nada daquilo. Mas tem muitas outras coisas aqui do Sobradinho, que o pessoal vivia, era um povo muito simples, que vivia de criar, de pescar, de plantar, a história de Sobradinho que eu conheço é essa.
P/2 – E o que que você acha que Sobradinho, porque o pessoal tem muita gente que trabalha na barragem, e tem outras pessoas que trabalham com outras coisas, como pescadores. Que mais que Sobradinho tem assim?
R – Que trabalha como pescadores?
P/2 – Não, quais são os outros ramos de atividade que tem aqui em Sobradinho?
R – Ah, da região, eles têm pesca, plantar, eles tem muitas, vivem muito da plantação, de quem planta geralmente cria. Então é uma atividade comum, ou comerciante, é sempre assim.
P/2 – Você sabe se teve algum movimento contra a construção se Sobradinho aqui?
R – Não, não sei. Não sei se teve, se teve, não é do meu conhecimento. Se teve esse movimento não é do meu conhecimento.
P/2 – E, conversando com as pessoas, deve ter vindo muita gente que veio de cidade alagada.
R – Sim, certeza.
P/2 – Você sabe contar pra gente um pouco de como é que eles se sentem, alguma coisa que eles tenham te contado da experiência deles?
R – Sei, grande parte deles, eles contam o seguinte, que antigamente viviam muito bem, que viviam muito em paz, porque tudo era maravilhoso. É aquela famosa história do rio de antes e o rio de hoje, que hoje não é mais a mesma coisa, que hoje é tudo diferente. E eles comentam muito essa fase, o que está vivendo hoje com a fase que viveu anterior. E que a cidade hoje em que eles vivem Sobradinho, que antes, antigamente não viviam assim. Mas tem uma, varia, porque cada um tem uma opinião diferente, culpa sempre, eles culpam sempre, porque nós éramos os donos da terra, eles dizem assim. Resumindo a história deles é que diz assim, nós éramos o dono da terra e hoje nós não temos um pedaço de terra pra plantar, eles sempre ressaltam isso. Inclusive vários pescadores, que eram ribeirinhos, que eram donos da terra e que hoje moram na mesma situação que os agregados que nunca tiveram terra, que veio pra cá e eles moram junto com esse povo. São umas pessoas maravilhosas, mas a gente sente que eles têm um fundinho de mágoa nisso tudo. Deles que alegam que até hoje não receberam o que por direito cabia a eles, que perderam suas terras, perderam suas raízes, perderam seu meio natural de vida que tinham e hoje não tem mais. Hoje comprar um quilo de batata é caríssimo. E hoje não tem mais aquilo. Que eles antes tinha de lavra, que tinha pra dar, hoje pra comer tem que comprar. Então eles ressaltam tudo isso e que mostra um pouco de mágoa disso tudo. A gente percebe que eles tem isso, que muitos deles dizem assim: “Ah, nós não recebemos o dinheiro de nossas terras, tiraram nós de nossa terra, expulsaram nós de nossa terra. Mas também não atribui a quem, diz a barragem, a barragem nos tirou de nossa terra”. Pelo menos é o que eles falam pra gente, que eu que sou aqui, que estou aqui como chegante, eu não sou filha natural daqui e eles, a gente sente isso neles.
P/1 – Sim. E, Cida, eu queira que você falasse um pouquinho, já que a gente falou lá do passado, da barragem. E como é que você vê essa questão da transposição do São Francisco?
R – É, é a questão da transposição do São Francisco eu, no meu ponto de vista, eu acho uma coisa muito séria. É muito séria essa questão. Porque se eles tivessem querendo fazer a transposição, mas já tivessem feito a transposição, a revitalização do Rio São Francisco, eu até aceitaria, até aceitaria. Porque aí, eles tinham que fazer, e pra fazer essa transposição, eles primeiro tinham que fazer a revitalização do Rio São Francisco, que a gente só ouve falar. Só se vê essa transposição, essa revitalização em papel e em conversas bonitas, na prática não existe. Tem a questão também do desmatamento das margens, das beiras de rios, das matas ciliares. Eles tinham que fazer o reflorestamento das matas ciliares, das margens do São Francisco, e a revitalização antes de qualquer coisa, pensar em qualquer tipo de transposição. Porque transpor o Rio São Francisco do jeito que ele está é matar o que já está agonizando, é acabar de matar o que já está morrendo. Se o governo andasse dentro do rio como eu ando, ele não faria isso. Se o governo, os ministros andassem dentro do Rio São Francisco, se ele conhecessem o Rio São Francisco há 40 anos, que nem eu conheço, eles não fariam isso. Primeiro eles iam fazer a revitalização, primeiro iam fazer o reflorestamento das matas ciliares, porque nós temos plantas aqui na beira do rio que se plantar elas, elas não deixam que quando chove, quando a chuva cair nas serras, vamos supor, vamos dizer assim. Porque quando chove, aquela enxurrada de água carrega a terra pra dentro do rio, como o rio está todo picotado de barragens, o rio não tem mais força pra arrastar aquela terra pro seu destino, aquela terra vai ficar armazenada em qualquer canto por aí. Então isso, que que está acontecendo? Isso é quem está fazendo o rio ficar raso. Com a rasoeira do rio, com o rio ficando raso o peixe fica sem local pra se esconder, ele torna de fácil captura, ele fica fácil. O que o homem está fazendo? O que eles estão fazendo? Transpor, tirar água da onde já não tem? Eu acho um absurdo. Eu acho um absurdo. Se o governo, se Lula, o presidente, se ele quiser ver o Rio São Francisco, venha. Entre dentro de um barco. Eu tenho todo prazer de mostrar a ele. Onde eu pescava com 25 braças de fundura, hoje tem nove. Eu tinha todo prazer de mostrar, olha aqui, ó como é que está a coisa. Eu acho que ele está fazendo isso porque ele não sabe. Ele não tem conhecimento, ele só vê o que, ele só sabe o que dão informação pra ele. Ele só conhece a teoria, a prática ele não conhece.
P/2 –Cida, aqui em Sobradinho hoje a gente está passando por um momento de uma movimentação muito grande, por conta dos acontecimentos da transposição. Me conta o que está acontecendo e o que você acha sobre isso?
R – Olhe, eu acho, o que está acontecendo é exatamente isso que a gente, que você está vendo aí. Muito movimento, muita gente sendo solidária, a atitude do Frei Dom Cáppio, eu acho que ele está, é a única forma que ele achou pra que isso tenha um basta, pra que se pare com absurdo, essa é a forma dele lutar. Hoje está com 13 dias que ele está com essa greve, todos nós estamos preocupados, todos nós estamos solidários com ele em oração. É a única coisa que nós podemos fazer. É fazer oração junto com ele. Eu, jejum, eu não vou fazer, não! Eu não posso fazer, eu não, não é, eu não faço. Ele tem condições de fazer. Eu acredito que a fé dele é muito grande e acredito também que ele vai conseguir. É isso que nós esperamos que o governo tome um atitude a esse respeito e pelo menos dê uma parada. E tome outra atitude, faça primeiro a revitalização do Rio São Francisco e que depois ele sente com todo mundo e diga: “Olha, eu vou fazer assim porque eu já fiz isso, mas não fazer essa, o que ele está fazendo, sem, desenfreado”. Eu acho absurdo.
P/2 – Cida, mas quem que é o Frei Dom Cappio?
P/1 – Pra quem não conhece.
R – Pra quem não conhece ele é um missionário, é um bispo. Frei Cappio, ele pra mim uma pessoa de Deus, um padre que foi, que hoje, tornou-se um bispo e hoje é frei, um homem de muita fé que conhece o rio. Eu chamo particularmente com ele, eu costumo dizer que ele é o peregrino do rio, porque ele conhece o Rio São Francisco tão bem quanto eu, ele conhece o Rio São Francisco, eu acho que ele ainda conhece mais um pouco, porque ele conhece ele da nascente até onde o rio deságua no mar, ele conhece tudo. Eu só conheço um certo trecho do rio. E se defendo o rio como defendo, imagine ele que conhece todo.
P/2 –Cida, tem outras pessoas que estão vindo fazer essa greve de fome aqui em Sobradinho também? Como é que está esse movimento?
R – Olha, esse movimento está trazendo gente de toda parte, até do exterior. Tem gente aqui de Sobradinho de toda parte, hoje mesmo vem de Salvador, está chegando uma caravana de três ônibus de pessoas, de todos, até evangélico. Esse movimento não é só de católicos, esse movimento é de quem bebe água. É de todo mundo, todo mundo está envolvido com isso. Hoje vem essa caravana de três ônibus de pessoas de Salvador, e isso é só o que nós fomos informados, porque vem pessoas, amigo nosso, que faz parte do nosso meio da pesca, que está vindo pra cá. E todo dia chega muita gente, ontem mesmo estava a Marina, a ministra do Meio Ambiente, ela estava aí. Eu estive com ela lá em Juazeiro, conversei com ela. E ela estava aqui também pra ver o que que pode fazer, está todo mundo se mobilizando. E tem que fazer isso mesmo, porque eu não tenho muita coisa pra dizer a esse respeito, não. Mas Sobradinho está cheio de muitas pessoas de outros lugares, artistas, ambientalistas, pescadores, tem tudo. Nesse movimento tem todo tipo de gente, tem toda gente, é como eu falei, quem bebe água.
P/2 – E o que você espera então pro Rio São Francisco agora, pra frente, com toda essa movimentação, com tudo que está acontecendo?
R – Eu espero que o governo tenha consciência do que ele está fazendo. E que com isso os nossos netos não venham a sofrer a consequência, não venham a pagar por isso. Eu espero seriamente que o governo saiba o que ele está fazendo, porque amanhã, só Deus sabe o que pode acontecer, com essa transposição. Porque eu não acredito, eu sinceramente, eu sou muito sincera no que eu falo, eu falo o que penso, às vezes até magoo as pessoas com tanto, de ser tão direta. Mas eu acho que essa transposição não vai beneficiar, não é pra beneficiar o mais simples, vai beneficiar de uma certa forma, mas quem vai levar a maior vantagem, a maior fatia do bolo quem vai comer são os poderosos. O pequeno só vai comer as migalhas do que vai sobrar desse bolo. Não vai ter acesso ao melhor. Então é por isso, é por isso que esse Frei Cappio está fazendo o que ele está fazendo, porque ele sabe que quem vai ser mais beneficiado com isso não vai ser o menor. O menor vai também, de certa forma o rico não vive sem o pobre, o rico não vive sem o pobre. Essa infelizmente é a realidade, o rico depende do pobre e não vai ser, não vai ser diferente nessa transposição, não. Não vai ser diferente disso, não, nesse trabalho que eles estão querendo fazer lá, não vai ser diferente. Espero que eles saibam o que está fazendo, espero que nós amanhã, depois, nosso netos, que o Rio São Francisco não vire uma lenda. Que nem a lenda do nego d’água, que nem a lenda da carranca, que nem a lenda da mãe d’água, que nem o que o povo diz que tem um caboclo, que a gente só pega peixe se fizer isso ou aquilo, que nem diz que quando tem uma carranca que bota nos barcos, diz que quando o barco vai afundar essa carranca avisa, que geme, essas coisas que eles falam. Então tomara que o Rio São Francisco não venha a ser uma lenda futuramente.
P/1 – E, Cida, pra gente terminar a entrevista a gente tinha combinado de você contar um pouquinho de algumas lendas daqui que são só aqui do Rio São Francisco.
R – Essa lenda é, tem muitas lenda do Rio São Francisco, que o povo fala de nego d’água, de caboclo d’água.
P/1 – Então o que que é o caboclo d’água?
R – Eu não conheço ele, não.
P/1 – Sei!
R – Eu não conheço, não, não sei.
P/1 – O que dizem.
R- O que dizem é que ele é uma espécie de sobrevivente que vive dentro da água, de uma espécie viva que vive dentro da água, que ajuda o pescador em determinadas situações e que, eu não sei contar muita coisa desse caboclo da água não, só o que o povo fala. É um mito, em torno de muitas coisas, que realmente ele avisa sobre os perigos do rio, que ajuda o pescador na pesca.
P/1 – E nos seus tempos de pescar, dentro do rio. Você já viu alguma coisa assim meio diferente?
R – Não, nunca vi, eu tenho visto tempestade dentro do rio, já peguei algumas, vento muito forte.
P/1 – Tempestade?
R – A natureza, eu tenho visto a natureza, o fenômeno da natureza, isso eu tenho visto várias vezes. Já peguei muita, eu estou no meio do rio, se vai cair um vento forte, se eu sei que eu vou correr perigo ali eu percebo. Mas eu percebo como? Pelas nuvens, pelo tempo, pelo clima que começa a mudar, você começa a ver a água se movimentar de um lado pra outro. Então significa, se ela está movimentando do lado esquerdo, significa que o vento vem do lado esquerdo. Você tem que ver qual é, se você está mais próximo do lado esquerdo, mas próximo da margem pelo lado esquerdo, então cace um jeito de sair logo pro lado que você está mais próximo, não entre mais pra um lado que você vai ter problema de sair, que você não vai poder voltar. Então isso não é, isso é realidade, isso é fenômeno da natureza. Eu considero como a natureza ajudando, a gente se ajuda com a natureza.
P/1 – E já teve situação de você correr risco de vida dentro do rio?
R – Já, já.
P/1 – Como é que foi?
R – Já enfrentei umas poucas delas, onde teve uma delas que duas coisas muito perigosas que eu enfrentei dentro do rio. Uma delas foi aqui desse lado, foi, eu estava botando rede, eu e as minhas filhas, eu olhei pra trás, quando eu olhei pra trás eu vi aquela neve branca atrás, mas distante. Eu olhei, eu digo que aquilo é vento, aquilo ali é vento. Eu falei pra minha filha, Paulinha, desemenda, a próxima emenda dessa rede desemende e bote uma pedra e vamos sair daqui porque aquilo branco ali é vento. Olhou e disse: “Não, mãe, é chuva”. Eu disse: “Se for chuva mas vem junto com vento, vamos sair daqui”. Ela ligeirinha ali achou a emenda da rede, desemendou tudo e eu segurando o barco pra ela terminar o trabalho. Eu digo: “Bote o pano”. Ela botou o pano. O pano é uma espécie de aparato que a gente usa pra ajudar nós no trabalho, como está ventando, a gente bota um pano aqui, segura o pano e o vento leva o barco, _________? Determinado. A gente guia direitinho, mas pra onde quer ir o vento leva. E isso aconteceu, quando ela terminou de botar o pano não deu mais tempo de puxar na corda do pano pra encher. Ela “coisou”, que fofura de titia! É a filha de Sandra.
P/2 – Que linda!
R – Vai, mamãe está chamando você, vai lá! Veio participar da gravação!
P/2 – Deixa ela aí, não tem problema, não.
R – Não tem, não, então vai pra cá com a titia. Ela, quando ela botou o pano não deu mais tempo de puxar na corda, o vento já tinha chegado, mas ele chegou bravo, bravíssimo, bravíssimo, os pingos d’água que caíam na gente doía. Quando batia parecia que era pedra. Eu segurei o barco, eu percebi que ela, que a gente ia ter um problema sério. Porque com o vento imediatamente as ondas levantam, elas crescem. Eu disse pra elas: “Deitem dentro do barco, as duas, deitem as duas dentro do barco”. Porque elas estando deitadas dentro do barco elas não iam fazer o movimento das ondas. Elas iam ficar com o corpo ali quieto. Se elas ficassem sentada elas iam, podiam se assustar, elas podiam ter medo, elas podiam ver as onda do, as maretas crescendo, porque aqui, no mar é onda, aqui é mareta. Então elas iam ver esse fenômeno e elas podiam ficar com medo. A gente, eu fiz o quê? Mandei elas deitarem dentro do barco, deita as duas dentro do barco. “Mainha”, o barco, dentro do barco fedendo a peixe! É, fedendo a peixe, deita dentro do barco, as duas. Elas deitaram ali dentro do barco, fica quietinha aí, as duas deitadas. Elas duas deitadas dentro do barco e eu consegui segurar esse barco, o vento me arrastou, levou esse barco, vi, uma carreira violenta. Pra onde ele quis, dessa vez eu não fui pra onde eu queria não, o vento me levou pra onde ele quis levar. Mas, graças a Deus, deu tudo bem, saiu tudo bem. Outra situação enfrentei na represa, que eu tenho uma filha, minha filha minha mais velha ela é doente de epilepsia. E ela dá crises convulsivas de vez em quando, crises epiléticas. Ela deu uma crise no meio do lago. E eu passei por um sufoco grande.
P/1 – Nossa.
R – Porque eu estava no remo, quando eu vi, quando ela começou a dar a crise eu saí do remo e fui pra segurar ela. Isso num espaço de seis metros com um, seis metros de comprimento com um no lado mais largo. Ela começou a se bater e a tendência era só cair pra dentro d’água. E eu segurei ela com muita foca pra não cair as duas dentro d’água. Esse foi o mais difícil que eu já passei, foi esse momento com ela com a minha filha. E a outra, Paula, remando a canoa pra nós podermos chegar depressa no seco.
P/1 – Nossa, aquilo.
R – Foi uma hora muito difícil, quando nós chegamos no seco chorava eu e chorava. A Paula e a outra desmaiada dentro do barco, foi uma, realmente foi uma cena pavorosa, mas...
P/1 – Correu, terminou bem.
R – Terminou bem, graças a Deus sempre.
P/1 – Tem uma pergunta pra finalizar?
P/2 –Cida, só pra relembrar um pouco essa coisa do folclore, a gente escuta muito história de terror que o pessoal conta, nas regiões. Você não sabe de nenhuma história de terror que você já ouviu alguém te contar aí? Alguma coisa que tenham visto por aqui no rio ou lá por Sobradinho?
R – Olha, história de terror assim eu vi uma vez aqui no rio, agora essa não foi os outros que me contaram não, eu mesmo vi. Eu pescando mais a minha irmã, nessa época que eu te falei que eu pescava de noite. Eu pescando mais a minha irmã, nós morávamos na Santa Rita, a meia hora de viagem, de onde nós morávamos descendo o rio. Subindo é duas horas que nós gastávamos pro local de trabalho. A gente, saiu de lá, era, ia dar doze horas, ela. Eu disse pra minha irmã: “Vamos embora que já vai dar doze horas”. Ela disse: “Vamos”. Nós ficávamos lá pastorando as redes pra ninguém roubar. Porque quando, como aquele ditado, quando é mulher que está na pesca sempre tem algum engraçadinho que quer levar vantagem. A gente ficava lá pastorando as redes pra ninguém mexer nas nossas redes. Nós descemos, eu remando, ela deitada dentro do barco. E eu remando a canoa, claro da noite, clarinha, clarinha, clarinha, que a gente via tudo, da lua, clara da lua. Quando nós chegamos igual com aquelas pedras, umas pedras que tem ali embaixo, eu vi uma luz dentro d’água, uma luz grande, parecia um globo. Eu fui e disse pra minha irmã, eu digo: “Cuca, olha aquela luz ali dentro d’água!” Ela, no começo eu pensei que era alguém pescando, ela disse, não, isso é boia de caceia. Caceia é um tipo de pescaria, que a gente coloca a rede lá na água corrente e a água vai descendo com a rede. Mais na frente a gente tira, chama-se caceia. Porque tem a pescaria de tarrafa, tem a de arrastão, tem a de caceia, tem a de rede de espera, tem vários tipos, tudo tem seu nome. Ela disse: “Não é uma caceia”. Eu olhei pra um lado, olhei pra outro, não vi nenhum barco. Pra ser uma caceia tinha que o dono daquela caceia ir acompanhando ela. Eu disse: “Cuca, não é caceia, não tem ninguém ali”. Eu me lembrei. Eu digo: “Mas pode ser uma pedra, ali tem pedra, pode ser alguém que deixou alguma coisa na pedra”. Eu lembrei que o rio estava cheio, não tinha pedra. Eu digo: “Cuca, levante e olhe”. Ela disse: “Não, isso é boia de caceia, isso é alguma coisa, isso deve ter sido alguma pessoa que solta despacho dentro do rio e soltou um barquinho com vela acesa dentro e a vela está mostrando lá, isso é despacho pra Iemanjá”. E eu, cada explicação dela eu me convencia e cada vez mais nós se aproximando daquele fenômeno. Quando chegou bem pertinho, não tinha nada, não tinha barquinho, não tinha nada. Eu comecei a ficar com medo, eu digo: “Cuca, levante e olhe essa luz”. Quando ela levantou, a luz apagou, sumiu do nada. Sumiu do nada, do nada, do nada, do nada. Eu fiquei com tanto medo, com tanto medo, que nós paramos a canoa no porto, nem amarrar a canoa nós não amarramos de medo, de medo. Mas medo mesmo daqueles medo grande, medo de você, eu nunca tive um medo daquele tamanho. Porque eu já vi, aqui dentro do rio, nós já vimos canoa andando assim sozinha dentro d’água e tudo, mas isso é comum. Agora uma coisa dessa nós nunca tínhamos visto, não. Mas terror, terror mesmo assim isso, às vezes os pescadores conversam coisa que um pescador ia pro rio e vinha uma mulher montando na garupa da bicicleta dele pra vir pescar com ele. Quando ele olhou pra mulher, a mulher não tinha cabeça, mas eu acho que isso é coisa que eles inventam pra se distrair, pra se distrair.
P/1 - Cida, eu queria terminar perguntando o que que você achou de contar a sua história pro Museu da Pessoa?
R – Ótimo, eu achei ótimo. Se tiver mais alguma coisa que eu possa contar pode contar comigo, estou sempre disponível.
P/2 – Obrigada.
P/1 – Então muito obrigado, Cida, foi ótimo.
R – Ótimo.
P/1 – Foi muito bom conversar com você.
R – Obrigado também, obrigado.
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