P/1 – Marcelo, primeiramente, muito obrigado por aceitar participar do projeto e pra começar eu gostaria que você me falasse seu nome completo, local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Marcelo, Marcelo Hideki Oshiro, o local de nascimento São Paulo e não prestei atenção...
P/1 – E a data do seu nascimento.
R – Ah, dia 7 de setembro de 1981.
P/1 – E qual o nome dos seus pais?
R – O meu pai é João Oshiro e minha mãe, falecida já, Emiko Kimuro Oshiro.
P/1 – E o que eles faziam? Você pode descrever isso um pouquinho pra mim?
R – Meu pai é natural de Santos e ele vendia produtos, assim, batata, ele achava até as coisas no chão assim e ia vender na rua, né? Como sacoleiro ambulante mesmo. E minha mãe morava na roça, ela é natural de Bauru. Bauru não, Lins, natural de Lins. Então, ela sempre viveu na roça, ela veio pra cá, trabalhou em confecções, daí conheceu meu pai, tudo e começaram a trabalhar na feira como feirante de rua mesmo. Daí, agora de, no ano de 2000 que meu pai mudou de ideia que a feira não estava, a gente estava pagando mais pra trabalhar do que ganhando, então, meu pai resolveu sair da feira e resolveu abrir um negócio próprio, assim, um estabelecimento fixo. Daí ele arrumou um lugar na Liberdade e a gente montou um mini mercadinho na Liberdade também. Daí como as coisas já não estavam também dando muito certo... E no ano de 2005 eu fui embora, eu fui pro Japão, daí eu regressei em 2008, aí a gente vendeu o outro mercado que a gente tinha na Liberdade e então a gente comprou um ponto ali na região de Santana, né? E eu voltei mais por causa da minha mãe também porque ela teve problema de saúde, então, eu tive que voltar mais por esse fato mesmo, mas hoje já tá tudo em paz, tudo em ordem.
P/1 – E você, seu sobrenome é de origem japonesa, você tem família lá?
R – Tenho, tenho. Tenho dois tios e uma tia, o resto já voltaram tudo pro Brasil já.
P/1 – E você teve contato com os seus avós?
R – Tive, tive bastante, bastante e depois, deixa eu ver, acho que, quando eu era menorzinho, criancinha, eu tive mais contato, eu fui criado pelos meus avós, né? Que como meu pai e minha mãe iam pra feira, então, eu ficava sempre com os meus avós. Eu cresci com os meus avós, mas depois de certa idade como eu tive que estudar e já estava mais independente, então, já não tive tanto contato assim.
P/1 – E seus avós vieram do Japão pra cá ou já nasceram aqui?
R – Por parte de mãe não, por parte de pai sim. Vieram de lá, a minha avó mesmo por parte de pai eu não cheguei a conhecer porque faleceu quando meu pai ainda era muito pequeno, mas a madrasta do meu pai, o meu avô, eu conheci, tive muito contato sim. Eles vieram de Okinawa, que é uma ilha de lá do Japão.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho uma irmã mais velha.
P/1 – Ah, tá certo. Marcelo conta pra mim como era a sua casa na infância, você lembra?
R – Eu morava, eu sempre morei na mesma rua, mas a antiga casa era na esquina e era uma casa pequenininha, era cheio de bicho, cheio de barata, cheio de rato. Na sala tinha um buraco assim no chão, porque o chão era de madeira, então, tinha um buracão no chão, a gente passou bastante necessidade, assim, quando era pequeno, né? Aí conforme foi passando o tempo, a feira foi trazendo um pouco de sustento pra gente e meu pai conseguiu comprar um terreno na mesma rua, aí ele conseguiu levantar uma casa certinho, tudo bonitinho onde eu moro hoje, né?
P/1 – Em que lugar você mora?
R – Casa Verde, São Paulo.
P/1 – E quais eram as suas brincadeiras? O que você gostava de fazer? Você falou que passava bastante tempo na casa da sua avó, como é que era esse tempo lá?
R – É, então, na minha avó eu não tinha muito tempo pra brincar, assim, né? Porque minha avó já era mais rigorosa, assim, né? Então pra ela era tudo certinho, assim, acordava, vai escovar os dentes, vai fazer o que tem que fazer, depois saía pra comprar pão, voltava e ficava tomando chá verde com ela, ficava... Essas coisas de gente mais de idade, assim, recebia as amigas dela, assim, que ela ia no jogo que chama “gueitobol”, um jogo que ela gostava de fazer nas horas vagas. Então, eu acompanhava ela e ela andava muito a pé, então, pra todo canto que ela ia... No Imirim, é um bairro vizinho, tudo, mas ela ia sempre a pé, então sempre tinha alguma coisa pra fazer porque ela sempre gostava de andar muito. Mas depois quando eu fiquei mais com uns dez anos, assim, eu já começava a andar na rua sozinho, então, daí eu jogava bola na rua, descalço mesmo, né? Conhecia todo mundo da rua, do lado da minha casa tem um ferro velho e até o pessoal do ferro velho tudo, a gente brincava, até a gente saía com o carrinho com o pessoal pra catar papelão, joga água no papelão pra ficar mais pesado, mas diversão foi legal na infância.
P/1 – E você agora comentou do ferro velho. Que lembranças você tem do comércio na sua infância, tinha alguma loja que chamava a sua atenção?
R – Na infância, na infância não tinha muito comércio, assim, na região onde eu moro, mas tinha sempre um mercadinho, né? Do lado da minha casa tem um mercado que chama Tietê, supermercado Tietê e é o que mais eu me recordo da minha infância, a não ser o trajeto que fazia pra ir pra escola, né? Que eu passava pela avenida do mercado até chegar na escola. Tinha uma papelaria, tinha uma bomboniere e um carrinho de hot dog, então, como eu era sempre conhecido na região, eu passava na papelaria e sempre pegava uma caneta, sempre roubavam na escola uma caneta. Eu passava na papelaria e mandava marcar, passava na bomboniere pegava um salgadinho, mandava marcar, na volta do colégio, passava no hot dog, “Quem quer dog? Vamos comer um dog!”, aí toda sexta-feira, minha mãe ia lá e vinha pagando todo mundo, né?
P/1 – (risos) E quais são as lembranças que você tem do período da escola? Você lembra da primeira lembrança de escola que você tem?
R – Ah, lembrança de escola eu tenho muitas, assim, porque eu fui um pouco arteiro, mas uma arte saudável, assim, eu brincava na hora que eu tinha que brincar, mas estudava na hora que tinha que estudar. Mas de lembrança assim, fica quase o colégio inteiro, assim, desde o futebol no barro, desde as professoras puxando minha orelha, falando o que é certo, o que é errado, mas é, de tudo. De tudo eu consigo recordar, assim.
P/1 – Tinha alguma matéria que você gostava mais, algum professor que deixou uma lembrança?
R – Ah, tinha desde uma professora de português que falava “bicicreta” (risos). Até a minha professora de matemática, Lúcia, ela, eu sempre me dei bem assim na matéria, mas de resto não recordo muito das matérias.
P/1 – E você comentou da papelaria, você tem lembrança de sair com seus pais pra comprar material da escola? Como é que era?
R – Então, essa parte, foi nessa papelaria aí que minha mãe deixava sempre encomenda, né? A gente pegava a lista da escola, já deixava com o meu amigo de infância também. Então, ele já deixava tudo separadinho, só passava lá, pegava e levava pra casa.
P/1 - E quando você foi ficando mais velho, na juventude, quem eram os amigos? Eram os mesmos da escola? O que vocês faziam pra se divertir, onde vocês iam?
R – Sempre foram os mesmos, assim, né? E eles começaram a andar de bicicleta, é uma modalidade que chama flat, são manobras de solo, tudo. Daí eu comprei uma bicicleta, mas não me empolguei com a bicicleta. Aí eu comprei um skate e comecei a andar de skate. Eu fiquei dos doze anos até uns dezesseis, dezessete anos andando de skate, assim, sempre com a mesma galera. Conhecia pessoas novas, mas sempre da região do bairro. A gente saía pra outros lugares andar, assim, mas sempre com a mesma galera que cresceu comigo.
P/1 – E você comentou que seus pais trabalhavam na feira durante muito tempo, você chegou a trabalhar com eles e ajudar?
R – Cheguei, cheguei.
P/1 – Você tinha que idade mais ou menos quando você começou a ajudar na feira?
R – Ó, eu ia, de vez em quando eu ia quando eu era muito pequenininho que eu dormia até naquelas caixinhas de feira, assim, de plástico que você carrega. Meu pai deixava embaixo do tabuleiro, assim, ele colocava, forrava com alguma coisa, com jornal, aí minha mãe levava a manta, ficava deitado dormindo. E quando eu era adolescente já, quando eu estava terminando já, parando com a feira, aí eu ia pra feira, ajudava meu pai a descarregar o caminhão, tudo, montar a barraca e ia embora pra me arrumar pra estudar, né? Aí eles se viravam no final da tarde, o empregado já chegava, ajudava eles até o fim da feira, aí eles voltavam pra casa e eu voltava da escola pra casa.
P/1 – E você tinha alguma função especifica? Você ajudava, enfim, a vender ou só recolocava?
R – Não, eu ajudava mais a descarregar e arrumar as coisas no tabuleiro. Só quando era sábado e domingo, assim, eu ficava o dia inteiro, né? Eu ficava vendendo, aí, mas é...
P/1 – Tá certo. Voltando agora pros estudos, quando você terminou a escola, como é que foi? Você foi fazer alguma faculdade?
R – Então, eu cheguei, eu prestei a universidade logo que eu saí da escola, né? Terminei o terceiro colegial e prestei, aí eu entrei, comecei a cursar Administração com ênfase em Comércio Exterior, mas daí eu tive que trancar a matricula porque meu pai já tava nessa época de abrir o mercado e tal, então, nessa fusão aí meu pai ia ficar muito na mão. Aí eu falei pra ele: “Se você quiser, eu tranco agora por enquanto, né? Pra mim dar uma força pra você e depois eu volto e termino”. Aí ele falou: “Não, tudo bem”. E em termos monetários também não ia conseguir arcar, então, eu tranquei a matricula e fui ajudar meu pai. Daí eu não consegui mais sair disso daí, até que eu voltei do Japão, tudo, daí minha mãe, era um sonho da minha mãe, “Ó, vai estudar, vai terminar sua faculdade, vai fazer isso daí porque não fica dando tanto valor aqui, tal, isso aqui é uma vida de escravo, é uma escravidão”. Então, uma troca, né? Porque você, quando trabalha pra você, você sabe o que você tem que pagar, tudo isso, então, você tem que trabalhar pra você. Você, ah, quanto mais você trabalha mais ganha, todo mundo olha e pensa: “Meu, o cara é rico, o cara tem dinheiro”, mas por trás de tudo isso não vê a correria que o pessoal faz pra poder ter o dinheiro pra pagar uma conta, um boleto, entendeu? Mas é isso aí.
P/1 – E como é que veio essa vontade de ir pro Japão? Foi durante a época da faculdade? Um pouco depois?
R – Não, aí foi muito do pessoal, mas eu juntei muito cedo, eu juntei acho que eu tinha 22 anos e a gente, eu morei junto com a minha ex uns quatro anos mais ou menos e daí ela que começou, assim, a falar: “Ah! Por que a gente não vai? Por que a gente não vai?”, eu falei: “Não, pra ir tem que casar, tem que fazer tudo certinho, tem que ter um tempo de permanência no Brasil” e tal, “Tá, então vamos fazer tudo isso aí e tal”, eu falei: “Tá, então, vamos”. Aí depois não sei se foi por causa da avó dela que ela não ficou mais afim de ir. Só que eu já tava empolgado e daí juntou já relacionamento balançado e “É, então, quer saber, eu vou e você fica e vamos se perder. Você vai pra esquerda, eu vou pra direita”, entendeu? Mas foi mais ou menos isso aí mesmo, foi mais pessoal.
P/1 – E como foi a experiência, você se lembra? De quando você chegou lá? O que você achou?
R – Lembro. Muito ruim. Você chega num lugar que você não sabe falar nada. Por mais que eu tenha a descendência, eu nunca foi fissurado em aprender a língua japonesa, minha cultura, então, pra mim foi difícil. Os primeiros meses, assim, por mais que o primeiro trabalho que eu tive foi uma empresa que tinha bastante brasileiros, né? Mas mesmo assim, você sente muita falta de tudo, de amigos, de família, então, a responsabilidade que você tem desde lavar uma roupa, pra fazer uma comida, pagar umas contas, as suas próprias contas, então, é meio diferente, né? Assim, e como eu sempre acho, aqui eu sempre tive, mesmo em casa quando eu tava juntado, quando eu tava casado, então, pra mim foi difícil a adaptação. Mas é... Foi só os primeiros meses, assim, os três primeiros meses, você pegou o ritmo já.
P/1 – E quanto tempo você ficou lá?
R – Fiquei três anos, cerca de três anos.
P/1 – E você trabalhava com o que lá?
R – Eu comecei trabalhando com solda, solda de ponto. Primeiro eu trabalhei no robô, tudo eletrônico, depois eu passei pra um que o pessoal chama de gun, que é uma pistola que você puxa a carretilha e vai fazendo pontos de solda numa placa de aço, alumínio. Fazia portas de carro. Então, pra aprendizado foi muito legal, assim, e depois eu arrumei o outro que como eu não sabia falar nada em japonês, eu tive que pegar esse que meu amigo tá lá desde infância. Ele falou: “Oh, faz esse, tenta aprender um pouco da língua japonesa que aí depois a gente tenta arrumar um outro emprego pra você melhor, pra você ganhar mais. Mas se empenha, tudo depende de você”, “Não, tá bom”. Aí aprendi o básico do básico e ele falou: “Não, vai vendo outro serviço”, aí um outro amigo meu que tava trabalhando lá, ele foi pra uma outra empresa, daí “Ah, eu vou tentar a sorte, não custa nada”, aí eu fui com ele. Passei na entrevista, aí me chamaram pra trabalhar numa outra empresa, né? Que era pra fazer estabilizador de carro. Então, eu trabalhei com forno. No torno, tem uma peça, uma maquina que chama benda, que ela entorta um cano de aço pra poder dar formato até pintura, montagem. Mas foi super bacana em termos, assim, não só de responsabilidade de trabalho, mas de experiência de vida. A gente adquiri tanto com o sofrimento de outras pessoas que estão lá sofrendo, pessoas não só do Brasil, mas bolivianas, peruanas, então, a gente pega bastante amizades com outras culturas também. Foi interessante pra caramba.
P/1 – E quando é que você falou: “Não, quero voltar pro Brasil”?
R – Foi quando minha mãe adoeceu. Minha mãe adoeceu, eu nem sabia que ela tava doente, daí depois eu tentava ligar pra minha casa e não, ninguém falava nada, né? Eu querendo falar com a minha mãe e ninguém falava nada, daí meu pai falou: “Olha, a gente quase perdeu sua mãe”. Aí me deu um choque, né? “Mas como assim? Quase perdeu minha mãe?”, falou: “É, então, tá com hepatite, tá com o fígado ruim, tál tál tál”, me explicou a situação que ela tava que era hepatite medicamentosa. Ela teve artrite reumatóide que é um reumatismo no sangue e os remédios que ela tomava eram muito fortes e mais o emocional, lidar com pessoas não é fácil, então, o emocional abalado e ela foi definhando e aí quando se tocaram era meio tarde já, então ela ficou 40 dias internada num hospital público e ela falava pra mim que o hospital publico é ruim, ela queria sair de lá de qualquer jeito. Aí, como ninguém tinha me avisado, até preparar tudo e tal e voltar, então, eu larguei tudo do jeito que tava lá e vim pra cá, né? Deixei um mês em aberto a passagem pra voltar pra lá, aí eu avisei o trabalho tudo, eles me deram mó apoio também “Vai lá, cuida da sua mãe e tal”. Eu voltei e vi minha mãe. Nem a reconheci, que ela sempre foi como eu, meio gordinha, fortinha, assim, então, e ela tava pele e osso, assim, literalmente. Então, isso, eu tomei um baita choque. Então, quando eu vi ela no aeroporto que eu desembarquei, hora que eu vi ela, “Meu, preciso pegar minhas coisas e voltar pra cá de vez que não dá”, daí eu voltei pra lá de novo, fiquei mais um mês, acho que um mês, mais ou menos isso e arrumei minhas coisas, mandei algumas coisas de navio e as outras eu trouxe comigo como mudança, daí eu vim. Aí como quando eu chegando aqui a gente vendeu outro mercadinho que tinha, a gente ficou um ano parado, ajudando minha mãe no tratamento, tudo. Ela já tava na fila de transplante e daí a gente achou esse ponto em Santana, a gente pesquisou, achou, achamos legal “Ah, vamos tentar aqui” e nesse meio termo já tava voltando a cursar a faculdade e foi tudo muito rápido: a faculdade, a perda da minha mãe. Mas hoje, graças a Deus, tá tudo tranquilo.
P/1 – Vamos voltar, ta? Agora, antes de você ir pro Japão, você me falou que seu pai abriu um mercadinho ali na Liberdade. Como era a Liberdade naquela época, muito diferente do que tá hoje? Com relação ao comércio?
R – Não, não era. É que a parte nossa não era bem Liberdade, já pega a parte da Aclimação, porque era mais pra cima, era na rua do Servidor Público, era na rua Castro Alves. Então, por incrível que pareça, a maioria dos meus clientes eram árabes, que tem lojas ali na 25. A gente atingia mais esse tipo de público, assim, esse pessoal que é do Líbano que é o que mais comprava com a gente.
P/1 – Tá. E o que vocês vendiam no mercadinho?
R – Ah, tudo. Menos... A gente nunca trabalhou com a linha de pães e carnes, isso daí a gente nunca trabalhou até porque é muito trabalhoso, né? A vigilância exige muita coisa pra você fazer, independente, por mais que muita gente não trabalha, não segue essa norma, a gente preferiu não trabalhar pra evitar qualquer tipo de problema, né? Então a gente falou: “Encargo com funcionário, redução de custo e vamos pra frente. Vamos tentar”, a gente tentou, conseguiu, mas muita coisa atrapalhou. Abriu muito comércio perto, muitos outros mercados, então, isso foi abalando muito.
P/1 – E como é que funciona o controle de estoque mais ou menos?
R – É que hoje... Hoje a gente já tem um controle melhor do estoque por causa das maquinas, né? A tecnologia já evoluiu muito, antigamente, até em 2000 já tinha um controle de estoque e tudo, eletrônico, tudo informatizado, mas por falta de verba, a gente mesmo controlava, a gente contava item por item, tudo que entrava a gente pegava as notas, separava as notas e era tudo no papel e fazia balanço. Então, era muito complicado, muito suado. Hoje em dia não. Hoje em dia você, tudo que sai tá marcado na registradora, tudo que entra você joga na registradora. Tá marcado, você já tem um controle rápido, né? Uma resposta mais rápida que a gente tinha e menos trabalho.
P/1 – E quem são os fornecedores? Onde é que vocês compram? Por se tratar de produtos tão variados assim?
R – Então, muita coisa meu pai vai atrás de atacados por causa de preço, não pelos produtos, assim, pela variedade de produtos, porque tudo você encontra na porta, mas tem muita coisa que a gente não compra de volume, de muito volume, então, não compensa pelo preço que a gente pega. Assim, meu pai vai nos atacados, percorre a maioria dos atacados e por aí e vai buscando tudo que precisa, né? A gente junta o que vai precisar, quando tem uma compra mais ou menos razoável, assim, grande, aí ele vai atrás e já busca tudo de uma vez e muita coisa. Só quando é pesada, assim, que não compensa independente de ser coisa de dez centavos de diferença não compensa meu pai ir buscar e se sacrificar tanto pra carregar peso, pra descarregar. Então, aí muita coisa pesada a gente pega na porta mesmo que é mais viável pra gente, né?
P/1 – Entendi. Daí, vocês fecharam esse mercadinho e ficaram mais ou menos um ano parado.
R – Procurando ponto.
P/1 – Isso, achando esse ponto em Santana. Quando vocês acharam esse ponto, o que vocês precisam pra montar um mercadinho? Desde materiais, prateleiras, como é que é? Onde vocês procuraram tudo isso?
R – Então, é que quando a gente montou o outro mercado, a gente tava meio perdido, então, a gente achou uma loja especializada nisso daí, a gente foi lá e comprou tudo. Na época a gente pagou muito caro porque a gente não sabia de nada, né? Não sabia onde comprar, ninguém soube dar informação de nada, então, a gente passava nos mercados, perguntava, ninguém dava informação de nada, né? Então, a primeira vez já foi mais sofrida. Dessa última vez agora, eu já pesquisei na internet, já vi bastante lugares que vendem prateleiras, geladeiras, freezers, até mercadorias mesmo, eu fui achando representantes, daí eu fui fazendo visitas pra ver preço, qualidade do produto, esse tipo de escolha, né? A gente foi selecionando entre os melhores e os que ficavam mais em conta também, né? Porque como a gente ficou um ano parado, o dinheiro vai indo, vai indo e tudo tem um custo, a casa tem um custo, da casa, carro. Tudo tem um custo e o dinheiro vai acabando, né? Então a gente teve que correr pra poder abrir logo senão tudo atrasa, né? É papelada, é prefeitura, então, como atrasa isso, atrasa aquilo e como meu pai sempre dependeu de contador, de pessoas assim pra fazer isso... E dessa vez aqui não. Dessa vez aqui eu que fui lá na prefeitura, perguntei como é que fazia, qual eram os trâmites pra fazer, que a gente já teve problema com contadores, de falar: “Ah, não! Tem que fazer isso, vai adiantar, dá pra adiantar, dá pra dar um quebra aqui, fazer isso, fazer aquilo outro” pra abrir mais rápido, e demorava o mesmo tempo, entendeu? Então eu falei: “Não, deixa que eu corro atrás aqui, você corre atrás procurando as prateleiras, encomendando as prateleiras. Eu vou correr aqui com a documentação, pra sair logo”. Aí foi assim, ele corria pra um lado, eu corria pra outro, aí eu consegui as papeladas, ele já conseguiu a outra parte das prateleiras, das geladeiras, tudo. Aí a gente correu atrás das mercadorias porque até abrir cadastro, empresa pra eles poderem entregar... Então, a primeira leva já foi em atacado mesmo pra poder abastecer o mercado e depois começar a passar um representante na porta e fazer um cadastro e poder continuar o pedido, né?
P/1 – Entendi. E todos os produtos que são vendidos lá têm representantes ou alguns que você encontra lá você só vende no atacado e outros...
R – Não, todos têm representantes. Porém é aquilo lá que eu te falei, né? Às vezes não compensa você pegar direto do representante, por mais que seja direto da fabrica. Às vezes o preço não é compatível com o preço de atacado, de atacado normal. Você vai no Atacadão, às vezes é bem mais barato que você pegar na porta, tudo bem que tem todo um custo, a logística tem um custo, dele entregar na porta da sua casa, de você não ter peso, não gastar gasolina, mas como a gente, a gente faz um mix de produtos pra ir buscar, então, só um produto só que ele me entrega na porta não vai fazer diferença. Se fosse um mix inteiro faz diferença, mas como tem que buscar outras coisas que sai bem mais em conta, então, já compensa mais pra ir buscar.
P/1 – Tá. E a visita desses representantes e a entrega desses produtos que você encomenda? Com eles tem dias específicos pra acontecer?
R – Tem. É tudo marcado, né? Então, eles têm o horário, eles perguntam o horário de funcionamento e normalmente eles tiram o pedido hoje, por exemplo, e te entregam em dois dias ou hoje e te entregam amanhã. Então, é rápido a entrega, a resposta é muito rápida. Tem algumas empresas que pecam na logística, mas a maioria é assim que funciona.
P/1 – Marcelo, eu gostaria que você descrevesse a fachada, como é que é o seu mercado hoje?
R – Então, hoje, por causa da lei da cidade limpa, a gente teve que tirar a fachada, até a placa. Agora que eu to correndo atrás pra poder por a placa de volta porque a placa a gente tinha, tava tudo dentro da lei, tudo, que era um metro quadrado, mas eu não tinha o CADAN. Então, eu tive que tirar essa placa e agora eu to entrando com esse pedido do CADAN pra poder pagar esse imposto e poder fixar a placa de novo, que antigamente era tudo seco, sujo. Então, a gente entrou e como tem duas salas em cima alugadas, dentistas, entre outros, a gente rateou e fez uma limpeza que inclusive tem que fazer de novo e daí a gente vai se acertando, né? Em tudo, fachada, as paredes de lá de dentro a gente mesmo que pintou, instalação elétrica a gente pediu pra um amigo pra vim dar uma olhada pra ver como é que estava a instalação. Mas foi isso aí mesmo. A fachada era cru, assim, seca, mas a gente tentou fazer uma cor mais chamativa, um vermelho, e agora eu preciso esperar o CADAN sair pra eu colocar ela de volta.
P/1 – Tá. E eu passando na rua e olhando pra dentro do mercado, o que eu vejo? O caixa já fica na porta?
R – Já fica na porta. Fica bem na entrada, pra evitar assalto, né? Como a rua é bem movimentada, o caixa ficando mais na porta, mais ali, mais aberto, então, todo mundo que passa já vê, né? Então... Não só isso. Se deixar um caixa no fundo, até sair ele vai percorrer a prateleira inteira, então, tem gente que não tem malícia nenhuma, mas tem gente... Muita gente hoje, eu já cheguei pegar um idoso roubando um pacote de sabão em pó, um quilo de sabão em pó, entendeu? Então é... É difícil, é difícil.
P/1 – Tá. E com relação à disposição dos produtos, você que determina o que vai ficar em que prateleira? Existe uma ordem: “Coloco o alimento aqui, não sei o que de um lado, não sei o que do outro”?
R – É. Pela vigilância sanitária tem todo um padrão, desde padaria, tem os lugares certos pra colocar, desde açougue, desde frios, tem o lugar certo, a temperatura certa, as prateleiras no chão. Tem que ter um espaço pra você poder fazer a limpeza, produto de limpeza não pode misturar com a comida. Então, tem todo esse tipo de burocracia pra você fazer e essa encheção de saco que é até melhor pra não misturar as coisas, porque você vai pegar um sabão em pó no meio de um arroz fica meio esquisito, né? Então você junta tudo que é produto de limpeza, higiene pessoal; do outro lado você põe comidas, parte de cereais, parte de refrigerantes. Aí fica bem mais organizado também. O pessoal que entra já fica acostumado, já vê que tá tudo mais organizado, já sabe onde tá tal coisa. Por um produto ela já se identifica: “Não, então deve tá ali”. Então, já vai no lugar certo.
P/1 – Tá. E como é que você atraiu esses clientes? Você faz promoções?
R – Não, lá a gente nunca, desde quando a gente abriu nem panfletagem a gente não fez, né? Foi mais de carisma, mais do pessoal chegar, a gente atender bem. Então, tem gente que hoje vai lá fazer compra, tem um mercado, um supermercado perto, mas às vezes o pessoal vai lá porque é “Ah não, você é mais legal, quero comprar aqui.”; “Ah não, depois se eu não comprar aqui, você vai falir, se você falir, você vai fechar, se fechar eu vou ter que andar até lá em cima pra comprar isso. Então, não. Vamos ajudar todo mundo”, então, é por isso mesmo, carisma, então, a gente vai cativando cada cliente por mais que seja um cliente chato, entre aspas, a gente tem que cativar porque a gente depende de tudo isso, né? Então, a gente tem que correr atrás, não tem jeito.
P/1 – Mas existe aquela coisa de colocar em destaques alguns produtos, mais à vista ou coisa assim?
R – Não, pra mim não. Pra mim não tem porque ali é diferente, são poucos clientes que fazem compra mensal, que compram o que tá mais barato ou o que tá em promoção. De vez em quando a gente faz algumas promoções, a gente deixa bem na frente pra expor o produto, mas é raro. É raro. O público mais da gente é, como ali é cercado de restaurantes e de comércio e de escritórios, clinicas, então, pessoal que trabalha nesses lugares precisam, vão tomar um lanche. Então, é coisa supérflua, assim, então não é nem cesta básica. Pra você tomar um lanche, pra fazer um, “Ah! To com preguiça de almoçar, vou ali comprar uma Ana Maria, comprar um salgado, alguma coisa, um salgadinho”, então é mais isso aí.
P/1 – E tem algum produto que você diria que sai mais assim?
R – Tem.
P/1 – Qual?
R – Cachaça! (risos) Sério. Eu não sei se a região já tem muito morador de rua, então o que eu mais vendo é cachaça. É uma cachacinha pequenininha assim, é baratinha, custa dois reais e o pessoal, meu, você bebe meio litro de cachaça, você entorta o olho. Então de dez em dez minutos entra alguém lá “Ei, japonês!”, eu olho pra cara já sei até quem é, deixo até em cima da mesa, do caixa, eu coloquei até embaixo do caixa já as caixas de cachaça porque é muito entre e saí, tem cliente que não gosta, se sente constrangido, pensa que é ladrão, entendeu? Então eu deixo ali porque tem gente que já entra bêbado, então, eu já falo: “Não entra. Espera lá fora”, eu já deixo num saquinho e entrego, pego o dinheiro e mais rápido, né? Não precisa ele entrar e ficar fuçando na prateleira e muitas pessoas entram com o cheiro ruim também, então, isso daí desagrada muita gente, é ruim. Por isso que eu deixo esse produto aí na frente, né?
P/1 – Tá. E você falou de toda essa vizinhança comercial. Como é que é o entorno do mercadinho ali?
R - Então, ali a gente tá cercado por comércio, desde livrarias católicas, evangélicas, lanchonetes. O que mais tem ali é lanchonete e como é perto da estação, então todo comércio ali é muito movimentado. A gente procura sempre ajudar um ao outro, desde em termos de assalto... Ontem tinha um rapaz esquisito na rua e tal, rondando, falando que tava esperando a mulher dele e tal, tal, tal. Mas ele tava de olho em alguma coisa, então, um suspeito. A gente já entra em contato com a lanchonete, a lanchonete entra em contato com outra, então todos os comerciantes já saem na rua e ficam de olho, né? Então, a gente até em compras mesmo assim, se eles precisam de hortifruti, meu pai trás, eles vão lá pegar com a gente, a gente precisa almoçar, a gente pega com eles também. Então, a gente varia, a gente costuma sempre ajudar um o outro ali.
P/1 – E quem são os clientes ali do mercado? Teria um tipo de cliente especifico? É gente que tá saindo do trabalho? Como é que é?
R - É mais o pessoal que tá saindo, tá entrando pra trabalhar, horário de almoço, que vai fazer um lanche, vai comprar uma sobremesa, vai parar pra comprar um refrigerante. Como ali é cercado só de restaurante, não tem mercado, não tem nada perto, então, pra eles sai mais em conta comprar ali do que num restaurante que vai pagar um pouco mais caro. Assim, eles vão lá, comem uma comida no restaurante e vão lá, compram um refrigerante, buscam uma sobremesa, aí buscam algumas outras coisas assim.
P/1 – E existe aquela coisa de um cliente se tornar amigo? Ou alguma coisa assim?
R – Tem, tem. Então, a maioria dos clientes eu tenho todos como amigo assim, até quando é festa, aniversário de criança, de mãe, de pai, de tio, o pessoal chama “Olha, vamos lá! Vai ser legal”, chama meu pai pra ir pescar, “Ah, vamos pro Mato Grosso lá, é legal!”. Então, até quando eu perdi minha mãe, os clientes mesmo de lá, assim, foram super solidários, “O que você precisar estamos aí pra ajudar”, tal tal tal, “Força, não desiste não, isso aí é coisa que a gente tem que passar na vida mesmo” e tal. Até pro meu pai e pra mim, todo mundo ali ajudou a superar isso daí também. Não que já esteja 100%, mas a força de todo mundo já dá um alivio maior pro coração.
P/1 – E você tem aquela coisa de, de repente, pra um cliente mais antigo, ou mais frequente, de anotar? Aquela coisa da caderneta, pega, depois acerto?
R – Tem, tem. Mas não porque a pessoa precisa anotar, mas é porque como eles trabalham muito com cartão, então, pra eles fica mais fácil eles chegarem no dia primeiro, no dia quinze ou depois de uma semana, eles vão lá e acertam. Mas não por falta de dinheiro não, é porque pro controle próprio mesmo.
TROCA DE FITA
P/1 – Vamos voltar pro mercadinho, deixa eu só te perguntar, você tava falando dos clientes que esperam o dia certo pra pagar com o cartão e tudo mais. Só queria saber de você, qual a principal forma de pagamento no mercado hoje?
R – Em percentual, eu posso dizer que hoje 70% ainda é no dinheiro e esses 30% seria no cartão, que seria só mais essas pessoas que pagam, marcam e depois vão acertando. Porque eu explico pro cliente, eu não nego passar o cartão pro cliente independente de valores, que eu não posso. Mas eu peço: “Olha, se for um real, essas coisas, eu peço até que você me traga mais tarde”, porque a taxa é muito alta, então, pra gente não compensa vender um biscoito de um real pra receber daqui um mês com uma taxa de x. Daí eu pago pra ele pegar um biscoito na minha prateleira. Então, dinheiro ainda é mais usado, pelo menos ali, né? E como a coisa de três reais e cinco reais, o movimento é bastante ali, mas é muito picadinho. O pessoal vai tomar um lanche, fazer alguma coisa, coisa três reais, cinco reais, dois reais. Uma bolacha e um refrigerante. Então, coisa muito simples.
P/2 – Você mencionou pra gente a experiência do mercadinho ali no bairro da Liberdade que na verdade não era bem na Liberdade, era na Aclimação. Então, vai ficando meio afastado, vai ficando meio de passagem da estação, né? E por outro lado hoje você tem um mercado que fica bem próximo da estação. Queria que você dissesse pra gente as principais diferenças, a importância de você ter um comércio bem próximo de um centro de passagem que é uma estação de metrô.
R – É porque eu acho que o transeunte pra gente é muito importante porque o numero de gente que passa na frente do seu estabelecimento, às vezes o pessoal não quer nem tomar nada, mas às vezes eles passam, vêem um freezer da Kibon lá: “Vou chupar um sorvete”. Então, é quanto maior o número de pessoas é melhor. Porque sendo num centro comercial ainda é melhor, porque ele já tem onde comer, já tem onde tomar um lanche, já tem onde pegar sobremesa, já tem um banco perto. Quando é tudo muito perto é bom pro comerciante e é bom pra quem compra também, porque não precisa se deslocar até longe pra ir buscar. No horário de almoço tem tempo. Então, tudo isso não é bom pra quem compra e nem quem vende também, né?
P/2 – A escolha desse ponto foi pensada?
R – Foi, foi. A gente pegou ali mesmo por causa disso. Porque era mais perto e, mesmo assim, a gente pensou antes de pegar porque a gente pensou: “Mas será que como é na boca do terminal, será que um pouquinho mais pra cima alguém passa?”. Mas como é perto e a gente viu que ali pra cima tem muito escritório de contabilidade, dentistas, clinicas, então, tem muito comércio ali pra cima. Eu falei: “O pessoal vai se deslocar pra cá”, tem escolas, curso técnico. Então, a gente parou, analisou, fez pesquisa de mercado, ficamos, olhamos um dia sentado na esquina só olhando o movimento pra ver se passa bastante gente, como é que é, abordava o pessoal, “Olha, e se eu abrir um mercadinho aqui? Eu to pensando nesse ponto aqui, o que você acha?”, muita gente falava: “Ah, esse ponto aí deve estar azarado porque já entrou uns quatro, cinco comerciantes aí e saíram, né?”, “Não, mas e um mercadinho?”, “Um mercadinho será legal porque não tem, só tem lá pra cima ou lá em baixo, lá do outro lado, perto da Brás Leme”. Daí eu fui vendo que era isso mesmo, o pessoal necessitava não de mais um restaurante ou mais uma papelaria, eles precisavam disso, então, foi aí que a gente pensou e “Vamos tentar, né?”.
P/1 – E Marcelo, você tem funcionários? Quem trabalha no mercado hoje?
R – Então, a gente começou, eu, meu pai e minha mãe, né? Daí teve um amigo que ficou desempregado, ele ficou um bom tempo desempregado, mais de um ano desempregado, aí eu falei: “Oh, se você quiser dar uma força lá pra mim, meu, vamos lá, aí eu te ajudo e você me ajuda”, daí eu coloquei ele pra trabalhar. Ele ficou um tempo, mas eu falei: “Mas isso aqui é só, é como se fosse um bico, fica aqui porque você...”, ele sempre trabalhou com empresa de turismo. Então, é totalmente diferente. Quando ele era moleque, ele trabalhava em supermercado de empacoteiro, de repositor. Eu falei pra ele “Mas, vai mandando currículo, isso aqui não é vida pra você, entendeu? Eu trabalho aqui porque eu não tenho opção. Se eu tivesse opção de mandar um currículo pra uma empresa, pra uma multinacional, pra eu trabalhar de segunda a sexta... Poxa! Eu queria! Mas hoje o que eu tenho pra mim é mais valioso que isso daí, até porque eu já to hoje com 30 anos e se eu entrar no mercado de trabalho agora, mais difícil e tal”. Então, tem todo esse trâmite e tál, e eu falei pra ele: “E como você já tá habituado nesse ramo que você já trabalhou, ganha bem, não ganha mal, corre atrás disso daí, vai correndo atrás, enquanto isso, vai me ajudando. Um dia, se você precisar sair pra fazer entrevista, sai pra fazer a sua entrevista”. Aí ele ficou mais ou menos um ano que daí ele voltou pro antigo trabalho dele que ia precisar de mais gente pra trabalhar: “Ah, eu vou voltar pra lá, meu patrão me deu um aumento e tal”, eu falei “Pô, legal vai lá. Vai lá”, e agora eu to com o meu amigo, ele voltou do Japão também, né? E daí ele falou: “Pô, eu voltei do Japão, né? Mas eu não sei como tá o mercado de trabalho, não sei como é que é e tal”, aí eu falei: “Não, como aqui no Brasil a gente não pode chegar e dar as caras em qualquer coisa e de repente quebrar a cara”, vamos lá, a mesma coisa: a gente se ajuda. Agora é melhor ainda porque meu pai já tá com 63, 64 anos, então, ele tá muito cansado, depois de tudo isso, da perda da minha mãe, de tudo isso, ele tá desgastado, né? Então ele precisa dar um tempo pra ele, pra descansar, pra tirar, por mais que ele não queira, ele tem que descansar, né? Então eu falei pra ele: “Você trabalha até o fim do ano e depois eu toco, né?”. Como o meu amigo voltou do Japão, aí, ele só tá vendo esse negocio de documentação, tudo, aí ele vai entrar lá pra me ajudar. O irmão dele voltou agora também, então, se der certo, nós três juntos ali, trabalhando juntos, aí a gente vai seguindo do jeito que der. Assim meu pai já descansa, mais um descanso pro meu pai também. Daí a gente vai vendo a possibilidade de crescer, de abrir outros, de abrir outros horizontes. Mas por enquanto vai ser isso aí mesmo.
P/1 – E como é que é o horário de funcionamento, os dias que vocês abrem?
R – A gente tá abrindo agora de segunda a segunda, feriado, domingo. A gente só fecha quando é alguém próximo mesmo, assim, morre ou alguém fica internado. Fora isso, a gente trabalha de sol a sol e durante a semana de segunda a sexta. A gente costuma abrir sete horas e fechar às oito da noite e de sábado a gente abre às oito, oito e quinze no máximo, e fecha às oito horas. E de domingo a gente abre, eu abro mais tarde que eu não tenho tempo pra ir num dentista, não tenho tempo pra ir num, fazer alguma consulta médica. Meu dentista me atende só no domingo, então eu tenho que ir no domingo. Eu saio do dentista, vou e abro o mercado, vou às nove horas, nove e meia, mas porque meu pai como ele vai buscar mercadoria de domingo, então, já que vai ter que abrir, então, a gente já fica aqui, né? Já acordou, já fez tudo, então, vamos lá.
P/1 – E é você que sempre abre e que fecha?
R - Isso.
P/1 – E você trabalhou durante três anos lá no Japão, numa atividade industrial praticamente. Que você sente de diferença dessa atividade industrial pra uma atividade de comerciante? Quais são as vantagens e desvantagens?
R – Vantagem é que por mais que o esforço seja físico, é só o físico, você descansou, tá novo pro outro dia. Você pode dar risada, você não tem problema nenhum, você não tem, pelo menos eu nunca tive um chefe chato gritando na minha orelha, faz isso, faz aquilo. E no comércio já é diferente, quando você trabalha pra você, você lida com público, ninguém é igual a ninguém, então, tem pessoas que é super gente boa: “Ô, bom dia!” e tal tal tal, alegre, conversa, te passa uma energia boa e tem gente que já entra de mau-humor e você vai tentar atender bem e já leva um soco na cara. Então, isso tudo a cabeça vai guardando, né? Como você não pode descontar, é cliente, então você vai guardando, se vai guardando, se vai guardado, se você não tiver uma válvula de escape, acaba explodindo e não é legal, né? Então o ponto forte de você trabalhar numa indústria é que você tá livre disso daí. De um monte de cliente falar besteira pra você ouvir, coisas que você não precisa ouvir, tá sujeito. E o ponto fraco é que você trabalha muito o esforço físico, né? Porque lá a gente trabalhava muito e até a gente trabalhava uma semana de dia, uma semana à noite, então, quando a gente pegava no tranco do dia, pum! Já trocava o turno. A gente pegava no tranco à noite, trocava o turno de novo, então a gente nunca ficava acostumado com o turno. E aqui, a parte boa é que, no comércio, sempre tem essas pessoas boas que passam por cima das coisas ruins e sempre a gente tenta procurar uma válvula de escape, nem que seja sair numa sexta-feira pra tomar uma cerveja com os amigos, conversar, namorar. Tudo isso aí é uma válvula de escape que a gente adquiri. Fazer um esporte, jogar uma bola. Então, a gente já faz pra poder se livrar desse stress do dia-a-dia, né? Que é muito corrido, a gente não tem tempo pra nada, não tem tempo pra almoçar, não tem tempo pra ver a saúde, pra procurar alguma coisa, pra parar pra respirar. A vida de comerciante é muito corrida, mas a gente vai levando.
P/1 – E você tava falando desses funcionários que são seus amigos e tudo mais. Existe uma espécie de treinamento, você fala como? “Você atende assim, assado”? Como é que é?
R – Não. Não porque não tem segredo, né? Vai da pessoa, do carisma da pessoa, se a pessoa é carismática, ela vai atender bem, ela pode não saber a localização de produtos, como é que manuseia uma etiquetadora, alguma coisa, mas isso é coisa de você pegar e ir lá fuçar e aprender. Você pode chegar e falar assim: “Oh, é assim, assim, assado. A prateleira tem que estar assim, tem que limpar. Vamos fazer a limpeza, funciona assim, assim. E nunca xinga o cliente. Respeito acima de tudo”. E o resto não tem segredo, a gente, com o dia-a-dia, já vai vendo. Você vê um buraco na prateleira já vem na cabeça: “Ó precisa colocar mercadoria ali”, já vai ver no estoque. Então, é coisa básica, até porque não é um supermercado por em quanto. Mas é fácil, não é difícil não.
P/1 – E como é essa concorrência com os supermercados que estão ali perto?
R – Então, o supermercado a gente não tem uma concorrência direta porque quem compra mensal vai pro supermercado. A gente serve mais de step, faltou um açúcar? Pega aqui, já tá do lado. Então, se for subir até lá, buscar um açúcar, pegar mó fila e tal, ali é mais cômodo, é do lado, é só descer o elevador, só sair na rua, pega ali um açúcar, um café que tá faltando. Os escritórios também: “Ah! Eu não vou subir até o outro mercado, então eu já compro com você, você me faz um desconto se eu comprar com você pro escritório? Eu vou comprar bastante”, “Não, faço um desconto, vê o que você precisa e a gente faz um desconto pra você”. Assim a gente vai levando as compras do pessoal.
P/1 – Tá certo. E você tá há pouco tempo ali naquele ponto em Santana, mas você já consegue ver alguma transformação? Algum tipo de comércio que tá aparecendo muito na região ali, alguma coisa desse tipo?
R – Aparecimento de comércio ali, ultimamente não tem tido muito assim não, mas teve uma loja, uma inauguração de uma grande loja, a Torra. Torra, ali de roupas, cama, mesa e banho que ele pegou do lado do terminal só que é bem grande o estabelecimento. Só que dali pra cima ali, sempre tá abrindo bombonieres, salões de cabeleireiros, então, vira e mexe tá abrindo, tá subindo mais o comércio. Então, como era mais centralizado perto da estação, agora a gente percebe que já tá expandindo, acho que o pessoal já tá percebendo que o pessoal sai dali da estação, não fica ali na estação. Assim, como o pessoal vai se deslocar pros lugares, tem gente visando sempre algum ponto. Aparecendo, já tá querendo abrir outra coisa.
P/1 – Tá. E você comentou que esse comércio tá “subindo”, enfim, os pontos onde estes comércios se estabelecem geralmente são casas? São adaptadas ou estão construindo do nada? Como é que é?
R – Dizem que antigamente eram todas casas, mas com a evolução disso tudo, como ficou mais centralizado o comércio, o pessoal fez o quê? Levantou a casa, só que ou mora na parte de cima e aluga a parte de baixo, que serviria como garagem, ou já montam de um jeito pra deixar escritório em cima e já alugar a parte de baixo e já compram uma parte residencial em outra localidade, né? Ou num prédio próximo. Então o pessoal já, quem tem casa lá, não quer vender ou quando quer vender quer muito caro. O pessoal já tá visando essa parte aí de investimento próprio: “Vai. Vamos investir que a gente vai lucrar muito com o aluguel”. E sempre surgem comentários: “Vai desativar esse Campo de Marte aí, vão fazer o negocio do trem bala. Então, vamos dar uma segurada, não vende agora não a casa, espera, vai valorizar mais, vamos fazer um galpão aqui”. Então, você sempre escuta esse tipo de comentário de clientes mesmo que moram ali na região.
P/1 – E no entorno ali da Casa Verde, ali onde você mora, você vê grandes transformações, alguma coisa?
R – Então, ali eu não vejo, desde que eu moro ali eu não vejo grandes transformações não. Eu vejo no entorno. Ali na Casa Verde nem tanto, mas nos bairros vizinhos a gente vê, pelo menos na avenida principal ali, assim, que é a Engenheiro Caetano Álvares, a gente vê muita mudança. Desde melhoria em serviço público até o comércio, porque antes ali não tinha nada, hoje já tem atacadista, tem muitas lojas de veículos, tem barzinhos. Nossa! Restaurantes ali encheu. Então, hoje o pessoal mais jovem, a concentração ali é muito grande, mas ali pra parte mesmo do bairro ali não teve muita alteração não, pra dentro. Mais as casas que reformaram, a maioria das casas, assim. Mas de comércio não teve tanta mudança, assim.
P/1 – E você tava comentando da região de Santana mesmo, você mantém a loja, o mercado aberto até a noite, até às oito horas. Você percebe que tem uma movimentação noturna do comércio ali por perto? Ou é um comércio mais tradicional, que fecha às seis e à noite é mais vazio?
R – Então, o comércio ali, tem muitos comércios que vão até mais tarde, tem muitos bares ali que vão até mais tarde também. O pessoal ali às vezes de uma lanchonete, de algum lugar perto também, fecha o estabelecimento, vão tomar uma cervejinha no final do dia, mas pro meu tipo de comércio e ali pra aquela parte fica meio perigoso também. Então, às vezes, a gente pensa: “Vamos ganhar um pouquinho, mas também a gente corre o risco de perder tudo. Não precisa ganhar mais, a gente tá pagando as contas, tá conseguindo sobrar um pouquinho, tá bom, então, vamos fazer isso daqui, vamos trabalhar até esse horário que é o que dá, não junta tanta pessoa estranha”, porque ali tem muito, tem muitas casas noturnas, muito cabarezinho. Então, a concentração, pessoas ali noturnas, já começa a ficar meio esquisito, né? Começa a vir uma pessoa mais alcoolizada, tal. Assim, pra evitar qualquer tipo de problema a gente já fecha oito horas, que dali em diante só quem quer ficar nos barzinhos mesmo que passa, é difícil alguém chegar e “Ah, to precisando de um café”, oito horas, nove horas, entendeu? Ou sempre tem alguém que volta do serviço mais tarde, que mora muito longe, depois vai pegar o metrô, voltar, aí tem o sábado e o domingo que consegue fazer a compra, né? Então, pra gente não afeta em nada não também.
P/1 – Tá certo, agora eu vou voltar a falar um pouquinho de você. Você disse que trabalha de segunda a segunda, de manhã até de noite. E quando você não tá trabalhando, o que você gosta de fazer?
R – Nossa, cara. Sábado eu saio do mercado e vou jogar bola, aí eu jogo bola até umas dez horas. Aí dez horas a gente para, toma uma cervejinha, bate papo com os amigos e tal. Então eu saio, aí eu já ligo pra uns amigos, falo: “E aí? O que tem pra hoje, vamos fazer alguma coisa?”, aí um arruma um aniversario pra ir, sempre tem uma festa pra ir, sempre tem um ponto de encontro, uma balada que a gente sai pra poder aliviar um pouco o stress também. Então, no final de semana é mais corrido, eu fico mais destruído, mais por causa disso, né? Porque eu sei que eu tenho que ter um tempo pra mim, um tempo pra me divertir, um tempo pra eu fazer as coisas que eu gosto de fazer. Se eu não fizer isso daí eu acho que acabo ficando louco, porque a vida do comerciante é corrida. Então, a gente não tem essa válvula de escape. Quem não tem acaba ficando estressado por qualquer coisa e se eu deixar de fazer essas coisas, de ver meus amigos, de tomar cervejinha, de namorar, de fazer alguma coisa, aí já embaralha a cabeça, já só vem problema na cabeça. Não dá muito certo não.
P/1 – E você gosta de fazer compras?
R – Não (risos). Não. Não gosto, cara, porque... Não é que eu não gosto, não tenho paciência pra ficar escolhendo, pra ficar entrando em loja. Esses dias a gente foi em Vinhedo, num outlet comprar roupa, assim. Só que tudo muito cheio, você vai pedir um atendimento às vezes tem pouca pessoa pra atender, o público é muito grande, então, você perde tempo. Eu já vou “Ah, esse aqui serviu? Pum! Vou comprar, acabou.” Então, eu vou com aquilo na cabeça. Eu passo na porta da loja: eu vi, gostei, provei, tchau! Não fico perdendo tempo. “Ah, eu preciso de arroz”, eu vou no mercado, pego e acabou. Não tem problema.
P/1 – E descreve pra mim como é o seu dia-a-dia? Que horas você acorda? Como você vai pra loja?
R – Bom, vamos lá: eu acordo cinco e meia, mais ou menos. Aí eu levanto só, escovo os dentes, vou no banheiro e já saio pra trabalhar. Aí a gente fica até às oito, a gente fecha o estabelecimento, pega o carro, volta pra casa. Como a minha mãe não tá mais com a gente, eu me encarrego de todo resto. Eu chego, já separo o lixo que tem que tirar, já preparo a comida, o arroz, já deixo feijão no fogo, tudo no fogo. Como eu já deixo um dia antes a roupa pra bater, já estendo a roupa, já tiro a que tava no varal, já dobro certinho separado a do me pai, a minha. Aí depois enquanto o feijão vai fazendo, eu já tomo banho, já saio, tá tudo pronto. Aí eu e meu pai já jantamos, pra não acumular sujeira eu já lavo tudo, já deixo ali pra secar tudo certinho. Então meu pai fica assistindo um pouco do noticiário e não dá tempo mais pra nada, só dá tempo de eu ligar a TV, dormir com a TV ligada porque nem pra assistir a televisão não dá tempo.
P/1 – Tá certo. E a administração do mercadinho sempre foi familiar. Você tem de repente a pretensão de ter algum sócio, uma coisa assim?
R – Sócio eu não digo ali, mas como eu te falei, a gente tá, to pensando em... Tô enxergando outros horizontes ali mesmo naquela região, então, nem que seja um outro tipo de comércio em um outro ramo de atividade, mas mesmo ali assim. Então, eu to estudando isso aí, vendo, tidas as possibilidades, conversando direto com o pessoal que tem o salão pra alugar. A gente tá tentando correr pra outro lado, né? Até porque eu queria tirar um dia de folga, fazer um outro tipo de coisa. Eu sei que se eu continuar desse jeito eu não chego nem na idade do meu pai, entendeu? Então mais por causa disso mesmo, mais por qualidade de vida, pra poder tentar levantar um pouco mais verba durante a semana e ter o final de semana disponível, ir viajar, ir fazer alguma coisa. Porque feriado, tem feriado que vende, então a gente não pode fechar e gera muitas outras coisas. Eu tenho dividas ainda, dividas até com o hospital da minha mãe. E por mais que ela ficou internada um dia, foi uma cacetada. Mas a gente tá correndo atrás de tudo isso, quando estabilizar tudo isso e eu conseguir correr atrás desse outro negócio, outra oportunidade, aí sim eu creio que eu vou conseguir fechar o olho e dormir tranquilo e acordar meio dia!
P/1 – E qual você acha que foi a maior lição que você conseguiu tirar da atividade comercial?
R – Olha, comercial... Aprendizado no comércio, eu não tirei muita lição não. Pra mim é tudo igual, assim, mas o que eu mais aprendi foi com as pessoas, assim, que ninguém é igual a ninguém mesmo! Mesmo assim, o gênio da pessoa, o carisma da pessoa pra atender, pra você lidar com um tipo de problema, hoje tem gente que vai pro mercado, vai lá e não tem nada pra comprar, mas vai desabafar de um problema e compra um refrigerante. Acaba comprando alguma coisa, para bater um papo. Mas sempre acaba gastando, entendeu? Mais é lição de vida mesmo, né? Que eu absorvi foi mais a lição de vida, tanto da minha mãe que sempre foi batalhadora, guerreira, e dos clientes que passam os problemas, não seguram. Eu tenho esse fardo pra carregar, vamos carregar junto comigo. Então, vai lá, desabafa um pouco, chora um pouco. É mais a lição de vida mesmo que fica.
P/1 – E a sua irmã nunca chegou trabalhar com vocês?
R – Não, não, não. Minha irmã sempre foi meio paralela assim, meu pai sempre, como ela nunca teve amigos assim, de verdade, ela sempre foi muito fechada, desde pequena, então, ela sempre se dedicou aos estudos desde pequenininha. Ela sempre fez curso de inglês, espanhol, russo, francês, então, hoje ela tá bem, ela trabalha numa industria farmacêutica multinacional. Hoje ela não mora mais com a gente, tá morando fora. Tudo isso daí meu pai conseguiu investir porque ela é mais velha, então, ele tinha condição de investir. Ele investiu e hoje ele tem esse retorno dela ter conquistado as coisas dela hoje, paralelo ao comércio que agente tem, né?
P/1 – E a atividade de comerciante, é uma atividade que você indicaria pra alguém que você gosta muito?
R – Não. O que eu indicaria é: “Estuda, estuda bastante. O mercado de trabalho não é tão concorrido como todo mundo fala. Tudo é concorrido, mas depende de cada um, se o cara tem força de vontade, se o cara quer, ele consegue. Acho que todo ser humano é capaz só tem que correr atrás”, só isso.
P/1 – Você tava comentando dos seus projetos, eu gostaria de saber qual o seu maior sonho pro futuro, assim?
R – Eu hoje não sou um cara que pensa muito no futuro, assim, eu penso muito no hoje até por causa da minha mãe. Ela pensava muito no futuro, pensava muito nas coisas, meu pai pensa muito no futuro e ele esquece dele hoje, entendeu? Ele não sabe se vai acordar amanhã, mas ele pensa amanhã, ele quer deixar o comércio pra mim, ele quer deixar. Eu sei que é uma preocupação de pai, mas eu falei pra ele, eu falei: “Pai, você já tá com 64 anos, você já trabalhou, você já fez tudo que tinha que fazer. Você encaminhou seu filho pra um lado bom, você direcionou bem seu filho, sua filha, então! Pensa na sua saúde”. Hoje ele tem diabetes, não cuida, então: “Pensa mais em você, vai fazer as coisas que você gosta”. Aí ele sempre cai no conceito que quando a minha mãe tava viva ele não fez, vai fazer agora que ela morreu? Você entendeu? Então é difícil, então eu falo, eu não impeço ele de ir pro mercado, eu não pego o braço dele e deixo ele em casa porque daí ele começa a ficar triste, começa a lembrar da minha mãe. Então, é meio ruim a situação, assim, do meu pai.
P/1 – E Marcelo, o que você achou de ter participado dessa entrevista? Falado um pouquinho da sua atividade?
R – Ah! Eu achei super legal, super bacana até por vocês estarem levantando esse tipo de assunto porque muita gente nem sabe, nem conhece como nasceu, o que é um comércio de bairro, sendo as diferenças de estar próximo de uma estação, de estar longe de uma estação, de ser um centro comercial, de estar fora. Então, através de depoimentos que a gente colhe informações também, né? Então se todo mundo pensasse assim e fosse dar um depoimento, falasse as dificuldades que passou ou as dificuldades que tão por vir que enxerga pra frente, as possibilidades que tem, então, muita gente ia querer arriscar mesmo sabendo das coisas ruins e muita gente pelo contrário: “Ah, não! Vou estudar!”, entendeu?
P/1 – Tá certo e tem alguma coisa que a gente não perguntou que você gostaria de falar?
R – Não, não, acho que era... Eu não sou muito bom de lembrar as coisas sem me perguntarem (risos).
P/1 – Então tá certo. Em nome do SESC e do Museu da Pessoa, agradeço muito a sua participação.
R – Eu que agradeço.
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