P/1 – Primeiro, bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Gostaria de agradecer você ter aceitado o convite pra esta entrevista.
R – O prazer é meu. A gente vai falar de Ilhabela, é sempre bom falar de Ilhabela.
P/1 – Então, pra gente começar eu queria que você falasse pra gente o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Antonio Luiz Colucci. Eu nasci na cidade de São Paulo, no bairro da Lapa, em 23 de junho de 1961.
P/1 – Fala pra gente o nome dos seus pais.
R – Meu pai, Pasquale Colucci, e minha mãe, Altamira de Castro Vieira Colucci.
P/1 – Pelo sobrenome já dá pra imaginar, mas conta um pouquinho da origem da sua família, o que você sabe da origem deles?
R – Bom, meu pai é um dos sete filhos de uma família italiana, todos nascidos no Sul da Itália. Dos sete irmãos, o único que migrou logo depois da Segunda Guerra Mundial foi meu pai, que veio para o Brasil. A princípio veio pra Bragança Paulista (SP), tinha um tio e depois se radicou em São Paulo (SP), foi comerciante, teve uma tabacaria no Mercado da Lapa onde trabalhou por 35 anos com tabaco, com fumo, entre a tabacaria do Mercado da Lapa e a tabacaria da Rua Trajano. Minha mãe é portuguesa, nasceu no Porto numa família menor, eram duas irmãs. Minha mãe imigrou pro Brasil também logo depois da Segunda Guerra Mundial e aqui ela conheceu meu pai. Casaram-se em 1959, tiveram três filhos, eu sou o mais velho. Eu tenho uma irmã viva, que é a Heloísa, a do meio, e a minha irmã mais nova faleceu. É uma família pequena aqui no Brasil. Meu pai foi o único que veio para o Brasil, a minha mãe também, então a família é esse núcleo só. A gente não tem uma família grande, a família está toda na Itália, a grande parte, e uma pequena parte em Portugal, eu tenho ainda alguns primos vivos em Portugal, duas tias vivas na Itália e muitos primos.
P/1 – Conta pra gente então dessa infância na Lapa, o que você se lembra de quando era pequeno? Como é que era a sua casa?
R – Pois é. Infância menor eu lembro muito pouco, a gente nasceu ali na Rua Guaricanga, num sobradinho pequenininho, a propriedade ainda é nossa, hoje quem mora lá é minha irmã. A gente dali mudou pra Rua Guaipá, ali já na parte mais da Vila Leopoldina, ainda Lapa, esse já me lembro mais um pouco. Eu estudava na época no Reynaldo Porchat, convivi ali com os vizinhos, mas aos sete anos nós mudamos pra Rua Guararapes, que é onde eu me criei mesmo, né? Estava ingressando no primeiro ano do grupo da Escola Reynaldo Porchat, que é pertinho. A gente cresceu ali naquele núcleo da Lapa, bairro tranquilo a City Lapa, a gente jogava bola na rua. Eu lembro que a gente podia fechar a rua, a gente fazia campeonatos entre as ruas, cada rua tem um time de futebol. Enfim, a gente tratava daquilo ali como se fosse o nosso clube, né, era muito bacana. Aliás é bacana até hoje, até porque hoje quem mora naquela casa são os meus filhos que estão na faculdade, então a infância, a maior parte da vida de São Paulo foi feita ali naquele espaço City Lapa, a gente, como eu disse pra você, estudava no Reynaldo Porchat, frequentava o Pelezão, então os amigos de infância estão todos naquele pedaço.
P/1 – Conta o que você se lembra das tabacarias do seu pai. Tem um cheiro que lembre ou uma disposição, alguma coisa que te lembre daqueles espaços?
R – Lógico, eu ajudava meu pai na tabacaria, então, o cheiro do fumo que era muito forte, eu aprendi a fumar com ele, o meu pai, inclusive ajudando ele quando ia fazer compra... Ele comprava fumo em corda muitas vezes, aliás, o que mais vendia era fumo em corda. Então o bacana é que a compra, as pessoas levavam a produção lá, a maioria delas quando vinha do Nordeste, de Arapiraca (AL), de Araçá. A gente também viajava muito pro interior, pra Bragança [Paulista], pra Socorro (SP), região produtora de fumo. Então eu lembro do cheiro forte que era abrir a loja de manhã, quando você entrava na loja era de ficar tonto, porque passava a noite inteira naquele calor, com o fumo, na verdade, cozinhando. É uma coisa interessante e que guardou no cérebro uma lembrança muito forte. O cigarro, o fumo, criou a nossa família, meu pai vivia essencialmente disso. E hoje a gente quando encontra alguém na rua fumando um cigarro de palha ainda lembra muito dele, né? Embora ele tenha parado de fumar, meu pai foi uma pessoa que parou de fumar quando teve um problema de saúde e o médico perguntou pra ele se ele tinha netos, ele falou que sim, e se ele queria ver o neto dele crescer. Meu pai falou que sim. Na porta do médico, ele jogou o cigarro fora e nunca mais fumou. Uma pessoa que viveu do fumo e com isso ensinou a gente um bocado de coisas, né, quando você quer, você faz. Então, o fumo é uma lembrança muito forte da minha infância, da minha adolescência e da minha vida.
P/1 – E como era pra você ser o mais velho da casa? O menino, depois duas meninas.
R – É, eu sempre fui muito cobrado, lógico. Primeiro que a gente ajudava meu pai desde o início, minha mãe. Em casa, todo mundo tinha tarefa. A casa grande da Rua Guararapes, minha mãe tinha faxineira que vinha lá uma vez por semana, um vez a cada 15 dias, as tarefas do lar todo mundo tinha um pedacinho dela. Eu lembro que cuidar dos cachorros e limpar quintal eram tarefas minhas. Cortar grama. A gente ajudava meu pai quando precisava na tabacaria, cuidar das irmãs. A minha mãe sempre me cobrou muito desde o início. Eu aprendi muito com ela, ela cobrando me botou responsabilidade. Bacana, eu acho que foi um aprendizado, minha mãe nos preparou para o mundo e me fez ser o responsável pelas irmãs, defendê-las, me passou muitas tarefas. Eu lembro que com 12 anos eu aprendi a dirigir, quando precisava dirigir na correria era eu que fazia isso. Ela tinha carta mas era eu que ela me empurrava e falava: “Estamos precisando fazer alguma coisa assim”, era eu que tinha que pegar o carro e sair. Lógico que não com 12 [anos], mas com 15 com certeza, precisava ir lá na Avenida Paulista não sei em que lugar e precisava ir dirigindo, eu que dirigia, ela ia do lado com a carteira e eu que dirigia o carro, era uma obrigação de assumir responsabilidade. Eu lembro que no quarto ano da escola uma professora lá nas tantas achou que eu tinha que fazer um tratamento psicológico. Então achou uma psicóloga naquela época, uma psicopedagoga imagino eu, e ela estava lá na [Avenida] Brigadeiro Luís Antonio. Minha mãe foi uma vez comigo lá, me mostrou o caminho e depois tinha que ir lá sozinho. Doze, treze anos tinha que pegar o ônibus na Lapa, trocar de ônibus não sei onde e ir pra lá. Ela punha responsabilidade, isso aí desde o início foi assim minha vida.
P/1 – Eu estava perguntando da sua brincadeira favorita. Você tinha a bola que você contou, mas o que você gostava de brincar?
R – Futebol, lógico, como todo brasileiro, e bicicleta, as duas coisas que eu gostava muito, eram as práticas esportivas que reuniam o grupo. Eu lembro que como eu disse a gente tinha campeonatos na rua, fechava a rua e corrida de bicicleta. A gente tinha competições ali no bairro, corrida complicada em volta de uma pracinha, botava 200 bicicletas correndo em volta da pracinha só pra dar confusão, acidente, caía. Carrinho de rolimã também, mas era menos, bicicleta era mais, competições maiores que a gente fazia, corrida de um bairro ao outro, tudo organizado por nós mesmos, então a gente juntava a turma, decidia lá o regulamento e saía a brincadeira e a corrida, né? Então era bacana. E as disputas entre as ruas, entre os bairros, tudo organizado por nós mesmos, não tinha participação de prefeitura, de secretaria nenhuma de esportes, era a turma que organizava e saía a competição.
P/1 – E aí você contou um pouquinho do começo da escola, da professora da quarta série. Conta pra gente como é que foi a sua trajetória escolar, o que você se lembra desse período de escola que ficou bem marcado.
R – Pois é, eu estudei no Reynaldo Porchat da primeira série, da pré-escola, até o final do ginásio, hoje o ciclo básico, são nove anos hoje de novo, né? Então todos eles feitos no Reynaldo Porchat colado no Pelezão. O Pelezão é o maior clube da Zona Oeste de São Paulo, clube público municipal, então a gente vivia o Pelé, fazia o dia a dia, piscina no Pelé, campo no Pelé, quadra no Pelé, matava aula pra ir pro Pelé, pulava o muro. Quando era suspenso, ia pro Pelé e não avisava a mãe que estava suspenso. A nossa vida foi muito em função ali do Pelezão no Alto da Lapa, ali na City Lapa, e do Reynaldo Porchat. Quando chegou no final do ginásio na época, eu fui fazer colegial no Oswaldo Cruz, minha ideia era ser engenheiro, fazer Engenharia Elétrica e fui fazer Técnico em Eletrônica e Eletrotécnica lá no Oswaldo Cruz. Já uma mudança radical, sair de uma escola onde todo mundo conhecia você, conhecia a sua mãe, conhecia suas irmãs, conhecia o pai, para uma escola que ninguém conhecia ninguém. Meu pai nunca foi lá, nem minha mãe. Eles pagavam a mensalidade, o boleto da escola, queriam saber no final do ano se você tinha passado, então a responsabilidade era sua. E falava assim: “Estou pagando, você se vira lá e faz o que você quer, se é o que você quer, ser engenheiro, fazer engenharia elétrica, eletrônica”, naquela época, não tinha muito definido qual era o segmento da engenharia que eu queria. Lá foram três anos em uma escola totalmente diferente, amigos de diversas partes da cidade, era no centro de São Paulo, na Avenida Angélica, ali do ladinho da Marechal Rondon. Naquela época, não tinha metrô, era de ônibus, tinha que acordar cedinho, sair de ônibus seis horas da manhã da Lapa pra chegar lá às sete, a aula começava às sete. Era uma vida diferente, já de responsabilidades e foram três anos lá. E descobri que Engenharia era bacana, elétrica era bacana, mas não me satisfez. Eu me lembrava que eu falava assim: “Nossa, nessa escola só tem homem, tá louco! Esse negócio de ter só colega homem não dá, não, eu vou mudar de vida, vou fazer Odontologia”. E me decidi por mudar de área, mudar da Exatas pra Biológicas e fui fazer cursinho. Eu e mais um amigo lá do mesmo curso, era o Alexandre, era quase um irmão pra mim. A gente resolveu fazer cursinho juntos e os dois deixaram de querer ser engenheiros pra serem dentistas, então foi uma experiência diferente.
P/1 – Então pode falar da Odonto, de deixar a Engenharia, fazer o cursinho e ingressar na faculdade.
R – Essa decisão de mudar de Exatas pra Biológicas foi uma decisão radical. Imagina, a gente faz três anos de curso técnico, onde você prioriza as matérias da Exatas, Física, Química, Matemática e, de repente, você vai fazer Biologia. Então um ano de cursinho, eu sempre digo que foi o ano na minha vida que eu mais estudei, talvez, é radical eu falar que é o único ano na minha vida que eu estudei, mas foi o único ano da minha vida que eu tive o estudo como prioridade. Eu tinha que aprender o que eu não tinha aprendido em três anos, eu sabia disso. O meu pai falou: “Olha, eu vou pagar um ano de cursinho, o segundo ano você vai ter, se não passar, se virar por sua conta”. Meu pai era duro, né? Então eu decidi pelo Universitário, fui fazer Universitário ali na Praça 14 Bis ali no Bixiga e foi um ano de muito estudo, onde eu larguei tudo o que eu fazia, namorada, esporte, a prioridade era estudo. E valeu, né, porque eu prestei o vestibular no final do ano, as cinco faculdades que eu prestei, eu passei, todas elas. Eu estava em dúvida ainda, tinha prestado faculdade de Medicina na PUC Campinas [Pontifícia Universidade Católica de Campinas], passei na PUC Campinas Medicina, passei na PUC de Campinas pra Odontologia, na [Universidade de] Santo Amaro, passei em Bragança e passei em São José dos Campos, na Unesp [Universidade Estadual de São Paulo]. Naquela época, a Fuvest [Fundação Universitária para o Vestibular] reunia todas as faculdades públicas, então USP [Universidade de São Paulo], Unicamp [Universidade Estadual de Campinas] e Unesp era um vestibular só, você tinha que optar naquele ano por uma delas, não tinha chance de fazer duas ou três, era uma delas. E a gente escolheu São José dos Campos (SP), eu digo a gente porque era um grupo de pessoas já fazendo o cursinho, todo mundo querendo fazer Odontologia e a gente queria uma boa faculdade, mas mais do que isso, a gente queria uma faculdade perto da praia, que fosse perto de casa, que quando desse podia ir pro Rio [de Janeiro] e quando fizesse frio ia pra Campos de Jordão (SP). Então não tinha lugar mais perfeito do que São José dos Campos, 100 quilômetros de São Paulo, 300 do Rio de Janeiro, 100 de Campos de Jordão e 100 de Caraguá [Caraguatatuba] (SP), pô, é lá que nós vamos fazer a faculdade. Estava todo mundo pensando já na parte “b” da faculdade, que era divertimento. Os dez do grupo, todos prestamos pra São José dos Campos e só eu passei, ninguém passou, cada um foi parar em um lugar. Eu, como eu disse pra vocês agora, passei nas cinco, estudei muito. Eu sempre digo que foi o único ano da minha vida que eu vi a educação como prioridade. Eu fui pra São José dos Campos sem imaginar o que eu ia ver pela frente. Eu olhei no mapa, cheguei na rodoviária e fui procurar qual era a empresa de ônibus que ia pra lá. Meu pai me deu uma grana e falou: “Tó, se vira e vai fazer”, eu já tinha me inscrito numa faculdade particular que tinha saído antes a chamada, fui na PUC e fiz a inscrição, quase fui fazer Medicina, mas aí era paga, o curso era fora de São Paulo e pago, aí já ficava pesada, não dava, pra fazer um curso pago tinha que ser em São Paulo, não dava pra ir pra fora. E a Odontologia na Unesp era pública, então eu fui pra Campinas, fiz a matrícula, antes eu fui no ABC [região industrial de SP que compreende as cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano] e fiz a matrícula, depois saiu Campinas (SP) e eu fiz a matrícula e depois saiu São José dos Campos e saiu a matrícula. E acabei optando por São José porque era pública, da Unesp, e foi lá que eu fiz quatro anos de faculdade e hoje dentista sou, graças a essa universidade que me deu essa oportunidade.
P/1 – E conta como é que foi o final da faculdade, o ingresso na carreira profissional.
R – Bom, quatro anos de Odontologia no tempo integral, uma cidade que pra mim era nova, mas uma cidade tranquila. Em [19]80, quando eu cheguei em São José dos Campos, era uma cidade do interior, não era o que é hoje, 35 anos depois, ela é bem diferente. Naquela época, eu lembro que a gente dormia na república de porta aberta, ninguém passava chave. Viajava no final de semana ninguém fechava a república. Enfim, eu cheguei em São José dos Campos sem saber nem onde era São José, fui até a faculdade pegando ônibus. Uma surpresa, recebido com o trote naquela época, corta cabelo, aquelas coisas, coisa de sempre. A primeira semana foi difícil, estava em dúvida, mas com 20 dias já estava enturmado, tinha feito parte do movimento estudantil na época do colegial, do ensino médio, de forma muito discreta, lá na faculdade eu já me envolvi no centro acadêmico, fui logo de início puxado pra dentro do Centro Acadêmico 25 de março, fui presidente do centro acadêmico três anos consecutivos, comecei a ganhar eleição lá. Engraçado, foi bacana porque na primeira eleição foi uma chapa única, as outras duas e a minha sucessão já foram com disputa, enfrentando oposição. E ali eu comecei a entender um pouquinho da política, política estudantil. Fui presidente do Diretório Central dos Estudantes da Unesp, fui da União Estadual dos Estudantes, conheci o Aldo Rebelo naquela época, presidente da UNE, me envolvi no Partido Comunista naquela época. Quem é que é o aluno que é de centro acadêmico e que não faz parte do Partido Comunista? Antigo PCBão, não PC do B, PCB mesmo. Convergência socialista, então a gente começou a fazer política, a gente eu digo os companheiros, e esse envolvimento me levou pra trabalhar logo que me formei, me formei no final de [19]83, me levou pra trabalhar no serviço público. Eu me formei dentista, a faculdade naquela época era uma faculdade, até hoje é uma das melhores do Brasil, uma faculdade de poucos alunos, uma formação clínica muito forte, naquela época pouco se falava de Odontologia Social, não tinha Constituição ainda, vamos lembrar, a Constituição era diferente. Não tinha Sistema Único de Saúde também, então a gente não falava em direitos de saúde, era uma Odontologia mesmo privada, pra fazer consultório. E a gente se formava bem, saía de lá com uma base boa, todos os companheiros montaram consultório, muitos pacientes. A Odontologia dava dinheiro ainda, não tanto quanto na década de 70 mas ainda era uma boa profissão. É lógico, a gente pegou aquela época da dificuldade econômica do Brasil, aquelas mudanças todas saindo do regime da ditadura para a democracia, então pegamos lá o [João] Figueiredo, presidente na época. Imagina, passar do Figueiredo e eleger o Tancredo [Neves]. Você imagina que não foi uma coisa tranquila pra gente, né? Mas eu fui fazer Odontologia, montei um consultório e ao mesmo tempo fui trabalhar na Prefeitura de Osasco (SP). E lá foram os primeiros passos da vida política mesmo.
PAUSA
R – Então assim, eu estava dizendo da...
P/1 – Da entrada em Osasco.
R – Da minha opção por também fazer Odontologia na área social, na área pública. Então essa minha participação no Partido Comunista me levou pra Osasco em [19]84 já, com um ano de formado. Na época, no movimento estudantil conheci um médico, que era o Gabriel Figueiredo. O Gabriel foi candidato a prefeito de Osasco. Naquela época o MDB [Movimento Democrático Brasileiro] contra o Arena [Aliança Renovadora Nacional] tinha a subdivisão, então não eram vários partidos, eram dois partidos só e tinha o MDB 1, 2 e 3 e Arena 1, 2 e 3. E no MDB 3 estava o Partido Comunista em Osasco e o Gabriel foi candidato. E eu lembro que o Arena lançou o [Francisco] Rossi, era o Rossi contra três do MDB. E ganhou-se a eleição lá, o Gabriel foi o menos votado dos três, mas os votos do Gabriel foram importantes pra eleição do Humberto Carlos, que era o MDB 1. E nessa divisão de força lá em Osasco o Partido Comunista, o MDB 3 ficou com a Secretaria de Saúde no espaço da Administração e a Secretaria de Ação Social, áreas afetas ao Gabriel. E o Gabriel me convidou para ir trabalhar como dentista lá em Osasco. E aí definitivamente eu me envolvi na Odontologia Social. Eu prestei vestibular da USP pra fazer Saúde Pública, passei, foram dois anos fazendo Saúde Pública na USP e aí eu me envolvi na política nacional. Fazia parte do Partido Comunista, o Parro depois foi deputado, migrou pro PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira]. Não é que migrou, fundou o PSDB, naquela época alguns do Partido Comunista ficaram no Partido Comunista, um dos líderes nosso era o Goldman, que depois foi vice-governador e governador, o Aloysio Nunes que hoje é senador pelo PSDB também fazia parte do Partido Comunista, então eram várias pessoas na época que estão até hoje aí na política nacional. O Almino Afonso, o [André Franco] Montoro que é a maior liderança nossa, Mario Covas, o Fernando Henrique [Cardoso]. O Parro fazia parte desse grupo, o Gabriel. O Gabriel nunca mais disputou eleição, ele acabou ficando mesmo na Medicina, depois ele foi fazer Psiquiatria. O Gabriel é um grande amigo. O irmão dele, que é o Valter, que era um cara mais próximo a mim virou prefeito, foi prefeito no interior de São Paulo, um mandato só também e nunca mais se envolveu na política. E eu, que estou até hoje aí na batalha, acho que daquela turma do Partidão lá fui eu que sobrei (risos) desse time todo aí. E é engraçado a gente olhar pra trás e ver toda essa história, a participação no movimento estudantil, a participação no “Diretas Já”, com o Montoro liderando a Faculdade de Saúde Pública. Eu lembro da participação nossa na construção desse programa desse Sistema Único de Saúde, a gente estava na USP na época e todos nós fizemos parte dessa construção da Constituição Cidadã de [19]88 e a de São Paulo de [19]89, criando lá os direitos. Hoje uma Constituição que dá muitos direitos à sociedade e a gente fica procurando como atender a todos esses direitos num país que ainda é de terceiro mundo. Não é fácil, não. A gente participou de tudo isso, eu participei de tudo isso. O movimento estudantil, a saúde, esse movimento da saúde, depois fazer parte desse grupo, ter feito Saúde Pública acabou abrindo portas até vir para em Ilhabela (SP), né? Porque foi na faculdade de Odontologia que eu conheci a Lúcia, depois eu prestei um concurso, vários concursos, eu era rato de concurso, eu prestei concurso na prefeitura de São Paulo, passei como dentista lá, depois prestei concurso na prefeitura de Campinas, passei lá também, prestei concurso na Polícia Militar de São Paulo e fui também aprovado e acabei optando por ingressar na Polícia Militar como dentista por um grande acaso, daquelas coisas que você nem entende, até porque eu quase abandonei o concurso da Polícia Militar nos exames médicos porque eu não me enxergava oficial da Polícia Militar, até porque a Polícia Militar era grande adversário nosso no movimento. Imagina só, a gente apanhava da Polícia Militar. Eu lembro que em [19]83 eu era Presidente do Diretório Central de Estudantes da Unesp e tomamos uma surra grande da polícia militar, do [Paulo] Maluf, lá na Fatec, lá em frente ao QG [quartel general] da Polícia Militar ali na travessa da Avenida Tiradentes. Então, imagina, de repente passei no concurso da Polícia Militar em primeiro lugar, aí me chamaram pra trabalhar em um lugar perto de casa, ganhando duas vezes e meia o que eu ganhava na prefeitura, meio período, dava pra conciliar com consultório. Eu falei: “Meu Deus, vou ou não vou, vou ou não vou”, acabei indo por uma questão de grana, por uma questão, naquela época, a gente tinha acabado de perder a eleição em São Paulo pro Jânio Quadros, o Fernando Henrique era candidato a sucessão do Mario Covas, o pessoal do Jânio Quadros tinha me transferido pra trabalhar em outro lugar. Naquela época já estava trabalhando na Prefeitura de São Paulo, então tudo aconteceu muito rápido naquela época e eu acabei virando oficial da Polícia Militar, dentista da Polícia Militar. E há a possibilidade vir trabalhar aqui no litoral. Então comecei conversando com o comandante, falando que a Polícia Militar aqui no litoral não tinha ninguém da Saúde, era um batalhão pequeno, mas era um batalhão importante, o Vigésimo. E em [19]90, eu vim parar aqui em São Sebastião (SP). Foi aí que eu casei com a Lúcia, ela morava aqui em Ilhabela e eu falei: “Bom, eu vou para o litoral, mas eu vou ser dentista lá, consultório em São Paulo ainda, ficava um pouco aqui, um pouco lá, mas eu vou pra ser prefeito de Ilhabela, eu quero ser prefeito em Ilhabela, eu vou pra lá pra fazer política e ser prefeito de Ilhabela”. E deu certo, né, estou hoje prefeito. Passou rápido, né?
P/1 – Eu queria que você contasse então o que você se lembra da primeira vez que atravessou essa balsa. O que você viu, sentiu, o que tocou?
R – Foi bem antes. Eu atravessei a balsa em 1980. Lúcia já era namorada, primeiro ano da faculdade, eu peguei minha moto em São José dos Campos, eu tinha uma moto, e falei: “Vou dar um pulo em Ilhabela”. Naquela época, a [rodovia dos] Tamoios era pista única mas com pouco movimento, eu não tinha carteira de moto, eu tinha carteira só de carro. Eu falei: “Meu Deus, vou pegar essa estrada e se me pararem?”. Eu vim na malandragem, naquela época colava atrás de um ônibus pra quando chegasse perto do posto de polícia a polícia rodoviária não te enxergar, né? Eram poucas motos na estrada naquela época, era certo, se passasse de moto de cara com o policial ia parar você, então você tinha que ser malandro, esperava, encostava um pouco antes do posto de guarda, tinha a placa lá, esperava um ônibus ou um caminhão passar na frente, você vinha atrás, quando passava pelo posto de polícia você já tinha passado e o policial não te via. Eu vim parar aqui em [19]80, em dezembro, acho que um pouco antes do Natal. Foi interessante porque eu não conhecia esse lado do interior de São Paulo. Meu pai teve casa de praia lá em Praia Grande (SP), tinha um apartamento lá, então eu conhecia a Praia Grande, conhecia muito o Guarujá (SP) que a gente ia muito na época pro Guarujá porque tinha um amigo que tinha uma casa lá, mas eu não conhecia o litoral norte, não conhecia Caraguatatuba, muito menos São Sebastião e Ilhabela, nem sabia que Ilhabela existia no mapa. Vim conhecer Ilhabela por causa da Lúcia, atravessei pra cá em 80. E lógico, isso aqui é apaixonante, quem é que não vai gostar de ver? Tudo bem que é parado, é uma vida diferente da de São Paulo, é diferente de São José dos Campos, de Osasco, daquela correria toda, mas é uma vida bacana, né? E conheci a família da Lúcia em 80 e depois nunca mais deixei de vir pra cá porque a gente namorou dez anos, namorei de 80 a 90, então, nesses dez anos de namoro eram muitas vindas pra Ilhabela, a maioria delas de moto, depois de carro. A balsa era diferente, era divertida a travessia da balsa. Essa foi uma experiência bacana. E quando passei a morar, comecei a construir uma casa aqui lá em 85, 86, que a ideia era ter uma casa pra passar final de semana. E de repente quando veio a opção de casar com a Lúcia e de morar em Ilhabela aquela casa que estava sendo construída pra ser casa de veraneio, de passeio, virou a ideia de morar na casa, ser casa de moradia. Eu tinha um apartamento que eu estava em vias de receber da construtora, vendi o apartamento, coloquei o dinheiro todo na casa pra acabar a casa, troquei de carro, essas coisas assim e em 90 casei, vim trabalhar aqui no Batalhão em São Sebastião, o Vigésimo na época, então ficava a metade da semana aqui em São Sebastião e a metade da semana em São Paulo no consultório, tocava as duas coisas. Então era um sobe e desce na Tamoios frenético, era rara a semana que eu não subia duas, três vezes e não descia duas, três vezes. Conhecia a Tamoios melhor do que qualquer pessoa.
P/1 – E o que te fez ficar aqui? Uma coisa é conhecer, tal, vir algumas vezes.
R – Olha, naquela época São Paulo já não era fácil, né? O dia a dia em São Paulo era estressante, estava cansado, aquela correria toda, algumas decepções na política. Eu te disse, talvez a maior decepção na minha vida na política foi perder a eleição da sucessão do Mario Covas pro Jânio Quadros, aquilo me marcou muito, a gente tinha certeza que o Fernando Henrique ia ser prefeito de São Paulo, essa foi uma decepção grande. Depois, perder eleição em Osasco também, logo na sequência do Parro veio o Rossi, que nós tínhamos derrotado, então a política decepcionou naquele momento, tudo estava acontecendo, o Tancredo [Neves] ganhou a eleição, o [José] Sarney assumiu. Então a gente votou no Tancredo, votou não porque foi indireto, mas trabalhamos pro Tancredo e ganhamos o Sarney de presente, né? Aí vieram aqueles planos malucos. Uma decepção grande, eu fiz a cidadania italiana, pensei até em mudar do Brasil. E daí de repente a opção de Ilhabela é uma opção radical de mudar daquilo tudo de São Paulo, daquela loucura de São Paulo e vir pra Ilhabela. E eu vim com o propósito de também ser prefeito da cidade. Eu falei: “Eu vou pra lá e vou enfiar a cara lá. Lá é uma coisa menor, você tem mais força pra mudar, quem sabe eu consigo lá as vitórias que a gente não conseguiu aqui”. E é o que aconteceu, vim pra cá, me envolvi na política aqui, logo que eu cheguei eu me filiei no MDB aqui, naquela época já PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro], fizemos campanha pro prefeito, elegemos Fazzini, montamos o PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira] quando o pessoal foi pro PSDB, trabalhava na polícia, trabalhava em São Paulo, me envolvi aqui na Santa Casa. E aí começou a vida do dia a dia, participando da política e a vida parada e monótona de Ilhabela pra mim não existia, né, aquela corrida, São Paulo. Aí fui transferido daqui pra São José por causa da política, depois fui transferido pra São Paulo, aí família aqui, tinha que trabalhar lá, então não tinha vida parada aqui e participando da política, com o propósito de montar o partido e, como eu disse, ser prefeito da cidade. Foram vários anos, quase 20 anos, de 90 a 2009, são 19 anos até eu ganhar a eleição, eu ganhei em 2008 aliás, são 18 anos. Então é uma loucura, a gente nem vê o tempo passar, os filhos crescerem a gente nem percebe que envelheceu tanto, né? Perdi algumas eleições, lembro que eu perdi uma eleição em 96 como candidato a vice-prefeito, depois perdi uma eleição em 2004 como prefeito. Perdi uma eleição em 2006 como deputado, essa eu já sabia que eu ia perder, aliás, a de 2004 também sabia que ia perder, eu saí candidato a prefeito sem chance de ganhar. E aí chegou 2008, quando a gente viu o quadro a gente falou: “Vamos ganhar essa eleição, essa eleição é nossa”. Ganhou a eleição e hoje prefeito estou aqui, dando a entrevista pra vocês.
P/1 – O que motivava essa sua vontade de continuar na política aqui, de insistir na política até a concretização do sonho de ser prefeito?
R – Olha, na verdade, é a própria política. Isso aí é que nem uma cachaça, né? Isso é uma droga, cada um se vicia numa coisa, a política vicia a gente. Disputa pelo poder, imaginar tanta coisa que podia ser feita e as pessoas não fazem, imaginar que você pode fazer melhor do que o prefeito que está no poder. Então forma um grupo, defender esse grupo, é isso que vai fazendo você se mover. Ilhabela é uma cidade pequena, uma cidade de 30 mil habitantes, então, uma cidade com um potencial enorme, a questão do turismo. A gente que viajou o mundo, viu algumas coisas fora do Brasil, você olha pra Ilhabela e fala: “Nossa, quanto potencial aqui desperdiçado, tanta coisa que pode ser feita”. Então tudo isso vai te movendo e te dando vontade, você fala: “Se eu chegar lá vou fazer isso, aquilo”, faz projeto, senta com o grupo, se destaca entre o pessoal, experiência de conhecer tanta coisa na política, de ter passado por tantas. Eu lembro que pra ser prefeito, fora as eleições que eu perdi como eu disse... eu trabalhei 23 anos na Polícia Militar. A Polícia Militar não gosta de policial envolvido na política, só gosta depois que ele ganha porque vai achar que tem alguma coisa que pode tirar de vantagem, então quando você ganha você vira herói, mas até ganhar você leva muita porrada, os caras te perseguem. Então, na Polícia Militar, meu Deus, eu fui transferido de batalhão um milhão de vezes, né? Os últimos dois anos meus eu trabalhei em Campinas. Aliás, os últimos dois anos em Campinas e depois os últimos seis meses em São João da Boa Vista (SP), na divisa com Minas Gerais, lá na ponta do Estado porque o pessoal judia de você, fala: “Vou impedir o cara de ficar perto da família, do lugar que ele quer ser candidato pra tentar atrapalhar”. Eu lembro que eu fui para em Campinas, o comandante me mandou pra lá e o coronel me recebeu lá dizendo: “Eu vou te expulsar da Polícia Militar porque não combina oficial da Polícia Militar com política”. E o cara abriu 23 processos disciplinares contra mim, quer dizer, eu tinha um monte de processo, uma perseguição mesmo, e [eu tinha que] me defender todo dia daquele processo. Eu me lembro quando eu ganhei a eleição aqui em Ilhabela quem mais feliz ficou foi a equipe da Polícia Militar lá do CPI [Comando de Policiamento do Interior] 2 que tinha tanto papel para administrar em relação a mim que quando eu ganhei tudo aquilo virou lixo, porque não tinha mais o que fazer, não precisava expulsar, já estava automaticamente expulso da Polícia Militar porque me elegia, é uma aposentadoria proporcional, então eu lembro dessas passagens. Não é fácil, foi uma disputa longa pra chegar na prefeitura, movido por tudo isso que eu te falei, né? Primeiro a vontade de acertar e depois mostrar pra todo mundo que você tinha potencial político, você tinha uma história política no movimento estudantil, na vida político partidária, conhecia muita gente. Eu lembro da minha relação com o Montoro, que foi uma relação bastante intensa. Participei do Instituto Latino-americano com ele, ele era uma pessoa diferenciada. O Montoro foi talvez um dos maiores democratas que o Brasil já teve, quem conviveu com o Montoro sabe do que eu estou falando. O Montoro era um lorde francês, um cara que dava espaço para a oposição, entendia. Eu lembro que no próprio gabinete dele trabalhava gente que era do PT [Partido dos trabalhadores], que virou petista, entendeu? Então ele conseguia trabalhar, ele conseguia ser um cara democrático, ele entendia algumas traições que eu não entendo. Eu sou mais da linha do Mario Covas, não tem essa história, se levar um tapa na cara eu não viro a cara pra levar outro, como o Montoro, eu dou outro no cara, é o meu jeito de ser, né? Eu aprendi com o Mario Covas. Eu aprendi com os dois, mas eu gosto mais do jeito do Mario Covas, de enfrentamento. O Montoro era um democrata, um conciliador. Você vai aprendendo no dia a dia com as pessoas, vai se temperando. Imagina, a gente olhava pro Fernando Henrique e não imaginava nunca que o Fernando Henrique fosse ser presidente da república. Imagina, dessa turma toda o Fernando Henrique era o mais vaselina, perto do Mario Covas não dava pra comparar, quem trabalhou com eles conhece, sabe do que eu estou falando. O Fernando Henrique perdeu uma eleição de prefeito e virou presidente da república, se tivesse ganho aquela eleição de prefeito talvez não tivesse sido presidente da república. Você vê que a coisa é assim mesmo, né? Geraldo Alckmin aí hoje, quem imaginava que o Geraldo Alckmin fosse ser o governador de São Paulo que mais governou São Paulo? Ele está no quarto mandato de governador. O Alckmin sempre foi uma pessoa que vinha, não era uma personalidade forte, mas deu sorte, sempre esteve na hora certa e no lugar certo, né? Você viu o [José] Serra, por exemplo, que é uma pessoa de muito mais convicções partidárias, um cara formado na esquerda, uma participação no movimento estudantil, muito mais presente... bem, foi senador já, segundo mandato de senador, foi deputado, mas foi governado de São Paulo três anos. O Geraldo já é governador de São Paulo há 14 anos. Quer dizer, você imagina que na política a gente vai aprendendo, tem que ter sorte também. Tudo isso vai se misturando e você no meio desse pessoal todo. Hoje, a gente está aqui, eu acabei sendo prefeito eleito em 2008, reeleito 2012 e hoje, depois de sete anos e meio, uma administração que tem uma aprovação enorme na cidade, conseguiu ser reconhecida, que está fazendo uma história na cidade, uma história não pra mudar a história da cidade, mas pra fazer ela aparecer. Estamos aqui no Engenho d’água, nessa fazenda histórica que a gente desapropriou três anos atrás. Quem é que imaginava que um dia isso aqui ia ser uma área pública? Estamos passando por um monte de dificuldades com Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional], com Condephaat [Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico]. A gente não consegue abrir vala de esgoto, não consegue abrir esse espaço para uma visitação constante que tem um monte de regras e estamos aí tentando superar esse monte de obstáculos. Mas é bacana e a coisa está caminhando, né?
P/1 – Eu queria que você comentasse como é, pra alguém de fora, ser recebido por Ilhabela e aí chegar no cargo máximo do Executivo de Ilhabela. Como que a cidade recebe, como é que são os concorrentes, se são daqui, se são de fora? Como é essa relação?
R – Bom, tem muito disso, né? Imagina, eu não sou daqui, eu concorri com caiçara, ele chegava e falava assim: “Eu sou caiçara”, o candidato que concorreu comigo, eu enfrentei duas vezes, o ex-prefeito, meu concunhado é caiçara, nasceu aqui. Na época , concorri com o Márcio, que é candidato de novo agora, também é caiçara. Agora é importante lembrar que a cidade tem muitos forasteiros, ela é uma cidade que a maioria não é caiçara, a maioria é de fora. Muito mineiro, muito nordestino e muito paulista aqui, paulistano. Então não é porque você não é nascido aqui que você não tem o amor por essa terra, né? Muitas vezes quem escolhe um lugar pra morar tem mais amor do que quem nasceu lá e não teve outra opção. Mas é bem interessante, até hoje eu relato pras pessoas que, como eu estou dizendo pra você, eu venho pra cá desde 80, quantas vezes eu passei pela estrada. Em 2008, quando eu ganhei a eleição, eu fiquei alguns dias aqui e fui ver minha mãe que estava doente, fui fazer algo em São Paulo que já não me lembro direito o que é, e eu desci São Paulo e na serra eu parei, lá no alto do mirante, onde tem a vista de todo o litoral eu parei e pela primeira vez eu olhei Ilhabela de um jeito diferente, em 2008, eu falei: “Bom, eu vou ser prefeito daquela cidade ali”. Eu olhei, Ilhabela é fácil porque você limita o seu terreno, nas outras cidades já não é tão mais fácil porque você mistura, prefeito de São José dos Campos você muitas vezes não consegue ver a divisa de São José com Jacareí, Taubaté com Caçapava. Aqui não, eu parei na serra, olhei lá e vi Caraguatatuba de um lado, São Sebastião na ponta de cá e Ilhabela bem definida na frente. Aí eu parei, fiquei lá uns dez minutos olhando praquilo lá e falei: “Meu, primeiro de janeiro de 2009 eu estou lá, ser prefeito daquilo ali, que baita responsabilidade. Vou ter que montar essa equipe”, tinha noção de alguns nomes dessa equipe, não tinha montado a equipe ainda. E aí dá aquele frio em você, na barriga, você fala: “Meu, ganhar essa eleição foi a primeira batalha, agora vou ter que ser o melhor prefeito que Ilhabela já teve, não dá pra ser o segundo, eu quero ser o primeiro. Eu vou ser prefeito pra nunca mais esquecerem de mim”. Fiquei lá meia hora parado com o carro olhando, desci, voltei, me inspirando mesmo. Falei assim: “Vou ter daqui a quatro anos que enfrentar o Mané”, porque ele vem com tudo pra voltar, porque o candidato dele perdeu mas ele continua vivo, né? E a família dos Ferreira nos últimos 40 anos, o time deles tinha governado Ilhabela por 24. Então você fala: “É a história da Ilhabela, eu vou ter que enfrentar esses caras aí”. Não dá pra errar em nada, vai ter que acertar tudo. É andar no fio da navalha, tem que botar a faca nos dentes, sangue nos olhos”. Em 2008, a crise tinha chegado no país, o estouro do americano, o barril de petróleo despencado, enfim, o Brasil passava por uma crise, 2009 foi terrível para o orçamento da cidade, a cidade quebrada. “Mas eu vou ter que fazer melhor do que ele, do que todos os outros porque eu quero ser o melhor prefeito de Ilhabela e vou enfrentar uma reeleição em 2012. E eu vou pra reeleição e quero ganhar”. Eram 24 horas pensando em Ilhabela, tinha pouco tempo pra dormir, tinha que botar fogo na turma, trazer uma turma de gente nova. A opção foi pra montar uma equipe e não aproveitar ninguém do passado, vai ser administração terra arrasada, chegar lá e tirar todo mundo do lugar que estão e botar gente nova em todos os lugares, mudar as pessoas de lugar. Era terra arrasada, começar tudo de novo, pra fazer a administração ter uma identidade. E assim começou, dia primeiro de janeiro de 2009 a gente assumiu a cidade e foi trocando as pessoas, botando gente. Eu lembro que o secretário de finanças de Ilhabela estava no poder há 20 anos, trocou o prefeito, de grupos distintos, vem um do PMDB, depois vem um do PDT [Partido Democrático Trabalhista], depois vem um do PTB e o secretário de finanças era o mesmo. Eu falei: “Como é que pode fazer isso? Eu quero um diferente”. Fui atrás de um cara que, aliás, ninguém imaginava que eu pudesse ousar trocar o secretário de finanças da cidade, imagina. E aí fomos buscar um que quando eu fiz o convite falou: “Você está louco, eu não entendo nada de finanças públicas”. Eu falei: “Mas nem eu de prefeito, eu estou começando agora. Você vai começar comigo, vou aprender a ser prefeito e você vai começar a aprender a ser secretário de finanças”. E foi assim que aconteceu, gente nova em tudo quanto é lugar. E deu certo, né, estamos aqui hoje. Então foi um desafio, tudo isso foi sendo construído no dia a dia e tantas vitórias aí.
P/1 – Eu quero agora que você fale como é que foi esse primeiro de janeiro de 2009 e depois o outro primeiro de janeiro, da reeleição, e um pouco desses desafios cotidianos.
R – Olha, nem lembro mais do primeiro de janeiro de 2009, calor imenso, né? Tanta coisa, eu não consigo lembrar direito como é que foi, não.
P/1 – Teve alguma coisa da cerimônia que ficou marcada? O simbolismo da passagem.
R – Acho que foi no Esporte Clube Ilhabela, se não me engano, cidade cheia. Imagina, uma pessoa de fora. Eu acho que foi a primeira vez que alguém ganhou a eleição de prefeito aqui vindo de fora sem ter nenhuma passagem por nenhum outro cargo eletivo. Eu não tinha sido vereador, não tinha tido passagem nenhuma anterior por nenhum cargo eletivo que foi pouco surpresa, a cidade, a população estava indignada com tudo o que tinha acontecido na administração municipal, queria mudança, me conheceu secretário de saúde, então votou muito em função do jeito que eu administrei a saúde, do meu envolvimento com a Santa Casa, depois na Secretaria Municipal de Saúde, com todos os ganhos que a cidade teve na minha época de secretário de saúde, esperavam muito de mim. Eu era uma pessoa durona, capitão da polícia militar, enfrentava as batalhas. E tem sido assim até hoje. Enquanto eu me indignar com as coisas que eu imagino estarem erradas, enquanto eu tiver essa indignação presente eu acho que eu sirvo pra ser político. O dia que eu deixar de me indignar com essas coisas eu acho que eu já não sirvo mais. Então eu sou assim no dia a dia. Se tem algo ali que é de interesse coletivo e tem que enfrentar alguns interesses particulares eu não tenho dúvida nenhuma, vou brigar e enfrentar porque eu sei o quanto é importante defender os interesses coletivos, né? Então, o começo foi um começo muito difícil como eu te disse. E estrategicamente a gente punha a culpa no antecessor, lógico, acabou de sair, deixou a cidade quebrada, deixou toda essa situação ruim e os primeiros dois anos foram os anos mais difíceis. Eu sempre digo assim, é no começo que você tem que fazer as maldades, né? A gente fez as coisas duras que desgastam mais você pra sociedade no começo. E depois, nos anos seguintes, você vai fazendo as bondades, até porque se você faz política você tem que agradar a sociedade, você tem que agradar o povo. A gente deixou pra fazer, até porque não tinha condições de fazer no começo, deixou pra fazer as bondades no final. Quantas vezes eu parei e falei assim: “Por que Deus me fez chegar a prefeito num momento de tantas dificuldades?”, 2009, 2010 foram anos duríssimos, de fechar portas, economizar dinheiro, não tinha dinheiro pra fazer as coisas. A Saúde quebrada, o ex-prefeito deixou a cidade destruída, a equipe que me sucedeu na secretaria de saúde, o Arquimedes e o Márcio Tenório tinham quebrado o sistema de Saúde, eram políticos de fazer favorzinhos, nunca havia o interesse coletivo, faziam tudo pra favorecer um amigo, pra dar voto, não pensavam no coletivo, né? Isso é muito comum até hoje em alguns políticos, né? Era um momento de muitas dificuldades. O começo foi difícil, como eu te disse primeiro de janeiro eu mal lembro desse dia, foi dia de festa, todo mundo parado. Eu lembro que cedo, nove horas da manhã o carro oficial estava na porta da minha casa me esperando. O motorista já era uma pessoa que tinha trabalhado comigo na Secretaria de Saúde, o Emerson, eu já tinha escolhido ele pra trabalhar comigo, então Emerson já estava lá. “Prefeito, eu estou aqui”. Eu abri a porta, entrei no carro e fui pro Esporte Clube pra cerimônia de posse. Eu não fiz discurso, não preparei nada, eu falei lá o que eu estava sentindo. Depois foi uma correria o dia todo, depois foi pra Câmara onde eu fui empossado. Não lá foi, lá no Esporte Clube foi a Câmara, depois eu fui à noite pra passagem de bastão na prefeitura. Foi um dia corrido, um dia de festa. Dia dois de janeiro foi o dia de fazer as nomeações, de começar a empossar o time, aí eu já lembro um pouco mais, o Paço Municipal lotado, as pessoas todas cumprimentando, enfim, foi o primeiro dia de trabalho real, dia dois. E aí o primeiro e o segundo ano passaram muito rápido, foram anos de muitas dificuldades e a gente chegou em 2012, eu lembro que eu cheguei no final de 2011, a gente fez uma pesquisa, desculpa, 2010, segundo ano, fizemos uma pesquisa, eu tinha 19% de aprovação, foi o pior índice nosso, eu ganhei a eleição com 46, no primeiro ano 36, no segundo ano 19. E eu me reelegi com 81% dos votos válidos. Então você vê que dos 19 no final de 2010 pra reeleição em outubro de 2011 com 81% dos votos válidos foi uma arrancada, isso tudo foi planejado, a gente sabia que a gente tinha que fazer as maldades no início e deixar as benesses, as bondades para o final do primeiro mandato. As grandes obras, obras que marcaram, as ações que marcaram, Saúde e Educação como prioridades e está aí até hoje assim.
P/1 – E conta pra gente dos desafios da prefeitura e um pouco dos legados que você imagina que vai ficar, que vai ajudar a escrever nessa história de Ilhabela.
R – Primeiro, os desafios são diários. Hoje, o maior desafio é enfrentar toda essa burocracia, enfrentar Ministério Público, enfrentar esses mecanismos malucos que foram criados, esses conselhos que querem dividir a responsabilidade de governar com o prefeito, né? Ministério Público e essa rapaziada que presta concursos não sabem nem fazer um “o” com um copo, esses promotores que acham que são prefeitos também e que querem governar sem ter tido voto e querem enfrentar a gente, que ficam sendo usados pela oposição menor, por esses grupos de associações, de ONGs [Organizações não-governamentais] que se mobilizam e têm o tempo todo pra ficarem se organizando pra atrapalhar a administração pública. Então, o maior desafio hoje é esse, eu tenho convicção que cada vez é mais difícil. Eu escuto relatos de prefeitos que foram prefeitos há dez, 20 anos, e eles contam a história que eles passaram e eu vejo o que eu estou passando hoje, eu imagino que mais alguns anos ninguém consiga ser prefeito, eu não tenho dúvida disso. Porque hoje você é questionado por tudo o que você pretende fazer. Você tem um plano de governo, esse plano de governo é submetido à vontade popular. Quando você se elege, o cidadão vota em você por aquele motivo, imagina que você vai fazer. Depois que você ganha a eleição, um monte de gente querer meter o bedelho e fazer diferente, fazer do jeito deles. Aí você tem que ficar escutando conselho do plano diretor, conselho do meio ambiente e os caras ficam querendo atrapalhar. Se você quer fazer alguma coisa que eles não concordam, eles ficam criando obstáculos, colocando pedras no seu caminho e as coisas não andam. E quatro anos se passam, tem nova eleição, se você não fez o que você se propôs a fazer a população vem e troca você. Não é uma coisa fácil, em um sistema político onde tem 39 partidos, uma Câmara de Vereadores toda fragmentada em diversos partidos, então esse desafio é enorme, não é tarefa para um homem normal ser prefeito, eu digo que todo prefeito tem que ser super-homem. E tem mesmo, viu? Eu convivi, sou prefeito, mas fui presidente da Associação Paulista de Cidades Turísticas, reúne 70 cidades, eu fui presidente dessa associação três mandatos, um ano cada um, três mandatos vice-presidente. Eu convivi com 70 prefeitos paulistas que fazem turismo. Depois, criamos uma associação das cidades produtoras de gás e petróleo da bacia de Santos, criamos o Progas, sou presidente até hoje. Hoje, sou presidente do Conselho de Desenvolvimento Metropolitano da Região do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira, 39 cidades aqui, São José dos Campos, Taubaté, Queluz, Bananal, Jacareí, São Sebastião, Ubatuba, 39 cidades, eu tenho dois mandatos de vice-presidente e dois agora, encerro o segundo mandato como presidente desse conselho. Eu convivo muito com todos esses prefeitos, sou representante deles nessas associações, eleito por esses prefeitos e conheço a história de quase todos eles. Eu atendo muito telefone e eu acho que é isso que dê, essa turma, eles perguntam, eu não tenho tanta experiência assim, mas, enfim, todos ligam pra mim pedindo conselhos, acabo dando, acabo recebendo, então eu vejo o que essa prefeitada passa, nós prefeitos passamos. Está muito difícil ser prefeito, está muito difícil, é coisa de louco mesmo. A gente faz isso porque o poder é bacana, eu sempre digo, é um tesão ser prefeito, é gostoso pra caramba porque você move e faz ações coletivas, você faz o bem por atacado, você não faz o bem por varejo. Quando você investe o que a gente investiu em educação, constrói 20 e poucas escolas. Quando eu assumi, a prefeitura a cidade tinha dois mil e 800 alunos na rede pública municipal, hoje nós temos mais de sete mil alunos, municipalizamos o segundo ciclo do ensino básico, né? Da quinta à nona série. Municipalizamos a creche. Temos período integral em 60% das escolas. São opções políticas, então quando você faz tudo isso você sabe que você está fazendo o bem de forma coletiva, de forma no atacado. Quando você faz como cidadão você faz mais no varejo, você atende uma pessoa, um grupo pequeno de pessoas, na prefeitura você faz isso no atacado, é bacana. Mas é difícil porque eu estava dizendo outro dia, eu fiz uma conta, eu acho que eu tenho 20 e poucas ações já contra o Toninho Colucci, eu tenho meus bens, vem o juiz e pá, é ação não sei o que lá, breca o bem dele. Aí breca o pagamento, dinheiro no banco, breca o carro, breca a sua casa e você fala: “Meu Deus do céu, como é que pode?”. O promotor vir na sua casa e dizer: “Ah, você é um prefeito bacana porque você tem bens. Eu gosto de trabalhar contra prefeitos que têm bens porque eu consigo”. Aí vem um advogado e fala pra você: “Eu acho que pra ser prefeito você devia tirar todos os seus bens do seu nome”. Você fala: “Meu Deus do céu, pra ser prefeito eu tenho que tirar os meus bens do meu nome? Eu fui capitão da Polícia Militar e não fiz isso”. Porque hoje é muito difícil ser prefeito e é mesmo, é coisa de louco. Não é pra qualquer um não, é pra super-homem, então acho que esse é o maior desafio, eu acho que ser prefeito no Brasil hoje é mais desafio do que ser governador, do que ser presidente, porque você trabalha nesses tribunais menores onde o promotor acabou de ganhar o concurso, vem e quer aparecer. O juiz pouco trabalha, manda os outros fazerem sentença, ele só assina e nem lê muitas vezes o que os outros escreveram, então sai cada sentença descabida. Então, enfrentar a Justiça hoje, que é injusta, que é maluca, é o maior desafio.
P/1 – E o legado? Qual você considera que seja o legado desses seus dois mandatos.
R – Eu acho que o legado desses quatro anos primeiro é tudo o que a gente fez na Educação, de transformar a Educação, de botar a Educação como prioridade. Todos esperavam que eu fosse ser o prefeito da Saúde. Eu fui o prefeito da Saúde, estou sendo o prefeito da Saúde. Se eu falar pra você em Saneamento Básico, eu assumi a cidade tinha 4% de rede coletora de esgoto, nós vamos deixar a cidade no final do ano com quase 80%, então isso é um legado, né? Não tem cidade que viva de praia que possa ter esse mar poluído. A gente é Capital Nacional da Vela, como é que a gente vai fazer vela, vai fazer mar se você não tem as praias com qualidade? Está vendo aí o Rio de Janeiro e todo mundo comentando da Baía de Guanabara, da situação da poluição lá, das provas de vela que vão acontecer lá e que vão encontrar lixo pela frente e a gente vê o que nós trabalhamos pra mudar a realidade aqui das nossas praias. O avanço na questão da balneabilidade das praias, então isso é um legado enorme na Saúde que a gente está deixando. Essa rede de postos de saúde, cinco novos postos que a gente fez, cinco postos de saúde novos. O hospital que eu peguei inacabado no governo da Nilse e como secretário de saúde a gente montou o hospital, deu nome pra ele de Mario Covas, quem assinou o decreto na época foi o prefeito, mas quem propôs o nome fui eu, Mario Covas, por tudo o que ele representa na minha história. Pusemos lá porque morreu o hospital sendo feito, ele deu o primeiro milhão pra esse hospital ser feito, na época da Nilse não era um hospital que iam fazer, era uma unidade mista de saúde. Então, o que nós fizemos e avançamos no hospital na saúde, o saneamento básico é outro legado, né? Especialmente dar destaque pra cidade na indústria do turismo. Ilhabela hoje é uma cidade que é referência pra toda essa, pra tudo o que se fala em turismo em São Paulo. Como eu te disse, eu fui presidente da associação três anos, participando de todas as feiras turísticas. Hoje Ilhabela é lembrada, ela é falada, por exemplo, o Grupo Abril e a Revista Viagem no ano passado elegeu Ilhabela como a principal cidade de praia do Brasil, o melhor destino de praia do Brasil em 2015. Pô, a gente competiu com o Nordeste, competiu com Porto de Galinhas, com Santa Catarina, Florianópolis. Então Ilhabela foi o destaque do Brasil na questão como destino de praia. Então isso é um legado. E a população está sentindo essa questão do pertencimento, da importância do turismo, saber que o turismo é uma indústria que não polui, uma indústria sustentável, que gera riqueza, que distribui essa riqueza. Eu estava comparando, por exemplo, a indústria do turismo com a indústria automobilística. Quatro anos atrás em Lorena montaram a fábrica de carrocerias da Comil, que faz ônibus, que aliás já fechou. E eu estava na inauguração com o governador Geraldo Alckmin, do lado do prefeito de Lorena e o governador encostou no empresário e falou assim: “Quantos empregos?”, o cara falou assim: “Duzentos e oitenta robôs, 40 empregados”. Na fábrica de ônibus da Comil, 280 robôs, 40 empregados. A fábrica já fechou. E se a gente falar assim: “Quantos empregos um hotel com 50 leitos cria?”, mais de 50. E eles criam emprego e é um emprego sustentável, definitivo. Hoje, você monta um quiosque na praia, um barzinho, quantos empregos você cria? São vários os empresários. Fábrica de automóvel está na mão da Volkswagen, da Ford, o hotel está na mão de um brasileiro, de um argentino. Um barzinho está na mão de um caiçara, um quiosque está na mão de um paulista que veio pra cá e vendeu lá a casa e resolveu ser empresário aqui. Então ele pulveriza a riqueza, ele divide a riqueza, a indústria do turismo é a indústria de preservação, de manter tudo isso daqui porque nós vivemos disso e é uma indústria que cria e distribui recursos, riqueza, acho que isso que é bacana. Esse é um legado que a gente está deixando pra cidade. Hoje a população dá mais valor, a gente está qualificando empresário, a gente faz Ilhabela ser destaque mesmo em nível nacional, em nível internacional, a gente conseguiu fazer por exemplo a escola Vila Maria falar de Ilhabela uma hora na avenida. E quanto já rendeu essa divulgação da cidade, transmitida para o mundo inteiro, não sei quantos milhões de pessoas viram Ilhabela na avenida, ser falada e cantada pela Vila Maria. Então o que significa isso? Isso é muito bacana, esse é um legado que a gente deixa com certeza, né, o legado da administração de defender sempre o interesse público. Então, fazer essa ciclovia na orla, de enfrentar interesses de proprietários que se achavam dono da praia: “Imagina, vai passar uma ciclovia em frente da minha casa? De jeito nenhum!”. A gente enfrentou todos eles, mesmo porque era interesse coletivo, interesse do turismo, do morador que se desloca por lá, esse é um legado que as pessoas hoje entendem, falam assim: “Essas coisas são públicas”. Então, o interesse público tem que superar o interesse individual. A mesquinharia de um proprietário, imagina só, tinha um caiçara aí nesse trechinho aqui que se achava, caiçara, dono da praia: “Aquela praia é minha, você não vai passar lá na frente”. Eu falei: “Vamos ver se eu vou passar ou não vou”. A família virou a cara pra mim, o caiçara já morreu até. Mas a ciclovia está passando lá. Outro dono de uma marina também passou, o dono de uma grande loja de magazines em São Paulo, talvez a maior loja, não posso falar o nome aqui, também enfrentamos eles e passamos. Quer dizer, então a gente enfrentou o caiçara, o dono de marina, o empresário de São Paulo e a ciclovia saiu. Antes a ciclovia chega num quiosque e não passava, como é que eu vou enfrentar? Num coqueiro: “Olha, não vou derrubar esse coqueiro pra passar ciclovia porque o povo acha que o coqueiro ou que esse chapéu-de-sol...”, se precisar derrubar um chapéu-de-sol pra passar uma ciclovia a gente derruba um chapéu-de-sol e planta cinco, dez. Agora ciclovia é muito mais importante, alargar a avenida, fazer calçada. Eu lembro quantas calçadas nós fizemos aqui na cidade para defender o interesse do pedestre, pra ele poder passar. São ações, são legados que a gente deixa, são histórias que a gente plantou. Eu estava outro dia indo daqui na vila, você vê, eu moro aqui atrás, daqui na vila dá um quilômetro. Nós tínhamos nesse trecho diversos trechos sem calçada. Em 2009, quando eu assumi, imagina, sete anos atrás. Quantas administrações passaram? Gente que fala que foi prefeito: “Ah, eu fui o melhor prefeito, a melhor prefeita”. Calçada não tinha, o proprietário tinha o muro no meio-fio, você chegava ali você tinha que andar na rua porque prefeito não teve coragem de enfrentar o proprietário, com orçamento na mão, com dinheiro, não fizeram. E ainda roncam hoje em dia: “Ah, deixei um legado”. Aí eu falo: “Bom, que legado deixou?”, nós estamos deixando o legado da cidadania, né, que é enfrentar tudo isso, o interesse coletivo superar o interesse de um particular, isso a gente fez, isso eu tenho certeza que é algo que eu me orgulho muito e quem participou desse governo se orgulha também, os meus filhos vão se orgulhar, a minha família, porque a gente enfrentou esses desafios.
P/1 – Antes de falar dos seus filhos então, eu queria que você contasse um pouquinho da Escola de Vela. Então tem esse mar, esse canal, é a Capital da Vela. Qual é a importância que isso passe também pros que são daqui e não só pessoas de fora que venham aqui usufruir desse espaço, então a gente ter os meninos e meninas daqui fazendo?
R – Primeiro assim, Ilhabela já tinha o título, não é que já tinha, ela se autodenominou “Capital da Vela”, isso foi uma iniciativa de um grupo de empresários liderados pelo Eduardo Espiaut, um argentino. O canal é muito favorável a esse esporte, começou-se a fazer vela e criaram aquele simbolozinho que é conhecido mundialmente, “Ilhabela Capital da Vela”. Eu estava chegando na prefeitura e disse: “Puxa vida, vou ser prefeito de lá, não vou deixar em alguma frente botar meu dedo nessa história aí da Capital da Vela”. E a gente foi ao Congresso Nacional e sugerimos a um deputado amigo meu a entrada com um projeto de lei com reconhecimento nacional, Ilhabela Capital Nacional da Vela. Porque até então era nós falando de nós mesmos, Ilhabela Capital da Vela. A gente fez o projeto de lei, ajudou o deputado Marcelo Ortis a fazer o projeto de lei e a gente tramitou esse projeto no Congresso, foi votado na Câmara e votado no Senado, homologado pela Dilma em 2011. Então no primeiro mandato eu estava conseguindo, depois de três anos, 2011, 2012, eu não me lembro direito qual foi o ano, acho que final de 2011 ou começo de 2012, ou seja, três anos de prefeito, carimbar lá: “Ilhabela Capital Nacional da Vela”, reconhecimento no Congresso Nacional, Câmara de Deputados, Senado e sancionado uma lei pela presidente Dilma. Então, pô, já pus a mão nessa história aí e consegui fazer, então ninguém mais pode querer...
PAUSA
P/1 – Você estava contando que a parte de Capital Nacional da Vela já foi uma primeira marca sua, nessa questão do mar e da vela.
R – Não é que foi uma marca minha, era uma marca que a cidade já tinha...
P/1 – Nacional, inclusive.
R – E que agora fez agora ela ser reconhecida nacionalmente. Como eu disse pra você, um grupo de empresários liderados pelo Eduardo de forma muito sábia, de forma muito inteligente, criou essa marca, uma marca importante para a cidade e que a gente consolidou com reconhecimento hoje, então se alguém questionar e for criar lá Birigui Capital Nacional da Vela: “Não pode, porque capital nacional da vela tem uma só que é a Ilhabela”. Então é bacana, a gente patenteou isso aí, vamos dizer, com o reconhecimento político nacional, uma lei sancionada pela Dilma, não é um decreto, passou no Congresso Nacional, 550 deputados votaram sim, 81 senadores votaram sim, a Dilma foi lá e meteu a caneta. Iniciativa nossa junto com o deputado, então acho que é bacana. De alguma forma, a gente consolidou. Outra questão é, lógico, nós somos uma ilha, então tem tudo a ver com mar. Na ilha você anda de automóvel, lógico, mas você anda de barco, até porque a nossa malha viária preenche um terço do contorno da ilha, o resto é mata virgem, nós temos uma unidade de conservação, depois até precisamos falar sobre a diferença de parque e unidade de conservação, nós temos uma unidade de conservação aí que protege 85% do município e esse meio de locomoção que é o mar é muito importante pra gente. A indústria náutica, essa semana terminou a quadragésima terceira edição da Semana Internacional da Vela, 43 anos, de forma brilhante. Velejadores da América do Sul... É o maior evento de vela da América do Sul. A gente começa agora, quinta-feira, depois de amanhã o Segundo Salão Náutico de Ilhabela, então lancha, jet ski, nós estamos fazendo esse investimento, a prefeitura tem sido a promotora criando mais esse empreendimento náutico, até porque o turismo náutico gera muitos empregos. Cada barco que você coloca no mar você gerou quatro empregos. Você garante o emprego, uma embarcação tem uma vida útil de 30 anos, muito maior do que um carro. E esses 30 anos vão estar gerando empregos, então é o marinheiro, é o cara que lava, é o eletricista, o mecânico, é o cara da marina, o cara que toma conta. Uma lancha, uma embarcação, na cidade é um mercado de trabalho enorme, então é uma responsabilidade muito grande. E se for uma lancha grande, tem lanchas aí de 70 pés, o marinheiro chefe ganha dez mil reais por mês, você imagina, um emprego qualificado, dez mil reais. Até porque o bem vale 15, 20, 30 milhões de reais, então você imagina a quantidade de empregos e o que injeta de recursos dentro do município. A área náutica é uma área muito importante pra cidade. Então, você criar as escolas, colocar esses jovens pra praticar o esporte. Dali poucos vão enveredar pra ser esportista do mar, muitos vão virar profissionais do mar, vão virar marinheiros, que é uma profissão importante, embora não tenha hoje, não seja reconhecida, aliás estamos com uma propositura junto com o deputado, ex-prefeito de Santos, João Paulo Cunha, o Papa, nós estamos trabalhando pra criar oficialmente a função de marinheiro porque não existe. Hoje, o marinheiro quando é registrado por um cidadão é registrado como caseiro, como motorista, não tem marinheiro porque não existe a função marinheiro, olha só que loucura! Mas o que gera de empregos essa área. Então, pra nós criar as escolas de vela, dar essa relação do jovem com o mar, mostrar pra ele, desenvolver o gosto dele na prática esportiva do mar, colocar ele em contato com a água, abrir essa possibilidade desse emprego. Eu estava dizendo o seguinte, uma coisa importante, como prefeito eu sou o Presidente do Exército Brasileiro nessa questão do Tiro de Guerra, desses jovens que juram bandeira todo ano, todo ano eu participo do evento, até porque fui militar, como te disse, trabalhei 23 anos na polícia, me aposentei como capitão, então eu tenho gosto nisso, eu acho que o militarismo tem uma questão boa que é criar disciplina. E a gente tem esses jovens que todo ano se alistam. E todo ano nós fazemos eventos com essa dispensa e são 250 jovens por ano que são dispensados do serviço militar na cidade de Ilhabela, são todos homens. Então se você imaginar que tem 250 homens, tem 250 mulheres, que a população é mais ou menos dividida, né? Até um pouquinho mais de mulher do que homem, então se você fizer uma conta você fala: “Quinhentos jovens em Ilhabela por ano completam 18 anos, ou seja, estão ingressando no mercado de trabalho”. Desde que eu entrei em 2009 até hoje são quatro mil novos jovens no mercado de trabalho, mais ou menos, vamos fazer essa conta, 500 por ano, oito anos quatro mil, então você tem que preparar a cidade pra receber esses jovens. Alguns ficam: “Ah, o prefeito é desenvolvimentista”. Eu falo: “Ó, onde esses quatro mil jovens que estão crescendo em Ilhabela vão se empregar?”. Fora os outros que já vêm de São Paulo pra cá e mudam procurando a qualidade de vida e vêm depois dos 18 anos. Nós estamos falando de 500 jovens só os que foram criados em Ilhabela. Então a área náutica e o Capital da Vela tem tudo a ver com isso, né? É uma área que pode empregar as pessoas, nós estamos aí num trabalho de criar, e já estou com o projeto pronto, estou fazendo a desapropriação, marina pública de Ilhabela. Tudo isso tem a ver com essa indústria náutica, tem a ver com a capital da vela, tem a ver com a geração de empregos. Hoje a área náutica é uma área extremamente importante de criação de empregos na cidade, de oportunidades, distribuição de recursos, de riqueza.
P/1 – E pra gente ir encerrando a parte do seu trabalho, quais são os próximos passos? Agora estamos num fim de mandato, o que você vai buscar, quais são seus próximos passos mesmo, profissionais?
R – O primeiro é terminar o mandato em alta, né? Existe uma crença que o prefeito quando é reeleito faz um segundo governo pior do que o primeiro, mais acomodado. Eu estou deixando uma marca diferente, meu segundo governo está sendo mais realizador do que o primeiro. E o primeiro, como eu disse há pouco pra você, eu fui reeleito com 80% dos votos, mais de 80% dos votos válidos, então ele já foi realizador, eu estou entregando um segundo mandato mais realizador, então eu tenho mais cinco meses e meio pra trabalhar, então a primeira coisa é trabalhar até o dia 31 de dezembro, entregar tudo o que eu estou me propondo a fazer, que eu iniciei, que eu vou iniciar ainda. Então eu quero marcar esse final de governo ainda com muito trabalho. Essa é a primeira coisa, eu quero que a população lembre de mim pra sempre, eu quero deixar uma marca e ser conhecido como o prefeito que Ilhabela teve até hoje, o melhor prefeito da cidade. Eu estou trabalhando nesse sentido, eu quero isso, essa é uma marca que eu quero alcançar. E a população já fala nisso, o governo tem, como eu te disse, diante de tudo o que a gente tem pesquisado, a gente tem feito pesquisas com a comunidade, uma aprovação bastante alta. Depois eu quero eleger meu sucessor. Dentro do nosso grupo nós escolhemos a secretária de educação como candidata, que é a Lídia, então eu quero fazer da Lídia a prefeita que me sucede. Eu quero eleger o maior número de vereadores para ela na Câmara ligados ao nosso grupo, porque eu sofri muito nesse mandato atual com a câmara de vereadores, muitas traições, muita gente jogando os interesses particulares e de pequenos grupos políticos no interesse da sociedade. Então eu quero eleger uma câmara para que ela tenha um governo tranquilo. E encerrada essa tarefa eu estou avaliando, tenho uma vontade muito grande de ser candidato a deputado, não quer dizer que eu vou ser, porque ninguém é candidato de si próprio, a gente é candidato de um grupo, de um time. Então a gente está trabalhando e eu faço parte de um grupo político que tem como maior liderança nacional o governador Geraldo Alckmin, tem como lideranças o ex-governador José Serra, o atual vice-governador Marcio França e um grupo de deputados. Nesse time todo, eu vou tentar me encaixar e se tiver espaço para minha candidatura eu vou me colocar candidato a deputado dentro desse grupo. Se não tiver, de repente você tem uma vontade que acaba não encaixando com a necessidade do seu grupo, você tem que postergar essa vontade, você tem que fazer uma adaptação a essa vontade, então de repente posso até não ser, mas a minha vontade é ser candidato a deputado, ajudar o governado Geraldo Alckmin a ser presidente do Brasil, eu acho que ele é um nome importante e talvez dentre esses que estão aí colocados o melhor dos nomes. Ajudar o Marcio França, o atual vice-governador a governar São Paulo nos últimos meses quando o governador se afastar pra ser presidente, ajudá-lo a ser governador de São Paulo, fazer esse grupo nosso que hoje congrega aí o PPS [Partido Popular Socialista], o PSD [Partido Social Democrático] e o Democratas, que é um bloco aí, crescer essa proximidade com o PSDB. Enfim, trabalhar essa questão, esses devem ser meus futuros passos, sem deixar de lado a questão do litoral norte, eu estou aí atento a essa eleição da Lídia aqui, ajudar no governo dela, passando um pouco da experiência que eu tenho. Os outros companheiros da região que forem eleitos nesse bloco político nosso, enfim, trabalhar essa questão toda.
P/1 – Agora eu queria que você comentasse ou contasse pra gente um pouquinho da sua vida pessoal. Você comentou da sua esposa, dos filhos. Conta pra gente um pouco mais dela, quem são seus filhos, o que eles fazem.
R – Pois é. Lúcia é dentista, é colega de faculdade, nasceu aqui, uma pessoa extremamente envolvida com a vida hoje pública da cidade. Ela teve consultório particular muito pouco tempo, sempre trabalhou na prefeitura. Então é uma pessoa extremamente leal, uma pessoa que conhece muito a cidade, vem de uma formação moral muito forte, uma família tradicional aqui de Ilhabela, o avô dela foi prefeito, também um italiano que veio da Itália, se naturalizou brasileiro e foi prefeito de Ilhabela no passado. Então é um nome conhecido, Reale, aqui na cidade. Foi graças a ela que eu vim morar em Ilhabela e criar minha família aqui. Eu tenho dois filhos já grandes. O meu filho mais velho faz Engenharia no Mackenzie, a minha filha mais nova faz Arquitetura na Faculdade de São Paulo, ela até agora na próxima semana embarca, vai ficar um ano fora, vai morar em Veneza e cursar lá Arquitetura, um dos anos que ela tem pra fazer de Arquitetura vai ser em Veneza. É um modo da faculdade trabalhar, tem essa possibilidade de você morar fora do Brasil e continuar cursando. Meus dois filhos estão fazendo um Engenharia, uma Arquitetura, talvez cobrindo, não vou dizer a frustração, mas de repente eles foram fazer o que eu pensei em fazer, que eu me desviei e agora eu olho pra trás e falo: “Pô, devia ter feito Engenharia Civil ou Arquitetura”, porque eu gosto muito disso. Você administrar uma cidade influi muito no urbanismo dessa cidade e a gente mexeu muito com isso, a gente mudou muito essa questão urbana da cidade e é uma coisa que eu gosto bastante. Então, é uma família pequena, como eu disse, eu perdi uma irmã muito cedo, a minha irmã Heloísa tem duas filhas também, nascidas em São Paulo. Hoje a minha irmã divide a vida dela entre São Paulo e Ilhabela, também tem casa aqui, ela veio atrás dessa qualidade de vida. Então eu tenho uma proximidade muito grande com a minha irmã hoje, que eu não tinha no passado, até que a minha irmã mais nova morreu, a gente se aproximou, porque eu também perdi meu pai e minha mãe. Hoje, o nosso núcleo familiar é um núcleo pequeno. Hoje todo esse núcleo vive em função, um pouquinho, de Ilhabela. Isso é bacana.
P/1 – Então conta uma história sua com a sua família aqui na cidade. De repente um dia no mar ou na praia, quando eles começaram a ir pra praia ou de estar junto por aqui.
R – Pois é, a gente tem uma casa, o meu sogro morou em Castelhanos, ele é proprietário de uma área grande, extensa na Praia de Castelhanos, eles tinham uma fazenda como essa lá em Castelhanos, produziam pinga lá. Ilhabela teve 22 engenhos de pinga. Ilhabela teve uma fase muito forte na agricultura, vivia da agricultura. Aliás, como todos, indústria agrícola brasileira foi forte, ainda é forte hoje. E aqui em função do relevo e da qualidade do solo a cana de açúcar se deu muito bem. Então cana-de-açúcar, cachaça e açúcar. Eles moraram lá, tiveram casa lá e quando eu mudei pra cá resolvi no começo dos anos 80, aliás nem casado eu estava ainda, construir uma casa em Castelhanos exatamente no terreno do meu sogro porque com essa história da criação da unidade de conservação “perderam” tudo lá. Não perderam porque não foram indenizados, são proprietários porque têm escritura. É um imóvel registrado, não é um imóvel de posse, é um imóvel titulado. A gente construiu uma casa lá e o nosso convívio com praia é muito interessante porque a gente sempre foi muito pra Castelhanos, tinha jipe, pegava estrada ruim, então tem diversas passagens interessantes na estrada de Castelhanos e na praia de Castelhanos. Algumas mais difíceis, de enfrentamento de posseiros, de pessoas querendo invadir áreas lá e eu sempre enfrentei esse pessoal, mas a maioria das lembranças de praia, familiares, são na praia de Castelhanos, de muito convívio na casa, na praia, muito convívio com borrachudo porque já é uma área de muito borrachudo. Então é bacana e essas são as maiores lembranças que eu tenho dessa família na praia são de Castelhanos.
P/1 – E como você definiria a sua relação com a cidade, com Ilhabela?
R – Uma relação de respeito, né? Uma relação de responsabilidade porque a gente sabe o quanto uma administração de qualidade pode influenciar no desenvolvimento de uma cidade. De muita responsabilidade, de muito amor também. Lógico, porque você tem que gostar de uma cidade pra você escolher ela pra você morar, né? Você pode nascer em qualquer cidade, você pode gostar ou não gostar da cidade que você nasceu, mas quando você escolhe uma cidade pra morar é porque você gosta dela, você não vai escolher ir morar numa cidade que você não gosta, não tem lógica isso. É uma relação também de amor, mas de muita responsabilidade. Eu acho que essa é a maior relação minha com Ilhabela, de saber e de entender os potenciais que a cidade tem, de respeitar esse desenvolvimento sempre de forma sustentável pra que a cidade não perca as suas características, não perca o seu charme, até porque Ilhabela é uma cidade especial, ela tem um charme especial. Você desenvolve a cidade mas você tem que saber fazer ela se desenvolver mantendo esse charme, né, esse diferencial que ela tem . Até porque é isso que atrai o turista, é esse jeito diferente, se ela for igual às outras as pessoas não vêm pra cá. Você tem que desenvolver a cidade porque a cidade precisa ser desenvolvida, porque ela precisa gerar oportunidades pra sua sociedade, gerar empregos, gerar riquezas, mas você não pode perder esse charme, esse diferencial. Acho que é mais ou menos por aí.
P/1 – Quais são esses diferenciais de Ilhabela? O que faz ela diferente das outras cidades?
R – É essa qualidade de vida. Você está olhando aqui uma delas, essa relação de você poder caminhar na rua, de conhecer uma parte da sociedade, de você não correr risco de ser assaltado, então você tem uma vida corrida mas monótona ao mesmo tempo, quer dizer, você ter que cumprir os horários de banco, de ter que fazer compra no supermercado, mas poder no final do dia dar uma caminhada, pegar uma bicicleta e dar uma volta na orla, de você poder conviver com espetáculos culturais que te agradam e que faz a cidade se desenvolver. Espetáculos gastronômicos que trazem gente diferente, você conhece pessoas que vêm de outras partes do mundo, do Brasil e trazem experiências, que conhecem a sua cidade muitas vezes dão mais valor às coisas que você acha normal, né? Coisa que você convive no dia a dia que você fala: “Ah”. E a pessoa vem e te mostra aquilo ali de um outro ângulo, tão especial que você nunca percebeu isso. Então acho que é isso, acho que é esse jeito, é isso que encanta aqui em Ilhabela. E eu escolhi Ilhabela. Estou deixando a prefeitura, né, estou prefeito, porque você está prefeito, tem mandato, e cada vez eu estou mais perto do final. E dá um frio na barriga, porque eu nem me imagino, eu tenho que começar a imaginar essa história de não ser mais prefeito de Ilhabela, porque você acaba estando prefeito e se achando o prefeito pra sempre. E isso não tem, tem tempo de validade, o meu é até dia 31 de dezembro se tiver saúde, né? E a Câmara deixar e o Ministério Público sossegar. Então isso é bacana e é por um determinado tempo. Tudo isso vai se misturando, mas no dia a dia é isso aqui.
P/1 – E o que você gosta de fazer no tempo livro. Então com toda a correria da prefeitura e das...
R – Olha, sobra pouco tempo livre, eu nem sei muito o que é fazer no tempo livre. A gente faz política, eu gosto de andar e pedalar na ciclovia, eu gosto de torcer para o meu time, Palmeiras, aliás jogamos hoje contra o Santos, estamos em primeiro lugar no campeonato brasileiro, vamos ser campeões em 2016, isso aqui vai ficar gravado pra eternidade, eu tenho certeza que vai falar: “Pô, o prefeito até isso acertou, hein? Disse que o time dele ia ser campeão e foi campeão brasileiro em 2016”. Nós vamos ser campeões brasileiros este ano. Eu gosto muito de torcer para o Palmeiras, gosto muito de escutar música, eu gosto muito de tomar uma cerveja, uma caipirinha, olhando pra esse mar. Isso é muito bacana, eu gosto muito disso.
P/1 – E pra gente encerrar eu queria você falasse quais são seus sonhos para a sua vida pessoal, pra cidade, como que você imagina esse porvir.
R – Eu falei sobre isso até agora. Eu acho que um grande sonho meu foi participar da vida pública, de ser prefeito e ele está sendo, eu conquistei. Isso era um sonho, esse era sonho mesmo, mais do que projeto era um sonho. E agora pra frente eu acho que a gente tem projetos. Eu quero ver meus filhos formados, quero ajudá-los a enfrentar esse mundão que não está fácil, as crises, então eu acho que eu tenho muito ainda pra ensinar pra eles tudo o que eu aprendi. Eu digo, hoje eu tenho 55 anos, eu queria voltar pra trás 20 anos, ter 35 com a experiência de hoje, com 55. Isso é impossível, né, a expectativa de vida nossa está cada vez maior, então espero ainda viver bastante pra ajudá-los aí a enfrentar a vida deles de desenvolvimento profissional, eles têm a formação intelectual deles, moral feita, minha filha nos próximos dias vai pra Veneza ficar um ano lá, vai voltar pra Itália, de onde meu pai saiu, isso é bacana. Eu gosto muito da Itália, acho que ela tem uma oportunidade muito grande. Meu filho termina acho que no próximo um ano e meio a faculdade de Engenharia no Mackenzie, ele é uma pessoa mais, não é tão dado como a minha filha, ele é uma pessoa, um cidadão um pouquinho mais pra si, é in, não é out, então ele precisa mais de mim nisso, então quero ajudá-los. Quero continuar a vida pública nacional nesse, não sei qual vai ser a minha tarefa, se for pela minha vontade é a Câmara de Deputados de Brasília, era lá que eu queria ir, pra Brasília, ser deputado federal. Não sei se vai ser isso, então esse é um projeto, não é um sonho. Como eu disse, sonho era ser prefeito, ele já foi realizado. Então tem alguns projetos que são esses aí. Continuar morando em Ilhabela, eu acho que Ilhabela é um lugar onde eu me decidi morar e se eu não morar aqui os 30 dias do mês eu quero morar a maioria deles aqui, se alguma tarefa me levar pra mais longe daqui, eu vou e volto sempre, não vou ficar fora daqui, esse é o meu projeto de vida.
P/1 – E agora a última pergunta: o que você achou de compartilhar um pouco da sua história com a gente, das histórias com a cidade de Ilhabela?
R – Olha, é uma experiência nova, né? A gente está aqui há quase duas horas falando, eu falando de mim mesmo, é engraçado. Eu acho que eu já dei um monte de entrevistas, mas nenhuma tão longa, nada nesse foco de fazer isso virar um pedacinho de um museu de pessoas. Esse é um projeto bacana que eu acho que a gente vai deixar também pra cidade. Quando a gente teve oportunidade e começamos a desenvolver esse projeto, ele me deixa curioso, eu quero ver depois isso tudo montado. Outro dia eu estava no Museu dos Naufrágios, aliás, na Exposição dos Naufrágios, o museu a gente montou dois anos atrás, a gente tem diversos naufrágios na cidade, uma história grande em relação a isso. Estamos trabalhando a vinda desse navio oceanográfico da USP [Universidade de São Paulo] pra gente fazer um naufrágio controlado e lembrando que este ano cem anos do maior naufrágio da América Latina, que foi o Príncipe das Astúrias, que em 1916, 15 a 16, já nem sei se é 15 ou 16, acho que é 16, foi agora em março, isso, em março deste ano ele completou cem anos e ceifou a vida de mais de mil pessoas. Um naufrágio do tamanho que foi o naufrágio do Titanic, muitos o chamam de Titanic espanhol, Titanic brasileiro. Naufragou aqui na costa de Ilhabela. Então a gente, quando montou esse museu e agora essa exposição dos naufrágios eu me vi lá jogando a coroa de flores a bordo do navio da Marinha e eu falei: “Nossa, isso vai ficar pra sempre na história, cem anos, essas imagens ninguém mais vai apagar”. Então a gente já fala: “Pô, já estou tão velho assim que a gente já está fazendo parte da história”. Então eu imagino que isso aqui vai ficar de alguma forma registrado pras gerações futuras, né? Emociona a gente, é bacana.
P/1 – Tá certo! Então, em nome do Museu da Pessoa a gente agradece a sua entrevista, muito obrigada.
R – Eu que agradeço essa oportunidade.
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