P/1 – Então eu queria que você começasse falando pra gente seu nome completo, onde você nasceu e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Heloisa Gomes Sofino, eu nasci aqui mesmo no município de Itapemirim e a minha data de nascimento é dia 23 de setembro de 1981.
P/1 – E seus pais são daqui mesmo?
R – São, são daqui mesmo.
P/1 – Você nasceu e já veio pra cá?
R – Isso...
P/1 – ...pra Bom Será...
R - ...desde novinha nasci, fui criada e até hoje estou aqui em Bom Será.
P/1 – E Luiza, como você descreveria assim os seus pais.
R – Ah, os meus pais? A minha mãe teve um papel muito importante na minha vida. Mas quando eu tinha uns 5 anos a minha mãe se separou do meu pai então ela lutou muito para sustentar e criar os três filhos, porque eu tenho a minha irmã mais velha e o meu irmão caçula, eu sou a do meio. Então a gente passou um pouquinho de...Acho que todo mundo passa um pouquinho de dificuldade na vida, mas graças a Deus mesmo com as dificuldades, os trabalhos nos conseguimos vencer todas as lutas e estamos aqui até hoje.
P/1 – E a sua mãe? O que os seus pais faziam ou fazem?
R – Minha mãe trabalhava na roça com o meu avô, ela era lavradora, cortava cana. O meu pai também, porque aqui. Todo mundo, a maioria do pessoal que morava aqui trabalhavam na roça.
P/1 – E aí quando eles iam trabalhar na roça...
R – É, quando eles iam trabalhar minha irmã, a mais velha, tomava conta da gente, de mim e do meu irmão mas graças a Deus foi assim, foi uma luta, mas foi uma luta boa. Foi uma coisa que nós aprendemos muito ,né? Eu com uns 11 anos por causa da luta, da dificuldade minha irmã também teve que trabalhar cedo, logo em seguida eu fui também. Tivemos que trabalhar cedo em casa de família, mas foi uma coisa boa. A gente passa a aprender a dar valor mais as coisas que a gente vem conseguindo hoje em dia, a gente passa a dar valor pelas dificuldades que a gente passou na vida.
P/1 – E como era sua casa na infância?
R – A minha casa era até meio engraçada, porque assim, minha mãe morava com a sogra dela e logo que eu nasci nós fomos morar na terra do meu avô. Então era assim, era uma casa de farinha e do lado tinha, digamos assim que era um barraquinho como a gente chamava antigamente. Então a gente morava ali, era uma casa muito simples, não tinha muito conforto, mas era suficiente pra gente viver.
P/1 – E como era essa casa de farinha, você lembra?
R – Lembro. A casa de farinha tinha um forno, era de, como o povo falava antigamente, de barro, de bambu, feita de bambu com barro, era chão, chão mesmo, nem era chão grosso, era liso. Do lado, a casinha que a gente morava era assim também, era feita de bambu com barro, porque assim, tem um nome que o povo dava antigamente, mas não me lembro. E era de telha, era de telha.
P/1 – Vocês brincavam na casa de farinha?
R – Brincava, era muito bom. A gente brincava. O pessoal ia pra lá, a família. Ia fazer farinha. O meu avô tinha um negócio que era assim, ele tinha que ver todos os netos trabalhando, porque na época ninguém podia ficar parado porque ele falava: “Quem quiser comer tem que trabalhar.” Então ele botava os netos todos em volta, porque era a família toda que morava ali então todos tinham que raspar a mandioca, mas sempre no final de tudo vinham as coisas boas. A gente brincava muito. Os mais velhos, a minha mãe, os meus tios, enquanto eles produziam a farinha, a gente brincava no quintal. Foi até engraçado que uma época a gente brincando, tava chovendo muito e comecei a brincar de pique, eu sentei embaixo de uma castanheira e caiu uma tora muito grande de madeira na minha cabeça. Deu vários cortes, machucou as minhas costas também, foi uma correria, mas no final foi tudo bem. Hoje em dia a minha mãe fala que eu tenho um parafuso a menos por causa dessa pancada na cabeça, mas é só modo de dizer mesmo.
P/1 – De que mais vocês costumavam brincar Luisa, nessa época?
R – A gente fazia fogueira no quintal a noite quando a lua tava muito clara, a gente fazia fogueira no quintal. Reunia eu, as minhas tias, meus tios, meus primos, a minha mãe. E nessa época a minha mãe já era separada do meu pai. E a gente brincava muito de “pique, se esconde”, a gente brincava de cabritinho, então foi uma infância muito gostosa. Daquela época eu sinto muita falta.
P/1 – O que era brincar de cabritinho?
R – Essa brincadeira a gente corria uma atrás do outro e tinha que pegar e foi nessa brincadeira de correr e pegar eu não conseguia, por eu ser a menor, eu não conseguia pegar ninguém e foi quando eu sentei na castanheira, o pessoal atrás. Eu não sei se por causa da chuva as toras de madeira escorregaram ou se alguém mexeu e as toras de madeira caíram na minha cabeça, mas foi bom .
P/1 – E quando sua mãe ia trabalhar então ficavam vocês três...
R – É, ficava eu, a minha irmã e o meu irmão. Ela trabalhava...A gente só via ela mesmo de domingo porque ela trabalhava de manhã em casa de família e a noite ela trabalhava em um restaurante, então a gente só tinha contato mesmo com a nossa mãe no domingo. O único dia que ela podia passear com a gente era no domingo.
P/1 – Então durante a semana ficavam mesmo só vocês três...
R – É, ela vinha pra casa, mas por ela chegar muito tarde e sair muito cedo a gente não via ela. Porque assim, ela chegava já preparava o nosso almoço, a nossa janta e aí minha irmã só esquentava pra gente poder almoçar no outro dia e seguir o caminho da escola. E a minha avó que sempre tava ali com a gente, olhando a gente pra não acontecer nada de mais e tinha aquele zelo por nós.
P/1 – E você ajudava sua irmã?
R – Ajudava porque ela estudava de manhã e eu e meu irmão estudávamos a tarde, aí na parte da manhã o que eu podia fazer eu fazia, porque criança né? Não tinha muito...Fazia, mas não sabia fazer direito mas fazia. E na parte da tarde a minha irmã chegava da escola, fazia o restante e a minha avó sempre orientando a gente porque hoje ela já faleceu, mas a gente só tem mesmo a agradecer por tudo o que ela fez por nós, porque aquela ali, é como falam: “Avó é mãe duas vezes”. E ela foi uma segunda mãe pra gente.
P/1 – E sua avó contava histórias?
R – Nossa, era muito gostoso, a gente sentava elas contavam histórias do tempo delas, de como elas viviam antigamente, que era pior do que a nossa época. Hoje em dia a gente fala que é pior do que...E vai embora, sempre uma época é mais gostosa do que a outra de se viver. Era muito divertido.
P/1 – E quando é que você foi para a escola?
R – Eu fui para a escola quando entrei de cinco anos, mas por causa desses contratempos em que a minha mãe se separou do meu pai eu estudava meio que um nômade, porque a minha mãe, por causa do serviço dela. Às vezes ela não dava certo em um lugar ela tinha que ir para outro então pra ela não deixar a gente, ela carregava a gente junto com ela. Então eu perdi muitos anos assim, muita juventude na escola quando eu era criança porque ao mesmo tempo que eu estudava em uma escola durante um ano, já ficava afastada durante 6 meses, perdi um tempo de aula porque só fui terminar mesmo meu estudo com 23 anos.
P/1 – E você estudou? O que você estudou?
R – Estudei, estudava aqui. Era a matéria normal que a gente estuda hoje em dia: português, matemática, na época era ciências, educação artística, e depois que eu passei a estudar no “Washington” comecei a trabalhar em casa de família, aí comecei a estudar no “Washington” e terminei os estudos.
P/1 – E você se lembra do primeiro dia de escola?
R – Não. Não me lembro, faz tanto tempo. Lembro assim de algumas coisas porque quando onde a gente morava, a gente fala que é um canto. Era assim, era Bom Será e tinha o canto, o canto era onde a gente tinha o nosso sitiozinho. Então a gente tinha que subir um morro, descia outro ai subia novamente pra ir pra casa, mas era bom. Foi um momento bom da nossa vida.
P/1 – Isso tudo a pé?
R – Tudo a pé. A pé porque na época a gente não tinha tantas condições como hoje em dia. Então era tudo a pé.
P/1 – E andava bastante?
R – Andava. Andava um pouquinho.
P/1 – Você ia muito sozinha, você ia em grupo?
R – Não, ai vínhamos eu e dois primos meus, que a gente estudava, que era mais jovem, então a gente estudava na parte da tarde, então vínhamos eu e mais dois primos.
P/1 – E você lembra de alguma professora que tenha sido marcante?
R – Lembro. A nossa professora foi a dona Luzinete, foi uma pessoa muito importante que marcou muito. Ela vinha dar aula, ela também inclusive andava a pé que era lá da pista pra cá, ela andava a pé pra vir dar aula pra gente, ela nunca desanimou da caminhada dela. Então foram momentos bons.
P/1 – Da pista até aqui é longe?
R – É longe.
P/1 – E Elisa, como foi a sua juventude, você estava na escola e aí você foi trabalhar, teve um momento que você foi trabalhar.
R – É, eu fui trabalhar, eu estava com dez anos ai eu tive que parar meus estudos porque foi ficando assim difícil para a minha mãe sustentar os três filhos. Aí a minha irmã também foi trabalhar, só o meu irmão ficou em casa com a minha mãe então por eu ter ido trabalhar e ficar muito tempo longe da minha mãe, porque na época a patroa falou que era pra eu ir trabalhar, mas todo final de semana eu estaria em casa e que eu ia trabalhar mas na verdade ela me levou pra trabalhar em Vitória então eu não sabia, assim criança do interior, eu não sabia o lugar onde ficava Vitória na época né? Então eu fiquei quatro meses sem vir em casa e quando eu vim a minha mãe não deixou eu voltar mais. Tinham acontecido fatos, como a morte do meu avô, que eu nem sabia que tinha falecido, a minha mãe não tinha contato comigo, nós ficamos muito tempo afastadas uma da outra então quando eu retornei, ela não quis que eu trabalhasse mais.
P/1 – Com quanto tempo você foi?
R – Eu fui com 10 anos, quando eu retornei, eu tava com 11.
P/1 – Então quer dizer, você foi trabalhar com uma família com 10 anos?
R – Isso. Eu fui trabalhar com 10 anos.
P/1 – E você se lembra da sua primeira impressão quando você chegou a Vitória?
R – Porque assim, quando eu fui, na época, nem fui de ônibus, nós fomos fazendo assim, entrava no caminhão, do caminhão entrava em outro, que a senhora que tinha me levado, nós fizemos a maioria da parte da viagem tudo de caminhão. Quando eu cheguei lá por ser só eu e ela, assim eu gostei no momento que eu cheguei, porque era uma senhora e que ele falou que eu ia pra ficar junto com ela, fazer companhia pra ela, que ela era muito sozinha. Ai uma semana que eu fiquei lá eu gostei, mas depois ela me levou para casa da filha dela. Então era uma criança tomando conta de duas e ainda tomando conta de uma casa. Então aquilo lá foi muito traumatizante na minha vida porque não era nada daquilo que ela tinha falado para a minha mãe e eu não tinha contato com ninguém porque na época a gente não tinha contato por telefone, os meios de comunicação que agora tem, então eu sofri muito, no meu ponto de vista eu sofria muito porque pra fazer comida eu tinha que botar um banquinho na beira do fogão pra fazer comida pra essa família porque eles chegavam na hora do almoço e tinham que encontrar comida pronta então eu tinha que me virar pra tomar conta de suas crianças e ainda tomar conta da casa. Então foi uma coisa muito chata mesmo na minha vida.
P/1 – Imagino. Você quer parar um pouquinho?
R – Não, pode continuar.
P/1 – Pode continuar?
R – Pode.
P/1 – E eles te pagavam por esse trabalho?
R – Não, não me pagavam. Ai na época que...Ela falou assim: “Nós vamos fazer uma visita para sua mãe”. Ai eu falei assim: ”Ttudo bem”. Ai eu pela pouca experiência que eu tinha, mas o sofrimento era muito né? Eu peguei a sacolinha...Na semana que a gente viria pra visitar a minha mãe ela começou me iludindo, comprando roupa, presente, mas a realidade veio batendo mais forte e eu peguei uma porção dessa sacolinha branca...(choro)
P/1 – Ai você voltou pra sua casa...
R – A ela foi e falou que a gente ia fazer uma visita, ai fui, entrei no quartinho onde eu dormia, peguei minhas roupas, não tudo porque ai ela poderia desconfiar, peguei algumas das minhas roupas, fui botando nas sacolinhas plásticas, enfiando tudo no banco, debaixo do banco do carro. Nisso eu cheguei lá, minha mãe viu que eu estava muito magra, perguntou como era a vida lá, eu fui e passei pra ela. Ela falou que eu não iria voltar mais. Ai a moça, a patroa ela falou: “E suas coisas que ficaram lá?” Eu falei: “ Eu não me importo para coisas materiais o que eu quero é ficar com a minha mãe, eu não quero voltar mais. Ela: “ E as suas roupas novas que estão no seu guarda-roupa e você nem usou?” Eu falei assim: “Não tem problema, o pouco que eu tenho dá pra eu vestir”. Ai eu fui e contei pra minha mãe como era, como foi, ai ela não me deixou voltar mais. Ai decidiu nunca mais ver essas pessoas. Com o passar do tempo, de um bom tempo o meu tio trabalhava na Usina Paineiras, trabalha até hoje, através do meu tio, ele conheceu o esposo dessa senhora, ela foi e mandou as minhas roupas que estavam lá. Ela viu que eu não voltaria mais e mandou minhas roupas. Ai virei para o meu tio e falei: “O senhor pode levar de volta e devolver porque o que eu passei essas roupas não vão pagar nada”. Ai nunca mais eu tive contato com esse pessoal. Mas assim, é uma coisa frustrante que acontece na vida da gente, mas dá pra gente viver.
P/1 – E como você se sentiu quando voltou pra sua casa?
R – Foi uma felicidade muito grande de ver meus irmãos, de ver a minha mãe. Depois minha mãe veio me contando que meu avô tinha falecido que eu também não sabia ai ela falou: “Se você quiser voltar você volta, mas daqui você não sai mais, então não é ninguém que vai te iludir com nada porque o pouco que a gente tem dá pra gente sobreviver, porque não importa se a gente vai comer um feijão com uma farinha ou se amanhã a gente vai comer uma carne, mas você vai estar aqui comigo, você nunca mais vai sair do meu lado”.
Então foi muito importante mesmo eu ter ouvido aquilo da boca da minha mãe e foi uma coisa que me fez sentir a realidade da vida então eu falei: “Eu não volto mais”. A não voltei porque a saudade falou mais alto, de eu ficar com a minha família.
P/1 – E aí você continuou a estudar...
R – Ai nós retornamos para Bom Será porque na época a gente morava no Brejo Grande do Sul, ai nós retornamos pra Bom Será e continuamos aqui. Ai a minha mãe foi, me deixou... Ai ela arrumou outro serviço e no serviço que ela arrumou não podia levar os três filhos, como a minha irmã estava um pouquinho mais velha falou que iria trabalhar pra ajudar a minha mãe a sustentar os irmãos dela. Ai minha mãe foi trabalhar e eu fiquei morando com a minha avó. Fiquei morando um bom tempo com a minha avó e depois já com uns 15 anos eu mesma falei para a minha avó que eu iria arrumar um serviço e comecei trabalhar. Só que no serviço que eu fui trabalhar era pra tomar conta de criança, mas assim mesmo eu fui porque eram pessoas boas, eu fui trabalhei. Ai a moça da casa que eu trabalhei sabia que eu tinha que estudar e ela era coordenadora de uma escola. Ela me mandou estudar a noite, eu não tinha idade, mas assim mesmo ela pediu. A outra coordenadora pediu para a diretora e a diretora aceitou que eu ficasse. Comecei estudando a noite e aos poucos fui terminando meus estudos. Quando chegou em 2003, já era grande, crescida como diziam antigamente, eu fiz um estágio no SAAE que foi uma coisa muito importante na minha vida, a gente conhecer mais, porque não adiantava a gente só estudar e não ter o estudo reconhecido, então fiz um estágio no SAAE...
P/1 – O que é SAAE?
R – SAAE é um tratamento de água que tem aqui no nosso município, de água potável. Ai fui, trabalhei lá em 2003 e acabei o estágio em 2004. Ai em 2004 eu conheci o Michel e nós estamos juntos até hoje, graças a Deus!
P/1 – E como você conheceu o Michel?
R – Ele, em 2002 ele jogava bola e ele veio jogar aqui em Bom Será, ai eu passei a conhecer ele. Foi assim aquela coisa de momento. Ele jogava bola, então a gente ia aos domingos no campo de futebol assistir ao jogo e depois que fui morar em Canaã com a minha mãe, que eu falei que eu era assim tipo uma nômade, não tinha paradeiro fixo, ela estava morando lá e o meu irmão, minha irmã já era casada nessa época e ela falou: “Heloisa, vem morar com a gente” Porque eu morava no Canto, na nossa antiga casa, depois foi melhorando aos poucos, foi virando uma casa mesmo, de verdade. Eu estava morando lá e ela me chamou para vir morar com ela e lá o Michel morava, o Michel morava lá, a gente já se conhecia, passamos a nos conhecer melhor e começamos a namorar.
P/1 – Foi seu primeiro namorado?
R – Foi não, eu já tive outros namorados. Tive um namorado que achei que fosse dar em casamento, mas não deu. Assim, quando a gente é adolescente a gente quer aproveitar a vida.
P/1 – O que você fazia na sua adolescência, na sua juventude, você saia com os amigos?
R – A gente saia muito, se divertia, ia pra farra. Eu tinha uma prima, tenho uma prima, até hoje, só que ela também é casada, a gente ia para o carnaval, curtia muito a vida, ia pra praia, a gente saia muito junto.
P/1 – Sua mãe deixava?
R – Deixava, porque ela falava muito comigo que: “Você sabe da sua vida, você não é nenhuma criança então saiba se cuidar, sair, se divertir, namorar você pode, mas saiba namorar e com quem namorar”. Então graças a Deus, namorei, namorei mesmo, me diverti muito, mas quando eu achei a pessoa certa foi aquela pessoa certa então estamos aqui até hoje.
P/1 – E como foi seu casamento?
R – Foi muito bom, assim, eu conheci o Michel, nós namoramos um namoro de um mês e meio praticamente, começamos a morar juntos e depois de 6 anos que a gente tava morando junto, casamos. Um casamento comunitário que teve na Prefeitura de Itapemirim, nos casamos nesse casamento comunitário. Depois de uns cinco meses que a gente tinha casado no comunitário nós oficializamos nosso casamento no religioso. Então foram uns momentos muito importantes na minha vida. Mas o momento mesmo importante foi quando eu ganhei a Camile, que eu engravidei da Camile né, que eu ganhei ela no dia 8 de março, foi uma coisa muito gostosa na minha vida a gente saber que vai ser mãe, então é uma dádiva muito importante de Deus, um filho na vida da gente. Então de lá pra cá só vem acontecendo coisas boas na minha vida, graças a Deus!
P/1 – E hoje o que você faz?
R – Hoje nós estamos aqui no projeto que tem...Nós começamos em agosto aqui mas já ficamos 4 meses, onde começamos nosso trabalho, lá no vestiário, no campo de futebol, nós começamos lá e hoje estamos aqui. Então esse projeto foi muito importante também, na minha vida, eu acho que de todas que fazem parte do projeto porque a gente aprende muita coisa. E hoje em dia é muito importante a gente estar representando nosso bordado, ser reconhecida, porque é bom a gente fazer as coisas e ter o reconhecimento.
P/1 – Você já sabia bordar, costurar?
R – Não. Nós fizemos um curso com a instrutora Olga, ela veio aqui, deu um curso pra gente e foi através dela que a Solange do Instituto Aliança soube desse curso, desse projeto que ela tinha feito aqui com a gente e deu continuidade e nós estamos até hoje.
P/1 – Você fez parte do projeto desde o começo?
R – Desde o começo que a Olga veio dar o curso. Então ela deu o curso, depois a Solange veio, fez uma reunião com a gente e nós entramos de cabeça, entramos e estamos até hoje.
P/1 – O que te motivou a fazer esse curso?
R – O que motivou, foi que na época que teve o curso de bordado eu estava com a minha filha muito pequenininha, ela tinha uns cinco meses de nascida então por eu não poder sair para trabalhar eu...Era assim, a verdadeira dona de casa, só vivia assim pra mim, para a minha filha e para o meu esposo então foi uma coisa que a gente ficava em casa sem fazer nada então as meninas falaram: “Vai ter o curso, você quer participar?” Eu falei: “Eu quero”. Uma que a gente aprende e a gente pode “estar fazendo” pra fora. Foi como aconteceu, nós começamos a fazer o bordado e começamos a bordar as blusas então hoje estamos indo cada vez mais.
P/1 – E qual é a sua atividade?
R – A minha atividade é a produção de arte. Eu produzo tipo de bordado e dou para as mulheres bordarem, as bordadeiras.
P/1 – Então, quer dizer, você cria?
R – É a gente cria. O pessoal de arte. A gente cria e dá pra elas, a gente já manda o desenho na blusa certinho, o tipo de linha, a cor da linha, tudo pra elas, elas já pegam e só bordam.
P/1 – Como é que você tira a ideia dos desenhos?
R – Os desenhos, na realidade, foi a moça, uma instrutora que esteve aqui também, a Márcia do Instituto Aliança. Ela trouxe os pontos turísticos da nossa região que é o Monte Aghá, o Frade e a Freira, os peixes, o atum, o merlim, tem as orquídeas, o beija-flor. Ela trouxe pra gente já tudo no papel desenhado, daí a gente tira do papel e joga para o tecido e do tecido a gente passa para as blusas. A gente entretela no tecido, corta e cola nas blusas.
P/1 – Você que ajuda a criar as cores?
R – É, isso. Ai a gente escolhe as cores do tecido eu e mais duas, a gente escolhe as cores do tecido, o tipo do desenho, qual é o mais bonito, qual não é, qual vai ficar legal na camisa, onde vai colocar, se nas costas, na frente, a gente vai criando, vai dando vida.
P/1 – E como você se sente quando você vê um trabalho pronto?
R – Eu fico muito empolgada, eu fico me achando mesmo porque foi igual a igreja, nós fomos criar a igreja, que veio o desenho, só que tivemos que ampliar algumas coisas, mudar algumas coisas, pra ficar melhor no tecido, então quando eu preparei a igreja, a instrutora Olga teve aqui ontem e gostou muito, então foi muito legal, a gente sentia assim: “Poxa, eu estou sendo útil em alguma coisa”.
P/1 – E você já tinha trabalhado com criação?
R – Não, não tinha não. Começamos aqui no bordado.
P/1 – E qual foi o trabalho feito que te deu mais prazer?
R- O que me deu mais prazer foi o Monte Aghá que nós fizemos para um restaurante, então ele é assim, o Monte Aghá não, o Frade e a Freira, então era uma roda cheia de tecido e ele no meio, então colocamos as cores da terra, do mar, ficamos jogando, fazendo aquele jogo de cores para ficar uma coisa mais original. Então foi assim, uma coisa que eu fiz com vontade que graças a Deus deu certo e ficou muito bonito.
P/1 – E teve algum desafio que você sentiu que você enfrentou aqui com as suas colegas, no projeto?
R – O desafio é sempre a convivência, a gente saber conviver, porque não é fácil a gente conviver com o ser humano. Então é assim, cada dia um desafio, cada dia tá sendo um desafio porque a convivência...Então hoje a gente agrada amanhã não tá agradando. Então cada dia é um desafio, cada dia que eu chego aqui tem um desafio novo.
P/1 – Mas você sente que você formou novas amizades?
R – Com certeza. Muitas amizades, conhecemos muitas pessoas como vocês, como vocês, o pessoal do Instituto Aliança, da Chevron, então é muito importante, a gente conhece, a gente faz novas amizades a cada dia.
P/1 – E o que o seu marido, a sua mãe, a comunidade, o que as pessoas em volta acham de vocês estarem fazendo isso.
R – No começo tinha muita gente, da nossa comunidade mesmo, que não acreditava. Falavam até que a gente vinha trabalhar gratuitamente para a Prefeitura, só que não é assim. Depois que começamos a dar entrevista, que a TV Gazeta esteve aqui, que eles viram como é importante nosso projeto, eles começaram a ver os nossos produtos expostos por aí. Às vezes as pessoas falam assim: “Ah, eu fui a tal lugar e vi uma camisa de vocês. Nossa!! Bacana o trabalho que vocês estão fazendo!”. Ninguém acreditava. Ai depois que a Luciá mandou fazer umas plaquinhas identificando onde tava, onde era o nosso bordado, porque muita gente não sabia chegar até aqui, eles viram a placa, Moda Bom Será. Tinha gente daqui que nem sabia que existia, quando viram a placa: “Que é Moda Bom Será? Que moda é essa?”. Ai foram passar, conhecer, dar mais valor para o nosso trabalho.
P/1 – Como é que vocês divulgam, como é que vocês comercializam?
R – Divulgar nós divulgamos em duas Feiras, na mesma Feira do ano passado, esse ano que foi de Frutos do Mar e começamos também divulgar no Café que nós tivemos com umas autoridades na Vila, no arquiteto Panela, teve muita gente importante então pra nós foi muito gratificante estar nesse café da manhã ai nós divulgamos o nosso trabalho e hoje graças a Deus muita gente pedindo encomendas, são toalhas, são blusas, que dando valor e tá saindo nossos bordados, está sendo reconhecido.
P/1 – E vocês tem um rendimento com isso?
R – Sim, nós temos um rendimento e assim, é bom também esse rendimento porque ai a gente trabalha. Foi como a Solange explicou, daqui um tempo a gente não vai estar nem precisando, dependendo dos nossos maridos porque a gente vai ter a nossa própria renda saindo daqui mesmo do bordado.
P/1 – Você já ganha um dinheiro?
R – Já, já ganhamos, continuamos ganhando porque através das encomendas que vem a gente vende, a gente ganha muito.
P/1 – O que você faz com esse dinheiro?
R – Na primeira remessa que veio o dinheiro eu ajudei em termos porque eu ajudei o meu esposo porque ele não precisava ter gasto comigo e com a minha filha, então o dinheiro rendeu mais porque ai deu pra gente comprar alguma coisinha pra dentro de casa. Então é bom você comprar, falar assim: “Ah, eu comprei com o meu dinheiro”. Tem gente que fica só nas costas do marido e às vezes não tem, depende do marido pra tudo, então tá sendo bom esse projeto.
P/1 – E o que seu marido acha disso?
R – Ele me dá a maior força, ele me dá força, no começo ele me deu vários empurrões: “ Não,vai sim, é bom, é uma coisa importante na vida de vocês, que vocês aprenderam, porque não adianta vocês aprenderem e aquilo ali ficar guardado, vocês tem que aprender e mostrar que vocês aprenderam”. Então ele me dá a maior força. Praticamente quando teve a reunião, que eu falei com ele, ele falou assim: “E você, qual foi a sua opinião?” Eu falei assim: “Eu vou aceitar” Ai ele virou e falou assim: “Ainda bem. É uma coisa pra vocês mesmo”.
P/1 – Você pretende ensinar sua filha um dia?
R – Ah ela já fica falando que quer vir para o bordado, bordar junto com a gente, ela mesmo faz: “Mamãe, já tá indo pro bordado?” Pede à nossa instrutora, ela pede uma camisa igual a nossa do bordado porque ela quer fazer parte do bordado, pretendo sim ensinar.
P/1 – Você acha que esse projeto, o que trouxe de bom pra comunidade de uma forma geral?
R – Olha, pra comunidade, pra comunidade eu não sei, só que assim pra gente que tá aqui dentro, pra essas dez mulheres que vem pra cá, elas falam que gostam muito e que está sendo muito útil na vida delas, porque antigamente elas falaram que ficavam em casa sem fazer nada e tão vindo pra cá, já é uma forma da gente tá conhecendo cada vez mais umas as outras porque mesmo a gente morando no mesmo lugar a gente não conhecia tanto as pessoas. Então aqui dentro a gente passou a conhecer mais como é aquela vizinha, aquele amigo, aquela amiga que a gente não conhecia a gente passa a conhecer mais e pra nós que estamos aqui dentro é muito bom porque a gente se diverte muito.
P/1 – Como é que vocês se divertem?
R – A gente conta muita piada, conta os micos que uma fez: “Ah eu fui a Cachoeira paguei “mico””. A gente dá muita risada aqui dentro.
P/1 – Vocês fazem os lanches?
R – Fazemos lanche, agora nós estamos cozinhando aqui porque antigamente a gente trazia. Logo no começo a gente trazia as marmitinhas de casa, de comida, chegava aqui dividia, uma dava da sua pra outra, agora não, a gente faz o lanche aqui mesmo e tudo bem graças a Deus!
P/1 – O que você sente que pra você, na sua vida o projeto tenha contribuído? O que melhorou pra você?
R – Na minha vida ele melhorou muito porque daqui eu aprendi muitas coisas. Foram surgindo oportunidades na minha vida, só fui abrindo as portas para o mundo. Igual hoje, através do bordado chega uma proposta pra mim que o meu primo era o presidente da Associação e como eu tava muito envolvida no bordado ele pegou e passou o papel dele pra mim que foi ser presidente da associação. Então hoje eu sou presidente da Associação porque através do bordado...Nós misturamos tudo, juntamos o bordado com a Associação então nós ajudamos as pessoas e foi muito gratificante porque a gente começou a dar oportunidade. Teve gente que não começou com a gente no bordado, mas depois que entramos pra cá entraram mais três pessoas, que elas gostaram, nós fizemos o convite, elas gostaram. Elas falam que é um passa tempo, mesmo porque a gente vem pra cá produzir algo pra gente tá vendendo, pra gente tá mostrando. É um passa tempo na vida delas que esquecem os problemas de casa, aqui a gente se diverte.
P/1 – Essa Associação que você fala qual é?
R- É de moradores. É Associação de Moradores de Bom Será.
P/1 – O que você imagina, que perspectivas que você vê para o futuro com esse projeto, o que você sonha com esse projeto pra frente?
R – Pra mim, pessoal eu me vejo bem longe, eu já penso alto. A nossa carreira, tanto a minha como das meninas desabrochando para o mundo, sendo bem reconhecida, tendo reconhecimento de nossos trabalhos porque nem todo mundo valoriza. Então que as pessoas valorizem o nosso trabalho. Eu penso em construir a minha casa porque eu não tenho casa, eu moro aqui na chácara do seu Ailton, mas com o pouco dinheirinho que nós conseguimos daqui já tenho um terreno pra eu construir a minha casa, então devagarzinho eu vou chegar lá, eu vou ter a minha casinha.
P/1 – Hoje então o seu sonho...
R – É o meu principal sonho, o meu maior sonho é ter a minha casa, poder construir a minha casa.
P/1 – Então hoje o seu trabalho qual é exatamente? O que você faz hoje exatamente?
R – Exatamente hoje eu to aqui no bordado, como bordadeira.
P/1 – E você também cuida da chácara.
R – É e a gente também cuida aqui da chácara.
P/1 – Bom, Heloisa, muito legal, tem alguma coisa a mais que você gostaria de contar, que eu não te perguntei.
R – Não, tá bom, acho que já foi o suficiente.
P/1 – O que você achou de contar aqui a sua história?
R – Achei muito importante, pra mim foi uma coisa muito importante as pessoas saberem um pouquinho da minha história. Foi muito bom.
P/1 – Então tá bom, muito obrigada.
R – De nada.
P/1 – Viu? Doeu?
R – Não.
P/1 – Obrigada viu, prazer falar com você.
R – Igualmente.
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