P/1 – Oi Zé.
R – Olá.
P/1 – Zé, pra começar eu quero que você me fale seu nome completo, a cidade e o local onde você nasceu, oh, a cidade a data onde você nasceu.
R – É, eu moro, como?
P/1 – Seu nome completo?
R – Meu nome completo. José Alves de Souza, moro no Piauí, morava no Piauí, cidade São João da Serra.
P/1 – Em que ano você nasceu?
R – 76.
P/1 – E a data?
R – É, dois mil e… Como é que é?
P/1 – A data do seu nascimento?
R – No, em 2006, né?
P/1 – A data do seu nascimento?
R – Tô meio perdido.
P/1 – O dia e o mês?
R – Agora não sei... Corta isso aí.
P/1 – Tá. E a sua mãe e o seu pai, o nome deles?
R – O nome deles é Domingos Alves de Souza e Maria das Neves Alves da Conceição.
P/1 – Certo. E quando você era pequeno lá em, como chama a cidade mesmo?
R – São João da Serra.
P/1 – São João da Serra? Você morava com seus pais?
R – Morava até um determinado tempo, antes deles falecer eu morava com eles.
P/1 – É? E como você lembra, assim, lá da sua casa quando você era pequeno?
R – Quando eu tinha meus dez anos meu pai faleceu, né, eu passei a cuidar dos menino pequeno juntamente com minha mãe, aí depois a gente veio pra cá pro Maranhão e ela faleceu aqui já no Maranhão e já passou a se virar já por conta, cuidar dos menores, os maiores cuidar dos menores, e assim.
P/1 – E antes do seu pai morrer você costumava fazer o que lá?
R – Costumava só estudar mesmo.
P/1 – Você estuda desde pequeno?
R – Desde pequeno. Já parei agora grande, mas estudei desde pequeno.
P/1 – E as brincadeiras?
R – Ah, eu não tinha tempo pra brincar assim muito não.
P/1 – Mesmo antes do seu pai morrer?
R – Ahãm. Sempre trabalhando, assim, em casa mesmo, fazendo alguma coisa em casa.
P/1 – Como que era seu dia quando você era pequeno?
R – Ah, o meu dia era meio cansativo, tinha que estudar, tinha que olhar as criança.
P/1 – O que você fazia na sua casa, que atividades você fazia? Você cozinhava também?
R – Cozinhava, cuidava da casa.
P/1 – E o que você cozinhava?
R – Ah, arroz, feijão, comida mesmo, normal mesmo.
P/1 – Você gostava de comer o que?
R – Ah, peixe, carne de bode, essas coisas assim.
P/1 – Peixe? Você morava perto de algum lugar que dava pra pescar?
R – Morava, meu pai era pescador.
P/1 – Ah, e o que ele pescava?
R – Pescava vários tipos de peixe.
P/1 – Tipo qual, você lembra?
R – Como branquinha, é, surubinha...
P/1 – E qual era mais gostoso?
R – Surubinha.
P/1 – (risos) Como é que vocês faziam, vocês fritavam?
R – Cozido, frito, na brasa.
P/1 – Na brasa? Ele é bom de fazer na brasa?
R – É, tipo churrasco, né? Assado.
P/1 – E quantos irmãos você tinha, você tem?
R – Nove.
P/1 – Nove? Tudo homem?
R – Irmão homem. Uma mulher só. Dez ao todo.
P/1 – Dez ao todo?
R – Ahãm.
P/1 – E você é o mais velho de todos?
R – Não, tem mais quatro mais velho do que eu.
P/1 – E esses mais velhos eles te ajudavam?
R – Não, esses ficavam mais fora, trabalhando fora. São Paulo, outros lugares, prá cá pro Maranhão antes de nós vir pra cá, e ficava rodando, né? Fiquemo lá no Piauí tipo esquecido, né, por eles, que eles não ligava mais, até nós conseguiu se encontrar novamente, estamos agora aqui todos juntos, quase todos.
P/1 – Vocês se veem hoje em dia?
R – Vê sempre.
P/1 – Você lembra de alguma história engraçada, legal que aconteceu com você quando você era criança?
R – Não.
P/1 – Não? No rio?
R – No rio não. Ah, lembro. Tem uma vez que eu tava pescando e aí tinha uma cachoeira bem alta, aí eu tava com saco de peixe assim, aí nós pegava o peixe e o peixe tem aquele óleo, né, aí nós fomos passar de um lado pro outro da cachoeira aí ele agarrou minha mão, né, aí eu não consegui passar, mas ele passou, mas não consegui passar, né, aí quando ele agarrou minha mão aí foi escorregando, escorregando, escorregando. Não é uma história engraçada, mas eu achei porque tô vivo hoje, né, eu cai lá embaixo na cachoeira.
P/1 – Você que escorregou?
R – Aham, uns 30 metros de altura eu caí na água. Sobrevivi devido um tronco que eu encostei, assim.
P/1 – E a cachoeira era de poço?
R – Era, cachoeira de queda assim. Eu era menor, né, ele passou, mas eu não consegui passar.
P/1 – Seu irmão?
R – Hum, aí ele...
P/2 – Nossa Senhora, hein?
R – Foi, um aperto.
P/1 – Caramba, gastou uma vida lá?
R – Gastou uma vida. Ele queria pular lá de cima lá pra me encontrar, mas se ele pulasse ele morreria, que era muita pedra lá embaixo, aí quando ele viu eu subir assim aí ele desistiu de pular, aí desceu e me pegou.
P/2 – Tinha alguma história que sua avó contava, assim, de fantasma, alguma coisa assim de lenda, sabe?
R – Avó?
P/2 – Sua avó, sua mãe, seu vizinho.
R – Não, só história mesmo, comum mesmo, história de lobisomem, as coisas assim.
P/2 – Conta aí?
R – Eu não lembro mais não. Muito tempo.
P/2 – Ah, tá com vergonha de contar, né? (risos)
R – (risos). É não.
P/1 – E na escola, você falou que você vai pra escola desde pequeno.
R – Desde pequeno eu sempre frequentei a escola. Parei já depois que vim pra cá morar no Maranhão eu parei.
P/1 – E a escola era perto da sua casa?
R – Era próximo.
P/1 – Você ia como?
R – Eu ia a pé mesmo. Pertinho, né?
P/1 – E você tinha amigos lá?
R – Tinha, bastante. Muito amigo.
P/1 – Como que era lá na escola?
R – Era legal, era calmo lá, tranquilo, às vezes rola uma briguinha, né, porque escola sempre comum, né, ter uma confusãozinha mas era muito rival não.
P/1 – Você já brigou na escola?
R – Já.
P/1 – Conta aí uma briga.
R – Briga porque, o seguinte, eu tava sentado, então o menino veio e me empurrou, ele tinha raiva de mim porque eu era muito calado, né, muito calmo, aí ele me levantou da cadeira, me furou com o lápis. Eu saí correndo rodeando a cadeira, a sala, rodeando, rodeando, rodeando e ele foi nas costas com o lápis, aí eu fiquei um pouco zangado, voltei e peguei ele e dei umas bolacha nele assim. Aí veio o irmão dele, eu dei outras bolacha no irmão dele, aí acabou tudo bem, ficou só intrigado um dia, depois voltamos a se falar depois de grande.
P/1 – E o que aconteceu, a professora fez alguma coisa, a diretora?
R – Fez, só suspendeu eu e ele uns 15 dias só.
P/1 – Quinze dias? E aí você estudou até que série lá na sua cidade natal?
R – Até a sexta série, quinta série.
P/1 – Foi quando seu pai faleceu?
R – Foi. Já faleceu já em Teresina, nós já tava morando aqui. Agora minha mãe já faleceu aqui, povoado aqui, _________.
P/1 – E como que vocês mudaram pra cá, como que vocês resolveram mudar pra cá?
R – Porque tinha um irmão nosso desaparecido assim lá no Piauí, tava fazendo dez anos que ele tava pra cá, né, fora de lá, sem contato, sem nada, aí devido um monte de situações lá, muita gente, muita criança, né, aí eu e outro mais velho resolvemos sair à procura desse irmão nosso. E tinha uma notícia que tava pra cá, e até encontramos ele aqui. Aí encontramos ele aqui, ele ficou muito feliz, ficou muito alegre devido ele ter visto nós já com dez anos atrás, saiu quase adolescente de lá, chegamos aqui já tava bem adulto já, e aí então ele chegou à ideia que a gente fosse buscar a família pra morar aqui no Maranhão e a gente fez isso, né? Eu fiquei e esse outro irmão meu que veio comigo foi lá, pegou a família e trouxe pra cá. Aí chegamos aqui com um ano, aí nós organizou aí um dinheiro aí, trabalhamos, aí fomos buscar o outro que morava em São Paulo também, que tava nessa mesma coisa também, um bocado de tempo sem contato. E aí agora estamos aqui, todos reunidos aqui. Pertinho.
P/1 – E vocês vieram aqui, você falou que vocês trabalharam e arrumaram dinheiro pra trazer os seus irmãos de volta. Vocês trabalhavam no quê?
R – Aqui? Roçando mato, fazendo uns serviços de pedreiro, tudo que passa a gente encarava.
P/1 – Você tinha quantos anos nessa época?
R – Essa época eu tinha 20 anos. Hoje eu tenho 31 anos.
P/1 – Seu primeiro trabalho aqui foi qual?
R – Meu primeiro trabalho no Maranhão foi roçar, é, ajudante de pedreiro, depois passei a ser pedreiro, sangrar siri, e aí muitos outros por aí, carvoaria, ____________, muito tipo de serviço.
P/1 – E aí ... E aí depois você, é...
P/2 – Como é que foi quando você começou a trabalhar nas carvoaria, era como?
R – Carvoaria, deixa trabalhar em carvoarias, e ele tinha o costume, tinha o conhecimento, lá onde a gente mora não tem esse tipo de serviço assim, eu acho muito estranho, muito pesado, muito diferente. Primeira vez que eu trabalhei lá, eu trabalhei três dias e pedi pro patrão: “Rapaz, eu vou embora que eu não aguento.” Ele disse: “Nada rapaz, você não tá acostumado”, e tal, mas aí eu me acostumei mesmo, só que é uma coisa muito pesada.
P/2 – Mas é um trabalho muito duro, né?
R – É um trabalho muito duro e sem nada, sem ________, sem segurança, sem nada, sem nada. Muito...
P/2 – Você fazia todas as etapas? Porque eles falam assim que tem uma que você põe no forno, tem que tirar do forno, abater árvores...
R – Todos, menos abater árvores, né? Mas eu carregava as tora no caminhão, tirava forno, enchia forno, ia pegar água pra molhar o forno, pra apagar o forno, entrava no forno quente, descalço.
P/2 – Não passava mal, não?
R – Muito mal. Em relação à comida, os alimento, tudo... Não tinha assim quem vê, não, a comida era cortada no pé ....
P/1 – Você morava na carvoaria?
R – É, o tempo que eu trabalhei eu morava lá.
P/1 – Você trabalhou quanto tempo?
R – Ah, eu trabalhei várias, eu trabalhei um mês, outras dois mês, outras três, muitas, aqui mesmo, no Pará também, várias.
P/1 – E como é que você saía de uma carvoaria quando você trabalhava nela?
R – Eu saía deixando metade do dinheiro, porque nunca que eles pagam todo, né, a maioria das carvoaria não paga tudo completo, aí o resto largava pra lá e vinha embora, aí vinha embora, passava uns dias em casa aí sem serviço novamente aí saía novamente a busca de trabalho.
P/1 – E sair era tranquilo de lá? Você conseguia sair ?
R – Algumas vezes sim, outras vezes não. Muitas vez, outra vez que trabalhava numa fazenda aqui que fui cobrar o que tinha pra receber aí ele disse, o pessoal, ameaçaram, foi, aí eu peguei, vim embora a pé, dormi na estrada, passei, andei 30 quilômetros a pé, caminhando, depois pra chegar na pista, no asfalto, andei mais 72 aí cheguei em casa, com fome, pé inchado de andar e triste.
P/1 – E era aqui em Açailândia?
R – É, aqui na região aqui de ________.
P/1 – E aí depois das carvoarias você começou a trabalhar com outras coisas, como é que foi?
R – Aí depois das carvoarias é o seguinte, eu arrumei uma família aí fui procurar parar, na cidade arrumar outros tipos de atividades, uns serviços assim de pedreiro e aí fui se encaixando, abandonei as carvoarias, é, o pessoal apresentar esse projeto, tudo, passar por uns curso, capacitação, e eu fui observando mais, tudo direitinho, e hoje tô nesse projeto aqui e não devo sair agora tão cedo, se Deus quiser, né?
P/2 – Antes da gente entrar nesse tema do Centro Defesa, o que você gosta de fazer no seu tempo livre? Ficar com as crianças, comer?
R – Não, as crianças não tão comigo mais não.
P/2 – Separou?
R – Ahãm, tão morando com a mãe lá, deles.
P/2 – Mas o que você gosta de fazer, assistir uma TV?
R – Não, não tenho TV não.
P/2 – Ficar à toa, descansar?
R – Descansar, vô pro colégio, pronto, no outro dia continua a atividade novamente.
P/1 – Você voltou a estudar aqui?
R – Voltei a estudar novamente.
P/1 – Você estuda junto com o pessoal aqui da cooperativa?
R – É, com o projeto da escola aí que tá tendo, aí peguei a oportunidade e voltei a estudar, tô estudando agora.
P/1 – E você tá gostando?
R – Tá, tá legal.
P/2 – É meio difícil, né, no começo?
R – No começo é porque é muito tempo que você passou sem estudar, pra você se encaixar naquilo novamente demora um pouco, mas até que dá pra conseguir.
P/1 – E o que você já aprendeu lá, assim, que você gostou?
R – Na escola?
P/1 – Isso.
R - Ah, por exemplo, tirar conta, em português, tudo isso, matérias ótima que tem lá.
P/2 – Como é que foi que você conheceu o Centro de Defesa?
R – O Centro de Defesa tinha uma equipe de pessoal que andava visitando as casa aí, preenchendo uns cadastro, tipo uns cadastro, aí eu fui analisar, eu pensava até que era outra coisa, né, aí eu fui ler, fui frequentando as reuniões, fui observando, fui com mais cautela e aí fui chamado pra fazer parte do projeto e estamos aí hoje.
P/1 – Você tá desde quando?
R – Tô com um ano agora, um ano e uns meses aí.
P/2 – Mas foi por iniciativa sua então que você ficou sabendo e...
R – Foi, fiquei sabendo e fui gostando da palestra, né, pessoal, pessoal tudo simples, pessoal ótimo demais, né, e aí eu fui acabando esquecendo aquela vontade de sair pro mato, pras carvoarias, pras fazenda, né? E aí tamos aí.
P/1 – E você me falou que você é vice-presidente da Cooperativa? E aí, como é que é isso?
R – Ahãm. Ah, tamo até hoje tá legal. O pessoal, todo mundo concorda, todo mundo se dá muito bem.
P/2 – O que você faz como vice-presidente?
R – Como vice-presidente eu acompanho o presidente em algumas opções que temos que fazer, em algumas coisas que eles têm presença, sempre com ele.
P/2 – Coisas administrativas, conversar com o pessoal?
R – É, é.
P/1 – Como é que é, assim, que funciona a cooperativa, tem você vice, aí tem o presidente?
R – Tem o vice-presidente, aí tem o presidente, tem o vice, tem os secretários, primeiros secretários, tem os tesoureiros, uma diretoria, formamos a diretoria da cooperativa, e a cooperativa é, sabe como é que é, a cooperativa tem que cooperar, né, a gente paga os custos tudo direitinho e divide as sobras em partes iguais, né?
P/1 – Divide igual pra todos os trabalhadores?
R – Ahãm.
P/1 – E todo mundo faz tudo ou cada um faz uma coisa?
R – Não, quando um tem uma função que tá naquela gestão que não acaba aquela função outro vai ajudar aquele e tipo assim, e fica só numa coisa só.
P/1 – Roda?
R – É, sempre reveza.
P/1 – E qual que você gosta mais, qual atividade, qual função?
R – A função aqui mesmo, gosto mais aqui é de cortar carvão, e tem muitas outras, aqui a gente gosta de todas elas, tem que aprender a gostar de todas elas porque a gente faz todas elas, né?
P/2 – Conta aí um dia, assim, de trabalho. Acordou, levantou, tomou café, veio pra cá...
R - Ah, trabalha aqui, a gente acorda, toma café e espera o pessoal chegar no horário de sete horas e aí reúne o grupo, muitas vezes a gente faz uma oração, o pessoal, aí o pessoal trabalha todo animado, alegre, sorrindo. Não tem muito problema entre a gente aqui não, graças a Deus.
P/1 – Você disse que esse carvão é diferente, né? Como é que é, ele...
R – É, ele é composto da moinha da argila e da fécula da mandioca. É, com a durabilidade de cinco horas de fogo, sem ________ pedra, né, é, não estrala, não fumaça, não dá aquela cinza, e a cinza dele, o pouco da cinza que dá ainda é utilizada pra adubo, né? Tem muito calcário nele, muito ótimo, muitas qualidade boa ele tem.
P/2 – Quem é que criou esse?
R – Foi um senhor de Borges que inventou.
P/2 – Nossa, demais, né, ecologicamente correto.
R – É, cinco anos desenvolvendo essa mistura aí.
P/1 – Por isso que ele é todo quadradinho assim?
R – É.
P/2 – Conta a etapa pra gente quais são as etapas que acontecem aqui nesse galpaozão aí.
R – De trabalho a gente pega às sete e larga às 11. Aí retorna a uma hora e larga às cinco horas. Aí larga as cinco horas da tarde.
P/1 – E pro carvão ficar assim, desde a matéria prima, desde a cinza do outro carvão, como é que é?
R – É, pra ele ficar?
P/1 – É, como que faz esse carvão, quais são as etapas?
R – As misturas. Tem que pegar um pouco da moinha, né, e um pouco da argila e um pouco da fécula, aí molha ele com a fécula cozida, aí passa na máquina, aquele retrocesso da máquina aí saí os quadradinho assim, aí vem umas pessoas com as tabuinha, assim, pegando, jogando no pátio e uma pessoa cortando, assim, manualmente assim mesmo.
P/1 – E tem que por no fogo?
R – Não, ele é exposto ao sol. Passa três dias no sol pra secar.
P/2 – Tá pronto?
R – Pronto pra queimar, comercializar, churrasco é essencial demais, bom mesmo.
P/1 – E você tava contando ali pra aquele senhor lá a quantidade que vocês fazem por dia.
R – A quantidade que nós faz é 80 sacos de 40 quilos por dia. 80 sacos.
P/1 – Todos os dias?
R – Ahãm. Assim, quando não tem pendência nenhuma, né, quando pega direto assim mesmo é 80 sacos por dia.
P/2 – Quem que compra esse carvão?
R – Aqui a gente tá mandando pra São Paulo, pro Pará, Minas Gerais, um monte de lugar, aqui na região mesmo muito procurado também.
P/2 – E quantas pessoas são cooperadas aqui?
R – Aqui é um total de 20 pessoas cooperadas.
P/2 – Deve ser um, parece que tem um clima de amizade muito grande, né?
R – Tem, muita, muita amizade.
P/2 – Cada um deve ter uma história...
R – Sempre irmão aqui, muito legal.
P/2 – Vem muita visita aqui, que nem nós assim?
R – Vem, várias visita, muita, muita, muita. Tava até demorando procês vir porque antes todo final de semana tinha um pessoal diferente aqui visitando, Ana Paula Padrão e outras, muitos muitos vieram aqui visitar já.
P/2 – O que você acha disso?
R – Eu me sinto maravilhado de ter um projeto desses, importante pra você, né, chegar até aqui, vim, ver e comprovar e o que é realidade, que é bom mesmo o produto, né, e apesar de não agredir o meio ambiente acho uma coisa boa mesmo.
P/1 – E na sua vida, o que mudou, assim, você entrar pra cooperativa, você começar a participar desse projeto?
R – Ah, minha vida depois que eu comecei a participar do projeto mudou muito, muito, muito. Apesar da vida que eu era antes, né, sempre rodando aí no mundo aí, sem ter lugar pra ficar, hoje não, hoje já tenho lugar, já tenho muitas amizade, mudou muita coisa.
P/1 – Você mora aqui perto da cooperativa?
R – Moro, logo ao lado ali da cooperativa.
P/1 – Então você acorda e já vem pra cá?
R – É, acordo e venho pra cá, praticamente não saio nem quase daqui, que moro ali do lado e tô toda hora aqui, acostumei já.
P/1 – E o que você sonha mais em fazer, assim, a partir de agora?
R – Ah, eu sonho em fazer é, subir até o degrau, subir o degrau até chegar num objetivo qualquer, né, isso que eu espero.
P/1 – E você já vê esse objetivo?
R – Vejo, com certeza.
P/1 – Como ele é?
R – Ah, ele é, o objetivo que eu vejo é o que eu pensava que, sempre a gente tem um sonho, né, de ser alguma coisa, só que muitas vezes a gente sonha, mas o sonho muda, né, às vezes pra melhor, às vezes pro básico, né, e aí tô aguardando quando essa luz brilhar, né?
P/2 – E você tá gostando de voltar a estudar?
R – Até que estudar eu acho um pouco chato, mas isso faz bem pra gente, né, mas a gente tem que ir mesmo e tamo indo todo dia, né?
P/2 – Que você acha lá do pessoal do Centro de Defesa, lá, do trabalho que eles fazem?
R – Ah, o trabalho deles é muito vantajoso, né, apesar de resgatar muitas pessoas aí do trabalho escravo, e tão acompanhando e tudo aí e mantém, né, aquela força, aquela garra, aquela força que eles têm passa pra gente e a gente pega e bota pra frente, as pessoas boa.
P/2 – E esse trabalho de vocês é pioneiro no Brasil.
R – É.
P/2 – Como é que é, essa coisa de ser vice-presidente é de responsabilidade também, né?
R – É, responsabilidade. Me nomearam a ser vice-presidente e tamos aí, né?
P/2 – Por que você acha que te escolheram, assim?
R – Não sei, sei lá, eu nem imaginava, né, de repente me escolheram.
P/1 – E você fica quanto tempo agora como vice-presidente?
R – Quanto tempo é, parece que é três anos, três anos aí passa pra outro.
P/2 – Três anos é um tempo bom, né?
R – Ahãm, três anos é.
P/1 – Dá pra fazer bastante coisa.
R – Dá.
P/1 – E como que vocês escolhem, assim, o novo vice?
R – Começa escolhe um pra diretoria, pra ser um da diretoria a gente faz uma assembleia geral, aí faz uma votação entre todos e aí é escolhido o vice-presidente, o presidente, o secretário, é assim.
P/1 – Tá bom, e o que você achou assim de falar sobre isso, lembrar da sua infância um pouco?
R – Eu achei legal, mexe um pouco mais.
P/2 – Mexe?
R – Mexe.
P/2 – O que te lembrou, assim, que te mexeu?
R – Hum, é, mexeu que é devido a gente ter, assim, a família pela gente aqui perto, né, pai, mãe e tal e agora não tem, né, tem mas a gente não pode abaixar a cabeça, tem que sempre caminhar em linha reta pra ver o objetivo lá na frente, né? Que a pessoa que vai, né, isso é uma vida, nós tamo aqui numa vida emprestada, então mais tarde a gente tem que ir lá em cima conversar com o homem lá e ver se nosso nome tá lá no livro de ponto lá e vamo lá.
P/1 – Mas agora você tem seus irmãos perto de você?
R – Tenho meus irmãos, mas só que eu moro só, assim, cada qual mora no seu lado, mas tá todo mundo reunido aqui, próximo.
P/2 – Dá saudade, né?
R – Ahãm, muita.
P/1 – E vocês costumam se reunir, você e seus irmãos em festa?
R – Não, não, até que eu não gosto muito de festa não. Alguns irmãos meus gostam, mas eu nunca gostei. Minha mãe me ensinou a, assim, sei lá, nunca gostei de festa, não, meus irmãos gostam, mas eu não, dificilmente eu saí, só quando vem um incentivo, assim, eu saio um pouco assim, mas não gosto tanto assim não.
P/1 – E tinha festa quando você era criança, você lembra?
R – Tinha, era perto de casa festa assim, eu não ligava não, o negócio era só estudar mesmo, cuidar dos outros menor.
P/2 – E igreja, você vai?
R – Igreja, difícilmente. Difícil.
P/2 – Você tem uma vida bem tranquila então.
R – Quase (risos).
P/2 – Gosta de ficar em casa.
R – É, eu gosto de ficar em casa, assim, pensando, na escola, escrever alguma coisa, ler um livro, assim, não gosto muito de balada não.
P/1 – Tem alguma coisa, assim, um recado que você queira dar pra quem já passou pelas carvoarias, já trabalhou assim desse jeito ruim?
R – Ah, o recado que quero dar é pras pessoas que trabalham, que continuam trabalhando nesse tipo de trabalho… Um trabalho escravo que é uma coisa que afeta muito essa região do Maranhão, Pará e muitos outros lugares aí. Eu queria pedir uma conscientização primeiramente dos fazendeiros que não fizesse esse tipo de coisa, isso aí pra mim é uma desumanidade, né, é uma coisa que magoa muito nossas pessoas de baixa classe, de baixa renda, isso é uma coisa que eu gostaria que eles observassem mais, olhassem mais de perto, aquele trabalho digno que a gente trabalha pra conseguir o pão e pensasse melhor nas suas crianças também que poderá a qualquer momento passar por isso, sei lá, não é porque tem só uma vida de rosas, não, de repente as coisas muda, né, aí eu acharia que tinha como alguns e outros aí fazer melhor, né, fazer melhor, até ajudar uma parte, não ajudar, dar o que é dele pra gente, né, mas pelo menos ter aquela dignidade, aquela consciência de pagar direitinho, tudo organizadinho, uma boa alimentação, um bom lar pra dormir porque a coisa pior que tem é você tá trabalhando, cansado, serviço pesado, chegar tarde e não ter um lar pra você relaxar o corpo pra amanhã retomar o trabalho, dormir no sereno, dormir no relento, não ter um lugar exato pra você tomar banho, tudo fora de norma, pra mim eu acho uma coisa que fica demais. Nós seres humanos, acho que nós não merece isso porque a escravidão passou já, teve aquela mulher lá que fez lá tudo, tirou nós de lá e porque que tá voltando novamente, né, podia não ter mais isso, né, podia acabar, mas está parecendo aquela corrente no pé de antigamente.
P/1 – Você se sentia assim?
R – É, me sentia assim. Coisa que, triste demais.
P/2 – O que você acha que precisa mudar mais, assim?
R – Em relação a isso aí? O que eu acabei de falar, a pessoa ter a consciência de acertar com as pessoas direitinho, né, mudar o lar de dormir, o ambiente de trabalho, tudo, a segurança, que é o que falta muito, é maioria que trabalha assim.
P/1 – Você chegou a se ferir, se machucar durante o trabalho na carvoaria?
R – Ah, várias vezes. Corte, foice, coisa assim. Até que acidentes assim, é, ninguém evita, evita meio que tem um equipamento, mas quando é pra acontecer sempre acontece, mas com equipamento já maneira mais.
P/2 – Seu José, a gente queria agradecer muito essa oportunidade, de que é um prazer ver um trabalho bom assim no Museu, é um presente pro Museu, assim, estar presenciando isso, e muita força pra essa luta continuar e a cooperativa se fortalecer cada vez mais.
P/1 – Obrigada viu, Zé.
R – Obrigada você.
P/1 - De contar essa história pra gente, tomara que ela sirva pra outras pessoas não passarem por isso que você passou.
R – Puxa, tomara viu. Porque é muito triste.
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