Projeto Kinross Paracatu
Depoimento de Moacir Correia Guimarães
Entrevistado por Marcelo da Luz e Luiz Gustavo Lima
Paracatu, 13/06/2017
KRP_HV20_ Moacir Correia Guimarães
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Liliane Custódio
P/1 – Então, Moacir, nós agradecemos você ter topado participar dessa entrevista conosco hoje à noite, nesse trabalho do Museu da Pessoa junto com a Kinross. Muito obrigado em nome de toda equipe, do Gustavo também. Bem, para começar, seu Moacir, você poderia dizer o seu nome completo, o local e data de nascimento?
R – Perfeitamente. O meu nome é Moacir Correia Guimarães, eu nasci em 20 de março de 1953, aqui no município de Paracatu.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – Pedro Correia Guimarães e Jordelina Coimbra Guimarães.
P/1 – E o nome dos seus avós?
R – O meu avô paterno é o Carlos Correia Guimarães e a minha avó materna, Joana de Melo Monteiro, que era esposa do Carlos. Avó paterna, desculpe. Meu avô materno, eu não conheci, chamava-se Porcidônio José Coimbra, ele era açougueiro, trabalhou no Mercado Municipal muitos anos, era muito conhecido. Conheci a minha avó, que era Martinha Mendes Teixeira. Eu tenho fotografia desses avós, menos do Porcidônio.
P/1 – E qual era a atividade dos seus pais?
R – A minha mãe era costureira. Ela trabalhou muito costurando. O meu pai era um pequeno agricultor, trabalhava nesse sistema de meeiro. Eles tinham uma propriedade, que era do meu avô, que morava assim, era tipo uma aldeia, os filhos moravam ali em volta. Mas meu pai, quando saiu de lá... Uma parte da minha infância, foi na zona rural. Quando chegou a idade de escola, aos sete anos, que a gente veio pra cidade, meu pai comprou uma casa aqui e ele passou a trabalhar para os outros. Deixou lá o sítio, a fazendinha lá, e veio. E trabalhava com os fazendeiros nessa proposta de meeiro. O fazendeiro dava terreno preparado com a semente, o resto era com ele. Posteriormente, ele ficou enfermo, aí ele já não podia trabalhar, precisava tratar, eu o levava muito a Brasília pra tratar. Na época, pra gente conseguir melhor um tratamento era lá. E ele então passou a trabalhar no transporte, pequenos fretes, com uma carrocinha de animal aí na cidade. Ele já tava enfermo, ele ficou fazendo esse trabalho... Ele foi um grande exemplo pra mim, um homem muito paciente. Minha mãe já era mais nervosa. Minha mãe ainda é viva até hoje, mais de 80 anos. Mas meu pai era muito paciente. Eu acho que eu herdei um pouco dele. Um dia um amigo falou comigo assim: “Moacir, se de repente você se vir fechado num quarto, num recinto fechado, quatro paredes, você não sabe por onde entrar, nem sair, o que você faz?”. Eu falei: “Eu deito e durmo”. Ele até riu muito disso aí. Mas acho que foi a maneira que eu provei pra ele a minha calma. É claro, evidente que tem momentos que a gente tem momentos explosivos também, mas detesto aborrecer as pessoas. Se quiser me ver de mal humor é se eu tiver que ser grosseiro com alguém num momento de ímpeto assim, depois são dois, três dias de paixão. Eu não gosto. Realmente eu não gosto. Mas voltando ao caso do meu pai e minha mãe, nós somos 12 irmãos, eu sou o filho mais velho, fiquei como arrimo de família, porque ele era chagas, que ele morreu com 48 anos. Minha mãe tava gestante do meu irmão caçula, ele nasceu duas semanas depois que meu pai faleceu. Ele não conheceu o meu pai. Considero-me muito, porque eu ajudei a minha mãe a criá-lo. Tem um sentimento comigo desde criança, que eu tinha pressa de crescer, ser homem logo, que eu via as dificuldades do meu pai e queria ajudar a família. E em parte, Deus me deu o prazer de cumprir esse desejo, porque eu consegui começar a trabalhar muito cedo. Oito anos de idade eu já trabalhava, trabalhei no comércio. Naquela época não tinha as leis rigorosas de hoje, então a gente trabalhava com disposição, a intenção era ajudar a família, tinha esse sentimento. Eu comecei a trabalhar no comércio. A área de fotografia, eu entrei... Eu tive uma primeira experiência antes de 1970, coisa de dois meses, mais ou menos, depois aquele moço foi embora de Paracatu. E posteriormente eu conheci um amigo aqui, Augusto João de Souza, era dono do Arte Foto, um dos estúdios mais antigos da cidade na época, e ele me ofereceu oportunidade, contado pra ele um dia que eu tive meia experiência, ele falou: “Você quer fazer um teste lá comigo, tal?”. E deu certo. Aprendi com ele. Quando foi 1971, ele abriu outro estúdio e eu assumi a responsabilidade daquele estúdio. Ele me deu pra trabalhar com 50% no lucro. A gente comprava tudo que precisava e no final do mês dividia o lucro. Naquela época, era diferente de hoje a fotografia, era só preto e branco. Colorido começou a aparecer o monóculo, né? O slide usava monóculo, que aquilo quando apareceu em Paracatu foi uma coisa fantástica. Nas primeiras férias que eu tirei, foram só 15 dias, eu fiquei os 15 dias trabalhando, fazendo monóculo por aí, periferia, pra dar um complemento no ganho, afinal de contas, era eu e minha mãe pra tratarmos de mais 11 irmãos. Mais dez, porque um já tava rapaz e ele foi trabalhar fora, o segundo. Mas Deus nos ajudou muito e aquele desejo que eu tinha de criança aconteceu, apesar de que dependeu do falecimento do meu pai pra eu realmente assumir a direção de casa, coisa que eu nunca imaginava, chorei muito. Até hoje eu não posso me lembrar dele, que eu me emociono. Mas eu acho que valeu a pena. Eu nunca tive pretensão de riqueza, de ser uma pessoa rica, nunca tive ambição. Já ajudei alguns concorrentes aqui a se projetarem na cidade, tem dois amigos aí. São concorrentes, mas são amigos. Eu não sei se eles me consideram assim, mas eu os considero. Foram pessoas que pediram ajuda, eu dei sem nenhum escrúpulo. Eu acho que cada profissional tem seu estilo, pode ser até copiável, mas é difícil se conseguir uma cópia, ou imitar, ou plagiar o trabalho de outro, ficar perfeito. Então cada um tem seu valor profissional e tudo. No caso, por exemplo, que eu tava dizendo antes, eu tive uma experiência no comércio, trabalhei em frutaria, trabalhei em bar, até chegar nessa época de 1970, que foi a oportunidade que eu tive, aí me firmei. 1975. Setembro de 1975, foi quando eu abri o meu Foto Guimarães, que tá até hoje com o mesmo nome. Com a evolução, aí a própria evolução da tecnologia e tudo, acaba empurrando a gente, você tem que buscar outras alternativas. Aí a gente foi avançando aos poucos e tal. No começo da fotografia, só pra encerrar isso aqui, no começo da fotografia foi interessante que a gente... Fotografava-se tudo. O cara morria enforcado, chamava o fotógrafo, a gente tinha que ir lá. E eu tinha um colega, ele era muito medroso, quando ele chegava lá, via o cara pendurado, depois ficava três dias sem dormir. Eu já não tinha esse problema. Única vez que eu tive medo, uma única vez na minha vida, eu vi um acidente de carro na curva da morte, eu fui lá pra fotografar, fazer as fotos de perícia, e voltei de lá impressionado com o que vi, me custou muito dormir aquela noite, mas foi a única vez também. Mas aí morria um cidadão ali, “ah, tava no hospital, morreu”, a família: “Manda chamar o fotógrafo” – chega lá o Guimarães correndo pra fazer a foto, o enterro quase saindo. Você chegava lá com a máquina pra fazer a foto: “Vamos ajeitar aí. Quem quer sair na foto?”. O pessoal ficava lá com aquela cara triste ao lado do esquife, do caixão, aí vinha um de lá brigando. Na hora que eu tô pronto pra fazer a foto, era tudo pose, aí vinha um lá brigando: “Quem mandou fazer foto? Não, a foto vale é do cara com vida, morto eu não quero saber” “Não, mas tem fulano que não viu” “Ah, mas vai vê-lo morto?”. E eu me envolvia no meio dessas brigas, eu tinha que apaziguar o povo, e no fim a gente nem ganhava dinheiro. Por fim, chegou uma época que eu falei: “Não. Esse trabalho eu não faço mais, não. Parei de fazer”. Despistava e a pessoa ia procurar outro. Mas era assim. Agora, hoje até com celular. A pessoa tá lá, se quer, faz. Mudou tudo (breve interrupção).
P/1 – Moacir, você falou que na sua primeira infância o seu pai era meeiro, vocês moravam na zona rural. Como era essa infância lá na zona rural? Era numa fazenda?
R – Era.
P/1 – Descreva essa infância.
R – Vou tentar descrever aqui primeiro o ambiente onde nós vivíamos. Uma coisa que eu lembrei aqui no momento. Meu pai trabalhava... Lá ele não era meeiro, eles trabalhavam, a princípio, tinha lá próximo da casa que eles faziam as rocinhas deles. Existia uma rotina na vida dos meus tios, que eles trabalhavam os irmãos tudo junto, e junto com meu pai, era assim: tinha um período que eles faziam farinha e os derivados, polvilho, essas coisas; depois tinha moagem de cana, mas todo ano era assim, era uma rotina; depois ia preparar o terreno pra plantio. Quando eles falavam: “Vamos fazer uma roça nova?”. Aí ia derrubar aquela mata, fazer tudo. Não existia fertilizante, não tinha adubagem, não tinha nada, Então ali uma roça nova, eles trabalhavam três, quatro anos, derrubava outra mata. Era assim. Era geralmente na margem de uma vereda, ou um córrego, não era de cerrado. Lavoura de cerrado foi dos anos 70 pra cá, que é outra história. Ele produzia lá, por exemplo, arroz, era terra nova, produzia lá, próximo de casa. E ele era meeiro com um fazendeiro plantando feijão e milho, que era outra terra, eles não tinham uma terra boa pra milho e feijão. Plantava milho no quintal, mas era uma área pequena. Depois que mudou de lá pra cá que aí ele foi só ser meeiro, não plantava na terra dele, mesmo porque lá os meus tios venderam aquilo lá, venderam barato demais. Hoje, se eu chegar lá, eu não conheço, porque já me falaram, descaracterizou tudo, virou tudo lavoura, tinha muito cerrado, muita coisa. Como eu comecei a falar no início, que me marcou muito, meu pai, uma época dessa era época de muito frio, a casa era chão batido, a parede, falava parede de enchimento. Assim, eles fazem um pau a pique e fazem como se fosse um formato de tela, umas varinhas amarradas assim atravessadas, e aquilo preenchia com barro. Trabalhava, ficava bonitinho, mas era barro, não era tijolo, a proteção da casa. Fazia as portas às vezes com umas peças de buriti, parecido com caibro, mas era buriti, e fazia as portas às vezes daquilo ali. Tinha também porta de madeira, na casa do meu pai tinha porta de madeira, mas, por exemplo, num paiol, onde eles guardavam os mantimentos, milho, essas coisas, aí já usava porta de buriti, era uma coisa que não precisava muita segurança. E meu pai colhia as batatas, nós ficávamos com muito frio, aí ele fazia um fogo no meio, no meio da sala, fazia um fogo ali, e colocava as batatas pra assar, e nós ficávamos ali, eles contavam causo pra gente, meus tios iam pra lá, contavam aquelas histórias, mula sem cabeça, não sei mais o quê, essas coisas assim. Eu tive dois tios que eram muito bons pra contar causos, eu tô falando histórias, mas eram causos. Aí eles contavam umas coisas fantásticas e deixavam a gente assim fascinado. Então era uma vida boa, a gente brincava muito. Os brinquedos eram assim, um dia eu peguei um cabo de enxada lá que tava jogado e fui assim na frente da nossa casa lá, eu vi que tinha lá um... O cupim, ele faz as casas no chão e faz também na árvore, então esse lá fez na árvore e eu vi que tinha lá um ninho de passarinho, fez a boca direitinho lá e tinha entrada. Vamos lá, deve ser ou papagaio, ou é jandaia, vamos pegar os filhotes pra gente criar. Fui eu e mais três, eu lembro que um era meu irmão, o outro eu lembro quem foi. Quando chegamos lá, não era jandaia, não era nada, era uma coruja, e quando a gente chegou perto, ela achou de dar uma esporada na minha cabeça, eu tenho a marca até hoje (risos). Quando eu a vi, a gralha bem baixinha assim, aquele olhão assim pra mim, eu menino, saí dali no meio... Sabe, um pavor, nunca mais mexi com ninho de passarinho. Aquilo tudo pra gente era diversão, era interessante. E chegava os amigos, a gente ia contar as histórias. Usava estilingue pendurado no pescoço, aí cada passarinho que a gente derrubava, a gente fazia um pique lá, o que tinha mais pique era o campeão. Tinha essas coisas. Mas escola mesmo, eu vim conhecer aqui na cidade, lá não tinha.
P/1 – Onde ficava essa fazenda?
R – Próximo ao Entre Ribeiros, chamava Veredinha. Hoje acho que engloba o projeto do Entre Ribeiros. Mas lá não tem nem sinal mais, se for pra eu ir lá, eu não sei. Alguém que conheça lá hoje, que veio acompanhando a transformação pode levar a gente lá e ver a certidão dos lugares. Mas depois que veio o advento da lavoura do cerrado, eles desmancharam tudo.
P/1 – E quantos anos você veio pra Paracatu?
R – Sete anos. Sete anos e pouco, que eu entrei na escola, eu tinha quase oito anos. Naquele tempo, não tinha pré-escola, não tinha nada. Eu fui estudar na Escola Sérgio Ulhoa. Doutor Sérgio Ulhôa.
P/2 – Como foi chegar primeiro à cidade e depois começo da escola? Tenta contar pra gente essas primeiras impressões.
R – Eu tenho algumas experiências que eu prefiro nem contar, mas eu vou falar uma aqui, porque eu comecei logo a querer trabalhar, então minha avó mandava aquela cesta de ovo, eu me lembro de uma vez que ela mandou 20 dúzias de ovos colhidos assim fresquinhos, eu saí pra rua, vendi tudo. Eu tive uma inclinação para o comércio desde criança. Tinha aqui uma chacarazinha aqui do lado aqui, onde tá funcionando o INSS [Instituto Nacional do Seguro Social], ali era uma chácara, não tinha esse tanto de comércio aí, na [Rua Dr.] Rubens Bittencourt. E uma senhora lá produzia muita banana e contratava os meninos pra vender na rua. Quando eu não tinha nada lá do sítio da minha avó pra vender, ela me pagava comissão, eu vendia, saía vendendo. Depois que eu fui trabalhar em frutaria, aí já é outra história, a gente já tava evoluindo. Mas o primeiro trabalho que eu peguei dentro de Paracatu pra ganhar dinheiro, eu vou explicar para vocês o que foi. Eu nunca tinha visto falar que tinha Dia dos Pais, Dia das Mães, não sabia, não conhecia nada disso, na roça não falava isso. Eu chego à escola, a primeira coisa que me fascinou, o Dia dos Pais. O Dia dos Pais. E eu queria dar um presentinho para o meu pai, porque lá o assunto que rolava na escola era isso, qual o filho que vai levar um presente para o pai, então eu queria. Eu não tinha dinheiro, meu pai não podia me dar, e como eu ia pedir a ele um dinheiro pra eu comprar um presente pra ele? O que eu fiz? Achei uma enxadinha pequena, compatível com a minha idade, tava bem arrumadinha no cabo, e eu saí com essa enxadinha procurando trabalho. Por incrível que pareça, o trabalho, eu encontrei aqui no fundo desse prédio, do lado de lá, na Rua Rubens Bittencourt, uma senhora. Eu falei: “Dona, eu quero limpar um quintal, eu preciso ganhar um dinheirinho, a senhora tem?” “Tenho. Venha cá, olha aqui, veja se você dá conta, se anima” “Eu animo”. Aí ela me empreitou lá. Eu a pedi um preço, ela pagou o dobro quando eu entreguei o serviço, tanta noção... Eu não tinha noção de preço, de valor. Mas saí feliz, porque comprei o presentinho para o meu pai lá. O que eu queria dar a ele, eu dei na época. E meu pai também, coitado, ele não sabia o que era Dia dos Pais, essas coisas. A cultura era bem... Era uma pobreza, a gente não tinha conhecimento. Aquela vida lá na zona rural é boa demais, a diversão nossa... Nós não jogávamos bola, tinha campo pra jogar, mas não tinha bola. Eu me lembro de uns meninos que apareceram lá e aprenderam a fazer uma bolinha com leite de mangaba, mas a bola ficava pequena e nós brincávamos com aquilo ali. E ela quicava muito, aí você ia à bola assim, ela dava um quique maior que você pensava que ela ia subir, era um rolo danado, mas tinha isso. Tinha outras brincadeiras, cantiga de roda, a gente envolvia com as primas lá, com as meninas, de pique esconde, essas coisas que hoje não existe mais, era uma liberdade muito grande que a gente tinha, era muito bom. Entre a casa da minha avó e do meu pai era uma distância mais ou menos de uns 500 metros, e dividia os quintais uma vereda de água translúcida que passava, era límpida mesmo. E eu conto uma história da água. Eu mais meu irmão, a gente tinha uma revolta, porque não sei como o gato da minha avó ia lá em casa, e nós não queríamos que ele fosse. Isso é coisa de menino, mas eu lembro bem. A gente não gostava que o gato fosse lá em casa, aí nós o pegávamos, ia lá ao poço lá da Veredinha e o jogava. Ele ia lá ao fundo e saía naquela aflição, a gente via, porque a água era bem transparente, via ele naquela aflição pra sair, a gente ria, achava graça. E um dia, rapaz, tinha caído uma folha do buriti e ela criou lodo e ela ficou por cima assim. Eu achei um pau lá, falei: “Eu vou...”. Você fica inventando, falei: “É minha canoa”. Meu irmão falou: “Não. É minha” “Não. Deixa, eu vou...”. Quando eu peguei o pau pra empurrar ali, escorregou no lodo, eu “tum”, quase morri afogado. Mas a história do gato é isso. A minha mãe lavava as roupas, lavava as panelas, vasilhas, tudo, ali naquela passagem, porque tinha o poço por cima e tinha uma passagem bem rasinha, que cobria o tornozelo só, você passava tranquilo. E esse gato, ele acostumou tanto com água que ele vinha e deitava na água mesmo, aquela aguinha rasa, e aquele resíduo que de comida que vinha atraía as piabas, ele dava só um tapinha assim e pegava as piabas, ele pescava as piabas mesmo. Um dia ele apareceu com um peixinho maior lá, aquilo pra nós fomos interessante demais. Mas o que me fez rir de tudo isso não foi aquilo lá, não, é que um dia eu encontro com dois senhores, Zé Roseno e seu Marinho, fui à casa do seu Marinho e lá encontro o Zé Roseno, eles muito amigos, começaram a contar causo lá e cada um contava uma mentira maior do que a outra. Ele falou assim: “Não, você também deve ter algum causo pra contar”. Eu falei: “Eu tenho, mas o meu é real” “Então conta”. E a gente via que as histórias deles eram tudo inventadas. Contei essa história do gato, o Zé Roseno falou: “Eu tive um que era mais esperto que o seu, ele espetava as piabas assim e fazia o anzol pra pegar os peixes grandes” (risos). Essas coisas assim. Aí você acaba vivendo uma vida, era diferente... Mas depois eu acostumei no comércio, aprendi um pouco o que era etiqueta social envolvido nesse trabalho, fotografei políticos importantes que vinham aqui, governadores, tudo, fui aprendendo. Então hoje, assim, eu aprendi muita coisa do social através do próprio trabalho da fotografia mesmo. Quando eu comecei, como eu disse, era só preto e branco, usava-se o filme rígido, era uma chapa, aí você punha um pano aqui assim, porque não dava reflexo no tape da câmera pra você fotografar. Aí fazia a foto do documento: “Que dia eu pego?” “Ah, semana que entra, lá pela segunda-feira. De oito a dez dias”. Você levava uma semana pra completar seis chapas, seis pessoas numa chapa daquela, quando completava. A pessoa chegava: “Vim buscar minha foto” “Oh, moço, você desculpa, você piscou na foto”. Tinha hora que eles queriam bater na gente. Agora hoje, você vê hoje, a evolução foi muito grande, você faz com a máquina, mostra na hora. Eu, por exemplo, eu tenho um costume aqui de fotografar e mostrar, as mulheres principalmente, homem até que não se importam muito, não. As mulheres: põe o cabelo pra frente, põe pra trás, tal, agora vamos escolher. Elas ficam fascinadas. Eu tenho muita cliente que vem aqui só por causa disso, essa atenção que a gente dá pra elas nesse caso aí. Ficava atenção, mas não seria o caso.
P/2 – Você tá falando de uma criança que começou a trabalhar bem cedo, criando as próprias condições de trabalho. Mas tentando lembrar ali da escola, quando chegou à escola já era uma diferença, sair do campo e ir pra cidade e tinha a escola. Como foram as suas impressões, as primeiras impressões da escola, o que o senhor gostava? Como era essa escola?
R – Eu gostava muito da professora, ela sabia cativar. Ela era uma mãe. Uma mãe mesmo. Mas eu vou falar do espaço físico da escola. Eu não conhecia o que era um vaso de banheiro. A evolução em relação à roça é que na cidade tinha privada. Sai daquela casinha lá, com um fosso lá, uma laje furada. E o vaso sanitário, eu fui conhecer na escola. Eu cheguei, entrei lá, não sabia como usava aquilo, eu tive que olhar como o colega usava. Aí eu queria subir em cima, não queria usar sentado. Meu colega falou: “Não. Não é assim”. Minha avó mandou uma vez pra mim, ela fez uns biscoitos peta muito gostoso, ela fazia uns biscoitos muito bons, ela mandou nos primeiros dias de escola, mandou, e eu não lembro como eu levei aquele biscoito pra escola, não sei no que foi, mas levei. Só que foi na hora do recreio, eu pego aqueles biscoitos, ponho no bolso da calça aqui e as pontas ficam de fora. Aí os moleques vinham, aqueles espertões, correndo e quebrava um pedaço e saíam correndo. Eu fiquei aborrecido, rapaz, com aquilo. Cheguei à casa: “Não vou levar merenda pra escola mais, não” “Por que, meu filho” “Ah, os meninos tomam tudo”. Eu fui contar, minha mãe: “Meu filho...”. Menino da roça é assim mesmo. Outra coisa que eu achei fascinante, tocou muito meu sentimento, começou a despertar uma coisa em mim, que eu não sei se foi paixão, o que foi, foi quando fez uma festa junina na escola, isso no primeiro ano de escola, fez uma festa junina e teve uma dança de quadrilha. Tinha os pares, eu não dancei, eu não participei. Assisti à festa, mas não participei, não. Mas teve uns colegas meus que participaram, e os vendo dançar lá, aqueles gestos com as meninas e tudo, eu muito menino, mas comecei a achar interessante aquilo lá. Achei muito lindo aquilo lá. E gostava muito das apresentações que faziam na escola. Eu não sei como funciona hoje, mas era assim, tem muita coisa que era encenada, você lia um livro, depois tinha uma encenação, declamava poesia. A professora falava uma poesia, falava o autor, todo mundo tinha que decorar aquela poesia, mas tinha uns que tinham facilidade pra declamar. E chamava lá na frente, aquilo empolgava a turma. Era muito bom. Isso era muito bom. Passou.
P/1 – Você falou que gostava muito de uma professora. Lembra-se do nome dela?
R – Violeta Macedo, minha primeira professora. Muito boa professora ela. Aliás, eu não tive professora ruim, todas foram boas. Só que tinha umas que eram mais enérgicas, mais brigonas. Mas dona Violeta ficou na história.
P/1 – E da escola Sérgio Ulhoa?
R – Daí eu fui pra Escola Antônio Carlos. Que você estudava até o quarto ano primário, que falava, e ia para o ginásio, no caso, mas você tinha uma transição aí de estudo que chamava admissão ao ginásio, que era o quinto ano, você estudava, aí eu fui fazer lá, na Antônio Carlos. Mas a necessidade de trabalhar, de ganhar dinheiro, e ganhava muito pouco, eu acabei abandonando a escola na época. Não porque eu não gostasse de estudar, mas simplesmente porque eu tive que optar por uma coisa ou outra. Mas toda vida eu gostei muito de ler. Minhas filhas às vezes comentam. Agora mesmo eu fiz uma prova do Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] esse ano, eu fui aprovado, aí fui lá à faculdade pra me matricular. Mas eu tava mal informado. Alguém falou pra mim assim: “Não, rapaz, se você passou no Enem, você vai lá e se matricula”. Mas quando eu fiz o supletivo pra concluir o primeiro grau, antes de terminar foram acrescidas mais duas matérias, que foi Artes e Língua Estrangeira, que eu não fiz. E ficou parado isso lá. Fiz umas provas da parte de segundo grau e tudo, mas no fim a coisa não rendeu mais que aquilo. Eu tive que me envolver mais aqui, tava só eu, mais um funcionário, acabei parando de novo. Aí eu faço a prova do Enem e passo. Eu fui fazer mais pra incentivar uma neta minha, que tava muito apreensiva. Eu me matriculei, participei de uma aula um dia na escola dela junto com ela. Ela: “Avô, meus colegas ficaram tudo admirados, o senhor lá, uma pessoa idosa lá junto conosco e tal”. Ficou isso. No dia da prova, eu fiz. Fui o último a entregar. No segundo dia eu fui o último. No último minuto eu fechei a redação. No último minuto. Eu usei uma estratégia diferente, o professor orientou, falou: “Você faz a redação primeiro, que conta mais ponto”. Mas eu me envolvi com as outras perguntas primeiro e acabou que ficou pouco tempo... Mesmo assim, eu consegui tirar mais de 60% na redação, que foi considerada uma média razoável. E a média dava pra matricular, fui lá à faculdade, escolhi, cheguei lá, falei, tal. Falei: “Então tá, o que tem que trazer?” “Você traz o seu certificado do primeiro grau”. Eu falei: “Não tenho, não”. A moça: “Então não tem jeito”. Se eu quiser mesmo estudar, fazer, eu vou ter ainda que fazer um provão lá do primeiro grau e tentar aproveitar as notas do Enem, mas isso só agora em junho, se passar de junho, não as aproveita mais, salvo engano.
P/2 – Seu Moacir, me chamou atenção o senhor contando lá... O menino do campo chegando à cidade tendo que aprender os códigos, código do banheiro, que pra algumas pessoas é tão simples. Mas isso é a relação com a diferença. Tem algumas outras situações de mudança do código que você ficou assim: “Poxa, não era assim” – e a partir da vida na cidade passou a ser? E mesmo assim, em qual momento o senhor começou a se sentir mais em casa na cidade, mais: “Opa...”.
R – Não, eu fiquei muito tempo ainda meio retraído na escola, meio tímido, mas eu tinha um colega, lembra eu te mostrei uma foto ali, falei que era do Rui da Caixa, o filho dele, que é dono da Lotérica hoje, o Adir, ele fez amizade comigo, foi um dos amigos que fez amizade comigo na época, na escola, que era um cara assim, num nível social elevado, o pai trabalhava bem, mas ele não tinha orgulho, e eu me dava bem com ele. Tinha mais uns dois lá, que agora eu não lembro agora no momento o nome. E isso acabou facilitando um pouco, porque a gente tava sempre junto, conversava e tal. Eu não consigo lembrar muita coisa, mas eu lembro que um dia a professora falou: “Vocês vão em casa pra vocês fazerem um...”. A gente não tinha livro, não tinha nada. Ele falou: “Eu tenho uma coleção. Vamos lá, vamos fazer um trabalho”. Era uma matéria que ela tinha passado lá. E fomos. E ela ofereceu um lanche muito especial pra nós lá, eu fiquei muito envergonhado vendo toda aquele luxo, aquela mesa arrumadona lá pra gente. A gente não tinha isso em casa, então você sentava lá num tamborete lá encostado na parede, era isso. Mas assim, da escola em si mesmo, eu não lembro assim mais alguma coisa que mudou muito. Não lembro.
P/1 – Quando vocês chegaram a Paracatu, vocês foram morar onde?
R – Nós fomos morar numa chacrinha na periferia, no Bairro Alto do Açude. Lá nós moramos um bom tempo lá. No primeiro ano, eu fiquei com a minha tia no Alto do Córrego, até que meu pai trouxe a mudança, no final do ano, e a gente já ficou morando ali. Era uma mini chácara lá, coisa de, sei lá, mil metros mais ou menos, tinha lá um plantio de banana, umas coisas assim, mas não tinha asfalto, a rua era poeira... Só que também não tinha movimento. A poeira que dava lá era vento, dificilmente passava um carro. Era o trânsito pra o povoado de São Sebastião, do Centro. E eu tinha colegas que vinham de São Sebastião, passava em casa, a gente vinha pra escola. Eles vinham a pé e voltavam passando pelo morro lá. São Sebastião produzia muita fruta naquela época, banana, laranja e o pessoal vinha vender na cidade, ovo. E lá nasceu em função do ouro que eles tiravam aqui. Mas depois ficou escasso, o ouro ficou escasso, eles passaram a diversificar, plantar alguma coisinha, e viviam de vender essas frutas, essas coisas. Quando eu mudei, eles já não mexiam com o ouro lá mais. Às vezes, o ouro eles retiravam só no finalzinho, em época de chuva, que chovia muito, dava aquelas enchentes, e o ouro descia do morro e ia ficando retido na grama. Eles vinham, cortavam aquela grama, levava pra um caixotinho abater, passar ali, apurava ali coisa pequena, não era muito. Meio grama às vezes quando tava muito bom. Mas eles faziam uma festa quando conseguiam isso. Tinha também o pessoal de São Domingos, que é um pessoal adjacente, dos Quilombolas, que também eles vendiam muita fruta. Hoje eles produzem lá, mas é mais cachaça, rapadura, sei lá, umas coisas assim. As mulheres faziam uma rodinha de pano, punham na cabeça, pra apoiar o cesto, e elas iam equilibrando aquilo pra vender. E não tinha muito conforto, a água era cisterna, não tinha água encanada, não tinha luz. A luz funcionava, era uma lamparina, comprava querosene, depois querosene ficou caro, comprava óleo diesel no posto de gasolina. Até que veio a energia. Não usava vela, não tinha dinheiro... Com vela, você gastava muito. Então usava o querosene que rendia mais. Só que quando era de manhã, você ia lavar o rosto, você ia soar o nariz, saía aquela fuligem do nariz, que aquela fumaça impregnava. Tinha isso. Mas a vida era boa assim mesmo. Eu me lembro da Revolução de 1964, aqui, essa praça aqui ficou cheia de militares, carros do Exército, a cidade ficou tomada, mas tudo pacificamente. E eles estavam numa marcha pra Brasília. De lá de casa eu vi quando passaram os carros. Eu fiquei encantado, muita luz enfileirada: “O que é aquilo?”. Alguém falou: “Não, são os carros do Exército, a Revolução. Eles estão indo pra Brasília, vão tomar Brasília e tal”. Falavam assim. E o povo falava baixinho, tinha medo de comentar. Tinham medo de comentar, falavam baixinho: “Olha, não pode ficar falando”. Era assim muito, sei lá, truncada a coisa. Eu vim comprar alguma coisa pra minha mãe aqui, aí eu vi, estavam aqui, cheio de carro do Exército aqui. Eles ficaram aí acho que um ou dois dias, depois seguiram.
P/2 – Você contou bastante da infância, e da infância já começando a trabalhar, a coisa foi só aumentando, o trabalho.
P/1 – Como foi a vida dessa criança, já um adolescente, já pré-adolescente, adolescente, que teve que abandonar a escola, como o senhor contou, pra se dedicar ao trabalho e se isso já tem a ver com o falecimento do seu pai? Como foi esse momento?
R – Ah, sim. É o seguinte, eu disse pra vocês lá atrás que eu tinha um desejo muito grande de pressa de crescer pra ser alguém, pra ajudar. Isso era um sentimento que brotou em mim. Se eu disser que eu não vivi a minha infância, eu tô sendo injusto comigo mesmo, porque eu vivi fases boas da infância. Aqui na cidade, eu aprendi a fazer... Nós falávamos carretilha, era uma maquineta de madeira pra soltar pipa, e aí você colhia aqui numa... Sabe, fazia uma manivelinha e tudo, eu fazia, vendia para os meus colegas, tava sempre querendo ganhar um dinheirinho. Quando eu cheguei à adolescência, aí minha vida já foi um pouco mais presa, porque a fase da adolescência em si, eu vivi pouco, eu não tive as liberdades que hoje o adolescente... Na pré-adolescência sim, eu aproveitei um pouco, cheguei a frequentar parque, circo e tudo. Depois acabou tudo. Acabou tudo, eu me dediquei à família mesmo, não sentia falta também. E era só trabalhar e trabalhar. Minha mãe trabalhava de dia e de noite. Doze filhos, era uma escadinha. Mas hoje eu sinto orgulho disso, sabe? Foi muito gratificante. Eu acho que eu aprendi a ser homem com essa vida. Porque meu pai faleceu em 1970, eu tava na época com 17 anos, e assumi com responsabilidade o lar, as minhas irmãs foram ficando moças. A família quis que minha minha mãe repartisse os filhos, ela falou: “Não, vão ficar todos comigo, porque eu quero criá-los do meu jeito. Quero criá-los dentro do princípio da religiosidade”. Enfim, ela não abriu mão. A intenção da família era ajudar. E nós ficamos trabalhando e cuidando da turma. Mas Deus me deu a graça de casar minhas seis irmãs com festa. As duas últimas que casaram, nós fizemos uma festa pra 400 pessoas no Parque de Exposição, elas tinham muito amigos. “Vocês se importam de se casarem juntas?” “Não. Não importo, não.” “Vamos fazer uma festa só para as duas.” E foi bom. Foi bom. Olha, um detalhe desse detalhe, eu recebia meu pagamento, um mês eu comprava um par de sapato, no outro mês eu comprava uma camisa, no outro mês eu comprava uma calça, não podia passar disso. E eram roupas simples, era calçado simples. Como eu andava só a pé, morava longe, um calçado era dois, três meses, tava acabando. E eu não comprava o melhor calçado. Às vezes eu comprava um calçado bonito, mas não era o melhor, que eu não dava conta. Mas fui vivendo essa vida aí e deu certo.
P/ – O senhor fala muito de estar sempre querendo ganhar um dinheirinho, ter essa facilidade para o comércio. O senhor se lembra do primeiro salário bacana que o senhor ganhou na vida e pôde ter na mão um salário que você falou: “Opa! Gostei”.
R – Toda vida eu ganhei pouco. O primeiro ganho meu foi aquele da enxadinha lá que eu falei. Agora, depois eu fui trabalhar numa frutaria, não era salário, ele dava lá umas gratificações, que eu nem lembro, não dava pra muita coisa. Mas nesse tempo meu pai ainda era vivo. Quando eu vim pra fotografia, eu trabalhei um período, eu trabalhei seis meses de copeiro numa pousada, que era um ponto de ônibus, eu trabalhei lá. Lá a gente ganhava meio salário mínimo. Quem ganhava um salário mínimo na época era o cara, era só quem trabalhava em Brasília. Falava assim: “Olha, fulano foi pra Brasília e tá ganhando um salário”. A gente achava... Então esses caras, políticos, tudo, falam: “Porque antigamente o salário mínimo não sei o quê, que valorizou”. Valorizou conversa, rapaz. Esse salário mínimo de hoje não é aquele meio salário que a gente ganhava naquela época, não. Tinha muito mais valor, muito mais poder de compra, apesar de inflação e tudo mais. Porque eu lembro que houve uma época que a inflação foi tanta, teve que mudar, cortar um zero no Cruzeiro, depois veio Novo Cruzeiro, até que chegou ao Cruzado e veio essa história toda aí. Mas assim, eu não lembro assim qual foi... Todos me deram satisfação, porque eu precisava. Quando eu fui pra fotografia, eu me sujeitei a ganhar menos, saí daquele trabalho de copeiro, lá na época tava dando acho que 130 cruzeiros, mais ou menos, na época, e o moço falou assim: “Como você vai aprender, eu vou te ensinar, eu vou te pagar 500 cruzeiros pra você trabalhar seis meses”. E eu aceitei. Mensalmente ele me dava a proporção do mês. Mas pra mim foi bom, porque depois eu fui aprendendo. É isso.
P/1 – Esse foi o primeiro estágio. Depois o cara foi embora.
R – Não, não, eu falei do primeiro que eu fiquei só uns dois meses, depois eu fui trabalhar com o Augusto, que eu falei, Augusto João de Souza, que era dono do Arte Foto, e ele abriu a loja, eu fiquei de 1971 até 1975 com ele. Em setembro de 1975, eu passei a trabalhar por conta própria.
P/2 – Com seu estúdio.
R – Foto Guimarães. Eu não tinha, mas eu peguei também, foi tudo assim muito difícil, porque eu não tinha dinheiro. Então o que eu fiz? Eu peguei um sofazinho que eu tinha em casa, do meu casamento, era o único sofazinho, bem simples, e trouxe pra servir de acento para os meus clientes. E teve um episódio aí, porque, você faz do jeito que você imagina que tá certo, eu não tive orientação nenhuma. Hoje, por exemplo, você vai abrir um comércio, você faz pesquisa de mercado, se vai saber mais daquele comércio... Naquela época, não tinham essas coisas, ninguém orientava, a gente não sabia, você queria ser independente. Então eu fiz uns folhetos e esparramei na cidade, muito mesmo: “Em breve, novo estúdio fotográfico, tal, tal, na cidade”. Mas não pus endereço, nem nada, não. “Aguarde!” Eu quis assim, gerar uma surpresa. No mês que eu fui pra abrir veio o Fred. O Fred é um cara de uma cidade de Minas, hoje ele mora em Paracatu, ele veio fazer um trabalho numa escola aí e gostou, e ele conheceu uma moça aqui e se casou com ela e mora aqui. Mas na época ele pôs assim... Ele soltou um folheto: “Já se encontra o novo estúdio fotográfico na cidade”. Então, de certa forma, a minha propaganda serviu pra ele. Serviu pra ele. Eu nunca comentei com ele, não, mas eu fiquei analisando. Só que no dia que eu abri, o meu primeiro dia de trabalho, naquele dia, ele foi embora de Paracatu, o meu primo viajou junto com ele no ônibus. Eles se conheceram lá, foram conversando, meu primo falou: “Ah, meu primo é fotógrafo, tal”. Quando meu primo chegou da viagem, me contou que ele tinha ido embora. Falei: “Então não deu certo, meu espaço tá aí”. Aí me chega lá o primeiro cliente, chegam lá umas meninas pra fazer foto. Quando me viram, falou: “Ué, nós pensamos que era gente de fora que vinha vindo pra cá”. Falei com ela: “Vamos ali que tem um fotógrafo novo aí” – era eu. Prata da casa. É uma tendência, não sei se é todo lugar, mas em Paracatu valorizar o novo, o diferente, o que é de fora. É uma tendência hoje, por exemplo, eu tô com 65 anos quase, vou fazer agora em março, eu não consigo usar um cavanhaque, chegar meio boy aí numa festa, mas se chegar um menino igual você lá, bem aparadinho, tal, meio cabelinho assim, e eu chegar, ninguém me enxerga, vai enxergar você. Porque dá impressão do moderno, você entende? Parece que eles associam o velho com o arcaico. Não, o idoso com o arcaico. Eu não sou velho, sou idoso. O primeiro dia que eu fui ao banco, que eu fiz 60... No dia que eu fiz os 60 anos, eu fui ao banco, cheguei lá, peguei uma preferencial, a menina falou assim: “Moacir, você pegou a senha errada, vai lá trocar”. Eu falei: “Não. Aqui a identidade”. Ela aprontou um escândalo: “Gente, o Moacir tem 60 anos, é idoso agora”. Lá no Sicoob [Sistema de Cooperativas de Créditos do Brasil]. Mas hoje eu tô usufruindo dessa idade. Sabe o que aconteceu, falando profissionalmente? Eu comecei a sentir... Aprendi lá atrás que você precisa agregar valores, você tem que fazer algum meio de a sua empresa crescer e tudo. Eu trabalhava com imagem, mas era fotografia só, não fazia xérox, não fazia nada. Alguém um dia me perguntou assim: “Você faz filmagem?”. Já tava meio na moda, VHS [Vídeo Home System]. Eu falei assim: “Eu nunca fiz” “Veja se você arruma uma câmera pra você filmar meu casamento, lá na cidade Guarda-Mor (MG)”. Eu tinha um amigo que tinha uma câmera, ele sempre falava: “Olha, se você precisar, eu te empresto minha câmera, tal”. Eu criei coragem, pedi a câmera dele emprestada, usei as noções de fotografia pra fazer a filmagem do casamento. O rapaz gostou e eu achei bom trabalhar com aquilo, me esforcei, comprei uma câmera. Aí comecei a trabalhar com filmagem também. Agora, na filmagem eu tenho uma história interessante, porque eu fazia vídeo de um aniversário de criança, de 15 anos, de vez em quando um casamento, alguns eventos maiores, Folia de Reis eu fiz uma ocasião, fiz muita festa junina, filmei Carnaval, muitas coisas eu fiz, eu pegava de tudo. Mas chegou uma época que quando chegou a transição do analógico para o digital, eu quase fechei, porque eu não conseguia assimilar. Eu não sabia nem ligar um computador. Eu não conseguia assimilar, não tinha recurso pra comprar, pra investir. Até que um dia, eu tomei uma decisão, eu tinha um terreno aqui no centro da cidade, um terreno pequeno, eu cheguei à casa, falei com a minha esposa, falei: “Você me ajude” “O que foi?”. Eu falei: “Eu tô desesperado, eu não dou conta. Tudo agora é o digital e eu não tenho uma máquina digital, não faço nada”. Ainda consegui uma coisa, porque a gente fotografava com filme e eu tinha um amigo que digitalizava as imagens pra mim. Ele revelava o filme, depois digitalizava. Então, eu comecei a evoluir assim, porque o cliente, eu mostrava as imagens no computador já. Mas até chegar a hora do computador, eu ainda sofri um pouco. Falei com ela: “Olha, eu precisava fazer um investimento”. Fiz um propósito de não mexer com financiamento, porque você tem que pedir um avalista, aí você pega um amigo, a mulher dele não quer assinar, aquela coisa toda, então fiz um propósito de não mexer com financiamento. Eu falei: “Olha, vamos vender o lote?” “Ah, mas o lote?”. Eu tinha um projeto, já tinha feito, o engenheiro fez pra mim um projeto de um sobradinho muito bonito e tudo. Mas é o jeito, então vamos. Aí vendemos. Vendi tomando prejuízo. Eu o vendi por 75 por cento do valor que ele foi avaliado. Mas o que eu fiz? Arrisquei comprar equipamento sem nota e tudo pra ganhar a diferença, e ganhei a diferença na compra dos equipamentos. Comprei sem nota e tudo. Eu lembro uma máquina que eu comprei mesmo era sete mil 999, e ele falou assim: “Se você pagar à vista, cai pra não sei quanto” – não lembro bem. Eu sei que ele falou assim: “Eu te mando mais uma bateria de reserva, te faço por cinco mil e 500 à vista sem nota, pode?” “Pode. Você dá garantia?” “Dou” “Pode mandar”. E eu comecei. Mas aí vem a história. Apareceu um senhor do Sul, até fiz amizade, ele vinha aqui, a gente conversava, Lauro Hoffmann, ele fez muito trabalho na cidade. Assim, não sei se é o estilo dele, no Sul fala diferente, acaba o cara se destacando, e os ricos o contratavam, e eu trabalhava para os pobres. Mas gostava de trabalhar para os pobres. Raramente... Vinha às vezes um trabalho de quem podia pagar mais quando ele não podia fazer. Um dia eu tô aqui, o telefone tocou, era uma moça da Secretaria Estadual de Cultura: “O senhor é seu Moacir?” “Sim” “Seu Moacir, nós estamos com um projeto aí na cidade, queria ver se o senhor se interessa” “O que é?” “Nós vamos dar uns cursos aí, já fizemos uma pesquisa sobre a carência, e uma das carências que nós identificamos é que falta profissional de filmagem, e nós queríamos dar um curso de filmagem. Você topa?”. Eu falei: “Moça, como é? Vocês têm apostila? Como é a didática? Porque eu não... E como vocês querem que eu vá ser um professor se eu não tenho formação? O meu estudo é pouco e tal”. Ela falou assim: “Mas você sabe fazer?” “Sei” “Então, dá pra você ensinar. Nós pagamos tanto por hora, são tantas horas o curso, você tem que terminar o curso dia 25 de novembro”. Foi tudo assim, sabe, no trampo. E eu pensei: “Sabe de uma coisa, eu vou ganhar meu 13º agora”. Eu ia pegar o dinheiro reunido, eu topei a parada. “E as apostilas?” “Nós vamos mandar pra você.” Meu amigo, quando chegou no dia... O Sesc [Serviço Social do Comércio] que contratou os alunos tudo, arrumou tudo lá, eu cheguei, já achei pronto. Tá. “E as apostilas?” “Não vieram.” Aí eu tinha que começar a dar aula. Mas de noite, eu na aflição, porque, sabe, a pessoa quando é responsável, ele se aflige com pouca coisa, foi o meu caso. Eu falei: “Meu Deus, e se eles não mandaram?”. Fui lá de tarde, não mandou. De noite, na hora de deitar, eu ajoelhei e falei com Deus, falei: “Meu Deus, me ajuda, senão eu vou passar vergonha, e eu tenho um nome pra zelar”. Foi como se eu tivesse tendo uma visão, alguma coisa assim, começou a passar na minha mente o que eu ia fazer, a primeira aula: “Vamos às noções básicas de fotografia, iluminação, começa por aí, tal”. E eu tinha um manual da câmera, olhei alguma coisa nela também e por aí eu fui. O primeiro dia, segundo dia, terceiro dia, todo dia eu fiz isso. Eu não vou dizer que eu sou um homem de muita fé, não, mas eu sou um homem de fé. E eu fiz isso até que quando faltavam três dias, os meus argumentos esgotaram. Eu falei: “Meu Deus, e agora?”. Eles me ligaram, falaram: “Moacir, chegaram as apostilas”. Eu fui lá correndo, fui olhar, nenhuma das aulas que eu dei saiu do que tava nas apostilas. Eu pus as mãos pra cima: “Graças a Deus. Não fugi da regra”. Só que eu não tinha mais argumento. Aí o restante tava lá, eu passei pela apostila, concluí o curso. No dia de entregar o certificado, marcaram um evento lá, teve um encerramento, a diretora lá fez um coquetel, e teve discurso e foi aquela coisa boa. E eu não tenho vergonha de falar em público. Antigamente era muito acanhado, quando eu cheguei à escola, lá do negócio do biscoito no bolso. Mas hoje não, eu tenho facilidade. Deu tudo certo. E esse meu grande concorrente que eu falei, o Lauro Hoffmann, eu posso falar o nome dele, que ele até foi embora de Paracatu. Ele veio aqui, falou assim: “Oh, Moacir...”. Eu o considerava concorrente forte, porque, inclusive, ele tinha equipamentos melhores do que eu. “Moacir, fiquei sabendo que você deu um curso excelente aí no Sesc. Você não falou nada comigo, cara. Eu pensei que você era meu amigo”. Eu falei: “Não, meu amigo, eu peguei pra dar o curso, mas cheguei lá, já tava os alunos tudo matriculados, eu fui só pra ministrar mesmo... Você tinha que ter matriculado lá”. Ele ficou reclamando, reclamando e tal. Eu falei: “Não, se você precisar de uma forcinha, eu dou, mas você sabe mais do que eu”. Saí pela tangente, não quis render conversa. Só que foi onde eu consegui conquistar um espaçozinho nessa área e que me compensou o que eu fui perdendo na fotografia. Porque chegava um, falava assim: “Olha, tal trabalho assim” “Só o Moacir que faz” “Mas será que faz mesmo?” “Não, ele já deu curso aí, tal”. Fui ganhando. Cidade pequena, você sabe como é. Veio a Votorantim: “Nós precisamos que você acompanhe, nós vamos dar um workshop internacional de mineração. Começa em Belo Horizonte, depois tem o dia de campo aqui, e depois tem três dias de palestras e conversas lá no Sesc, depois nós vamos pra Brasília, mas Brasília não precisa você ir, não, eu quero mesmo que você faça até ali no Sesc”. Combinamos, fechei o contrato com ele, fui fazer o trabalho. Quando chego lá, eu trabalho com duas câmeras, analógicas ainda, não tinha digital, já existia, mas eu não tinha ainda. Chegamos lá, todo mundo falando inglês, inclusive os brasileiros. A saudação, já chegavam saudando em inglês. De inglês, eu só sei falar “inglês”, só, mais nada. Meu Deus, e agora? Vamos nessa. Desafio. Fiquei eu e meu sobrinho, que também foi um aluno meu, nós trabalhamos lá. Eu tinha uma expectativa que a gente ia ter uma câmera no tripé e a outra fazendo corte, chegando lá não deu chance pra fazer, não tinha como. O desenrolar... Não tinha como. Tinha você estar mais é com a câmera no ombro, três dias no meio daquele povo falando inglês. E tinha um indiano lá que falava um inglês tão ruim, você não entendia nada, assim, os que estavam ali participando. Mas tinha um senhor da própria Votorantim que era fluente, e quando a intérprete embaraçava lá, ele interferia e resolvia o problema. Até aí nada demais. O problema maior meu, o maior desafio, foi trazer isso pra fazer uma edição usando a ilha linear, ainda não era no computador, usar dois vídeos, fazer corte, inserir e o áudio bater. E depois de uma semana de serviço, eu dei um pulo aqui, dei uma glória pra Deus, porque eu consegui fazer o vídeo e ficou tudo bonitinho. Aquele vídeo foi pra Índia, foi para o Canadá, pra vários lugares, eles pediram cópia. E foi melhorando o meu currículo profissional aí, sabe? Porque já que estamos falando de experiência profissional, aí eu conquistei um espaço nessa parte e foi quando eu fui compensando. Na parte da fotografia, da parte do digital que eu deixei pra trás um pouco aí, apareceu um moço aqui um dia com um currículo, de Patos de Minas (MG), o Erivelton, menino bom. Ele falou: “O senhor não tá contratando aí? A minha esposa passou num concurso, veio assumir aqui e eu tive que deixar lá, mas eu tenho experiência com digital”. Falei: “Você tem experiência mesmo?” “Tenho”. Eu fiquei com desejo de contratá-lo, mas não tinha condição de contratar de imediato. Eu falei: “Se eu precisar de você fazer um trabalho freelance, você faz?” “Faço”. Chamei-o um dia pra fazer um trabalho comigo no Sindicato Rural, ele foi, gostei, uma pessoa boa, tratável, e gostei do trabalho que ele fez, aí acabei criando coragem e o contratei. E foi um passo certo que eu dei. Registrei-o, tudo, funcionário registrado, falei: “Você não se importa de ganhar só o salário comercial? Por enquanto eu não posso te pagar muito” “Eu aceito”. Ele ficou um ano comigo. Eu o via trabalhar e fui aprendendo. Eu ficava olhando. Quando eu tava perto dele, ele começou a esconder alguma coisa de mim. Aí eu o deixava distrair, quando ele tava trabalhando, eu chegava de fininho lá. De vez em quando, eu fazia uma perguntinha pra ele. Quando ele saiu, eu já tinha uma habilidade. Ele passou num concurso público e assumiu, largou a fotografia. Mas o básico deu pra eu assimilar. Hoje, alguma coisa que eu precise, às vezes, por falta de tempo, eu terceirizo uma edição de um álbum, conforme eu tenha quem faça pra mim a edição. Mas se eu precisar fazer, eu faço sem problema também.
P/2 – O senhor falou dos seus cursos, dessa adaptação com a linguagem saindo do analógico para o digital. Agora eu fiquei curioso em saber das suas referências na fotografia, tentando olhar pra esse bloco da fotografia lá no começo. Como o senhor começou a trabalhar na fotografia, quem incentivou e quem foram os seus professores nessa caminhada?
R – Eu não tive incentivo propriamente dito. Quando eu bati papo com esse amigo, que eu falei que, um dia, nós estávamos conversando, que era dono o Arte Foto, um dos estúdios mais antigos da época, conversando com ele e contei que eu tinha trabalhado dois meses com um fotógrafo, e ele fechou a loja, o estúdio, e foi embora de Paracatu. A única coisa que eu aprendi a fazer lá com ele, “malemá”, como diz o ditado... Eu usava aquelas banheiras, você pegava com a mão pra trabalhar o papel ali no revelador. Ele queimava no ampliador o papel, me dava e ele me ensinando o que fazer. E não tinha minuteria, você não tinha como contar eletronicamente, era na cabeça: um, dois, três, quatro... Tinha hora que a foto passava um pouco, outra hora faltava um pouco. Mas era assim, você acabava adquirindo experiência. Então foi só isso. Mas aprender a fotografar, focar e tudo, praticamente aprendi só eu e um colega que entrou pra aprender junto comigo. Ele era mais curioso que eu, tinha o Rogério do Boteco, que era uma loja, era a melhor loja que tinha em Paracatu, que vendia de tudo. Vendia máquina fotográfica, fita, vídeo, tudo que era moderno, novo, ele tinha. O que você acha hoje nessas lojinhas de importado, que naquela época não tinha, esse Rogério tinha, filho de Paracatu, e era pertinho do estúdio. Com ele, esse meu colega ia pra lá e ficava discutindo técnica, mas ele discutia pra provocar, pra ele passar conhecimento. Ele vinha, trazia, conversava. Aí eu o provocava também, falava: “Você não aprendeu nada, rapaz”. Ele vinha: “Olha, você quer ver? Faça assim”. E eu aprendia também. Foi por aí. João Lourival de Souza, esse fotógrafo que aprendeu junto comigo. Eu passei dez dias de férias com ele, agora ele tá em Natal (RN), foi fotógrafo de jornal lá no Pará, Belém, depois foi pra Natal, trabalhou para o governo de fotografia. Hoje, ele tá com outros negócios, multinível, alguma coisa assim. Mas nós dois brigávamos. Nós brigávamos... Um dia apareceu a Roberta Rabello: “Eu preciso fazer umas fotografias aéreas. Quem tem coragem de andar de avião?” Ninguém tinha voado ainda, nem eu, nem ele. Ele era recém-chegado de Goiás. Agora mesmo eu lembrei isso, a gente conversando, eu falei: “Rapaz, aquela época você tinha vontade de levar novidade para o seu povo, né?”. E uma foi o voo do avião. Porque ele falou que tinha medo, o Roberto virou pra mim: “Você tem coragem?”. Falei: “Tenho. É agora?” “É”. Quando fui pegar... “Você não vai, não. Quem vai sou eu.” Tomou de mim e foi. Eles foram fazer as fotos lá... Aqui perto, numa fazenda, a Companhia Lafersa [Laminação de Ferro S. A.] tava desbravando aí, fazendo um trabalho de reflorestamento, mas tinha que primeiro desmatar. O Roberto... Com esse seu jeito dele, foi lá, fez tudo direitinho, planou, fez as fotos, tudo com aquelas máquinas 6x6, Yashica, foca aqui, depois faz a janelinha, bate, ele fez. Na volta, ele deu umas piruetas com ele na cabine e, num dado momento, ele falou: “Para. Para, que eu vou descer”. Tava me lembrando dele agora em março, que eu estive lá na casa dele, sobre esse detalhe aí. Falei: “Você lembra quando você mandou parar o avião para você descer lá em cima? Porque você tomou meu lugar, rapaz, eu que ia filmar”. A gente brinca com isso. Mas foi um trabalho diferente que apareceu, nós fizemos. Ele fotografou. Muito tempo depois eu fiz também, mas aí já foi outra época, a gente já tava mais experiente.
P/2 – Você falou como foi o processo de comprar uma câmera digital, mas eu fiquei pensando, curiosidade, como foi comprar a primeira câmera, como foi essa trama pra conseguir o primeiro equipamento, qual foi esse equipamento?
R – Rapaz, eu exibido, prosa. Mas a câmera era tão pequena que eu tinha vergonha de mostrá-la. Eu comprei um kit, porque num primeiro momento, o que eu precisava era do meu dia a dia, a fotografia de documento, que era o que todo dia tinha, todo dia você precisa fazer. O outro, por exemplo, uma festa, um casamento, alguma coisa, você terceiriza o trabalho, você paga um laboratório pra fazer, podia fazer isso. Eu cheguei a ter meu laboratório colorido, que fazia na unha também, foi quando eu parei de estudar pra me dedicar a isso aí, parei com o supletivo. Mas eles me venderam uma Canon A52, uma pequenininha, de amador, e um impressora da Hiti S420, hoje S420, antes era outro modelo, mas muito parecido, só faz o 10x15. Você tinha a opção de fazer o 5x7, 3x4, 2x2, enfim, 2,5x3, que era tudo usado na mesma máquina, mas você tinha que criar lá no computador, fazer a montagem, pra depois imprimir. Ou quando era só o 3x4, você fazia direto também, punha o cartãozinho lá, já configurava e fazia. Então pra mim foi fantástico, aí eu comecei a falar grosso, tanto que eu mudei o nome, que era só Foto Guimarães, pus Studio Digital Foto Guimarães. Só que eu não deixava profissional nenhum que chegasse aqui visse meu equipamento, porque eu só tinha aquela maquininha que você põe no bolso. E o tamanho, às vezes, é documento. Tem gente que fala assim: “Tamanho não é documento”. É sim. Seu eu chegar a um evento com uma câmera dessa aqui, por exemplo, meu amigo, e eu chegar lá com uma dessa de mão aqui, ele vai fazer diferença, o pessoal conhece. Eu lembro um dia que eu tava com uma máquina pequena fotografando um casamento na matriz, e o Lucas, nessa época, ainda fotografava, hoje ele não fotografa mais, ele chegou pra fotografar um casamento e o dele era primeiro que o meu, e ele levou uma Mamiya 6x7, com uma lente grande, toda apresentável. E tinha um casal de turista olhando a igreja, e um olhou, falou: “Olha a máquina daquele cara. Olha lá”. Admirou a máquina dele, e eu, eles nem me enxergaram, quanto mais minha máquina. Eu fiz muito serviço com máquina simples, eu consegui fazer trabalho bom, mas eu digo que o equipamento faz a diferença. Quando esse prefeito daqui, ele tá no segundo mandato, quando ele tomou posse no primeiro mandato, eu estava na Câmara Municipal fotografando com uma câmera maior que essa aqui. Ela usava fita digital, tudo, mas o digital antigo. Ela até já usava cartão também, mas é das primeiras, aquela da Sony, não sei o quê mil lá, até esqueci agora, HR 1000, sei lá, é grande. E eu levei um tripezão, coloquei lá, a coisa ficou bonita. E fiz igual ele, usei a coisa aqui no ouvido, fui de gravata, todo imponente, e fiquei bonito lá na fita dos outros. A sobrinha do prefeito, que ia ser assessora dele, ficou de lá olhando pra mim, eu não sabia que era parente dele, ficou de lá olhando pra mim, olhando, olhando, quando terminou o evento, ela chegou e falou: “Você trabalha pra alguma empresa?”. Falei: “Trabalho. Pra minha empresa mesmo” “É? Você tá fazendo isso aqui pra quem?”. Eu falei: “Não, me contrataram pra fazer o...” “Então, vamos fazer o seguinte, vamos combinar aqui...”. E dali naquela conversa, tinha outros filmando com câmeras menores e tal, mas enxergou a minha, que era maior. E eu, de certa forma, tava apresentável também. Uma coisa que eu nunca gostei de fazer é trabalhar, por exemplo, num evento social trajado de qualquer jeito. Se eu não puder por terno de muito calor, pelo menos gravata eu ponho. E nunca aceitei funcionário meu ir de manga de camisa também, porque faz a diferença. Eu fui de terno a um casamento, e a noiva antes de descer do carro, fui lá fazer uma foto ela, ela falou assim: “Oh, moço, obrigado por você ter vindo de terno. Você tá tão elegante, valorizou meu casamento”. Se ela falou do coração, eu não sei, mas aquilo foi um incentivo tão grande pra mim. E depois eu estudando ética, eu fui ver que é isso mesmo, até a cor do terno influencia quando você vai trabalhar num evento desses. Um terno preto, uma coisa assim sóbria, tem tudo isso. Então naquele dia lá, a menina parente do prefeito me contratou pra fotografar a transmissão das chaves da prefeitura. Eles fizeram uma cerimônia muito mais apresentável na porta da prefeitura, e eu lá com a minha maquinona lá, ao lado do seu Condé, ao lado da... Como chama aquela mulher da televisão lá, que tem a... Aquela humorista ali.
P/2 – Ah, a Concessa.
R – É. Ao lado de Concessa, tudo. Fiz o trabalho lá, ganhei meu dinheirinho porque eu fui com uma câmera grande. Então, nesse caso aí, “tamanho é documento sim”.
P/2 – O senhor falou lá da câmera ainda que colocava o...
R – Sim. Analógica.
P/2 – Aí demorava o processo todo, o senhor falou agora do Lucas, do Lucas Foto.
R – Sim.
P/2 – E eu fiquei interessado em saber como era essa relação com os fotógrafos mais velhos da cidade. Como isso se dava? Como era essa troca?
R – Era uma relação de concorrente, mas a gente conversava, tudo, até hoje. A gente tinha certo relacionamento. Não assim de relacionamento de compadre, isso não, porque tem um limite, concorrência é concorrência. Eu já troquei algumas farpas com eles, mas assim, até compreensível, porque certo dia um funcionário dele, o gerente dele, ligou pra mim, falou: “Você tá fazendo serviço mais barato aí, tomando os clientes nossos?”. Eu falei: “Não. Se chegar um cliente aqui com orçamento seu e falar que é mais barato e que veio de você, eu o dispenso”. Eu já fiz isso. “Você cobre esse orçamento?” “Que orçamento?” “Aqui, lá do Lucas Foto”. Falei: “Não cubro, não” “Uai, mas você é um comerciante”. Eu falei: “Não. Eu sou amigo dele, eu não vou tomar cliente dele. Agora, se você quiser me dar a preferência porque você gosta do meu trabalho, meu preço é esse”. Toda vida eu tive essa postura. E por causa disso, a gente acaba se dando bem. Eu tive já uns embates com ele... O primeiro baile de debutantes que nós fotografamos, fui eu e ele, nós dois tivemos uma briga lá, assim, uma briga de quem fazia mais, e eu acabei ganhando mais do que ele. Porque era normal você fazer um trabalho desses, era só preto e branco, só revelava aqui mesmo. Aí você fotografava, esperava o pessoal vir, olhar as amostras, aquela coisa toda. Três, quatro meses depois, ainda tava anotando pedido. Quando cheguei à noite, revelei os filmes, no outro dia cheguei e fui fazer as fotos. Fiz tudo e fui à casa das debutantes, vendi tudo. Quando ele chegou com os álbuns dele, eu já tinha vendido as minhas, aí não prestou muito, não. Mas foi só num primeiro momento. Então tem essas coisas... Você tem um concorrente ou você tem um amigo. Eu tive um concorrente, não vou citar nome, mas eu tive um concorrente, que um dia eu tinha as câmeras que eu precisava trabalhar e não consegui ter os filmes pra fazer o trabalho. Eu não tinha. Eu só tinha um filme que não servia na câmera que eu ia trabalhar com ela. E eu sabia que ele tinha, eu fui lá. Falei: “Você podia me ceder uns filmes?” “Não. Não tenho” “Então, dá pra você me emprestar uma câmera?”. Ele falou assim: “Essas coisas são boas pra a gente ter de reserva, porque se der problema numa...”. Eu falei: “Não, tudo bem. Não leva a mal, não”. Saí. Aquele dia eu saí com um nó na garganta dali. De certa forma, eu fui audacioso, mas eu creio que se ele tivesse me procurado, eu teria arrumado. A minha postura não seria essa. Ou pelo menos falar: “Não dá pra arrumar”. Mas ele deu um sermão. E eu fiquei apaixonado, rapaz. Falei: “Caramba”. Fui trabalhar, comecei fazer, falei: “Vou comprar umas três, vou deixar, que ninguém nunca mais vai falar isso comigo”. Passou o tempo, um dia lá ele mandou um funcionário dele lá, ligou pra mim: “Moacir, eu tô precisando de um papel, dá pra você arrumar aí?”. Eu falei: “Dá”. Eu me lembrei do episódio, sabe, da máquina. Falei: “Dá”. Ele chegou, falei: “O que foi?” “Não, eu fiz o pedido, mas não sei o que aconteceu com a transportadora, não chegou e eu tenho que entregar um serviço” “Você quer levar uma caixa fechada? Eu tenho” “Então tá, eu levo fechada e depois eu te pago com a caixa fechada também”. Fiz com o maior prazer do mundo. Não sei se ele se lembrou do que ele fez comigo, mas eu fiquei satisfeito. Então, às vezes por causa de um carão que você leve, ou um maltrato, você tem que ter uma reação diferenciada pra você se sobressair, você superar. Eu tive outro concorrente, eu fazia muita festa junina, fotografava as festas juninas. E deixava as fotografias na escola, a diretora entregava, eu pagava uma porcentagem pra escola. Então, eu fotografava, tava pronto, a escola entregava, depois eu ia só buscar o dinheiro. Dava certo. Aí apareceu esse menino, até eu o ajudei quando ele tava começando, depois disso que eu o ajudei. E ele chegou, conversou e tal. E já era uma tradição eu fazer trabalho nessa escola. E eles fizeram a festa, marcou, eu fui. Eu tinha uns clientes lá que me pediram pra ir, eu fui. Quando a gente ia, a gente fotografava todo mundo, depois vendia. E estamos trabalhando ali e ele apareceu também, e eu percebi que a diretora da escola tava dando maior apoio pra ele, e chamava as pessoas, tal. Ele bem novatão, acho que não tinha ainda experiência com esse trabalho. Eu trabalhei ao meu gosto naquele lá. Terminou, eu peguei o carro, fui pra Brasília, revelei em uma hora e voltei, e comecei a entregar. Mas foi uma briga tão boa, sabe por quê? Tinha lugar que eu chegava pra entregar as fotos, a diretora tinha saído, porque ele fez o mesmo que eu, ele pensou o mesmo. Ele tava saindo e eu tava chegando. Em outro lugar eu cheguei primeiro, quando ele chegava... E o meu trabalho ficou bem melhor do que o dele, porque os próprios clientes contaram. Então consegui me superar. Essas ações às vezes que a gente faz, a gente adquire respeito, as pessoas veem a gente diferente. Tem um ditado que diz assim, que se você não pode vencer o seu adversário, alie-se com ele. E foi o que aconteceu. Aí ele me procurou pra um acordo: “Tô começando aí, tem um fulano amigo meu, fulano de tal, falou que se eu conversasse com você...”. Falei: “Não, perfeitamente”. Dei muito apoio pra ele, hoje ele tá bem, tá melhor que eu, em termos de patrimônio e tudo. Mas sou feliz por isso.
P/1 – Moacir, e a questão concorrência/qualidade? Você tem um caso que é engraçado, que você contou aquele dia, que tinha outro concorrente que fazia umas fotos mais baratas, preços mais populares. Como é esse caso?
R – Ah, esse aí eu achei graça, porque ele não preocupava com qualidade, não, e cobrava mais barato. Ele já justificava: “Eu cobro mais barato porque minha foto é mais simples”. Isso no tempo do preto e branco ainda. Eu posso falar o nome dele, que ele já morreu, chamava Deiró. E ele um dia uma senhora não gostou das fotos. Nós retomávamos com lápis, lápis HB, H3, lápis de desenho, a gente retocava no lado fosco do negativo, tirava alguma imperfeição, ficava aquela foto bonita, aveludada. Até que surgiu a técnica da sombrinha, que aí eu dispensei o retoque. Quando veio a técnica da sombrinha, rebater a luz com sombrinha, aí deu uma qualidade melhor, não precisava mais de retoque, mas naquele tempo a gente usava. E ele não usava nada disso. E a cliente fez a fotografia lá, e: “Ah, Deiró, essa foto tá ruim demais, eu não quero”. E ele já foi se aborrecendo, e ela reclamando, queria que ele fizesse outra, ele não queria. Ele falou assim: “Dona, se puser uma vaca em frente a câmera, vai sair é vaca na foto” (risos). A elegância dele com ela foi essa.
P/1 – Você tava contando do curso também e essas relações, você falou, o pessoal ficava discutindo técnica, um espetando o outro pra absorver alguma técnica que ele soltasse.
R – É. Pra você adquirir.
P/1 – E o senhor contou o curso que o senhor ofereceu em parceria, parece, com a Secretaria de Cultura e o Sesc.
R – Foi. Eles que me chamaram, aí eu fui.
P/1 – Depois desse curso, existiu alguma relação com esses alunos? Como foi isso?
R – Sim. Aquela festa Ulhôa, que eu mostrei pra você ali, um dos alunos que prestou serviço pra mim. Eu o contratei, ele foi, porque foi um dos que se destacaram. E alguns deles não quiseram seguir, partiram pra outro segmento, enfim, era uma opção a mais que eles tiveram na época. Mas teve deles [alguns] que viraram concorrentes, inclusive. Eles assimilaram bem. E eu falava no curso: “Olha, pesquisem, vão fundo, que isso aqui é só um básico. Se amanhã vocês forem à minha loja, quiserem que eu ensine vocês mais alguma coisa, eu não vou ensinar, não, vocês têm que pesquisar. Aqui eu fui pago pra ensinar vocês, agora, fora é outra história”. Os que ficaram se deram bem.
P/1 – É essa sequência que eu quero falar. O que se ensina e o que não dá pra se ensinar em fotografia?
R – Tudo que o cara quiser aprender. Eu acho que não tem, eu, Moacir, não teria nada que ocultar de ninguém. Mas na fotografia, você consegue fazer uma fotografia boa, primeiro, iluminação, se tiver uma iluminação boa, você faz uma fotografia boa. E segundo, que é essencial, você não precisa ter uma máquina cara, muito cara, e nem uma máquina... Ela pode ser uma máquina simples, mas manda muito a ótica. Se você tiver uma lente boa, você faz uma fotografia boa. Agora, já houve muita discussão, fotografia é arte ou é técnica? São as duas coisas, em meu conceito. São as duas coisas. Você tem que aliar a arte à técnica. Você vê cada fotografia que o cara faz que parece um... Não dá pra você acreditar que foi fotografia. É o cara que tem uma coisa na cabeça, a criatividade, ele olha um ângulo, ele enxerga diferente de mim, enxerga diferente de você. Fotografias premiadas pelo mundo afora, o cara ficou às vezes 30 dias analisando o melhor momento pra fazê-la. Esse negócio de fotografia de documento não, você põe a luz, iluminou, não deu sombra, pá, pronto, não tem que fazer pose, não tem que fazer nada. Hoje, teve um período aí que a fotografia de eventos sociais foi muito valorizada o estilo jornalístico, eu ainda gosto dele até hoje. Não tem uma coisa mais gostosa, você tá ali, a noiva, corre uma lágrima no olho da moça assim de emoção e você registra aquele momento, rapaz. Isso é fantástico. “Ah, não quero foto chorando.” “Menina, você se emocionou ou não se emocionou no seu casamento?” Tem que ter o registro. Elas acabam comprando a foto. Eu tava filmando um casamento um dia, desse dia... Na hora do casamento veio um gato correndo e passou entre os noivos e subiu lá para o altar. Eu não consegui pegar, mas se eu pego aquele lá, eu ia fazer um separado, mas eu faria. Outro dia eu tava filmando um senhor, um ourives mais antigo de Paracatu, seu Cantídio, junto com a esposa entrando de testemunha, a música tocando, ele tropeçou no tapete, caiu. Outro dia fui eu que tava filmando um casamento, escorreguei num tapete, tava fotografando na Igreja Presbiteriana. E muita, a igreja muito arrumada, eu fui dar um passo pra trás, fiz “zump”, a foto ficou atravessada no fotograma, mas eu salvei a foto, só que não deu, eu consegui escorar num colega que tava do lado. Essas coisas. Agora, um colega meu caiu de costas no altar. Ele caiu, as pernas foram lá em cima. São coisas também que a gente tem que procurar evitar, mas... Então o estilo reportagem, eu o valorizo muito. Hoje tá usando muito fazer a prévia, ou românticas, e a pós, eu tô falando de casamento. Então às vezes, na hora de os noivos escolherem, eles querem mais o pós do que a cerimônia em si, escolhem ali duas ou três fotos só. Aquelas fotos trabalhadas com luz direcionada, pôr do sol, ambiente externo, que realmente ficam lindas. Ficam lindas. Mas mudou muito em relação àquela época lá atrás. Quando eu comecei a fotografar casamento, não existia fazer contrato. Não fazia contrato. Hoje, a gente trabalha com contrato assinado, tudo. Era assim, vinha um cara correndo num táxi: “Ou, tô precisando de um fotógrafo ali, que a e noiva vai entrar no altar agora”. Você ia lá: “Quanto você tira uma dúzia de fotos?”. Era dúzia, não fazia álbum, não fazia nada, era dúzia de fotografia pequena. “Não, eu quero só meia dúzia.” Aí você tinha que ficar lá até terminar o casamento pra fazer o que ele queria. Mudou. A coisa vai mudando. Por exemplo, o primeiro fotógrafo a adotar contrato de prestação de serviço aqui em Paracatu fui eu. Eu só trabalho com contrato assinado. Mas sempre que eu tive oportunidade, frequentei congresso, fui atrás de conhecer alguma coisa, ver o que tá rolando de novo. Não fui muito, mas eu acompanhei alguma coisa. E aí você vai pegando. Troco ideia com colega. É isso.
P/1 – Moacir, você também trabalhou em jornal, não trabalhou?
R – Eu fiz fotografia para o jornal, pra uns três jornais daqui.
P/1 – Quais eram esses jornais? Algum de muita importância, um marco pra cidade?
R – Eu fiz o Jornal de Paracatu, ele foi temporário, parece que durou só um ano, aí o moço que o fundou foi embora. Eu fazia as fotos, eu era responsável pelo departamento de fotografia. Mas assim, eu não ficava por conta do jornal, eu fazia. Como eu tava sempre acompanhando os eventos sociais... Alguma coisa extra, ele me chamava, eu ia fazer. Até hoje ainda tenho uma parceria com O Movimento, que hoje o dono dele mudou o nome, é Jornal da Cidade, é novo. O Movimento durou mais de 20 anos. Sempre fazia alguma coisa pra eles, foto de Carnaval, desfile de cidade, essas coisas mais assim, eventos históricos assim. Toda vida gostei de acompanhar, por exemplo, festival de banda, festival de música, tudo que envolve a cultura, eu sempre gostei de acompanhar, de fazer. Eu já fui trabalhar nesses eventos sem contrato nenhum, só pelo prazer. Por exemplo, teve o Primeiro Encontro Regional de Bandas, de música, banda, não sei como fala, eles falam banda, e foi aqui na praça. Eu fui lá, dei a cobertura tudo. Tem até o DVD aí que eu fiz. E foi um evento que marcou. E depois foi tanta gente me procurar, acabei vendendo meu trabalho. Postei um pedaço do vídeo na minha página no Face[book] e bombou, sabe? Às vezes, você tem que aproveitar uma oportunidade que surge, não é nem tanto pra você ganhar dinheiro, mas você mostrar seu trabalho, você continuar em evidência. Você falou sobre concorrente, relacionamento, um dia eu chamei o Lucas, falei assim com ele... Não existia laboratório de revelação colorida em Paracatu, era caro. Como era? Cem mil reais? (...) E ele falou assim: “Como é? Você não quer comprar um laboratório de revelação na hora aí?”. Eu falei: “Olha, deixe-me te falar uma coisa, eu não tenho condições, mas você tem. Eu, se fosse você, comprava”. Porque nós somos paracatuenses, vivemos da fotografia, quer dizer, a nossa vida, a nossa construção, é aqui. De certa forma, nós devemos uma melhoria pra cidade, e ela tem que ser através de quê? De investimento que vá dar retorno pra nós também. Ele foi e comprou. Logo depois ele comprou. E eu comprei um manual pra fazer meu servicinho daqui mesmo, mas os outros serviços eram tudo terceirizado. Servicinho pequeno, eu fazia aqui. E ele comprou um automático.
P/1 – A sua loja tá nesse mesmo local desde 75?
R – Desde 1997 nesse local. Eu fiquei 18 anos onde eu abri, que foi na rua lá do Banco do Brasil, depois mais três anos em outro ponto acima, porque aquele dono lá daquele imóvel vendeu, foi embora de Paracatu, e o outro que comprou não interessou alugar. Eu aluguei do cunhado dele, mais em cima. Mas era em cima, era sala. De lá, eu vim para o cunhado do primeiro, aqui que é dono desse aqui, que já tô desde 1997. Eu vou me aposentar aqui. O ano que vem eu aposento. A minha meta é trabalhar até os 70 anos. Eu já tô desacelerando agora, por exemplo, como eu falei, eu comecei a perder terreno na área de serviço social, casamento. Por exemplo, esse mês eu não contratei nenhum casamento ainda, só tenho aniversário. Aí eu agreguei outras coisas, serviço de cópias, de xérox, é pouco, mas toda hora faz. O setor de autarquia tá tudo aqui em volta. Agreguei serviço de plastificação de documento, a gente faz também. Então, por exemplo, despesa de luz, água e funcionário, eu pago tudo com o recurso do xérox, as despesas. Eu faço muita fotografia de documentos aqui. Acho que hoje em Paracatu, quem mais faz fotografia de documento sou eu. O cara vai registrar numa empresa, tem que fazer a foto, vai fazer carteira de motorista, vai outro documento. Diz que um dia isso vai acabar, por exemplo, hoje se você for renovar sua carteira, você chega lá ao Detran [Departamento Estadual de Trânsito], senta lá, eles põem uma webcam lá, joga uma imagem de qualquer jeito, tá pronto. Não usa mais a fotografia. Só quando é o primário, a primeira vez que o cara vai ainda tem que levar a foto revelada, depois não. Carteira de trabalho, chega ali, eles também têm lá uma webcam... Depois se você precisar fazer um xérox, a fotografia sai um carvãozinho, porque eles não têm iluminação própria e não se preocupam em arrumar. Mas às vezes a pessoa vai lá, os que sabem vão lá, mas quem não sabe vem cá. Eu não falo que eles tiram lá. Eu falo: “Você quer tirar uma foto 3x4?” “Quero”. Então eu tiro, ganho meu dinheiro. Se lá eles não quiserem aceitar, serve pra ele fazer outra coisa. Mas a minha postura também é o seguinte, se o cara chegar aqui, falar assim: “Você sabe se ainda tá precisando de fotografia pra carta de motorista?”. Eu falo com ele: “Não. Se for renovação, não. Não precisa tirar”. Eu falo. Mas se ele não falar nada, eu ganho o dinheiro dele e fico de boa, sem peso de consciência.
P/2 – A gente percebe que a sua história obviamente se passa aqui em Paracatu. Você tava contando a história de alguns eventos sociais que o senhor participou, mesmo sem às vezes ter o retorno financeiro imediato, que é a grande necessidade de quem trabalha no comércio.
R – Verdade.
P/2 – Mas também de fazer o seu entorno.
R – Mantém em evidência.
P/2 – Daí eu me lembrei dos festivais, que inclusive o senhor fotos digitais. Como foi o seu envolvimento com esses eventos, se o senhor lembra como se deu essa entrada?
R – Eu era contratado. Na época, por exemplo, aquele que eu te mostrei ali, dos primeiros festivais, a Secretária de Cultura gostava muito do meu trabalho, e como era ela que movimentava tudo, ela me contratava pra fazer o documentário pra ela. Ela montou um dossiê dos festivais. Depois teve uma época que acabou isso, aí criaram outra série de festival. E hoje já estamos na terceira fase de festival, eles mudaram o nome. Na época era mais... Era assim, quase local, depois passou a ser regional, e hoje é nível nacional. Por exemplo, o do ano passado, quem ganhou aqui foi gente do Rio de Janeiro, sei lá. Aqui já teve pessoas que vieram da Bahia, vieram de Manaus (AM) disputar aqui. Ele hoje tem expressão o Festival de Música de Paracatu, ele tá no calendário de eventos turísticos da cidade, eles divulgam muito.
P/2 – E o senhor lembra o nome das pessoas? O senhor tava falando da Secretaria, na época, assim, o nome das pessoas que faziam parte desses eventos.
R – Sim.
P/1 – Quem eram as figuras que participavam, os cantores? Assim, um olhar seu, pessoal, e não mais o fotógrafo. Assim, de quem tá ali também vivendo uma experiência e vendo, “pô, Paracatu tá tendo um evento social interessante”. Como era isso na sua cabeça na época? Que época era essa também? Eu não lembro. Não sei.
R – Foi nos anos de 1970. E ele veio, depois teve um intervalo que ficou sem, e recomeçou agora mais recentemente. Mas na época quem coordenava, que criou, teve essa, ideia, foi a Maria Romualda. Depois ela foi política, vereadora, hoje ela tá, parece, aposentada. Ela mora no Santana, no Bairro Santana, Maria Romualda. Ela tem muita história boa pra contar. E dos daqui que participavam na época, eu me lembro do Botare, Botare era um funcionário da Votorantim, mas ele disputava, que é aquele que tá ali cantando. O Luís Gouveia, que ganhou um dos festivais, o Heitor, Heitor Campos, é um advogado aqui conceituado, ele tinha uma turma dele que participava também, sempre participava. O Fernando do Banco do Brasil, que sempre gostou de um pandeirinho no festival. Ele não disputava, mas ia pra acompanhar a turma. O Fernando, a esposa dele é historiadora, Adália, gosta muito de escrever sobre Paracatu. E ele, o Fernando, ele é proprietário de uma lanchonete ali porque ele aposentou, e pra não ficar sem fazer nada, ele montou uma lanchonete na Rua Goiás, que faz esquina com a rua do Banco do Brasil, o Fernando. Quem mais participava naquele tempo? Tarsin. Mas Tarsin que é o pai do Bida Som. O Bida é o que é dono de um equipamento, de uma empresa de som aí, ele encampou a região, ele faz eventos grandes. O Bida, o pai dele, o Tarsin, era guitarrista, fazia contrabaixo também, quer dizer, ele fazia parte dos conjuntos. O cara entrava com a música pra disputar, o que cantava mesmo, mas sempre ele tinha uma turma de apoio ali. Agora, tem alguns que a gente não lembra, tem que olhar nas fotografias pra ver se lembra. Mas ficaram famosos na época, teve alguns que deram até show depois do festival, contratados pra festinhas, bailezinhos aqui mesmo. Agora, a Maria Romualda tinha uma equipe da Secretaria que ela envolvia todo mundo, e ela era a líder. Ela é uma líder muito boa. E a turma corria mesmo, ia atrás de patrocínio, a prefeitura dava o prêmio, e vinha lá a Associação Comercial também dava alguma coisa pra comprar o prêmio, uma hora era um cheque, outra hora era um troféu. Quem tinha menos classificação, ganhava o troféu, sempre a pessoa tinha uma lembrança do festival. A [rádio] FM do Humberto Neiva aqui, a Boa Vista FM, nessa época ela tava no início, no começo, ela deu muito apoio, divulgava. Mas eu não lembro mais pessoas assim que...
P/1 – Você também falou lá atrás sobre o valor que as pessoas de Paracatu dão ao moderno.
R – Sim.
P/1 – Você deve ter acompanhado a transformação da cidade, da Paracatu antiga, colonial, pra essa Paracatu de hoje em dia. A gente poderia começar a descrevendo a praça aqui em frente, como era essa praça antigamente. Lá atrás, você já lembrou que aqui era uma chácara. Você poderia descrever essa transformação?
R – Eu vou primeiro no mais antigo, que é no meu tempo de menino, que essa rua Goiás, que eu falei que encontra com a rua do Banco do Brasil, era calçada de pedra, aquelas pedras redondas, igual lá em Ouro Preto (MG), por ali, eu alcancei esse tempo e lembro quando removeram as pedras. A Rua Do Ávila, que é a rua que passa em frente à Casa de Cultura também era de pedra. E era meu caminho, eu as atravessava pra ir pra Escola Sérgio Ulhôa. E eu aprendi a gostar dessas coisas... Não vou dizer revolta, mas eu tenho uma paixão com aquele prefeito que na época que criou um slogan assim: Nova Paracatu [19]65. Era o ano do governo dele. E ele começou a abrir uns becos e foi arrebentando, foi tirando, o saudoso, Walter Neiva. Ele partiu para o moderno, mas destruiu o antigo, o que contava a história ficou pouca coisa. Tá aí tombado. Eu mesmo lá nesse terreno que eu tinha lá não podia construir, só podia ser uma construção pequena, baixa, porque era área de patrimônio histórico. Mas a essência mesmo praticamente acabou. Voltando aqui pra essa praça. Agora já bem mais recente, essa praça era toda cascalhada, não tinha asfalto. Depois asfaltou essa avenida aí, e veio um prefeito e fez uma praça, Praça 13, mas era só a metade pra cá. Aqui onde é a Caixa Federal era a cadeia pública, uma construção antiga, e esse prédio foi acabando, até que caiu, ficou lá. Os moleques vinham jogar bola ali no espaço que tinha no meio da poeira e tudo. Quando eu trouxe a loja pra cá, tempo depois começou a construção o prédio da Caixa. Mas eu lembro quando a cadeia funcionava ali. Era muito raro uma pessoa ser presa, às vezes era um cara que matou alguém, ficava lá não sei quantos anos, ficava conhecidão de todo mundo. Mas a cadeia não enchia, não. Hoje não prende porque não tem espaço, de tanta gente à toa e vagabundo que tem. Mas vamos lá. Aí um senhor chamado Paulo Jordão fez uma parceria com a prefeitura, construiu um prédio aqui no meio da praça, eram dois pavimentos e tinha um vão no meio, que era onde os ônibus entravam. Em cima era pensão, embaixo eram quatro barzinhos, e tinha um guichê de vender passagem. Funcionou muito tempo como rodoviária. Quando venceu a concessão, que era 20 anos, ele não se interessou mais e entregou, aí a prefeitura cedeu pra polícia e ficou sendo a Polícia Militar um bom tempo. Um bom tempo. Depois a Polícia Militar construiu a sede deles, aí veio a feira pra cá, a ferinha de pequenos produtores, funcionava aos sábados. E depois esse prédio ficou servindo de moradia de andarilho, porque ficou meio abandonado aí. Quando entrou esse prefeito, o Almir Paraca, que construiu essa praça, e o pessoal chamava Praça 13, porque ele construiu, o número do partido dele era 13. Quando ele saiu, o outro prefeito que entrou, o número do partido dele era 15, salvo engano, se ainda me lembrar desse assunto, aí ele fez a Praça 15, que era o complemento. Hoje, ela chama Praça Firmina Santana, que é em homenagem a primeira nutricionista brasileira, que era paracatuense. Firmina Santana, ficou a praça com o nome dela, é referência. Mas eu lembro quando asfaltou essa avenida aí também, saiu um poeirão à tarde, ficava aquela nuvem de poeira. Só que vai evoluindo aos poucos. Há dez anos, você não via esse movimento de carro que tem hoje aí, era menos, bem menos. Muita coisa mudou. Eu teria muita coisa que falar que envolveu essa evolução, por exemplo, Paracatu tem um apelido antigo, Atenas Mineira, por duas razões: primeiro, teve escolas boas, boas mesmo, teve no passado, no auge do ouro, que ela nasceu em função do ouro que tinha aqui, e tem até hoje, só que hoje não tira como tirava naquela época, a exploração hoje é mecanizada. Então por que ela ficou com esse nome? Porque aqui teve muitos homens cultos, ilustres. Eu falaria, por exemplo, do Pedro Botelho, que era filósofo, morreu na Europa, trouxeram ele pra enterrar aqui. Eu falaria do Afonso Arinos de Melo Franco, que foi ministro, primeiro ministro, uma coisa aí no passado. Os Afonso Arinos depois dele que vieram herdando o nome, que vieram os sobrinhos, veio outro, veio outro, que foi deputado, foi senador, foi tudo isso, homens ilustres. Aí você chega à Casa de Cultura, você vê uma história rica desse povo antigo. Eu me lembrei desses aqui agora, mas tem muito mais homens famosos. Aí ganhou esse título de Atenas Mineira. Aí veio uma decadência. Veio uma decadência. Agora eu diria o quê? Na virada do século, talvez, que veio esse bum aí das faculdades e tudo, hoje nós temos Faculdade de Medicina, temos Ns faculdades. Isso foi uma evolução muito grande. Esse prefeito que eu falei que construiu a Praça 13, ele tinha uma preocupação, ele fez um evento, eu participei, eu tava dando cobertura, e ele disse assim: “Olha, a minha preocupação é porque o ouro não é renovável. O dia que acabar essa mineração aí não vai ter mais produção, e nós temos que começar a preocupar com isso”. E foi onde ele criou o programa turístico da cidade. Falou: “Uma das coisas” – ele deu a sugestão – “seria incentivar o turismo”. E aí começou a falar disso, turismo, começou a preservar alguma coisa antiga aí, restaurar, criando alguma coisa, ele tinha essa preocupação. Só que depois vieram, como eu falei, as faculdades. Tem várias. Hoje, por exemplo, se for falar da Atenas, que é a maior, ela tem um campus lá muito grande, tem o hospital dela. Agora desacelerou um pouco, mas ela passou uns dez anos construindo 24 horas por dia, era um turno de dia, outro à noite. Ela nunca parou de expandir, deu certo. Tem a Finom [Faculdade do Noroeste de Minas], tem a Tecsoma, sem contar as virtuais, tem a Unopar [Universidade Norte do Paraná], tem outras e outras. Houve uma transformação muito grande Paracatu. Começou lá atrás com o advento da lavoura do cerrado. Delfim Netto, o ministro da Fazenda na época, apoiado por Alysson Paulinelli, eles criaram o programa da lavoura do cerrado. E procuraram o japonês que era dono tecnologia: “Olha, nós temos terra de sobra vocês trabalharem. Vamos fazer um negócio, vocês vão produzir nas terras brasileiras, vão ter liberdade de exportar tudo que vocês produzirem, mas a nossa exigência é que vocês comprem as máquinas, os equipamentos agrícolas, fabricados no Brasil, compre do brasileiro”. E eles começaram. Por exemplo, aqui na região do São Gotardo (MG), o seu Vando Borges contou um dia na palestra que ele dava, na AMNOR [Associação dos Municípios da Microrregião do Noroeste de Minas], ele falou assim que os japoneses chegaram lá comprando cerrado, aquelas campinas, aquelas terras lá, falavam que era pra plantar lavoura e o povo ria. Teve fazendeiro lá que falou: “Não, você me paga o arame que eu fechei a larga...” – falava larga aquele espaço – “E eu te passo a escritura”. Quer dizer, ele fez ali uma brincadeira, mas assim, seria o modo de falar, força de expressão. Mas no início ninguém acreditava e virou essa potência. O Brasil hoje é um grande exportador de grãos, valorizou o cerrado. Essa ideia que o Delfim Netto teve, apoiado pelo Alysson Paulinelli, que criou a Emprapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] e começou a tecnologia, hoje ganha dos americanos. Você sabe que a agricultura americana é subsidiada. Era, hoje eu não sei, mas era subsidiada, e o brasileiro começou a melhorar a produção sem subsidiar. Aí passou a ter lucro no volume de produção. O embalo inicial de Paracatu veio nesse advento do “ouro verde” da agricultura. Aí o governo criou o Projeto Entre Ribeiro Um. O primeiro, primeiro de tudo, foi o Projeto Mundo Novo, o projeto da... Como chama ali? Sul não, Projeto Cotia. Tinha o projeto da Cotia, que era Sul Brasil. Projeto Sul Brasil, Projeto Mundo Novo. Depois veio o Entre Ribeiros, que veio o PCR1, PCR2, PCR3, parece que tem quatro projetos. Canalizou a água do Rio Paracatu, que é afluente do Rio São Francisco, e trouxe para o cerradão aquele rio de água, bombado ali, jogado, e eles montam os pivôs e jogam. Produtos cítricos... Na época da transição do Cruzado para o Real, que teve URV [Unidade Real de Valor], essa coisa toda, os agricultores ficaram desesperados, fizeram uma reunião e falaram assim: “Vamos criar uma alternativa” “Vamos”. Chamaram uns agricultores de São Paulo, e a sugestão, partir pra produzir cítricos, frutas, porque os mantimentos ficaram baratos, por exemplo, soja ficou barato, milho, arroz, ficou tudo barato. Eles plantaram abacaxi, plantaram laranja, plantaram banana. Ainda produzem até hoje. Em menor escala, mas produzem. Até que melhorou o preço de soja, de milho e outras coisas mais. E tem outra coisa, chegaram a plantar trigo no cerrado aqui, coisa que ninguém imaginava que ia dar. Produziram trigo do cerrado aí, na região do Mundo Novo. E a lavoura de café. Hoje, no Brasil, o café que é mais valorizado no exterior, eles criaram uma marca, Café do Cerrado Brasileiro, e o café produzido na região nossa faz parte dessa grife aí, vamos dizer assim. Uma coisa vai puxando a outra, porque veio a mineradora. A mineradora começou a incentivar cursos: “Não, preciso ter técnico em mineração”. Essa coisa toda. Votorantim também. E uma coisa é consequência da outra. Hoje, por exemplo, a máquina que movimenta a economia de Paracatu, chegou a se dizer, quando falou há pouco tempo, que o Brasil entrou em crise, essa crise que falou aí, vários órgãos da imprensa publicaram, através de pesquisa que fizeram, uma das cidades que menos sentiu com essa crise foi Paracatu. E a gente tá aí envolvido nesse processo. Eu, por exemplo, estou me beneficiando desse menos crise, por quê? Como eu falei aqui há pouco, que eu faço muita foto de documentação, aí a empresa vai criar uma fase de expansão ali no morro: “Tem que aumentar a barragem”. Aí contrata uma empresa de terraplanagem, contrata outra que faz as coisas de concreto e mais não sei o quê. Vem esse pessoal todo, chega aqui, tem que fazer xérox pra registrar, tem que fazer a fotografia, Fotos Guimarães tá curtindo isso aí. Então, falaram assim, existe uma campanha muito forte pra fechar a mineradora. [...] Pode ter alguns casos isolados, mas existe muito exagero. Se você for a Unaí (MG), eles estão fazendo uma campanha pra construir um hospital do câncer regional, porque tem muita gente com incidência de câncer lá. Aí você vem aqui, tem, você vai a outro lugar, tem. São vans e ônibus levando doente pra Barretos. Então qual a minha conclusão? Contribui? Pode ser que contribua pra essas enfermidades, essas doenças, mas quando você chega lá à lavoura, o veneno que é aplicado na lavoura é de avião, esse veneno vai no ar por aí afora. Você entende? Os defensivos que aplicam ali são fortes. O que a chuva levar na enxurrada vai para o rio. Então, meu amigo... Eu falo assim: “Você é favor que fecha?” “Eu não sou, não, porque eu tô me beneficiando”. E eu não vejo, se eu não percebesse esse outro lado da moeda, eu seria um também que seria contra. Eu não vou abrir campanha a favor dela, mas eu fico no meu cantinho aqui e não falo nada, porque eu sou beneficiário, minha família é, eu tenho muitos amigos que trabalham lá, que tratam da família, que estão fazendo seu patrimônio, são funcionários dela. Agora, ela corre o risco de desativar por algum tempo, temporariamente, por falta de água, que não tem. As barragens dela não tá tendo água suficiente pra trabalhar os moinhos. Porque não basta moer a rocha, tem que ter água pra lavar, pra separar o ouro, tem uns procedimentos lá. Não, fechou a mineradora, não tem mais ouro em Paracatu, é o fim do mundo? Não. O pessoal que vem de fora pra estudar aqui, que não é pouco, só de Medicina no primeiro ano foram que vieram estudar. Ele aluga uma casa pra república, aluga outra coisa, entra dinheiro de fora na cidade, eles vêm comprar de mim, comprar do mercado, e tá rodando a roda e não para. Então eu acho que se ela tiver que parar, vamos sofrer consequência? Vamos. Mas não vai ser o fim do mundo. Não vai ser o fim do mundo.
P/2 – E dessa Paracatu que o senhor viveu lá na infância, adolescência, para a Paracatu de hoje, o que se guarda e o que se tem?
R – Uma das coisas que eu tenho saudade era a segurança que a gente tinha. Era tão bom. O meu primo estudava aqui na Escola Antônio Carlos e morava no Alto do Córrego, que é um bairro do lado de lá. Da casa dele lá, em linha reta, é mais ou menos um quilômetro e meio. Ele veio pra escola na bicicleta do trabalho dele, do mercado, era uma bicicleta cargueira, e ele saiu conversando com os colegas, esqueceu que tinha ido de bicicleta, ficou estacionada na porta da escola, lá fora. De manhã cedo quando ele levantou, que ele abriu a porta, ele lembrou: “Meu Deus, a bicicleta”. No que ele olhou, de lá ele viu bicicleta na porta da escola, ninguém roubou. Eu tenho saudade desse tempo. Mas infelizmente hoje Paracatu é uma das cidades... Eu nem gostaria de contar isso, porque infelizmente é depreciativo, mas é muito violenta. Então, eu tenho saudade do tempo, da segurança que a gente tinha. Domingo de manhã, os moleques passavam na rua: “Olha, o bolo de domingo”. Esse bolo de domingo só existe em Paracatu, é feito de arroz. Você prepara o arroz, deixa ele da noite para o dia na água ali, ele dá uma amolecida, aí de manhã, faz ele com banha de porco. Ele fica bem gordinho. Mas você só pode comê-lo quentinho também, se deixar esfriar, não fica bom. Bolo de domingo é o nome dele, porque só fazia no domingo. E ainda tem duas famílias aqui que ainda fazem ainda pra vender. De vez em quando dá saudade, eu vou lá e compro. Minha mulher sabe fazer, mas hoje ela não.... Às vezes reunia as irmãs, os irmãos dela, aí você tem que levantar de madrugada, senão não tem graça. Aí levantava quatro e meia da manhã pra começar a assar o bolo. Ali você vai tirando, vai comendo, aquela coisa toda. Então passavam os moleques: “Olha o bolo de domingo”. Oferecendo. Agora Paracatu hoje, é dia cinco de julho agora, Dia Municipal do Pão de Queijo, vamos comemorar a primeira vez. O pão de queijo é uma marca registrada de Paracatu hoje. Tem uma pão de queijaria aqui que tava buscando a certificação o ISO 9002. Eu creio que eles conseguiram, tanto é que a prefeitura apoiou e criou o Dia Municipal do Pão de Queijo. E tô na expectativa que vá ter um festival, não sei. Não tô ouvindo ninguém falar, não, mas eu crio que vá ter. Naquela época já se fazia o pão de queijo também, mas hoje ele criou fama. Hoje até diversificaram também. Tenho muita saudade das bandas de música, os eventos cívicos que aconteciam, por exemplo, o Dia da Pátria, sete de setembro, aniversário da cidade. Eu ficava fascinado. Eu sou daquele tempo que quando você via a bandeira nacional, punha a mão no peito, meu amigo. Eu nunca me esqueci disso. Hoje tá cantando o hino nacional, o cara tá mascando chiclete, tá olhando para os lados, não canta, não fala nada. Acabou. O povo perdeu esse sentimento. Acho que o que mais me revolta é ver os homens públicos fazerem o que fazem. Mas era bom. Eu vivi o encantamento. Eu não tinha, nunca tive e não tenho inclinação política, mas eu gosto de ler política, gosto dos assuntos, e gostava muito dessas coisas. Horas cívicas. Ficou na memória. É o que eu tenho mais saudade, é a banda tocar. Dava vontade até de chorar quando eles estavam tocando, porque os caras tocavam com a alma. E eu já fui músico também, fui trompetista, então eu sei o que é a música bem tocada.
P/2 – Acho que é isso. Eu acho que eu vou acabar indo para o outro bloco. Se você quiser falar dos personagens. É porque tem umas fotos de personagens, o senhor mostrou, os personagens da rua, tal.
R – Sim.
P/2 – Quem são essas pessoas? Qual o interesse do senhor também em fotografá-los? Com foi essa história?
R – Rapaz, eles me chamavam a atenção quando eu via eles. Achava interessante e eles tinham sempre uma historiazinha pra contar. Por exemplo, dessas que eu tenho aí... Na realidade, esses dois que eu te mostrei ali não são personagens de rua, mas, no caso especificamente daquela senhora, ela contava que ela lembrava quando veio a abolição dos escravos, da bandeirinha branca. Ela falava de uma bandeirinha branca, que eu não sei se foram os escravos que saíram manifestando de alegria. Ela tinha lembranças disso. E ela foi uma senhora que viveu mais de cem anos. Tem a foto do filho dela, que já tá bem idoso ali, e tem a foto dela. Eu achei interessante, fiz a foto e guardei de lembrança. Um filho dele é amigo meu, é idoso, tá com 80 e poucos anos, fiz uma foto pra ele também. Mas eu me lembro, por exemplo, de Bam Bam Bam, que era um personagem de rua, tinha o Papaúas... O Bam Bam Bam não gostava. Os moleques da rua gostavam de mexer com esse povo atrapalhado, aí chegavam, falavam: “Bam Bam Bam, lata velha, caixa de fósforo”. Aí podia preparar. Tinha que correr, porque se ele pegasse, ele batia, jogava pedra, ficava louco, espumava pela boca, pelo canto da boca, de ira. Ele morava num barraquinho aqui por perto ali, perto da Coopervap [Cooperativa Agropecuária Vale do Paracatu], e o barraquinho dele tinha pedaços de lata, era uma coisa que ele mesmo fez lá, da maneira dele. Andava na rua por aí, as pessoas davam comida pra ele, tal. Bam Bam Bam. Eu nunca soube qual era o nome dele, não. Tinha um que chamava Bernardão também, era meio doidão, andava com os pés meio assim, eu não fiz foto dele, não. Tinha o Chiquinho do Mota. O Chiquinho do Mota, o pessoal... Os meninos... Ele não gostava muito de atender menino, não. Uma vez ele me atendeu, falei: “Dá um pulo aí, Chiquinho do Mota” – ele dava. Mas ele gostava de ganhar presentes. Eu falava assim: “Eu te dou um pedaço de fumo se você der três pulos”. Aí ele fazia aquela força, ele era pequenininho, mas ele não pulava mais do que isso aqui, olha. Era um pulinho bem... Ele carregava uns sacões nas costas, era uma trela de saco, não sei o que tinha ali, acho que era só palha, era coisa leve, ou papel, sei lá. Nunca soube o que ele carregou ali. Mas ele tinha que andar com aquele saco nas costas, um chapéu grande. E ele morava numa chácara distante, uns oito quilômetros daqui, ele ia e vinha. Quando dava saudade, ele vinha. Uma vez, duas na semana ele vinha. Era o Chiquinho do Mota. Tem pessoas aí que sabem mais histórias dele do que eu. Teve o Tromba D’Água, o Tromba D’Água um dia chegou doido lá em casa. E eu ficava curioso, por que o apelido dele era Tromba D’Água? Tava um sol estridente, rapaz, você não aguentava ficar no sol assim um tempo, e ele chegou apressado, achou o portão aberto, foi entrando, falou: “Dê-me um copo d’água, porque eu to com muita pressa”. Tomou a água: “Eu tô com pressa” “Espera aí, moço. Bebe água” “Não, que vem uma tromba d’água ali”. Era tromba d’água nada, era imaginação dele. O pessoal ria... Agora, teve outro, um personagem mais recente, era um baixinho, ele tinha estilo de nordestino. E não sei o nome dele, mas os meninos o chamavam de Pega pra Capar, não sei por que razão. Quando falavam essa palavra, ele “espraguejava” absurdos. Os moleques faziam só... Ele ficava tão nervoso, ele ajoelhava no chão, punha a mão pra cima: “Tenho fé em Deus que você vai morrer queimado, seu desgraçado”. Era assim. Tinha o Gustavinho Bem Bem. Por que Bem Bem? Porque ele que tocava o sino da Igreja do Rosário, chamava o povo pra missa. Esse povo tudo já morreu. E aí contam uma história, que depois a esposa dele o largou e se casou com outro senhor, chamava Quinca. O Quinca já morreu. Diz que ele cantava assim: “Oh, meu São Benedito, castigai o Quinca, meu São Benedito, que roubou minha mulher”. Eles falaram isso, eu não sei. Tem parentes dele aí, nem sei... Mas tinha essas histórias. E não podia chamá-lo de Bem Bem de jeito nenhum, ele achava ruim, ficava bravo. Ficava bravo até. A Bernardina Doida. Eu passei um medo com a Bernardina Doida. Ela não fez nada comigo, mas ela... Tem o Oliveira Mello, que é um escritor de Paracatu, radicado em Patos [de Minas, MG], e tinha o Itamar Oliveira Mello... Eu não sei se esse Antônio Oliveira Mello era filho do Itamar, ou se era irmão, eles são parentes. E a Bernardina todo dia de manhã fazia um café, pegava água lá no açude, trazia esse café na caneca para o Itamar. Sentava na porta lá do comércio dele e ficava. Ficava ali, de tarde ela ia embora. Todo dia. Ela tinha essa amizade com Itamar. Dizem que quando ele às vezes precisava sair um pouquinho, ela não aceitava ninguém entrar lá enquanto ele não chegasse. E ela tinha uma bengala, um pedaço de pau assim, e ela pra dar uma bengalada num era daqui pra ali. Andava sozinha, cabeça baixa, um lenço amarrado assim, conversando sozinha. Morava sozinha numa meia água, debaixo de um pé de manga grande. E tinha umas mangas muito bonitas lá, e eu era menino ainda, oito anos, por aí, e eu desejei aquela manga. Falei: “Não vou invadir o quintal, tá na rua”. Não tinha cerca, nem nada, subi. Quando eu tô lá em cima, Bernardina chegou, rapaz do céu, eu gelei. Gelei, mas graças a Deus ela olhou pra cima, conversou, mas ela não me enxergou. Até que ela entrou pra dentro, aqueles minutinhos pareceram uma eternidade. Eu desci suando lá de cima e olha, corri, nunca mais quis subir naquele pé de manga. Bernardina Doida.
P/2 – Eu fiquei pensando na mãe do filho que o senhor fotografou. Você se lembra de como se deu esse evento?
R – Como?
P/2 – Da fotografia lá da mãe do filho que o senhor fotografou, daqueles retratos bonitos.
R – Ah, sim, os idosos ali?
P/2 – É. Como foi essa situação? Como se deu esse dia? Você se lembra disso, dessa ocasião?
R – Eu era doido pra fazer uma foto dele, do velho, e eu o vi um dia subindo a rua, eu corri lá, peguei a máquina e cheguei perto. Aí ele sentou pra descansar e eu perguntei a ele se eu poderia fazer uma foto dele. Falou: “Perfeitamente, meu filho”. E fiz a foto. Agora, da mãe dele, se eu não estou enganado, eu fiz lá no sítio onde ela morava, parece que foi sentada na porta lá de um barraquinho. Só que eu pus alto contraste na foto, não mostrou muito do ambiente. E teve outro filho dela, que eu o fotografei de costas, até participei de um concurso de fotografia com aquela foto, e eu hoje não a tenho mais. Quando ele foi entrando no rancho de palha, eu peguei o ambiente dele lá. Num rancho de palha, ele foi entrando assim, ele tava com duas facas atravessadas aqui atrás, tipo facão, acho que ele tava vindo do mato. Mas tava interessante demais. Na hora que ele botou a mão assim na porta pra entrar, ele virou o rosto, eu bati a foto. Eu até participei de um concurso de fotografia com ele. Não foi premiada, não, mas ela passou na seleção lá, sabe?
P/2 – O senhor mostrou uma foto de um menino numa pedra, enfim, que participou de um concurso, acho que ganhou. Podia contar um pouco...
R – Não, aquele lá, aquele moleque foi no fundo da minha casa. Eu moro numa chácara às margens do Córrego Rico e, naquela época, os moleques tomavam banho lá, a água era mais ou menos sadia, não era poluída. E eu vi aquele moleque em cima da pedra lá, eu tava com a máquina... E ele passava o dedo na água assim, a água tava quase parada, quando ele passava o dedo, fazia aquelas ondas assim, bem... Eu achei interessante a cena e o fotografei, e mandei pra Revista Íris, de fotografia. Eles fizeram um comentário, tá aí, eu tenho uma página aí comentando a plasticidade da foto, o aspecto. A única crítica que eles fizeram no sentido de que podia ser melhor, que eles alegam que o olhar do menino ficou meio assim não identificável, por causa do perfil que eu o peguei. Mas eles acharam que o enquadramento foi muito bom, que o momento foi ótimo e tal. Tem lá a crítica ali na página lá. Mas eu mandei pra esperar a crítica mesmo, porque era um espaço que a revista criou para avaliar as fotografias de quem mandasse. E eu acompanhando, falei: “Vou mandar essa foto”. Tinha foto que ia e não publicava, mas a minha eles publicaram, com a crítica, que eu achei que foi construtiva.
P/1 – Você é casado, Moacir?
R – Sou.
P/1 – Qual o nome da sua esposa?
R – Maria Divina Cardoso Guimarães.
P/1 – São casados há quantos anos?
R – Desde 1975. Quarenta e dois anos.
P/1 – Ela é de Paracatu?
R – Paracatuense. Ela é aposentada, foi professora primária, foi coordenadora. Hoje ela tá aposentada e cuida da mãe, que é idosa. É cuidadora da mãe. Sou casado, mas nós namoramos até hoje. No Dia dos Namorados, eu levei pra ela... Ela gosta muito de orquídea e eu fiquei procurando uma diferente, que ela tem a coleção, e achei uma, rapaz, que tava um encanto. A loja quase fechando, ainda alcancei, dei graças a Deus. Ela ficou muito feliz. Chuva de ouro, parece que chama, amarelinha, mas você olha a flor e dá impressão de que é uma bailarina a flor, o formato da flor. A coisa mais linda. Mas graças a Deus temos cinco filhas, todas casadas. Tenho sete netos, véspera de mais uma neta. O primeiro neto tá com 20 anos.
P/1 – Como vocês se conheceram?
R – Nós éramos amigos... Eu ainda trabalhava para o Augusto nessa época, e caminho dela pra escola passava em frente à loja, atravessava a praça seguindo pra escola. E a gente às vezes saía aos domingos, passeando, fazendo visita. Nós éramos um grupinho, eu sou evangélico e nós tínhamos um grupo que a gente saía aos domingos visitando. E eu conheci ela lá na igreja, aí a gente fez amizade. Três anos amigos, somente amigos. Um dia, eu percebi que quando ela não passava, eu sentia falta, o dia não ficava bom pra mim. Vou eu caçar coragem pra falar com ela, que eu tinha interesse de casar com ela. Eu pensava assim: “Meu Deus, eu vou falar com ela, ela vai falar que eu tô confundindo amizade com namoro”. E foi um conflito muito grande, mas até que um dia eu tive coragem. Eu falei: “Apesar da nossa amizade, o que você pensa no futuro aí? Você não pensa em casar? Eu não seria um bom partido?”. Foi naquela conversa de galante. Ela falou: “Eu tava só esperando você falar. O meu sentimento é o mesmo”. Aí nós... Falei com meu sogro, ficamos noivos, um ano e nove meses depois a gente tava casado. Graças a Deus nos damos bem até hoje.
P/1 – Seu Moacir, uma avaliação, o bloco final da avaliação. Como foi para o senhor contar a sua história, participar dessa entrevista? Contar as lembranças, as memórias?
R – Bom, eu gosto de contar o passado, porque eu não tenho que me envergonhar de nada. Eu acho que tudo foi construtivo. A experiência que eu adquiri ajudando minha mãe a criar meus irmãos, minhas irmãs, foi muito útil pra eu criar as minhas filhas. E minhas filhas, todas têm muito respeito comigo, com a minha esposa. Nós somos uma família de sentar em volta da mesa pra conversar assuntos diversos, discutir. A gente tem uma vivência muito boa. Então eu tenho prazer de contar isso, porque não tenho que me envergonhar de nada do que eu já vivi. Eu dou até graças a Deus por isso. E, de certa forma, eu me senti valorizado... Quando vocês falaram comigo, num primeiro momento, eu não me senti à altura pra isso, mas também não sou de omitir. E se isso vai contribuir pra alguma coisa, então vamos lá. Foi muito bom compartilhar essas experiências de vida. Eu gostaria de estar com a memória melhor pra eu me lembrar de muitas outras coisas que eu possa ter esquecido. Eu sei que eu esqueci de alguma coisa, mas pelo menos um pouco. Se der pra tirar alguma coisinha disso aí, que vocês tenham interesse, eu vou ficar feliz.
P/1 – O senhor falou de memória de passado, o senhor gostaria de deixar uma mensagem para o futuro?
R – Uma mensagem para o futuro?
P/2 – Pra quem for ler essa sua entrevista.
R – É?
P/1 – Porque ela vai ficar disponível.
R – Vai ficar disponível, né? Essa que é a história. Eu acho que um dos pilares da sociedade é a família. Se fosse pra eu incentivar a geração de hoje, é valorizar a família, valorizar o casamento. Não esses casamentos de encontros furtivos, de noitadas, não. Uma coisa bem pensada. Mesmo que se você for pensar assim, olhar mais para o lado da criação do mundo, da história da religiosidade, o fundamento da família que Deus criou foi exatamente pra criar um povo do gosto dele. E hoje a sociedade tá muito deturpada. O ser humano parece que não tem valor, é muito brutalizado. O rapaz, por exemplo, ele não tem paciência, os namorados, os jovens, a maiores deles não tem paciência de esperar o casamento pra ter aquela noite de fantasia, de alegria, a primeira noite. Não tem essas coisas, sabe? Por isso que, no meu conceito, não tem estrutura. Os casamentos de hoje não têm estrutura de família, porque é uma coisa de qualquer modo. E eu entraria numa coisa muito até melindrosa, mas eu acho que a mídia tem uma influência muito forte nos costumes da sociedade. Se você sentar pra ver, por exemplo, um filme, uma novela, filme, vamos lá, eu tenho sobrinhos que gostam muito de filme de... Eles falam: “É filme de ação”. Mas o que você lá? Só violência. E você vive o que você vê e o que você come. Eu penso assim. Então, por exemplo, se o cara assiste só violência, ele no fundo, no fundo, no subconsciente, ele tem uma inclinação pra violência. Da mesma forma, a questão do viver social, do convívio de família, você olha uma novela, por exemplo, ela tem muito conflito de família, interesses, contam história de heranças, que um quer roubar do outro, que o filho tá tomando... Sei lá. Como o povo gosta de ver, é o que fica no subconsciente e se cria uma sociedade deturpada. Então, se eu tivesse que dar uma mensagem de otimismo, hoje eu falaria pra juventude: valorize sua juventude, viva-a de uma maneira sadia. Porque tudo tem que ter a base. Eu sou muito bronqueado... Tem ali um artigo que eu escrevi num jornal, que vocês vão ver. Tenho bronca com os administradores públicos, porque assim, eles fazem um discurso e fala assim: “Temos que trabalhar a base pra crescer uma sociedade sadia”. Então vamos trabalhar a base. Paracatu tem uns parquinhos infantis aqui, que os que não acabaram têm mais de 25 anos que nem reforma sofrem, estão lá só os pedaços pendurados lá, correndo risco de a criança cortar, machucar. Mas arranjam verba pra fazer quadra de esporte... Não sou contra, mas o que eu quero dizer é o seguinte, que se não trabalha a base, por que eles fazem quadra de esporte, campo de futebol, patrocinam isso, aquilo? Por causa do voto. Eu, o meu conceito é esse, por causa do voto. E a criança não vota, mas eles esquecem que o tio vota, que o pai vota, que a mãe vota, que todo mundo tem voto, que as crianças têm voto na família. E aí não tem base. Entra um prefeito: “Não, vamos fazer praça, tal”. Criou um parquinho um bairro de classe média, não foi no bairro lá da periferia. As crianças pobres lá têm parquinho nas creches, mas aqueles meninos de oito, nove anos, sete anos lá, não têm um parquinho pra brincar. “Ah, não, mas faz, destroem.” Põe guarda, põe pessoas que cuidam, que zelem, envolvam os pais pra cuidarem daquilo ali, que é um patrimônio para os filhos. Então os meninos ficam vadios aí na rua, vão cheirar cola, vão fumar pedra, vão tudo, porque não tem, não tem onde se divertir. Ele não pode ir para o clube. Quem pode vai para o clube, mas quem não pode, não vai. Então, de certa forma, eu vejo muita culpa nos políticos por causa disso. E aí tem as associações de bairro, eu falei com o presidente da associação de bairro, falei: “O negócio seu é o seguinte, ficar em evidência porque vai candidatar pra vereador, pra ganhar”. Não é outra coisa. Mas eu quero ver a ação da associação de bairro. Aqui na Praça do Santana, por exemplo, se vocês passarem lá, vocês vão ver um parquinho, eu não gosto de falar mal da minha cidade, mas eu tô falando a realidade, você vai ver lá o que tem lá que falam que é um parque infantil. E cadê a ação da associação de bairro lá, quando eles revitalizaram, disseram que era pra melhorar, melhorar. Quem ativou a associação de bairro ganhou pra vereador e nunca fez nada, não apresentou um projeto nem pra reformar o parquinho. Quer dizer, eles não estão olhando nem pra eles próprios. Quando entrou esse prefeito que eu falei aí da Praça 13, ele criou o Governo Itinerário, aí ia para os bairros, fazia reunião nas escolas pra discutir as prioridades. Ele queria fazer o gosto do povo, o povo não soube pedir. O povo também tem culpa. Ninguém pediu pra fazer um parquinho no Paracatuzinho, por exemplo, o maior bairro da cidade, onde tem mais voto, ninguém pediu um parquinho pra lá, ninguém pediu, mas quadra de esporte eles pediram. O prefeito fez o que o povo pediu. Nessa hora, o político não tem culpa, não, porque foi o povo, no caso desse aí, porque ele consultou a população. Você chega lá, um Moacir Guimarães lá sozinho gritando no meio daquele povo, eles vão rir na cara da gente. Tem certo momento que a gente fica até revoltado, mas a realidade do mundo é essa. Mas ainda dá pra ser feliz, eu acho, é só seguir esses princípios aí da sociedade, de uma sociedade sadia, que dá pra viver feliz.
P/1 – Quer perguntar alguma coisa?
P/3 – Quero.
R – Pois não.
P/3 – O Gustavo perguntou de algumas fotos, que você contou até a história de algumas pessoas. Por exemplo, como eu não conversei com o senhor antes, eu queria que o senhor me explicasse o que foi, o que são essas fotos. É um projeto?
R – Não. É porque eles me atraíam.
P/1 – Então, eles quem?
R – Esses personagens. São personagens, eu diria, nômades, porque eram pessoas que estavam em evidência, mas que, ao mesmo tempo, eu só sabia apelido deles, eu não conhecia, até hoje eu não sei o nome real de cada um deles. Mas eram pessoas que chamavam atenção. Chiquinho do Mota, todo mundo quando vê: “A lá Chiquinho do Mota”. Eles chamavam a atenção. Era uma distração para as pessoas quando ele passava. Mesmo que ele não desse o pulinho, mas as pessoas contavam a história dele, falavam: “A lá, aquele é o homem do pulinho”. O Bam Bam Bam a mesma coisa, o Tromba D’Água, a gente da história de ele falar que tá vindo uma chuva forte, uma tromba d’água ali, que não tinha nada, em época de seca. E as pessoas achavam graça daquilo. Então, acabava chamando a atenção da gente você querer guardar uma lembrança desses caras aí. Eu não fotografei todos eles, mas o Chiquinho do Mota eu tenho, não sei onde tá, tá guardado por aí. Eu tenho uma foto dele, que eu o fotografei perto de uns casarões antigos. Agora, o Lucas Foto, ele tem desses personagens todos que eu falei, mais alguns. Ele tem tudo lá. É um acervo que ele tem. Porque ele gostava de fotografar esse povo. Ele realmente gostava. E eu, assim, fotografava quando tinha uma oportunidade, quando eu via alguém. Era assim.
P/3 – E vendo esse trabalho, tudo, terminou, é uma realização? Como você se sentiu vendo o resultado?
R – Eu pensava assim: um dia essas pessoas vão morrer, e só eu vou ter foto deles. Eu pensava dessa forma. Eu os valorizei, sabe? Pensava assim. Tanto é que numa festa da cidade aqui nessa praça, uma escola criou um teatro envolvendo todas essas personalidades, e eu tava no dia filmando, filmei. Não sei pra quem eu fiz esse trabalho, mas eu filmei. Eles se travestiram dos personagens, com a roupa, tudo parecido. Eu que os conhecia, eu falava: “Como imita tanto?”. Fizeram um teatro. Foi. Então, ficou na história. Aí você fala: “Ah, coitado, andava aí pela rua”. Mas o povo, todo mundo lembra quando você fala neles. E alguns tinham exemplo de vida. Alguns tinham exemplo de vida. Eles eram nômades, eles andavam por aí, mas eles eram pessoas que tinham carinho, tinha afeto, sabia tratar bem uma pessoa. Quando os agradava, eles abençoavam a pessoa e agradeciam, faziam um favorzinho se precisava lavar uma vasilha. Eles eram agradecidos por qualquer coisinha que faziam por eles. Alguns eram pedintes. Não existia “aposentadoria”, não existia esse benefício, não existia o Loas [Lei Orgânica da Assistência Social], por exemplo, esse povo ficava aí na rua pedindo. E um dia eu conversei com um senhor, falei: “Ah, o senhor veio embora da roça pra cá?” “É, meu filho, to vivendo da praça”. E eu achei curioso a expressão dele. Ele falou: “Você sabe o que é...” – e deu um sorrisinho amarelo – “o que é viver da praça, né?”. Mas não sabia bem, não. Eu passei e vi ele pedindo. Ele tava vivendo da praça. E era um homem que teve sítio, teve tudo. Acabou tudo. E ele não esbanjou. Não é porque ele foi um homem vaidoso, não é porque ele foi um homem que gastou com farras, com jogos, não. É porque ele não tinha, não soube administrar o que tinha e chegou um dia que acabou tudo. Eles vendem a propriedade pra vir pra cidade, mas na cidade, eles não sabem fazer nada. O Zeca Ulhôa publicou um livro e dentro desse livro dele tem uma história que chama Zé da Silva. A história do Zé da Silva é uma realidade, tanto é que quando eu tava fazendo supletivo, um dia ele foi dar uma palestra lá, eu perguntei: “Zeca, conta aí, por que a história do Zé da Silva? É invenção sua, ou baseado em algum fato real?”. Ele falou: “O personagem Zé da Silva existiu, não com esse nome”. Aí ele foi contar. Ele resolveu mudar pra cidade, chegou aqui, não arrumou serviço, não tinha serviço, não tinha, não tinha, aí falaram: “Não, tem serviço de boia fria”. Ele vendeu a propriedade dele, comprou uma casinha, não deu pra mais nada. O dinheirinho, foi gastando, gastando, quando aí teve que ir trabalhar porque não tinha mais o dinheiro. Gastou o dinheirinho da propriedade. Aí: “Não, então eu vou trabalhar. Qual o serviço de boia fria?” “Não, trabalhar na roça” “Não, isso eu sei fazer, vamos embora”. Saiu de madrugada, um frio, quando chega lá: “É aqui, pessoal”. Que desceu, ele olhou assim, deu um nó na garganta: “Mas isso aqui era minha fazenda”. A história encerra aí. O homem começa a chorar. Ele falou: “Isso é um fato real em Paracatu, só que eu pus um personagem fictício”. Existiu muito isso. Meu pai, por exemplo, quando nos trouxe pra cidade, porque não tinha escola na roça igual hoje tem, aí teve que trazer os filhos pra estudar, e por causa disso, teve que vender umas vaquinhas que tinha lá, mais alguma coisa, pra comprar a casa. Quando vendeu as terras, é aquela história do cerrado, as terras não eram tão produtivas, é aquela história do cerrado, vendeu barato. Até que foi fazer inventário e tudo, gastou muito, o comprador que bancou as despesas, quando foi dividir com tanto herdeiro que tinha, deu uma merrequinha pra cada, não deu pra fazer nada. Mas também já tinham largado, já tava lá, eles já estavam morando na cidade. Essa é a verdade. E fica só a lembrança. Igual, por exemplo, o que eu contei aqui é só lembrança, não tem mais nem vestígios, não foi preservado. É isso.
P/2 – É a história do êxodo rural brasileiro.
R – A história do êxodo. Exatamente, o êxodo rural brasileiro.
P/2 – A maioria das pessoas têm uma história em comum.
R – Alguns se deram bem. Vieram pra cidade, se deram bem. Se deram bem alguns. Eu posso dizer que me dei bem, porque Deus me deu a graça de aprender alguma coisa, e o sonho que eu tinha era ser independente. Eu nunca pensei em ficar rico, mas eu queria ser independente, ter o meu meio de vida, eu tenho. Criei minha família, minhas filhas hoje, cada uma é dona da sua casa e tudo, estão vivendo com as próprias pernas e eu tô curtindo a minha esposa lá, e junto com a velhinha lá, a sogra. A sogra tem dia que tá boa, tem dia que não tá, mas isso aí faz parte.
P/1 – É isso então.
R – Eu espero ter contribuído, gente. Eu sei que é difícil, porque não foi uma coisa bem planejada, nem nada, mas eu acho que às vezes falar de improviso é até melhor.
P/1 – Em nome do Museu da Pessoa e da Kinross, nós agradecemos a sua participação. Muito obrigado.
R – Eu que agradeço a oportunidade que vocês me deram de contar um pouco de mim.
P/2 – Muito obrigado mesmo.
R – Um abraço.
FINAL DA ENTREVISTA
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