P/1 - Eu gostaria de começar agradecendo a presença do senhor aqui no Museu, por ter aceitado o nosso convite e vindo aqui para conceder essa entrevista, e pedir para o senhor falar para a gente o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R - Meu nome completo é Calogero Miragliotta Netto. Eu sou descendente de italianos e nasci em 18 de julho de 37, aqui em São Paulo.
P/1 - E qual é o nome dos seus pais?
R - O nome dos meus pais, Antonino Miragliotta, e Rafaela (Disando?) Miragliotta.
P/1 - Você falou da ascendência italiana. O senhor sabe de onde eles vieram?
R - Eles vieram do sul da Itália. Meu pai veio da Sicília e meus avós por parte da minha mãe vieram da Calábria. Eu tenho parentes no mundo inteiro. Foi um pessoal que... Eles se mexeram muito, então temos parentes no Brasil, tem na Argentina, na Austrália, na França. Na Itália nós temos parentes no Sul e no Norte. E também na Inglaterra, a gente tem gente na Inglaterra. Então, quando eu quiser viajar eu tenho lugar para ir (risos).
P/1 - E você sabe para onde seus familiares vieram? Seu pai e a família da sua mãe, se eles vieram direto para São Paulo, como é que foi a chegada deles?
R - Eles vieram há muitos anos, para dar uma data, 80, 90 anos atrás. Eles foram para o interior do estado de São Paulo, e posteriormente vieram para São Paulo, para a cidade. Mas, tipo Catanduva, Jaboticabal, onde eles tinham alguma fazenda, alguma propriedade agropecuária, alguma coisa assim, nessa linha.
P/1 - E quando seu pai veio para São Paulo, qual era a atividade dele, o que ele fazia?
R - Eles eram pessoas simples, ligados a agropecuária mesmo, ou seja, mexiam com gado, madeira, essas coisas. Meu pai é que não, ele mexia com automóvel, ele tinha uma revendedora Ford na época. Isso de falar revendedora Ford, na época era uma coisa do outro mundo, porque os carros eram todos importados na época, e como ele era italiano... Nós vivíamos muito bem, estávamos numa situação muito privilegiada, mas teve guerra, essas coisas todas, e ele perdeu tudo. Eu tive que vir para São Paulo; nós morávamos numa casa em Ribeirão Preto com luxo muito grande, viemos para São Paulo para morar num quarto-cozinha-sala-banheiro (risos). Foi muito difícil. Com 11 anos eu comecei a trabalhar por causa disso.
P/1 - Antes da gente falar dessa fase eu queria que o senhor contasse como que era essa sua casa em Ribeirão, se o senhor tem irmãos...
R - Nós vivemos em Ribeirão Preto, nós tínhamos uma casa perto do rio... Não me lembro agora, como chama. É um rio muito famoso que corta o centro da cidade. Era uma casa feita com muito luxo, ela tinha pedras no chão, coisa desse tipo, uma casa muito bem feita. E nós tínhamos duas empregadas, eu vou contar isso porque éramos pequenininhos. Nós tínhamos duas empregadas, uma para cada um. Levava no zoológico para eu passear, e o meu irmãozinho também para passear, e tínhamos esse tipo de vida. Nos relacionávamos bem com as pessoas que tinham fazendas na época, tinha aquele pessoal que importava coisas também. Na época, Ribeirão Preto era um centro muito forte, muito grande. Tinha gente de muito poder dentro do Estado, e tal. O café, por exemplo, o gado, criação de cavalos de corrida etc. Até hoje deve ter, né?
P/1 - Então, é o senhor e mais um irmão?
R - Sim, tenho eu e mais um irmão.
P/1 - É mais novo?
R - Ele é mais novo, um ano só.
P/1 - O senhor falou que nasceu em São Paulo. O senhor só nasceu em São Paulo e já foi morar pequenininho lá em Ribeirão?
R - Eu nasci em São Paulo e fui morar pequeno em Ribeirão Preto. Porque meu pai quis montar uma autorizada lá, porque era mais desenvolvido, era mais adequado para ele na época.
P/1 - E do que o senhor gostava de brincar nessa casona lá em Ribeirão?
R - Quando éramos crianças, até três, quatro anos, já tivemos que vir para São Paulo, porque veio a guerra. Eu sou de 37. 38, 39, 40, 42, 45, acabou a guerra. Vamos dizer que nós estivemos no período de guerra. Mas lá em Ribeirão Preto tinha muito recurso. Por exemplo, circos famosos iam para lá, teatro, uma série de coisas iam para lá porque estava ali o desenvolvimento do estado de São Paulo. As pessoas de poder aquisitivo estavam lá na época. E eu participava dessas coisas. Eu não tinha... Eu não sei ir num zoológico, eu não tinha a infância que eu acabei tendo em São Paulo. Quando eu vim para São Paulo começou a jogar bola na rua (risos), a ter a turma, e mais aquela coisa toda que nós não tínhamos lá. Havia uma certa... Você conviver com determinado padrão é uma coisa, mudou de padrão, implica em você ter relacionamentos mais modestos, mais simples, que tenha divertimentos mais simples como futebol, como brincar, essas coisas todas que aconteceram depois dos cinco, seis, sete anos. Depois já entrei na escola e aí estudei muito na minha vida, sempre estudei, desde os sete anos. E fui convivendo com a minha família. Meu pai e minha mãe não se recuperaram mais financeiramente e eu precisei trabalhar. Então, depois de uns joguinhos de futebol acabou a minha alegria e eu tive que ir trabalhar com 11 anos. Eu fui trabalhar na primeira loja de fotografia de São Paulo, era a Fotóptica do velho Desidério Farkas, que foi pai do Thomas Farkas, que faleceu recentemente. E na época eu fui trabalhar com ele, eu, um garoto, tinha 12 anos. Um juiz teve que me dar uma autorização para eu poder trabalhar, porque eu não tinha idade para trabalhar. E o Desidério me recebeu lá e eu comecei. Comprei uma maquininha de plástico (risos), coisinha assim, comecei a fazer fotografia, trabalhar lá no balcão, cuidar disso, daquilo, conhecer os filmes, conhecer os fotógrafos da época, o pessoal que convivia com esse tipo de coisa. E eu me entusiasmei, fui me profissionalizando. Comecei a me entusiasmar com fotografia.
P1/ - Antes de a gente falar do seu primeiro emprego na primeira loja de fotografia, eu queria voltar um pouquinho e falar como era a revendedora Ford do seu pai, se você se lembra como era?
R - Ah sim, me lembro sim, me lembro. Naquele tempo a revendedora Ford tinha as baratinhas. Baratinhas eram uns carros relativamente pequenos, não muito grandes, da Ford mesmo, feitos pelo velho Ford. Meu pai trazia esses carros, porque eram os únicos, para trazer para os fazendeiros, para o pessoal todo. Ele trazia os carros, tinha a oficina com os funcionários etc. E no meu pai sempre chegava carro importado, naquele tempo não estava tendo muito problema. Começou a ter problemas depois, no tempo da guerra. Por que tinham os navios, os submarinos alemães andaram derrubando os navios de cargas, essas coisas todas, e aí, era um problema para trazer as coisas de lá, porque vinham via marítima. Embora nos Estados Unidos... Mas não tinha jeito, não existia estrada, não existia nada que pudesse trazer as coisas. E foi um momento que não teve muita participação nossa, meu pai era um excelente mecânico, um sujeito que cuidava muito dessa parte funcional, mecânica, e ele era muito bem quisto ali, convivia com as pessoas todas ali. Era um tipo de vida diferente do que é agora. As pessoas se davam mais, você falava com a pessoa, da sua casa tinha o muro e você falava com a outra pelo muro, entende? E pedia açúcar (risos) ou fazia qualquer coisa assim. Quer dizer, as pessoas conviviam dentro de um padrão mais calmo, mais... Emocionalmente mais ligados uns aos outros. Era bom viver isso, porque não tinha supermercado, era uma carroça que trazia um montão de coisas de vegetais, laranja, banana, tal, tal, trazia e parava nas casas e eles iam vendendo tudo. Não tinha os recursos que tem hoje, os recursos de consumo que tem hoje. As coisas mesmo mais sofisticadas vinham de São Paulo. Na época foi mais ou menos tranquilo, quer dizer, era viver dentro de uma proteção, entende como é que eu digo? Hoje, uma criança já não vive isso, ela entra em certos segmentos como clubes, isso, aquilo, aquilo e se expõe. Naquele tempo não, você era superprotegido, o máximo que podia pegar era o meu pai pegar o carro e levar a gente para uma fazenda para passear, para isso, para aquilo, fora isso não tinha outra situação para conviver.
P/1 - E o senhor se lembra de ter sentido alguma diferença na hora de mudar para São Paulo? Um espaço diferente, um bairro diferente?
R - É. A nossa situação foi difícil com o problema da guerra. Porque quando eu vim para São Paulo já tinha guerra, a guerra já estava instalada. Já tinham tomado tudo do meu pai por ele ser italiano, tal, “papapa”. E meu tio foi me buscar porque eu era o maiorzinho, ele foi me buscar. Ele tinha aqui uma loja grande, lá na Rua São Caetano, e morava por ali. Ele me trouxe para São Paulo: "Vou levar você para São Paulo, você vai começar a viver em São Paulo". Eu comecei a viver sozinho, não tinha ninguém assim em termos de relacionamentos, tinha os meus tios, os meus primos, mas ainda todos pequenos, tal. E eu comecei, via tudo aquilo, via os soldados passando na rua, naquele tempo era a cavalo, aquela coisa toda. Quer dizer, eu vivi esse momento aí. Isso foi até os seis, sete anos. Aí, meus pais vieram de Ribeirão Preto, vieram morar no Bom Retiro. O Bom Retiro era um bairro de italianos e posteriormente judeus, e hoje coreanos. Naquele tempo a gente tinha rua de terra, tinha bonde, a gente jogava bola na rua com a molecada, brigava, fazia todos aqueles negócios de criança. E depois disso acabou a alegria, fui trabalhar (risos).
P/1 - E o senhor se lembra como foi a viagem para São Paulo, sozinho, se o senhor veio de trem?
R - Não, quando eu vim para São Paulo eu vim com o meu tio. Nós viemos de ônibus. Não foi nada muito emocionante porque as cidades já eram mais esparsas uma da outra do que são hoje. Hoje você tem praticamente uma cidade ao lado da outra, você convive, visualiza as cidades, tem essa possibilidade de ver mais coisas. Naquele tempo não tinha muito. Às vezes, eu saía com o meu tio para tomar um trem para ir para o litoral, porque naquele tempo se ia de trem para o litoral, então, ele gostava de pescar, gostava dessas coisas todas, então, a gente ia pescar no casqueiro, ele me levava. E tinha as coisas que aconteciam, né? Um dia, eu me lembro que eu fui jogar a âncora do barco e a âncora não estava presa. "Solta a âncora", eu soltei a âncora e fiquei segurando o cordão lá da âncora, tal, foi passando, passando, passando, “psiu”, e foi, não estava presa (risos), e nós perdemos a âncora (risos). Ele viu, e ele ficou tão chateado, porque ele não pôde nem brigar comigo porque a culpa foi dele, ele que não amarrou a âncora (risos). Então, foi gozado nesse aspecto. Mas eu passei muita vivência com ele, e depois eu fui, aos pouquinhos, trabalhando na loja dele para pegar um pouquinho de coisa, mas isso com oito, nove anos, já estava trabalhando lá na loja. E ele tinha uma loja grande de tecidos, fogões, geladeiras, era uma loja dessas enormes, era muito bem conceituada na época, trabalhava com bons produtos, tal. E depois disso acabou a fase. Meus pais vieram, eu fui para o Bom Retiro viver com eles, e as coisas ficaram difíceis. Meu pai não se enquadrou mais, ele era um sujeito que ganhava muito bem, depois estava ganhando salário mínimo, a coisa ficou difícil para ele, né? Então, eu passei a sentir que eu deveria ajudá-lo, e a minha mãe também. Ela tinha uma oficininha de costura com umas outras mulheres, e eu parti para trabalhar nessa loja da Fotoptica, com 11 anos. Tomava o bonde, ia de estribo porque precisava ser homem, senão tomava estribo, né? E eu ficava no estribo do bonde. Não sei se você chegou a ver. Tinha bonde com estribo. Estribo é... Você pegava assim e ficava. Quando era de tarde ficava uma loucura porque ficava um monte de gente e tinha aquelas coisas curiosas, como o cobrador. Ele cobrava de você e marcava lá, “clein clein clein”. Marcava lá, só que ele fazia assim, ele cobrava de cinco e marcava dois (risos). Nós riamos disso porque percebíamos que ele fazia alguma coisa, porque o bonde estava lotadíssimo e ele ficava pegando assim, passando, andando. Naquele tempo não tinha muito carro, não tinha isso, não tinha aquilo, e quase não aconteciam desastres, nada, era muito difícil. A criminalidade era muito pequena, os jovens eram mais simples, eram de jogar futebol, de ir ao cinema e parava por aí. Não tinha muita coisa acontecendo além disso. E foi assim. Aí eu fui para a loja da Fotoptica, fiquei três ou quatro anos, aí, eu tive problemas novamente. Eu fui para a TV, na época que inaugurou, a TV Tupi, e eu fui trabalhar na projeção. Os filmes eram projetados através de máquinas de projetar o filme, acetato, tal. Eu projetava os filmes. Naquele tempo a programação vinha dos Estados Unidos e vinham rolos de musicais, passavam lá nos Estados Unidos e eles mandavam para cá também, para televisão. Musicais, tinha um programa de esporte, mas não tinham transmissões, essas coisas vieram mais à frente. Então, passava muito filme na televisão, muito filme. Eu chegava lá tipo sete horas, tinha aquele monte de filme, botava na máquina, tal, entrava os slides. Hoje não é mais isso, hoje é tudo vídeo, né? Mas antigamente entravam slides, entrava um slide assim: "Sessão Musical", qualquer coisa assim. Dava tempo de eu pôr o filme, “puf”, disparar e passar o filme para o pessoal ver em casa. Porque era muito pequeno o número de pessoas que viam televisão na época, na época tinham algumas marcas, RCA, alguma coisa. Parece que as estrangeiras não podiam vir para cá por causa do processo de transmissão. A televisão no Brasil surgiu por causa do Chateaubriand, né? O Chateaubriand, na TV Tupi, ele era um homem muito dinâmico, muito inteligente. Eu tive a oportunidade de conhecer ele, e ele basicamente construiu a televisão, ele colocou a televisão em um outro patamar que estava... Depois surgiram outras TVs menores, como a Record, Bandeirantes etc, foram acontecendo. E eu fui para a... A Globo incorporou a Tupi e eu fui trabalhar com a Globo. Caminhei, fui para o jornalismo. Naquele tempo o Jornal Nacional, eu fazia... Na programação tinham os locutores, não tinha um locutor como agora, que é um locutor só, eram quatro, cinco, seis locutores. Um que falava sobre esportes, um que falava sobre isso, sobre aquilo, eu era coordenador, lá na mesa de switch. Não sei mais como chama isso (risos), na época era uma mesa onde as câmeras entravam, entra o filme, entra o comercial, entra o slide, entra as coisas todas. E eu fiquei um bom tempo na televisão. Mas não gostei, não me sentia à vontade na televisão. Eu cheguei a fazer alguns documentários para televisão, industriais, mas eu não me sentia bem, ainda na época dos documentários. Mas como ainda faltava... A televisão ainda estava engatinhando, ela não estava com o profissionalismo que tem hoje. Hoje nós temos aquela lista de gente que vai para trabalhar em um programa. Naquele tempo a gente praticamente andava de bonde, vai. Isso era um dos caminhos que aconteceu comigo, que eu permaneci por praticamente oito anos. Eu era muito desenvolvido, tinha amigos dentro da televisão, e às vezes, acontecia deles me mandarem inaugurar uma televisão lá não sei onde, em Santos (risos). E eu estava caminhando para ser, embora jovem ainda, tendo 19, 20 anos, eu estava caminhando para ser um diretor de televisão, estava em um determinado porte, era o caminho natural meu. Mas eu não quis ficar na televisão, eu não quis. Eu achei a televisão muito... Eu não quero usar a palavra que eu estava pensando. Eu não gostava muito da intimidade da televisão, como é que é. Como eu não gosto também, eu trabalhei no cinema, com filmes e tal, e não gostava também de muita intimidade no cinema. Era uma questão de formação. Eu saí, fui fazer desenho animado. Tive uma empresa de desenho animado, eu fiz os bonecos da Brastemp. Não sei se você chegou a ver isso, mas tem um bonequinho da Brastemp que nós animávamos e fazíamos historinhas para a televisão. Ganhamos muito bem, passamos a trabalhar para agência de publicidade, aí, eu fui para a agência de publicidade, onde eu tive uma época muito criativa, porque eu lidava com gente de um nível melhor. Agência sempre teve diretor de artes, esse pessoal todo, redatores, etc. E eu convivia muito, convivia muito na agência, fiquei uns quatro, cinco anos em agência. Trabalhei para agências boas, McCann, PanAm, empresas boas na época, gostava muito. Tinha uma vida muito boa, ganhava MUITO bem, profissionalmente eu ganhava muito bem. Aí, eu resolvi ter uma empresa. Tinha um estúdio de filmes e eu parei com o cinema, parei. Falei: "Vou fazer uma coisa que me dá mais liberdade". Porque quando fazíamos filme tinha que ter estúdio, tinha que ter isso, aquilo, fotógrafo... Eu resolvi cair fora de todo esse negócio. Apareceu uma senhora e eu me casei nessa época, que eu estava me afastando de tudo isso. Eu ganhava bem, de repente, parti para fazer alguma coisa própria, isso não é uma coisa fácil. E me dei muito bem com essa senhora, hoje eu tenho 47 anos de casado com ela, tenho dois filhos, como falei para você. E comecei a minha vida como fotógrafo. Porque o que eu gostava na fotografia é que era dinâmica, eu viajava muito, conheci muita coisa, através da fotografia eu conheci quase o mundo inteiro. Eu conheci a Europa quase inteira, parte da Ásia, conheci a Austrália, África, trabalhei um tempo na África. Depois eu vou mostrar para vocês algumas fotografias curiosas. Porque na África estava em guerra, eu fui para a África... A Norberto Odebrecht me contratou pra eu ir para a África. Aí, eu fui para lá, eles me deram uma casa dentro do acampamento e uma administradora, para eu não ficar na casa sozinho, né? (risos). Porque não tinha o que fazer, incrível, a gente fotografava as obras, a hidrelétrica que estava sendo implantada, as coisas todas, mas lá dentro não tinha o que fazer, só tomar cerveja e de vez em quando ver o carro trazer alguém que tinha morrido porque os bandidos tinham matado, era a única coisa, que assustava até. Eu até trouxe uma fotografia da administradora, era uma senhora preta, a gente chama preta, é de cor aqui, lá a gente fala preta mesmo, as pessoas são pretas. Dona Francisca. Ela cuidava de tudo, era uma mulher muito inteligente, tinha sete filhos. E tinha coisas curiosas, porque tinha a minha casa e tinha a geladeira, que eles abasteciam, faziam todas essas coisas. E a Francisca gostava muito de mim, eu falava para ela: "Francisca, vai lá na geladeira, pega tudo o que você quer, porque eu vou tomar o quê? Uma cerveja, uma coca-cola. Eu como fora, faço tudo fora, pega lá, leva para as tuas crianças". E ela levava, tal. Ficamos muito amigos, muito amigos. Mas a vida lá na África era muito difícil. Olha, tinham coisas horríveis, muito difícil. O valor pessoal meu, para a Norberto, quando eles fizeram o contrato de trabalho comigo, era um milhão de dólares caso eles me matassem, caso acontecesse alguma coisa. Tinha um seguro de um milhão de dólares. E era possível, porque no carro eu andava com um policial armado, de metralhadora, tal, e um chofer. O policial perguntava onde eu vou, "eu vou em tal lugar", "eu vou ver a obra tal". E andava lá. Era uma vida de muita tensão, né? Eu ficava três meses e voltava, eu não ficava muito tempo porque eu tinha uma família, né? Aí, esse foi o momento que eu estive no exterior porque eu estive fora, na Europa, tudo, estive no Japão, na Coréia, eu fiz alguma coisa para a Korean Airlines, mas me deixava muito sozinho. Viver na Europa é muito bom, mas acontece que você fica sozinho, e o tempo ficando pequeno, ele ia deixando você meio deprimido, não era uma coisa muito legal. Mas em contrapartida, acontecia de você estar no mundo civilizado, né? Você ia ver uma peça de teatro moderna, aquele musical jovem famoso, como é que chama aquele musical? Teve um musical que era famoso... Peças de teatro, eu assistia a todas. Quando vinha para o Brasil já se tinha passado dez anos. Eu tinha uma estimativa, tudo o que vem para o Brasil é porque já ficou dez anos lá, viu? (risos). É impressionante como as coisas acontecem, mesmo tecnologicamente, como também em termos de relação. Por exemplo, pessoas brancas saindo com pessoas de cor, né? Acontecia na Europa em 67, 70. Hoje você vê no Brasil jovens brancas com moços de cor, ou jovens de cor com moços brancos. Isso acontecia lá naquela época, entende? Era como uma coisa assim, diferente, acontecia lá. E acontecia lá, por exemplo, tecnologia, né? Que a gente via lá, que eu tive oportunidade de ver fábricas grandes, tal. O que acontecia é que as fábricas estão muito na frente da gente, entende? Nós não investimos em pessoal, não investimos em gente, e nós não temos possibilidade de brigar para valer com os mercados lá fora. Nós temos produtos mais baratos, mas tecnologicamente a coisa é difícil, viu? Porque o governo não investe em você, não investe nele para que nós tenhamos uma situação de desenvolvimento bem grande. Por exemplo, essas câmeras que tem, eu tive oportunidade agora nos Estados Unidos de ver as novas câmeras com dolly e o caramba, é impressionante as novas câmeras. Não tem nada a ver com isso mais.
P/1 - Senhor Calogero, eu queria voltar um pouquinho. O senhor falou que estudou bastante desde os sete anos de idade, eu queria voltar para lá, para a sua primeira lembrança da escola que o senhor tem. Como é que era?
R - Ah, a escola era uma coisa bonita, não tinha problema.
P/1 - Onde é que ficava essa escola, como é que o senhor...
R - Primeiro eu tive uma escola paga, depois nós tivemos dificuldades, tal, não tivemos essa escola paga e eu fui para um grupo escolar.
P/2 - Em Ribeirão Preto?
R - Não, já em São Paulo. Fui para um grupo escolar, eu era um moleque muito (risos)... Vamos dizer, eu estava na escola, mas eu era muito rebelde, entende? Eu brigava muito com os moleques, tinha essas coisas todas na escola, volta e meia a professora estava me chamando a atenção porque, curiosamente, antes de eu sair para ir embora da aula, né, eu já dava um pontapé em alguém para arrumar uma briga (risos), uma coisa assim. Mas isso tudo foi bom porque eu tirei toda a minha agressividade quando eu era criança. Hoje eu sou um pateta (risos). Foi uma época interessante, você aprendia, a professora levava você na casa dela para aprender melhor, porque na aula você estava fraco, porque isso, porque aquilo, então, nessa época foi muito bacana. Não tinha muita coisa, você ia a pé para a escola, tinha os amigos, as famílias todas se conheciam. A escola foi muito boa. Daí, desse grupo escolar eu fui para... Sempre escola não paga, né? Fui para a Caetano de Campos, vocês conheceram a Caetano de Campos? Eu fui estudar na Caetano de Campos, uma excelente escola, muito boa. Dali eu já saí para a faculdade, tal.
P/1 - E o que o senhor se lembra da Caetano de Campos?
R - Ahhhh, Caetano de Campos era muito rigorosa, era uma escola do governo e muito boa, de um padrão muito bom. Era um outro patamar, é uma pena que parece que não tem mais, né? Não tem mais a Caetano de Campos, parece. E a gente vê as escolas hoje... Porque eu tenho um filho que é professor de Matemática, e ele dava aula na Unicamp, mas depois ele veio para São Paulo, não quis dar aula em Campinas. E ele conta coisas horrorosas, porque ele prepara o pessoal para o ITA, para essas escolas mais sofisticadas, e ele fala que o pessoal não estuda, é muito ruim.
P/1 - Eu queria que o senhor contasse um pouco mais para a gente como era a loja do pai do Thomas Farkas, como era o lugar, onde ficava essa primeira Fotoptica?
R - Ela ficava na Rua São Bento e ela era uma loja naquele tempo... A Rua São Bento era muito consumida, e uma das coisas que eu lembro é que tinha uma belíssima... Chamava-se “Leiteria”. Era como se fosse uma padaria onde tinha bolo, sanduíches, isso, aquilo tal, tinha em frente à Fotoptica. Uma das coisas que eu me lembro de quando dava o descanso, uns dez minutos de descanso, a gente ia comer um doce, ou isso ou aquilo, era o passeio. Ou senão ia comer uma salsichazinha lá no Largo do Café, que era uma coisa que, se não me engano, é uma coisa que deve ter até hoje, essa salsicha. Mas tinha muito trabalho na época, todo mundo trabalhava. Claro, não com o desenvolvimento que tem hoje, mas se trabalhava. A fotografia era limitada a fazer copiazinhas, tal, um albunzinho, tinha filminho que alugava, alugava filminho para passar em casa. Tinha a parte de Óptica. E tinha pessoas que conviviam com aquilo, né? Eu, por exemplo, convivi o suficiente e acabei me enturmando na fotografia, e sentia que fotografia era uma coisa boa para mim. E o velho Farkas era um cara assim... Eu vou contar umas coisas gozadíssimas do Farkas. O velho Farkas era um cara que chegava para mim, ele falava com um sotaque polonês, não sei se era polonês ou húngaro, e falava: "Meu filho, você pega o barbante e enrola ele todo assim, e guarda. Porque não pode jogar fora o barbante" [imitando com sotaque estrangeiro]. "Não pode fazer isso, não pode fazer aquilo". Ele era o cara que eu ficava de olho vendo as coisas.
TROCA DE FITA
R - Eu me lembro bem de uma senhora, que ela chegou no terminal aéreo de Zurique e ela estava na minha frente, e eu atrás dela, e ela começou a falar, mas ela não falava alemão, nada, ela falava só português, e eu atrás dela, e ela querendo dizer que queria ir a um hotel, não sei o quê, tal, tal. Bom, eu falei: "Dona, vou fazer uma coisa, eu vou levar a senhora no hotel porque eu vi que a senhora precisa ir para um hotel, né? E a senhora pode pagar?", ela falou: "Não"( risos). Então, eu tive que levá-la num hotel desses de jovens, e eu levei ela para o hotel. Levei, instalei ela, deixei tudo, falei com as pessoas, tudo, porque ela não falava nada. Falei: "Ela não fala nada". Aí, fui embora. Eu fui embora, quando eu fui embora, depois de um tempo eu achei ela em um lugar, e ela gritando para mim: "Seu Caloi! Seu Caloi!", e ela estava viajando sem parar nesse negócio, não falava nada. Ela conseguiu viajar, eu fiquei besta de ver como ela conseguiu viajar, impressionante. Então, a gente conhece pessoas das mais variadas, né? Estava chovendo, eu estou na porta de uma loja, e de repente vêm dois rapazes, dois moços já, e ficam falando assim: "Puxa, e como é que a gente vai fazer para ver aquele show, aquele negócio,,,". Eu vi que eles eram brasileiros, estavam falando português, né? Isso foi em Paris. Então eu pensei, "Eu vou deixar eles sofrerem um pouco (risos) e depois eu falo que eu sou brasileiro e eu levo eles lá" , porque eu conhecia o local. Aí, eles “tal, tal, Poxa”. Eu cheguei para eles e falei: "Ô, eu sou brasileiro e vou levar vocês lá, vou dar umas dicas hein!" (risos) "Puxa! lalala". Para ir no lugar que tinha o show era caríssimo, 700 dólares só para ficar ali próximo tal, eu falei para ele: "Nada disso, você vai no bar, pede um uisquizinho que vai custar 30 dólares, fica tomando uísque o show inteiro e pronto (risos)". Ficaram amigos meus, viajei com eles para Portugal, para Espanha, para um montão de lugares, eles estavam com um carro alugado. Aí, descobri que eles eram engenheiros brasileiros lá do Rio de Janeiro, que ficaram amigos meus de vir na minha casa depois em São Paulo, tal. Foi curiosíssimo isso, de acontecer. Mas foram centenas de coisas que aconteceram, da gente viajar. Japão é muito louco (risos). Tem os velhos que não falam em inglês, não falam nada, não querem saber, ou você fala japonês ou tchau. Então, eu percebi que para falar inglês, falava em inglês com jovem. Os jovens todos falam em inglês, e são muito educados, tal. Mas os velhinhos são muito tradicionais, eles querem que vocês falem japonês, nem que for Konnichiwa, Konbanwa, qualquer coisa assim. Mas eles querem que você se apresente e fale. E eles olhavam muito porque minha mulher é japonesa, eles olhavam muito que eu não era oriental, era ocidental, e a minha mulher era oriental, japonesa. E eles ficavam olhando no metrô para nós dois (risos), na época não era muito comum. Agora tem brasileiro de monte lá, né? Mas na época não tinha assim, sabe? E eles ficavam olhando no metrô. Mas é um povo muito bacana, educadíssimo, um povo que cuida das crianças, dos jovens, da família, pena que eles estão sofrendo muito com aquelas coisas todas.
P/1 - Antes de trocar a fita o senhor estava contando para a gente das histórias do senhor Farkas...
R - O velho Farkas vinha todo dia na loja. Coitado, ele não conseguia fazer nada. Mas eles tinham um gerente, que era o Alberto Arroyo na época, que já faleceu se não me engano. O velho vinha, ele tinha um pouco de dificuldade de falar a língua, tal, e ele vinha ver a loja, ver o progresso da loja. E tinha o filho dele, o Thomas Farkas. O Thomas acabou fotógrafo, vai (risos). Ele não dava para ser administrador, essas coisas, tal, então ele fotografava muito e gostou muito de fotografia, foi até premiado, tal. Ele era o filho único, mas não se importava muito com as lojas todas. A cadeia de lojas foi feita pelos gerentes que vieram posteriormente. Dessa forma, na época a Rua São Bento era muito concorrida, era o centro, Rua São Bento, Rua Boa Vista, Rua XV de Novembro, eram as ruas mais consumidas, então, eu vivi essa época ali. Vinha de bonde até o Largo São Bento, não tinha metrô, não tinha nada. Vinha de bonde ali, o bonde fazia uma volta ali no Largo São Bento e voltava pela Florêncio de Abreu, vinha embora para os bairros. Ônibus não tinha tanto assim, tinha mais bondes. Tinha um bonde chamado camarão. Bonde camarão é aquele bonde fechado. Tinha o bonde aberto, e tinha o bonde camarão. Essas coisas aqui de São Paulo, esses bairros, isso aqui inexistia. Era Avenida Nove de Julho, as casas na Avenida Paulista, eram só casas, não tinha prédios, não tinha nada. Casas feitas por Ramos de Azevedo, casas importantes que tinha, o pessoal do café morava todo lá na Paulista.
P/2 - Nessa época que o senhor começou a trabalhar, tão jovem, quais eram as atribuições que deram para o senhor fazer numa loja?
R - Ahhh, primeiro eu fui para o estoque (risos). O estoque era um negócio assim: tinha um monte de mercadorias que tinham que ser colocadas nas prateleiras, tudo. Quando saíam cinco filmes eu anotava lá na fichinha 'saíram cinco filmes', para ir para a loja, porque o estoque era fora da loja. Depois eu fui trabalhar na seção de filmes, que alugava filmes. Eu cuidava dos filmes, acabei conhecendo os clientes todos, família dos clientes. Aí, eu conversei com eles, nós fizemos um serviço de fazer projeção de filme nos clubes, por exemplo, no Clube Homs, do pessoal sírio. Eu passava seriados para a molecada, nos rolos. Passava seriados, filmes, todo domingo de manhã eu passava para eles. Foi essa época. Desse tipo de coisa que eu fui para a televisão, trabalhar na seção de filmes. E depois saí para o jornalismo, um montão de coisa. Trabalhei no Diários Associados também. Foi aí que eu tive a oportunidade de, não ser íntimo, mas pelo menos conhecer o Assis Chateaubriand. Tem uma curiosidade do Assis, porque ele tinha um senhor dos Estados Unidos que veio instalar um sistema de clicheria eletrônica. Naquele tempo, eletrônica, pelo amor de Deus. Então, veio instalar um sistema de clicheria eletrônica. Me chamaram porque eu falava inglês, e me chamaram para eu trabalhar lá porque eu entendia de fotografia, tal. E o inglês ficou meu amigo. Até deixar tudo certo lá, tal, e eu ia ficar de operador da máquina toda para fazer os clichês eletrônicos. Então, eu tinha que cuidar da Moda por exemplo, a página de Modas, que era a página mais sofisticada do jornal, era eu que fazia. Eu ficava lá até três horas da manhã para o jornal sair. Quando tinha uma cor, alguma coisa assim, também tinha que fazer. O jornal, nos Diários Associados, era uma farra, porque nossa, todo mundo tinha 25, 30 anos de casa, eles não obedeciam nada (risos). "Olha, eu tenho 25 anos de casa, você chegou aqui tem três dias. Vê se não enche a paciência" (risos). Eram umas coisas gozadíssimas que aconteciam. Primeira coisa: "Você é corinthiano?" "Não, não sou" "Pronto, acabou, tá boicotado aqui dentro" (risos). Tinha que estar dentro do sistema deles lá. O Diário Associados foi um excelente jornal, tinha bons redatores, Davi Nasser, toda aquela gente, não sei se vocês conheceram, mas, poxa, era um jornal muito bom. Tinha O Cruzeiro. A gente convivia com a nata do jornalismo, tudo. Depois veio o Estadão, tal. Vou contar uma curiosidade do Assis Chateaubriand. Um dia eu estava lá, tal, e veio um cara com um monte de guarda-chuva, uns cem guarda-chuvas. Eu falei: "Pô, para que é isso? Quem mandou comprar esse treco?" "Foi o doutor Assis Chateaubriand". "O que ele vai fazer com cem guarda-chuvas?" "Vai dar um para cada moça do society aí". Porque tinha uma loja de guarda-chuvas lá na Rua Sete de Abril, famosíssima, não sei se ainda tem hoje, não deve ter, mas era famosíssima, tinha guarda-chuva importado. Ele mandou lá uns 20 para ele dar para as senhoras da sociedade. Ele vivia sempre assim, ou em festa, ou sociedade, ou dentro do avião, na Europa, tal. Ele escrevia um artigo para o jornal sempre assim: “A bordo do Varig...” não sei o quê, tal, e começava a falar. Da Hungria, da Polônia, de não sei o quê. Acho que é um homem que viajou tanto na vida, é impressionante. Ele ficava pouquíssimas vezes com a gente. E eu o conheci porque ele chamou o inglês e eu estava junto, eu vivia junto com o inglês. Nós fomos jantar juntos e daí ficamos conversando, ele falou: "Ah, você que está fazendo?" blablabla, e daí criou um relacionamento. Não chegou a ser uma amizade, mas um relacionamento, mais de admiração pela pessoa que ele era. Ele fundou o Masp, né? Fundou, os quadros todos, ele pegava o pessoal society e pedia para comprar um quadro que ele viu lá não sei onde na Europa (risos), "Compra um quadro para expor aqui no museu". E os caras compravam, porque era tudo gente com o rabo preso, em termos de dinheiro, você sabe. Era o society da época, né? Estava todo mundo ganhando dinheiro fácil como no Brasil. Ele mandava o pessoal comprar, encheram o Masp de quadro, viu! O que você já vê que tinha gente...
P/1 - O senhor contou da época que o senhor foi trabalhar com os quadrinhos, né? Como é que foi esse período?
R - Esse período foi um período duro de valer porque naquele tempo não existia tecnologia suficiente. Enquanto nos Estados Unidos o Walt Disney fazia filmes sensacionais, tudo, nós fazíamos ainda na prancheta, em cima de acetato, coisa assim, um processo bem primário de filme. Mas nós conseguíamos fazer. Tanto que uma vez eu tive a oportunidade de levar para os Estados Unidos umas três, quatro cópias e eles falaram assim: "Mas escuta uma coisa, como é que vocês fizeram isso?" (risos). Porque era impossível fazer. Eu fiz o primeiro filme comercial colorido para televisão. Veio a televisão colorida e o comercial não era colorido. Então, eu fiz o primeiro filme da Brastemp colorido para ir para televisão.
P/1 - E como era esse filme? O senhor se lembra, tinha um jingle?
R – Ah, os filmes eram roteirinhos assim, bonitinhos. Por exemplo, eram sempre historinhas que comportavam máquina de lavar roupa, fogão, refrigerador, tudo assim. Então, a bonequinha andava, tinha filhos, tinha isso, tinha aquilo, nós criamos uma família. Ela entrava sempre cantando, nós gravávamos, na época, no estúdio. Nós tínhamos lá uns seis músicos que eram sempre contratados e gravávamos com eles. E tinha o pessoal de voz que fazia os programas de rádio, eu conseguia pegar as vozes deles. Ela vinha entrando cantando, "Eu sou uma mamãe feliz porque eu uso Brastemp", não sei o quê, tal, essas coisinhas todas (risos). E futebol, o velho marido dela assistindo futebol, ia na geladeira lá e pegava uma cerveja, tal. "Me traz uma cerveja" "Tem uma cerveja para você". E esses filmes foram muito bem vistos na época, foram muito bem vistos. Eles ganharam prêmios aqui no Brasil, o pessoal lá nos Estados Unidos achou que o conteúdo era MUITO bom, mas faltou tecnologia para nós fazermos acabamento. Só para você sentir o que é tecnologia nesse caso, você vê um filme americano e vê um filme argentino ou brasileiro. Tecnologia americana é fantástica, câmeras, dollies, não sei o quê. Pelo amor de Deus, eles estão avançados, trabalhando praticamente no digital, né? Eu fui assistir a um filme um dia desses que a resolução era de três mil megabytes, já estava dando qualidade visual de não precisar mais do negativo. Eles já estão filmando direto e vendo tudo na hora, corta, tira direto, tudo. E eles têm um alto profissionalismo nessa parte do cinema. Tem os nossos cineastas que foram para lá e fizeram bons filmes, brasileiro tem muito bom jeito, está dentro do brasileiro fazer filme. Mas infelizmente falta investimento de tecnologia, né? Não é fácil. Porque lá, se eu tenho um problema e nós vamos gastar, se tem um problema aqui, sabe quantas pessoas teriam para fazer isso aqui? Acho que umas 15. Um cara ia ver se o meu cabelo estava arrumado, não sei o quê, se a minha coisa estava não sei o quê, se o copo ia ficar aqui, se eles iam pegar o copo e deixar até aqui ou o copo até aqui, e o roteiro, eu já tinha lido uma prévia do que você ia falar comigo, não sei o quê. E putz, você vê? Você não vê quando vai fazer um filme aparece aquela leva de gente, o ironstyler, todas aquelas coisas, né? Então, puxa vida, nossa! É assustador, você vê quando a equipe tem dois caras falando aqui no set e você tem 20 aqui do lado, né? (risos). Todo mundo olhando, falando, vendo isso, vendo aquilo. Aí, o diretor fala: "Para tudo!", vem fazer isso, aquilo. É um cinema muito agressivo. Você vê que os filmes europeus, mesmo o Cinecittà foi um belíssimo estúdio, mas mesmo investindo, mesmo com aqueles grandes diretores, a tecnologia deixava a desejar às vezes. E veio a cores, tudo que foi feito no cinema praticamente foi feito nos Estados Unidos. Filmes. Os filmes a cores, laboratórios a cores, as câmeras Panavision, de tudo quanto é jeito, não é mesmo? Muita coisa foi feita lá. Pena que nós não acompanhamos, demorou muito, agora nós vemos... Isso é um esforço, eu acho isso um esforço, entendeu? Porque lá fora não é assim. Não é que tem problema de competência, mas a carga que tem sobre você, você e você, aqui é muito maior do que tem lá porque divide as coisas, divide as pessoas. Tem o iluminador, tem não sei o quê, tem o eletricista que tem não sei o quê lá, putz. Vocês conheceram Samuel Wainer? Samuel Wainer foi dono do A Última Hora. Conheceram A Última Hora? Samuel Wainer foi um quase parente meu porque a irmã dele casou com um primo meu. Eles eram de ascendência judaica. E o Samuel Wainer inteligentíssimo. Depois que veio a revolução, ele ficou meio perseguido, ele falou: "Pô, vou fazer o quê agora? Vou fazer filme na França". Tinha visto filme na Vera Cruz, que tem o câmera, ÀS VEZES tinham dois câmeras. Pô, fui ver com ele a produção de um filme que ele botou dinheiro. Produtor é uma coisa, não é artista. Produtor é quem entra com a grana, né? (risos). Tinha aquele monte de gente no estúdio, eu falei: "Meu Deus! Foi sua grana toda!" (risos). Falei: "Vou embora daqui, não vou ficar aqui, eu não tenho ambiente para ficar aqui com o pessoal todo". E o Samuel Wainer falou: "É, vamos embora, nós não estamos para esse negócio aqui". Que era um profissionalismo de um nível onde tinha uma estrutura muito bem montada de cinema, né? Quer dizer, daí você fala: "Bom, seu Calogero, o senhor andou por todos esses lugares, fez tanta coisa, o que o senhor faria agora?". Vocês não acreditam, faz três dias que eu vou fazer uma exposição de fotografia, eu, 76 anos, nunca fiz. E eu trouxe umas fotografias para vocês verem. São fotografias inéditas, completamente diferentes, é coisa muito profissional, é mais cultura do que foto em si. Então, é o meu projeto hoje. Sei lá, e eu vou assim, eu falo, até o dia que eu tomar o avião.
P/1 - E o senhor estava contando para a gente que a época da guinada... O senhor trabalhava na agência de publicidade coincidiu com o período que o senhor conheceu a sua esposa, que o senhor casou. Eu queria perguntar como o senhor a conheceu, como é que foi o período de namoro...
R - Ah, foi uma maravilha. Porque quando eu saí, parece que foi tudo coincidência. Eu saí da agência de publicidade, onde eu ganhava muito bem, tinha feito um pé de meia, ganhava muito bem mesmo. Tinha apartamento, investia, tal, aí, conheci a japonesa e pá, casamos. Dois anos de... Como é que chama quando a gente tem um amor e fica dois anos com ela? Ai meu Deus do céu... Poxa, tem um nome. Vocês estão desatualizados, hein? (risos). Foi de convivência, nós curtimos um ao outro por dois anos. Não trabalhei, não fiz nada, foi a época mais bonita que eu tive com a minha esposa. Nós vivemos bem, tínhamos dinheiro, não tínhamos problemas e curtimos um ao outro. E foi uma coisa boa também porque ela era japonesa e os pais dela não queriam que ela casasse comigo, então, ela se separou da família. O pai dela falou: "Ou você vem para Bastos, ou você fica em São Paulo, acabou a grana, não vem grana". Ela falou isso para mim, eu falei: "Putz, caramba". Eu chamei meu pai, meu pai falou: "É, casa com ela. Você gosta dela? Casa com ela!" (risos). Eu comprei um apartamento feito pelo Niemeyer, bonitinho sabe, era um apartamento que tinha uma vidraça grande, bonito, tal. Eu levei ela lá para ver o apartamento, tal. "Escuta, você quer casar?". Ela falou: "É, vamos casar, então". Pá, aí, casamos. Não teve problema, meu pai não fez nenhuma restrição por ela ser japonesa, era o pai dela que fazia. E eu vivi o quê? Eu vivi curtindo a minha mulher. Por quê? Porque não tinha os parentes para aquilo, você tá entendendo? (risos). Eu ficava livre, eu e ela ficávamos livres. E o que era a nossa curtição? Era passear, viajar para Santos, tinha carro, ia para a praia, vinha para uma cidade do interior. Não viajávamos na época, nada de viagem muito grande, só por aqui. E ela tem uma cultura relativamente média, então, eu precisei pegar ela e fazer com que ela fizesse comida, que ela aprendesse certas coisas. Eu tratava das coisas, eu ia comprar carne com ela, verduras, isso, aquilo. E eu convivi com ela de uma forma muito íntima, muito próxima. Diferente, por exemplo, do cara que casa, vai trabalhar, volta à noite, a mulher fez a comida, ou senão a empregada fez. Não, não foi nada disso, foi diferente para chuchu. Porque eu convivi com a minha mulher, entendeu? Ela era magrinha, a minha mulher foi modelo da Rhodia. Eu estava fazendo umas fotografias e eu conheci ela. Aí, eu conheci ela na Rhodia, tal, aquele troço todo. Eu gostei muito dela, era uma japonesa alta, magra, bonitona mesmo. Uma mulher muito apresentável. E eu vivia bem com ela. Depois disso: "vamos ter um filho, vai". Agora preciso trabalhar. E fomos trabalhar.
P/1 - E foi bem nesse período que o senhor voltou a trabalhar com fotografia.
R - Foi. Eu comecei a mexer com fotografia, eu já tinha feito filmes, já tinha feito isso, aquilo e eu comecei a trabalhar com fotografia. E eu gostava muito de aventura, e eu achei que trabalhar para construtoras que faziam estradas, faziam essas barragens... Eu trabalhei por exemplo na barragem de Itaipu, na de Ilha Solteira, de Água Vermelha, trabalhei em um monte de barragens, e estradas. Estradas eu fotografei desde o início até o fim. Eu viajava. E eu gostava para chuchu, né? Porque eu pegava... Naquele tempo tinha um carro Fusca super revisado (risos) e viajava. Viajava pelo Brasil inteiro. E depois foi passando o tempo, eu comecei a ficar mais íntimo das construtoras, aí eu comecei a entrar na área de projetos de engenharia, onde eu viajava já pro Nordeste, para muitos lugares aqui no Brasil, e viajei até para a África para fazer projetos junto com eles. E eu fotografava já fotografias mais especializadas pra atender aos engenheiros de projeto. Aí, eu fui, cresci bastante nessa área, né? E você viu um site que eu tenho? Você chegou a ver? Poxa, você precisa ver o site, porque o site tem uma visão muito boa da minha atualidade. Embora, como eu disse para vocês, eu estou querendo partir para alguma coisa nova, eu trouxe um material aí para vocês verem, uma coisa nova, que me satisfaça profissionalmente.
P/2 - A gente viu aquelas fotos embaixo, as verticais, e aquelas fotos panorâmicas.
R - Exato. Eu trabalho com fotos panorâmicas: prédios, estradas, rodovias, ferrovias, e fotos verticais, por exemplo, que são fotografias que formam mosaico. Por exemplo, fotografei o rio Tietê, a marginal Tietê, a marginal Pinheiros, toda essa modificação que houve lá, fui eu que fotografei para eles fazerem essa modificação. Eu fotografei a Águas Espraiadas, a Jacu-Pêssego, nossa, eu fotografei um montão de projetos nossos aqui. Eu trabalho muito com os arquitetos, os projetistas. Fiz muita coisa. Mas eu já estou meio cansado desse negócio, eu estou querendo vender o meu trabalho, vender fotografias. Eu quero fazer uma exposição fora, no exterior, na Europa, Estados Unidos. Pesquisei um material, curiosamente esse material foi pesquisado nesses 15 dias, está lá, entrou no computador, e é uma coisa diferente. Eu falei: "Puxa, acho que Deus está me ajudando porque eu estou meio cansado de trabalhar, sabe? Eu estou cansado de entrar em um helicóptero toda hora, fotografar fábrica. As fábricas vagabundas, caramba! Eu ficar tirando fotografia daquilo, não me leva a nada, não me traz nada".
P/1 - Mas quando o senhor começou, como o senhor sacou que aquilo era um nicho que dava para se especializar?
R - Dava porque era um momento de crescimento no Brasil. Então, o Brasil iria crescer. O Brasil não iria crescer, o Brasil vai crescer! Se você soubesse como o Brasil tem mato que não acaba mais, é uma coisa de louco! Eu estive agora em Mato Grosso fotografando fazendas de soja, e eu vou falar para vocês, dá medo de ver! Plantação de soja que não acaba, você não vê o infinito. Quinhentos quilômetros, você andando em plantação de soja, gente! O Brasil é fantástico nesse aspecto, ele é maravilhoso, ele vai ter muito mais estradas, nossa, nós vamos desenvolver muita coisa ainda, porque nós estamos vivendo um momento... Infelizmente, são problemas sociais, por exemplo, até o SESC... SESC é a empresa de vocês? O SESC ajuda muito, ele trabalha muito em relação a cultura do social, SESC, SESI também, né? Eu acho essas duas entidades muito expressivas.
P/1 - E o senhor se lembra como foi o seu primeiro vôo para tirar fotografia?
R - Bom, o primeiro vôo que eu voei, eu fiz uma experiência e voei com uns 18 anos. Faz 60 e poucos anos. Meu primeiro vôo foi no Campo de Marte. Voar em um helicóptero, consegui que eles me arrumassem para eu fotografar, fazer fotografia aérea, porque eu queria fazer fotografia aérea, você tá entendendo? Então, eu peguei, foi o meu primeiro vôo, me dei bem, não me senti mal. Tive alguns probleminhas, mas depois se acalmou. E como fotógrafo de fotos aéreas... Eu não vou dizer isso que sou eu que estou dizendo, mas a Hasselblad, que é uma fábrica de câmeras, a maior do mundo. O diretor técnico da Hasselblad me convidou para eu passar três meses na Europa para falar sobre fotografia aérea.
P/1 - O que precisa para se fazer as fotos aéreas?
R - No aspecto pessoal você precisa ser uma pessoa que viabilize as coisas, organize as coisas lá embaixo, você entendeu como é? Porque tudo é uma questão de urbanismo, e o urbanismo aqui no Brasil é uma festa, porque os arquitetos brincam. O governo cuida muito mal da parte urbana, então, uma casa dá para outra, sobe, horrível. Fotograficamente tudo isso é ruim. Então, você ser fotógrafo no Brasil, você precisa saber enxergar onde é que está o bom, porque pelo amor de Deus, viu? Eu vou fazer umas fotografias do metrô, trecho dois, por exemplo agora. O trecho dois passa lá na... Ele vem vindo e vai até a estação Tamanduateí, ele passa ali numa região de bairro, coisa assim. Pega uma belíssima arquitetura de metrô, suspenso, elevado com estações, numa porcaria de bairro que não tem urbanização, não tem nada. É um problema, há uma dissociação, entendeu? Não tem, por exemplo... É muito difícil. Eu faço uma foto, eu pego lá, bota o elevado, aqui tem uma estação, eu chego aqui com o helicóptero, tiro uma foto. “Puxa, tá bonita a foto”, mas olha aqui do lado, pelo amor de Deus. Você está entendendo? Quando você vai ver as fotos no computador, tudo, porque não se usa mais filme, é tudo computador. Quando você vai ver é uma coisa, é muito... Por que desaba tudo do morro, por que acontece tudo isso? Nós fomos ajudar, eu fui ajudar com o pessoal que mexe com helicóptero, o pessoal lá do Rio de Janeiro quando desabou aquelas coisas todas. Por que acontece isso? Porque faltam cuidados técnicos para se construir uma casa, para se fazer um arruamento, para se cuidar da mata. Falta tudo isso. Não é que falta, por exemplo, você pode dizer: "Será que os caras não entendem nada?". Bom, um pouquinho não entende, vai, falando educadamente. Mas, eles poderiam tomar mais cuidados com os poveretos, porque os caros não têm onde morar e vão morar onde? Vão morar naquele barrancão que vai matar a família dele inteira, entende? Isso aí eu passo, eu falo de cátedra. Eu sei onde está tudo. Aqui em São Paulo, pelo amor de Deus, se eu fizer um trabalho em São Paulo, para mostrar o que está São Paulo, nossa... Cristo, eu vou preso.
TROCA DE FITA
P/1 - Eu queria saber de onde saem os helicópteros?
R - Olha, os helicópteros saem do mundo inteiro. Porque veja bem, eu posso alugar um helicóptero tanto aqui em São Paulo como no Rio, como no Rio Grande do Sul, como no Nordeste, deslocar um helicóptero daqui para fora. O Brasil tem uma das maiores frotas de helicópteros, está chegando mais uma leva de helicópteros, têm helicópteros de todos os níveis que você imagina no Brasil. Tem helicóptero para uma pessoa, duas pessoas, três, quatro, cinco, dez, quinze. Tem helicópteros militares grandes. No mundo, helicóptero não é tão assim como em São Paulo. O que tem de heliporto aqui em São Paulo é incrível. Você passa por cima da cidade, você vê que pipoca de heliporto. Ontem mesmo, eles me contrataram para fotografar um negócio que eu tinha que ir no prédio, subir lá em cima, pegar o helicóptero, o cara ricão, né? Tive que subir lá em cima para fotografar um negócio dele, o cara tem heliporto. Tem ricos no Brasil, tem gente muito rica no Brasil, isso já é um problema social, coisa assim. Mas nos Estados Unidos tem muito rico, o nível de riqueza americana é muito grande. Eu falo isso porque minha família mora nos Estados Unidos e eu vivo aqui no Brasil porque eu detesto o Brasil, mas gosto de morar aqui (risos). Então, eles vivem lá, tem um padrão de vida altíssima. O sogro do meu filho tem um time de basquete NBA, você imagina o quanto ele tem de dinheiro! Eles têm MUITO dinheiro, moram em Palm Springs, a casa custa dez milhões de dólares, tem duas piscinas grandes, quente, branca, azul, amarela, jardineiro. Tem quatro caras trabalhando só no jardim, é uma turma muito grande. E eu tive oportunidade de conhecer esse pessoal e eu vi o nível de riqueza americano, MUITO alto, muito alto mesmo. Eles são muito poderosos. Você vai em uma casa americana, puxa, você fala, nossa, tem objetos caríssimos em cima da mesa, ninguém liga para coisa nenhuma. Você fala: "Ô meu Deus, se fosse em um certo lugar que eu conheço..." (risos). Eles são muito ricos. Você fala, por que você vive no Brasil? Porque eu gosto do Brasil, porque o Brasil é um país lindo, né? É um país maravilhoso. Eu tive um veleiro e eu viajei muito de veleiro. Sabe, velejar, ver a costa brasileira é uma coisa... Ver aquele mar, aquelas praias. Eu viajei muito de helicóptero até o Sul, viajei desde o Rio Grande do Sul, fui pegando as praias e mostrando, passando por Florianópolis, por todos esses lugares aí. Em uns lugares no Sul tem cachoeiras maravilhosas, lindas. A parte de serra, de mata no Brasil é uma coisa. Amazônia, por exemplo, muito bonita a Amazônia. Viajei muito para a Amazônia. Fui fotografar minas de cassiterita, minas de ouro, coisa assim que tem. Turma fala de petróleo, né? Petróleo lá na Amazônia, petróleo nasce no chão. Sabe o que é um igarapé? Não tem um igarapezinho? Você olha assim para ele lá, está tudo borrado de óleo (risos). Petróleo aflooora do chão. Eles falam em petróleo, petróleo aflooooora do chão. Brasil tem uma reserva petrolífera absurda. Principalmente na Amazônia, coisa de louco. E agora tá fazendo do mar, né? Das pessoas estarem no mar. O Brasil é maravilhoso. Muito bom viver no Brasil, cruz credo viver nos Estados Unidos, e olha que a gente tem casa lá, viu? Cruz credo viver nos Estados Unidos. Eu estou guiando aqui, passa a polícia assim, eu não posso fazer assim e olhar para o policial, ele manda parar o meu carro e fala: "Tá olhando o quê?". Pelo amor de Deus, o que é isso? Eles são fogo. A cidade onde eu moro chama-se Encinitas. Não tem farol. Sabe por quê? Porque você está andando de carro, quando você chega no cruzamento você para e o que acontece? Você olha para a direita e para a esquerda para ver se tem alguém. Se tem alguém parado você tem que esperar ele passar para depois você passar. E passa de um por um, não passa de 45 que nem aqui, passa um por um. Tem essas coisas. E se você não fizer isso, você pode ter certeza de uma coisa, o tal do maldito guarda tá lá na esquina, viu? Ele te aborda ali na esquina: "O senhor passou sem olhar, viu?". Duzentos dólares de multa, pelo amor de Deus, viu? É fogo.
P/1 - E voltando a falar de helicóptero. Precisa ser um helicóptero especial, um piloto que saiba lidar com isso, como é que funciona a terceirização, o contato com as firmas?
R - O profissionalismo aconteceu em razão do quê? Nesses anos todos, eu tenho uma parte nisso. Eu criei muito piloto, no sentido do piloto saber como deve proceder para voar, velocidade, altitude, ângulos, etc, tal. Esses pilotos aprenderam e cometeram uma injustiça comigo pessoalmente. Porque quando eles estavam começando o Caloi era o amigo, "Oi Caloi, tudo bem?". Depois que eles pularam do Robinson 22 e 44 para o Jet Ranger, por exemplo, que é um helicóptero melhor, um Esquilo, por exemplo, o que aconteceu? "Ahhh, eu não faço fotografia, a não ser que você queira voar de Jet". Pô, eu não vou voar, se o vôo de Robinson 22 me custa mil reais a hora, se eu voar de Jet me custa dois mil, se eu voar de Esquilo, me custa quatro mil. [Poxa], por que eu vou voar com o cara? Por que eu gosto dele? Pelo amor de Deus! Eu gosto do meu dinheiro. Não há possibilidade de convivência por causa do tipo de pessoa que se envolve. Culturalmente até. Olha, eu tenho gente que voou 15 anos comigo, 15 anos, não é brincadeira. O cara voou comigo por 15 anos. Você sabe o que acontecia? Acontecia o seguinte: eu ensinava o cara como voar, você entra assim, contorna o lugar, tal, começa com uma altura x, depois vamos descer pra tanto, depois vamos descer pra tanto. Eu sou uma pessoa que entende de aviação, eu conheço toda a parafernália dos equipamentos. "Vamos descer agora pra 2.700, 2.800", vai pra isso, vamos praquilo. E dava toda a dica pro cara. Era incrível, vinha um cara começando a fazer fotografia aérea, um concorrente meu, ele passava tudo isso pro cara. "Olha, faz assim, faz isso, faz aquilo". Eu acabei descobrindo isso e um dia eu falei: "Quer saber? Deixa pra lá, todo mundo tem uma finalidade na vida, todo mundo tem que dar alguma coisa pra alguém, entende?". E não tem importância que eu criei 15 concorrentes, ótimo, tomara que tenha trabalho para os 15 concorrentes, isso não me preocupa. Eu não tenho problema nenhum que eles aprenderam, entendeu? Criaram situações favoráveis para eles poderem trabalhar com isso. Eu sou do tempo em que andar de helicóptero era um pavor, porque as pessoas tinham medo. De uns dez anos para cá houve uma liberação, começaram a andar mais de helicóptero, de uns 15 anos para cá, as famílias começaram a andar de helicóptero, os filhos, tal. E helicóptero virou um veículo natural, não é mesmo? Então, o que aconteceu? Se em um determinado momento você, por ser uma pessoa que andava de helicóptero e não se preocupava com um problema da segurança, hoje não tem mais isso. Pode acontecer o seguinte, o cara não entende nada, ele entra em um helicóptero, não sabe o que ele está fazendo, como se comporta um helicóptero, não sabe que ele pode morrer, que ele precisa ter um seguro, não sabe nada. Porque ele não se preocupa com a parte técnica, com o vôo em si, ele não se tornou um profissional. Ele se tornou um fotógrafo. A LG, LG é televisão, né? A LG me pediu ontem para fotografar a fábrica deles. Eu vou fotografar, tal, mas o cara que falava comigo não entendia nada (risos). Eu falei para ele: "O senhor vê o meu site, eu tenho tanto tempo, eu vou fotografar para o senhor, fica tranquilo, eu vou fazer o trabalho para o senhor. Não tem problema, não é a primeira fábrica que eu vou fotografar”. Eu fui fotógrafo da Rhodia, da Nestlé, da Dow, da Norberto Odebrecht, da OAS. Pô, fui fotógrafo das melhores empresas brasileiras. O que eu estou é cansado, isso eu estou mesmo, não aguento mais. Mas eu fui fotógrafo de toda essa gente. Eu trabalhei para a Nestlé, fiz a fotografia de todas as fábricas para a Suíça, as fábricas no Brasil. E fotografei na fábrica da Nestlé no Japão para eles".
P/1 - E quais são os cuidados para se tirar fotos de fábrica?
R - Olha, eu vou contar uma coisa para vocês que é o seguinte. Eu tive um contato com um brigadeiro, que era o chefe de um departamento de aviação civil no Rio de Janeiro. Ele me chamou e falou: "Precisamos falar com você". Eu vou ao Rio de Janeiro falar com ele, isso faz 25 anos. Cheguei lá, ele me mostrou uma maçaroca desse tamanho que era de coisas que eu tinha feito, voado, participado, tinha três advogados ali na frente, tal. Eu fiquei muito preocupado, falei: "Caramba, o cara tá me mostrando uma documentação grande aí, o que ele tem contra mim?". Ele falou: "Olha, seu Caloi, eu só vou fazer uma exigência para o senhor. O senhor compre um helicóptero. Do jeito que o senhor trabalha eu quero que o senhor compre um helicóptero. A Aeronáutica quer que o senhor compre um helicóptero". Eu falei: "Mas por que eu vou comprar um helicóptero? Vou gastar três, quatro milhões, para comprar um helicóptero, quando eu freto um helicóptero tranquilamente". Por que vocês querem isso?" "Porque é uma norma nossa, o cara que exerce uma determinada atividade". Porque eu fotografava muito, entende? O que acontecia? Eles falaram: "Tem um negócio desse tamanho seu aqui, olha. Você fotografa Deus e todo mundo. Então, compra um helicóptero". Eu falei: "Putz, eu não vou poder comprar um helicóptero, quatro milhões, eu não tenho dinheiro para comprar um helicóptero". Ele parou assim, pediu para a mulher, "Traz um café aí para nós". Tomamos o café, tal. Ele falou, "Seu Caloi, acabou a reunião. Eu vou pedir uma coisa para o senhor que tem relação com o que o senhor me perguntou agora. O senhor não cause problemas para a Aeronáutica. O senhor seja previdente, tenha critérios quando vai fazer vôo" "Por quê?" "Porque o senhor conhece aviação e o senhor sabe que o senhor não olha a carteira de manutenção dos caras o que acontece? Eles provocam acidente por falta de manutenção por falta disso, por falta daquilo. O senhor, por favor, não vai precisar comprar um helicóptero, eu sei que é uma atitude rigorosa da Aeronáutica, mas o senhor não cause problemas para nós". Eu fiquei maravilhado, né? Se é esse o problema, eu não causo problema nunca mais. Ele foi comigo até a porta, eu fiquei até besta, até a porta do elevador, bateu nas minhas costas assim e falou: "Então, você sabe o que você tem que fazer. Você vai voar por toda a sua vida e a Aeronáutica nunca vai pegar no teu pé". Então, o que se passa é exatamente isso, é preciso conhecer as coisas que se faz. A aviação não é uma coisa qualquer, ela é um instrumento de trabalho, um instrumento de transporte, e as pessoas deviam conhecer um pouco mais sobre a aviação, porque quando acontece um problema qualquer, fica todo mundo apavorado, em pânico, morre todo mundo. Quando dá um desastre na aviação, de aviões grandes, 90% morre do coração, não morre da batida, fica tão aflito que morre do coração. Por quê? Porque eles desconhecem que tinham que se preocupar com o quê? Que tinham que se preocupar com a maneira de se posicionarem na cadeira, com a maneira deles se precaver com relação ao pescoço, se abraçar para não sofrer uma distensão muito grave na coluna, para isso, para aquilo. Mas ninguém pensa nisso, ninguém olha.
P/1 - E o senhor fez cursos especiais?
R - Eu fui piloto, eu fui piloto de DC-3. DC-3 é um avião do tempo da guerra, nós éramos dois pilotos, eu era co-piloto e o Armando era comandante. Nós voávamos para Perdigão, e voávamos até Videira, na fábrica da Perdigão para pegar material de presunto, isso, aquilo, porque não tinha carro de refrigeração. Então, nós trazíamos de avião duas vezes por semana, a gente ia lá, fazia o vôo e vinha. Esse foi o meu primeiro vôo, nem brevê eu tinha! Eu estava lá de co-piloto com o cara voando tranquilo (risos). Naquele tempo não tinha problema. Aí, o que aconteceu? Aconteceu que eu não aguentava mais porque eu ia para o Rio Grande do Sul, para fazer o curso para pegar aviões grandes na Varig. Naquele tempo nem tinha Boeing, eram os turbo-hélice, coisa assim. Depois vieram os Boeings. Hoje a aviação está modernizada de tal forma que você entra em um simulador e voa o dia inteiro, né? Antes era na raça mesmo. Nós fazíamos os vôos, vinha lá de Santa Catarina para cá tranquilos, dormindo (risos). Então, eu aprendi muita coisa. Eu tenho todos os manuais de helicóptero, eu conheço tudo porque se acontece alguma coisa eu tenho recurso pra tentar ajudar o piloto porque eu vou morrer se acontecer alguma coisa. Porque helicóptero, escreveu, não leu, caiu, morreu. Não tem conversa. É duro, viu? Do nível de algumas cidades que você vê pelo mundo todo aí. Gente ordenada, bem vestida, gente asseada, gente dentro de um padrão, você está entendendo? Gente educada. Infelizmente nós estamos aí. Você pega a televisão, você vê uma moça brigando, dando soco na outra! O que é isso? Ficaram loucas? É, uma moça dando soco na outra (risos). Meu Deus, isso era coisa de moleque de favela, coisa assim. Imagine. Eu vejo na televisão, infelizmente eu sou obrigado a ver a televisão (risos) porque a minha mulher comprou uma televisão do tamanho de um bonde! (risos). Ela vê lá os canais porque ela não faz mais nada, ela vê lá crimes, crimes e mais crimes. Eu falo: "Meu Deus, mas por que você vê tanto crime?". Eu moro em Moema, provavelmente Moema é um dos primeiros bairros de São Paulo. Tem tudo, você compra desde um Mercedez-Benz a um pente. Moema tem os melhores restaurantes, é um lugar fora de série. Sai de Moema. Outro dia nós fomos ver numa represa aí, que eu queria ver um barco, nossa, tinha bandido adoidado por ali. “Vamos embora”. Lá em Moema pelo menos não tem isso porque tem polícia, lá mora gente de um nível melhor, então, tem muita polícia (risos). De vez em quando eu chego lá, tem a polícia lá, três, quatro, porque tentaram sequestrar um cara, qualquer coisa assim. Mas ser rico é a pior coisa que tem aqui.
TROCA DE FITA
P/2 - Eu gostaria que o senhor falasse sobre essa relação do seu trabalho com o Campo de Marte, a importância para agendar vôo...
R - Funciona muito bem. Marte é uma entidade aonde a Força Aérea trabalha, controla, e controla também não só a parte comercial dos hangares, das empresas que estão lá. Você sabe o que é um hangar? Hangar é onde ficam os aviões, essas coisas todas. Então, além desses hangares tem as pistas, tal, direitinho, e recebe os aviões que vem de fora, de determinado porte. Marte não é para receber, por exemplo, um Boeing. Não tem extensão para isso, ele recebe um avião militar um pouquinho mais grandinho, aquelas coisas todas. Então, você que convive em Marte, você tem que estar ligado ao hangar, é uma boa. Eu, por exemplo, estou ligado ao hangar. Lá no hangar eu tenho toda a estrutura, eu tenho helicóptero 22, 44, Jet, Esquilo, Agusta, Sykorky, nossa, eu tenho tudo. E tenho jatinhos Citation 5, tal, papapa. Então, se você, industrial, precisa de alguma coisa, “O que você precisa?”; “Eu preciso de um jatinho agora para eu ir para Mato Grosso.”; “Tudo bem”, tem o jatinho na pista para ele ir embora. Então, o que precisa? Eu também, eu preciso de um helicóptero. Eu ligo para lá e falo: "Eu preciso de um helicóptero tal para eu voar de tal lugar a tal lugar" "Tudo bem, seu Caloi, que horas?" "Dez horas?" "Dez horas, fechado". Eles me faturam, eu já sou um cliente, então, não tem problema de estar pagando helicóptero. Normalmente as pessoas pagam helicóptero, fazem o vôo e pagam, terminou o trabalho, eles têm que pagar. No meu caso, não. E lá em Marte tem toda a estrutura militar que dá um certo apoio militar, tanto para o Exército como para a Aeronáutica. Porque não sei se vocês sabem, tanto a Marinha, como o Exército, como a Aeronáutica tem helicópteros. E eles estão lá, trabalhando juntos, lá em Marte tem uns 15 ou 20 hangares lá. Lá tem uma escola de aviação, que é o aeroclube, onde as pessoas vão lá. Se você quiser ser piloto, você vai lá na escolinha, começa a fazer vôo, tal, papapa e vai sair piloto. Então, tem todo um controle. Atualmente está estacionada a Polícia Civil, porque depois de um século a polícia descobriu que o helicóptero é uma coisa fantástica. Eles saem com o helicóptero, em dois minutos eles estão em cima do bandido. E pegam uma pessoa que foi ferida, levam para o hospital e tal. Resultado: foi um grande negócio. Hoje acho que eles têm lá uns dez helicópteros hangarados lá. Fora disso, as companhias aéreas ou tem só avião, ou tem avião e helicóptero, ou têm vários helicópteros. A que eu estou junto, que é uma empresa conhecida já, desde o primeiro dia eu voei com eles, ela tem a linha de helicópteros toda e tem alguns aviões, Jet Rangers, tem aviões Citation, aqueles jatinhos que todo mundo gostaria de ter um jatinho daqueles para voar (risos). Custa uma fábula, né? São os jatinhos executivos, que atendem a pessoas de negócios. Os jatinhos vão até os Estados Unidos, vão longe. Tem bastante autonomia. Então, basicamente, ele seria um aeroporto de terceiro nível. O que se chama terceiro nível? São aeronaves menores, monomotor, bimotor, um pouquinho mais sofisticadas, e helicópteros. Poderíamos colocar Marte como aviação de terceiro nível. Guarulhos já é aviação de primeiro nível, são os Boeings, Jumbos. Com a pista nova nós vamos poder receber jumbo de 800 pessoas, nós temos que crescer na aviação (risos), senão estamos fritos. Tem o futebol, as coisas todas. Nossa, eu vi um Jumbão de 800 pessoas descer, demora uma hora e meia para os caras descerem (risos)! Uma loucura, né? Pelo amor de Deus, é um negócio muito doido. Então, nós vamos precisar ter pistas, mais aeroportos, porque nós temos muitos aeroportos que estão abandonados pelo interior, né?
P/1 - E como é o entorno do Campo de Marte? O que tem? As lojas, se os departamentos mudaram...
R - Tem lojas, alguma coisa que vende produtos, livros técnicos, coisas assim que estão ali, mas em Marte não existe um mercado, existe um mercado técnico, onde você aprende, onde você tem escolas, você tem condições de evoluir em termos de aviação. Marte só tem isso, não tem nada. Aliás, Marte, eu fiz um trabalho para o governo da seguinte forma. Você conhece Marte, pelo menos de vista conhece, né? Aqui tem Marte, tem pista, tem a Avenida Olavo Fontoura, tem o Rio Tietê, tal. Eu fiz um levantamento aéreo de tudo isso aqui até a Casa Verde, passando do Rio Tietê para cá, e mais ali, porque eles iam construir um boulevard. A idéia era fazer um boulevard. E eu não sei, eu participei da reunião na entrega das fotos, mostrei para eles, olha, está tudo aqui.
TROCA DE FITA
P/1 - O senhor estava contando que foi na reunião, que eles iam fazer um boulevard...
R – Ah, tá! Então, o governo queria fazer um boulevard, contratou uma companhia aí para fazer, tal, e eles iam construir. Um grupo de construção criou essa coisa toda aí, e me contratou para eu fazer o levantamento da região, são fotos mosaicadas, assim, né? Tem que ter detalhe, então, foi fotografado baixo. Eles queriam baixo para ver as casas, ver o que tinha para demolir, o que não tinha. Eu não sei o que eles iam fazer com o aeroporto (risos), porque se fizer um boulevard ali ia acabar com a Avenida Olavo Fontoura, ia ser uma tragédia ali em termos de tráfego e tal. Nossa, ia acabar com um monte de coisas, eles iam fazer muita coisa. Eu levantei uma boa área, ela vinha desde a Praça 14 Bis até a Ponte da Casa Verde. E aquela região toda ia virar um boulevard, ia ter um espaço, chama-se boulevard e pelo que eu entendo é um espaço com tudo, teatro cinema, tudo quanto é treco. Iam fazer isso, mas parece que esse projeto parou. Porque também nós somos carentes de aviação. Porque Marte não tem como crescer mais, ela tem uma pista, tem os hangares, tem aquilo e babau, não tem mais como crescer. Então, para a aviação crescer tem que ser acompanhada do metrô, de trens, que nem no Japão. Por exemplo, de Ōta até Tóquio, desculpa, Narita, a estação de Ōta vai até Narita, metrô. Dez, 15 minutos, no máximo, você está em Narita. A mesma coisa que tem que ser feita aqui, tomar o metrô, pum, está no aeroporto. Não dá mais para pegar a marginal para você ir para o aeroporto. Você tem que sair dois dias antes? Não. Parece brincadeira, fica assim os carros todos. Se eu tenho que fazer uma viagem, sem brincadeira, eu cheguei a pensar de ficar em um hotel próximo ao aeroporto para não ficar louco, você entendeu? Próximo ao aeroporto tem uns hotéis para dormir e pronto, vou lá para o aeroporto na hora, fico sossegado. Porque é incrível. Tive que levar o meu outro filho para os Estados Unidos, pegar o avião lá, poxa, que loucura! Nós chegamos em CIMA da hora, viu? Em cima da hora. Porque pega aquela marginal. E agora eles fizeram uma estupidez. Eles fizeram umas linhas assim, cruza que cruza, que pelo amor de Deus. Aquilo, eu fiz as fotografias do que era antes, eu estou quase fazendo o seguinte, estou quase falando com a Folha, eu quero mostrar como era antes e quero mostrar isso como é agora, para vocês verem que loucura que vocês fizeram. É uma verdadeira loucura! Se a gente entrar no lugar errado a gente vai lá para Campinas, vai para não sei pra onde. Então, Marte não tem mesmo possibilidade de crescer mais, ela cresce administrativamente. Então, tem oficinas, hangares, tem alguns espaços que estão sendo aproveitados, mas já não dá mais. E tem que acompanhar a tecnologia, né? Na Holanda, em Amsterdã, tem o aeroporto. Se você pegar o jornal ele está sempre, vou usar uma expressão em inglês porque eu não conheço outra: overcast, deve ser tempo fechado. Tá sempre overcast naquela porcaria, tem sempre nevoeiro, os aviões descem sem parar, um atrás do outro, “pé pé pé pé pé”. Aí, você fala: "Pô, como é que é?". Tudo eletrônico. Desce tudo eletrônico. Aqui tem uma nevoazinha meio estranha ninguém desce. Os caras lá, se eles fossem descer esperando o tempo bom eles não desciam nunca. Porque o aeroporto está sempre overcast. Tem que haver um investimento de tecnologia maior, maior e maior. Por exemplo, você fala, controle do espaço aéreo. Outro dia nós íamos atravessar em frente ao aeroporto de Congonhas, viemos, paramos em frente à torre de controle, chegou na torre de controle nós paramos o helicóptero e perguntamos se autorizava atravessar. "Aguarde que nós vamos autorizar". Nós ficamos aguardando, na altura ali. Passou um helicóptero grande da Amil, não sei se vocês já viram um helicóptero grandão da Amil. Passou em cima da gente, ele quase jogou o nosso helicóptero no chão. Aí, nós pegamos e falamos com a torre: "Mas como é que você autorizou o cara passar aqui? O cara quase matou a gente!". Nós íamos morrer todos ali, ia cair o helicóptero grande, ia cair a gente, ia ser uma tragédia porque ia cair bem em cima daquela região onde tem os carros etc, da garagem, ia ser, nossa, pelo amor de Deus, começar a pegar fogo em tudo quanto é treco ali. Então, nós falamos isso aí. Falta de gente também. Você viu o desastre que houve com o avião brasileiro que os americanos compraram que bateu no Boeing lá da Gol, né? Aquilo é um absurdo. Aquilo é uma paulada, um absurdo. Porque você tem um plano de vôo, acho que os caras do avião ficaram tomando whisky porque eles pegaram uma vertical em cima do avião, pelo amor de Deus! Se a torre falou: "Voem a dez mil pés", os caras voaram a dez mil pés. Os americanos voaram a dez mil, não consultaram a torre se era a dez mil. "Ah, tudo mato aqui, não tem problema, vamos voar aqui". Não é assim também, né? Aviação é um negócio sério. Eu assisto a um programa, se vocês pudessem assistir, chama-se "Grandes Desastres Aéreos", é na Discovery. Mostra, pelo amor de Deus, o que os caras fazem com a aviação. É muito perigoso. Sinceramente, dá para pensar umas duas vezes se você vai viajar porque o que eles fazem é uma barbaridade. Pilotos inexperientes, olha, companhias grandes. Aquele desastre da Air France, não tem problema nenhum o que eu vou falar para vocês, os pilotos bobearam. O avião caiu, ficou completamente desgovernado, falta do quê? Falta de compatibilidade com as coisas, com o que existe dentro do avião. Uma sala de Boeing, por exemplo, é do tamanho disso daqui, uma sala de controle só, só isso aqui, enorme assim. Poxa, caramba, tem tudo quanto é coisa, se acontece uma coisa já começa a aparecer no painel, “pa pa pa papa”. Por que acontecem desastres? Não dá manutenção, não fazem isso, não fazem aquilo, as companhias pegam o cara para fazer um vôo que acabou de chegar de Nova Iorque e vai ter que ir para o Chile. Pô, acabou de chegar de Nova Iorque, como vai ter que ir para o Chile? Não tem cabeça para os caras fazerem isso.
P/1 - O senhor estava falando de desenvolvimento tecnológico, como que o senhor trabalhando com fotografia sentiu a chegada das câmeras digitais, se isso mudou alguma coisa no seu cotidiano, na qualidade da foto.
R - É uma grande incógnita. A máquina digital veio em razão do mercado, ou seja, do mercado que eu chamo dos fabricantes. Eles criaram a máquina digital principalmente em razão da evolução do computador, de uma série de coisas. Então, eles usam memória e a memória faz isso, faz aquilo, pinta e borda, certo? Agora, as câmeras... Têm câmera, câmera, câmera, câmera, tem câmera que custa 200 mil dólares e tem câmera que custa 350 reais nas Lojas Americanas. Aí, o cara que tira uma foto, "Olha a foto!". Põe no computador, "Saiu!". Não é bem assim, uma câmera profissional, de alta resolução, é muito boa. Ela superou o filme. Qual era o problema com o filme? O problema com o filme é que tinha que revelar, tinha que tomar cuidado porque o filme não pode ficar no porta-luvas senão esquenta e estraga, e as fotografias ficaram tudo amareladas, não sei o quê. Como é possível isso? Era muito difícil conviver com filme, eu tinha câmeras grandes, caras, tal. Eu peguei, vendi todas elas, só fiquei com uma para dizer que eu fiquei com uma mecânica, analógica, e comprei câmeras digitais. Eu tenho uma câmera digital que tem resolução tal, vinte e poucos mega pixels, ela é muito potente, uma alta definição, eu amplio dois, três metros, ponho no computador. É uma evolução, mas já estão falando, os caras da tecnologia, que eles podem voltar para analógica. Eu não sei se isso é uma verdade ou foi um chute do mercado. Por quê? Porque a fotografia digital tem MUITAS deficiências. Você pega um CD, ele tem uma durabilidade. Por exemplo, eu tenho 250 mil fotos guardadas no arquivo. Nesse arquivo, se eu passar para CD, pensei em passar tudo para CD, né? Vira um pacotinho desse tamanho. Ha. Falaram pra mim: "Pelo amor de Deus Caloi", falei com os técnicos, eles disseram para mim: "Não, não, não, não não. Esses CDs atuais tem tempo de vida. A memória tem tempo de vida, então, você usa um tempo depois joga fora e compra outra memória para pôr. Então, é um mercado conhecido. A câmera digital tem deficiências para um fotógrafo profissional, depois vocês vão ver as fotografias. A câmera digital tem uma coisa que a analógica não tem, ela dificulta. Por exemplo, eu fiz umas fotografias que vocês vão ver que tem cores completamente estranhas, por exemplo, tem cinzas, verdes claros, tem cores estranhas, não são cores naturais. Eu tenho possibilidade de fazer isso porque a câmara digital proporciona que a leitura sua de fotógrafo, de entendimento do que está sendo feito, possa ser realizada com uma certa vantagem. Por exemplo, você pega uma fotografia que tem uma flor assim, de repente, você joga em um software, faz isso, faz aquilo, de repente, buuu, fica um negócio. Por exemplo, eu estou fazendo umas fotos da cidade, eu estou fazendo tudo a traço, elas ficam como se fossem desenhos. Eu pego a cidade, fotografo, e não fotografo foto, tudo desenhada as fotos. Tudo desenhado. E isso, eu vou falar para você, é coisinha, porque tem coisas muito mais evoluídas que ela consegue penetrar no entendimento do profissional, ela consegue fazer com que você realize aquilo que você está pensando. Fotógrafo é uma coisa, fotógrafo que tem feeling, conhecimento da coisa... Por exemplo, você vai na minha casa, você vai ver seis, sete livros sobre Adobe Photoshop, sobre fotografia digital, blablabla, das melhores editoras do mundo. Aquilo custou caro, eu leio tudo aquilo. Você fala: "Para que serviria esse troço? Você tem 76 anos". Eu leio porque faz parte, me faz ver o mundo, me faz ver as circunstâncias que envolvem. Por exemplo, plantas. Se eu perguntar para vocês, por exemplo, um estudo que eu tenho feito, vocês conhecem plantas? Não conhecem. Noventa por cento não conhece planta, nem os caras que estudam planta, não conhecem o resultado, o que resulta da planta, o que ela transmite, o que ela pode transmitir para você. Você não conhece, você vai no Ibirapuera, você vê aquele monte de verde, aquele monte de folhinha, aquele monte de coisa e não enxerga nada! Mas se você for a fundo nesse negócio, culturalmente, com tecnologia, você vai enxergar um outro mundo. Um mundo com-ple-ta-men-te diferente, que as pessoas não estão acostumadas a ver. Então, o meu projeto é esse que eu estou falando para vocês. Eu quero fazer isso, eu vou mostrar algumas coisas para vocês porque são umas pesquisas. Depois eu tenho projetos, mas coisas assim, muito bonitas. E mostrando... E você fala: "Meu Deus! A planta é isso?". Eu mostro a planta, fotografo, acho um buquê de flores, fotografo umas flores arranjadas, tudo. É isso que é flor, planta é isso, ela transmite isso aqui. Por exemplo, a minha esposa tem um feeling fantástico, aprendi muito com ela, de plantas. Ela tem mão, ela pega a mão, encosta na planta, a planta cresce. Ela tem mão, não é todo mundo que cresce. Tem gente que olha para uma planta e seca. Verdade! Tem gente que olha para uma planta, seca a planta. É uma força negativa muito grande. Por quê? A planta é sensível, a planta é algo sensível. A planta, você tem que tocar a planta, entendeu? Tocar a folha, tal. Você vê como a planta cresce quando você faz essas coisas, como ela se apresenta. Ela sabe quando você joga água nela, ela sabe tudo. A planta é uma coisa. Eu estou estudando isso muito, mas eu não estou querendo ler livro de ninguém sobre planta, eu quero EU olhar a planta, eu quero EU conhecer, eu quero me apresentar para a planta, EU me apresento para a planta, quero fazer isso. Quero pesquisar, e eu tenho a impressão que se eu fizer isso, eu vou produzir muita coisa na área de imagem e de quadros que eu poderei vender e nesse fim de vida eu poderei viver de uma coisa que eu gosto. Porque eu queria pintar, mas eu não tenho muita paciência para pintar. Então, a fotografia é a minha praça, como é quando a pessoa fala que aquela coisa é o seu... É a minha casa, isso que eu falo para você.
P/1 - E o que o senhor tirou de todos esses anos trabalhando com fotografia, fazendo negócios a partir dessas fotos aéreas, tal? Qual foi?
R - Bom, toda experiência profissional que a gente tem, ela só tem valor, não profissionalmente, profissionalmente as coisas mudam. Ele trabalha com essa câmera, daqui a dez anos isso é um lixo. Desculpa a expressão, mas é um lixo a câmera. Ele já tem que estar trabalhando com uma outra câmera, muito mais sofisticada porque o mercado não tem mais essa câmera daqui dez anos, não é mesmo? A tecnologia é passável, é varrível. O que sobra são os contatos. O que sobra é a gente poder conviver com pessoas. Você já percebeu uma coisa? Tem gente que vai tomar um avião e senta na poltrona dele, aí, vem um cara, senta do lado, vem um outro, senta ali, mas é um pouco mais gordo, tal, não sei o quê. Aí, o cara já fica já, "[Putz], foram arrumar lugar para ele logo aqui". Já fica trambicando na cabeça. Outro dia aconteceu uma coisa gozadíssima. Eu conheci uma pessoa, é uma engenheira de uma companhia grande, foi curioso. O cara que estava comigo falou: "Caloi, senta em qualquer lugar aí, eu quero ficar sozinho aqui porque eu quero ver se eu durmo e eu fico dando pontapé. Senta em qualquer lugar". O avião não estava tão cheio, né? Aí, eu vi uma senhora bem perto, do lado, eu cheguei e falei assim: "Senhora, a senhora me dá licença de eu sentar aqui com a senhora?" "Ah, pois não". Você sabe que nós conversamos coisas fantásticas, essa mulher tem uma vivência, putz, eu aprendi tanta coisa falando com ela, e ela me mostrou um montão de coisa. E aí, você diz assim: "O que valeu?". Valeu o contato. Vale a contato que a gente tem, com tudo. Eu pego agora um chofer, começo a conversar com ele: "Ah, não sei o quê, não sei o que lá, tal tal tal", ou eu posso ficar quieto. Ou senão fico esperando ele abrir a conversa. Isso é exercício, fazer contato não é para qualquer um. Fazer contato é um exercício de vivência onde você olha. Por que tem gente que é incrível, eles têm uma simpatia que a gente fica assustado? Tem gente que é simpática, maravilhosamente simpática. Você fala com ele, tal. Eu gosto de brincar, minha mulher reclama de mim. Eu gosto de brincar, eu falo besteira assim, né, para a moça do caixa do supermercado. Outra dia ela viu eu falar com ela e ficou meio assim. Eu falei para ela assim: "Escuta, você é casada ou solteira?". Isso daí acontece comigo porque eu tenho uma cabeça pirada e eu falo essas coisas. Ela falou: "Eu sou casada". Eu falei: "Incrível, você tem uma voz de solteira!" (risos). Você sabe o que aconteceu? Começou a dar risada lá na hora, todo mundo que estava do meu lado começou a dar risada (risos), e todo mundo levou na esportiva. Não foi uma coisa mal educada, que machucou, qualquer coisa assim. Foi uma brincadeira. Eu acho que essas aberturas acontecem com a gente. Se a gente desenvolver o contato. Você conversar com as pessoas, né?
P/1 - E o que o senhor achou de dar essa entrevista para a gente?
R - Olha, eu não sei como isso vai acabar, em termos técnicos, não sei como vocês montam, até onde, mas eu espero que o trabalho que vocês estão tendo, com o montante de gravação que foi... Poxa, com material fotográfico que vão poder pôr, tal, eu acho que vão ter condições de vocês fazerem alguma coisa muito boa em termos de Brasil. Por que muito boa em termos de Brasil? Porque vocês vão mostrar o mundo de certas pessoas, que eles não estão acostumados a ver, dependendo de onde passa isso. Eu vi coisas assim, por exemplo, um homem lá no cafundó da Bahia, escondido lá no sertão, com os filhinhos aqui assim. E eu estava fazendo um documentário, estava filmando tal, para televisão. E eu falei para ele: "Puxa, mas como o senhor vê a vida?". Ele olhou, ele começou a chorar, entende. Gente, eu pensei que o cara era um tremendo jagunço, que matava gente que nem galinha. Pô, o cara começou a chorar e falou assim para mim: "A gente não tem nada aqui, seu dotô, a gente não tem nada. A gente só vê a poeira passar com o vento, a gente vente às vezes que fica um pouco escuro, a gente come só um pouquinho de uma comida tal aqui, que é sempre a mesma coisa". Falta o quê? Falta o conhecimento para ele poder sair para o mundo! Sair para o mundo! Um homem daquele, que fez o que Deus mandou. Mandou o quê? Casa e tenha filhos. Não abusa, mas tenha filhos (risos). Não vai ter 20, tenha uns 3 ou 4, está bom. Então, fez tudo direitinho, trabalha na roça, vai buscar água no poço lá embaixo. Nossa, mãe dando banho em criancinha assim novinha, a mãe dando banho. Eu falei: "Mas meu Deus, dona, a senhora sabe que está dando banho nessa água barrenta, que a sua criança vai pegar uma doença qualquer, ela pode morrer?" "Ah, mas Deus é quem manda, seu Caloi. Deus é quem manda". Então, se vocês fizerem isso, se vocês mostrarem para as pessoas, falarem com as pessoas, elas vão entender melhor as possibilidades da vida.
P/1 - Está certo, então, a gente agradece a sua presença aqui, essa sua entrevista.
R - Que é isso, muito obrigado. Obrigado eu, é uma oportunidade que eu tive. A minha mulher falou: "Poxa Calogero, você não é um cara que fala muito desses negócios". Mas eu achei que foi ótimo e vocês deviam realmente crescer, conversar com o SESC no sentido de apoiar vocês e tudo, né? Quem é a pessoa que está no SESC que cuida dessas coisas?
P/2 - No SESC é a diretora que planeja as exposições, diretora cultural. Obrigado pela participação.
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