Depoente: Angelina Guizi Correa
Entrevistado por: Valéria e Marina
São Paulo, 10 de dezembro de 1993
Entrevista nº 023
P - Angelina, eu gostaria que antes que a gente começasse você dissesse o seu nome, quando nasceu, a data do seu nascimento, onde nasceu e o nome dos seus pais...
P - Meu nome é Angelina Guizi Correa. Eu nasci a três de fevereiro de 1939 em Nova América, é uma cidade perto de Araraquara. O nome dos meus pais é Dário Guizi, e Anésia Rosa, nascidos lá também e...
P - Vamos falar um pouquinho da sua infância, como era a sua cidade, o seu bairro, o...
R- A gente morava no interior mesmo. Meus pais eram colonos, trabalhavam na roça. Era difícil porque o colono naquela época, sabe que eles recebiam só no fim do ano, isso quando a plantação dava. Quer dizer, eu era pequena ainda, mas isso me marcava muito pelas dificuldades dos meus pais, financeiramente, né? Até eu me lembro de uma coisa que me marcou muito, o primeiro sapato que eu calcei eu tinha quatro anos. Então por aí você pode sentir as dificuldades que meus pais tinham. Nós éramos sete irmãos, eu era menor, sempre fui doente, muito doente. Tinha aquele problema, aquele, aquela... Daquele verme, sei lá, que provocava... É solitária como dizem, né? Então eu tinha muito problema de ataque, e com todas as dificuldades que meus pais tinham, Eram muitos problemas comigo, né?
P - Você disse... Seus pais eram colonos?
R - Colonos.
P - Era uma fazenda?
R - Era, trabalhava na fazenda.
P - Fazenda era de quê?
R - Café, plantação...
P - Naquele tempo já havia muita dificuldade...
R - Demais, demais.
P - Você enquanto criança, quer dizer, para criança não perceber essas dificuldades, né?
R - Eu não sei, eu acho que percebia muito. Porque essas lembranças que eu estou tendo, era quando eu era pequena de dois, três anos. Até quando eu ti...Continuar leitura
Projeto: História em Multimídia do São Paulo Futebol Clube
Depoente: Angelina Guizi Correa
Entrevistado por: Valéria e Marina
São Paulo, 10 de dezembro de 1993
Entrevista nº 023
P - Angelina, eu gostaria que antes que a gente começasse você dissesse o seu nome, quando nasceu, a data do seu nascimento, onde nasceu e o nome dos seus pais.
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P - Meu nome é Angelina Guizi Correa.
Eu nasci a três de fevereiro de 1939 em Nova América, é uma cidade perto de Araraquara.
O nome dos meus pais é Dário Guizi, e Anésia Rosa, nascidos lá também e.
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P - Vamos falar um pouquinho da sua infância, como era a sua cidade, o seu bairro, o.
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R- A gente morava no interior mesmo.
Meus pais eram colonos, trabalhavam na roça.
Era difícil porque o colono naquela época, sabe que eles recebiam só no fim do ano, isso quando a plantação dava.
Quer dizer, eu era pequena ainda, mas isso me marcava muito pelas dificuldades dos meus pais, financeiramente, né? Até eu me lembro de uma coisa que me marcou muito, o primeiro sapato que eu calcei eu tinha quatro anos.
Então por aí você pode sentir as dificuldades que meus pais tinham.
Nós éramos sete irmãos, eu era menor, sempre fui doente, muito doente.
Tinha aquele problema, aquele, aquela.
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Daquele verme, sei lá, que provocava.
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É solitária como dizem, né? Então eu tinha muito problema de ataque, e com todas as dificuldades que meus pais tinham, Eram muitos problemas comigo, né?
P - Você disse.
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Seus pais eram colonos?
R - Colonos.
P - Era uma fazenda?
R - Era, trabalhava na fazenda.
P - Fazenda era de quê?
R - Café, plantação.
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P - Naquele tempo já havia muita dificuldade.
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R - Demais, demais.
P - Você enquanto criança, quer dizer, para criança não perceber essas dificuldades, né?
R - Eu não sei, eu acho que percebia muito.
Porque essas lembranças que eu estou tendo, era quando eu era pequena de dois, três anos.
Até quando eu tinha quatro anos, e nunca quando eu ganhei aquele primeiro sapato.
Sabe, aquilo marcou.
E a dificuldade que eles tinham pra comprar roupa, comprar.
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Até por que a gente era em sete pessoas e quando chegava a época de natal meu pai comprava um guaraná.
Você vê o sofrimento que era, a luta que era, então quando eu tinha nove anos que a gente veio pra São Paulo.
A gente morava num rancho coberto de sapé em Duartina.
Esse rancho era bem pertinho da mata, uma mata virgem do governo.
E naquela época a minha mãe era muito doente.
Eu também tinha aquele problema daqueles ataques, então teve dois irmãos meus que vieram.
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Ah, meu irmão mais velho veio servir o governo como voluntário para poder sair da roça.
E depois o outro veio com ele, entrou na guarda civil.
Para trazer a gente pra São Paulo, para minha mãe poder se tratar no Hospital das Clínicas e também o meu problema.
Aí eles iniciaram na frente, trabalhando, este irmão mais velho carregando e descarregando navio nas docas, carregando navio e depois o outro meu irmão entrou na guarda civil este saiu das docas, entrou também na guarda civil, e trouxeram nós lá de Duartina.
Eu tinha oito, nove anos, nós fomos morar no Caxingui, perto do São Paulo.
Sem nada, eles alugaram uma casa, compraram umas coisas velhas.
Meu pai foi trabalhar de servente de pedreiro, meus irmãos entraram de cobrador de ônibus.
Começou a melhorar, meu pai comprou um terreno e depois a gente conseguiu construir nossa casa.
Eu também sarei, os médicos aqui.
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E começou a melhorar.
Conseguimos construir nossa casa, né?
P - Com quantos anos você veio pra São Paulo?
R - Nós viemos em 48, tinha nove anos, foi quando eu entrei na escola.
Que lá não tinha como, porque, como colônia, a gente mudava direto, né? Ia numa fazenda, ia na outra.
E devido à doença da minha mãe, tudo que meu pai fazia durante o ano quando ela ficava internada ela.
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Ele gastava tudo.
P - Nessa época da fazenda e das fazendas você se lembra de alguma brincadeira? Enfim, como vocês se divertiam.
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As crianças?
R - A brincadeira da gente no interior é.
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Boneca era espiga de milho, que tinha cabelinho.
Ou quando a mãe não fazia aquelas bruxinhas não tinha brinquedo.
Quer dizer, acho que com cinco anos, seis anos eu ganhei uma boneca, que quem acabou quebrando foi minha filha, né? Por que.
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Foi assim, a coisa mais linda, a gente fazia batizado, um vestia de padre, assim era muito gostoso, sabe?
P - Havia festas no interior das fazendas com os colonos? Porque existiam várias famílias de colonos.
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R - Não, muito pouco.
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Muito pouco, a gente morava num lugar meio isolado.
Não tinha.
Que nem quando viemos, o rancho que a gente morava era o único.
Até pra ir, quando a minha mãe ficava doente, minha irmã que cuidava da casa, ela tem acho que cinco, seis anos a mais de velha do que eu, ela nesse rancho pra lavar roupa, era no meio da mata, tinha uma mina, lá, né? Era então colocada.
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Então eu era pequena, então ela me colocava sentada em cima de uma pedra, pra ficar olhando, porque lá tinha muita cobra, então eu ficava sondando, porque quando eu via uma cobra a gente saia correndo.
Que lá, com essas cobras imensas saindo do mato.
Então essas coisas até marcou, porque eu era pequena acho que deve ter atingido muito, por que.
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Eu era pequena.
Eu lembro muito.
P - Bom, e já aqui em São Paulo.
Mais ou menos nove anos, né? Você tinha.
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Como era o bairro, a vizinhança?
R - Sim, se tornou tudo legal, o pessoal muito bom, tudo.
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Mas depois começou um problema de ter, outra coisa que me marcou muito também foi a luta por um teto.
Porque quando chegava a época assim, um ano, dois anos, sempre o dono queria a casa.
Então pequena ainda, eu falava: “Meu Deus.
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Como é importante ter um teto”.
Eu achava triste, quando meu pai saia procurando casa ele chegava em casa e não tinha encontrado.
Então eu falava pra minha mãe.
Não existe uma coisa mais importante, coisa melhor, que um teto.
Então isso é importante, então nós, quando comecei a trabalhar com quatorze anos, que eu entrei de trabalhar de caixa nesse armazém do Funaro Della Manna, que era no Largo de Pinheiros.
Então desde o primeiro pagamento eu comecei a guardar, porque aquele dinheiro ia ajudar meu pai a construir.
Então tudo, era tudo quanto é moedinha, sabe? Então, quando a gente conseguiu construir, então comecei a pensar comigo que o importante era eu ter também um terreno, por que um dia que meu pai e minha mãe chegassem a faltar eu ia ter um teto.
Eu nunca pensei em carro, eu nunca pensei em me arrumar, em me divertir, eu sempre pensei em ter alguma coisa.
Não ser rico.
Em ter um lugar aonde o dono não viesse pedir.
Aquilo me marcou, as vezes que meu pai teve que procurar casa.
Mas graças a Deus conseguimos ter a casa através dele.
E eu também consegui ter a minha casa, então isso aí marcou bastante, desde criança, dos nove anos.
P - Angelina, e na época da escola? Você se lembra dos momentos da escola?
R - Me lembro.
Eu entrei na escola com dez anos.
Eu era bem desenvolvida bem grande, né? E meu sonho era ser professora, sabe? Mas eu consegui com muito, muito esforço, sacrifício, até o quarto ano.
Porque tinha que fazer admissão e não tinha como, financeiramente.
Não tinha ninguém que pudesse pagar pra mim.
E onde eu morava era.
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Não tinha luz, na Vila Sônia, não podia estudar de noite.
E de dia tinha que trabalhar, eu comecei a trabalhar desde os quatorze anos, tinha de trabalhar.
Eu fui obrigada a deixar aquele sonhozinho, eu tive que deixar pra trás.
P - E de brincadeiras na escola, esse primário aí, você se lembra de alguma coisa? Como é que era a escola que você estudava, eram só meninas ou eram meninos e meninas?
R - Não, não era misto.
A primeira escola que eu entrei ali no Caxingui, porque você sabe, naqueles anos de quarenta para cinquenta eram pouquíssimas escolas, né? A gente estudava num quarto, era um quarto que era a escola ali do Caxingui na época, mas era tudo seguro de pau a pique, pra não cair.
Então, quando formava tempo, a professora dispensava todos porque estava sujeito a cair.
Quer dizer, depois foi construída a escola grande até onde, do terceiro ano pro quarto, eu já aproveitei a escola nova.
Não tinha carteira, todos sentavam no chão, todos, mas deu pra aproveitar.
P - Como é que era a escola em si? O estudo.
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As professoras eram bravas?
R - Era bastante enérgica.
Mas, sei lá, eu estudava com tanto amor.
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Eu sempre fui.
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Tenho a letra muito legível, eu gosto bem redondinha, então a professora sempre me escolhia pra fazer o caderno de ponto, porque naquela época não tinha todo esse.
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Era um livro só, né? Então ela mandava eu fazer o livro de ponto dela.
Porque ela gostava da minha letra.
P - E o livro de ponto era a chamada?
R - Era o livro.
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Os pontos que ela passava.
Porque era tudo passado na lousa, não tinha os livros como tem agora, só tinha um livro do, do.
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Não é como agora.
E, quando eu comecei, a diretora queria que eu fizesse admissão ao ginásio, mas foi justamente quando surgiu essa vaga no armazém.
Que a minha irmã trabalhava, ela se casou, e não podia perder aquela vaga porque não tinha condições mesmo de pagar o ginásio, não tinha mesmo.
Então meu pai era servente de pedreiro, meus irmãos também, já foram casando, minha irmã casando, então eu era a última, e que tinha que enfrentar pra ajudar, né? Para ajudar a construir a casa.
P - Isso você tinha quatorze anos?
R - Quatorze anos.
R - Foi seu primeiro emprego.
R - Foi.
P - Você trabalhou em algum outro emprego?
R - Não, eu trabalhei de 53 a 63 nesse armazém.
Depois eu casei em 61, né? Em 63 eu tive a Valéria, aí o armazém estava querendo terminar a firma e eles me chamaram em acordo, e eu achei bom porque a Valéria não era uma criança muito sadia, ela tinha muito problema de ouvido.
E ela não pegava mamadeira, e eu tinha muito leite, sabe? Então eu parei de trabalhar pra poder amamentar ela, e como eles tinham chamado em acordo eu parei em 63.
Aí eu tive o Vagner, né? O Vagner foi uma criança que me trouxe bastante preocupação porque ele não tinha espaço para o cérebro, foram.
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Naquela época o Dr.
Orestes Barini operou ele, tinha sido o terceiro caso no Brasil.
Ele nasceu sem moleira, então foi um corre-corre muito grande, porque não existia médico que pudesse operar pelo convênio, dinheiro a gente não tinha que o meu marido, que era da guarda civil, ganhava pouco na época e eu não tava trabalhando.
E com esse problema tão grande, e com esse problema tão grande.
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E depois o diretor do hospital da guarda civil ficou sabendo que a gente estava enfrentando esse problema porque o meu caso, o caso do meu filho, passou a ser um caso bonito perante os médicos.
Em todos os lugares que eu ia eu já estava sendo esperada.
Um médico comunicava com o outro, do meu caso, era só falar da Angelina, mãe do Vagner, os médicos já vinham ao meu encontro.
Ai esse diretor procurou a gente e pediu que a gente procurasse um amigo dele, Dr.
Orestes Barini, que ele ainda deve fazer cirurgia, ele era um neurocirurgião e era professor nas Clínicas.
Aí eu fui nas Clínicas, teve a junta médica, mas não podia operar lá porque ele não podia ficar sozinho, porque o espaço do cérebro já estava pequeno, e ele tinha que estar comigo direto, ele já estava atacando o sistema nervoso dele.
Aí eu fui e falei com Dr.
Barini.
Ele me animou muito, e falou que ia operar pelo convênio nosso, que era da guarda civil.
Ele foi mesmo, e na época ele deu toda esperança do mundo pra nós.
Ele disse assim que a gente podia ficar tranquilos, que ia sair tudo bem.
E logo começou a tomar Gardenal, pra não ter perigo de convulsão, e o Vagner foi operado dia dois, ele tem vinte e sete anos, dia dois de maio.
Ele tinha um ano e quatro meses na época.
Levou cinquenta pontos.
Ele serrou a cabecinha dele inteirinha.
Abriu os dois lados, quer dizer o tampão da cabeça deu espaço pro cérebro, e três dias depois ele estava de alta.
Quer dizer, depois de três anos o Doutor Barini me deu alta, tanto dos calmantes, e disse assim pra mim que tinha acontecido um milagre, ele não tinha esperança, ele arriscou, mas que o milagre aconteceu, sabe? Meu filho, eu falo sempre, até quando ele se formou na faculdade eu fui, primeiro convite, eu fui levar pro Dr.
Barini, eu disse assim que ele pôs mais inteligência na cabeça dele porque ele entrou com seis anos na escola.
Com dezenove para vinte ele recebeu diploma da FAAP, economista.
Então foi uma pessoa, assim, de uma inteligência fora de série.
E depois do Vagner eu tive a Vânia.
E o Vladimir também.
A Vânia foi uma menina assim, também, que foi uma grande história.
Ela nasceu, ela tinha, estaria com vinte e seis anos agora, mas faleceu faz dois anos.
Minha filha nasceu com uma infecção a vírus, lutei muito pela vida dela, lutei bastante mesmo, foi aquela pessoa que veio com uma missão, ela com a missão e eu com a missão de mãe.
Minha filha com nove anos foi ligada à droga.
Foi uma daquelas, não sei se você se lembra aí que os bandidos se infiltraram nas escolas, nas portas das escolas.
Para aproveitar aquelas crianças carentes.
Pra passar a droga.
E, minha filha foi uma dessas.
Quer dizer, que ela era meiga, muito delicadinha, com sete anos ela teve meningite então era uma menina que me preocupava muito mesmo.
Que ela era carente, aquela carência que vem de dentro.
Não que não dava carinho, mas aquela carência que vem do ser humano, que nasce com o ser humano.
E com doze anos quando foi, sem eu saber, já estava trabalhando no São Paulo, quando minha filha fugiu de casa.
Eu vi que ela se demorou da escola eu fui atrás e fuça aqui, fuça ali com amigos.
Quando eu descobri eles tinham infiltrado minha filha na droga.
E eu sei que ela tinha ido pra cidade.
Então ela não veio aquela noite, ela foi localizada no dia seguinte, ela estava no parque Dom Pedro escondidinha atrás de um vaso.
Totalmente drogada.
Quer dizer, usaram e abusaram dela, e quando eu a encontrei que eu fui fazer levantamento de tudo, fui a luta, enfrentei uma guerra porque minha filha era perfeita.
Eu era perfeita, minha filha era perfeita.
Olha eu sei que na busca do, do.
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Tudo, eu sei que tinha muita polícia infiltrada no meio pra preparar minha filha para o tráfico.
Sabe, muito mesmo.
Eu lutei muito com unhas e dentes e consegui tirar minha filha do mundo cão.
Que eu falava que aquele era o mundo cão.
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Eu falava que aquele era o mundo cão, sabe? E consegui tirar, quando com os dezoito anos, você sabe, cada ser humano tem o seu destino traçado e ninguém foge dele.
Com dezoito anos minha filha conheceu um rapaz.
Apaixonou-se por ele, sem eu saber, sem a família dele me avisar, sabendo que minha filha era uma pessoa convalescente de droga, porque o jovem drogado, mesmo que ele se recupere, ele está sempre em convalescência, ele está sempre no perigo de tornar a cair.
E a família dele não me avisou, minha filha entrou pra ajudar.
Só que ela foi fraca, ela entrou na droga novamente, aí já era cocaína injetável.
Eu continuei lutando, minha filha foi internada.
Fugia dos hospitais e ficou internada na Clínica Maia, depois foi internada no hospital da Polícia Militar, fugiu também do HPM, quer dizer, a ansiedade pela droga era muito grande, muito desesperador.
E nesta última internada aí eu falei pra ela que era ela minha filha ou era.
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Aí quando ela fugiu, que eu consegui localizar ela, meu marido, nesta época, fugia muitas vezes de estar do meu lado, mas eu enfrentava de pé firme, Deus na minha frente.
Sem vacilar, porque ela era a minha filha e eu era responsável por ela, então, quando ela fugiu a última vez, aí meu marido veio pra casa, porque ele estava em Ubatuba.
Eu falei pra ela: "Vânia, você, ou vai com teu pai ou para o hospital, só que você vai ficar em camisa de força por ordem minha por que o mundo cão não, o mundo de Deus sim”.
Aí ela foi com o pai pra Ubatuba, ficou lá uns quinze dias, voltou com outra cabecinha, sabe? Mas o menino um pouquinho fraco, não tinha toda aquela resistência.
E talvez a mãe não tinha aquela preparação espiritual como eu tinha.
Aquele desespero pra tirar do mundo cão, tinha mudado minha filha, mas depois de uns meses o Hospital ligou, ela tinha pegado o vírus da AIDS.
Os dois, estavam iniciando, tinham iniciado uma nova vida, mas o destino deles estava traçado ali, quando eu a vi muito triste.
Ela já estava trabalhando no Banco Itaú, tinha mudado completamente, ele também.
Tinha encontrado um motivo de viver os dois, mas a notícia do hospital, desmoronou.
Aí voltaram a droga, e eu falei pra ela: "Vânia, porque?".
Ela falou: "Mãe não há mais o amanhã".
Aí eu a vi tão assim, eu insisti e ela se abriu comigo.
Ela falou: “O HIV deu positivo”.
Na época me deu um bloqueio muito grande, eu fiquei uma semana sem comer, eu estava trabalhando, não parei de trabalhar, até um dia me deu, assim, eu chorei.
Me deu aquela pensão muito grande no São Paulo, que o Doutor Sanches.
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Que ele é médico de lá, eu me senti muito mal então ele: "Angelina vem aqui, se abre, põe pra fora, o que está te machucando.
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”.
Porque na hora que eu soube eu.
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Meu desespero foi muito grande, o pavor da rejeição.
Eu perdoo tudo, eu perdoava tudo, menos que alguém da minha família a rejeitasse.
Então eu segurei aquilo comigo.
E ela, nem os irmãos, nem meu marido.
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Doutor Sanches foi o primeiro que conseguiu fazer com que eu falasse, sabe? Aí eu falei pra ele o que estava acontecendo, aí ele falou assim: “Você tem que ter uma pessoa amiga, você tem de botar pra fora, você tem que chorar, você tem que se abrir, porque não pode acontecer isso”.
Aí procurei Deus.
Procurei Deus e naquele desespero era como se Deus mostrasse pra mim a palavra, eu procurei a filosofia Seicho-No-Ie, sabe? Fui lá, como se eu renascesse, e comecei, que no mundo criado por Deus a AIDS não existe.
Que a doença não existe, que Deus criou tudo perfeito, e isso aí me manteve bem, e manteve minha filha bem.
Até quando Deus determinou, quando chegou a hora.
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O Marcelo começou a ter problema cardíaco, porque eles não paravam de usar a droga.
Sabe, não paravam.
Eu cobria tudo, as contas, os cheques, as coisas.
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Tudo eu cobria, falava assim: “A minha filha é perfeita, não importa que passasse fome, minha filha é perfeita”, sabe.
E então ela.
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Ele começou a ter problema de coração.
E um dia ele saiu do hospital que ele estava internado, ela quis ir pra Ubatuba, passar uns dias por lá, porque ela também já estava sendo, já estava abaixo a resistência, ela já tinha tido uma pneumonia muito forte.
Aí ela foi pra Ubatuba, chegou lá, acho que a mudança de ar.
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Ele teve uma parada cardíaca e, nessa parada cardíaca, ela levou um choque muito grande, deu meningite nela.
Aí eles vieram pra São Paulo.
Conseguiram, meu marido conseguiu através de massagem, de isso aquilo fazer voltar.
Aí ele veio, ficou no hospital, aí ela começou com dores de cabeça, dores de cabeça, dores de cabeça, aí ela foi internada, constatou meningite e nessa meningite deu uma lesão cerebral, então ela foi paralisando aos poucos.
Eu não consegui, em vida, ver, assim, a minha filha naquele mundo de Deus maravilhoso, mas consegui no fim, ela se purificou de tal maneira, que no dia que partiu eu senti tanta força, tanta convicção da minha missão cumprida, que eu não senti vontade de chorar, entende? Ela partiu assim, em uma manhã, ainda ela conversou comigo, com o pai, ficou super feliz com o pai, porque ele é da polícia aposentado, e ele tinha recebido uma promoção.
E ela sorria de ver o pai ter subido, acho que era subtenente, não sei.
Aquilo foi uma glória pra ela, e ela tinha uma carência comigo tão grande que não sei como, eu pousava no isolamento do Hospital da Cruz Azul que era uma coisa rigorosa, mas sabe a minha força era tão grande que eu conseguia, sabe, eu conseguia, era como se não fosse eu, e sim uma força sobrenatural que estava acontecendo, sabe, até o dia que ela partiu.
Foi dia dezoito de agosto de 1991, de manhã meu marido estava lá, e na hora que ela partiu estávamos nós dois, né? Aí ela começou a sentir aquela convulsão, nós chamamos um médico.
O médico: “Está chegando o momento”.
Então eu de pé firme, sem vacilar, sem chorar, falei pro meu marido: "Ponha tua mão em cima do coração da nossa filha e vamos orar".
Então eu orei.
Falei um pai-nosso, um ave-maria.
E na hora que eu disse as palavras: "Deus, há vinte e três anos atrás me deste, com todo amor eu recebi, com todo amor eu a devolvo", ela fechou e parou, como se desligasse a televisão.
Foi assim, uma coisa que muitos médicos disseram que tinha muito relato pra passar, porque por momento nenhum eu chorei.
Eu fui falar com a enfermeira, eu falei: "Minha filha partiu".
Aí outra disse: "A Vânia já está com o pé frio, não percebeu que estava".
Eu falei: "Não minha filha, o pezinho da minha filha ainda está quente, ela apenas partiu prum lugar onde não existe a AIDS, onde não existe problema, onde existe só amor”.
E eu fui a intermediária desta ida maravilhosa.
E, depois da missa também, ela deixou o padre na.
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Uma mensagem ela disse pra ele que se Deus a desse um tempo, pra ela pregar aquela mensagem sobre a AIDS, sobre a droga, que ela passava pra ele.
E no dia da missa do sétimo dia ele passou a mensagem dela.
Não teve uma pessoa da igreja que não chorou porque foi uma mensagem de muito amor.
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Entra na inocência do mundo cão, e não sabe que a vida é tão rápida.
P - Angelina, depois da Vânia.
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R - Teve o Vladimir.
O Vladimir.
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Grávida, eu já tive grávida.
Grávida já estava no São Paulo, foi quando entrei no São Paulo.
Foi no dia quine de dezembro de 1970, nessa época eu tinha começado a construir, meu marido.
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A gente conseguiu comprar um terreno.
E tinha começado a construir, sabe? Em 1970.
Só que não tinha mais como continuar a construção, então, minha mãe era viva nessa época, ainda ficou de.
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Ela falou pra mim que olhava as crianças pra mim.
Eu tinha a Vânia, a Valéria e o Vagner, todos os três pequenos, e eu falei: “Vou procurar serviço? Eu.
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Como eu só trabalho de caixa, eu vou procurar uma limpeza porque num vai esquentar minha cabeça”.
As crianças me davam muito trabalho, e foi quando eu fui procurar serviço no São Paulo.
Até, eu estava tão sofrida, tão tímida, que eu sentia vergonha de procurar serviço.
Eu convidei minha vizinha, a Irene que é minha vizinha até hoje, que fosse comigo procurar.
Aí nós chegamos lá na portaria, até foi a Dona Rosa, uma funcionária já falecida, ela que perguntou se a gente estava procurando serviço, e eu falei que sim, ela falou, chamou a gente pra entrar, foi muito gentil, que era só aguentar um pouquinho que o chefe descia.
O chefe daquela época era o senhor Ismael.
Ainda ele brincou comigo, ele falou que lá era muito difícil.
Ainda eu falei pra ele: "Ó, estou procurando serviço não estou procurando descanso".
E eu falei pra ele: "Eu estou construindo e não tem cômodo".
Aí ele falou: “Mas eles num estão pegando mulher casada, porque pode surgir gravidez”.
Aí eu falei: "De jeito nenhum, isso pode ficar descansado”.
Qual foi a surpresa dele que dois anos depois eu apareci grávida.
Aí quando eu vi que eu estava grávida fiquei desesperada, falei: "Agora o São Paulo vai me mandar embora, meu Deus do céu, como é que eu vou construir a minha casa?”.
Porque cada dinheiro que eu recebia, eu entrei ganhando 190 cruzeiros, em 1979.
Eu fiz meu marido abrir crediário num depósito.
Aquele dinheiro ia empatando, porque meu sonho, desde criança era ter uma casa.
Então de três em três meses.
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E qual não foi minha surpresa quando eu fiquei grávida.
Então disse: "E agora? Como vou esconder do Sr.
Ismael?".
Me escondi, mas teve uma das colegas que não aguentou e contou pra ele, porque eu engordei muito rápido, sabe? Então cada vez que eu via o senhor Ismael eu me escondia, aí um dia eu entrei na cozinha e eles estavam tomando café da manhã e eles começaram a rir, quando eu entrei.
Aí eu falei assim, eu sempre fui muito brincalhona, aí, eu falei: "O que é que aconteceu? Qual foi a piada?" Aí uma delas disse assim: "A piada é você!".
Eu falei: "Ah, é, por quê?".
Ele falou.
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Aí o senhor Ismael disse assim: "Angelina, para de se esconder de mim, ninguém vai te mandar embora, você é uma ótima funcionária, deixa o nenê aparecer".
Aí, sabe, eu fui aceitando, até eu engordei demais! Que elas pensaram até que eu ia ter dois.
Com seis meses o senhor Ismael queria que eu entrasse de licença, eu falei: "De jeito nenhum, não posso entrar de licença.
Quando eu tiver terminado a licença o nenê não nasceu".
Aí eu fiquei.
Começou o final do campeonato, as outras funcionárias voltavam.
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Faltavam.
Eu não faltava porque eu tinha pavor de sair do São Paulo.
Eu não podia imaginar eu sem estar trabalhando no São Paulo.
Então, até o marceneiro me fez um cabo de rodo bem comprido, sabe? Porque eu não podia abaixar, eu engordei dezessete quilos.
Então não tinha como abaixar e eu não podia dar a entender para eles que eu não estava aguentando.
E aí eu entrei de licença.
Terminou o jogo um pouco antes do Natal, o último jogo, quando foi depois do Natal eu entrei de licença.
Dia vinte e dois de janeiro o Vagner nasceu, quer dizer, então até que voltei de licença não tinha começado o jogo, sabe? Ai eu voltei, quer dizer, nunca.
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Eu nunca tive uma falta no São Paulo, sabe? Em 75 eles estavam com problema, que naquela época o escritório era na Ipiranga e só tinha uma telefonista no estádio, era um PABX pequeno, tinha só cinco linhas com uns dez ou doze ramais e só tinha uma telefonista, era a Mercedes.
Eles tinham que por ela de férias e não tinha outra e eles não queriam contratar outra só para o período de férias.
Então, o Doutor Rupino, que era o engenheiro da época me chamou, perguntou se eu não queria aprender.
Eu era muito faladeira, eu brincava demais, eu cantava o tempo todinho, quem queria encontrar Angelina, procurava nos banheiros que eu estava cantando.
P - Você entrou como faxineira?
R - Servente.
Porque eu achava que era a única coisa que não ia me esquentar a cabeça, aí eles perguntaram se eu queria aprender no telefone pra outra telefonista entrar de férias.
Como eu adorava comunicação, eu nasci pra comunicação, eu falei: “Se vocês me derem oportunidade em dois dias, sabe, ela pode tirar férias”.
Ela tirou as férias.
Aí, quando ela voltou, tranquilamente eu voltei pro meu serviço da limpeza, quando ela tinha que.
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Quando tinha jogo que ela saía pra jantar, eu ficava no PABX e quando ela voltava eu subia pra tomar conta dos banheiros, porque tudo que podia entrar de serviço no São Paulo eu estava.
Quando chegava o carnaval, meu Deus, eu não podia me ver longe do São Paulo.
Eu queria participar, não importava o que ganhasse.
Eu vendia mesa, eu trabalhava.
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No banheiro não.
No carnaval, quando era no ginásio antigo, eu vendia mesa com o pessoal da gerência.
Depois, teve um ano no carnaval que eu trabalhei na segurança, a polícia não pôde mandar PM mulher para fazer revista.
O tenente Vítor Ramos, trabalhava na segurança.
Nessa época eu já era telefonista, eu falei: "Vítor eu preciso trabalhar no carnaval.
Pelo amor de Deus, eu quero trabalhar no carnaval, eu estou precisando".
Mas não era tão pelo dinheiro, era uma ansiedade que eu queria estar lá, sabe? Porque eu vim a conhecer carnaval no São Paulo.
Eu nunca tinha visto carnaval, que eu era muito religiosa, era filha de Maria, então fazia retiro nos conventos.
Eu não conhecia carnaval.
Eu vim conhecer carnaval no São Paulo.
Então, nesse ano, eles me puseram pra fazer revista nas mulheres, sabe? Então o pessoal da diretoria falou: "Angelina".
Daí o que eu falei: "O que importa é participar, é estar aqui, fazer parte do São Paulo”.
E até hoje.
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No último carnaval, eu servi os camarotes.
Eu saio do telefone e vou trabalhar no baile, eu sirvo os camarotes da diretoria, sabe? Eu durmo lá no chão, para no dia seguinte às sete horas estar no telefone.
Eu fico lá, sabe? Saio quatro horas do baile e fico lá até seis, sete horas, vou para o telefone.
O importante é participar, estar no carnaval com eles.
Nunca pulei, mas é estar lá, sabe, e quantas vezes quando a cozinheira não podia, tinha reunião da diretoria.
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Há uns bons anos atrás, quando a sede do São Paulo ainda era no Ipiranga, eu saía do telefone, eu subia pra cozinha, fazia o café, colocava nas garrafas, colocava garrafa de água, ia para o salão de reunião.
Quando tinha reunião do Conselho, da diretoria, ficava até uma, duas horas da manhã lá servindo café, servindo água.
Até o doutor Marcelo Martines, que agora é diretor de marketing, naquela época, se eu não me engano, ele era diretor de futebol, ele brincava.
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Ele falava: "Angelina você está em todas?”.
Eu falei: "Estou! O único lugar que eu ainda não fui foi secretária”.
Ele falou: "Você vai ser minha secretária".
Ele brincava muito comigo, é.
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Eu falava assim: "Ah, a choque não".
Ele fala: "Você vai ser minha secretária".
E assim era aquela convivência de amor, carinho, quer dizer, em todo lugar a Angelina sempre procura estar, na lavanderia.
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Teve um carnaval, uma coisa muito importante, não lembro o carnaval que foi.
Deu um temporal muito grande e era no ginásio velho, e o lugar que estavam as toalhas do carnaval descobriu e molhou tudo.
E a única pessoa que estava no São Paulo era eu.
Ai o seu Andrade, já falecido, ligaram para ele.
Ele ficou desesperado: "Angelina, o que você pode fazer por mim, pela gente?".
Eu falei: "Posso agir?".
Ele falou: "Pode".
Aí ei fui, peguei o motorista, fui buscar um sobrinho do Brasilino que tinha a chave da lavanderia.
Esse sobrinho dele foi buscar o Brasilino em casa.
O Brasilino veio.
Falei assim: "Fica comigo, vamos ligar as máquinas".
Sequei todas aquelas toalhas, liguei a calandra, passei as toalhas.
Questão de duas horas, as toalhas estavam preparadas para o baile que eu também ia trabalhar.
E aí o seu Andrade nunca esquecia isso.
Ele falava sempre pra mim: "Angelina, o São Paulo te deve muito".
Falei: "Deve nada, foi tão bacana, foi tão importante.
" Mas mesmo assim me deram, ele me deu.
Ele fez questão de me dar uma gorjeta, sabe? Então, são coisas assim que são gratificantes, não é bem? Que nem quando aconteceu isso com a Vânia.
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Eu entrei de licença, eu faltei quarenta e nove dias, depois que passou a missa, que eu voltei ao trabalho, eu procurei o seu Hélio, procurei o senhor Gino, que é meu chefe, eu quis cobrir aqueles quarenta e nove dias, e tinha uma telefonista que ia sair de férias, eu falei: "Eu faço os dois períodos, eu faço o meu horário da manhã, venho fazer o dela da noite e eu garanto pra vocês que em trinta dias os quarenta e nove dias estão cobertos”.
Aí o Doutor Rodrigo, que era o diretor da época, ele disse, assim, que eu não devia nada pro São Paulo e o São Paulo devia pra mim.
Quer dizer, eles não quiseram, não descontaram nem um dia, né? E foi muito bonito quando, no dia que a Vânia faleceu, a primeira ligação que eu recebi no hospital, no velório, foi do Doutor Pimenta.
Ele estava viajando com o.
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Com o São Paulo.
O São Paulo ia para o exterior, não lembro que cidade foi, e ele deixou o São Paulo à minha disposição.
Avisou a Terezinha, que era secretária da época, que o que eu precisasse o São Paulo estava aberto, tanto financeiramente, tudo.
E.
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Mas graças a Deus, que ele deu, pra gente não precisar financeiramente.
Quando foi na missa, no sétimo dia ele estava, ele foi, sabe, o diretor também.
Me deram todo carinho, todo amor, sabe? Uma coisa assim, que me preencheu muito, né? E ali eu percebi o quanto eu fui querida, o quanto eu sou querida no São Paulo.
P - Angelina, eu queria voltar um pouquinho: você falou que casou e tal, mas falou muito rápido, você já começou a falar dos seus filhos.
Eu queria que você contasse do seu casamento.
Como que você conheceu o seu marido? A situação.
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R - Meu marido? Por incrível que pareça eu conheci por telefone, por isso que eu falo para você que eu nasci pra telefonista.
Eu tinha uma colega, que ela tinha um namorado, né? Quer dizer, ela tinha assim.
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Eles eram amigos.
Mas eu era, era muito direita, muito brincalhona, enfrentava tudo de cabeça erguida, mas de uma honestidade fora de série, porque eu era presidente das Filhas de Maria da época, então eu não podia vacilar, mas isso não empatava de eu ter amizade com ela e tudo.
E um dia, ela.
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Queria sair com o namorado dela e o namorado tinha um amigo, e eu estava sem namorado na época, isso foi em.
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Em 59, por aí, né? Então eu falei para ela assim: "Vê se ele tem um colega aí, nós vamos passear juntos, nós vamos para o cinema juntos".
Aí, ela arrumou, esse.
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Esse amigo dele, né? E eu sei que depois eu ia acabar conhecendo o Aristeu no apartamento dela.
Eu estava em casa, eu comecei a pensar: "Angelina, não pisa na bola.
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Meu Deus, conhecer um rapaz, logo no apartamento, o que ele vai pensar de mim, como que eu vou expor a ele a minha responsabilidade como presidente das Filhas de Maria.
Não posso”.
Aí, eu falei: "Sabe de uma coisa, uma mentirinha a mais não vai fazer mal".
Aí eu telefonei pra ela avisando que tinha chegado em casa, que tinha chegado uns parentes em casa e que minha mãe não podia.
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Não queria deixar eu sair, né? E não fui.
Aí nisso o Aristeu viajou, que o Aristeu na época era noivo, para você ver como que era, ele era noivo em Rancharia, né? Aí depois quando ele chegou, ele me ligou.
E a gente pegou um carinho muito grande por telefone.
Aí um dia eu combinei com ele, eu falei assim: "Eu quero te conhecer, mas eu e você".
Na rua, né? Quer dizer, eu não falei pra ele na rua, mas eu quis dizer.
Aí nós marcamos dia quatro, eu nunca esqueço isso aí também, dia quatro de abril, e frente ao Mappin, sabe? Aí, eu falei como eu ia, ele também deu.
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Naquele dia eu fui me arrumar, fui à cabeleireira, eu era muito vaidosa, gostava de andar muito bem arrumada, sabe? Ainda eu falei brincando pra a cabeleireira: "Capricha, porque estou indo conhecer meu marido!".
Por isso que a força da palavra tem muita.
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Né? Ela falou: "Por que?".
Eu falei: "Claro, vou conhecer meu marido hoje".
E fui.
Chegou lá, eu fazia um jeito, assim, parecia ser um moço forte, alto.
Quando eu conheci ele era magrinho, e eu não simpatizava com homem magrinho, eu gostava mais de homem cheinho, sabe? Falei: “Meu Deus do céu, mas como é magrinho” - eu falei - “ah, mas engorda, né?”.
Aí logo que.
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Ele me convidou pra ir ao cinema.
Eu falei.
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Aí, eu fui franca com ele.
Eu falei: “Ó Aristeu, eu não fui te conhecer aquele dia lá na casa da Débora.
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Da Delma, porque eu.
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Eu sei que você sabe que os dois vivem juntos, e eu não queria que você fizesse mau juízo de mim.
Por isso, eu quero já te esclarecer, não tenha ousadia além de um namoro, se sim tudo bem, se não fica por aqui”.
Ai, fomos no cinema, ele.
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Começou aquele liga pra cá, liga pra lá, sabe? E quando, foi um belo dia, eu descobri, através de um amigo dele, ele começou a jogar umas indiretas que.
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Que ele tinha compromisso, né? Mas eu não queria que eu.
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Chegasse.
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Que sempre que eu arrumava um namorado, ou era noivo ou era casado, e eu falei assim: “Será que eu não vou conseguir arrumar a parte da minha maçã?”.
Então, aquelas indiretas do amigo, eu fiquei bem na minha, me aguentando, que lá vinha já alguma coisa errada.
E quando foi um dia na.
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Ele me ligou dizendo que tinha uma coisa muito importante pra me contar.
O nosso encontro era.
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Eu conto pros meus filhos, eles dão risada.
Era no.
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Ou na Praça da República ou no Teatro de Alumínio, não sei se vocês se lembram, você não, mas a senhor se lembra, né? Que tinha lá na Praça da Bandeira, Teatro de Alumínio.
A gente ficava lá até tarde da noite.
Era gostoso, não tinha o que tem agora, assaltante, não tinha nada não, e naquele dia, então, ele começou a querer me falar alguma coisa, sabe? Então eu falei assim: “Aristeu, você é casado? Não, você tem algum compromisso?”.
Então, comecei a jogar, eu não queria chegar no.
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No.
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Aí até que ele se abriu.
Eu falei assim: “Olha, Aristeu, tudo bem.
Eu não vou me.
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Não vou ficar chateada, tudo bem.
Eu não vou me.
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Não vou ficar chateada e nem vou desmanchar com você, faz isso: eu te dou um mês de prazo, mas vamos continuar namorando como nada tivesse acontecido.
E se durante esse mês, você achar que deve continuar comigo, você vai desfazer o compromisso e vai entrar, falar com meu pai e com minha mãe, porque eu já estou cansada de ser chamada a atenção”.
Porque minha mãe, meu Deus, ela só faltava me matar quando eu chegava tarde, porque, naquela época, dez horas era tarde pra uma moça entrar, agora não, mas naquela época era.
Ai, você sabe que uma semana depois, a namorada dele devolveu a aliança e uma cartinha que estava desfazendo o compromisso.
Nesse dia menina.
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Nossa.
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Ele me ligou e falou: “Angelina, vamos festejar!”.
Nós fomos.
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Até essa foto eu podia ter trazido, essa eu tenho, né? Nós fomos num restaurante aí na.
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Na São João, sabe? Ele falou: “Hoje eu vou tomar todas que eu tenho direito e hoje mesmo eu vou entrar e falar com seu pai”.
Porque foi uma liberdade pra ele, porque ele estava com vergonha de chegar na casa dos pais dela e desfazer o compromisso, e a gente começou a namorar.
Nós namoramos três anos e ele era técnico de rádio e televisão, mas ele não conseguia montar uma oficina e aí eu falei pra ele: “Aristeu, a polícia.
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”.
Estava pegando, em 60.
Para 60 não estava contratando policial.
Meu irmão era policial, aí eu incentivei ele, porque vi que ele estava sem.
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Eu falei: “Desse jeito nós não vamos casar nunca”.
E eu estava desesperada pra casar logo, porque eu estava apaixonada por ele, né?
P - Quantos anos vocês tinham?
R – Vinte e três anos quando eu casei.
Agora, quando eu comecei a namorar, eu tinha vinte.
Aí ele entrou na Guarda Civil, e depois.
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Eu trabalhava num armazém, quer dizer, aí eu já comecei a guardar.
Ele guardava, e a gente casou em 1961.
P - Como é que foi esse tempo de namoro? O que é que vocês.
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Era bem diferente? O que é que vocês faziam, passeavam?
R - Passeava, ia para o cinema.
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Como ele saía mais tarde do serviço, eu trabalhava no Largo de Pinheiros, saía as seis, senão.
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Sempre pegava lotação, que naquela época tinha muita lotação, né? Eu ia para o serviço dele, porque naquela época ele trabalhava na Rua Frei Caneca, e depois a gente ficava ali no Teatro de Alumínio, namorando ali, batendo papo.
Depois eu pegava ônibus, ia pra casa.
Ele morava na Pompéia na época e foi assim, a gente saía era trinta dias e trinta e um.
Trinta e um dias nós namorávamos.
(risos) Quer dizer, três dias bonitinho dentro de casa, os outros dias a gente se encontrava, ia para o cinema, a gente ficava batendo papo nas praças, né?
P - Por que três dias?
R - Ah, por que.
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Era quinta, sábado e domingo.
Porque mamãe não deixava ir na aula, tinha que dormir.
Ela não perdoava deixar nós sozinhos na sala.
Não, de jeito nenhum.
Aí, quando minha mãe chegava, não deixava pegar nem no dedinho, ela é muito assim, né? Ela era.
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Sabe minha mãe era uma pessoa antiga, que um beijo naquela época era só mesmo num lugar que não tinha ninguém.
Não tinha não.
Quer dizer, é tudo como é agora, mas não tão liberal, não é bem? Eu acho assim, que era mais gostoso.
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A juventude das décadas de 50.
Era mais gostoso, é que era gostoso assim, quando você ia num parque de diversão, colocar uma música para o namorado, aquilo era tão gostoso.
Agora não tem mais, né? Não pode mais ficar namorando no centro da cidade, aqui em São Paulo.
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Eu conto pros meus filhos, de vez em quando.
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Eu contava, a gente ficava até tarde da noite na Praça da República.
Até tarde, até dez, onze horas da noite, tranquilo, você não via ninguém roubando ninguém.
Não existia, então era gostoso a São Paulo daquela época, que agora é difícil você andar na cidade, você anda apavorada, naquela época não.
Naquela época qualquer lugar era de respeito.
Uma moça ficar grávida naquela época, amor de Deus, era novidade, o bairro inteiro ficava sabendo.
Agora já não, né? Falo muito, hein? (risos)
P - É, você.
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Você falou.
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Procurar um emprego no São Paulo, porque no São Paulo, você morava perto, e.
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R - Eu moro perto, foi a.
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Essa minha vizinha Irene, primeiro a que fomos procurar emprego.
Foi numa creche que até agora estão meus netos, onde eu pus o Vladimir, na creche maravilhosa, comandada pelo Colégio Santo Américo, até agora vai ser só da prefeitura, né? Mas uma creche assim, que a gente pode deixar os filhos com todo carinho.
P - Quantos netos?
R - Eu tenho um casalzinho, né? Era três da Vânia.
A Vânia teve uma menininha, a Bruna, né? Mas a Bruna nasceu com o vírus.
Mas ela durou três meses, ela não pôde pertencer a esse mundo, que era muito linda, eu falo que Deus quis pra ele.
Uma boneca, e.
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Então, quer dizer que eu fui primeiro a essa creche, eu tinha a Vânia pequena, a Vânia tinha dois anos e eles não quiseram me pegar por que em todos os lugares não pegava mulher que tinha criança porque achava que faltava.
Por isso eu dei um exemplo, vinte e três anos de São Paulo Futebol Clube.
Nunca uma falta no meu cartão, nunca.
Nunca recebi um holerite com uma falta, bem.
Espero que, que eu ainda fique bastante tempo no São Paulo, tanto tempo no São Paulo, porque eu falo pro meu marido: aposentadoria jamais vai entrar na minha cabeça.
Porque a hora que aposentadoria entrar na cabeça do ser humano ele morre.
Porque ele passa, ele.
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Ele deixa a sua mente envelhecer, e eu não quero jamais deixar minha mente envelhecer.
Que o tempo dá os desgastes no nosso corpo, isso é super natural, porque a gente vai girando e o tempo vai passando, né? Então, mas eu procuro manter sempre a minha mente jovem.
Eu falo assim, muitas vezes pode existir uma ferrugenzinha do tempo, mas a minha mente é jovem, como eu acabei de entrar no São Paulo Futebol Clube.
E nunca, nada, por nenhuma ligação, me irritou por mais besteira as pessoas falam, por mais besteira que as pessoas falam.
Nada me irrita.
Eu estou sempre alegre e brincando.
P - Você é torcedora do São Paulo? Não?
R - Eu amo o São Paulo Futebol Clube, eu torço pelo São Paulo, eu vivo do São Paulo, eu pertenço ao São Paulo, mas se você perguntar o número da camisa dos jogadores eu só sei a do goleiro.
Eu não entendo nada, eu informo tudo sobre o jogo, mas eu nunca assisti a um jogo.
Quando o São Paulo está jogando, da minha casa eu escuto o barulho da torcida, então eu sei se é uma final, eu sei qual o clube tem mais torcida.
Então, pelo eco, eu sei quem marcou gol, então eu ligo: “Quem foi? Quem foi? Pelo amor de Deus”.
Muitas vezes não deu tempo nem de a telefonista saber: “Me liga pra cabine de som.
Quem foi? São Paulo? Aí, então tá bom”.
Eu não faço em casa, eu fico naquela tensão, então, pelo barulho, ultimamente, quando é final, eu não estou trabalhando, eu trabalho de manhã.
Na hora do jogo eu estou em casa.
Se meu genro liga a televisão ou liga o rádio, eu saio de perto, eu fico muito tensa, entende? Eu acho que aquele desespero que me dá pode prejudicar, eu estou com a mente negativa, então minha mente tem de estar positiva, então é assim, sabe? Eu vibro, eu torço e sem assistir.
Agora, por exemplo, quando admiro os outros times, eu acho bonito, sou contra a violência da torcida.
Que nem eu falo, a torcida devia, assim, participar, um cumprimentar o outro.
Seu time venceu, aquele perdeu.
Cumprimentar aquele que venceu, porque todos são seres humanos, todos têm um clube pra torcer.
O gosto.
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Cada pessoa tem o seu livre arbítrio para torcer, para querer, para gostar.
Um não deve xingar o outro, todos devem se amar.
Se o São Paulo não jogou bem e o outro venceu, meus parabéns.
Eles não mereceram, eles têm de lutar, tudo pra ir a frente.
Bom, então é assim que eu vibro, assim que toda torcida devia fazer do esporte algo gostoso, sair todos alegres.
Camisa do São Paulo, camisa verde, camisa preta e branca, quer dizer, todos unidos, todos alegres, brincando, porque muitas famílias, que nem na minha casa, eu sou são-paulina, meu genro é são-paulino, a minha filha é corintiana, meu filho é corintiano, então é uma coisa que é diferente.
Falei muito.
P - Não, imagina, está ótimo.
Eu queria que você falasse um pouco mais do seu cotidiano no São Paulo.
Você começou a trabalhar já no Morumbi ou no Ipiranga?
R - Não, comecei no estádio.
Quando comecei no estádio, ainda não tinha tido a inauguração total que foi em 70 e ainda não tinha os camarotes, estava tudo em construção.
E ali, onde é a sede agora, era tudo lugar que ainda não tinha sido limpo, até que fui eu quem estreou a primeira limpeza, fui eu, que a gente chamava Solitária.
Muitas vezes o pessoal brincava que lá tinha aqueles diretores que já tinham falecido que vinham, então quando alguma porta batia, a gente ficava meio assustada: “Acho que ele chegou, acho que ele chegou”.
E então, eu até pouco tempo, as outras mulheres às vezes sentavam e eu sempre fui uma pessoa muito apavorada de perder o São Paulo, muito assim, e então eu não tinha esse negócio de sentar para.
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Não, eu entrava, batia meu cartão e estava à disposição do São Paulo.
Eles faziam comigo o que eles queriam, me mandasse aonde mandava, pra mim estava bom.
Agora no telefone eu entrei dia vinte e nove de março de 1976, que eu assumi o cargo de telefonista, e eu acredito que nesse dia as muitas da limpeza gostaram, porque eu não tinha negócio de não fazer direitinho.
Quando eu falava que era pra caprichar eu via aqueles troféus, tudo brilhando, até eu brincava muito com um troféu que o São Paulo ganhou da inauguração, se não me engano era um navio com Benfica de Portugal.
Eu acho que o São Paulo jogou.
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Não foi a inauguração do estádio? Então eu limpava, então eu falava assim: “Terra à vista, vamos navegar!”.
Eu acho.
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Até que ele estivesse brilhando, brilhando, eu não ficava sossegada.
Eu adorava ver aquele navio brilhando, sabe? Gostava quando eu ia limpar o salão nobre.
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Então ele falava assim: “Pelo amor de Deus, não me passa mais cera, porque você ainda vai ser culpada de algum diretor cair aqui”.
Porque tinham os conselheiros de idade, né? “E se eles caírem você é a culpada”.
Não, porque eu gostava de tudo como um rio, sabe? Tudo brilhando.
Então ele falava, ele proibia: “Angelina, pelo amor de Deus, não me passe mais cera”.
Mas aquilo pra mim era tão lindo, ver tudo brilhando.
Quando era pra dar um capricho naquele salão de troféus.
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Ah! Era comigo mesmo.
P - Além de trabalhar no São Paulo como telefonista, você faz alguma outra atividade?
R - Em casa?
P - Em casa ou fora, associação, assim, você vai ao Seicho-No-Ie, não?
R - Sim, eu sou adepta a Seicho-No-Ie desde sete de julho de 88.
É, acho que esse sete de julho de 88 foi o dia que eu internei a Vânia no Hospital da Polícia Militar.
Quer dizer, então, eu acho que foi assim que eu fui chamada pra lá, pra ser preparada por Deus pra passar tudo que eu passei.
Eu sou adepta à Seicho-No-Ie.
Toda quinta-feira tenho minha reunião.
Eu era também da Ordem Rosa Cruz, mas fui obrigada a me afastar devido ao tempo que eu não tinha.
Eu levanto cinco horas da manhã e.
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Que meu filho sai seis horas pra ir para o trabalho.
Eu entro as sete no São Paulo, seis e meia eu saio, porque eu acho assim muito, muito difícil Angelina bater cartão atrasada.
Eu não gosto de dar ousadia pra ninguém, sabe? É sete horas, sete horas.
Eu procedo como se eu tivesse acabado de entrar.
P - Até que grau você fez na Rosa Cruz?
R - Até eu acho que o quarto.
Eu fui obrigada a parar depois de tudo que eu passei com a Vânia, não tinha mais como me concentrar.
Aí estou afastada, quer dizer, sou da ordem, mas ainda estou afastada.
E depois, devido à Valéria precisar trabalhar, eu trouxe ela morar comigo, pus os dois pombinhos na creche, então ela leva de manhã, à tarde eu vou buscar, então é bastante difícil com duas crianças eu estudar.
Então eu pratico a Seicho-No-Ie, porque a Seicho-No-Ie é uma filosofia mais fácil, é uma coisa assim que.
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É a vida.
Tudo que eu sou, a mente que eu sou, o que eu tenho pra passar, eu devo à filosofia, porque tudo no mundo tem solução.
P - Foi isso que transformou a sua maneira de encarar tantos problemas?
R - Sim, foi.
Eu.
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Por isso que eu falo, eu fui chamada por Deus porque minhas vizinhas todas eram Seicho-No-Ie e nunca, nem sequer me deram uma revistinha.
Eu fui num dia que eu estava desesperada, que a Vânia tinha fugido do hospital, eu peguei o evangelho de Alan Kardec e pus a mão, meu marido vinha vindo, ele vendo o problema tão grande que estava, ele entrou por uma porta, saiu pela outra e voltou pra Ubatuba.
Eu estava com a guerra na frente e eu era um general, e eu tinha que vencer, eu tinha que vencer, mas estava fraca, eu estava fraca.
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Então naquele momento eu orei, pedindo a Deus que eu estava tão só, mas que eu tinha a certeza que eu não estava só.
Que Ele estava do meu lado, e que só Ele que me podia resolver e que minha filha tinha que aparecer, daí a meia hora o telefone tocou, era do Jabaquara, de uma igreja de.
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Evangélica.
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Ela foi.
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A atenção dela foi chamada pelo canto dos jovens, aí o pastor vendo que ela estava totalmente drogada, que ela fugiu do hospital, ela já ia pra favela, já ia.
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Você sabe, uma pessoa drogada, eles roubam, eles agem de toda maneira pra conseguir o dinheiro.
Ela já estava drogada, então ela procurou ajuda com esse pastor, e esse pastor me ligou, então eu disse a ele assim: "O senhor não é um pastor, o senhor é a voz de Deus que está me falando, é aquela voz que eu esperei através do evangelho".
Aí eu fui lá, voltamos, foi quando eu consegui pôr ela no hospital outra vez.
Não, essa aí foi quando ela fugiu da Clínica Maia, quinze metros de altura e então foi quando levei ela para o Hospital da Polícia Militar e ela pulou também.
Então foi quando eu tomei a atitude que a psicóloga seria Deus e que Deus estava na minha frente, que eu era filha Dele e ela era minha filha e eu ia lutar, não ia internar mais.
Foi quando eu consegui, até o vírus da AIDS aparecer no pedaço.
P - A senhora frequenta até hoje?
R - Até hoje, eles me deram a maior força, ao ponto de eu quase nunca pronunciar “morte”, porque na minha mente a morte não existe, existe apenas uma passagem do nosso corpo carnal para um mundo espiritual, um mundo superior, aquele mundo que a gente não vê porque nós somos mortais, então nós não temos contato com esse mundo que está na minha mente, sabe? E não é uma coisa que eu falo da boca pra fora, é o que eu vivo, é o que eu sinto.
Que nós temos um corpo emprestado e que nós temos que cuidar dele.
Há quinze dias, eu me conscientizei do meu dever como filha de Deus e que eu estava abusando de um corpo que é emprestado, que não é meu, que Ele me emprestou e que eu estava poluindo com o cigarro.
Me conscientizei, não peguei mais.
P - Há quinze dias?
R - Quinze dias.
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Vinte e tantos anos eu fumava, mais de um maço por dia.
Conforme o problema mais cigarro.
Conscientizei, falei: "Eu sou filha de Deus, por que eu tenho que ter vício? Como que eu posso dobrar meu joelho pra pedir sua misericórdia se eu sou uma viciada no cigarro?" É um vício igual à bebida, igual à droga, igual a qualquer coisa, é um vício.
Me conscientizei da minha imperfeição.
Muitas vezes eu sinto, assim, que eu vou pegar o cigarro, mas eu digo: “Não, eu parei, Angelina, não caia em vacilo, não se vacila, você parou”.
E não sinto vontade.
Não sei onde eu joguei o cigarro.
É aquela força da mente, entende.
Então é essa que me mantém de pé, mantenho a Vânia viva.
Até um ano sempre a recebia através de sonhos, não meus, de outras pessoas, mensagens dela.
Recebi uma mensagem por escrita, que ela está bem, que ela brincou um pouco, e quando ela tiver ordem de voltar, que ela vai terminar uma vida melhor, mas que ela está bem, sabe? É assim que eu vivo, é o dia todo que.
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Desde as cinco e meia, cinco horas da manhã até dez, onze horas da noite, é a minha vida todo dia.
P - Você tem algum sonho ainda, assim, pra realizar?
R - Sim, tenho firme que com a força positiva eu chego lá.
É construir a casa dos meus filhos, porque está na minha mente ainda a importância do teto.
Me aposentei, não sei que estou aposentada.
Não pego um tostão do que recebo porque a casa dos meus filhos vai ser construída, entende? Então eu falo pra eles: “Esta é uma etapa e Deus tem que me dar força porque eu quero em vida ver construída”.
P - Pra concluir, o nosso tempo já tá esgotando, eu queria te perguntar, você acha importante deixar gravado o seu registro aqui? A sua história de vida vai fazer parte do Museu do São Paulo, você acha importante?
R - Você acha que toda minha experiência, toda minha luta vai servir pra alguém? Assim, principalmente sobre a droga, sobre a AIDS, você acha que vai servir, está à sua disposição, bem, porque aquilo que eu digo, é.
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A pessoa que tem.
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Muitas vezes falam pra prevenir a AIDS, tudo bem, quantas vezes eu escutava, esperava na televisão uma palavra de apoio, de amor pra quem está com a AIDS.
Você está entendendo? O desespero daquela família que enfrentou o que eu enfrentei, porque a minha família só participou da AIDS um pouquinho antes da minha filha partir, porque o pavor que eu tinha da rejeição, você acha que isso está certo? Não.
Eu dormia com a minha filha.
Eu cuidei da minha neta com todo carinho.
Pelo amor de Deus que alguém falasse em rejeição, imagina.
Eu não, eu acho isso, a.
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Se isso pode servir pra alguém? É ajudar as pessoas que estão.
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Porque existe a ignorância da rejeição.
Eu consegui manter a minha filha viva, manter bem, ela não viveu a AIDS porque eu não deixei, quando ela vacilava, eu dizia: "No mundo de Deus isso não existe.
No mundo, minha filha, a gente tá aqui numa longa estrada”.
Cada pouco termina pra um.
De novo vai algum de vela.
Não escapa nenhum, é a lei da criação, é a lei do mundo, não é? Quer dizer, então a gente parte, volta.
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Acredito na reencarnação, quer dizer, no retorno, no término da sua dívida, por isso que eu falo sempre, eu sempre que vou ajudar alguém, eu gosto muito de ajudar, eu ajudo muito a LBV, ajudo a Casa André Luiz, entende? Então, cada vez que eu ajudo uma pessoa, eu sinto na minha mente que eu estou pondo mais um tijolo no meu palácio, aquele palácio que ninguém vê, só Deus.
P - Não tem alguma coisa que você gostaria de falar e não disse ainda?
R - Minha vida é uma história, não é filha? É aquilo que eu sempre disse e eu muitas vezes, e agora até tinha que você falou, esse dia de eu vir aqui, eu falei assim: “Angelina está na hora de você pensar em você”.
Porque eu não lembro que eu tenho que comprar sapato, eu não lembro que tenho que comprar roupa, eu não lembro que eu tenho que cortar um cabelo, eu não lembro.
Eu lembro dos meus filhos.
E naquele dia que você falou, eu falei: “Meu Deus, Angelina pô, você se diz jovem tá, tudo bem, então vá cortar seus cabelos, vai se cuidar um pouquinho”, sabe? Então, eu senti, por que.
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Sabe? Eu sou uma pessoa assim que eu vivo muito a parte espiritual.
A importância minha é o amor.
Porque eu falo sempre: não existe lei maior.
Porque o amor assim, não é o amor entre um marido e uma mulher, o namorado e a noiva, não.
O amor em tudo, numa planta, num animal, na natureza, o amor em todas as coisas.
Só essa lei vigora e pode endireitar o mundo.
Só, mais nada.
Porque nós nada levamos.
Nós levamos uma roupa se os outros colocarem, se não como a gente nasceu a gente vai partir.
Então só a lei do amor que vale e é por essa lei que eu vivo, entende? Por isso que eu falo assim, eu me sinto uma pessoa diferente porque eu vivo só o amor.
P - Então obrigada.
R - Nada, desculpe se eu falei muito.