Projeto: Centro de Memória das Comunidades Quilombolas de Paracatu
Depoimento de José Raimundo Oliveira
Entrevistado por Nataniel Torres (P/1) e Izabel do Carmo Alves Oliveira (P/2)
Paracatu, 26 de novembro de 2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número PCSH_HV1176
P/1 - Gostaria que o senhor falasse o seu nome completo, sua data de nascimento e onde o senhor nasceu.
R - Nome completo: José Raimundo Oliveira. Data de nascimento: dia 06 de outubro de 1962. Nascido em Paracatu, Minas Gerais.
P/1 - Qual é o nome dos seus pais?
R - O meu pai, Raimundo Ferreira de Oliveira. Minha mãe, Maria Antônia José Oliveira.
R - E com que eles trabalhavam?
R - O meu pai trabalhou de carpinteiro, depois de serviços gerais no DER. Depois, de motorista de caminhão. E a minha mãe era do lar, só trabalhava em casa mesmo.
P/1 - Os seus pais moravam na cidade ou eles estavam lá na comunidade? Como é que é essa essa história deles?
R - Os meus pais moravam já na cidade. Eles casaram e vieram pra cidade. A época de infância da minha mãe foi no Pontal. O meu pai era de Papagaios. Ele veio pra cá junto com o pai dele, o meu avô Durval Ferreira de Oliveira. O meu avô trabalhou no transporte de veículos, quando o rio Paracatu fazia a travessia dos veículos que vinham de Brasília pra Belo Horizonte, Belo Horizonte pra Brasília, tinha que passar em uma balsa. Meu avô trabalhou nessa balsa durante um tempo. Trabalhava pra fazer o serviço de pedreiro e carpinteiro também. É isso aí. O pai da minha mãe morava e trabalhava lá no Pontal, mexia com lavoura, criação de porco, de galinhas.
P/1 - Quando o senhor nasceu, a sua família já tava, os seus pais já estavam residindo aqui na cidade, em Paracatu?
R - Já moravam aqui na cidade. E aí, por ele trabalhar no DER... Eles trabalhavam fazendo pontes. Naquele tempo, era fazer ponte de madeira, lavrado tudo a mão, machado… Era aquelas madeiras muito grossas e meu pai era muito bom pra fazer...
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Depoimento de José Raimundo Oliveira
Entrevistado por Nataniel Torres (P/1) e Izabel do Carmo Alves Oliveira (P/2)
Paracatu, 26 de novembro de 2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número PCSH_HV1176
P/1 - Gostaria que o senhor falasse o seu nome completo, sua data de nascimento e onde o senhor nasceu.
R - Nome completo: José Raimundo Oliveira. Data de nascimento: dia 06 de outubro de 1962. Nascido em Paracatu, Minas Gerais.
P/1 - Qual é o nome dos seus pais?
R - O meu pai, Raimundo Ferreira de Oliveira. Minha mãe, Maria Antônia José Oliveira.
R - E com que eles trabalhavam?
R - O meu pai trabalhou de carpinteiro, depois de serviços gerais no DER. Depois, de motorista de caminhão. E a minha mãe era do lar, só trabalhava em casa mesmo.
P/1 - Os seus pais moravam na cidade ou eles estavam lá na comunidade? Como é que é essa essa história deles?
R - Os meus pais moravam já na cidade. Eles casaram e vieram pra cidade. A época de infância da minha mãe foi no Pontal. O meu pai era de Papagaios. Ele veio pra cá junto com o pai dele, o meu avô Durval Ferreira de Oliveira. O meu avô trabalhou no transporte de veículos, quando o rio Paracatu fazia a travessia dos veículos que vinham de Brasília pra Belo Horizonte, Belo Horizonte pra Brasília, tinha que passar em uma balsa. Meu avô trabalhou nessa balsa durante um tempo. Trabalhava pra fazer o serviço de pedreiro e carpinteiro também. É isso aí. O pai da minha mãe morava e trabalhava lá no Pontal, mexia com lavoura, criação de porco, de galinhas.
P/1 - Quando o senhor nasceu, a sua família já tava, os seus pais já estavam residindo aqui na cidade, em Paracatu?
R - Já moravam aqui na cidade. E aí, por ele trabalhar no DER... Eles trabalhavam fazendo pontes. Naquele tempo, era fazer ponte de madeira, lavrado tudo a mão, machado… Era aquelas madeiras muito grossas e meu pai era muito bom pra fazer essas vigas de ponte. Ele trabalhava muito bem, era muito cuidadoso trabalhando nessa área lá. E aí, com isso, trabalhando no DER, nós moramos na zona rural, ali próximo de Unaí. O local lá chama-se Bebida. É uma regiãozinha que o DER fez. Lá tinha muitas casas. Tinha uma rua assim e uma outra rua que seguia paralela à Rodovia que ia pra Unaí. Então, esse ‘L’ de rua era feito com várias casas de alvenaria e meu pai morava lá até o tempo de nós começar a estudar. Quando foi pra nós começar a estudar, ele veio pra Paracatu.
P/1 - Você lembra dessa época que o senhor tava lá? Seu Zé, você lembra
como era o lugar, como era sua vida lá, que que você fazia? Porque você era muito pequeno, né?
R - Era pequeno, mas lembro de tudo. A casa onde meu pai morava, que nós morávamos, era a que vinha paralelo, transversal à rodovia. Do lado esquerdo dela, era uma lagoa. Do lado aqui de cima, era do lado de Unaí, ____, era uma fileira de casas. De cá, tinha uma lagoa muito grande. E beirando a lagoa, tinha uma hortaliça muito grande também, uma cultura de horta, horticultura. E era um lugar até muito agradável, bacana. Eu era criança, mas lembro de tudo.
P/1 - Você era pequeno, mas tinha suas atividades. O que você fazia?
R - As atividades era ficar dentro de casa mesmo, porque a gente não podia sair porque os pais ficaram preocupados por causa da lagoa. Criança e água é risco, né? Então a gente ficava dentro de casa, brincava dentro de casa, brincadeira de dentro de casa mesmo.
P/1 - Aí você falou que tinha a rodovia que estava no meio do caminho entre
um e outro...
R - É, a estrada que ia pra Unaí, ela não era asfalto, era estrada de terra, porque naquele tempo era atoleiro. Na época de chuva, era buraco. Na época de seca. E naqueles tempos lá, era assim: estrada de terra. Mas beirando a estrada pra Unaí, era uma fileira de casa e fazia o ‘L’ pra cá, pro lado esquerdo, sentido Unaí, outra fileira de casa, onde nós morávamos.
P/1 - Nessa estrada que o senhor tá contando, na época, ainda nem passava carro, não era um lugar de carros?
R - Não, era na década de 60.
P/1 - Quando passava alguma coisa lá, era mais cavalo, carroça, esse tipo de coisa?
R - É, nessa época, o pessoal utilizava até carro de boi, né? Tinham pessoas que utilizava. Tinha um campo de futebol, o pessoal jogava lá também, né? Eu me lembro ainda que - era criança, mas me lembro - o pessoal do DER fazia aquelas valetas... Hoje faz com retroescavadeira, naquele tempo, faziam aquelas valetas pra canalização de água com manilha, manilhamento, e era buraco fundo mesmo, muito profundo. Eu era menino, mas a gente, às vezes, ia pra lá ficar olhando eles trabalhando. E a gente via que chegava a encobrir assim de altura o buraco, sabe? Aquele tudo na mão. Hoje não, hoje tem as máquinas, com facilidade. E naquela época, eles ‘engarravam’ pesado mesmo, meu pai, trabalhando junto no trecho - eles falavam trecho -, trabalhando junto com... Na verdade, lá eles chamavam de acampamento, porque tinham as casas feitas por...
P/1 - Esse lugar que o senhor tá contando, ele chamavam de acampamento?
R - É, lá na Bebida, Acampamento do DER, entendeu?
P/1 - Mas todas as pessoas ali trabalhavam nessa função ou em funções adjacentes, ou não, tinha gente que não era necessariamente ligado a esse trabalho?
R - É, lá tinha o pessoal do DER e tinha várias outras casas, dos fazendeiros, de pessoas que moravam lá por perto, entendeu? Então lá formava-se uma comunidade. Tinha um pessoal que não trabalhava no DER, que tinha suas casas lá, mas tinha o pessoal que trabalhava no DER também.
P/1 - O senhor lembra como era o costume, as tradições daquele lugar? Porque aí tinha um pessoal que trabalhava no DER e tinha esse outro pessoal que era da comunidade também. Eles seguiam alguma tradição ou não, pessoal era mais afastado? Como é que funcionava na época?
R - Pessoal de antigamente é um povo que são pessoas muito humildes. E as pessoas humildes, geralmente, são amigas. Às vezes, não deixa surgir até as confusões que poderia acontecer, às vezes nem acontecia porque as pessoas, pelas suas humildade, tinha mais amor umas com as outras, dedicavam mais uns com os outros. Às vezes, faltava arroz na casa dum, outro ia lá, emprestava, depois devolvia… Era assim. Às vezes, um matava uma galinha, cozinhava e tal, tirava um, dois pedaços pro vizinho mais chegado. O pessoal tinha uma vida de união. Todo mundo, um se preocupava com o outro. Um adoecia, o outro tinha aquela preocupação, tá ajudando, sabe?
P/1 - E nessa época tinha festas no lugar, não tinha? Porque como tinha essa união, vocês dependiam pra essas coisas do dia a dia um do outro, e dava pra depender porque as pessoas, como o senhor tá falando, eram mais unidas. Como era na hora das festas, rolava, acontecia ou não acontecia, como é que é?
R - Assim, algo de divertimento que eu me lembro é de um joguinho que eles tinham lá, se eu não estiver enganado, é Maia que eles falavam.
P/1 - O jogo chamava Maia?
R - É. Eles utilizavam disco de ferro e um pino, eu era criança, talvez não saiba explicar direitinho, mas a...
P/1 - Mas conta como você lembra, que é o que a gente quer ouvir. (risos)
R - Eles utilizavam uma chapa de ferro redonda, um círculo, e aí eles colocaram um pino lá na frente, e tinha aquele negócio de jogar. Era estrada cascalhada e tal, não era um... Até esses tempo tava olhando esse jogo na televisão, em algum lugar. Eles brincavam quando era de tardezinha, depois do serviço, parava de serviço, aí tinham o costume de reunir algumas pessoas e fazer as marcações, e brincava de Maia. Acho que era Maia. Isso mesmo, Maia é o nome da brincadeira que eles utilizavam lá.
P/1 - Que legal!
R - Colocava o pino assim e vem com aquele disco de ferro, aí jogava.
P/1 - Para acertar no pino?
R - Pra jogar no pino. Aí tinha as pontuações, que eu não sei explicar. (risos) Essa questão de pontuação aí, não sei explicar nadinha, né?
P/1 - Mas as pessoas competiam entre uma e outra, mas era um momento de diversão, assim?
R - Era diversão. E também lá tinha futebol, tinha um campo que o pessoal jogava bola e...
P/1 - Enfim, era a hora da diversão também. (risos)
R - É. E no mais, as cachaças.
P/1 - Sei. Era a diversão do povo lá na época.
R - É. Lá tinha um... Tinha não, existe um bar até hoje, antigamente eles falavam era uma “vendinha”, que vendia quase de tudo: fumo, bebida, alimento. Próximo dessa vendinha tinha um campo, não tinha grama não, era na terra mesmo, eles brincavam ali também, tinha um pessoal que gostava de bola e jogava naquele lugar. Meu pai nunca foi bom de jogar bola, então meu pai era mais quieto na questão de esporte. O pessoal se divertia assim. Às vezes tinha algumas festinhas também, mas eu não sei falar das festinhas, porque a gente não participava. Não ia.
P/1 - Então vou voltar só um pouquinho. Você chegou a comentar sobre sua avó ter morado no Pontal. Vamos falar um pouquinho sobre ela: a família da sua avó já tava no Pontal há muito tempo, você sabe alguma história de como se formou?
R - Eles nasceram e foram criados lá. Eles tinham as terrinhas deles lá também…
P/1 - Terra, você diz uma roça mesmo, um lugar? Era uma fazenda, uma chácara.
R - Era uma pequena porção de terra que eles utilizavam pra plantar, criavam algumas vaquinha lá também. E o interessante é que eu me lembro, sempre na época de férias de escola, meu pai e minha mãe liberavam a gente pra ir passear, e era dos lugares que a gente passeava. E lá a gente, eu me lembro da época de enchente, época de chuva, o rio enchia e transbordava. A terra do meu tio margeava com o rio, mas a casa deles era cá em cima.
P/1 - Lá é o rio Paracatu?
R - Rio Paracatu. Vocês passaram por ele, né?
P/1 - Sim.
R - E o rio enchia tanto que o meu tio ficava fazendo as demarcações pra ver se a água tava chegando, com medo da água entrar na casa dele.
P/1 - Porque ele ia controlando a quantidade de água, ele sabia que tava muito mais próximo?
R - É, porque dependendo da situação, eles tinha que sair, né?
P/1 - Nossa! Mas já aconteceu isso, seu Zé, deles terem que sair?
R - Não. Graças a Deus, não aconteceu, mas é aquela questão de vigilância. Vigiando ali, observando, porque às vezes chega de noite, você vai dormir e o rio enche, transborda mais, pode chegar na sua casa e depois você tem, fica em dificuldade. A minha bisavó já era bem velha, vó Emília. Me lembro dela. E aí eles tinham esse cuidado também por causa dela, porque já era velha e tal, você tem que sair de noite por causa de água, casa inundada. Então eles iam fazendo aqueles piquetes pra demarcar a velocidade que a água estava vindo, o tanto que ela estava vindo, se ela parou de vir, se ela tava continuando a vir. Era assim lá no Pontal.
P/1 - E aí essa sua bisavó que você tava contando agora, Dona Emília, ela ficou lá até falecer, ela viveu lá na comunidade?
R - Ela viveu lá a vida toda.
P/1 - E seus avós também, eles ficaram na comunidade desde o começo até a vida toda lá na comunidade? Ou não, eles saíram em algum momento?
R - A minha bisavó, ela ficou até a morte. A minha avó, a mãe da minha mãe, já mudou pra Paracatu.
P/1 - Então ela teve na cidade também um pouquinho.
R - É. O esposo dela faleceu, o pai da minha mãe, e as dificuldades e tal, filhos, crianças e tudo, aí veio pra cidade, com alguns filhos e... Até alguns filhos ficou com outras pessoas, pra ajudar na questão de criação, essas coisas todas, por causa das situações financeiras, aí eles mudaram pra cidade. Aí a minha avó até casou de novo, o marido dela até trabalhava no DER também.
P/1 - Sua avó já faleceu?
R - Minha avó faleceu também.Ela viveu muito tempo. Não tem muito tempo que ela faleceu. Tem uns 15 anos, né, Bel?
P/2 - É. Uma média de 15 anos. Ela participava das festas lá do Pontal e o interessante, você pode relatar, Zé, com muita propriedade, como eram essas festas. Eles se reuniam pra fazer, qual a forma que eles faziam as comidas típicas da região?
R - A bisavó pro lado da minha avó, a mãe da minha mãe, é outra. A outra bisavó que eu estava falando dela, é a mãe do pai da minha mãe. Então, a que estávamos falando, lá das enchentes...
P/1 - Que é a Dona Emília, que você tava contando.
R - É, a Dona Emília. Agora, a minha bisavó por parte da minha mãe era líder. Ela liderava na questão religiosa. Ela liderava uma procissão de São Sebastião. Todo ano ela fazia esta festa lá. Ela era assim: ela não tinha marido e não morava com ninguém. Essa bisavó, inclusive, ficava muito de favores ou então no serviço. Ela trabalhou, era uma ótima mulher assim de casa, de cozinha, essas coisas. Então ela trabalhou no Posto Tampinha, no Restaurante Zé Tampinha, que é um restaurante que hoje, quando você vem de cá do rio Paracatu, do lado de cá, tem uma construção antiga, parece que tá abandonada, mas tem gente que mora lá: ali era um restaurante. A minha vó trabalhou ali como cozinheira... Esta bisavó minha. E ela, todo ano tomava à frente desse trabalho, dessa procissão de São Sebastião e as pessoas ajudavam ela.
P/1 - As pessoas ali da comunidade?
R - É, da comunidade. Antigamente era um povo muito unido e o povo fazia juntamente com ela. Cada ano eles direcionavam pra um endereço diferente de pessoa tal, compadre de tal, Fulano tal, e fazia na casa de cada um. Porque ela não tinha casa dela, então ela ia conduzindo essa questão religiosa dela assim. E cada um fazia na casa de um. Era uma festa muito boa, ia muita gente, gente de tudo quanto é lugar que aparecia, pessoas lá de Lagoa Grande vinha pra participar. Pessoas de vários lugares daqui da cidade iam pra lá, e era uma festa muito animada, muito cheia de alimento.
P/1 - E ela cozinhava ou o pessoal cozinhava, como é que era? Porque ela tinha esse conhecimento que você falou, que ela trabalhava com isso.
R - Ela trabalhava com isso. Mas a questão na hora de cozinhar, aí já era todo mundo. É tipo mutirão, todo mundo junto, todas as mulheres ali: um pica o frango, outro mata o frango, outro limpa o frango, um cata o arroz, feijão e junto, todo mundo ali, faz a festa. Antigamente eles trabalhavam muito unido. Às vezes, um ia limpar o arroz do seu Fulano, juntava todo mundo lá e limpava o arroz dele. Depois ia pra casa do outro, pra terrinha do outro lá, pra cultura do outro, e limpava mais ele lá, na capina. E era assim que acontecia. O pessoal era um exemplo muito especial, assim eles demonstravam. Esse é um meio até de ensinar pra nós. Assim acontecia naqueles tempos.
P/1 - Aí você tava falando que na infância, aos finais de semana, mais nas férias, você ia de vez em quando pra comunidade. Porque você tava morando aqui na cidade com os pais, estudando, então não tinha tempo total pra ficar lá com os avós e nem na comunidade. Mas quando ia pra lá, quando eram as férias, o que você fazia lá? Como é que você aproveitava as férias lá na comunidade?
R - Lá na comunidade, nas férias, existiam vários períodos. Um período da minha adolescência, que já não era mais a infância, a gente ficava andando por ali nos mato, caçando marmelada madura, comendo fruta de cera. No fundo da casa da minha tia, tinha uns pés de fruta de cera. No matinho que tinha lá. Aí no mais, até me lembro uma vez, a gente brincava com uma coisa, mexe com uma coisa, mexe com outra. Uma vez foi até mexer com o pilão lá, aí eu tombei o pilão e ele caiu em cima dum pintinho. (risos) O pilão tombou, caiu em cima do pintinho e matou o bichinho. Aí eu escondidinho peguei aquele pintinho e joguei ele fora. Minha tia morreu sem saber disso. (risos)
P/1 - Não deram falta do pintinho depois? (risos)
R - Ah, não deu, porque as galinhas quando chocava, eram muitos pintinhos. Então ela morreu, nunca nem falei isso com ela. Mas como ia dizendo, a tia Antônia era muito boa, gostava muito de mim, eu sempre tava ali com eles ali. E lá a gente não tinha diversão, porque a gente, por exemplo, lá na casa dela, eu ficava sozinho, não tinha menino, não tinha colega nem pra conversar. E conversar com eles era quase que o nada, porque mexe numa coisa aqui, mexe numa coisa ali, vai moer um café, vai tocar um arroz. Naquela época o arroz era pilado no pilão, então às vezes não tinha nem tempo pra dar assistência pra você, pra conversar com a gente. Mas a gente ficava satisfeito de tá lá, tinha alegria de ir pra lá e ficava lá. A gente mesmo inventava os brinquedos, a gente mesmo ficava no canto da gente.
P/1 - E ficava um pouco com a vó também, ficava um pouco num lugar diferente, saia um pouco do mesmo esquema, do mesmo lugar.
R - Na verdade, eu ficava mais na casa da minha tia, porque na casa da minha vó já era um pouco mais distante, e eu ficava mais era cá. De vez em quando, eu ficava lá com a minha avó também, a minha bisavó.
P/1 - E aí nessa, você contando, que morava na cidade, como era a cidade nessa época? Como era Paracatu? A gente falou um pouquinho da comunidade, e a cidade, como era? Ela era grande como é agora?
R - Paracatu não era grande como é agora, era pequena, né? Mas era uma cidade que não era tão pra trás. Era uma cidade que tava mais ou menos. Tinha escola, até ensino médio. Já não era como na época dos meus pais, que escola era muito difícil. Até pra estudar eles tiveram dificuldade, mas estudou, aprendeu a ler e a escrever, não são analfabetos. E a cidade era escola e brinquedo depois do almoço, tá junto com os colegas, ia matar passarinho no mato, ia pescar, jogar bola nos campinhos.
P/1 - Então já tinha uma certa estrutura na cidade?
R - É. Já era algo mais evoluído, né?
P/1 - Você foi estudando, da infância pra adolescência, e a escola era próxima do lugar onde você morava? Como é que você fazia pra ir pra escola?
R - Tinha uma escola que era bem mais perto da minha casa, mas a gente teve uma opção de escolher uma escola um pouco mais distante, por a gente achar que era uma escola melhor. Essa escola que tinha lá perto da minha casa era uma escola muito fraquinha. Era uma escola cercada de arame... Na verdade, as outras escolas também, tinha algumas escolas que eram cercadas de arame, mas lá era uma escola muito fraca…
P/1 - Fraco, o senhor diz, o ensino da escola?
R - Não só o ensino, as condições físicas, tudo, sabe? Até mesmo as pessoas que estudavam lá, tinham mais dificuldade. Aí a gente optou por estudar aqui perto da Câmara dos Vereadores, Sérgio Ulhoa, escola que eu estudei, meus filhos estudaram, o meu neto tá estudando hoje lá também. Então a escola tem um diferencial. Uma escola que tinha uma mistura de pessoas, uma sociedade misturada: branco, negro, pobre, rico. Então, a gente estudou nessa escola...
P/1 - Aí, culturalmente também, acabava expandindo um pouco mais. A diferença é que às vezes nessas outras escolas, às vezes era o pessoal só ali da comunidade vizinha, então ela desenvolvia pouco.
R - É porque a gente a olho nu, a gente olhando, era uma escola fraca. O ensinamento era fraco, às vezes até os professores que tinham lá, por causa da cultura do bairro... Dirceu é um bairro pequeno, um bairro mais humilde. Tinha uma certa discriminação, porque os professores eram, a maioria deles, daqui do centro da cidade, e o pessoal do centro da cidade, às vezes se achavam diferentes ou melhor, coisas dessa natureza. Então eles tratavam os alunos de uma forma diferente. Com isso, a gente conseguia ver como fosse uma escola de um nível mais baixo.
P/1 - E nessa outra que o senhor estudou, aí era o oposto? O tratamento era melhor, a estrutura também da escola era melhor...
R - É, tudo... Sabe, onde diz o outro, onde se misturava o povo: pobre, rico, negro, branco, onde se mistura todas as pessoas, de todos os níveis, sabe que tende a ser diferente. Mas era assim.
P/1 - Aí o senhor estudou nessa escola até que época, até que ano?
R - Estudei até terminar o primeiro...
P/1 - Que é o ensino fundamental?
R - O fundamental.
P/2 - O fundamental. Sim.
R - Depois eu fui pro Polivalente. O Polivalente era uma escola bastante estruturada. Naquela época, tinha uma sala cheia de máquina de datilografia,que eram práticas comerciais; tinha uma estrutura de práticas industriais. Tinha até um tratorzinho pequeno. Tinha forno de assar objetos que a gente fazia de barro. Tinha aparelho pra trabalhar com madrinha, tudo elétrico...
P/1 - Nossa, que escola boa...
R - Então era uma escola exemplar.
P/1 - Aí o senhor entrou com facilidade nessa escola? Precisava fazer alguma prova, alguma coisa pra entrar ou não?
R - Não. Você tem que concorrer às vagas e às vezes tinha aquela questão de qual escola que você estudou antes.
P/1 - E como é que era seus pais em relação a essa coisa da educação?
R - O meu pai era muito dedicado. Ele inclusive mudou de lá da Bebida pra trazer nós pra estudar, porque ele tinha essa preocupação de dar aos filhos dele estudo. E nós, graças a Deus, estudamos. Tenho duas irmãs professoras, eu consegui passar no concurso da Polícia Militar de Minas Gerais, e meus irmãos todos… Tem um que é mecânico industrial, outro trabalhou de segurança na Kinross, muitos anos. E, graças a Deus, meu pai não tem o que reclamar.
P/1 - Vamos aproveitar, já que a gente está falando dos irmãos: quantos irmãos você tem, seu Zé?
R - Eu tenho sete, comigo 8, mas faleceram dois. Seríamos 10.
P/1 - Qual os nomes de todos eles, Seu Zé, você lembra? Ou dos que você lembrar do nome.
R - Tinha o Valdecir, que faleceu. Tinha o outro que faleceu, eu não me lembro o nome dele, que ele faleceu novinho mesmo. Ele nasceu e faleceu. Aí tem Valdemir, tem Divino, tem Carlos Antônio, tem José Raimundo - sou eu -, Marlene, Marislene, Marildete e Marizete.
P/1 - Como foi essa época da escola? Você entrou, viu que ela tinha essa estrutura e aí foi se dedicar?
R - Então, na escola, teve várias observações que a gente fazia, porque os professores eram muito dedicados, professores bons mesmo, que tratava a gente com muito carinho. Eu tenho uma professora minha, Maria Francisca, ela tem assim uma grande coisa comigo até hoje. Ela foi minha professora, eu era criança ainda, era muito novo e até hoje ainda tem muita coisa comigo e tal, e algumas outras professoras. Tive professora também que não foi muito bacana. Como diz: cultivar a unha pra arrancar pedaço dos alunos com a unha.
P/1 - Essas que não foram muito boas, o que aconteceu? (risos) Uma coisa que você lembre aí seu Zé.
R - Lembro de uma vez que uma das professoras deu umas reguadas no Haroldo... Arnoldo, o nome dele. Ele tinha uma certa dificuldade psicologicamente, ele sempre ficava rindo, e a professora parece que se implicou com ele. Aí qualquer coisinha, ela tinha uma régua dessa largura assim de madeira e ela chegava, dava umas reguadas nas costas dele. Então essas coisas assim, a gente fica marcado. Marca, né? Inclusive esse rapaz faleceu. A vida dele, o fim da vida dele não foi muito bacana. Foi muito triste a vida dele, mas é porque ele tinha deficiência. Mas essas coisas negativas eram o mínimo.
P/1 - Sim, mas teve as outras professoras boas que você tava contando, que até hoje são pessoas que te admiram, que você tem admiração também por elas.
R - A escola foi muito boa pra gente, a gente gostava de ir na escola...
P/1 - Como você era na escola? Você era um bom aluno, tirava boas notas?
R - Eu ficava entre o 7, o 6%. Às vezes eu tirava um 10. Não era tão dedicado.
P/1 - Em que matéria você ia melhor, em que matéria você tinha mais dificuldade, Seu Zé?
R - Eu gostava muito de matemática e português também, eu gostava. Gosto até hoje. Daí gostava também de física. Eu tinha mais facilidade pra aprender. Eu era preguiçoso nessas matérias que você tem que estar estudando: história, geografia. Decorar, essas coisas, eu já era fraco, porque eu chegava da escola, às vezes, ao invés de estudar, eu ia brincar. Então essas matérias são as que eu tinha mais dificuldade. Mas matemática, português, a gente já pega durante a explicação. Eu conseguia. Mas essas outras matérias que você tem que ir pra casa estudar, ler, decorar, eu tinha mais dificuldade.
P/2 - Sempre era na escola aguardando as férias, que vocês passaram no Pontal. E lá no Pontal também tinha época que eles faziam aquela pescaria, um tipo de pescaria que já era tradicional. Aí a gente gostaria também de saber esse relato de quando vocês iam de férias e era época dessa pescaria no Pontal.
R - Era época da “tinguijada”, no tempo da seca. No terreno do meu tio, tinha uma lagoa, o rio enchia e transbordava. Igual eu tava contando, eles faziam as demarcações pra ver o volume da água, e aí aquelas partes baixas de dentro da terra dele, transformava-se numa lagoa, uma represa. Represava a água e os peixes que vinham lá na cheia, ficavam ali. Tinha surubim, tinha dourado, colmatar, vários tipos de peixe. E aí na época da seca, essa represa-lagoa... Nós falamos lagoa, mas também represa. E aí na seca, ela secava. O meu tio marcava com o pessoal, a data certinha de fazer o resgate dos peixes pra alimentação. Nessa época, o pessoal, que eu falei que era muito unido, tudo que eles faziam, queriam fazer juntos. Aí essa tinguijada - chamava de tinguijada -, eles marcavam a data pra reunir o povo, pra cada um levar um pouco peixe, pra não perder lá dentro da água, e todo mundo tem a sua oportunidade.
P/1 - O senhor chegou a participar disso, era adolescente ainda? Quando participava das pescas e da tinguijada.
R - Eu participei. Eu tenho até a marca aqui da mordida de uma piranha, que ela me deu uma bocada aqui nesse dedo. (risos)
P/1 - Eita, seu Zé!
R - Tenho aqui a marquinha.
P/1 - Mas isso foi nessa época de adolescência, infância?
R - Foi nessa época.
P/1 - O que aconteceu? Conta pra mim, por favor.
R - É porque, assim, a gente ‘chucha’ o peixe, e aí a hora que eu fui tirar do ______, ela avançou e agarrou meu dedo aqui. Porque a piranha é esperta. Aí ela, PÁ! Mandou a boca aqui. Aí ficou a marca aqui e tal.
P/1 - Mas e aí seu Zé, ficou o peixe pendurado lá, como é que tirou esse peixe? Como é que foi? (risos)
R - Mas ele não ficou pendurado. Na hora que ela bocou, eu puxei e ficou a marca da dentaria dela aqui certinho. Tem até hoje aqui, ó.
P/1 - E isso foi lá na comunidade, tinha hospital, tinha alguma coisa quando acontecia coisa assim? Como é que era que acontecia?
R - Lá na roça, a gente só passa um pano aqui ó, coloca sal e tá resolvido o problema. (risos)
P/1 - Entendi. (risos)
R - Na roça é desse jeito, não tem esse negócio...
P/1 - De “corre pro hospital”. (risos)
R - Agora teve uma vez, logo que eu casei, até minha esposa foi comigo pra lá, pra gente ficar uns dias: aí o meu tio vendeu uma vaca, e o cara foi lá buscar - esse foi um fato que aconteceu também. Eu tava de férias...
P/1 - Esse foi um pouquinho mais recente, agora?
R - É, eu já tava na Polícia Militar, já era profissional da polícia. Aí a gente tava de férias e fomos pra lá. Aí ficou a marquinha aqui, tem uma marquinha ó. Essa aqui é de lá, da vaca.
P/1 - Nossa, seu Zé! Do que que foi? Ela te deu um coice, é isso?
R - Não. Eles laçaram a vaca, aí eu, na minha inocência, na minha ignorância talvez, garrei no rabo da vaca. E a grama molhada e a vaca me arrastando e eu segurei e tal. Aí só que eu bati naqueles ganchinhos da carroceria da caminhonete, aí eu tive que ir pro hospital. Aí eu vim pro hospital. (risos) Deixei minha esposa lá, fui, peguei uma carona lá, vim pra cidade, fui no hospital e voltei pra lá de novo.
P/1 - Esse teve que correr pro hospital? (risos)
R - Esse teve que ir pro hospital. (risos)
P/1 - Sangrou?
R - Foi, a pancada foi muito forte aqui. Aparecia até o osso.
P/1 - Então falou: “Não, agora eu vou ter que correr pro hospital”. Eu sei que isso é mais recente, mas pra vocês correrem pro hospital naquela época, era só se fosse uma coisa muito absurda assim?
R - Era. Tem que causar medo, se não causar medo, não vai. (risos)
P/1 - Mas parto, essas coisas, era tudo lá na comunidade?
R - Tudo fazia lá.
P/1 - Quando era alguma coisa... Para sair de lá, só quando era uma coisa mais séria mesmo, porque senão era tudo: amarra o negócio aqui, passa uma coisa aqui, fica aqui.
R - Lá na roça é melhor do que aqui na cidade. Às vezes a gente coloca, a gente vê dessa forma, acho que tudo lá é melhor do que aqui, a gente prefere ficar lá machucado do que vir pra cá, porque lá é mais tranquilo, mais gostoso, você quer aproveitar a oportunidade de tá lá, porque nem sempre você tinha oportunidade de tá lá. Tanto é que eu deixei minha esposa lá, vim e voltei rapidinho pra lá de novo.
P/1 - Muito bom, seu Zé. (risos) E aí nessa época da pesca... Vamos só um pouquinho pra gente falar um pouquinho mais da pesca, porque aí tinha um jeito específico de fazer a pesca. Como você falou, você dava um negócio no peixe... Como é que era esse costume lá?
R - É porque quando a lagoa tá baixando, tá secando, a água já começa a sujar e o oxigênio da água começa a ter suas deficiências. Aí os peixes começam a aparecer com a boca pra fora e tal. E aí, é nessa época que o pessoal vai fazer essa “tinguijada”, o resgate dos peixes pra uso, pra consumo. E aí pra diminuir a oxigenação mais ainda, o pessoal sai arrastando galhos de árvore dentro da lagoa pra sujar mais a água. Aí eles ficam perturbadinho mesmo e sai com a cabeça pra fora e você vem com pauzinho, bate na cabeça deles. E vai só pegando. Aí é onde entra o risco: se você bater na cabeça de uma piranha lá, você leva a mão e ela pode morder o dedo.
P/1 - Te dá uma mordida. (risos)
R - Tem pessoas que já levou mordida na perna, que fica lá dentro da água, todo mundo andando dentro d’água lá e tudo, né?
P/1 - Mas isso era umas piranhas pequenas ou tem piranha grande, tem peixe grande? Como é que é?
R - Tem! Lá o pessoal pegava até surubim, dourado, peixe grande, peixe pequeno. Tem umas pirambebas, que eles falam: pirambeba é as piranhinhas pequenininhas.
P/1 - A parte boa é que quando esses peixes vêm à tona, é a hora que já sabe que vai ter peixe por um tempo.
R - E não consegue pagar tudo ainda, né?
P/1 - Porque é muito!
R - Tem peixe demais.
P/2 - E eles usavam um método de conservar o peixe diferente, porque lá não tinha geladeira, pra todos, pra comunidade. Aí eles usavam um método. Qual o método que eles utilizavam?
R - Aí isso é o que o pessoal utilizava pra secar o peixe. Eles salgavam o peixe. Utilizava o sal, salgava o peixe e colocava no sol pra secar, porque aí você consegue ter um estoque de peixe por muito tempo.
P/1 - Porque não tinha geladeira, não tinha nada. É uma técnica que o pessoal tinha pro peixe durar um pouco mais?
R - É. Porque pegava muito. Então, se você não fizer assim, não adianta você tirando ele lá de dentro da água, mas ele vai perder se você não fizer, não usar desse meio aí pra conservação da carne do peixe.
P/1 - E durava bastante? Ficava bastante tempo?
R - O peixe depois que tá sequinho, é igual carne seca: você pode pode ficar 15 dias com ele ali, ele sequinho, pode ficar tranquilo.
P/1 - Então por um período, quando pegava esse peixe, tinha por um tempo. E como você falou, na tinguijada, vocês dividiam o peixe com o pessoal da comunidade, então você já sabe que aquela época todo mundo ia ter peixe.
P/1 - Cada um pegava o seu. Agora, por exemplo, aqueles que não tinha habilidade pra pegar, às vezes, ganhava de quem pegava. Quem pegava muito, dava um pouco pra quem não pegava nada. O pessoal é muito unido. Todo mundo comia peixe.
P/1 - E aí vocês comiam peixe também na sua casa?
R - Não sei se você já comeu peixe salgado, peixe solado, porque tomou sol, mas é uma delícia.
P/2 - E eles faziam também o prato lá, o peixe com mandioca.
R - Peixe com mandioca, peixe com abóbora madura. É uma delícia.
P/1 - Mas ele faz com pirão? Esse peixe é cozido, é assado?
R - É o molho. Faz o molho, entendeu?
P/1 - E era tudo no fogão de lenha, na época?
R - Fogão de lenha. É uma delícia o peixe seco com mandioca, peixe seco com abóbora madura. Aí, o interessante é que a abóbora não era desse tamanhozinho, é um pedação assim ó, porque as panelona grande... Corta aqueles pedação de abóbora e joga no meio do peixe lá e cozinha, faz aquele molho. É uma delícia!
P/1 - Então vamos voltar um pouquinho. Agora, pra cidade: você estudou, como tava contando. Logo depois que você se formou, como é que foi, você já entrou na polícia? Como foi esse processo na sua vida, seu Zé?
R - Na sétima série, eu fiz o concurso, aí eu passei, fui pra Patos, fiz o curso, fiquei em Patos quase um ano. Aí passei no concurso, fiz o curso e passei, aí fui designado pra João Pinheiro. Trabalhei em João Pinheiro dois anos e seis meses mais ou menos, aí depois eu casei e mudei pra Paracatu.
P/1 - Mas aí essa época que o senhor tava contando, começou lá na sétima série, muito novinho, já fez o concurso, já ficou estudando. Você já tinha uma ideia de ser Polícia Militar?
R - Na verdade, eu não tinha ideia, mas o meu tio era polícia também, era da minha idade, mas conseguiu entrar primeiro que eu. Aí eu me aventurei. Eu tinha paixão com exércitos, sempre fui patriota, tive amor à nossa pátria e ao Brasil. E por eu não ter servido o exército, aí eu entrei na polícia, porque eu entendia que eu precisava conhecer um pouco do militarismo, por causa da pátria, por causa do Brasil, que naquela época as escolas ensinavam muito a gente a ser patriota, e tinha aula de moral e cívica. O Levi era um professor nosso. E aí por causa de não ter participado do exército, eu participei do concurso da polícia, aí eu passei...
P/1 - Mas no exército teve algum problema que o senhor não conseguiu entrar? Era contingente, o que que aconteceu?
R - É que eu morava aqui em Paracatu. Até fui em Brasília pra tentar entrar, mas não consegui, porque eles não alistavam pessoas daqui, eles alistavam mais eram pessoas de Brasília. Com isso, eu não tive oportunidade, aí eu fiz o concurso. Me lembro até da redação, falava de “As minhas férias de escola”. A redação nossa da Polícia Militar foi essa, era pra falar das férias da escola.
P/1 - E as férias da escola eram essas que você tava contando pra gente agora. (risos)
R - É.
P/1 - E você contou isso na redação?
R - Desenvolvi minha redação falando justamente, voltado pra quando eu ia pra roça, que eu plantava. Na roça tinha as plantações, mexia com lavoura. Aí fui desenvolvendo a minha redação aí, sabe? Aí deu certo, passei, fui pra fazer o curso e tudo. E tamos aí aposentado, graças a Deus.
P/1 - E aí quando o senhor começou a trabalhar, já tava na polícia, já tinha passado, aí foi aqui que o senhor trabalhou, em Paracatu mesmo? Ou o senhor teve em outros lugares, como é que foi isso?
R - Na Polícia Militar, eu participei em Patos, na formação. Depois participei em João Pinheiro, depois participei em Paracatu, perímetro urbano, depois trabalhei na polícia rodoviária, depois fiz esses curso de sargento, de cabo, em Patos, fiz curso de sargento em Belo Horizonte. Em Belo Horizonte, eu fiquei um ano, depois retornei pra cá. E na minha sequência, 30 anos, entreguei a chuteira.
P/1 - Então porque eu queria entender como é que foi essa época antes de chegar o sargento, você falou aí 30 anos, tem bastante chão aí. Como foi essa época de policial, essa época que você tava aqui em Paracatu? Como é que era nesse período? Primeiro, que época foi isso, mais ou menos, Seu Zé?
R - Aqui em Paracatu foi a partir de 95. É, não, foi na década de 90.
P/1 - Sim. Aí nessa época, como é que era Paracatu e como era ser policial em Paracatu?
R - Na verdade, era melhor do que hoje, porque naquele tempo, na década de 90, as pessoas respeitavam mais as outras, respeitavam as autoridades, as pessoas que faziam parte das leis. E foi tranquilo. Porque a questão na Polícia Militar, às vezes as pessoas pensam uma coisa, mas não é o que eles pensam, porque o policial tem que saber viver com as pessoas, respeitar as pessoas também. Se ele quer ser respeitado, ele tem que respeitar. Então trabalhei assim, respeitava as pessoas, tratava as pessoas com educação, com respeito, com amor. Tanto é que já, por várias vezes, peguei bêbados na rua, até levei em casa. Pessoa que tava com dificuldade, bêbado na rua, leva em casa.
P/1 - Aí você ficava nesse perímetro urbano, então as questões que você viu eram sempre as questões da cidade, porque você não ia pra roça, não ia pra outras comunidades.
R - A gente trabalhava em roças também. Quando tinha festa, a gente ia pra dar apoio e a gente também trabalhava lá.
P/1 - Mas era mais tranquilo, era mais bagunçado, nessa época, quando tinha festa?
R - Não, o pessoal quando vai pras festas, eles querem dançar e beber. Tem um ou outro que a bebida ultrapassa na cabeça dele, aí ele cria confusão, mas esse pessoal da roça mesmo, respeitam muito. Você chega, eles não criam confusão.
P/1 - E aqui na cidade, uma época, teve um boom, uma explosão de turistas, que aí veio empresa internacional, um monte de coisa e começou a chegar gente de fora, que não era a gente dos costumes que vocês estão acostumados. Nessa época o senhor era policial, não era? Como é que foi esse período aí?
R - Então, nessa época aí também... Para mim é normal, porque eu trato as pessoas como elas merecem. Se a pessoa respeitar a farda que eu tô vestido ali, beleza. Se não respeitar, precisar de falar alto com ela, eu falo alto com ela. Se não precisa falar alto, eu não falo alto, mas se precisar falar alto, eu falo. Quer dizer, eu tenho que impor autoridade, que eu tô ali investindo. Então, era assim. Mas graças a Deus, nunca tive problema. A gente conduziu a responsabilidade que a gente carregou, a gente soube conduzir.
P/1 - Então vamos falar um pouquinho assim: então nessa época aí que você foi, que você tava contando pra a gente, foi estudar e tudo mais, era polícia militar. Aí, no meio desse caminho, você conheceu Dona Isabel e vocês se casaram. Você já conhecia ela, como foi essa história?
R - Conheci ela antes. Nós nos conhecemos na igreja. A gente participava de um grupo de jovens na Igreja Católica Apostólica Romana e aí a gente, nós nos conhecemos e...
P/1 - Isso aqui em Paracatu mesmo?
R - Aqui em Paracatu.
P/1 - Entendi. Aí você já conhecia ela desde essa época, desse período aí?
R - É.
P/1 - Sim.
R - É. E aí foi antes de eu entrar na polícia. Aí nós nos conhecemos e namoramos, depois casamos.
P/1 - E quando casou, ficou morando aqui em Paracatu mesmo?
R - Morando aqui. Conseguimos continuar morando aqui.
P/1 - E você tem filhos, Seu Zé?
R - Eu tenho três filhos e tenho três netos.
P/1 - Qual o nome dos filhos, Seu Zé?
R - Eu tenho um filho que se chama Jonathan Santana Alves Oliveira, uma filha que se chama Layane Regina Alves Oliveira e tem outra filha que se chama Larissa Melriele Alves Oliveira.
P/1 - Você falou que tem três netos, qual o nome dos netos?
R - Cauã (Albrioli?) Alves Oliveira, e tem o Nicolas Cursino Alves Oliveira e tenho a Manuela que também... Essa é a mais nova, né? A Manuela tava até lá em casa pouca hora, que é também a nossa neta.
P/1 - É uma bebezinha.
R - É. Ela tem 3 anos, né?
P/1 - Seus filhos estudaram? Como foi essa época aí da criação, essa parte aí da família?
R - Estudaram. Eu tenho uma filha que fez administração de empresas, e outra que fez engenharia de produção. E o meu filho, começou a fazer faculdade, depois não deu sequência, trancou a matrícula lá e parou.
P/1 - Mas todos estudaram e você foi incentivando que eles estudassem mesmo, tanto que as filhas são até formadas?
R - O meu filho não estudou porque não quis. Não fez faculdade porque não quis.
P/1 - Mas tá todo mundo em Paracatu hoje?
R - Tá todo mundo em Paracatu. Graças a Deus! Meu filho trabalha numa retífica de motores; a minha filha Laiane trabalha no Banco Sicoob; e a Larissa agora eu não tá trabalhando por causa da filha, porque a filhinha tem 3 anos e ela achou melhor ficar com a filha. O esposo dela tem um caminhão carreta, então, graças a Deus, dá pra se manter sem precisar dela trabalhar, e cuidar da filha.
P/1 - O senhor contou tinha conhecido a dona Isabel na igreja católica e depois o senhor falou que era evangélico, então aconteceu alguma coisa aí no meio do caminho. Como é que foi esse período, essa mudança, Seu Zé?
R - Os caminhos nem sempre são flores. Às vezes tem as lutas, as dificuldades. E nessas dificuldades, a gente busca enxergar um horizonte maior. Eu tive um câncer no intestino. Devido a essa enfermidade, eu fiquei um tempo buscando diagnóstico com os médicos. Os médicos não conseguiram descobrir nada. Aí depois eu fui pra Belo Horizonte... Até meu pai que foi, mais eu. Aí fiquei no Hospital da Polícia Militar, aí eu fui entender que eu iria ficar lá por algum tempo, aí eu, um dia, pedi a uma faxineira... Eu cheguei num dia e no mesmo dia de manhã, ela tava limpando lá perto da minha cama... Eu analisei que ia ficar um tempo lá, aí eu pedi a ela alguma coisa pra ler. Aí ela disse que não tinha. Tudo que eu pedia, ela não tinha. Ela falou assim: “Eu tenho uma Bíblia lá em casa, serve?”, “A Bíblia mesmo serve”. Aí ela trouxe essa Bíblia, comecei a olhar a Bíblia, por aí eu comecei a minha mudança na minha vida religiosa, na minha fé. E aí Deus foi trabalhando na minha vida. Quando eu saí de lá, fui pra igreja. O médico tinha me desenganado, tinha falado que eu ia morrer. Ele não falou pra mim, falou pra minha esposa. Se tivesse falado pra mim, eu tinha até batido as botas. (risos) Mas falou pra minha esposa, que eu não iria viver mais que 15 dias. Aí, com essa questão deu ler a Bíblia, a minha fé foi sendo aguçada, foi sendo ativada, foi me dando uma estabilidade de mudança: aí eu comecei a ter como regra de fé a Bíblia. Então, hoje eu tenho como regra de fé a Bíblia. Aí eu fui pra igreja evangélica, a quadrangular, lá em Belo Horizonte, com parente meu lá. Que eu fui sair do hospital, fiquei na casa deles uns dias lá, aí comecei a ir na igreja com eles. Depois, vim embora e quando chegou aqui, procurei logo uma igreja evangélica também, por entender que algo tava diferente. Com isso, eu fiquei na igreja, hoje eu sou pastor na igreja, fundei um ministério. Esse Ministério Quadrangular, eu sou presidente lá, fundador. E aí a gente conduz a nossa regra de fé por aí, pela bíblia.
P/1 - Sua vida também mudou completamente por causa disso, né? Você tinha uma visão das coisas e foi lendo a bíblia... E nesse momento, só o senhor mesmo e Deus, e a Bíblia, que foi despertando alguma coisa lá dentro de você e aí depois é que você foi procurar essa questão mais institucional, a religião, a igreja mesmo. Mas o primeiro momento, era o senhor e a Bíblia.
R - Só a Bíblia e eu. Interessante que nessa trajetória aí eu fiquei distribuído dentro do hospital. Eu tive lá no quarto mais no fundo do corredor, do lado direito e tinha um policial lá - que lá era o hospital da polícia, era só polícia -, que era espírita kardecista. Aí, cá atrás, antes do meu quarto, tinha um da Igreja Católica Apostólica Romana. E também, na verdade, eu era católico apostólico romano. E eu fiquei no meio. Aí fiquei nessas três opções. Quando as pessoas chegavam no dia da visita, aqueles que viviam lendo a bíblia, alguns me viam lendo a bíblia, católico, eles não chegavam porquê eu era... Porquê eles pensavam que eu era evangélico, mas eu era católico. Às vezes não se aproximavam de mim por causa da Bíblia: porque quem lê Bíblia, é crente, não sei o que tal, o costume era assim. Hoje tá mais diferente. Aí os católicos não chegavam porque eu tava lendo a bíblia. Aí o evangélico chegava e me perguntava: “Ah, você é evangélico?”. Eu falava: “Não, eu sou católico”. Aí eles, como diz o outro, saíam também. Então, nesse meio tempo, eu fiquei assim quase que... Não é desprezado por eles, mas eu fiquei tipo selecionado ali, numa seleção. Mas aquilo ali era um uma prova de Deus comigo, porque Deus tava ali também me refazendo. Jesus fala que ele é o: nós somos o barro e ele é o oleiro, né? Então aí Jesus estava ali me fazendo de novo, o vaso, né? Então aí, com isso aí, eu fui me sintonizando com a Bíblia e fui sentindo as suas diferenças. Nesse meio tempo, eu já tava orando com algumas pessoas lá e tal, já tava sentindo muito um ambiente gostoso, tava ficando no hospital tranquilo, à vontade, nada me incomodava lá, graças a Deus. Mas foi a Bíblia. Não foi ninguém que veio falar comigo, tanto é que as pessoas fez (risos) foi, como diz, os outros me rejeitavam mesmo. Mas eu tô no que tô, graças a Deus. O médico me deu 15 dias, passaram mais de 25 anos dessa cirurgia. Os médicos lá já aceitaram que eu fui curado, nem preciso voltar lá mais. E por aí a gente vai caminhando.
P/1 - E aí você voltou pra casa e até então vocês eram católicos, como o senhor disse, e aí depois aconteceu uma transformação também na família, né? Como é que foi isso? Porque a sua família também era de tradição católica. Como é que foi esse choque cultural aí?
R - Na verdade, a mudança foi pra melhor, porque algumas pessoas até foram pra igreja também e ninguém me discriminou por isso. Porque eu saí daqui morto e voltei vivo, então pra eles foi um ganho. Quando a gente ganha, a gente vai fazer festa, né? Então, com isso aí, eles, graças a Deus, todo mundo me respeita como pastor. As pessoas, meus parentes lá, eles até costumam agradecer a Deus porque tem um pastor na família, apesar que eles são católicos apostólicos romanos...
P/1 - Ah, eles continuam, uma parte da família continua católica.
R - É, muitos continuam. Agora, outros até congregam comigo: minha mãe, tem uma irmã, minhas irmãs, algumas irmãs, congregam conosco lá. E essa caminhada aí foi uma caminhada que foi uma evolução.
P/1 - E depois foi cada vez mais fazendo sentido, o senhor também foi se enveredando. Você também foi estudar pra ser pastor, é isso?
R - Eu fiz teologia.
P/1 - Aí depois você foi buscar fazer teologia mesmo, se transformar.
R - É. Eu fiz um curso de bacharel em Teologia. E aí continuei dando sequência na minha vida religiosa. E cada dia que passa, a gente aprende um pouco mais, porque o cristão, ele tem essa oportunidade de aprender cada dia um pouco mais. É só querer, né? Então, a gente cada dia aprende um pouco mais, apanhando ou não. Porque o ser humano, a vida toda, não é mar de rosas, você tem os obstáculos também pra enfrentar, que são as provas, provações. Então a gente leva a vida pela fé, sem ter medo dessas coisas que tá acontecendo aí, eu não tenho medo de nada disso, sabe? Covid-19, essas coisas. Confiança em Deus e tocar pra frente.
P/1 - Eu só vou voltar um pouquinho pra comunidade, pra gente fazer uma diferenciação temporal mesmo. A comunidade lá do Pontal foi uma coisa naquela época, e como é que ela tá hoje?
R - Hoje é até triste falar, porque hoje é totalmente diferente, não existe união. Aquilo que existia antes, não existe. Eu vou muito pouco lá, quase nada. Eu fui lá quando, que eu fui nomeado vice-presidente lá da associação, fui lá no dia que teve eleição. Passaram-se dois anos, né, Bel? Dois anos e pouco.
P/2 - É, uns dois anos.
R - Não voltei mais, porque, infelizmente, nunca foi feito mais reuniões. Eu até joguei muitas indiretas pra ver se fazia reunião com o povo lá e tal, tentei fazer reunião lá também mas, infelizmente, o povo é desunido, existe uma desunião muito grande. Aquela coisa bonita que acontecia nos tempos dos nossos ancestrais, não existe, entendeu? É cada um pra si e olha lá! Infelizmente é assim o ser humano.
P/1 - E lá também tem muito mais gente do que tinha antes? Ou não, diminuiu? Como é que ficou lá a comunidade nesse sentido?
R - A comunidade lá teve uma mudança muito grande, porque hoje você encontra um grande número de pessoas que são forasteiros: pessoa de São Paulo que tem o seu rancho, pessoa de Belo Horizonte que tem seu rancho, pessoas de Brasília que têm o seu rancho. Então, muitos forasteiros estão lá simplesmente pra ter um espaço de lazer. Então mudou muito. Por isso, tudo foi mudado. Não é aquele povo que amava outro lá, hoje é diferente.
P/1 - E os descendentes desse povo que tava lá? O senhor tá aqui em Paracatu, mas e o resto do povo lá que você lembra, dessa época aí que o senhor ia pra lá, aí conhecia bastante, tinha um, amigo de outro, primo do outro. Onde tá esse povo hoje?
R - Tem muito, tem vários lá. Eu não sei nem identificar se é muito, se é pouco ou se tá razoável, mas tem muita gente lá, da descendência. E só que eles não pegaram aquela cultura dos ancestrais, porque hoje com essa questão de internet, telefone, as pessoas pegaram um ritmo diferente. A cultura mudou. As pessoas hoje, às vezes, um senta perto do outro e tá no seu telefone e o outro não tá nem ali, presente, perto dele, nem existe. Não existe ninguém perto dele, só mesmo ele, o telefone e as teclas. A mudança que causou alteração ali na sociedade, ali naquele grupo de pessoas, não é mais aquela que era antigamente.
P/1 - E da sua família, quem ainda tá lá, quem veio pra cá? Tem gente morando lá na comunidade ainda?
R - Pessoal da minha família, vieram todos. Até meu tio vendeu a propriedade dele. Meu tio vendeu, veio pra cidade, e até ele já faleceu também. A minha tia também, que morava lá, na mesma propriedade dele, mudou pra cidade também, já faleceu. Dos meus parentes mais próximos... Lá tem parentes distantes, mas próximos meus, de até terceiro, até quarto grau falando, não tem ninguém lá.
P/1 - Dos costumes dessa época aí dos avós, dos pais, o que é que o senhor olha pra trás e vê que existe até hoje?
R - Pois então, é o que eu tava dizendo, essa parte que a gente não vê. Infelizmente, acabou-se. Com o tempo, isso evaporou-se. Com a inovações, com a evolução, as informáticas, isso aí acabou. Hoje, as pessoas são diferentes.
P/1 - Aí o senhor falou que aposentou, né? Então voltando um pouquinho pra essa coisa da vida profissional: continuou aqui em Paracatu, e aí o senhor está dedicado hoje à igreja, que você falou de ser Pastor e tem uma questão com a associação também, que você tava falando. Como é que é isso, como é que essa associação? Como é que surgiu isso na sua vida agora, que é um pouquinho mais recente, Seu Zé?
R - Na questão da associação lá do Pontal, dos quilombola, já tá vencendo lá o tempo e não conseguimos fazer muita coisa. Fizemos alguma coisa? Fizemos, pra ajudar as pessoas. Eu acho assim que a gente tem que participar dessas coisas pra ajudar. Minha esposa também, ela vê dessa forma. Nós nos esforçamos muito pra ajudar a associação lá, o pessoal, o povo. A gente vê que as pessoas que estão lá, são mais carentes do que os outros que estão na cidade. Então existe muita carência lá, nos quilombolas no Pontal. Existe muita dificuldade. As pessoas lá, tem gente que não é aposentado. Existem muitos que são aposentados, algumas pessoas que vivem da pesca... E a pesca lá não está fácil, porque o rio lá já não é mais aquele rio. Mesmo nessa época de chuva. Agora eu tive notícia que a água lá tava baixíssima, dava pra atravessar o rio a pé. Então o pessoal que vive de pesca lá, hoje está com dificuldade, não tá tendo mais peixe no rio. São defensivos agrícolas, de pivô, são dragas que retiram areia do rio, então o rio sofreu um dano muito grande, não é mais aquele rio que pegava surubim do tamanho desse moço aí, que é maior que nós todos aqui. Naquela época, eles pegavam um surubim, era grande mesmo. A minha bisavó sabia recortar uma cabeça de surubim e ela salgava. Eu gostava tanto quando ela vinha passear aqui em casa, porque ela trazia aquele negócio solado e salgado. Ela ia recortando de uma maneira, que ela ia fazendo tipo um fio, negócio mais bacana que ela fazia, a experiência dela lá, na época, ela recortava a cabeça do surubim todinho, sem precisar separar um pedaço do outro.
P/1 - Aí ela vinha passear na casa da sua mãe, na cidade, na época, e às vezes trazia os peixes de lá?
R - É. O pessoal lá da roça é engraçado. As pessoas tem diferença entre uma e a outra. A minha mãe era diferente porque o pessoal, todo mundo vinha e queria ficar só lá em casa. Pessoal que vinha da roça, que vinha dos lugares, pra eles tinha aquele aquele negócio de ir só lá pra casa, aí nós lucrava que eles traziam esses peixes. (risos)
P/1 - E essa casa que o senhor mora hoje é a casa que você mudou, e tá sempre na mesma casa? Ou não, você já mudou várias vezes pra cá?
R - Não, graças a Deus, eu só morei... Depois que eu casei, quando meu pai mudou da Bebida pra cá, nós moramos de aluguel numa casa. Aí depois meu pai comprou uma... Não era... Era dois cômodos feitos de adobe, lá onde minha mãe mora até hoje. Aí depois ele foi crescendo, foi aumentando. Aí nós moramos lá a vida toda, o resto da nossa vida, toda lá. E eu, quando casei, morei na casa do avô da minha esposa, quando nós casamos, de favor. Depois Deus abençoou, que eu comprei essa casa onde eu moro hoje. E nós moramos lá até hoje, né, Bel? E estamos com a intenção de mudar. (risos) Eu tô construindo outra casa pra gente, lá na Vila Militar, lá perto da Faculdade Atenas. A ideia é mudar, se Deus permitir que a gente consiga terminar lá. (risos)
P/1 - Mas, enfim, nessa casa o senhor ficou muitos anos, essa que o senhor tá hoje? Mais de 20 anos aí.
P/2 - Ficamos 27.
R - 27 anos, né?
P/2 - 27 anos nela. Moramos 3, 2 anos. 3 anos na casa do meu avô e 27...
P/1 - E 27. Uns 30 anos assim já.
P/2 - É, mais de 30.
P/1 - Que é o tempo que vocês têm de casado, uns 30 anos?
P/2 - É, uns 35.
R - 35 lá na... Nós moramos lá mais de 27 anos. Nós moramos lá uns 20, uns 32 anos que nós moramos lá. Mais ou menos 32, 33.
P/2 - Moramos 2 anos e meio na casa do meu avô.
R - É.
P/1 - E aí a gente tava falando então da associação, o senhor tava falando sobre as questões que estão rolando lá na comunidade agora e que até algumas coisas conseguiram fazer, algumas outras não, porque o pessoal está passando muita dificuldade.
R - É, o pessoal lá tem umas dificuldades. Não é assim coisa extrema, mas pras pessoas que moram na roça, é muito difícil. Eles têm lá um problema de água potável, o rio tem muita água, mas...
P/1 - Não é uma água tratada, essa de Paracatu.
R - Não é uma água... É.
P/1 - Mas ela é poluída hoje? Porque ela não era na época que o senhor era jovem, né?
R - Na época que eu era jovem, não, né? A gente podia até beber. Agora, hoje, se beber, morre, porque tem peixe lá que de vez em quando morre por causa da poluição. Defensivo agrícola, né? Pessoal tem pivô lá, que usa a água do rio.
P/2 - E também por causa da distância que é do rio até as residências deles. Também tem esse lado.
P/1 - Não tem mais estrutura que leva essa água pras pessoas, essa água aí, potável. Essa ou qualquer água mas que seja potável pras pessoas?
R - Lá tinha um poço artesiano, mas teve um conflito, essa questão de ______ com a Embratel. E o pessoal tá precisando de fazer uma outra, um outro sistema de água pra fornecer água pro pessoal.
P/1 - E agora eles estão resolvendo como, é caminhão pipa? De onde vem essa água agora?
R - Eles buscam em alguns outros lugares, porque lá tem muitos lugares que tem poço artesiano. Esse pessoal, por exemplo, que são forasteiros lá, que são de fora, que estão lá ranchados - ranchados porque eles falam que que é rancho, “fazer rancho”. Por isso que eu falo ranchado -, esse pessoal tem suas condições, alguns tem cisterna. Então é um vizinho servindo outro,
P/1 - Mas não é uma água que dá pra uma população, por exemplo?
R - É, mas o pessoal lá, eles fazem assim: buscam a água com os vizinhos.
P/1 - Então a gente vai pras perguntas finais agora, tem umas duas de praxe que eu faço: a primeira, eu gostaria de perguntar se tem alguma coisa que o senhor gostaria de falar que eu não perguntei? Alguma coisa que você lembre e você fala: “Hum, ele não perguntou, eu gostaria de falar sobre isso”.
R - No momento, não tenho lembrança de ter não.
P/1 - Tá bom, então tranquilo. Vou pra a última pergunta - essa aqui é de praxe, a gente sempre faz pros entrevistados -: o que o senhor achou de contar sua história de vida pro Museu da Pessoa? Que o senhor acha disso, de tornar sua vida um acervo, sua história de vida?
R - Eu acho que é importante. E a gente ser visto dessa forma, porque deixar registrado uma história não é a mesma coisa que você contar uma história num grupo de pessoas somente. Então é algo mais profundo, mais elevado. Então, assim, você perguntou se tinha alguma coisa que eu queria falar, quero aproveitar e falar de música também, porque a gente falou que eu era católico apostólico romano, depois que passei a ser evangélico, e não falamos de música. Porque a gente vê a música… a música tem as suas diferenciações. E também, às vezes, a gente, as pessoas... Que nós estamos falando de quilombolas, né? E eu quero falar de música justamente por isso, porque as pessoas conseguem ver o quilombola só nas questões de músicas africanas. Nas questões de músicas africanas, mas a pessoa tem a sua evolução, não é mesmo? E, por exemplo, eu como de uma evolução, de uma mudança, na questão religiosa eu também tive uma, sofri uma alteração na minha vida musical, né? As pessoas acham que o quilombola tem que viver somente as culturas antigas. E assim, por exemplo, hoje é um tempo diferente do tempo antigo e o tempo de hoje, houve uma alteração, uma mudança. Por exemplo, eu vivia naqueles tempos das músicas afro, nas músicas africanas e tudo e tal. Hoje eu gosto de blues, gosto de músicas diferentes, músicas evangélicas, músicas gospel, como muitos gostam de falar. Então são as mudanças que acontecem na vida do ser humano, porque às vezes nós olhamos pra questão de quilombola, questão de pessoas negras, essas coisas e a gente foca somente aquilo que aconteceu há muitos anos atrás, lá pelos anos 1500, etc. e por aí vai, e ignora a atualidade, o presente. Ocorreram mudanças, as pessoas, a mentalidade das pessoas mudou, né? Antigamente, você não tinha telefone; hoje você tem telefone. Então são as mudanças que foram acontecendo. E, assim, nas movimentações da consciência negra, desses eventos voltados para os negros, o povo ainda não abriu a visão sobre isso. Particularmente, ainda não vi essa abertura do leque para os acontecimentos na vida social das pessoas quilombolas ou não quilombolas, negro ou branco, seja o que for. Porque até o próprio índio, na sua cultura, ele teve uma evolução, né? Porque o índio, são fiéis na cultura deles, a dança deles é aquela mesmo, mas mesmo assim, eles também tiveram mudança. Os índios, você vê eles com telefone na mão e tal, você vê os índios participando da política social. Então ocorreram mudanças, houve uma edificação. Então às vezes, pelo que eu tenho observado, eu não consegui ver ainda essa evolução também por parte do negro, das pessoas que trabalham na sociedade, nos movimentos dos negros. Às vezes as pessoas olham... A religião, por exemplo, só é falada da religião dos tempos de antigamente, o Candomblé. Só nessa linhagem aí. Mas houve uma mudança: eu sou negro e hoje eu não sou do candomblé. Eu fui criado no meio, minha família, meus avós fizeram centros, tem dois centros…
P/1 - Existe alguma coisa que era do costume deles na época, mas que o senhor tá falando, é um costume antigo.
R - Um costume antigo, né? Então os meus avós, o meu tio, tinha sempre na casa dele, o outro tinha centro dentro da casa dele, aquela cultura. Nós fomos criados no meio disso daí, embora eram os católicos apostólicos romanos, mas nós nos misturávamos em meio às crenças religiosas. Mas aí teve uma edificação, teve uma mudança, uma evolução. E aí as pessoas vão mudando. Então, quer dizer, eu sou negro, mas hoje eu sou evangélico. Então, às vezes, existe uma resistência por parte disso. Mas isso é uma verdade, um fato. Isso não é uma invenção.
P/1 - Em relação às coisas das músicas, que o senhor... A gente entrou nesse papo pra falar da música. Começou, por ele, quer dizer. O senhor tem algum envolvimento com música agora dentro da igreja, porque eu lembro que o senhor falou que cantava. Como é que é essa questão da música na sua vida?
R - Eu sempre tive envolvimento na música, mesmo na Igreja Católica Apostólica Romana, a gente sempre tinha aquele envolvimento. E hoje eu vivo uma questão de música diferente, que é a música mais gospel, evangélica. Tenho composições minhas mesmo e tal, músicas que eu fiz. E assim, eu tenho uma certa dedicação na música. A música pra mim não é só hobby. Música pra mim é uma coisa importante, porque, por exemplo, eu posso estar do jeito que eu estiver, estressado, posso tá machucado, posso tá doente: chego lá em casa, pego o meu teclado ou o meu violão, tudo cai por água. Então, assim, eu gosto da música. Eu não sou bom tocador, mas eu gosto de tocar alguma coisinha, pra desprender dos fatos difíceis, das dificuldades, dos pesos que a gente às vezes carrega. Você, às vezes teve um dia que conseguiu passar ele todinho sem nenhum problema, mas às vezes amanhã, você quer ter esse mesmo dia de hoje, quer passar o dia todo como você passou hoje. Amanhã você já tem uns obstáculos pra enfrentar: você chega na sua casa amolado e tal, mas aí consegue entrar no ritmo da música, você consegue vencer ali aquela situação e tudo fica em paz.
P/1 - O senhor gosta, toca violão, toca teclado e canta também, você faz várias coisas assim?
R - Eu faço várias coisas. (risos) Se você me perguntar qual é a minha profissão, igual você perguntou, eu não dou conta de te falar qual é. Se eu falar o que eu toco, eu toco várias coisas: toco saxofone, toco gaita, toco flauta doce, toco violão, toco guitarra, toco contrabaixo. Não consegui tocar sanfona ainda.
P/1 - Mas é bastante coisa, seu Zé.
R - Toco muita coisa. Quer dizer, quem toca muita coisa, não toca quase nada, né?
P/1 - Não, você aprendeu um pouquinho de cada coisa.
R - Não tem perfeição. Eu sou aquele camarada que eles falam “polivalente”, alguma coisa diferente assim, né? Eu faço muita coisa. Com certeza eu não sou perfeito, igual eu falei com você que na escola eu era cinco, seis, sete. Era difícil 10. Então eu sou assim, sabe, tô nesse intermediário: não sou sempre bom, não sou bom; eu sou aquele mais ou menos. Mas eu faço. O que precisar de fazer, eu faço e deixo claro que eu fiz. Não fica aquele negócio de 10, 100%, mas fica claro que eu fiz.
P/1 - Eu, o Museu da Pessoa, os meninos da produtora, a gente agradece muito a sua entrevista e ter ouvido a sua história de vida. Muito obrigado, Seu Zé.
R - Ok. Eu agradeço vocês também por essa oportunidade da gente poder estar compartilhando, de algo importante, porque compartilhar das coisas boas, também faz um diferencial na nossa vida. Às vezes, a gente participa de tantas coisas que são ruins e deixa fatores negativos na vida da gente. Mas é importante a gente participar de coisas boas também. E essa é uma oportunidade que a gente tem e eu fico agradecido. Agradeço a você e todo o pessoal que tá te acompanhando nessa jornada aí desse trabalho, um trabalho muito bom. Eu fico agradecido.
P/1 - Obrigado, Seu Zé.
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